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Chegamos àquela que é provavelmente a contribuição mais original de
Santo Agostinho à teologia trinitária, o uso de analogias tiradas
da estrutura da alma humana. A função destas analogias, deve-se
notar, não é demonstrar que Deus é Trindade, mas aprofundar nosso
entendimento do mistério da absoluta unidade e também da distinção
real dos Três.
No sentido estrito, de acordo com Santo Agostinho, há vestígios
da Trindade em todo o lugar, porque as criaturas, na medida em que
existem, existem por participação nas idéias de Deus; portanto,
tudo deve refletir, embora timidamente, a Trindade que as criou.
Para buscar a Sua verdadeira imagem, entretanto, o homem deve olhar
primeiramente dentro de si,porque a Escritura representa Deus dizendo
"Façamos", - isto é, os Três -,
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"o homem à Nossa imagem
e à Nossa semelhança".
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Mesmo o homem exterior, isto é, o homem considerado em sua natureza
sensível, fornece
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"uma certa figura da Trindade".
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O processo de percepção, por exemplo, fornece três elementos
distintos que são ao mesmo tempo intimamente unidos, do qual o
primeiro, em um certo sentido, gera o segundo, enquanto que o
terceiro une aos outros dois. Por exemplo, o objeto externo (a coisa
que vemos), a representação sensível da mente (a visão), e a
intenção ou ato de focalizar a mente (a intenção da vontade).
Quando o objeto externo é removido, temos uma segunda trindade, que
lhe é superior, pois é localizada inteiramente dentro da mente.
Neste sentido, Agostinho fala da impressão da memória (a
memória), a imagem interna da memória (visão interna), e a
intenção da vontade.
Para a imagem real, entretanto, da Divindade Triuna, devemos olhar
no homem interior, ou alma. Freqüentemente tem sido dito que a
principal analogia trinitária do De Trinitate é a do amante, do
objeto amado e do amor que os une. Porém a discussão de Santo
Agostinho desta trindade é bastante curta, e é apenas uma
transição para aquela que ele considera sua verdadeiramente importante
analogia, a da atividade da mente enquanto dirigida para si mesma ou,
melhor ainda, para Deus.
Esta última analogia fascinou Santo Agostinho por toda a sua vida,
as trindades resultantes sendo:
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A mente, seu conhecimento de si mesma e seu amor de si mesma;
A memória, ou, mais propriamente, o conhecimento latente da mente
de si mesma; o entendimento, isto é, sua apreensão de si mesma à
luz das razões eternas; e a vontade, ou amor de si mesma, pela qual
este processo do ato de conhecimento é posto em movimento;
A mente, enquanto lembrando, conhecendo e amando ao próprio Deus.
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Santo Agostinho considera que somente quando a mente focalizou a si
mesma com todas as suas potências de lembrança, entendimento e amor
em seu Criador é que a imagem de Deus que ela traz em si, corrompida
como está pelo pecado, pode ser plenamente restaurada.
Embora demorando-se nestas analogias, Santo Agostinho não tem
ilusões quanto às suas imensas limitações. Em primeiro lugar, a
imagem de Deus na mente humana é em qualquer caso uma imagem remota e
imperfeita. Em segundo lugar, embora a natureza racional do homem
exiba as trindades acima mencionadas, elas representam faculdades ou
atributos que o ser humano possui, enquanto que a natureza divina é
perfeitamente simples. Em terceiro lugar, a memória, entendimento e
vontade operam no homem separadamente, enquanto que as três Pessoas
divinas co- inerem mutuamente e Sua ação é perfeitamente una e
indivisível. Finalmente, na Divindade os três membros da Trindade
são Pessoas, mas o mesmo não ocorre na mente humana. Segundo as
palavras do próprio Agostinho,
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"A imagem da Trindade é uma pessoa,
mas a suprema Trindade é Ela própria três Pessoas:
o que é um paradoxo,
quando alguém reflete que,
não obstante isso,
os Três são mais inseparavelmente um
do que a trindade da mente".
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Referências:
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Santo Agostinho : De Vera Relig. 13;
Idem :Sermo 52, 17-19;
Idem : De Trinitate 11, 1; 11, 2-5; 11,6; 8,12
a 9,2; 15,5; 15,10; 13,11; 9,2-8;
10,17-19; 14,11 até o fim; 10,18; 9,17;
15,7 e ss.; 15,11-13; 15, 43;
Idem : Enarrat. In Psalm. 42, 6;
Idem : Sermo de Symb. 1, 2.
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