Hugo de São Vitor

A SUBSTÂNCIA DO AMOR

Inst. in Decalogum Legis Dominicae

C. 4, PL 176, 15-18;

Miscelannea L. I C. 171,

PL 177, 563-565;

também em PL 40, 843-848


1. Introdução. Os dois rios do amor.

Semeamos cotidianamente um sermão sobre o amor para que possa faiscar e acender-se em nossos corações aquele fogo que produz a chama que tudo consome e tudo purifica.

Tudo o que é bom o é pelo amor, e tudo o que é mau o é também pelo amor. Uma só é a fonte do amor que, subindo do interior, derrama-se em dois rios: um destes rios é a cobiça, o amor do mundo; o outro é a caridade, o amor de Deus. Entre ambos estes rios está o coração do homem, de onde jorra a fonte do amor. Quando este se derrama pelo apetite às coisas exteriores, é chamado de cobiça; quando o seu desejo, porém, se dirige às coisas interiores, é denominado de caridade.

Há, portanto, dois rios que emanam da fonte do amor, a cobiça e a caridade, e a cobiça é a raiz de todos os males, enquanto que a caridade é a raiz de todos os bens. É pelo amor que tudo o que é bom é bom e é pelo amor que tudo o que é mau é mau. O que quer que seja o amor, portanto, coisa grande é quando está em nós. Por ele é tudo o que há em nós: isto é o amor.

O que é o amor, quão grande é o amor, e onde está o amor?

A Palavra de Deus fala de amor. Não vos parece, porém, que este assunto pertença mais propriamente aos que costumam prostituir o seu pudor? Eis quantos são os que abraçam prontamente o seu ministério, e eis quão poucos são os que não se envergonham de falar abertamente de suas palavras! Que fazemos nós, portanto? Teríamos talvez tão pouco pudor que não nos envergonhamos de proclamar este amor que até os impúdicos às vezes não conseguem exprimi-lo sem vergonha?

Mas uma coisa, porém, é investigar o vício para que seja erradicado; outra exortar ao vício, para que a virtude e a verdade não sejam amadas. Nós investigamos e buscamos conhecer o que há em nós que divide de tantas maneiras nossos desejos e conduz um só coração a coisas tão diversas para que, conhecendo-o, possamos nos precaver, enquanto que eles investigam este mesmo assunto também para conhecê-lo, mas para que, conhecendo-o, possam não se precaver, mas praticá-lo. Esta coisa nada mais é do que o amor o qual, sendo um movimento do coração singular e único segundo a sua natureza, é, todavia, segundo a ação, dividido, pois quando se move desordenadamente, isto é, ao que não deve, é dito cobiça; quando, porém, o faz ordenadamente, é chamado de caridade.

Com que definição poderá ser significado este movimento do coração ao qual chamamos de amor? É importante que nós o examinemos adequadamente, para que nada dele fique escondido e desconhecido e, para que, por este motivo, não seja evitado sendo mau e não seja apetecido sendo bom, justamente este amor do qual, sendo mau, procedem tantos males e do qual, sendo bom, procedem tantos bens.



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