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O nome e a pátria de Hugo levantaram frequentes controvérsias.
Houve quem afirmasse que o seu verdadeiro nome fosse Herman.
Outros, considerando que nesta época o nome Hugo fosse desconhecido
ou pelo menos muito raro na Alemanha, julgaram que ele deveria ter-se
chamado Heymon, e que foi por ignorância que os franceses lhe deram o
nome pelo qual nós o conhecemos hoje.
É um pouco mais difícil fixar o lugar de seu nascimento. Entretano,
o autor de sua vida, o historiador de São Vítor, todos os
escrivães desta abadia sem exceção, o segundo editor de suas obras,
o epitáfio de seu túmulo, diversos autores e em geral todos os
historiadores e os críticos até Mabillon lhe deram como pátria a
Saxônia. Nós seguiremos, no relato a seguir, uma tese sustentada
em 21 de dezembro de 1745 por Christian Gottfried Derling, o
qual teve em suas mãos antigos manuscritos de Halberstadt, ignorados
até então, que pensamos ter trazido à luz provas que nos parecem
sólidas e que reportam detalhes da família e dos primeiros anos de
Hugo dignas de interesse.
Hartingam foi uma das regiões mais célebres da Saxônia. Lá
floresceu, no século XII, a família dos condes de Blankemburg,
poderosa pelos seus ricos domínios e por sua influência.
Soube-se, todavia, que no fim do século XI um dos membros da
família dos condes de Blankemburg faleceu deixando dois filhos, Hugo
e Poppen.
Hugo abraçou o estado eclesiástico.
Poppen herdou o título e o domínio de seus pais. Sua
administração foi ditosa, tendo governado a herança paterna até o
início do século XII.
Três filhos sobreviveram a Poppen: Reinardo, Conrado e
Sigfrido.
Sigfrido foi elevado à cadeira episcopal de Halberstadt.
Conrado sucedeu a Poppen no governo do condado dos Blankemburg. De
sua esposa, que as crônicas não nomeiam, mas que lhe louvam o
caráter e as virtudes, Conrado teve dois filhos: Hugo, que foi o
nosso vitorino, e Burcardo.
Reinardo, o tio de Hugo que seria consagrado bispo, distinguiu-se
desde cedo no estudo e nas letras. Seus pais assim resolveram
enviá-lo a Paris para que pudesse prosseguir os seus estudos. Foi
nesta época que Guilherme de Champeaux acabava de se retirar em Sào
Vítor, e Reinardo o seguiu e acabou se tornando um de seus mais
ilustres discípulos. Após ter-se formado em sua escola pelo estudo
e pela prática das virtudes cristãs, Reinardo volta à sua pátria
quando então foi elevado à dignidade episcopal em Halberstadt.
Mas na sede de Halberstadt Reinardo conservou pelo resto de seus dias
uma grande estima pelos cônegos de São Vítor, os quais ele os fez
vir à Saxônia para acender nos mosteiros que ele próprio havia
fundado ou restaurado em sua diocese o amor pelo estudo e para
estabelecer uma perfeita disciplina.
Mais tarde, foi Reinardo que exortaria Hugo, seu sobrinho, a
frequentar nesta abadia vitorina na Saxônia as lições de ciência e
sabedoria.
Reinardo era, pois, o tio de Hugo de S. Vítor. Conrado, o seu
pai. Poppen, o pai de Conrado e avô de Hugo de São Vítor.
Porém Poppen, avô de Hugo de S. Vítor, dissemos acima, tinha
um irmão também chamado Hugo, que havia abraçado o estado
eclesiástico. Este outro Hugo, pelos méritos da pureza de seus
costumes e a inocência de sua vida, havia sido elevado a arquidiácono
de Halberstadt. Em uma idade já avançada, entretanto, acabou
cedendo aos pedidos do jovem Hugo e resolve acompanhá-lo em uma
viagem a Paris onde ambos, o velho e o jovem Hugo, são admitidos na
abadia de São Vítor. O velho Hugo foi benfeitor de São Vítor
tanto quanto o jovem Hugo viria a ser a sua luz. A grande igreja do
mosteiro de São Vítor foi então quase que totalmente construída
às despesas do velho Hugo.
Hugo de São Vítor, o jovem, nasceu, portanto, em Hartingam,
na Saxônia, filho de Conrado, conde de Blankemburg, no ano de
1096, e não em 1098, como quer Ellies Dupin. De fato,
Osberto, cônego e enfermeiro de São Vítor e colega de Hugo, que
nos deixou o relato tocante de sua morte, nos diz que Hugo morreu em
1140 com a idade de 44 anos.
Desde sua infância, Hugo mostrou ditosas disposições conferidas
pela natureza. Seus pais viram nele as mais belas esperanças e
resolveram não confiar sua educação senão a mãos hábeis,
Reinardo, seu tio, bispo de Halberstadt, foi consultado sobre a
escolha dos mestres que deveriam formá-lo na fé, nos estudos e na
prática das virtudes. Naquela época, porém, na Alemanha, as
únicas escolas para a juventude eram os mosteiros. O bispo Reinardo
indicou para seu sobrinho o mosteiro de São Pancrácio de
Hamerleve. Foi esta uma das fundações com que Reinardo havia
enriquecido a sua diocese. Para lá ele havia chamado os cônegos de
São Vítor, dos quais ele conhecia a piedade e os talentos. Sua
confiança não foi traída: os vitorinos trouxeram para Hamerleve as
virtudes religiosas e o amor pelo estudo. O mosteiro de São
Pancrácio tornou-se para a inteira Saxônia uma escola de sabedoria
e ciência. As cartas de fundação do bispo de Halberstadt nos
mostram que foi frequentada por uma numerosa juventude.
Foi no meio deste movimento literário e científico, que deveria ser
retardado pela guerra civil, que Hugo entrou no mosteiro de Hamerleve
para começar seus estudos.
Hugo de S. Vítor manifestou, em uma tenra idade ainda, seu amor
pela ciência. No início do livro sexto do Didascalicon, em uma das
pouquíssimas páginas de suas obras em que ele fala de si próprio,
Hugo escreve:
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"Eu ouso afirmar que nunca desprezei nada
que pertencesse ao estudo;
ao contrário,
frequentemente aprendi muitas coisas
que outros as tomariam por frívolas ou mesmo ridículas".
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Em seguida, na mesma passagem, ele nos descreve diversas destas
atividades de quando era ainda jovem estudante. Entre elas incluem-se
estudos relacionados com a ampliação do vocabulário, como primeiro
passo para compreender a natureza das coisas; resumir no fim do dia
todos os raciocínios feitos durante o mesmo, para guardar na memória
suas seleções e seus números; procurar sempre investigar a causa de
tudo; anotar as disposições controversas das coisas; estar sempre
alerta para distinguir o discurso de um orador do discurso de um
sofista; cálculos matemáticos executados no chão com pedaços de
carvão; cálculos geométricos; teoria musical; e afirma também
haver passado numerosas noites contemplando as estrelas do céu. No
fim, Hugo acrescenta:
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"Algumas destas coisas são pueris, é verdade.
Todavia não foram inúteis.
Não estou te dizendo isto
para jactar-me de minha ciência,
mas para te mostrar que o homem
que prossegue melhor
é o que prossegue com ordem,
não o homem que,
querendo dar um grande salto,
se atira no precipício.
Assim como as virtudes,
assim também as ciências
têm os seus degraus.
É certo, tu me poderias replicar:
`Mas há coisas
que não me parecem
ser de utilidade.
Por que eu deveria manter-me
ocupado com elas?'
Bem o disseste.
Há muitas coisas que,
consideradas em si mesmas,
parecem não ter valor para que se as procurem,
mas, se as olhares à luz das outras
que as acompanham,
e começares a pesá-las em todo o seu contexto,
verificarás que sem elas as outras não poderão
ser compreendidas em um só todo e,
portanto, de forma alguma devem ser desprezadas.
Aprende-as a todas,
verás que depois nada será supérfluo.
Uma ciência resumida não é uma coisa agradável".
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Esta vida tranquila e laboriosa teve para Hugo tantos atrativos que
ele resolve consagrar-se à mesma definitivamente. Resolve abraçar a
Regra de Santo Agostinho, apesar dos conselhos de seus pais em
contrário. Tivesse, porém, se tornado o Conde de Blankemburg,
teria se tornado ilustre pelo seu valor em algum campo de batalha, ou
por sua sabedoria no governo de seu Condado, mas seu nome jamais teria
chegado até nós. Agora, porém, seu nome está inseparavelmente
ligado às coisas que não perecerão jamais, à ciência teológica da
qual ele foi um dos restauradores, aos nomes imortais de Pedro
Lombardo e de São Tomás de Aquino, que sempre o viram como ao seu
mestre.
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