13. Exemplo de Santa Clara e São Bernardo diante da natureza.

Aqueles que participam da vida da Igreja já terão ouvido comentar alguma coisa a respeito das características que distinguem pelo menos algumas das escolas de espiritualidade que foram mencionadas. É conhecido o amor à pobreza que é característica dos franciscanos, a dedicação à liturgia dos beneditinos, o empenho no estudo e na pregação dos dominicanos, a importância da obediência entre os jesuítas, a vida de oração como carisma especial dos carmelitas. Vamos dar um exemplo, baseado em fatos históricos, que ilustra como um mesmo evento pode ser abordado por diversas formas de ascese sob ângulos aparentemente diversos e, no entanto, isto estar sendo feito para se alcançar precisamente um mesmo objetivo. Vamos contrastar como reagiriam, diante de uma mesma situação, um santo franciscano, um beneditino e os vitorinos.

Quando jovem, São Francisco era uma pessoa alegre e cheia de vida, apreciava a poesia e gostava muito de cantar. Após sua conversão ele não perdeu estas qualidades, mas, ao contrário, julgando que por meio delas poderia aproximar-se de Deus, censurou aqueles que o repreendiam quando o viam cantando. São Francisco, até o fim de sua vida, reproduziu em sua vida aquilo mesmo que já se lia há muito tempo em vários salmos do Antigo Testamento, louvando habitualmente a Deus pelas suas criaturas, e ensinando os seus companheiros a fazerem o mesmo. Entre seus escritos deixou-nos um Cântico ao Sol, uma das mais belas poesias de todos os tempos, na qual Deus é louvado pelo Sol e por todas as suas obras, às quais São Francisco chama de irmãos e de irmãs. Esta atitude, embora surja espontaneamente em todo autêntico cristão, pois é uma expressão daquela radiante felicidade que toma conta daqueles que vivem uma esperança já muito próxima do Céu que lhes faz ver toda a obra da criação e da graça sob o prisma de uma aprovação entusiástica, é também uma característica bastante marcante da ascese franciscana, tanto quanto também o é o espírito de pobreza. Sendo assim, é muito natural saber que encontra-se nas atas de canonização de Santa Clara, o depoimento de uma das primeiras irmãs franciscanas segundo o qual, todas as vezes que algumas irmãs tinham que ausentar-se do mosteiro, Santa Clara, como superiora, sempre lhes dirigia algumas admoestações. Nelas, porém, Santa Clara não as exortava no sentido de que tomassem cuidado com os ladrões e os salteadores, muito comuns naquela época, nem para que não se esquecessem de procurarem em tempo um abrigo quando já percebiam que se aproximava a noite. Antes, muito ao contrário, suas recomendações eram inteiramente de outra ordem. O que era verdadeiramente importante aos seus olhos, o objeto de suas verdadeiras preocupações, diz-nos este testemunho, era que as irmãs se afligissem pelo caminho com outros problemas e, por causa disso, deixassem de reparar nas árvores lindas que pudessem surgir durante o percurso:

"Quando ela nos mandava realizar algum serviço fora do mosteiro",

diz este depoimento,

"sempre nos advertia no sentido de que quando víssemos árvores lindas, cheias de flores e frondosas pelas sua folhagens, nunca nos esquecêssemos de louvar a Deus".

Certamente esta é a atitude de uma alma muito pura quando se vê colocada diante do espetáculo da natureza. O que nem sempre é evidente, porém, é que, mesmo sem sair de dentro da perspectiva cristã, esta atitude não é a única logicamente possível. Vejamos, por exemplo, como São Bernardo, um beneditino quase contemporâneo de São Francisco, reagiu diante dos mesmos espetáculos da natureza.

A regra de São Bento estabeleceu, para propiciar um ambiente de oração nos mosteiros, uma prática habitual do silêncio. Algumas das disposições contidas na regra a este respeito podem hoje a alguns parecer algo fora de propósito, mas deve-se lembrar aos que assim lhes possa parecer que estas disposições sobre o silêncio não são leis colocadas como preceitos de validade absoluta, como algo que devesse ser observado por toda a sociedade, sempre e em qualquer circunstância, como os preceitos do decálogo de Moisés. O silêncio tal como é prescrito pela regra beneditina não é algo que poderia ter este alcance universal sequer na próprio época de São Bento; ele foi concebido para ser observado apenas dentro do ambiente dos mosteiros de São Bento, onde também foram criadas uma série de outras disposições que não existiam, e não existem ainda hoje, no mundo secular, as quais, em conjunto com a importância que foi atribuída ao silêncio, acabam por tornar estes mosteiros locais onde pode-se encontrar uma paz profunda e um ambiente propício à oração que o mais das vezes é em vão que se os procuram fora deles. No sexto capítulo de sua regra é assim que São Bento se refere ao silêncio:

"Façamos o que diz o profeta:

`Eu disse, julgarei os meus caminhos para que não peque pela língua. Pus uma guarda à minha boca, emudeci, humilhei-me e calei as coisas boas'.

Salmo 38, 2-3

Aqui mostra o profeta que, se às vezes se devem calar mesmo as boas conversas, por causa do silêncio, quanto mais não deverão ser suprimidas as más palavras? Por isso, ainda que se trate de conversas boas, santas e próprias a edificar, raramente seja concedido aos discípulos perfeitos licença de falar, por causa da gravidade do silêncio. Se é preciso pedir alguma coisa ao superior, que se peça com toda a humildade e submissão da reverência. Já quanto às brincadeiras, palavras ociosas e que provocam riso, condenamo-las em todos os lugares a uma eterna clausura; para tais palavras não permitimos ao discípulo abrir a boca".

Embora tanto São Francisco como São Bento, cada um ao seu modo, procurassem através de determinadas disposições cultivar um mesmo espírito de oração e de louvor a Deus, São Bento parte, aqui, de uma posição diversa daquela de que partia São Francisco com suas canções e sua alegria efusivamente manifestada. Como resultado destas diversas disposições iniciais temos que São Bernardo, monge beneditino, ao contrário de Santa Clara, tivesse o hábito de não reparar na natureza para que isto não o distraísse de seu recolhimento interior e do louvor de Deus. Em sua biografia encontramos escrito que certa vez, obrigado a fazer uma viagem em que era necessário fazer uma caminhada de um dia inteiro bordejando as margens do lago de Lausanne onde hoje é a Suíça, sobrevindo a noite, ao comentarem seus colegas de jornada a respeito daquele lago, um dos mais belos espetáculos do planeta, ficaram estupefatos em perceber que Bernardo não havia visto nem sabia de que lago se tratasse. Após seu primeiro ano como monge São Bernardo também não soube dizer se o teto do local onde se recolhia para dormir durante aqueles doze meses era de pedra ou de madeira, e também julgava que havia apenas uma janela na igreja onde entrava para celebrar o ofício divino diversas vezes por dia todos os dias, quando na verdade havia muitas.