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É evidente que o ideal filosófico proposto por Platão supõe por
parte do filósofo, ou do aprendiz de filósofo, uma elevada
capacidade de abstração, não apenas para compreender o que seja a
idéia da beleza ou do bem em si mesmo, mas para alcançá-las com
suficiente firmeza para serem não apenas objeto de investigação, mas
também de contemplação.
Na República Platão expõe como deve o homem ser educado se quiser
tornar-se um filósofo. Como Aristóteles foi seu mais brilhante
discípulo durante 20 anos, e suas teorias apresentam notáveis
semelhanças e aprofundamentos em relação às de Platão, é de se
supor que ele tenha sido educado pelo mestre segundo um plano, se não
igual, pelo menos semelhante ao esboçado por Platão na República.
Não é descabido supor também que grande parte da genialidade de
Aristóteles seja resultado desta educação recebida por meio de
Platão.
Uma exposição completa da Pedagogia de Platão exigiria um trabalho
à parte; aqui apenas reportaremos passagens do texto da República
para dar uma primeira noção do que se tratava.
Na República Platão traça um sistema educacional que, se
executado tal como exposto, se iniciaria aos sete anos de idade e se
estenderia até aos cinqüenta e cinco.
Seu objetivo não era estender o sistema a todos os homens; segundo
ele, nem todos os homens são iguais, mas alguns tem uma alma de
ouro, outros de prata, outros de ferro e bronze; o filho de quem tem
uma alma de ouro pode nascer com uma alma de ferro, e vice versa; só
durante o processo de aprendizado é que se faz possível descobrir quem
são as almas de ouro. Seu sistema educacional, extremamente exigente
e planejado, seria apenas para as almas de ouro; isto, segundo ele,
não representaria discriminação nem injustiça para as demais,
porque seriam elas próprias a não se interessarem em enfrentar um
aprendizado tão longo e difícil. Mas, ainda que poucas almas de
ouro o seguissem, isto representaria um bem imenso para toda a
humanidade; as almas de ouro que se tornassem filósofos tomariam o
poder e governariam os povos; tal como o Pai do Universo, que ao
contemplar as idéias eternas produziu o cosmos, estas almas, ao
alcançarem a contemplação destas mesmas idéias eternas que plasmaram
o cosmos, plasmariam os povos e suas instituições segundo o mesmo
modelo, imitando assim na sociedade humana a mesma função dos deuses
quando da formação do Universo. É o que veremos no final do esboço
que vamos apresentar da Pedagogia de Platão.
Ao contrário do que comumente se pensa, estes objetivos de Platão
não foram uma utopia irrealizada. Eles se concretizaram na pessoa de
Aristóteles seu discípulo; nele Platão encontrou uma alma de
ouro, alguém que através desta Pedagogia alcançou uma notável
profundidade na contemplação. As obras de Aristóteles são uma
transposição para o papel desta atividade contemplativa; nela
encontramos uma síntese filosófica que reproduz, tanto quanto
possível, a própria ordem do Universo, não em uma narrativa que
transpõe o que vêem os olhos, mas em que se procura alcançar a
essência desta ordem em todas as suas manifestações possíveis,
inclusive na Ética e na Política. E pode-se dizer também que,
após alguns séculos de esquecimento, quando Aristóteles se tornou
finalmente conhecido pelo mundo medieval, ele tomou o poder durante
alguns séculos no mundo ocidental; ele ajudou a plasmar a nossa
civilização, e suas opiniões sobre todos os assuntos, desde a
ciência natural até à Ética e à Política, tiveram mais força
entre os homens do que os decretos passageiros dos soberanos,
facilmente revogados e esquecidos.
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