CAPÍTULO 45

Mas esta teoria nominalista é, na verdade, uma concepção muito pobre da natureza da inteligência humana. É uma concepção típica de uma época de decadência da vida intelectual.

Ela surgiu no início dos anos 1300 e se propagou nos anos seguintes até se tornar uma concepção quase como que evidente para a maioria dos intelectuais da Europa. Desta época há inúmeros testemunhos históricos da decadência gradual do ensino e dos estudos, paralelamente à difusão crescente do nominalismo. Mas, se não houvesse tais testemunhos, a simples propagação de uma teoria como esta já é um atestado suficiente de que está havendo uma degradação geral do ensino, não importa como ela tenha se realizado historicamente.

Na verdade, os antigos filósofos gregos e os sábios da época compreendida entre Hugo de São Vitor e Santo Tomás de Aquino jamais teriam concordado com uma teoria como esta. Para eles os conceitos universais existem verdadeiramente, no mínimo, na própria mente humana não como entidades singulares referidas a uma multidão de objetos externos como sinais, mas como entidades que possuem, em si próprias, uma natureza universal, e diriam até que esta é uma afirmação evidente.

Cabe então uma pergunta. Se para gregos, para os vitorinos e seus contemporâneos a natureza universal dos conceitos era algo evidente, por que depois para Ockham e para aqueles que o seguiram ela não o era mais?

Ao contrário do que pode parecer a um primeiro exame, isto não se deve a um suposto caráter subjetivo desta matéria. A resposta a esta questão é que a descrição que Ockham fêz do funcionamento da inteligência humana na utilização dos conceitos é muita próxima da verdadeira, mas apenas na medida em que esta descrição corresponde a uma utilização muito rudimentar das possibilidades da inteligência humana.

Na verdade, Ockham estava descrevendo aquilo que ele próprio observava em sua mente, e o sucesso que em um século e meio esta teoria gradualmente alcançou, conquistando adesões gerais na maioria das universidades da Europa significa que todos os intelectuais europeus começaram a perceber que a descrição que Ockham dava dos processos da inteligência humana correspondia à utilização rudimentar que eles próprios faziam de suas próprias mentes.

Na mente daqueles homens os conceitos se elevavam tão pouco além de uma representação da imaginação utilizada como símbolo de um objeto externo, como ocorre também com a maioria dos homens do século XX, que estes conceitos só muito dificilmente podiam ser diferenciados daqueles próprios símbolos.

Embora não tenhamos elementos para aprofundar aqui este assunto, pode-se vislumbrar, por exemplo, conforme se explicou no número vigésimo terceiro da seção III/B desta Introdução Histórica, que no programa descrito por Platão como capaz de formar um sábio exigia-se como pré-requisito ao estudo da Filosofia que o aluno tivesse se elevado a um nível de pensamento abstrato muito acima do descrito por Ockham.

De fato, diz Platão na República que o aluno somente deveria iniciar os estudos da Filosofia quando

"conseguisse contemplar a natureza dos números com a ajuda exclusiva da inteligência, sem introduzir objetos visíveis ou palpáveis na discussão".

Embora nesta passagem, citada no vigésimo terceiro número da seção anterior, Platão fale em não introduzir objetos visíveis ou palpáveis `na discussão', o contexto desta citação, assim como o de todo o seu livro, indica que ele se referia também à imaginação interior do aluno, e não apenas à discussão exterior. E este era apenas o pré requisito de estudos filosóficos que iriam durar, depois disto, mais vinte e cinco anos.

É claro que depois de uma experiência como esta um filósofo como Platão ou Aristóteles faria uma descrição das possibilidades do trabalho da inteligência humana bem diversa daquela que nos é descrita por Ockham.