|
Em todos os textos que citamos, João XXIII não se refere nunca
à reforma litúrgica como objetivo prioritário do Concílio Vaticano
II. É certo que fala da liturgia no último texto, a carta aos
romanos de abril de 1962, mas aí não se trata do um objetivo do
Concílio, e sim da forma como ele desejava que os cristãos se
preparassem para o evento.
As orientações de João XXIII sobre os objetivos do Concílio
Ecumênico eram mais genéricas: "revestir o clero de novo fulgor de
santidade", "instruir o povo nas verdades da fé e da moral", sem
que se mencionasse nelas nenhum problema litúrgico.
Em 5 de junho de 1960 João XXIII instituía onze comissões
preparatórias para estudar os diversos problemas da Igreja no mundo
moderno, sem dar propriamente prioridade a nenhuma. Havia uma
Comissão Teológica, para examinar os problemas relativos à
Sagrada Escritura, tradição, fé e costumes; e outras para os
bispos e governo das dioceses, disciplina do clero, religiosos,
sacramentos, liturgia, seminários, Igreja Oriental, missões,
apostolado dos leigos, meios de comunicação. A liturgia estava aí
sim, mas como um assunto entre todos os assuntos.
Entretanto, - e é importante salientar este fato à luz das
orientações gerais de João XXIII para o Concílio -, ao ser
iniciado o Vaticano II em outubro de 1962, verificou-se que a
liturgia era na realidade um assunto prioritário, o primeiro assunto a
ser discutido e, pode-se dizer também, o único assunto a ser
discutido no Concílio durante o pontificado de João XXIII que
então chegava ao fim. Dessa discussão resultou a promulgação, no
início do pontificado de Paulo VI, do primeiro documento do
Concílio, a Constituição Sacrossantum Concilium, versando sobre
a liturgia. Obteve a surpreendente votação de 2147 votos contra
4, além de ter sido, dentre todos os documentos que iriam se
seguir, o que mais facilmente conseguiu ser aprovado por parte dos
padres conciliares. Foi como se eles já soubessem de antemão por um
consenso geral que, se se deviam buscar os objetivos de João
XXIII, a liturgia deveria ter prioridade e, ademais, como se
também houvesse um certo acordo a respeito do sentido em que ela
deveria ser prioritária.
Esta orientação que a liturgia ganhou dentro dos objetivos traçados
por João XXIII para o Concílio Vaticano II não vinha do
próprio João XXIII, pelo menos como de sua principal fonte de
inspiração. De onde veio e que sentido os padres conciliares
quiseram dar a ela durante o Concílio e após o mesmo é o que
constitui o tema deste livro.
Para isto, porém, teremos que tratar o assunto desde as suas
raízes. Já que a Missa é o centro da liturgia, e a Missa é um
sacrifício, deveremos tratar primeiramente da natureza do sacrifício
em geral, depois de como ele entrou no Cristianismo e as
intervenções do Magistério da Igreja em relação à missa até
antes do Vaticano II. Esperamos com isto dar uma contribuição à
obra de santificação que o Concílio começou a empreender para o
homem de hoje que, se ainda não produziu todos os frutos que se
esperavam, isto se deve em parte à pouca compreensão que os cristãos
ainda têm de uma obra tão grandiosa.
|
|