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Piores, porém, foram as conseqüências que este estado de coisas teve para a vida da
Igreja.
Na Igreja do tempo dos oito primeiros Concílios Ecumênicos os bispos eram eleitos
pelo próprio clero local e ordenados pelos bispos da cidade mais importante da
região, chamado de bispo metropolita.
Na época, porém, em que se instalou o Reino dos Francos no ocidente da Europa os
soberanos, percebendo que uma aliança com o episcopado era geralmente uma garantia
para a estabilidade dos seus governos, começaram a sugerir qual fosse o seu candidato
favorito sem, porém, intervir nas eleições.
Gradualmente, porém, esta prática foi criando raízes e se degenerando, graças ao clima
propício que o sistema feudal oferecia para tanto.
Algumas gerações mais tarde o bispo metropolita apenas poderia ordenar o candidato
escolhido se a escolha fosse aprovada pelo soberano.
Num estágio posterior o soberano passou a escolher diretamente o candidato ao
episcopado, cabendo ao clero apenas o direito de confirmar a escolha feita.
Em seguida, já em pleno regime feudal, o soberano ou o senhor feudal passou a
considerar que as dioceses e as abadias eram propriedades dos feudos e que, portanto,
depois que o bispo ordenasse o candidato ao episcopado, caberia ao senhor feudal
celebrar a cerimônia de tomada de posse da abadia ou da diocese.
Num estágio posterior, visto que de modo geral as pessoas já consideravam como
coisa certa que as dioceses e abadias fossem propriedades do senhor feudal, os
senhores feudais passaram a exigir dos bispos e dos abades não apenas que se
submetessem à cerimônia da investidura, mas também que prestassem juramento de
fidelidade, obediência e vassalagem ao senhor feudal.
Mais adiante, como bispos e abades já eram vassalos do senhor feudal, o senhor feudal
passou a exigir o direito não só de nomeá-los e de empossá-los, como também de
destituí-los do cargo quando julgasse ter razões para tanto. O destituído não deixava
com isto de ser bispo, coisa que em nenhuma época nenhum senhor feudal chegou ao
ponto de imaginar que pudesse também ter o poder de o fazer, mas, se não perdia o
caráter impresso pelo sacramento, o bispo podia perder toda a jurisdição sobre a
diocese, que mesmo não destituído já não era dele em nenhum momento, e com isto
tornar-se bispo de ninguém.
Chegados a este ponto, fica difícil imaginar como se poderia prosseguir adiante na
seqüência deste processo, e o que mais haveria que pudesse ainda ser exigido pelos
senhores feudais. O fato, porém, é que ele não parou aí. Já que estes bispos eram
vassalos do senhor feudal, e eram também titulares de uma diocese que abrangia um
determinado território, os soberanos e os senhores feudais passaram a exigir dos
bispos seus súditos que se preocupassem não apenas com os problemas religiosos de
suas dioceses, mas também e principalmente com os problemas relativos aos bens
temporais, cobrança de impostos, defesa militar, e outros mais, coisa que, verificou-se,
geralmente os bispos eram mais capazes e tinham mais autoridade para cumprir, no
quadro social daquela época tão tumultuada, do que os dignatários seculares.
Aos poucos, porém, em muitos lugares da Europa esta prática foi se degenerando ainda
mais até chegar ao ponto em que, como as principais ou a quase totalidade das
preocupações de muitos bispos já eram de ordem temporal, os senhores passaram a
designar leigos para assumirem os governos das dioceses, os quais por sua vez
nomeavam um eclesiástico como ajudante para o desempenho das funções religiosas.
Estes leigos, porém, titulares de dioceses e abadias, na qualidade de leigos podiam se
casar, e de fato se casavam. Mas ao fazerem isto, aos poucos passaram a considerar as
dioceses e as abadias como bens hereditários de suas famílias.
Em vários lugares este processo ocorreu não apenas com as dioceses e os mosteiros,
mas até mesmo com as paróquias. E grau menor, conforme iremos descrever adiante,
ocorreu também com o Papado.
Este processo todo significou a quase destruição da Igreja na época do feudalismo. Isto
porque a organização da Igreja, em grande parte, passava de geração em geração por
meio do costume. Os oito primeiros Concílios haviam legislado sobre a organização
da Igreja, mas não se tratava de uma legislação sistemática e exaustiva. Muita coisa
boa se fazia porque vinha sendo feita desde a época dos Apóstolos por costume, sem
necessidade da existência de uma lei promulgada oficialmente. Assim era, por
exemplo, em sua maior parte, a formação dos futuros sacerdotes. É evidente que, com a
desorganização produzida pelo sistema feudal, grande parte da estrutura e organização
da Igreja deveria ser remontada por meio de uma legislação explícita. Fazer isto
porém, não era fácil devido a uma série de problemas.
Primeiro, havia o problema de que a Igreja havia caído sob o férreo controle do braço
secular.
Em segundo lugar, o que havia acontecido não era apenas uma desorganização da
ordem administrativa. Juntamente com ela, boa parte do clero tinha perdido de vista o
verdadeiro sentido da missão do sacerdote, e nele campeavam abusos, vícios e maus
exemplos dos quais as pessoas não mais estavam dispostas a se corrigirem com
facilidade. Ademais, a pregação e o ensino da mensagem evangélica havia se tornado
para muitos padres e bispos uma questão secundária, os quais freqüentemente
ascendiam em seus cargos movidos por interesses puramente seculares.
Em terceiro lugar, a própria Sé Romana não era totalmente independente e, mesmo que
o fosse, no sistema feudal em que a Europa havia caído não havia estrutura para se
fazer obedecer. As estradas e os meios de transporte e de comunicação eram
muitíssimo precários. Cada feudo era um mundo à parte e não havia jornais, revistas,
correios ou quaisquer meios de se fazer chegar regularmente uma determinada
mensagem ou decreto ao conhecimento do mundo todo.
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