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Mas mesmo esta comparação do tijolo e da casa não é boa. Porque
nós vamos usar a casa não para morar nela, mas para poder olhar mais
longe, além dela.
Com isto, temos uma outra observação inicial a fazer sobre o
conjunto destas palestras. Na maior parte delas, do início até bem
perto do fim, nós iremos acumular uma grande quantidade de dados.
Próximo ao fim é que estes dados irão se juntar uns aos outros
conduzindo a algo que é de uma ordem diferente deles próprios. Por
que, porém, proceder assim?
Devemos dizer que este é o processo normal de trabalho da mente
humana, tanto para as pequenas conquistas da inteligência, como para
as grandes. A inteligência humana trabalha abstraindo as idéias que
contempla dos dados dos sentidos reunidos pela faculdade da
imaginação. Ela apenas alcança a essência das coisas após muita
observação e alcançar as idéias mais profundas e abstratas requer
freqüentemente, da maioria dos homens, que se debrucem sobre uma
quantidade maior de dados do que as mais simples.
Podemos exemplificar este fato nas grandes conquistas da inteligência
humana ao longo da história.
Vejamos o caso da Mecânica Newtoniana. Trata-se de uma das
grandes façanhas do espírito humano. Ela é praticamente metade da
Física Clássica e com ela se explica todo o movimento dos astros no
céu e a maioria das obras da Engenharia Moderna. No entanto, toda
ela pode ser resumida em três princípios, os famosos princípios de
Newton da Mecânica e mais a fórmula matemática da lei da
gravitação universal, F = G (M.m) / r2.
Para que, porém, Newton pudesse ter vislumbrado uma coisa
aparentemente tão simples, e nela, todas as suas conseqüências,
antes dele duas gerações de cientistas tiveram quw colecionar uma
quantidade imensa de dados. Tycho Brahe, astrônomo, passou a vida
inteira observando os astros e fazendo tabelas com estas observações.
Ao morrer, não tinha ainda conseguido chegar ao que ele queria, e em
seu leito de morte suplicou ao seu discípulo Kepler que jurasse que
tanto trabalho não havia sido em vão. Seu trabalho não foi em
vão; Kepler continuou as observações do mestre durante mais outra
vida, chegando a sintetizá-las em três leis famosas. Todos estes
dados passaram para Newton, aos quais ele acrescentou outras
observações pessoais. Finalmente, certo dia, repentinamente, com
a queda de uma maçã, Newton percebeu quais eram as leis que regiam
tudo aquilo e mais um sem número de coisas. Esta intuição foi uma
conquista puramente da inteligência, mas se ele próprio e mais duas
gerações de sábios não tivessem coligido todos aqueles dados, ainda
que uma caixa inteira de maçãs caísse sobre a sua cabeça, isso não
faria com que Newton compreendesse as leis da Mecânica.
Podemos tomar um outro exemplo, vindo do campo da Filosofia.
Implícita na síntese filosófico teológica de Santo Tomás de
Aquino há uma série de princípios de grande alcance que foram
descritos nas 24 teses tomistas redigidas por uma comissão de
estudiosos na virada do século 19 para o século 20. Trata-se de
um texto que pode caber em duas ou três páginas, mas quantos séculos
não foram necessários para se chegar à evidência destes
princípios, e da síntese que implicitamente se baseia sobre os
mesmos! Veio, inicialmente, uma primeira síntese preparatória com
Aristóteles, a qual teve que se utilizar de três séculos e meio de
trabalho de filósofos gregos que o precederam, observando,
dialogando, meditando e contemplando. Para se chegar a Santo Tomás
de Aquino, teve que se somar a isto mais um milênio de sabedoria
cristã, para que ele pudesse ter enxergado e descrito o que nos
deixou. Hugo de S. Vitor, do qual, juntamente com Santo
Tomás, muito se fala nesta biblioteca, foi um dos elos importantes
que conduziram à obra de Santo Tomás de Aquino.
Mas estes são apenas exemplos; não se deseja aqui comparar as obras
de Newton com as de Hugo de S. Vitor e S. Tomás de Aquino,
que possuem outras características básicas muito diversas entre si.
O que se quer é apenas trazer à atenção o fato de que o trabalho da
inteligência, algo em que ambos estes exemplos certamente estavam
implicados, tem os seus requisitos, e isto vale não só para as
grandes conquistas da inteligência mas também para as outras menores
que todos os homens precisam fazer e fazem ao longo de suas vidas.
Quantas vezes as pessoas que se dedicam seriamente ao verdadeiro
trabalho da inteligência em um dado momento não percebem, ao
encontrar a evidência de uma verdade, como que seu espírito se enche
de luz! Esta luz, diz Santo Agostinho, é imagem de Deus, pois,
diz Agostinho,
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"Está escrito:
`Deus é luz'.
Não se creia, porém,
que é esta luz
que contemplam os olhos,
mas sim uma luz
como a que vê o coração
quando ouve dizer que
`Deus é verdade' ".
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Mas esta mesma luz, se olharmos para trás em nossa atividade da
inteligência, teve que se basear em um trabalho prévio de outra
ordem.
É por este motivo que ao longo destes textos iremos desenvolver muitas
coisas das quais não se conseguirá apreender de imediato qual a
relação entre elas e o objeto das perguntas que são nosso ponto de
partida e nossa meta. Trata-se de material que teremos que ir
acumulando e de que faremos uso posteriormente.
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