2. Resposta de Sócrates: texto do Diálogo "Parmênides" de Platão.

Um garoto, porém, reagiu de forma completamente diversa ante os argumentos de Parmênides e Zenão. Era Sócrates, que ao ouvir estes argumentos captou as implicações mais profundas que nele estavam envolvidas. No diálogo denominado Parmênides, Platão descreve assim uma conversa entre o jovem Sócrates e os anciãos Parmênides e Zenão:

"O problema de seu argumento",

diz Sócrates a Zenão,

"é que não há nada de estranho em que cada ente seja ao mesmo tempo um e muitos. Só a pura idéia abstrata de unidade é que é perfeitamente una. Os demais entes participam desta unidade perfeita. Isto é, eles possuem uma parte da perfeição da unidade que a idéia de unidade possui por inteiro. Se eles possuem apenas uma parte da perfeição que está contida na idéia de unidade, é porque eles não são perfeitamente unos. Cada ente tem que ser, desta maneira, uno sob certos aspectos e muitos sob outros aspectos".

Este diálogo, foi, assim, a primeira vez na história em que surgiu o conceito de participação, freqüentissimamente utilizado por Santo Tomás de Aquino. Participação significa possuir em parte aquilo que outro possui plenamente; o ser das criaturas é uma participação do ser de Deus, a graça é uma participação da natureza divina, e uma obra de arte participa da contemplação do belo que se realiza de modo pleno na mente do artista. Impressiona aqui, porém, a lucidez de um garoto em perceber que é a possibilidade da unidade e do próprio ser de serem possuídos por participação que explica os aparentes paradoxos de Zenão.

"Agora",

continuou Sócrates,

"eu ficaria admirado e realmente perplexo se você pudesse me provar não que os entes, que apenas participam da idéia de unidade, são ao mesmo tempo um e muitos, mas que a própria idéia da unidade possui ao mesmo tempo unidade e multiplicidade, ou que a própria idéia da multiplicidade possui ao mesmo tempo multiplicidade e unidade. Se você puder me provar que o absolutamente um são muitos, e que o absolutamente múltiplo é um, isto me espantaria. Eu ficaria deveras surprêso em ouvir que as próprias idéias de cada coisa possuem qualidades opostas, mas não se uma pessoa quiser me provar que eu, Sócrates, sou ao mesmo tempo um e muitos. Porque eu, Sócrates, de fato, sob certos aspectos sou muitos, pois tenho dois braços, e não um, e tenho cabeça, tronco e membros, órgãos diversos e partes diferentes do corpo, que são muitas. Portanto, eu não posso negar que eu participo da idéia de multiplicidade. Mas só a idéia de multiplicidade é totalmente múltipla sem unidade alguma; desta perfeição da multiplicidade que ela tem, eu tenho apenas uma participação. Mas, por outro lado, eu também sou um, porque aqui estão sete pessoas e eu sou apenas uma. Portanto, eu não posso negar que participo também da unidade perfeita que há na idéia de unidade. Mas só a idéia da unidade é totalmente una sem multiplicidade alguma. Os objetos visíveis possuem apenas uma parte desta unidade que só se realiza perfeitamente na idéia da unidade. Só na idéia da unidade temos uma unidade pura, completa, total, sem mistura com multiplicidade alguma.

Assim, quando uma pessoa mostra que tais coisas como a madeira, as pedras e outras, sendo muitas, são também uma só, eu admito que ele está mostrando a coexistência do uno e do múltiplo, mas ele não está mostrando que esta multiplicidade é a unidade e a unidade é a multiplicidade. Este apenas está mostrando que estes entes participam imperfeitamente da verdadeira unidade e da verdadeira multiplicidade, e ele não está com isto mostrando um paradoxo, mas uma verdade evidente.

Eu novamente lhe repito, Zenão, que eu ficaria perplexo se você pudesse me mostrar que alguém conseguiu encontrar nas próprias idéias da unidade e da multiplicidade, nestas idéias que são apreendidas pela mente, estas mesmas características que você diz encontrar nos objetos visíveis".

Este fato da vida de Sócrates e uma parte do seu diálogo com Zenão de Eléia e Parmênides foi reproduzido para ilustrar o que se denomina inteligência no seu sentido mais próprio:

A inteligência no seu sentido próprio,
é a capacidade de apreender a verdade.