O estudo na pedagogia vitorina.

Vamos examinar mais extensamente o nono capítulo do Quinto Livro do Didascalicon, em que Hugo de São Vitor explica a função do estudo dentro do conjunto da vida espiritual, como ele deve coordenar-se com os demais meios de perfeição, qual a relação que ele tem para com o papel da graça e como ele se ordena, através da oração, à contemplação.

Na maioria das escolas modernas a finalidade da atividade do aluno é a apreensão do conteúdo de uma determinada disciplina tal como é exposta pelo professor. Se a escola conseguir, além disto, motivar o aluno a estudar por si mesmo e mais profundamente aquilo que o professor expôs, pode-se considerar o ensino ministrado por esta escola como sendo de alta qualidade.

O texto abaixo de Hugo de São Vitor mostra, no entanto, que a atividade da escola vitorina começa precisamente aí onde terminam as aspirações da escola moderna. Motivar o aluno para o estudo não é o objetivo da pedagogia vitorina, mas o seu ponto de partida. Segundo Hugo de São Vitor o estudo, enquanto tal, ele próprio se ordena a uma série de outras atividades do espírito, e todas estas, por sua vez, se ordenam, mediante o auxílio da graça, como ao seu fim, ao que se chama de contemplação. No entender de Hugo de São Vitor, portanto, a função da escola inclui muitas mais coisas do que apenas o estudo, embora seja organizada de tal modo que, no que depende dela, o estudo seja a origem de todas.

Texto de Hugo de São Vitor. Dicascalicon, L.V, C.9.

"Há quatro coisas nas quais se exerce a vida dos santos, que são como degraus pelos quais se elevam à futura perfeição. São estes:

- o estudo, ou doutrina;
- a meditação;
- a oração;
- a ação.

Há ainda uma quinta que se segue destas, que é a contemplação, que é, de certo modo, o fruto destas quatro primeiras. Na contemplação temos antecipadamente já nesta vida a futura recompensa das boas obras. Foi por isto que o salmista, falando dos preceitos de Deus e recomendando-os, logo em seguida acrescentou:

"Grande é a recompensa para os que os observarem".

Salmo 18

Destes cinco graus que falamos, o primeiro, isto é, a leitura, pertence aos principiantes. O maior de todos, isto é, a contemplação, pertence aos perfeitos. Quanto aos intermediários, será mais perfeito aquele que os tiver subido em maior número. Em outras palavras, o primeiro, isto é, a leitura, dá a inteligência. O segundo, a meditação, fornece o conselho. O terceiro, a oração, pede. O quarto, a ação, busca. O quinto, a contemplação, encontra.

Se, portanto, lês, ou estudas, e tens por isto a inteligência e conheceste o que se deve fazer, isto já é princípio do bem, mas ainda não te será suficiente, não és perfeito ainda.

Sobe, pois, na arca do conselho, e medita como poderás realizar aquilo que aprendeste através da leitura e do estudo que deve ser feito. De fato, houve muitos que possuíram a ciência, mas poucos foram aqueles que souberam de que modo era importante saber.

O conselho do homem, porém, sem o auxílio divino, é enfermo e ineficiente. É necessário, pois, levantar-se à oração, e pedir o seu auxílio, sem o qual nenhum bem pode ser feito; isto é, a sua graça, a qual, antes que tivesses chegado até aqui para pedí-la era ela que já te iluminava, e daqui para a frente será quem haverá de dirigir os teus passos para o caminho da paz, e de cuja única boa vontade depende que sejas conduzido ao efeito da boa obra.

Resta agora para ti que te prepares para a boa ação, de tal maneira que aquilo que pedes na oração mereças receber pela obra, se Deus consigo quiser operar. Não serás obrigado, serás ajudado. Se apenas tu operares, nada realizarás; se apenas Deus operar, nada merecerás. Opere Deus para que tu possas; opera tu para que algo mereças. O caminho pelo qual se vai à vida é a boa obra, e aquele que corre por este caminho busca a vida.

Conforta-te e age virilmente. Esta via tem o seu prêmio. E quantas vezes, fatigados pelos seus trabalhos, não somos ilustrados do alto pela graça, saboreando e vendo

"quão suave é o Senhor".

Salmo 33

Assim se realiza o que dissemos acima, que aquilo que a oração busca, a contemplação encontra".