|
Foi assim, pois, que nasceu a pedagogia humanista.
Num dado momento, vinha a notícia de que alguém, financiado por algum duque ou
príncipe, havia descoberto certo número de manuscritos antigos do mundo romano.
Pouco tempo depois, de outro lugar vinha outro anúncio de que outra pessoa,
financiada por algum outro príncipe ou duque, havia descoberto em determinado local
outro número de manuscritos antigos do mundo grego. Em sua maioria tais manuscritos
não eram obras de ciência nem de filosofia, mas de literatura, em prosa ou poesia, ou
relatos históricos. Todos eles chamavam a atenção pela sua perfeição estética no uso
da linguagem grega e latina, perfeição que não existia mais entre os estudiosos da
época e da Idade Média anterior. De todos os cantos surgiam, durante a Renascença,
notícias de descobertas de mais e mais destes textos antigos.
Onde estavam escondidos tantos manuscritos antigos? Que expedições milionárias, que
métodos sofisticados foram utilizados para descobrí-los?
A sensação que tais descobertas produziram faria o estudioso moderno pensar, em um
primeiro momento, em expedições caríssimas explorando locais inacessíveis com
escavações demoradas, enfrentando mil perigos vindos de toda a parte, em aventuras
emocionantes cujos relatos hoje poderiam ser transformados em longas metragens
campeões de bilheteria.
No entanto nenhuma destas descobertas teve em sua origem emoções semelhantes às
que acabamos de supor. O humanista simplesmente visitava um mosteiro qualquer,
onde era sempre bem acolhido, e pedia para ver os livros da biblioteca. Ali, no meio
de outros tantos livros, encontrava estes textos misturados com outras obras, em algum
canto geralmente pouco usado pelos monges. A partir daí o humanista se transformava
em um herói, como se aquele livro que ele havia copiado e que empunhava vitorioso
diante de seus colegas humanistas tivesse desaparecido há séculos e só tivesse sido
recuperado graças a esforços comparáveis aos de um Hércules.
Este sentimento, no entanto, não correspondia à realidade. O que ele havia descoberto
não era o manuscrito original que havia sido redigido pelo próprio punho de Cícero ou
de Quintiliano. Nas circunstâncias da época, um manuscrito original desta natureza,
datado de quinze séculos ou mais, dificilissimamente poderia-se ter conservado. Seria
algo fisicamente quase impossível. Ao que sabemos, existe apenas um único caso de
um manuscrito original anterior à era cristã que se tenha conservado até hoje; são os
manuscritos do Mar Morto, descobertos apenas em 1947. Se aqueles textos da
antigüidade que os humanistas foram descobrindo nas bibliotecas dos mosteiros se
tinham conservado é porque tais textos haviam sido copiados e recopiados muitas
vezes pelos monges ao longo da história. De fato, todos eles haviam sido copiados e
recopiados com uma certa metodicidade pelos monges até pouco antes do advento da
Peste Negra, quando esta epidemia desorganizou completamente a disciplina dos
mosteiros. Com o declínio dos estudos e da disciplina monástica, todos estes
manuscritos ficaram relegados a um canto das bibliotecas e davam a falsa impressão
de que estavam abandonados desde a antigüidade romana.
Por que então os monges nunca fizeram alarde de toda esta vasta literatura antiga que
haviam tão diligentemente guardado e copiado desde épocas imemoriais? A resposta é
simplesmente porque quase não davam importância a estes textos. Eram usados apenas
para aprender a ler e a escrever, e para aprender alguns rudimentos de retórica. Se
para mais do que isso não valiam, para que chamar tão estrepitosamente a atenção do
mundo para eles? Embora eles demonstrassem um belíssimo domínio da língua latina,
o valor de seu conteúdo era considerado pequeno; o que verdadeiramente era
importante para os professores e estudantes anteriores à Peste Negra era outro tipo de
literatura. Os clássicos da antigüidade que fascinariam os renascentistas eram, até
pouco tempo antes, considerados apenas como literatura de conteúdo de importância
muito secundária para merecerem maiores atenções.
Foi então que o que havia sido durante séculos considerado como um refugo passou a
parecer aos humanistas que fosse o supra sumo da cultura, e foi com base nesta
literatura que eles reconstruíram a cultura do homem nos anos 1400 e 1500. A
perfeição do Latim de Cícero, o ápice da perfeição artística da língua latina, pareceu-
lhe também o ápice da cultura humana.
Já o Latim de Santo Tomás de Aquino e dos demais escolásticos era um Latim
verdadeiramente simplório; em sua época quanto mais profundo fosse um autor
geralmente tanto mais simplório era o Latim de que se utilizava. Sua linguagem não
possuía nenhum rebuscamento. Entre os filósofos gregos já havia aparecido em parte
esta tendência; o maior entre os filósofos gregos, Aristóteles, foi justamente aquele que
se utilizou da língua grega em sua forma mais simples.
Esta simplicidade de linguagem curiosamente reforçou entre os renascentistas a idéia
de que a Idade Média havia sido a Idade das Trevas. Desprezando o conteúdo das
obras escritas anteriormente, estes homens julgaram que apenas uma cultura inferior
poderia ter-se expressado em uma linguagem que lhes parecia tão bárbara.
|
|