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Teve o dom de profecia, e pelo espírito divino conhecia as faltas que
faziam os seus monges, ainda que estivessem muito distantes, as
tentações que padeciam e as perseguições que os seculares
levantavam. Também é coisa certa que lhe apareciam as almas de
alguns monges que morriam nos conventos de sua Ordem, pedindo-lhe a
sua bênção e a sua permissão para se dirigirem à outra vida.
Certa vez veio a Claraval um monge do mosteiro Fusnaciense e,
querendo voltar à sua casa, São Bernardo o chamou à parte e lhe
disse:
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"Diga a tal monge
que se emende de tal e tal coisa,
pois, se não se emendar,
logo virá sobre ele o juízo de Deus".
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Ficou assombrado o monge. São Bernardo havia nomeado pessoas e
faltas muito ocultas. Disse então ao santo:
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"Padre, quem foi
que vos disse estas coisas?"
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Respondeu-lhe Bernardo:
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"Seja quem for,
dize-lhe o que eu te digo.
Se não o fizeres,
serás participante do castigo".
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Outra vez, ao dirigir-se a Catalanno, ganhou grande número de
estudantes para Deus. Estes haviam sido discípulos de um grande
doutor, chamado Estevão de Vitry. Estando um dia fazendo uma
prática com eles antes de dar-lhes o hábito, o porteiro o avisa que
Estevão, o mestre daqueles moços, estava esperando na porta e que
com eles queria também receber o hábito. Alegraram-se muito os
discípulos ao verem que seu mestre os seguia mas o santo, iluminado
com a luz do céu, deu um grande grito e disse, de modo que todos o
puderam ouvir:
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"O espírito maligno o trouxe para cá.
Veio só, e voltará só".
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Ficaram todos espantados com aquelas palavras e o santo, para não
ferir as novas plantas, ainda que de má vontade, o recebeu com os
outros noviços e o exortou à perseverança. Ao cabo de seis meses,
porém, acabou saindo, confessando ele mesmo que quando estava na cela
dos noviços via um negrinho que o retirava do oratório. E, ainda
que o demônio o tivesse trazido para que fosse um laço para os
demais, não alcançou o seu objetivo, porque os demais, com a sua
saída, foram confirmados na sua vocação e ele saíu só.
Um monge chamado Gofredo para quem, estando muito desconsolado e sem
remédio, o santo havia alcançado com sua oração grande serenidade e
singular alegria de consciência, sendo noviço e desejando ao extremo
a salvação eterna de seu pai carnal, pediu ao santo com grande afeto
que o encomendasse a Deus. São Bernardo lhe respondeu:
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"Não duvides, meu filho,
que teu pai há de ser um bom religioso
e que eu o terei que enterrar com estas mãos".
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E assim aconteceu, porque o velho entrou para a religião e, tendo
progredido na virtude, caíu doente estando São Bernardo distante de
Claraval. Passou cinco meses contínuos lutando contra a doença,
até que voltou o santo que o encontrou em seu leito de morte e com suas
mãos o enterrou, conforme o havia profetizado.
Estando em Claraval gravemente enfermo outro monge chamado Roberto,
foi desenganado pelos médicos. São Bernardo estava em Roma,
apareceu-lhe uma noite em espírito e o visitou amorosamente, cantando
matinas na companhia dos outros monges. Naquela manhã Roberto ficou
completamente curado.
Em outra ocasião enviou um monge alemão chamado Henrique às
regiões mais remotas da Alemanha. Temendo que antes que pudesse
voltar daquela longa jornada o santo padre passasse desta vida, pois
estava muito fraco e debilitado, ia muito desconsolado pelo desejo de
receber naquele momento a sua santa e última bênção. Entendeu
São Bernardo o desejo e a pena de seu filho e, dando-lhe a
bênção na partida, disse-lhe:
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"Vás com alegria,
porque voltarás são
e me encontrarás vivo
conforme desejas".
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Sucedeu ao bom monge que, passando por um rio gelado perto da cidade
de Argentina, caiu nele e, afogando-se, viu diante de si o santo
abade, por intermédio do qual salvou-se e voltou ao convento são e
alegre, encontrando o santo padre também são, como este o havia
profetizado.
Tendo três moços entrado para o convento de Claraval e tomado o
hábito, um deles, por instigação de Satanás, pouco depois o
deixou. Temendo os monges que os outros dois noviços seus
companheiros fizessem o mesmo, o santo, olhando-os na face, disse
que um deles não teria jamais tentação grave e que o outro seria
combatido por muitas mas que, no fim, prevaleceria e se sairia
vencedor e, como o disse, assim aconteceu.
Em outra ocasião o rei de França, Luís, irritou-se contra
alguns bispos e os removeu de suas igrejas, sem querer reconsiderar,
nem com as muitas e graves cartas que escreveu São Bernardo para
acalmá-lo, nem com a humildade dos próprios bispos os quais,
lançando-se aos pés do rei, pediam-lhe o perdão. Disse-lhe o
santo, ameaçando-o:
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"Senhor, esta vossa obstinação
custará a vida a Felipe,
vosso filho primogênito
e príncipe jurado".
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O santo disse e Deus o cumpriu. O rei, reconhecendo a sua culpa,
humilhou-se e reconsiderou.
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