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Expusemos, assim, brevemente, a ordem e o número dos livros
sagrados, para que o estudante conheça a matéria que lhe é
oferecida. Passemos agora ao restante do que nos interessa para a
intenção da presente obra.
Antes de tudo o mais, deve-se saber que a Sagrada Escritura pode
ser entendida de três maneiras, isto é, segundo a história,
segundo a alegoria e segundo a tropologia ou, de acordo com outro modo
de dizer, segundo o sentido literal, o sentido alegórico e o sentido
moral.
É certo que nem tudo o que se encontra no discurso sagrado pode ser
vertido nesta tríplice interpretação, como se cada lugar sempre
contivesse simultaneamente uma história, uma alegoria e uma
tropologia. Em muitos lugares da Escritura estas três coisas podem,
de fato, ser encontradas, mas encontrá-las em todas é muito
difícil ou mesmo impossível.
Ocorre no discurso sagrado o mesmo que se observa nos instrumentos
musicais, nos quais somente as cordas produzem melodia, e não tudo o
que puder ser percutido, embora as demais partes sejam incorporadas ao
corpo do instrumento para interligarem as cordas entre si e para que,
tensionando estas cordas, possam modulá-las a fim de produzir a
suavidade da melodia. É deste mesmo modo que no discurso sagrado foram
postas certas coisas que somente podem ser entendidas espiritualmente;
outras, que estão a serviço do importante trabalho da formação das
virtudes; outras ainda, que foram escritas para serem entendidas
segundo o simples sentido histórico; há, finalmente, também os
lugares que podem ser explicados convenientemente tanto segundo a
história, como também segundo a alegoria e segundo a tropologia.
Vemos, assim, que Deus de modo admirável dispôs e interligou toda
a Sagrada Escritura em suas partes para que tudo o que nela estivesse
contido soasse com a suavidade da inteligência das cordas espirituais
ou então, contendo seus mistérios esparsos na seqüência histórica
e na dureza das letras, interligasse e se unisse à melodia do
espírito como a concavidade da madeira do instrumento interliga em um
só todo todas as cordas estendidas e recebe em si o som das cordas
tornando-o mais doce aos ouvidos. Este som, de fato, é mais doce
porque não foi formado apenas pelas cordas, mas também pelo corpo do
instrumento. É assim que também o mel é mais agradável quando está
no favo.
É necessário, portanto, ler a Sagrada Escritura sem que se queira
buscar em toda a parte uma história, uma alegoria e uma tropologia.
Cada uma destas coisas deve ser assinalada em seus devidos lugares
segundo o que a razão o exija convenientemente. Será freqüente,
todavia, que em uma só e mesma letra possamos encontrar a todas, na
medida em que a verdade da história insinua através da alegoria um
mistério espiritual e demonstra, através da tropologia, como se deve
agir .
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