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Que frutos podem ser esperados de um mundo novo construído desta maneira?
No início dos anos 1100 Hugo de São Vitor escreveu um pequenino livro, um
opúsculo, que hoje, impresso, ocupa cerca de meia dúzia de páginas. Chama-se "Os
Frutos da Carne e do Espírito".
Este livrinho é acompanhado por dois desenhos feitos pelo próprio autor. Neles Hugo
desenhou duas árvores, uma árvore que corresponde à árvore dos vícios e outra árvore
que é a árvore das virtudes. As duas árvores ilustram o título do livro, "Os Frutos da
Carne e do Espírito".
Na árvore dos vícios são mostrados os frutos da carne, e na árvore das virtudes os
frutos do espírito.
No desenho da árvore dos vícios vemos muitos galhos que se elevam até chegar ao
topo; na raiz da árvore Hugo colocou aquilo que, segundo ele, é a raiz de todos os
vícios, o orgulho.
Na outra árvore das virtudes, como raiz Hugo colocou aquilo que, segundo ele, é a raiz
de todas as virtudes, a humildade, que podemos tomar aqui como subentendendo a
renúncia de si próprio.
Ambas as árvores correspondem a duas concepções de vida, que são,
coincidentemente, as que estivemos descrevendo. As duas árvores são,
respectivamente, o homem que estava-se tentando produzir na Renascença e o homem
que até os anos 1200 a sociedade despendia consideráveis esforços para produzir,
duas formas de construir uma personalidade que divergem em suas próprias raízes.
A primeira é baseada na humildade como raiz, ou a renúncia de si próprio, que é a
base de um longo aprendizado posterior. Conforme afirmou Cristo, quem não renuncia
a si próprio não pode ser seu discípulo, o que significa, em outras palavras, que não
pode sequer começar a aprender o que quer que haja para ser aprendido no caminho
que Cristo nos aponta. De tudo o que Cristo nos tem a ensinar, nada poderá ser
aprendido se não se assentar sobre esta base.
A segunda é baseada no orgulho como raiz, ou o culto de si próprio, justamente o
oposto do homem da personalidade anterior, isto é, o homem que não apenas não quer
renunciar a si próprio como antes, ao contrário, parte do princípio de querer cultivar a
si mesmo de todos os modos possíveis.
Mas o que há de mais interessante nestas duas árvores é o que se vê no topo de ambas.
À medida em que elas vão crescendo os frutos vão surgindo e os principais são os
últimos, isto é, os que crescem no topo das mesmas.
O que há, neste sentido, no topo daquela primeira árvore cuja raiz é a humildade e a
renúncia? No topo desta árvore Hugo desenhou o amor, isto é, a caridade, aquela
amizade que une entre si Deus e os homens com base em uma felicidade que jamais
haverá de ter fim.
E o que pode ser visto, por outro lado, no topo da outra árvore? Guerras, ódios,
vinganças, destruição? Nada disto. No topo da outra árvore encontra-se apenas a
luxúria, o desregramento da vida sexual, a incapacidade de compreender a vida sexual
como algo que esteja entre as coisas sagradas, uma vida sexual que, embora seja entre
seres humanos, passa a ser vivida à semelhança daquela que existe entre os animais.
A árvore que se inicia com o orgulho, assim, termina não na guerra ou na violência,
mas em uma vida humana que imita a dos animais.
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