QUESTÃO TRIGÉSIMA NONA.

Pergunta-se, ademais, se tivessem feito quanto podiam e tivessem saído desta vida neste estado, se seriam dignos da salvação. Pois quem pode ser digno da salvação sem a fé, ou quem pode perecer sem a caridade? Mestre Pedro Abelardo diz que eram dignos da salvação, isto é, que se lhes desse por onde se salvassem, porque se tivessem feito o quanto pudessem nunca Deus lhes teria permitido o trânsito sem a fé. Outros dizem que eram indesculpáveis porque com aquele grau de conhecimento poderiam amar e imediatamente, a partir deste estado, lhes teria sido concedida a fé. Porém segundo estes a fé proviria da caridade, e não a caridade da fé. Outros, finalmente, pensam que nenhum grau de conhecimento seria suficiente para amar a Deus, mas que se tivessem feito o que pudessem imediatamente Deus lhes teria dado a fé pela qual amariam a Deus e assim o glorificariam. Aos quais pode objetar-se que não poderiam ter merecido a fé, ao que talvez responderiam que, embora não tivessem podido merecer a fé, a partir da que possuíam poderiam ter-se tornado idôneos e aptos para receberem a fé. Como podem saber, porém, que a partir desta se tornariam idôneos ou, se idôneos, como podem saber que a fé lhes teria sido concedida? Todavia ali não houve pregação.

SOLUÇÃO.

Nós cremos que poderiam ter glorificado a Deus em parte. Ainda que não o tivessem feito perfeitamente, se atribuíssem a Deus aquilo que receberam, e buscassem a glória de Deus e não a deles, teriam glorificado a Deus segundo algo, no que teriam amado a Deus, ainda que não o pudessem fazê-lo perfeitamente.

PODE OBJETAR-SE QUE,

se assim fosse, pelo conhecimento que possuíam poderiam em parte amar a Deus. Poderiam tê-lo feito, portanto, pela caridade que possuíam o pela caridade que não possuíam. Não o teriam podido, entretanto, pela que não possuíam. Portanto o teriam feito pela que possuíam e, deste modo, possuíam o amor de Deus, e assim seriam dignos da salvação.

SOLUÇÃO.

Deve-se conceder que poderiam ter amado a Deus pela caridade que possuíam. Todavia não se pode dizer de modo simples que passariam a amar a Deus, assim como se o homem enfermo e fraco carrega uma pedra pela força que possui não se pode dizer de modo simples este homem ser forte ou possuir fortaleza. Não concedemos, de fato, que aqueles que estão em pecado mortal não possam realizar nenhuma boa obra, como alguns dizem, mas que fazem muitos bens, insuficientes porém, para a salvação, por causa do maior mal que possuem.