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Em 1948 foi legalizado o aborto no Japão, com o
nome de "Lei da Proteção Eugênica". O principal objetivo
planejado para a Lei da Proteção Eugênica seria a utilização
do aborto como medida eficaz para os problemas da
superpopulação e aceleração da taxa de crescimento
populacional. Conforme pode ser visto nas figuras anexas, tal
tentativa foi bem sucedida: a primeira figura mostra uma
curva da taxa de natalidade por mil mulheres japonesas entre
15 e 49 anos de 1920 até 1970, e nela verifica-se, logo após
a legalização do aborto, uma queda abrupta da natalidade, bem
maior do que a ocorrida durante o auge da segunda guerra
mundial.
Existe, porém outra maneira melhor de se avaliar o
impacto que a legalização do aborto no Japão produziu nas
taxas de natalidade. Através das figuras seguintes pode-se
fazer uma comparação das distribuições de faixas etárias de
um país subdesenvolvido, de um pais desenvolvido e do Japão
no ano de 1960, doze anos após a legalização do aborto.
A pirâmide de distribuição da população em faixas
etárias da Ilha Maurício, no Oceano Índico, referente ao ano
de 1959, mostra o padrão característico dos países
subdesenvolvidos; ela é larga na base, referente às idades
mais jovens, e vai se estreitando progressivamente à medida
em que nos aproximamos do topo, referente às idades mais
avançadas. Esta configuração ocorre porque há um crescimento
líquido da população. Em cada ano o número de pessoas que
entram na faixa etária dos 10 aos 14 anos, por exemplo, é
maior do que o número de pessoas que saem, naquele mesmo ano,
desta mesma faixa; isto faz com que a faixa cresça, e cresça
mais quanto mais a faixa se refere a menores idades.
Já a pirâmide de distribuição em faixas etárias da
população das Ilhas Britânicas segue o padrão comum aos
países desenvolvidos; ela tem a forma aproximada de um
retângulo que se afunila em ponta apenas bem perto ao seu
topo, apresentando praticamente a mesma largura para todas as
faixas etárias, com exceção das idades muito avançadas. Isto
ocorre porque o crescimento populacional é próximo de zero, e
o número de pessoas que entram por ano em uma dada faixa
populacional é o mesmo número que saem dela para a faixa
referente a uma idade mais alta. Não há motivo, pois, para
que as faixas se alarguem.
No fim da década de 50 todos os países do mundo
apresentavam basicamente uma pirâmide de distribuição
populacional em faixas etárias qualitativamente igual à das
Ilhas Maurício ou das Ilhas Britânicas. Todos, menos o Japão,
que era um caso inteiramente à parte, devido justamente ao
impacto que a ampla legalização do aborto causou na estrutura
populacional daquele país, um efeito que não pôde ser
produzido por nenhum outro programa ou conjunto de medidas
tomado por qualquer governo ou organização em nenhuma outra
parte do mundo. Em 1960 a pirâmide de faixas etárias do Japão
se apresentava em um caso único com uma forma semelhante ao
de um ôvo em posição vertical, apoiado pela sua base mais
larga. O maior diâmetro horizontal do ovo corresponde às
faixas etárias entre 10 e 14 anos, que é a mais larga de
todas as faixas etárias da pirâmide. Tanto para cima como
para baixo desta faixa a larguras das demais faixas diminui
progressivamente à medida em que se afastam da faixa
correspondente às idades compreendidas entre 10 e 14 anos. As
faixas etárias acima da que compreende as idades entre 10 e
14 anos representa a população nascida antes da legalização
do aborto, e a estrutura desta parte superior da pirâmide é a
típica dos países subdesenvolvidos, isto é, trata-se de uma
pirâmide que é larga na base e vai se estreitando à medida em
que se sobe em direção às faixas etárias superiores. Abaixo
da faixa de 10 a 14 anos, entretanto, a pirâmide está
invertida: começando pela faixa que compreende as idades
entre 0 e 4 anos, à medida em que se sobe em direção às
faixas etárias superiores, as faixas ficam menores, em vez de
ficarem maiores ou mesmo de permanecerem iguais. Esta parte
inferior da pirâmide compreendia o segmento da população
nascido depois da legalização do aborto e filtrado por ele. O
Japão, portanto, possuía agora uma distribuição populacional
em faixas etárias típica dos países subdesenvolvidos para as
idades referentes às pessoas nascidas antes da legalização do
aborto e típica dos países desenvolvidos para as idades
referentes às pessoas nascidas depois da legalização do
aborto. E nenhuma outra medida de controle de natalidade
havia obtido efeitos semelhantes em nenhum outro país do
mundo.
A Lei da Proteção Eugênica japonesa permitia o
aborto quando realizado por motivos médicos, eugênicos,
humanitários e sócio médicos. Entretanto, a interpretação que
foi dada a esta lei foi ainda mais ampla, e o aborto se
tornou uma verdadeira prática a pedido, amplamente
disseminada e amparada pelas instituições públicas.
A legalização do aborto no Japão teve uma
repercussão nos Estados Unidos muito semelhante à repercussão
que a legalização do aborto na União Soviética teve na Europa
Ocidental no período entre as duas grandes guerras.
Entretanto, havia agora também uma diferença fundamental
entre estas duas situações: nos Estados Unidos dispunha-se de
um corpo de peritos e de um instrumental de análise
científica para se apreciar o significado e as implicações do
que estava ocorrendo no Japão que o movimento neo malthusiano
do período entre guerras na Europa jamais havia sonhado que
um dia seria possível existir.
A experiência japonesa teve, de fato, no numeroso
círculo de especialistas que havia surgido em torno das
questões populacionais, um impacto impossível de ser
exagerado, tanto mais importante de ser salientado quanto
menos este impacto foi sentido, ao contrário do caso da União
Soviética na Europa do entre guerras, pelo público em geral.
Mais adiante teremos oportunidade de examinar como isto
ocorreu factualmente; de momento vamos voltar a examinar como
a problemática do aborto evoluía no mundo ocidental antes que
a experiência japonesa viesse a alterar o seu curso.
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