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Seja para nós suficiente em tudo isto adequar o nosso senso à regra
da piedade e sentir das palavras do Espírito Santo que não
constituem um discurso escrito segundo a fragilidade da linguagem
humana. De fato, está escrito que
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"toda a glória do rei
provém do interior".
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É deste modo também que o tesouro dos sentidos divinos está
escondido, encerrado nos frágeis vasos da vil letra. Se alguém, no
entanto, busca mais curiosamente a explicação de cada uma destas
coisas, venha e, junto conosco, ouça como Paulo apóstolo, por
meio do Espírito Santo, o qual perscruta até as profundezas de
Deus, investiga a elevação da sabedoria e da ciência divina e,
não chegando nem ao fim e nem, por assim dizer, podendo chegar a um
íntimo conhecimento, em desespero e admiração de causa, clama e
diz:
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"Ó altitude das riquezas da sabedoria
e da ciência de Deus!"
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E que ele proclamou isto desesperando de uma perfeita compreensão,
podemos ouvi-lo dizendo:
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"Quão incompreensíveis são os seus juízos,
e impenetráveis os seus caminhos!"
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De fato, ele não diz quão dificilmente podem ser compreendidos os
juízos de Deus, mas que não o podem completamente; nem disse que
dificilmente podem ser perscrutados os seus caminhos, mas que não
podem ser perscrutados. Quanto mais alguém crescer na investigação
e mais se adiantar no estudo interior, e quanto mais for ajudado pela
graça de Deus e iluminado em seu entendimento, mais não poderá
chegar ao perfeito fim daquelas coisas que são buscadas, nem nenhuma
mente que foi criada terá possibilidade de compreendê-las de modo
algum. Antes, para encontrar algumas das coisas que busca, verá
outras mais que terá que buscar. E se também a estas alcançar,
verá muitíssimas outras que deverão ser buscadas. Foi por este
motivo que o sapientíssimo Salomão, compreendendo pela sabedoria a
natureza das coisas, disse:
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"Eu disse: far-me-ei sábio,
e a sabedoria retirou-se
para longe de mim,
muito mais do que antes estava.
A sua profundidade é grande,
quem a poderá sondar?"
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Também Isaías, sabendo que o início das coisas não poderia ser
encontrado pela natureza mortal, nem tampouco por aquelas naturezas
que, embora sejam mais divinas do que a humana, foram, todavia, elas
próprias feitas e são, portanto, também criaturas, e sabendo,
portanto, que por nenhuma destas, nem o início nem o fim pode ser
encontrado, diz:
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"Dizei as coisas que foram no início,
e saberemos que sois deuses;
ou anunciai as últimas que serão,
e então veremos que sois deuses".
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Por isto também o doutor hebreu colocava que, como o início ou o fim
de todas as coisas não pode ser compreendido por ninguém, senão
somente pelo Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, Isaías
teria dito pela figura da visão haver somente dois serafins que com
duas asas cobriam a face diante de Deus, com duas os pés, e com duas
voavam, clamando mutuamente e dizendo:
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"Santo, santo, santo,
é o Senhor Deus dos Exércitos,
toda a terra está cheia de sua glória".
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Porque, portanto, somente os serafins tinham ambas as suas asas
cobrindo-lhes as faces diante de Deus e os seus pés, devemos ousar
declarar que nem o exército dos santos anjos, nem os santos tronos,
nem as dominações, nem os principados, nem as potestades podem
conhecer integralmente o início e o fim de todas as coisas.
Deve-se, porém, entender que estes santos que foram enumerados como
sendo espíritos e virtudes próximas aos próprios inícios tenham
alcançado mais do que os restantes puderam conseguir. De tudo aquilo
que, porém, revelando-o o Filho de Deus e o Espírito Santo,
tiverem aprendido estas virtudes, muito estes outros puderam alcançar
e muito mais os primeiros do que os inferiores. Tudo, porém, mesmo
para elas é impossível que o compreendam, porque está escrito:
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"Muitas obras de Deus são ocultas".
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De onde que é desejável que cada um, segundo a medida de suas
forças, sempre queira arrojar-se para o que está adiante,
esquecendo-se do que fica para trás, tanto para as obras melhores
como também para o senso e o entendimento mais puro, por Jesus
Cristo, nosso Salvador, ao qual é a glória pelos séculos dos
séculos.
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