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"Ninguém acende uma lâmpada
e a põe em lugar escondido,
nem debaixo do alqueire,
mas sobre o candelabro,
para que os que entram vejam a luz".
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Este candelabro, irmãos, é a Igreja; o bem aventurado
Gregório, cuja solenidade hoje celebramos, é a lâmpada. O
candelabro é a Igreja porque o candelabro, estendido pelos martelos,
torna-se instrumento de luz; e a santa Igreja, provada pelas
tentações, humilhada pelos golpes das perseguições, arde pelo fogo
da sabedoria celeste e reluz pela obra da caridade. O candelabro se
apóia sobre três pés, e a santa Igreja se fundamenta sobre a fé da
Santíssima Trindade.
Lemos no Êxodo que o Senhor, preceituando a Moisés sobre o
candelabro a ser feito, disse:
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"Farás um candelabro de ouro puríssimo,
trabalhado a martelo,
com a sua haste, seus ramos,
copos, esferazinhas e lírios que sairão dele.
Seis ramos sairão de seus lados,
três de um lado, e três de outro.
Haverá três copos em forma de noz
em cada ramo, com esferas e lírios.
Esta será a obra dos seis ramos,
que devem sair da haste.
No próprio candelabro deverá haver
quatro copos ao modo de uma noz,
cada um com suas esferas e lírios.
As esferas e os ramos serão de uma mesma peça,
toda trabalhada a martelo e de ouro puríssimo.
Farás também sete lâmpadas,
e as colocarás sobre o candelabro,
para que iluminem de trás.
Também os espevitadores e seus cinzeiros
serão feitos de ouro puríssimo.
Todo o peso do candelabro
com todas as suas coisas será
de um talento de ouro puríssimo".
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A santa Igreja, portanto, é um candelabro de ouro, dúctil e
trabalhado a martelo. É um candelabro, porque fundada sobre a fé da
santa e indivídua Trindade, e instituída para conter a verdadeira e
divina luz. É dúctil e trabalhada a martelo, porque estende-se
pelos golpes de várias perseguições, segundo a sucessão e a
prolixidade dos tempos, para o crescimento das virtudes e o aumento dos
seus fiéis. É de ouro, porque brilha pelo fulgor de sua caridade
interior. O candelabro e as coisas que saíam dele eram trabalhadas a
martelo porque
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"todos aqueles que desejam
viver piamente em Cristo,
padecerão perseguições".
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Eram de ouro, porque constata-se que toda a justiça dos santos é
resplandescente, seja pela chama da perfeita caridade, seja pela luz
da sabedoria.
Pela haste do candelabro, a maior, a mais forte e a mais interior de
suas peças, não apenas reta como também vertical, entendemos os
homens que na santa Igreja são mais fortes nas obras, principais nas
virtudes e dedicados ao que é interior, os que são verticalmente
elevados à contemplação das coisas do alto sem que se desviem à
direita ou à esquerda para tratar de negócios exteriores. Estes,
efetivamente, diante dos olhos de Deus, são os principais e os
melhores, pois
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"escolheram a melhor parte,
que não lhes será tirada".
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Por isto é que na haste do candelabro preceitua-se fazerem-se quatro
copos, esferazinhas e lírios, enquanto que nos ramos que dele
procedem são-nos descritos apenas três copos, esferazinhas e
lírios; demonstra-se, deste modo, que os méritos dos
contemplativos transcendem a vida dos ativos.
Pela haste, que no candelabro é a parte mais forte, principal e
intermediária, da qual todas as demais procedem e na qual têm o seu
fundamento, pode-se entender também a Cristo, que é a fortaleza,
o princípio e o fundamento de todos os santos, no meio dos quais está
presente, como Ele mesmo no-lo atesta, dizendo:
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"Onde estiverem dois ou três
reunidos em meu nome,
aí estou eu no meio deles".
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DEle procedem verdadeiramente, porque tudo o que fazem de bem, o
recebem dEle, como Ele mesmo também no-lo diz:
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"Eu sou a videira,
vós as varas";
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o que significa o mesmo que se dissesse:
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"Eu sou a haste,
e vós os ramos".
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Assim como as varas não podem frutificar se não permanecerem na
videira, e assim como os ramos não podem se erguer para sustentar as
lâmpadas se não permanecerem na haste do candelabro, assim também
vós, se não permanecerdes na haste do candelabro, diz Cristo,
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"se não permanecerdes em mim",
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não podereis conduzir a luz da fé e da verdade.
A haste, portanto, é Cristo, e as demais coisas que procedem da
haste são todos os fiéis. Na haste descrevem- se quatro copos com
as demais coisas que se lhes seguem, enquanto que nos ramos somente
encontramos três, para que com isto fique manifesto que o bem que em
Cristo encontra-se em plenitude não se encontra nos fiéis senão
apenas pela participação de sua plenitude.
Os ramos que procedem da haste, e que no candelabro são o que há de
principal depois da haste, são os santos apóstolos e todos aqueles
que ensinam. É com muita propriedade que estes ramos são chamados na
língua latina de "calamus", palavra que significa um ramo ôco em
forma de cana, ou mesmo uma flauta. Eles, de fato, como que cantam
suavemente um cântico novo quando, repletos do espírito divino, nos
ensinam os mistérios da fé. O salmista louva o som que eles
produzem, quando nos diz:
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"Seu som estende-se por toda a terra,
e as suas palavras
até às extremidades do mundo".
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São-nos descritos em número de seis para designar, pelo seu
senário, a sua perfeição. O senário, de fato, é número
perfeito, seja porque Deus fêz este mundo em seis dias, seja porque
o senário é constituído por suas partes.
Assim como, porém, os ramos designam os que ensinam, os copos
designam os que os ouvem. Os copos são feitos para se encherem de
vinho; por este motivo, pelos copos figuram-se corretamente os
ouvintes da palavra. E assim como os copos são enchidos de licores,
uns mais, outros menos, assim também, quando se ensina, a graça
celeste é concedida aos ouvintes, a uns mais, a outros menos. A
cada um segundo a medida da fé, e segundo a medida do dom de Cristo.
Os copos, ou os ouvintes, enchem-se do vinho espiritual e
inebriam-se quando são fortemente animados ao efeito da boa obra.
Logo em seguida, acrescentam-se aos copos as esferazinhas. Por
girarem com facilidade, as esferazinhas designam os justos, velozes na
boa obra. A esferazinha gira por qualquer uma de suas partes, assim
como o agir perfeito dos justos não se retarda pela adversidade nem se
eleva pela prosperidade, forte na adversidade e humilde na
prosperidade, sem possuir a angulosidade do temor nem da elevação.
Os lírios designam a suprema retribuição. Pelo seu verdor, são
figura da incorruptibilidade da eternidade; pela sua candura, são
figura do decoro da imortalidade.
Os ramos, os copos e as esferazinhas, portanto, pertencem ao
trabalho, enquanto que os lírios à retribuição.
Os ramos procediam da haste, três de um lado e três de outro,
porque antes da encarnação de Cristo, no tempo da lei natural, no
tempo da lei escrita e no tempo dos profetas, foram santos aqueles que
misticamente indicavam a fé na santa Trindade; e depois da
encarnação de Cristo, no tempo da Igreja primitiva, no tempo de
nossa eleição entre os povos e nos últimos tempos, quando os restos
de Israel houverem de se converter, serão santos aqueles que
proclamarem esta mesma fé. Em cada um dos ramos são-nos descritos
copos, esferazinhas e lírios porque em cada um dos tempos
mencionados, tanto sob os pregadores antigos como sob os modernos,
encontram-se fiéis sedentos da bebida da graça, correndo pela boa
obra no caminho de Deus, esperando pelo incorruptível verdor da
eternidade e pela indefectível candura da imortalidade. E em cada um
dos ramos havia três copos, três esferazinhas e três lírios, para
que se designasse com isto que em todos os tempos houve reitores,
continentes e casados, figurados em Ezequiel por Noé, Daniel e
Jó (Ez. 14, 14). Os copos, ademais, deveriam ser feitos
ao modo de uma noz, pois as nozes possuem dura a sua casca mas são
doces em seu interior. Significa isto que se a doçura algumas vezes
se adquire dificuldade, quando já possuída é muito saborosa e muito
amada.
Se alguém, porém, quiser investigar por que motivo a mística
haste, se significa Cristo, também continha copos, esferas e
lírios, advirta com atenção que Cristo não somente confere a
ciência, a obra e a remuneração das virtudes aos seus eleitos, mas
que também mostra em si mesmo a figura do copo, quando se declara
pleno do Espírito Santo, e a da esferazinha, quando
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"exulta com as gigas
que percorrem o caminho".
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Glorificado junto ao Pai, Cristo mostra-se também como os
lírios.
O copo último e supremo, com a sua esfera e o seu lírio, está
situado na haste e se eleva a uma posição mais alta do que os ramos
porque os dons que Deus concedeu a Cristo transcendem todo o modo da
capacidade humana. De fato,
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"a cada um de nós foi dada a graça
segundo a medida do dom de Cristo".
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"Nele habita corporalmente
toda a plenitude da divindade".
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As sete lâmpadas colocadas sobre o candelabro para que iluminassem de
trás são todos os prelados que, constituídos na santa Igreja,
iluminam de trás quando pela palavra e pelo exemplo mostram aos
pecadores a luz da justiça, oferecem a cura aos contritos de coração
e anunciam a indulgência aos cativos. O setenário, conforme já o
dissemos em outras ocasiões, significa a totalidade.
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"Também os espevitadores e seus cinzeiros
serão feitos de ouro puríssimo".
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Há nas Escrituras alguns preceitos que devem ser observados
perpetuamente, tanto nesta vida como na futura. É o caso do
seguinte:
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"Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração,
com toda a tua alma,
com toda a tua mente,
com todas as tuas forças".
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Há outros que se nos ordena que os observemos durante o tempo desta
vida, para que no futuro se lhes retribua a recompensa, como é o caso
deste:
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"Fazei para vós amigos
com as riquezas da iniqüidade,
para que vos recebam
nos tabernáculos eternos".
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Há também outros que foram observados no Velho Testamento por ordem
do Senhor, os quais, porém, resplandecendo o Evangelho, não são
mais observados segundo a letra, mas segundo o seu sentido místico,
como é o caso dos ritos dos sacrifícios e de outros semelhantes.
Deste modo, quando os apóstolos anunciavam haver-se findado o tempo
destes preceitos, os quais dali em diante deveriam ser observados
apenas espiritualmente, espevitavam-se ou limpavam-se as mechas do
candelabro. Estas mechas, assim restauradas, melhor brilhariam;
entendidas de modo mais elevado, ofereceriam mais plenamente a luz da
doutrina. Refere-se a esta restauração o que foi escrito:
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"Sobrevindo os novos,
lançareis fora os velhos".
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E também, em outro lugar:
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"Eis que faço novas todas as coisas".
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Consta, de fato, que antes da Paixão os apóstolos haviam observado
o sábado, mas que depois da Ascensão do Senhor e da vinda do
Espírito Santo impuseram o fim completo dos sacrifícios legais.
Assim também, finda a vida mortal, e sucedendo-a a imortal,
cessarão em sua maior parte as obras e os dons da luz de que agora nos
utilizamos, para que se lhes sucedam, na presença da visão divina,
os prêmios eternos. De fato,
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"As profecias passarão,
as línguas cessarão,
e a ciência será abolida".
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As palavras das Sagradas Escrituras, as quais testemunham que estas
coisas hão de se realizar, são espevitadores ou aparadores de ouro,
exímias pela esperança da claridade futura. Os cinzeiros, em que as
aparas das mechas são recolhidas e apagadas, são os corações dos
homens santos, nos quais se produzem estas mudanças, os quais são de
ouro porque brilham pela luz da sabedoria e pela chama da caridade.
Finalmente,
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"Todo o peso do candelabro,
com todas as suas coisas,
será de um talento de ouro puríssimo".
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Tudo, efetivamente, que Deus faz, o faz
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"em número, peso e medida",
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as quais três coisas, segundo a inteligência espiritual, podem ter a
mesma significação. A este peso e medida pertence aquilo que foi
dito:
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"A cada um de nós foi dada a graça
segundo a medida do dom de Cristo".
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Desta medida somente Cristo é exceção, a quem unicamente se refere
o que está escrito:
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"Aquele a quem Deus enviou
fala palavras de Deus,
porque Deus não lhe dá
o espírito por medida".
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Cristo, de fato, conforme foi mostrado acima, possui a graça
plenária, a qual é dividida aos demais por medida. O peso do
candelabro é, portanto, a medida do dom, do mérito ou do prêmio,
e o talento, que é o maior dos pesos, significa a perfeição.
O bem aventurado S. Gregório, cuja solenidade hoje celebramos,
tanto mais longe e mais amplamente difundiu os raios desta lâmpada
quanto mais sublimemente foi colocado sobre este candelabro, e não em
qualquer lugar, mas na sua própria sumidade. Fêz brilhar para nós
esta lâmpada com raios diversos, exímios e resplandecentes. Fê-la
brilhar para nós pelas virtudes, pelas obras, pelas palavras, pelos
milagres, pela austeríssima religião, pela fragrantíssima
opinião, pelo mérito e pelo prêmio.
E agora, irmãos caríssimos, aproximemo-nos dos raios desta luz,
para que, evitando os desvios, e caminhando pela via da justiça,
alcancemos a felicidade suprema.
E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso
Senhor, que é Deus bendito, pelos séculos dos séculos.
Amén.
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