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Mas não há por que admirar-se, entretanto, se considerarmos que
não há quem possa resistir ao Espirito Santo e ao braço do Todo
Poderoso. A opinião da santidade de Bernardo era grandíssima;
suas palavras eram como setas agudas lançadas pela mão do Senhor;
sua oração, tão eficaz e poderosa, que alcançava do céu tudo o
que desejava, e os milagres que Deus operava obrava por meio dele eram
tantos, tão contínuos e tão grandes que só eles já eram
suficientes para dobrar o mundo à sua vontade. Gofredo, monge de
Claraval, companheiro e secretário do santo, afirma como coisa certa
e notória que em uma aldeia da cidade de Constança, na presença de
muitas testemunhas, com a imposição de suas mãos em um só dia
iluminou onze cegos, curou dez defeituosos e dezoito cochos, e que na
cidade de Colônia, em apenas três dias, doze cochos, dois
estropiados, três mudos e dez surdos recuperaram completamente a
saúde, de modo que alguns homens piedosos, querendo pela sua
devoção deixar uma memória escrita dos milagres que o santo fazia e
começaram-nos a escrever para pouco depois verem-se obrigados a
desistir de o fazer, vencidos pela multidão e grande quantidade
deles. O próprio santo se admirava com os milagres que Deus operava
por ele, não sabendo ao que atribuí-los, porque pela sua profunda
humildade conhecia e dizia que não se deviam à santidade que não
possuía nem tampouco aos seus méritos, mas que eram concedidos para a
salvação e para o aproveitamento de muitos, para que estimassem e
honrassem a virtude que supunha-se que ele teria. E também para que
conhecessem que Deus não faz milagres para o bem daqueles através dos
quais os realiza, mas para o proveito daqueles que podem vê-los e
daqueles que o acabam sabendo, nem tampouco para que os que fazem mais
milagres sejam tidos por mais santos, mas para que todos sejam amigos e
imitadores da santidade. E este também é o motivo pelo qual faremos
silêncio sobre muitos, somente mencionando aqui a alguns poucos, dos
quais esperamos que aqueles que os lerem possam aproveitar-se.
Comecemos pelo primeiro milagre que o santo fez ao voltar da fundação
do mosteiro chamado das Três Fontes.
Foi avisado que um parente seu, chamado Gisberto, estava para
morrer. Já estava impossibilitado de falar e não havia podido
confessar-se. Era homem nobre e rico, mas de má vida e usurpador do
bem alheio. Entrou o servo de Deus na igreja para celebrar missa e
encomendá-lo a Deus e no mesmo instante o enfermo volta a si e
começa a confessar e a chorar os seus pecados. Quando, porém,
São Bernardo acaba a missa, o doente torna a perder a fala. Foi o
santo visitá-lo e encontra-o naquele estado; rogam-lhe para que
faça oração por ele e São Bernardo, levantando os olhos ao céu e
movido pelo Senhor, responde com grande liberdade aos que estavam ali
presentes:
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"Vós sabeis as más obras
que fez este homem,
e que ele é possuidor
de muitos bens mal ganhos.
Restitua, ele e seus filhos,
aquilo que não é seu;
abandone os maus tratos
e os modos injustos de que
tem feito uso contra os pobres.
Se assim o fizer,
morrerá como cristão".
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Tudo isto o enfermo o fêz tal como o santo o havia mandado. Logo a
língua, muda e presa, ficou solta e livre. Já podendo falar,
confessou-se com muita contrição e, recebidos os outros sacramentos
da Igreja, faleceu com muita edificação de todos e esperança de
eterna salvação.
Quando pregava, na região de Tolouse, contra o herege Henrique de
quem já falamos, certo dia, acabado o sermão, aquela boa gente
trouxe uma grande quantidade de pães para que o santo os abençoasse.
Ao fazê-lo, o santo lhes disse:
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"Nisto podereis ver,
meus filhos,
se é verdade o que vos prego
e se é falso o que vos ensinam
e aquilo de que vos querem persuadir
os vossos adversários.
Isto é, se todos os vossos enfermos
que comerem destes pães
ficarem curados".
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Estava ali presente o bispo de Chartres e, parecendo-lhe que aquela
proposta do santo era demasiadamente ampla, querendo modificá-la,
acrescentou:
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"Haveis de entender
que ficareis curados
se for com fé
que comerdes deste pão".
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Então respondeu São Bernardo:
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"Não foi isto o que eu disse, senhor,
mas exatamente o que minhas palavras disseram,
isto é, que todos os enfermos que provarem deste pão
haverão de recuperar a saúde,
para que se entenda que somos legítimos
e verdadeiros mensageiros de Deus".
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Tal como o disse, assim o foi. Todos os que comeram daquele pão
curaram-se, sem exceção alguma.
A fama deste milagre espalhou-se imediatamente por toda a província e
foi de muito proveito para estancar a heresia. Despertou e inflamou o
coração do povo à devoção do santo abade. Concorriam em tão
grande número de todas as partes para vê-lo e prestar-lhe
reverência que foi necessário, para escapar a todas estas
homenagens, mudar o caminho de Salat, onde havia sido o milagre,
para a cidade de Tolouse.
Naquela mesma comarca, com a mesma finalidade e para confirmação da
fé, curou um clérigo do Colégio de São Saturnino, paralítico
incurável, o qual que também se chamava Bernardo, tão debilitado e
consumido que muitas vezes parecia haver entrado em artigo de morte.
Vendo-o o santo, abençoou-o e partiu. Naquele momento
confortaram-se-lhe os nervos e, recobrando as forças, levantou-se
da cama onde estava, correu atrás do santo abade, deteve- o e
jogou-se a seus pés, beijando-os com grande devoção e afeto.
Mais ainda, acompanhou-o e, para ser agradecido a Deus, tomou o
hábito em Cister, submetendo-se à obediência de São Bernardo.
Tendo dado bom exemplo mostras de religião e prudência, foi
escolhido pelo próprio São Bernardo para ser abade de outro mosteiro
chamado Valdaqua.
E quem poderá narrar o domínio que teve este grande santo sobre os
demônios e o império com que os expulsava das pessoas a quem
cruelmente atormentavam? Não somente estando presente, impondo-lhes
as mãos, fazendo o sinal da cruz ou dando-lhe um pouco de água benta
para beber, mas também estando ausente, fugiam os espíritos
infernais da estola do santo como de um espantoso suplicio. Deixando
de lado outros milagres que dizem respeito a este assunto, mencionarei
somente dois memoráveis.
Estando na cidade de Milão para reconduzi-la à unidade da Igreja e
à obediência do Romano Pontífice, conforme dissemos acima, entre
outros muitos e assinalados milagres que o santo fêz houve o de uma
mulher honrada e de idade madura, em que Satanás havia entrado e
possuído por muitos anos, tendo-a maltratado de tal maneira que ela
já não podia ver, ouvir ou falar e mostrava uma língua que mais
parecia uma tromba de elefante ou de algum outro horrível monstro do
que de uma mulher. Tinha o rosto muito feroz e espantoso; o alento,
hediondo, insuportável e digno do hóspede que a atormentava. Foi
pela força que tiveram que conduzí-la. certa manhã, ao santo,
quando celebrava missa no templo de Santo Ambrósio. Olhou-a com
olhos brandos e piedosos e logo entendeu que aquele demônio era rebelde
e que havia tomado posse, por permissão do Senhor, tão fortemente
daquela mulher, que dificilmente poderia deixá-la. Voltando-se
para o povo, que era enorme, ordenou que todos orassem atentamente, e
aos clérigos que mantivessem a mulher firme e imóvel.
Chegando ao mistério da consagração, quantas cruzes fazia sobre a
hóstia, outras tantas, dirigindo-se para a endemoninhada, fazia
sobre ela, com incrível raiva e dor daquele espírito maligno, que o
mostrava com o ranger dos dentes, com os gestos, os gritos e os
movimentos de todo o corpo. Finalmente, tendo dito o Pai-nosso,
tomou o corpo do Senhor na patena e esta sobre a cabeça da triste
mulher, falando com o demônio, lhe disse:
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"Eis aqui, espírito maligno,
o teu juiz.
Eis aqui o Senhor todo poderoso.
Contradize-o, se podes.
Este é o sagrado corpo
que se formou nas entranhas da virgem,
pendeu da cruz,
foi sepultado,
ressuscitou da morte,
subiu triunfante aos céus.
Pelo poder desta soberana majestade,
eu te ordeno que deixes esta sua serva
e que não mais te atrevas
a molestá-la daqui em diante".
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Saiu aquele espirito infernal e pertinaz que possuía aquela pobre
mulher, louvando todos ao Senhor e confessando que o Santíssimo
Sacramento do Altar é eficacíssimo e poderosíssimo contra todo o
poder do inferno quando a ele nos dirigimos com a pureza e com a fé
convenientes. Este é o primeiro milagre.
O segundo é que, estando em Pavía, um pobre lavrador trouxe sua
mulher endemoninhada para que a curasse, e o demônio começou a
ridicularizar o santo e a dizer:
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"Não me expulsará de minha casa
este comedor de cachorros e de cebolas".
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Dizia-lhe também outras palavras injuriosas para irritá-lo. Mas
ele, verdadeiro humilde, não se perturbou, e mandou que levassem a
mulher para igreja de São Ciro, que havia sido bispo de Pavia e
resplandecia com muitos milagres. Levaram-na até a igreja, e não
quis Deus que São Ciro a curasse, para guardar aquela honra para
São Bernardo, a cuja presença voltaram-na a trazer. O demônio
começou a escarnecê-lo e a dizer:
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"Não me expulsou Cirinho,
muito menos me expulsará Bernardinho".
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Ao ouvir isto, disse São Bernardo:
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"Não te expulsou Ciro,
nem te expulsará Bernardo,
mas quem te expulsará será Jesus Cristo".
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Fêz uma oração pela mulher e esta ficou curada.
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