CAPÍTULO 21

Bernardo adquiriu um profundo gosto pela salmodia que lhe ocupava seis ou sete horas de cada dia. O tempo do ofício nunca lhe parecia suficientemente prolongado para a sua devoção. No capítulo do jejum e abstinência ultrapassava de longe as prescrições da regra, indubitavelmente com a aprovação dos superiores. Em conseqüência deste excesso contraíu, ainda como noviço, o cruel desarranjo gástrico que o atormentou toda a vida e o levou finalmente à sepultura. A tal ponto mortificou o seu paladar que pareceu ter perdido o sentido do gosto. Assim, conta-se que uma vez ingeriu por engano azeite em lugar de água sem que tivesse notado a diferença. O sentido da audição foi igualmente submetido a penitência. Escutou com excessiva atenção as notícias que vinham a comunicar-lhe a ponto de, ao chegar ao coro para o Ofício da Nona, descobrir a ausência de devoção e o seu espírito presa de distrações. O fato simplesmente decidiu-o a não voltar a prestar atenção a qualquer conversa. Posteriormente, outras pessoas que o visitaram notaram que ele tapara os ouvidos com algodão. Com isso conseguiu um duplo propósito, o de não escutar as notícias que o distraíssem e o de adquirir a fama de estúpido. Com a vista podemos avaliar a que ponto ele acautelava os olhos pelo fato de que, no final de seu ano de noviciado ele ainda ignorava se o teto de seus aposentos era plano ou abobadado e de que forma era iluminada a igreja. Anos mais tarde ele percorreria um dia inteiro de viagem às margens do belíssimo lago Leman sem ter erguido a vista uma única vez.