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Facilmente removeremos a mutação local de Deus se mostrarmos ser
Ele onipresente, porque o que é onipresente está em todo lugar, e o
que está em todo lugar, não pode transitar de lugar a lugar.
Ora, existem de fato muitos indícios da onipresença de Deus.
Temos em primeiro lugar a nossa própria alma, que a razão não
duvida ser uma simples essência; temos também o sentido, o qual
mostra difundir-se por todo o corpo que vivifica. Qualquer que seja a
parte lesada do corpo animado, um só é aquele para o qual se volta a
dor de todos os sentidos, o que não poderia acontecer se este
idêntico um só não estivesse difundido por toda a parte. Se,
portanto, o espírito racional do homem, sendo simples, difunde-se
por todo o corpo que rege, não será digno que aquele Criador que
tudo rege e tudo possui seja confinado em algum único lugar e não se
creia melhor que tudo preenche. Os próprios movimentos das coisas,
que correm com governo tão certo e tão racional, mostram a
existência de uma vida que as move internamente.
Todavia, não se deve crer que assim como o sentido do homem se une em
uma só pessoa com o corpo que sensifica, assim também aquele
espírito Criador se una em uma só pessoa com o corpo sensível deste
mundo, porque de modos diversos preenchem Deus o mundo, e a alma o
corpo: a alma preenche o corpo e por ele é contido, porque é
circunscritível; Deus, porém, preenche o mundo, mas não está
contido no mundo, porque, embora onipresente, não pode ser
abarcado.
Ademais, se vemos nunca estarem ausentes os efeitos da virtude
divina, porque duvidaríamos da presença desta mesma virtude em todas
as coisas? Se, porém, a virtude de Deus é onipresente, não
sendo outra a virtude de Deus senão o próprio Deus, consta Deus
nunca estar ausente. Deus não necessita, de fato, para a sua
operação, da virtude alheia, como é o caso do homem, o qual
realiza freqüentemente pelo auxílio alheio o que não é capaz de
fazer pela virtude própria. Disto originou-se um certo costume no
falar segundo o qual às vezes o homem é dito operar onde é,
entretanto, indubitável estar ele pessoalmente ausente, como quando
dizemos que um rei faz guerra aos seus inimigos em locais distantes, os
vence ou é vencido por eles, sem todavia ter-se ausentado de sua
residência, apenas pelo fato de que seus soldados, pela sua vontade e
sob suas ordens, lutam, vencem ou são vencidos. O mesmo ocorre
quando alguém estende uma vara ou atira uma pedra em direção a alguma
coisa colocada ao longe e é dito tocar aquilo que a pedra ou a vara
tiver tocado. Há muitos exemplos semelhantes, mas em nenhum deles a
realidade a que a linguagem se refere é expressa com propriedade, pois
em todas estas coisas atribuímos a alguém o que é operado por outro.
Deus, porém, que por si mesmo e com virtude própria faz todas as
coisas, onde quer que esteja presente pela obra, necessariamente
também está presente pela divindade.
Poderia perguntar-se então como a essência divina, sendo simples,
pode estar em todo lugar. Quem faz esta pergunta, saiba que o
espírito e o corpo são ditos simples segundo modos diversos. O corpo
é dito simples por causa de sua parvidade. Quando, porém, o
espírito é dito simples, referimo-nos não à parvidade, mas à
unidade. O Criador é, portanto, simples, porque é uno, e é
onipresente, porque é Deus. Existindo em todo lugar, nunca é
abarcado; preenchendo o universo, contém mas não é contido.
Estando em todo lugar, não pode ser movido de lugar a lugar, e
porque por nada é abarcado, não é localmente mutável.
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