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Meu prezado amigo,
admiro-me ter ouvido de tua própria pessoa que te consideras apóstolo
da mais bela, da mais esplêndida entre as virtudes cristãs, que é a
santa virgindade, e, em geral, a perfeita castidade, embora dizes
também ter boas razões para dizer que talvez seria melhor deixar que
cada um a abrace ou não, como mais lhe agradar, especialmente nos
tempos de hoje pouco propícios, ou melhor, inimigos de tudo quanto é
bom e de todo objetivo sagrado.
Quero confessar-te a verdade, e dizer-te que estou bastante
surpreso, porque esta tua duplicidade, e ainda mais, toda a
argumentação que usas para justificá-la mais parecem em dissonância
com o teu costumeiro bom senso.
Mas é, por outro lado, este bom senso que me dá a esperança de,
com apenas esta pequena carta, poder endireitar certas idéias que,
perdoa-me, estão um tanto quanto tortas.
Que a virgindade e o celibato são virtudes muito louváveis e que
devem ser preferidas ao matrimônio, tu o sabes, é uma verdade da
qual nenhum católico pode duvidar, tendo definido o Concílio de
Trento:
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"Se alguém disser que o estado conjugal
deve antepor-se ao estado de virgindade
ou de celibato,
ou não ser coisa melhor e mais feliz
permanecer na virgindade ou no celibato
que unir-se em matrimônio,
seja excomungado".
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Devemos, portanto, como católicos, concordar todos em reconhecer
este dogma de fé, e crer nele como em todos os outros que nos ensina a
Igreja.
Semelhantemente, não há dúvidas quanto ao fato de que a perfeita
castidade é um conselho evangélico colocado em prática por uma
infinidade de santos que pelas suas virtudes heróicas mereceram as
honras dos altares;enquanto que não saberíamos dizer, tirando o caso
dos mártires, quais fossem os santos canonizados que não cultivaram
esta virtude no estado virginal ou de viúvos.
A este respeito e a respeito de todas as outras coisas que poderiam ser
ditas em louvor da perfeita castidade não é necessário que nos
detenhamos, pois nisto estamos em perfeito acordo. A questão está
em ver se é oportuno aconselhar aos outros, especialmente à
juventude, o estado de continência. Tu achas que é melhor deixar
que cada um siga a própria inclinação, e isto por diversas razões
que julgas boas. Ora, haverei de comentar estas razões mais tarde;
vejas agora se eu sei provar- te, como se diria, a priori, que te
colocas mal.
Se este conselho não deve ser dado, por que é dado pelo Santo
Evangelho? E por que São Paulo o dava assim tão geralmente que,
se a coisa fosse possível, teria desejado que este conselho fosse
aceito por todos os cristãos:
diz São Paulo,
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"que todos vós sejais como eu" ?
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"Todos vós", "todos vós", gostaria que fôsseis continentes,
como eu o sou, "todos vós", cristãos de Corinto: e estes,
ademais, não se diferenciavam dos cristãos de todo o mundo.
E por que promovia a prática da perfeita castidade com tanto ardor a
ponto de ser esta, senão a causa, pelo menos a concausa de seu
martírio, como se lê na história da Igreja?
E por que os sucessores imediatos dos Santos Apóstolos, e depois,
todos os Padres e Doutores da Igreja foram tão fervorosos pregadores
deste assunto e todos os principais dentre eles escreveram livros
inteiros para exortar os fiéis a abraçarem tão exímia virtude?
Vejas São Cipriano, São Gregório Nazianzeno, Santo
Atanásio, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, São
Jerônimo, Santo Agostinho; poderias desejar mais ardentes e mais
valorosos exortadores para inflamar o povo cristão ao amor desta
virtude? E no entanto viviam em tempos em que se poderiam ser ditas
supérfluas tais exortações porque, como podes ver na história,
esta virtude era para os fiéis um verdadeiro entusiasmo. De fato,
quando lês que apenas na Oxorinca, cidade não das maiores do
Egito, havia vinte mil virgens e dez mil monges, pode-se conjecturar
que número haveria em todo o mundo cristão de cultores da vida casta.
Não obstante isso os Santos Padres não julgavam coisa inoportuna
que com as suas pregações e com os seus livros aumentassem mais ainda
aquele ardor sagrado que hoje em dia nos parece já excessivo por si
mesmo.
Ora, portanto, acreditava o divino autor do Envangelho, acreditava
São Paulo, os homens apostólicos acreditavam, os padres e os
doutores da Igreja acreditavam que a perfeita castidade fosse algo para
ser aconselhado assim calorosamente; e tu, entretanto, meu prezado
amigo, julgas em tua perícia que mais se deve crer que a melhor coisa
é não dar palavra a respeito, nem dar este santo conselho a
ninguém?
Paraste para refletir sobre a guerra que a esta virtude fazem as
pessoas do mundo? Não há mal que dela não digam, e que, além
disso, publiquem por escrito. E poderá ser jamais um bem que,
enquanto a virtude mais bela e mais esplêndida é assim tão geralmente
e impunemente caluniada, e enquanto se fomenta contra a mesma a
aversão e o desprezo, aqueles que a conhecem e lhe conhecem os seus
predicados divinos e a injustiça das imputações que lhe são feitas
fiquem em silêncio, nem sequer uma voz se levante em sua defesa e cada
um se guarda de comentar-lhe o esplendor e o mérito e de aconselhar a
sua prática à juventude? Parece-te isto uma boa prudência? Ou
podes ainda duvidar do teu engano?
Vamos agora comentar as razões que consideras boas, as quais,
entretanto, por estarem em oposição a uma verdade manifesta, não
podem ser elas mesmas senão más, isto é, sofísticas e falsas.
Tu sublinhas com muita ênfase a dificuldade de conservar
perseverantemente esta virtude. Parece que se deveria dizer que és do
número daqueles que julgam a continência uma virtude reservada a
poucas almas privilegiadas, fora das quais nenhuma pessoa pode aspirar
a ela sem culpa de presunção, e sem manifesto perigo de ruína.
Mas eu devo observar ser isto uma fina arte do demônio, da qual,
cada vez que lhe convém, o mundo se serve. Não sabendo nem sequer o
demônio como esconder os predicados sobrehumanos da santa castidade,
faz parecê-la aos homens uma virtude tão alta e que tanto excede as
forças da fraqueza humana que a ela não podem aspirar senão os
incautos e os presunçosos; e também o mundo, seu inimigo jurado,
com a mesma boa fé do demônio, à sua semelhança, se mostra às
vezes admirado com a sublimidade desta virtude, desde que, todavia,
fiquem os homens dissuadidos de abraçá-la. Nada importa ao demônio
e nada importa ao mundo que os cristãos tenham em abstrato grande
estima da continência, como o tinham os gentios que diziam maravilhas
das Vestais, assim como dos cristãos, desde que esta virtude fosse
proibida na prática, como de fato era proibida por lei no mundo
antigo.
E é verdadeiramente uma surpresa ver homens inteligentes, como tu
também és, com a alma tão presa a este preconceito como a uma
dificuldade quase insuperável, que falam da vida cristã como de um
dom de Deus que devesse ser comparado em pé de igualdade, ou pouco
menos, com o dom de falar em línguas desconhecidas e de dar vista aos
cegos de nascença.
Vejamos se nos entendemos, meu prezado amigo: se a ti parece
dificílima a prática da castidade perfeita para a fraqueza humana
abandonada a si mesma, estamos de perfeito acordo, e se tu dizes ser
dificílima, eu acrescento que é impossível. Mas aqui não estamos
falando do poder que tenha a fraqueza humana deixada a si própria;
estamos falando do poder que tem sobre ela a graça onipotente de
Deus. Ora, vejas que coisa totalmente diferente: tu aceitarias se
eu te dissesse que a graça onipotente de Deus torna fácil à fraqueza
humana aquilo que sem ela seria dificílimo e impossível? Pois bem,
não apenas eu, mas tu também comigo, junto com todos os demais
católicos, dizemos que uma vida perfeitamente casta não pode senão
ruir sem a ajuda daquela graça, que Deus dá abundantemente a quem a
pede, e vive com as cautelas necessárias para conservá-la.
Superada a dificuldade da fraqueza humana, eu te rogo que observes se
são poucos e raros no mundo aqueles que de fato são obrigados a viver
em perfeita continência. Tu talvez dirás que esta é uma virtude
livre, que ninguém é obrigado a praticá- la, exceto aqueles que,
por terem feito um voto especial de castidade, ou por uma lei
eclesiástica, à qual se submeteram voluntariamente, tenham
renunciado ao estado de matrimônio; e, enquanto permaneceres no
domínio do abstrato, dizes otimamente. Mas se desces ao terreno da
realidade dizes muito mal. Duvidas? Então, anuncia a todos os
jovens que completarem seus quatorze anos, e a todas as jovens que
completarem os doze, que todos eles estão livres para se casarem.
Não os farias rir? Os jovens deverão esperar, geralmente falando,
os vinte e cinco anos, muitos os trinta e mesmo mais; as jovens os
dezoito, os vinte, etc.. E anuncia também que estão livres para
se casarem todas as centenas de milhares que estão no serviço
militar, todos os deformes e enfermos, todos os desempregados
incapazes de ganhar um pedaço de pão para matarem a fome, todas as
moças deformadas, doentes, sem nenhuma habilidade útil, sem um
tostão de dote. Diga a todos estes que estão livres para se
casarem. Muitos irão rir como os jovens, e não poucos se mostrarão
como que ofendidos por um insulto ou desprezo. No campo da abstração
são todas pessoas que podem se casar; mas no terreno da realidade são
todas pessoas que devem observar continência perfeita, e nada menos
que sob pena de pecado mortal; porque não tendo eles possibilidade ou
ocasião de matrimônio, devem permanecer no estado de celibato e
violando a castidade mesmo que apenas com o pensamento cometeriam uma
culpa grave, como nos ensina a moral cristã mais elementar.
Terias curiosidade de saber quantas sejam na Província de Gênova
aqueles que em abstrato podem se casar, mas que na realidade devem
permanecer no celibato? Eis a estatística de 31 de dezembro de
1857. A população total é de 313.402 indivíduos.
Entre estes os cônjuges são 103.962; os solteiros e as
viúvas 210.610, isto é, mais de dois terços. É verdade que
destes devem ser descontados aqueles que estão abaixo da idade da
puberdade; mas entende-se que o número das crianças abaixo da
puberdade não chega a um terço da população total. E mesmo que
chegasse, mais da metade dos habilitados ao matrimônio ficariam de
fato obrigados à continência. E é notável também que muitos dos
casados se somem a este número, isto é, todos aqueles que por
necessidade de família, por enfermidade, por maus tratos ou desordens
do outro cônjuge, vivem separados, e destes não tenho medo de errar
se afirmo que hoje em dia são muitos. Depois, não é de se supor
que as estatísticas das outras províncias, reinos ou impérios
difiram sensivelmente da estatística da Província de Gênova.
Ora, bem, uma virtude para a qual na realidade está obrigada uma
tão grande parte da população, poderá ser dita virtude tão
difícil e quase impossível de se guardar senão por poucos
privilegiados que tenham obtido de Deus algum dom extraordinário?
Como teria então Deus provido a todos os outros pobrezinhos que de
fato devem também viver em continência e sob pena de uma pequena
bagatela que é um pecado mortal, a qual merece por justiça nada menos
do que um inferno eterno?
A suposição de que a castidade perfeita seja assim tão difícil de
se guardar, e que seja um dom extraordinário de Deus, não te parece
um gravíssimo preconceito, sumamente injurioso à providência
divina?
Ora, não duvido que o teu bom senso começará agora aos poucos a
perceber que a castidade perfeita é virtude que se possa abraçar por
quem quer que o queira, suposta a graça divina, a qual por sua vez
pode ser obtida por quem quer que a peça, e suposta a prática dos
meios necessários para tanto, como é a custódia dos sentimentos, a
fuga das diversões perigosas, do ócio, etc., e que por isso mesmo
trata-se de uma virtude que pode ser aconselhada a quem quer que seja
capaz de ter a boa vontade para tanto, assim como, desde que alguém
possa retribuir com benefícios os males recebidos, a qualquer pessoa
pode-se aconselhar que faça esta retribuição.
Mas tu me dirás ainda que talvez eu não poderei bem aquelas palavras
do Evangelho:
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"Não todos entendem esta palavra".
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Se tu duvidasses ainda que eu não as tivesse ponderado bem, eu te
devolveria a acusação tirando-lhe, porém, o talvez. Certamente
é verdade que "nem todos entendem esta palavra", isto é, que não
são todos que abraçam a vida casta. E isto é verdade não só
porque o disse Cristo, mas porque é um fato que nos é ensinado pela
contínua experiência. Resta porém que se veja se "nem todos
entendem" porque "não o podem entender", o que é o mesmo que
perguntar se todos não abraçam a vida casta porque "não podem" ou
porque "não querem". Tu, arbitrariamente, quiseste subentender o
"não podem", e é por isso que aquele texto do Evangelho te pareceu
um gravíssimo argumento; eu, porém, subentendo o "não querem",
juntamente com Cornelio a Lapide, o qual traz uma fila de
referências tiradas dos Santos Padres para mostrar que todos assim o
subentenderam. E, entendido o texto evangélico neste sentido, o teu
argumento não vale mais nada. Voltando à comparação acima citada,
nem todos retribuem com benefícios os males recebidos. Mas por que?
Talvez porque não poderiam? Não, certamente, mas sim porque não
o querem.
A ti porém parece uma imprudência aconselhar a todos a castidade
perfeita, e o pareceria também a mim se se tratasse de aconselhá-la
a todos em particular, isto é, a cada indivíduo de um ou de outro
sexo indistintamente, como me parece uma imprudência aconselhar a
qualquer um a quem se fizesse uma maldade que imediatamente devolvesse o
mal recebido com um benefício. Este conselho eu o daria apenas a quem
visse bem animado por sentimentos de uma viva caridade; e exortaria a
todos os outros a afastarem-se do ódio, e a benfazer ao inimigo desde
que ele se encontrasse num estado de verdadeira necessidade de
benefício e em uma situação tal em que fazê-lo se tivesse tornado
uma exigência estrita da caridade. Da mesma maneira, eu aconselharia
a castidade perfeita apenas a aqueles que soubesse possuírem boas
disposições; e a todos os outros diria simplesmente que se
abstivessem do pecado, nem oporia uma palavra contra se visse que
quisessem tomar o estado de matrimônio. Eis, portanto, a quem
gostaria de aconselhá-lo, a todos aqueles jovens de um ou de outro
sexo que demonstrassem uma índole santa, regrada, que dessem boas
esperanças de conseguir conservá-la. Além do mais,
aconselhando-a, gostaria que se fizessem para tanto orações
particulares para obter a luz de Deus sobre o que seria melhor para
eles, e não gostaria nunca que fizessem voto, sequer temporário,
sem a aprovação de seus diretores espirituais. Parece-te que assim
fazendo eu pecaria por imprudência?
Mas os tempos, tu dizes, os tempos são adversos. Não vês,
dizes, coisa que nunca se viu em todos os séculos, que em diversos
lugares a lei está abolindo a profissão religiosa?
Lembra-te, porém, dos primeiros séculos da Igreja. Estavam
então em vigor leis que condenavam o celibato diretamente em si mesmo,
e os costumes dos gentios não podiam ser melhores do que aqueles dos
nossos cristão degenerados. Pelo que é claro que naquela época
estava-se pior, e que os tempos deviam ser adversos ainda mais do que
hoje o são. Isto não obstante, como foi observado, primeiro os
Apóstolos, depois os seus discípulos, e finalmente os primeiros
Padres promoviam com imenso zelo a perfeita continência. Isto quer
dizer, portanto, que aqueles santos homens não ficavam com medo dos
tempos adversos.
Mas esta observação aos tempos que fizeste de passagem é justamente
a oportunidade que eu esperava para poder terminar de te deixar
persuadido que também tu tens que tomar ao peito os interesses da mais
bela entre as virtudes, de te tornares um ardoroso promotor da mesma,
quase um apóstolo. Aos tempos, aos tempos, tu me dizes. Vamos dar
ainda uma olhada nos tempos.
Os tempos precisam que se ordene um maior número de sacerdotes, dos
quais em todo lugar se percebe a deficiência, já que por culpa dos
tempos é muito maior o número daqueles que anualmente morrem do que o
número dos que anualmente são ordenados. E os tempos precisam de um
número maior de sacerdotes, para que os povos sejam melhor cultivados
com a pregação e com a administração dos Sacramentos; e têm
também uma particular necessidade de que se multipliquem os
missionários apostólicos nos países infiéis, onde pelas
comunicações tão facilitadas seria agora tão mais fácil do que
antes estender a luz do Santo Evangelho.
Os tempos têm necessidade de um grande número de irmãs de caridade,
do Sagrado Coração, de São José, etc., etc., as quais hão
de cultivar inumeráveis escolas, educandários, hospitais, e também
prisões e patíbulos; e que, além do mais, devem prestar ajuda aos
missionários que se afadigam na conversão dos gentios em todas as
partes do mundo.
Os tempos necessitam de cristãos e cristãs fervorosos, que formem e
mantenham em todo lugar boas associações, as quais se possam opor às
más que em todo o lugar se estabeleceram e mais do que nunca
prosperarem; que promovam em todo lugar as obras de religião, de
caridade, onde quer que hostilizadas pelo espírito incrédulo e
subversivo do século.
Colocarias em dúvida que os tempos tenham todas estas necessidades?
Mostrarias que não conheces em nada os tempos, merecerias de ser
chamado de homem de séculos passados, e contado entre os mortos.
Ora, bem, para todas estas necessidades não se requerem homens e
mulheres todos prontos e dispostos a viverem em celibato?
Para os sacerdotes seculares e regulares, para as freiras dos
múltiplos institutos religiosos tu não terás dificuldades; mas
talvez tu as tenhas para os seculares, parecendo-te que também os
casados possam fazer todo o bem que é feito pelos que vivem no
celibato. Entretanto, se tu o perguntasses a São Paulo, ele te
responderia que não; porque os casados
entre o espírito e a carne. Ademais, mesmo deixando de parte no
momento a sua autoridade, observa que coisa nos ensina a grande mestra
que é a experiência. Os jovens casados, falo em geral, não me
referindo às raras exceções, procuram colher o quanto podem as
flores da idade; os casados maduros, consolidar os interesses
materiais da família; os velhos não querem depor este hábito, e
depois de terem gasto a vida a serviço das paixões e do mundo, têm
agora pouca inclinação e vigor para zelar com muita eficácia pelos
interesses da religião e da verdadeira caridade cristã. Repito que
não tenho a intenção de não citar, nem portanto de não
reconhecer, as raras exceções. Tal é o que nos ensina uma
experiência diária, invariável.
Se tu, portanto, não fechas os olhos para não ver quanto nos
continua ensinando esta mestra, deves reconhecer que, geralmente
falando, são os celibatários que levam uma vida santa aqueles que se
preocupam em formar e manter aqui e ali as boas associações, e em
promover as boas obras, gastando nelas os seus estudos, tempo e
dinheiro.
Isto é também um fato. E se quiseres fazer um pouco de filosofia
sobre o "coração dividido" de que fala São Paulo, entenderás
que a coisa não poderia ser diferente.
E agora não te parece que andarias verdadeiramente errado se quisesses
permanecer nas tuas dúvidas? Mas, e a perseguição que moveria o
mundo aos promotores da continência, não deve também ser computada
no cálculo? Eu imaginaria que estas palavras te teriam saído da pena
para o papel em um momento de distração. O que terias tu a temer do
mundo? Alguns risos, censuras, desaprovações, piadas e nada
mais. Ou ficarias com medo? Julgar-te-ia mal quem te supusesse
dotado de uma alma tão pequena. E ademais, se não quiseres ter
nenhuma contradição, ou perseguição, como quiseres chamá-la,
cuida-te de não realizar jamais sequer uma sombra de bem, porque de
outra forma, mesmo evitando todos os demais bens, não evitarias
aquela perseguição, porque a quem quer que faça o bem o demônio
procura.
Vamos portanto colocar um fim às dúvidas e às objeções. Ouve,
em vez disso, como eu suponho que deva ser promovida a bela virtude nos
nossos dias.
Em primeiro lugar os pregadores devem mostrá-la ao povo em seu valor
e seu mérito, para que não permaneça virtude quase inculta e
ignorada pela pia juventude de ambos os sexos. Diria-se que certos
pregadores trocam a virtude pelo vício, observando para ela as
palavras de São Paulo de que "nem se nomeie entre vós", que o
Apóstolo havia, no entanto, reservado para o outro. Nunca, de
fato, nunca uma palavra sobre a virgindade, sobre o celibato. Assim
não costumavam fazer os primeiros pregadores da Igreja, e Santo
Afonso de Ligório queria que cada missão se concluísse com um
discurso às jovens sobre a virgindade. Examina, a este respeito, a
"Selva de Matérias para Pregação".
Em segundo lugar deveria-se promover a comunhão freqüente, ou
melhor, a diária. Porque, além de se saber pela fé que ela é o
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"trigo dos eleitos,
e o vinho do qual
germinam as virgens",
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é demonstrado por uma constante experiência que os jovens de um e de
outro sexo, quando se dão a freqüentar muito a Santa Comunhão,
encontram,-se, sem saber eles o porquê, alheios a toda a intenção
de matrimônio. O meio mais eficaz para buscar na Santa Igreja
virgens em grande número seria certamente promover na juventude a
freqüência à mesa eucarística.
A esta freqüência vai infalivelmente unida uma marcada devoção a
Maria Santíssima, que como rainha das virgens quer ordinariamente
tais os melhores de seus devotos.
Em terceiro lugar deveria-se difundir aquelas obras que dão uma justa
idéia da bela virtude, encorajam a praticá-la, e ensinam o modo de
custodiá-la com cautela. Entre estas obras deveria ter lugar o
discurso que Santo Afonso de Ligório coloca como exemplo no livro
acima citado. Talvez ele parecerá um pouco rígido a alguns
delicados, mas fará um melhor efeito. Nas obras de Santo Afonso
não há nada que seja "digno de censura", conforme declaração
oficial da Igreja. Não censuremos, pois, nem sequer esta. Obras
deste teor deveriam ser impressas em edições bem econômicas que
pudessem com facilidade ser dadas de presente.
Em quarto lugar deveriam ser promovidas as pias uniões dos filhos e
filhas de S. Maria Imaculada já instituídas em vários lugares,
nas quais não se inscrevem senão os jovens e as jovens que se propõem
viver em virgindade, e têm uma regra muito apropriada para conseguir
no século a perfeição cristã, e para ajudar no bem e na
santificação do próximo.
Em quinto lugar seria coisa muito útil juntar três ou quatro pessoas
de um e de outro sexo, separadamente, os quais se empenhassem em
erigir estas pias uniões onde não existissem, de conservá-las onde
existem, e de estendê-las a outros lugares, e, além disto,
conseguir algum subsídio para a impressão e difusão das obras acima
indicadas.
Finalmente, porque todo bem há de ser esperado de Deus, deveria
animar-se as almas santas para que fizessem para este fim orações
particulares, e pedissem particularmente à Santíssima Virgem que
olhe benignamente e abençoe todas as tentativas que se fizerem para por
em maior honra, e fazer que venha abraçada e conservada por parte de
muitas almas a mais bela das virtudes, que uma santa chamou em êxtase
de o Paraíso na Terra.
Confio que, dissipadas aquelas sombras de dificuldades que havia em
tua mente, queiras fazer-te tu também promotor e como que apóstolo
desta virtude.
José Frassinetti
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