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A decisão do Papa Nicolau V de colocar a Santa Sé à frente do movimento
renascentista expunha a Igreja a perigos de uma magnitude evidente.
Pretender que a Santa Sé liderasse um movimento tão desencaminhado como o
Renascimento era um empreendimento perigoso em que seria muitíssimo difícil prever
de antemão todos os desdobramentos. Poderia acontecer que a Igreja redirecionasse o
movimento dentro de um espírito cristão, mas também poderia acontecer que o
movimento renascentista tivesse influências negativas na vida da Igreja. Conforme
veremos, de fato a Igreja teve que pagar caro por muitas conseqüências que advieram
de uma decisão tão arrojada.
Esta fora do propósito desta Introdução Histórica julgar se esta foi ou não uma decisão
acertada. Mas é importante frisar que os riscos que daí podiam advir possuíam uma
certa proporcionalidade com as verdadeiras dimensões do problema, que foram
avaliadas por Nicolau V com uma perspicácia para a qual o homem do século XX não
tem grande sensibilidade.
O Renascimento diferiu muito de outros movimentos históricos por estar relacionado
não apenas com a ambição do poder político ou da riqueza, mas por ter iniciado um
redirecionamento da história da sociedade humana nos cinco séculos que se seguiram
envolvido profundamente e de uma maneira particularmente complexa com o problema
da formação do homem e do desejo e da busca que ele possui pelo conhecimento.
O Renascimento não foi indiferente para com esta disposição humana, nem procurou
sufocá-la. Ao contrário, estimulou-a com renovado vigor. Havia, porém, uma diferença
importantíssima entre como o Renascimento fazia isto e como isto havia sido feito em
outras ocasiões ao longo da história.
Em graus e planos diferentes a Filosofia Grega, o Cristianismo e até, de um modo
muito mais rudimentar, o paganismo greco romano, toda a história, enfim, da
civilização ocidental, tinham, até então, canalizado esta disposição humana para uma
mesma direção geral.
Com o Renascimento, porém, e talvez pela primeira vez na História, a sociedade
humana estava desviando o impulso da busca do homem pelo conhecimento para uma
direção completamente diversa.
Ora, ocorre que no homem o desejo do conhecimento não é mais um simples instinto,
como o desejo sexual, ou uma vã ilusão, como a ambição pelo poder ou pela riqueza,
nem mesmo o mais forte de todos os instintos, mas é como que a própria natureza do
homem.
O homem já não busca o conhecimento como por uma qualidade ou por um instinto que
lhe foi acrescentado, mas por sua própria essência.
Segundo Aristóteles, no início da Metafísica, tal como comentada por Santo Tomás de
Aquino,
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"todo homem por natureza deseja conhecer,
existe naturalmente em todo homem
o desejo de conhecer,
pois qualquer coisa apetece
naturalmente à sua perfeição,
assim como a matéria apetece à forma.
Ora, se o intelecto está em potência
para com o conhecimento,
então todo homem deseja o conhecimento
da mesma maneira como a matéria
apetece à forma.
Ademais, qualquer coisa apresenta inclinação
à sua própria operação.
Mas a operação própria do homem
enquanto homem
é inteligir,
porque é por isto que ele difere
de todos os demais animais.
Portanto, todo homem é naturalmente
inclinada a inteligir e,
portanto, a conhecer.
É nisto",
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diz Aristóteles,
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"que está a felicidade última do homem.
Todo homem, portanto,
aspira naturalmente ao conhecimento,
e não impede esta conclusão
o fato de vermos que muitos
ou a maioria dos homens
não se aplicam à sua busca,
pois também vemos freqüentemente
que aqueles que desejam algum fim
são impedidos de prosseguirem
até aquele fim por alguma causa.
Assim, ainda que todos os homens
desejem naturalmente o conhecimento,
todavia não são todos
os que se aplicam à sua busca,
por serem detidos por outras causas,
como os prazeres,
as necessidades da vida presente
e até pela preguiça que evita o trabalho
que esta busca implica".
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Não sem razão o homem do século XX poderia comparar o desejo e a busca do
conhecimento nesta doutrina de Aristóteles à força nuclear, a maior das forças da
natureza, presente no núcleo de todos os átomos e, portanto, em todos os corpos, mas
ao mesmo tempo impedida de se manifestar em sua verdadeira magnitude exceto no
interior das estrelas, nos reatores nucleares e nas bombas atômicas.
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