CAPÍTULO 176

A narrativa de fatos como estes tem parecido chocante a não poucas pessoas.

Como é possível, perguntam elas, que uma instituição como a Igreja tenha se envolvido tão profundamente com o espírito da Renascença a ponto de se verificarem tais abusos? Onde está a presença de Cristo que prometeu nela permanecer até o fim dos tempos? Como é evidente o quanto ela afundou quando se ouve a narrativa de como Paulo IV teve que agir para corrigir o estado em que se encontrava!

Tais fatos são uma verdade histórica. A Igreja, realmente, durante aproximadamente duzentos anos, conforme vimos, sofreu as primeiras influências do Renascimento assim como a sociedade dos homens em geral. Tentou em seguida tomar o controle do movimento, para sucumbir logo em seguida ante o peso do mesmo. Mas, duzentos anos mais tarde, ela conseguiu finalmente romper em definitivo com os laços que a prendiam. Ademais, pode-se observar que, durante todo o processo, muitas das pessoas mais envolvidas no mesmo conservavam nitidamente como ponto de referência a visão de como deveria ser a Igreja tal como Cristo a queria. Não apenas Paulo IV o sabia. Sabiam-no Leão X, Sixto IV e até mesmo Alexandre VI, e muitíssimos outros o sabiam, e o sabiam claramente. Dentro da Igreja tombada, em seu interior, permanecia viva a Igreja pura. No fim, após dois séculos, foi esta que acabou prevalecendo. Na verdade, ela esteve ali o tempo todo.

O que é verdadeiramente chocante é que este processo que ocorreu na Igreja ocorreu também com o restante da sociedade humana, mas no caso da sociedade humana em geral nada se fêz para tentar controlá-lo. Ao contrário, o que houve foi uma capitulação imediata, acompanhada de uma destruição progressiva das referências necessárias para uma possível recuperação. Ao contrário da Igreja, a sociedade em geral sucumbiu sem luta.

Enquanto a Igreja finalmente triunfava, o resto da sociedade dava prosseguimento ao processo iniciado pela Renascença desenvolvendo, ao longo dos cinco séculos seguintes, tudo o que o Renascimento continha em germens, tudo isto sem protestos e freqüentemente sob aplausos, até que tudo passou a ser considerado normal, tão normal que parece o que há de mais inverossímil dizer-se que a sociedade em geral está mergulhada em um processo semelhante àquele que envolveu a Igreja entre 1350 e 1550, só que de proporções gigantescamente maiores e acompanhada, ademais, de uma perda geral de referências, de tal modo que nada de sério parece estar acontecendo.

Nas próximas partes desta Introdução Histórica abordaremos muito do que diz respeito a este problema e veremos, mais adiante, como foi por causa dele que foi convocado o Concílio Vaticano II.

Na verdade, trata-se do mais complexo de todos os problemas até hoje enfrentados por um Concílio Ecumênico.