QUESTÃO TRIGÉSIMA QUARTA.

Diz o Apóstolo que

"as coisas invisíveis de Deus compreendem-se pelas coisas feitas, assim como o seu poder eterno e a sua divindade".

Rom. 1, 20

Por que motivo o Apóstolo distingue o poder eterno de Deus e a sua divindade das coisas invisíveis de Deus, se ambas as primeiras também são invisíveis? De fato, não se pode dizer convenientemente que os animais vivem, e também os homens e os cavalos, já que os homens e os cavalos são animais.

SOLUÇÃO.

Alguns dos nomes que são ditos de Deus significam o que Deus não é, como imortal, imenso, eterno e infinito. Outros designam o que há em Deus, como sábio e bom. Outros, enfim, pela sua predicação designam o que é Deus, como bondade e sabedoria. Às coisas invisíveis de Deus o Apóstolo acrescentou também o seu eterno poder e a sua divindade para que alguém não julgasse que somente pudessem ser compreendidas pela inteligência da criatura aquelas que indicam o que não é Deus, como imenso.

Pode-se dizer também, segundo outros, que pelas coisas invisíveis de Deus entende-se o Pai, pelo seu eterno poder o Filho, pela divindade o Espírito Santo. Segundo isto pareceria que os filósofos teriam tido, através das coisas criadas, conhecimento da suma Trindade. Mas Santo Agostinho, comentando o Êxodo, diz que os filósofos não chegaram ao conhecimento da terceira Pessoa, tendo somente filosofado `perí ton agaton', isto é, `sobre o Pai', e `perí nóon', isto é, `sobre o Filho'. Quanto a isto, dizem alguns que os filósofos não tiveram, nem poderiam ter tido, a distinção da suma Trindade que a fé católica confessa, a não ser mediante a Revelação. De fato, Deus pode ser conhecido de quatro modos. Dois destes modos são interiores; o primeiro é pela razão natural, designado pelo Apóstolo quando diz:

"O que se pode conhecer de Deus, é-lhes manifesto";

Rom. 1, 19

o segundo é pela inspiração divina, também designado em seguida pelo Apóstolo quando diz:

"pois Deus lhos manifestou".

Rom. 1, 19

Os dois outros modos são exteriores; o primeiro é pelas coisas criadas, designado pelo Apóstolo quando diz:

"As coisas invisíveis de Deus, depois da criação do mundo, compreendem-se pelas coisas feitas";

Rom. 1, 20

e o segundo é pela Sagrada Escritura, modo este que é suficientemente manifesto. Deus, assim, quis em algumas coisas esconder-se, para que a fé tivesse mérito, e em outras manifestar-se, para que a infidelidade não tivesse desculpa.

Deve-se observar também que na magnitude de todas as coisas nota-se a potência divina, na beleza a sabedoria, na utilidade a bondade, de onde que consta que não somente em todas as coisas, como também em cada uma delas reluz uma certa imagem e vestígio da Trindade.

Devemos, todavia, proceder com cautela quando examinarmos alguma semelhança, seja para demonstrar a identidade da essência, seja para sugerir a distinção das pessoas ou para mostrar que a Encarnação pertence somente ao Filho, embora seja obra da Trindade.