CAPÍTULO 2

Por outro lado, se a oração é uma elevação da mente a Deus, o que não se pode fazer senão pelas virtudes teologais da fé, esperança e caridade, pode-se inferir que a Palavra de Deus é o caminho pelo qual se pode alcançá-la.

Devemos, pois, tomar várias vezes ao dia a Sagrada Escritura para, através dela, elevarmos nossa mente até Deus. Como todas estas ocasiões não serão senão partes de um único e ininterrupto diálogo, devemos tomá-la não ao acaso, mas com método e ordem. Devemos iniciar pelo princípio de um livro e nele prosseguir até o seu fim, pouco de cada vez, de tal modo que haja o suficiente e o necessário para servir-nos de alimento para a inteligência, a memória e a vontade.

Assim, ao tomarmos a Escritura em cada momento de oração, devemos fazê-lo não apenas para praticá-la, mas também para alcançarmos o seu mais profundo entendimento, para que possamos reter na memória o significado de suas sentenças de modo que elas no-las sejam oferecidas constantemente durante o dia em vez da dispersão do imaginário, e para que possamos amá-la conforme no-lo ensina o salmista, sem o que não é possível conservá-la na memória e não é possível que ela nos conduza à experiência da fé.

Tudo isto no-lo indica a própria Sagrada Escritura quando diz:

"Meu filho, se receberes as minhas palavras, e tiveres os meus mandamentos escondidos dentro de teu coração, de sorte que teu ouvido esteja atento à voz da sabedoria, inclina o teu coração para conhecer a prudência".

Pr. 2, 1-2

Ao dizer "se receberes as minhas palavras", refere-se ao amor, alimento da vontade, pois alguém só se pode considerar verdadeiramente recebido quando o é por amor.

Ao dizer "e tiveres os meus mandamentos escondidos dentro de teu coração", refere-se ao alimento da memória, sem a qual não podemos conservar a sua palavra escondida em nós.

Ao dizer "de sorte que o teu ouvido esteja atento à voz da sabedoria", refere- se ao alimento da inteligência, intensamente atenta não apenas à letra da Palavra, mas à voz da sabedoria que nela fala.

Ao alimentarmos deste modo as faculdades da inteligência, da memória e da vontade, preparamos as potências de nossa alma para a contemplação, na qual, através das três virtudes teologais, estas três faculdades se unem num só ato. Por isto é que, tendo cumprido estas três coisas, a Escritura acrescenta que podemos "inclinar nosso coração para conhecer", já não mais a Palavra, mas a "prudência". De fato, mais adiante, a mesma Escritura nos diz, daqueles que conhecem a prudência, algo que nos mostra a relação desta para com a contemplação:

"Para os homens prudentes, a sabedoria é coisa fácil".

Pr. 14, 6

Ela também nos define a relação entre a prudência e a contemplação quando diz:

"O que é sábio de coração, será chamado prudente".

Pr. 16, 21

Entenderemos o que é esta sabedoria de que falam as Escrituras, se considerarmos que, quando Salomão a pediu, foi tratado do mesmo modo como Jesus, no sermão da montanha, diz que serão tratados pela providência aqueles que buscam em primeiro lugar o Reino de Deus.