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Um garoto, porém, reagiu de forma completamente diversa ante os
argumentos de Parmênides e Zenão. Era Sócrates, que ao ouvir
estes argumentos captou as implicações mais profundas que nele estavam
envolvidas. No diálogo denominado Parmênides, Platão descreve
assim uma conversa entre o jovem Sócrates e os anciãos Parmênides e
Zenão:
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"O problema de seu argumento",
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diz Sócrates a Zenão,
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"é que não há nada de estranho em que cada ente
seja ao mesmo tempo um e muitos.
Só a pura idéia abstrata de unidade
é que é perfeitamente una.
Os demais entes participam desta unidade perfeita.
Isto é, eles possuem uma parte da perfeição da unidade
que a idéia de unidade possui por inteiro.
Se eles possuem apenas uma parte da perfeição
que está contida na idéia de unidade,
é porque eles não são perfeitamente unos.
Cada ente tem que ser, desta maneira,
uno sob certos aspectos e muitos sob outros aspectos".
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Este diálogo, foi, assim, a primeira vez na história em que surgiu
o conceito de participação, freqüentissimamente utilizado por Santo
Tomás de Aquino. Participação significa possuir em parte aquilo
que outro possui plenamente; o ser das criaturas é uma participação
do ser de Deus, a graça é uma participação da natureza divina, e
uma obra de arte participa da contemplação do belo que se realiza de
modo pleno na mente do artista. Impressiona aqui, porém, a lucidez
de um garoto em perceber que é a possibilidade da unidade e do próprio
ser de serem possuídos por participação que explica os aparentes
paradoxos de Zenão.
continuou Sócrates,
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"eu ficaria admirado e realmente perplexo
se você pudesse me provar não que os entes,
que apenas participam da idéia de unidade,
são ao mesmo tempo um e muitos,
mas que a própria idéia da unidade
possui ao mesmo tempo unidade e multiplicidade,
ou que a própria idéia da multiplicidade
possui ao mesmo tempo multiplicidade e unidade.
Se você puder me provar
que o absolutamente um são muitos,
e que o absolutamente múltiplo é um,
isto me espantaria.
Eu ficaria deveras surprêso em ouvir
que as próprias idéias de cada coisa
possuem qualidades opostas,
mas não se uma pessoa quiser me provar
que eu, Sócrates,
sou ao mesmo tempo um e muitos.
Porque eu, Sócrates, de fato,
sob certos aspectos sou muitos,
pois tenho dois braços, e não um,
e tenho cabeça, tronco e membros,
órgãos diversos e partes diferentes do corpo,
que são muitas.
Portanto, eu não posso negar
que eu participo da idéia de multiplicidade.
Mas só a idéia de multiplicidade
é totalmente múltipla sem unidade alguma;
desta perfeição da multiplicidade que ela tem,
eu tenho apenas uma participação.
Mas, por outro lado,
eu também sou um, porque aqui estão sete pessoas
e eu sou apenas uma.
Portanto, eu não posso negar
que participo também da unidade perfeita
que há na idéia de unidade.
Mas só a idéia da unidade é totalmente una
sem multiplicidade alguma.
Os objetos visíveis possuem apenas
uma parte desta unidade
que só se realiza perfeitamente na idéia da unidade.
Só na idéia da unidade temos
uma unidade pura, completa, total,
sem mistura com multiplicidade alguma.
Assim, quando uma pessoa mostra
que tais coisas como a madeira,
as pedras e outras,
sendo muitas, são também uma só,
eu admito que ele está mostrando
a coexistência do uno e do múltiplo,
mas ele não está mostrando
que esta multiplicidade é a unidade
e a unidade é a multiplicidade.
Este apenas está mostrando que estes entes
participam imperfeitamente da verdadeira unidade
e da verdadeira multiplicidade,
e ele não está com isto mostrando um paradoxo,
mas uma verdade evidente.
Eu novamente lhe repito, Zenão,
que eu ficaria perplexo
se você pudesse me mostrar
que alguém conseguiu encontrar
nas próprias idéias da unidade e da multiplicidade,
nestas idéias que são apreendidas pela mente,
estas mesmas características
que você diz encontrar nos objetos visíveis".
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Este fato da vida de Sócrates e uma parte do seu diálogo com Zenão
de Eléia e Parmênides foi reproduzido para ilustrar o que se
denomina inteligência no seu sentido mais próprio:
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A inteligência no seu sentido próprio,
é a capacidade de apreender a verdade.
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