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Feito este breve comentário sobre a inspiração das Sagradas
Escrituras pelo Espírito Santo, parece-nos agora necessário
explicar por que motivo alguns, ignorando o caminho pelo qual se
alcança o entendimento das letras divinas, não as lendo
corretamente, caíram em tantos erros.
Os judeus, pela dureza de seu coração, querendo parecer sábios
diante de si mesmos, julgando que as coisas que foram ditas de Cristo
deviam ser entendidas segundo a letra, não creram em nosso Senhor e
Salvador. Julgaram que Ele pregaria a libertação aos cativos de
modo sensível e visível, que deveria antes edificar a cidade que
verdadeiramente consideram a cidade de Deus, exterminando
simultaneamente as carroças de Efraim e os cavalos de Jerusalém
(Zc. 9, 10), e que comeria manteiga e mel para que, antes que
soubesse rejeitar o mal, escolhesse o bem (Is. 7, 15).
Também julgaram ter sido profetizado que, quando do advento de
Cristo, o lobo, este animal quadrúpede, seria apascentado com os
cordeiros, que o leopardo repousaria com os cabritos, que o bezerro e
o touro se alimentariam junto com os leões e que seriam conduzidos ao
pasto por uma criança pequena; que o boi e o urso descansariam juntos
nas pastagens e que suas crias seriam alimentadas igualmente; que os
leões freqüentariam as mesmas manjedouras que os bois e se
alimentariam de palha (Is. 11, 6-9). Vendo que nenhuma
destas coisas que foram profetizadas se realizaram segundo a história,
coisas que, consideravam eles, seriam os principais sinais que se
observariam quando do advento de Cristo, não quiseram aceitar a
presença de nosso Senhor Jesus Cristo. Ao contrário, como se
ele, contra o direito e o lícito, isto é, contra a fé da
profecia, tivesse assumido para si o nome de Cristo, o crucificaram.
Os hereges, por outro lado, lendo o que está escrito na Lei:
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"O fogo de meu furor se acendeu";
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e também:
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"Eu sou o Senhor teu Deus
forte e zeloso,
que vingo a iniquidade
dos pais nos filhos
até à terceira e quarta geração
daqueles que me odeiam";
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"Arrependo-me de ter ungido
rei a Saul";
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"Eu sou o Senhor,
que faço a paz,
e que crio os males";
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"Haverá algum mal na cidade
que não tenha sido feito por Deus?"
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"Desceram do Senhor os males
sobre as portas de Jerusalém";
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"O espírito maligno,
mandado por Deus,
sufocava Saul";
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e muitas outras coisas passagens semelhantes a estas, não ousaram
dizer que elas não fossem escrituras de Deus, mas as julgaram que
fossem daquele Deus criador que os judeus cultuam, do qual afirmaram
que seria apenas justo, não, porém, bom. Julgaram dever crer
também que o Salvador teria vindo para anunciar-nos um Deus mais
perfeito, que negam ser o criador do mundo, havendo, porém, entre
eles, até mesmo a este respeito, diversas opiniões discordantes.
Uma vez que, afastando-se da fé do Deus criador que o é de todas
as coisas, na medida em que a fantasia e a vaidade de suas almas lhos
sugeria, entregaram-se a diversas fábulas e ficções e disseram que
algumas coisas seriam visíveis e criadas por um Deus, enquanto que
outras seriam invisíveis e criadas por outro. Alguns, entretanto,
dos mais simples entre eles, os quais parecem manter-se dentro da fé
da Igreja, julgam que não há nenhum Deus maior do que o Criador,
conservando a este respeito uma reta e sadia sentença; julgam,
porém, coisas tais sobre este Deus que não poderiam ser julgadas
sequer de um homem extremamente injusto e cruel.
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