O MILAGRE DA VIDA: REFLEXÕES DE BIOÉTICA (2).

Aprendemos a conhecer melhor o embrião humano, isto é, o homem desde a sua concepção. Talvez agora tenhamos maior estima e assumamos o dever de ter maior respeito por ele. Não são poucos nem de pouco valor os assuntos sobre os quais refletimos, para aprendermos a amar o ser humano recém concebido.

Entretanto, o comportamento de muitas pessoas é ainda demasiado superficial ou mesmo insuficiente no tocante aos conhecimentos necessários, científicos e antropológicos, pois todo método contraceptivo é freqüentemente considerado, e de maneira errônea, isento de qualquer perigo para o embrião. É necessário examinar melhor este ponto.

Constata-se uma boa dose de confusão já a partir do uso que comumente se faz do termo contracepção, até mesmo na própria literatura médica. Parece-nos, portanto, correto precisar, antes de mais nada, em que casos um método pode objetivamente ser denominado contraceptivo. Em síntese, podemos dizer que a contracepção visa exclusivamente impedir a união do espermatozóide e do óvulo e, conseqüentemente, a fecundação e a concepção de um novo ser humano, tornando infecunda uma relação conjugal. O termo contraceptivo tem, deste modo, um significado unívoco que expressa e ao mesmo tempo realiza uma determinada ação preventiva da concepção.

Ora, a confusão nasce do fato de que esta palavra, contracepção, é comumente empregada não somente para as técnicas contraceptivas propriamente ditas, mas também para métodos ou produtos químicos, sem dúvida alguma abortivos ou pelo menos abortivos em uma porcentagem variável.

Exatamente pelo respeito a que o recém concebido tem direito, é necessário tomar consciência de que grande parte da chamada contracepção age sobretudo ou de alguma forma como um mecanismo abortivo. Nestes casos o mecanismo de ação trata, na realidade, de impedir que o embrião possa implantar-se na mucosa uterina, ou que a gravidez possa prosseguir depois que ocorrer a implantação.

Tais técnicas raramente são consideradas abortivas por quem as divulga, ou porque o termo aborto acaba sendo aplicado a uma específica interrupção voluntária da gravidez por via cirúrgica ou intervenções semelhantes em uma fase mais avançada da gestação, ou porque se quer evitar que a mulher que delas se utiliza "pense muito no assunto". Prefere-se então chamá-las de técnicas "interceptivas", quando estas interceptam o embrião, impedindo que se implante na mucosa uterina, ou de técnicas "contragestativas", quando estas impedem o prosseguimento normal da gestação após a fase inicial da implantação.

Em vista das afirmações que já fizemos anteriormente, não podemos admitir diferenças de valor nas várias etapas do desenvolvimento do embrião humano. O homem é sempre sujeito de direito à vida e de respeito, desde a sua concepção. Por isso chamamos de aborto a toda e qualquer interrupção provocada no processo evolutivo do recém concebido, inclusive as formas de interrupção nos estágios iniciais.

Há dois tipos gerais de pílulas anticoncepcionais. Algumas, conhecidas como "minipílulas", possuem apenas progesterona em sua fórmula; outras, conhecidas como "pílulas combinadas", contém em sua fórmula uma combinação de estrógeno e progesterona.

A minipílula é um produto administrado por via oral composto de pequenas doses de um progesterona somente. É tomada todos os dias do ciclo, mesmo durante a menstruação. A ausência do estrógeno explica a freqüente persistência dos ciclos ovulatórios. Nas mulheres que fazem uso na minipílula a presença da ovulação é estimada em ao menos sessenta a setenta por cento dos ciclos.

Também neste produto, o mecanismo de ação se explica principalmente no nível da mucosa uterina, que apresenta uma transformação atípica. A administração do progesterona, com esta dosagem e freqüência, provoca uma atrofia progressiva do endométrio e impede a seqüência fisiológica da fase proliferativa para a fase secretora, necessária à implantação do embrião. Desse modo acontece o efeito abortivo.

Uma confirmação ulterior deste efeito é dada pelo fato de assinalar-se uma elevada incidência de gravidez ectópica, sobretudo entre as mulheres que ingerem noretisterona (3).

Já a pílula combinada baseia-se no uso de estrógeno e progesterona associados, administrados por via oral. O tratamento inicia-se, normalmente, no primeiro dia do ciclo, e a pílula é tomada durante vinte e um dias consecutivos.

O estrógeno mais largamente utilizado neste tipo de associação é o etinilestradiol. Quanto ao progesterona, são mais usados os derivados do 19-Nortestosterona (levonorgestrel, noretisterona, noretinodrel, etc.). Mais recentemente vêm sendo empregados o acetato de ciproterona, o desogestrel, o gestodene, o norgestimate, com a finalidade de reduzir os efeitos colaterais androgênicos.

A fim de poder reduzir os outros numerosos efeitos colaterais indesejáveis, e por vezes graves, dos estroprogesteronas, nos últimos anos vem sendo progressivamente reduzida a dose dos hormônios empregados, especialmente do estrógeno, nas diversas associações disponíveis no mercado.

A intenção original dos pesquisadores era impedir totalmente a ovulação com a administração de elevadas doses de estrógenos e progesterona. O bloqueio da ovulação acontecia com a inibição dos releasing fators hipotalâmicos que regulam a produção hipofisária dos hormônios FSH e LH, e a supressão do pico do LH e da ovulação.

Mas devido à grave incidência de efeitos colaterais causados, como já dissemos, pela dosagem hormonal empregada, sobretudo do estrógeno, o conteúdo hormonal e, especialmente, o estrogênico, foi sendo reduzido. Desse modo, a produção de FSH e LH e, conseqüentemente, a ovulação, não é sempre inibida. Não obstante a ingestão da pílula, ficou demonstrado que a ovulação ocorre igualmente em uma porcentagem que gira em torno de sete a dez por cento (4). As provas da ocorrência da ovulação foram fornecidas a partir de 1983, seja por via histológica, seja por análises bioquímicas (5). É demonstrado que, ao lado da ação inibitória da ovulação, a pílula estro-progestágena intervém em dois outros níveis de do aparelho genital feminino: a mucosa uterina, também chamada de endométrio, torna-se inadequada para a implantação do embrião, ainda que se verifiquem a ovulação e a fecundação; e a motilidade da trompa é alterada, interferindo na passagem do embrião, que desse modo não chega em tempo hábil ao endométrio (6).

Devemos dar maior atenção ao primeiro dos dois níveis citados. De fato, observam-se na mucosa uterina dois tipos de modificações: o regressivo-atrófico, se na pílula predominar a quantidade de progesterona, e o proliferativo, se na pílula predominar a quantidade de estrógeno. Em ambos os casos, as modificações do endométrio impedem a implantação do embrião, embora se verifiquem a ovulação e a fecundação. É este o mecanismo de ação abortivo da pílula, em particular daquela com baixa dosagem de estrógenos.

Quanto às mudanças no sentido regressivo, é preciso acrescentar que estas progridem à medida que o uso do produto é prolongado. Pode-se observar a chamada secreção rígida, em cuja presença as glândulas endometriais se restringem, perdem sua funcionalidade secretora e assumem um aspecto atrófico, e o estroma apresenta uma reação pseudo- decidual. O endométrio já não passa pelas modificações fisiológicas cíclicas da fase proliferativa para a secretora que garantiriam a implantação do embrião e, com o bloqueio da fase secretora, a implantação do embrião no endométrio torna- se impossível (7).