|
Ao redigir este trabalho, não sabíamos muito a
respeito do surgimento da Bemfam. Mas podem-se levantar
alguns fato que merecem melhor investigação.
A região mais adversa à penetração da IPPF e do
planejamento familiar foi, em todo o mundo, a América Latina
continental. A partir de 1959, uma jovem e dinâmica socióloga
hondurenha, Dra. Ofélia Mendoza, representante no
hemisfério ocidental daquela entidade, começou a percorrer
toda a América Latina entrevistando interessados,
funcionários do governo,médicos e outras personalidades
fornecendo assessoria técnica para problema de organização em
planejamento familiar. Em 1964 já havia 18 clínicas surgidas
em boa parte deste trabalho operando em oito países latino
americanos. No fim de 1964 a discussão desta questão chegou
até à revista Seleções, que dizia, em sua edição portuguesa
de novembro:
|
"Para que os alvos da Aliança para
o Progresso sejam atingidos, as
clínicas de planejamento familiar
da América Latina terão que
aumentar em ritmo mais rápido.
Serão necessários fundos
substanciais e grande quantidade
de ajuda vinda de fora
discretamente prestada".
|
|
Poucos meses depois a USAID liberava verbas especiais para a
IPPF estender seu trabalhos com expressa ênfase na América
Latina. No fim de 1965 surgiu a Bemfam e mais outras
associadas daquela mesma entidade em grande parte dos países
deste continente. No entanto, logo no início de seu
documento, a Bemfam diz de si mesmo que foi o desejo
espontâneo de lutar contra o aborto que levou alguns médicos
a fundarem-na, e que era fundamental ressaltar "que ela não
surgiu de economistas e políticos, mas de ginecologistas
preocupados com o problema do aborto provocado". Em vista
destas coincidências, e do caráter geral da organização a que
a Bemfam está associada, podem se levantar sérias dúvidas a
respeito de tal espontaneidade. Acima de qualquer dúvida, a
IPPF, à qual está vinculada a Bemfam, não está interessada em
resolver o problema do aborto no Brasil nem em lugar nenhum,
mas deseja obter sua legalização para utilizá-lo
sistematicamente como parte de uma política de planejamento
populacional que ela pretende implantar aqui e em todo o
mundo.
O texto diz enfatiza que "a política demográfica
brasileira é do domínio soberano do governo do Brasil",
e que "o governo do Brasil não aceitará interferências
externas, de caráter oficial ou privado, na sua política
demográfica", bem como ser "indispensável o respeito à
soberania de cada país em traçar seus próprios caminhos
em matéria de política demográfica, sem pressões de
governos ou entidades internacionais, sejam ou não de
caráter governamental". Ocorre que nos documentos oficiais
da IPPF encontramos orientações muito distantes de tais
afirmativas.
Anos antes da publicação deste documento no
Brasil, a revista especializada Demography publicou um
número especial sobre os programas de controle de fertilidade
em andamento no mundo inteiro. Esta publicação foi dividida
em seis parte e na primeira foi pedido a altas autoridades da
Fundação Ford, do Conselho Populacional, da USAID e da
IPPF que informassem sobre o papel que suas respectivas
organizações vinham exercendo no contexto mundial daquele
problema. Pela USAID respondeu o seu funcionário mais
graduado nesta área, R.T. Ravenholt e pela IPPF o próprio
Secretário Geral da Organização, Sir Colville Deverell. As
declarações dadas então por Deverell estão em manifesto
contraste com as da Bemfam.
|
"Um dois principais objetivos da
IPPF",
|
|
dizia o seu Secretário
Geral,
|
"consiste em estabelecer um
secretariado permanente para
facilitar a organização de
Conferências Internacionais,
regionais e nacionais e criar uma
presença internacional para
promover o ideal do controle
racional da fertilidade humana
através do mundo. Tradicionalmente
as organizações voluntárias se
mostraram mais eficazes na
afirmação e na defesa de novas
idéias, na mudança e na
mobilização da opinião pública, e
ao exercer pressões nos governos e
nas autoridades locais para que
estes adaptem suas políticas às
mudanças das circunstâncias e das
idéias. O movimento do
planejamento familiar não é
exceção, e o papel mais importante
da IPPF atualmente ainda está
situado no campo da pleiteação.
Seu propósito principal é
converter o povo e os seus
governos para a aceitação da
necessidade de se persuadir a
humanidade a controlar sua
fertilidade de uma maneira
plenamente responsável, no
interesse das famílias e do gênero
humano. Dada a vontade rapidamente
crescente dos governos mais
sadios, do sistema das Nações
Unidas e das fundações
particulares em assistirem os
governos dos países
subdesenvolvidos neste campo,
deveria ser possível ajudá-los a
estabelecerem programas eficazes
nas linhas introduzidas com êxito
na Coréia do Sul e outros países
asiáticos. Para que, entretanto,
se esteja disposto a procurar a
assistência governamental externa,
um governo deve primeiramente
adotar uma política populacional,
e situar-se politicamente em uma
situação adequada para poder
procurar assistência externa neste
que é o mais importante e distinto
papel através da persuasão da
intelligentzia da necessidade do
envolvimento governamental, e
através da criação de um clima de
opinião pública que irá convencer
os políticos que a ação
governamental irá de encontro a
uma exigência popular. Pelo fato
de que o fornecimento de serviços
é um meio prático e visível de
levantar o interesse público, e
porque, qualquer que seja o fator
determinante para se convencer um
governo da necessidade de um
programa de planejamento familiar,
é provável que este governo irá
ter que justificar publicamente a
sua decisão em termos de
argumentos universalmente
aceitáveis de saúde materna e
infantil, o primeiro e óbvio passo
será começar estebelecendo
serviços piloto. Ao mesmo tempo em
que estes se desenvolverão
normalmente, fornecendo
aconselhamento e contraceptivos a
médicos e hospitais, o
estabelecimento de uma associação
nativa tem se mostrado como o
método mais eficaz de recrutar
apoio influente e levantar o
interesse público. Quando esta
associação nativa conseguiu se
firmar e mostrou que com
probabilidade será capaz de se
desenvolver em um verdadeiro órgão
nacional, ela poderá ser admitida
como membro da Federação, mas
mesmo antes ela poderá receber
plena assistência da IPPF. A
maneira pela qual a IPPF tenta
perseguir seus objetivos e
assessorar seus membros pode ser
resumida nos seguintes pontos:
estimular a formação de
associações nacionais de
planejamento familiar através do
mundo; fornecer presença
internacional para dar expressão
aos objetivos e atividades de suas
associações em cooperação com a
ONU e outras agências
internacionais e governamentais;
fornecer informações, assistência
técnica, facilidades para
treinamento e assistência
financeira pelo menos até quando
as associações se tornarem auto
viáveis; procurar diretamente ou
através de associações locais
persuadir os governos e os líderes
comunitários da necessidade
urgente do planejamento familiar;
esforçar-se, através do trabalho
médico, em ciência básica e de
outros comitês, em recrutar apoio
ativo da profissão médica e da
intelligentzia em geral; estimular
a consciência pública, em todo o
mundo, através da imprensa, de
encontros regionais e
internacionais, discussões
particulares, meios de comunicação
de massa, auxílios visuais,
publicações de revistas
especializadas, manuais,
panfletos, tanto centralizada como
localmente.
A experiência mostra que não
obstante um número muito reduzido
de governos sejam ativamente
opostos ao planejamento familiar e
que quase todos dão boas vindas ao
estabelecimento de associações
voluntárias para fazerem alguma
coisa em favor de necessidades
reconhecidas e alterarem a opinião
pública, um bom número de governos
provavelmente não será capaz ou
não quererá dar apoio público a
curto prazo. Esta incapacidade
pode ser ditada por uma variedade
de razões, ou combinação de
razões, incluindo fatores
religiosos, financeiros,
chauvinísticos, comunais, tribais
e supersticiosos. Entretanto é um
fato marcante que quase todos os
governos que aceitaram assumir
pessoalmente as responsabilidades
positivas neste campo são
justamente aqueles governos que
puderam contar com os benefícios
das associações de planejamento
familiar voluntário, as quais
prepararam o caminho para os
programas governamentais
posteriores. Mais ainda, a
experiência presente sugere que a
partir do momento em que os
governos aceitam assumir a
responsabilidade pelos programas
de planejamento familiar, de
nenhuma forma isto significa que
eles acharão conveniente assumir a
responsabilidade total. O papel
das associações voluntárias deve
ser claramente complementar aos
esforços do governo e dentro deste
amplo princípio, deve cobrir
alguns dos seguintes propósitos:
-Propor incessantemente, através
de todos os meios possíveis,
incluindo discussões públicas e
particulares e o uso da bateria
dos meios de comunicação de
massa, o princípio de que o
planejamento familiar é um
direito e um dever, e as
vantagens públicas e domésticas
de uma pequena família.
-Fornecer grupos de pressão
informados e responsáveis para
manter o apoio público aos
programas do governo e mantê-lo
sob revisão constante.
-Identificar as razões da
impopularidade temporária ou
permanente de métodos
específicos, e demonstrando a
maneira apropriada de contornar
estes obstáculos.
-Fornecer experiência e
aconselhamento imparcial aos
órgãos de consultoria centrais e
regionais.
Até quase recentemente os esforços
da IPPF nos países
subdesenvolvidos situavam-se na
Àsia. Na América Latina, a
despeito da tradicional oposição
religiosa, o progresso nos últimos
tem sido muito rápido. Se bem que
o passo ao desenvolvimento possa
ser retardado pela recente
encíclica papal, será improvável
que esta marcha seja detida. Na
Àfrica, a outra grande área onde o
programa tem estado em atraso, a
IPPF está ajudando o planejamento
familiar em vários países. A
maioria das tribos africanas tem
os seus próprios métodos
tradicionais de contracepção e
geralmente não existem sentimentos
puritanos contra a contracepção.
Em alguns países africanos é
possível oferecer assistência
técnica através da IPPF, onde, por
razões políticas, seria impossível
a aceitação de ajuda governamental
externa. A IPPF está esperançosa
de que, através de seu status de
associada não governamental junto
a seis órgão da ONU, possa ser
capaz de, juntamente com eles,
suprir a crescente consciência
africana da necessidade de se
fornecerem recursos eficazes
através deste vasto continente".
|
|
Este texto que acabamos de citar data de 1968, ano em que a
ONU reconheceu o planejamento familiar como direito humano. A
situação mundial do posicionamento mundial frente ao aborto
naquele ano, somado às circunstâncias particulares em que
este texto foi publicado, tornavam desaconselhável que a IPPF
tocasse nele o assunto aborto. Mas os princípios
metodológicos de seu trabalho aparecem aí claramente.
|
|