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Respondo dizendo que para chegarmos à verdade desta questão importa
saber primeiro o que é dito serem atos humanos. São ditos
propriamente atos humanos aqueles dos quais o próprio homem é senhor.
Ora, o homem é senhor dos seus atos pela vontade ou pelo livre
arbítrio. Esta questão versa, portanto, acerca dos atos da vontade
e do livre arbítrio. De fato, há alguns atos no homem que não
estão submetidos ao império da vontade, como os atos da potência
nutritiva e generativa. Estes atos estão submetidos às virtudes dos
corpos celestes do mesmo modo como os outros atos corporais.
Quanto aos atos humanos, porém, houve muitos erros.
A. Alguns, de fato, colocaram os atos humanos não pertencerem à
divina providência nem serem reduzidos a nenhuma causa que não seja a
divina providência. E esta parece ter sido a posição de Túlio,
como diz S. Agostinho no V da Cidade de Deus. Isto, porém,
não pode ser, pois a vontade humana é um movente movido, como se
demonstra no III De Anima, sendo, portanto, necessário reduzir
o seu ato a algum primeiro princípio que seja movente não movido.
B. Outros, por este motivo, reduziram todos os atos da vontade aos
corpos celestes, colocando ser a mesma coisa em nós o sentido e o
intelecto e, por conseguinte, serem corporais todas as virtudes da
alma, estando as mesmas, deste modo, submetidas às ações dos
corpos celestes. Esta posição, no entanto, foi destruída pelo
Filósofo no III De Anima, mostrando que o intelecto é uma
virtude imaterial e que a sua ação não é corporal mas, conforme
encontra-se escrito no XVI De Animalibus,
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"os princípios dos quais
as ações são sem o corpo,
os próprios princípios
são sem o corpo",
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de onde que não é possível que as ações do intelecto e da vontade,
consideradas em si mesmas, sejam reduzidas a princípios materiais.
C. Por isso Avicenna colocou em sua Metafísica que assim como o
homem é composto de alma e corpo, assim também o são os corpos
celestes, e assim como as ações e os movimentos do corpo humano são
reduzidos aos corpos celestes, assim também as ações da alma são
reduzidas às almas celestes como aos seus princípios, de tal modo que
toda a vontade que há em nós é causada pela vontade da alma celeste.
Esta colocação pode ser conveniente com a opinião que ele tinha
sobre o fim do homem, que Avicenna dizia estar na união da alma à
alma ou a inteligência celeste. Como a perfeição da vontade é o
fim e o bem, que é o seu objeto assim como o visível é o objeto da
vista, é necessário que aquilo que age na vontade tenha também
razão de fim, porque não age segundo a causalidade eficiente senão
na medida em que imprime a sua forma no susceptível.
D. Segundo, porém, a sentença da fé, o próprio Deus é, e de
modo imediato, o fim da vida humana. Somos, de fato, beatificados
pela fruição de sua visão, e por isso somente Ele pode imprimir na
nossa vontade.
É necessário, porém, que a ordem dos móveis corresponda à ordem
dos moventes. Ora, na ordem ao fim, ao qual diz respeito a
providência, o que em nós se encontra primeiro é a vontade, à qual
pertence por primeiro a razão de bem e de fim, e que usa de todas as
coisas que estão em nós como instrumentos para a consecução do fim
embora, em relação a algo, a inteligência tenha precedência sobre
a vontade. Mais próximo à vontade está o intelecto, e mais remotas
estão as forças corporais.
Por isso o próprio Deus, que é simplesmente considerado o primeiro
providente, e somente Ele, pode imprimir em nossa vontade. O anjo,
porém, que a Ele se segue na ordem das causas, imprime no nosso
intelecto na medida em que pelos anjos somos iluminados, purgados e
aperfeiçoados. Os corpos celestes, que são agentes inferiores,
somente podem imprimir nas forças sensórias e em outras unidas aos
órgãos.
Na medida, porém, em que o movimento de uma potência da alma
redunda em outra, ocorre que a impressão dos corpos celestes redunda
no intelecto como que por acidente e, posteriormente, na vontade.
Semelhantemente, a impressão do anjo redunda na vontade por
acidente.
Todavia, quanto a isto, diversa é a disposição do intelecto e da
vontade para com as potências sensitivas. O intelecto, de fato, é
movido naturalmente pela potência sensitiva apreensiva, pelo modo pelo
qual o objeto move a potência, porque a fantasia está para o
intelecto assim como a cor está para a vista, conforme está dito no
III De Anima. Por isto, perturbada a potência sensitiva
interior, necessariamente é perturbado o intelecto, assim como vemos
que, lesado o órgão da fantasia, necessariamente impede-se a ação
do intelecto. Segundo este modo a ação ou impressão do corpo
celeste pode redundar no intelecto como que por via de necessidade; por
acidente, todavia, na medida em que esta ação, considerada em si
mesma, é sobre os corpos. E digo como que por via de necessidade, a
não ser que haja uma disposição contrária por parte do móvel, como
o apetite sensitivo, que não é naturalmente motivo da vontade, mas
inversamente, pois o apetite superior move o apetite inferior assim
como a esfera move a esfera, conforme é explicado no III De
Anima. Assim, embora o apetite inferior seja perturbado por alguma
paixão da ira ou da concupiscência, não é necessário que a vontade
seja perturbada; ao contrário, ela possui a potência de repelir tal
perturbação, conforme se diz no Gênesis:
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"Sob ti estará o teu apetite,
e tu o dominarás".
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Nenhuma necessidade, portanto, é induzida por parte dos corpos
celestes nos atos humanos, nem por parte do recipiente, nem por parte
do agente, mas apenas a inclinação, a qual também a vontade pode
repelir pela virtude adquirida ou infusa.
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