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Assim também deve-se crer Deus ser imutável pelo conhecimento.
O conhecimento humano está submetido à mutabilidade por três modos;
por aumento, por diminuição, por sucessão.
Quando aprendemos o que não sabíamos, o conhecimento muda por
aumento. Quando esquecemos o que sabíamos, o conhecimento muda por
diminuição.
Quanto à mutabilidade por sucessão, pode ocorrer de quatro
maneiras: na essência, na forma, no lugar, no tempo.
O conhecimento humano passa por sucessão na essência quando pensamos
ora nisto, ora naquilo, porque não podemos abarcar simultaneamente
todas as coisas com nossos sentidos; na forma, quando consideramos uma
só e mesma coisa ora deste, ora daquele modo, não podendo fazê-lo
de ambos simultaneamente; no lugar, quando conduzimos nosso pensamento
para este ou para aquele outro lugar, não podendo pelo pensamento
estarmos presentes em ambos; no tempo, quando consideramos ora o
passado, ora o presente, ora o futuro. O conhecimento também varia
no tempo quando interrompemos ou retomamos nossos pensamentos, não os
podendo possuir de modo contínuo.
O conhecimento divino, porém, não sofre nenhuma destas
mutabilidades.
Não aumenta, porque é pleno. Nada pode desconhecer quem tudo
cria, quem tudo governa, quem tudo penetra, quem tudo sustenta. E
quem a tudo está presente pela divindade, não pode estar ausente pela
visão.
Também não pode diminuir aquele para quem tudo o que é não o é por
outro, mas ele próprio tudo o que é o é por si mesmo e cujo um só
todo que é o é por um só.
Que direi da mutabilidade por sucessão? Como poderá receber
sucessão aquela sabedoria que abarca simultaneamente, de uma só vez e
sob um só raio de visão, a todas as coisas? Simultaneamente,
porque compreende todas as essências, todas as formas, todos os
lugares, todos os tempos. De uma só vez, porque não recebe uma
visão intermitente, e não interrompe a visão possuída; mas o que
uma vez foi, sempre será, e o que sempre é, o é no seu todo. Vê
todas as coisas, e de todas as coisas tudo vê, e vê sempre e em todo
lugar. Não lhe advém nada de novo, nem de alheio, nem do seu:
quando é futuro, prevê; quando é presente, vê; quando é
passado, retém. Nem prevê, vê e retém nada que não esteja nele
próprio, pois o que advém no tempo, já lhe era na visão, e o que
passou no tempo, permanece-lhe na visão. Da mesma maneira, se todo
o teu corpo fosse olho, e para ti não fossem coisas distintas o ser e
o ver, qualquer coisa para que ele se voltasse não poderia não estar
presente diante de ti, e, permanecendo imóvel, com um só golpe de
vista, compreenderias tudo o que tivessses diante da vista, qualquer
que fosse a parte de que proviesse; na verdade, verias diante de ti
tudo o que de qualquer maneira estivesse situado atrás de ti. A coisa
passaria, mas a visão permaneceria, e tudo o que cessasse devido à
sua mobilidade, para aquele que permanece não deixaria de estar
presente. Porém de fato, porque vês por partes, não vês pelo
modo imutável: passando a coisa, esta ou cessará de ser vista, ou
levará consigo a sua visão. Não verias deste modo mutável se
fosses todo olho. Tudo o que, portanto, é por partes é mutável;
e o que não é por partes não é mutável.
Deus, porém, para quem o mesmo é o ser, o viver e o inteligir,
não sendo por essência por partes, não poderia sê-lo também em
sua sabedoria, e assim como imutável é em sua essência, também
imutável será em sua sabedoria.
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