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Vamos pois desenvolver um raciocínio, que não será propriamente uma
prova da existência da causa primeira, mas ao longo do qual
esbarraremos delicadamente várias vêzes na existência deste ente
inteligente e imaterial que é a causa do ser de todas as demais
coisas.
Partimos da natureza imaterial da inteligência humana, sobre que
discutimos mais pormenorizadamente no capítulo IV. Na inteligência
humana, de fato, observamos operações cujas características são
tais que não poderiam ser realizadas por um órgão corporal; elas
implicam, conforme comentamos no capítulo IV, a imaterialidade do
intelecto do homem. Embora a inteligência necessite em suas
operações dos dados da imaginação como de seu objeto, dados estes
que são um prolongamento material das operações dos cinco sentidos,
ela própria, entretanto, não é um órgão material; trabalha
conjuntamente com o corpo, mas não é corpo, necessita da matéria
para seu trabalho, mas não é matéria. Ressaltamos também no
capítulo IV que para a maioria dos homens esta afirmação não é
tão evidente porque eles pouco se preocupam, ao contrário dos
filósofos, em cultivar até à excelência a faculdade do intelecto;
ao contrário, utilizam-se da inteligência de um modo muito elementar
e na maioria das vezes apenas para alcançar através dela pequenos
objetivos imediatos da atividade corrente do dia a dia, quando ela
muito se confunde com o próprio trabalho da imaginação, ou então em
atividades um pouco mais complexas, mas em que a inteligência ainda
assim se utiliza tanto do trabalho da imaginação que nem sempre se
torna fácil ter uma percepção clara de seu trabalho próprio em meio
à atividade da fantasia. De qualquer modo, é na atividade da
inteligência, especialmente naquela virtuosamente cultivada, que se
manifesta pela primeira vez ao homem a possibilidade de existência de
um ente imaterial.
Já que, portanto, através da operação da inteligência, o homem
pode apreender que a imaterialidade está entre as possibilidades do
ser, não parece haver motivos para que se negue a possibilidade de
existência de entes imateriais totalmente desvinculados da matéria, o
que não é mais o caso do intelecto do homem. É importante
compreender bem o alcance desta afirmação; não está se afirmando
que tais entes existem de fato, mas sim que, se a inteligência do
homem é verdadeiramente imaterial isto significa que a imaterialidade
é uma possibilidade do ser, e, portanto, não há razão para ser
impossível a existência de um ente imaterial que não seja o intelecto
humano vinculado a um corpo. Mas o fato de uma coisa ser possível
não significa que ela exista. Poderia, por exemplo, existir uma ave
que fosse um animal racional tal como o homem; tal ave nunca foi vista
até hoje; até prova em contrário, uma ave que seja um animal
racional não existe; mas nada impede que ela venha a existir; sua
existência é uma possibilidade. Assim também, se a imaterialidade
da inteligência humana demonstra que a imaterialidade está dentro das
possibilidades do ser, a existência de outras entidades imateriais
além da inteligência humana é uma possibilidade. Se a possibilidade
existe, suponhamos, apenas para fins de hipótese, que um ser assim
existe de fato e que seja também uma inteligência, e consideremos
como é que operaria uma tal inteligência, supondo que existisse. A
hipótese de que um tal ser seria também uma inteligência é aqui,
porém, uma hipótese apenas por uma questão de método; uma
discussão mais ampla colocaria, como de fato o faz explicitamente S.
Tomás de Aquino no seu Comentário ao Livro das Sentenças, que
todo ser existente por si separado da matéria tem que ser
necessariamente de natureza intelectual (6).
Uma inteligência totalmente desvinculada da matéria receberia em si
mesma, tal como a inteligência humana, formas desprovidas de
materialidade através das quais inteligiria. Isto seria para ela uma
decorrência de sua própria natureza intelectiva, e nisto ela não
diferiria da inteligência humana. Ambas perceberiam em si mesmas a
existência de idéias destituídas de características materiais
através das quais se dariam suas operações intelectivas.
Haveria, porém, uma diferença significativa. Na inteligência
humana tais formas seriam provenientes dos dados da imaginação, sobre
os quais, por abstração, a inteligência extrai estas formas
inteligíveis por meio das quais ela apreende a essência das coisas.
Inteligir por abstração dos dados da imaginação não é, para a
inteligência humana, uma opção; sua operação é inteiramente
dependente do trabalho da imaginação; ela não pode apreender idéias
ora a partir dos dados da imaginação, ora diretamente de uma forma
inteligível que não tenha sido abstraída dos dados da imaginação;
até mesmo para trabalhar com idéias já possuídas ela necessita do
trabalho paralelo da imaginação. Por isso é que, se lesamos o
órgão em que se processa a atividade da fantasia impossibilitamos o
trabalho da inteligência. A imaginação, portanto, ao mesmo tempo
em que possibilita a atividade da inteligência no homem, se constitui
num fator que a limita. O homem não pode apreender imediatamente uma
forma imaterial, tem que abstraí-la dos dados da imaginação;
formas muito abstratas não podem ser facilmente apreendidas, porque
não são aquelas que são imediatamente contempláveis nos dados da
fantasia.
Quando a inteligência não apenas apreende, mas também raciocina,
então, embora a imaginação lhe auxilie o trabalho, ao mesmo tempo
lhe impõe outros limites; a inteligência passa de uma idéia abstrata
a outra, mas o movimento da fantasia deve acompanhar o movimento da
inteligência, o que impõe uma certa lentidão ao pensamento, por ser
o movimento da fantasia um movimento que se processa materialmente.
Se supusermos, porém, a existência de uma inteligência separada da
matéria, todas estas limitações não existiriam. Uma inteligência
separada da matéria apreenderia as formas abstratas diretamente;
poderia, por isso mesmo, apreender-se a si própria por uma
percepção direta, algo que, conforme explicado no final do capítulo
IV, é vedado à inteligência humana. Nenhuma das limitações
impostas pela imaginação à capacidade abstrativa do homem existiria
para uma inteligência separada da matéria.
Isto não significa, porém, que apenas por ser separada da matéria
uma inteligência não teria limitações. As limitações de uma
inteligência separada da matéria seriam de outra natureza. Ela teria
também limitações, mas apenas aquelas que lhe seriam impostas pela
sua própria natureza imaterial. Para compreender isto é necessário
perceber que na imaterialidade existe uma certa graduação. Isto já
é um fenômeno observável na própria inteligência humana, pois
todas as idéias existentes na mente humana são entidades imateriais,
mas entre elas há idéias mais e menos abstratas; a partir do
momento, portanto, em que supomos a possibilidade de uma entidade
independente da matéria que seja uma inteligência, é necessário
admitir também a possibilidade de uma gradação entre elas; todas
elas são desvinculadas da matéria e nisto são todas igualmente
imateriais, sem terem entre si gradação de mais e menos; mas na
medida em que uma forma inteligível mais abstrata é dita mais distante
da materialidade do que uma forma inteligível menos abstrata, embora
ambas nada tenham de matéria, assim também deve-se admitir que pode
haver uma gradação de imaterialidade entre as inteligências separadas
da matéria.
Deste modo a capacidade de abstração, se é que ainda se pode usar
convenientemente este termo, de uma inteligência separada da matéria
é limitada apenas pela sua própria natureza, isto é, pelo seu
próprio grau de imaterialidade, e não mais pelo trabalho da
imaginação, como era o caso do homem.
Conclui-se também daqui que assim como a inteligência humana é mais
intensamente ser do que os seres puramente materiais, estas
inteligências separadas da matéria serão umas mais intensamente seres
do que outras conforme o seu grau de imaterialidade.
Ademais, quanto maior o grau de imaterialidade, poderão inteligir
através de formas mais abstratas e, por isso mesmo, mais gerais e
universais.
Isto significa que, à medida em que uma é mais imaterial do que
outra, e por isso mesmo, é mais intensamente ser do que outra, pela
maior abstração das formas inteligíveis com que apreende,
inteligirá mais profundamente com um menor número de formas
inteligíveis um maior número de coisas do que outra, na proporção
direta de seu maior grau com que participa do ser.
Toda esta argumentação não prova que existam as entidades que
estamos descrevendo; se admitimos como certa a natureza imaterial da
inteligência humana decorre apenas que a existência de tais entes faz
parte das possibilidades do ser; estamos admitindo então a hipótese
de que elas existam apenas para examinar quais seriam as conseqüências
desta hipótese. A primeira conseqüência é a menor limitação da
operação intelectiva destes entes decorrente da independência da
matéria; a segunda é que tais inteligências não são todas de mesma
natureza mas se distribuem em uma escala de imaterialidade crescente; a
terceira é que o grau de imaterialidade de cada uma impõe um limite
às suas operações intelectivas. À medida em que subimos na escala
da imaterialidade destes entes é possível para eles inteligir mais
profundamente um maior número de objetos com um menor número de formas
inteligíveis cada vez menos limitadas. Nada impediria que
chegássemos a uma inteligência com um grau tão elevado de
imaterialidade que conseguisse inteligir, com um só ato da
inteligência, a totalidade de todas as coisas. Novamente isto não
significa que uma inteligência como esta tenha que existir; nada,
porém, parece impedir que ela possa existir.
Suponhamos então, por hipótese, que exista uma tal inteligência,
tão abstrata e imaterial que, com um só ato da inteligência,
intelija a totalidade de todas as coisas. Se existisse um ser assim,
além do fato dele inteligir a todos os demais entes com um único ato
da inteligência, haveria alguma outra relação entre ele para com
todos os demais entes? A resposta para esta pergunta é que, se
existisse um ser assim, ele não somente inteligiria a todos os demais
entes, mas também seria a causa de todos estes demais entes porque,
se não fosse ele próprio a causa dos entes que intelige, nada
impediria que num dado momento, independentemente dele, passasse a
existir outro ente que ele não conhecesse.
Ademais, se esta inteligência fosse tal que pudesse conhecer todos os
seres, conheceria a todos perfeitamente; pois se ela conhecesse todos
os seres, mas não os conhecesse perfeitamente, isto significaria que
na verdade ela não conheceria ainda todos os seres, pois aquilo que
ela não conhecesse do ser que ela conhece imperfeitamente é também um
ser. Segue-se daqui, portanto, que se por um ato de sua
inteligência este ser é capaz de conhecer perfeitamente todos os
entes, isto significa que sua inteligência esgota em si todas as
possibilidades do ser; por esgotar em si todas as possibilidades do ser
este ser seria o ser mais perfeito que poderia existir; e é por causa
disto mesmo que poderia causar o ser de todas as demais coisas.
Ademais, entre todos os seres, se existe algum ser que possa esgotar
em si todas as possibilidades do ser, que é uma condição necessária
para existir uma causa para o ser de todas as coisas, este ser que
esgota todas as possibilidades do ser não pode ser um ser puramente
material, mas teria que ser necessariamente uma inteligência, pois as
inteligências são mais intensamente seres do que os seres materiais.
Todo este argumento não possui ainda força suficiente para provar que
um ser assim exista de fato; um ser assim está dentro das
possibilidades do ser, e, ademais, se existir uma causa para o ser de
todas as coisas, esta causa tem que ter esta natureza que acaba de ser
descrita; mas, conforme dizíamos, ainda não é possível mostrar
com tudo isto que de fato esta causa existe.
Entretanto, ainda admitindo a hipótese que de fato seja assim que as
coisas se dão na realidade, é importante ressaltar que esta hipótese
explicaria certas observações a respeito da natureza que de outra
maneira seriam inexplicáveis. Estamos nos referindo de maneira
especial a algo que consta ter sido reportado na história da filosofia
pela primeira vez por um pré-socrático chamado Parmênides. No
Livro das Tapeçarias, Clemente de Alexandria relata que
Parmênides teria afirmado que
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"o mesmo é o ser e o pensar" (7).
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Esta afirmação tem uma notável semelhança com a dos escolásticos
segundo a qual o ser e o verdadeiro se convertem, isto é, que todo
ser é necessariamente inteligível e tudo o que é inteligível pode
existir. Se, talvez, com sua afirmação, Parmênides não tenha
querido dizer exatamente a mesma coisa que os escolásticos, pode-se
pelo menos afirmar que parece ter sido ele o primeiro filósofo que se
deparou, de alguma maneira, com a questão da inteligibilidade do
ser. Tais afirmações significam a conveniência de todos os seres à
inteligência; que todos os seres são inteligíveis não por alguma
qualidade que se lhes acrescente, mas apenas porque são seres; que
há alguma coisa igual na estrutura fundamental dos seres reais e na
estrutura fundamental da inteligência; que há leis fundamentais
comuns a todos os seres reais que são também leis fundamentais para a
inteligência enquanto inteligência e vice versa; ou ainda, que o que
é impossível para a inteligência enquanto inteligência é também
impossível para os seres enquanto seres e vice versa.
Antes de prosseguirmos, portanto, devemos nos perguntar o que
entendemos por algo ser impossível para a inteligência enquanto
inteligência. Esta pergunta é fundamental porque ela esclarece todo
o sentido da observação feita por Parmênides e pelos escolásticos e
condensados nas fórmulas "o mesmo é o ser e o pensar" e "o ser e o
verdadeiro se convertem".
Dizemos ser impossível para a inteligência enquanto inteligência
aquilo que contraria uma evidência da mesma. Ora, o que a
inteligência apreende como evidente são os primeiros princípios das
demonstrações; todas as demais evidências da natureza intelectiva
são evidências por redução à evidência dos primeiros princípios
das demonstrações. Neste sentido, é dito ser impossível para a
inteligência enquanto inteligência aquilo que envolve uma negação
dos primeiros princípios que regem sua atividade racional. Não é
impossível, neste sentido, para a inteligência, conceber um homem
com mais de uma cabeça; um ser humano com várias cabeças seria uma
coisa estranha e que nunca consta ter sido vista, a não ser talvez
como uma anomalia congênita; não existe uma raça humana cuja
característica seja a de possuir duas ou mais cabeças; tal raça não
existe e nunca foi vista, mas se existisse isso não envolveria uma
negação dos primeiros princípios das demonstrações. Coisas como
estas não existem, mas nada impediria que existissem se a ordem
natural fosse diferente; acostumados como estamos à ordem presente da
natureza, fica difícil pensar como seria a vida de uma sociedade em
que os homens tivessem várias cabeças, mas, apesar disso, não se
tratam de coisas em si mesmas impensáveis. Coisa muito diversa ocorre
quando nos defrontamos algo que envolve uma negação dos primeiros
princípios do intelecto; neste caso estamos diante de algo impensável
simplesmente falando. Por exemplo, algo ser e não ser uma mesma
coisa ao mesmo tempo é impensável simplesmente; um fato que aconteceu
passar a jamais ter acontecido é também outra coisa impensável
simplesmente. A negação dos teoremas da matemática, admitida a
evidência das hipóteses, é também outro exemplo de coisas
simplesmente impensáveis; a geometria prova que a soma dos ângulos
internos de um triângulo é sempre 180 graus; a existência de um
triângulo cujos ângulos internos quando somados resultassem num total
superior ou inferior a 180 graus envolveria uma contradição da
evidência dos primeiros princípios em que se baseia a dedução
realizada pela geometria; um triângulo assim seria uma coisa
impensável simplesmente.
Porém o que a realidade mostra é que, apesar de impensáveis, estas
coisas jamais também foram vistas. Nunca se viu algo ser e não ser
uma mesma coisa ao mesmo tempo; nunca se viu algo que aconteceu passar
a jamais ter acontecido; e nunca se viu em lugar algum um triângulo
que tivesse uma soma de ângulos internos maior do que 180 graus.
Tais constatações podem à primeira vista ser consideradas como fatos
tão evidentes que não necessitam de uma explicação. Quando,
porém, passa-se a examinar melhor o assunto, verifica-se que não
se trata de algo tão evidente. Pois que uma coisa envolva uma
contradição dos primeiros princípios do intelecto e portanto seja
ininteligível por causa desta razão é uma propriedade que pertence ao
mundo da inteligência. Significa que há coisas que a inteligência
não é capaz de apreender. A inteligência não é capaz de
apreendê- las não porque isto lhe seja difícil, mas porque para o
pensamento trata-se de uma coisa impossível em si mesmo. Mas se o
pensamento não é capaz de conceber tais coisas, isto não deveria
significar que elas não pudessem existir. É, porém, o contrário o
que se verifica, porque além de tais coisas nunca terem sido vistas,
ninguém também tem esperança de que algum dia venham a sê-lo.
Cabe então a pergunta: por que não pode existir alguma coisa que a
mente humana seja radicalmente incapaz de apreender, se esta
limitação é uma limitação que parece que deveria ser apenas da
inteligência? Por que esta limitação parece ser também uma
limitação da realidade, se a realidade não é uma inteligência?
Por que alguém não poderia ver diante de seus olhos algo que a
inteligência fosse capaz de provar que para ela se trata de uma
contradição mas que, apesar disso, já que a realidade não é
obrigada a ter as restrições próprias da inteligência, ela seria
capaz de produzir? Uma contradição dos primeiros princípios da
inteligência é, como o próprio nome indica, algo que, por sua
natureza, não pode existir no mundo inteligível. Por que, porém,
também não pode existir no mundo real? Existiria então uma
relação mais profunda entre o mundo inteligível e o mundo real
conforme apontado por Parmênides e os escolásticos?
Não foram porém apenas Parmênides e os escolásticos que afirmaram
isso; quase todos nós, algum dia, também o afirmamos. Isto
certamente ocorreu, por exemplo, quando alguém, refletindo sobre
algum assunto, e chegando à conclusão de que o raciocínio feito
envolve uma contradição, afirma simplesmente:
Ele não diz:
Aparentemente esta última afirmação deveria ser a única coisa a que
se teria direito de dizer. Mas quando nos vemos diante destas
contradições, o que fazemos é pular da conclusão que afirma que
"isto é impensável", diretamente para a conclusão que diz que
"isto não pode, em hipótese alguma, existir".
Chegamos, assim, a uma conclusão digna de muita atenção: a
realidade e a inteligência parecem estar seguindo as mesmas leis
fundamentais.
É importante mostrar que este fato é um desafio insolúvel para todas
as ciências modernas. Não há nenhuma ciência que possa fornecer
uma explicação para este fenômeno. Ao dizermos que não há
ciência que explique este fenômeno, esta afirmação tão categórica
não procede de nenhum desprezo das ciências modernas em favor da
filosofia antiga ou preconceitos similares. Ao contrário, dizemos
que este fato não pode ser explicado por nenhuma ciência, qualquer
que seja o estágio de desenvolvimento em que ela se encontre, porque
este fato é algo que transcende em sua natureza o âmbito de todas as
ciências; somente a Metafísica pode fornecer uma explicação
satisfatória para este fenômeno.
Vejamos, senão, alguns exemplos.
O biólogo poderia tentar enquadrar o fenômeno dentro do âmbito da
teoria da evolução. Segundo a teoria da evolução, diria o
biólogo, todo ser vivo, animal ou vegetal, produz descendentes que
podem estar sujeitos a mutações genéticas. Quando, por acaso,
tais mutações são melhor ambientadas ao mundo que os cerca e os torna
mais aptos para a luta pela sobrevivência, isto faz com que sobreviva
o animal mais apto em detrimento do animal menos apto. Desta maneira
ocorre uma seleção natural em favor dos seres superiores na escala da
evolução.
Por que o homem, por exemplo, diz o biólogo, não enxerga por meio
da vista os raios X, mas apenas a luz nos comprimentos de onda
normalmente emitidos pelos objetos à sua volta? A razão é a
seguinte: se tivesse existido alguma vez algum animal dotado de visão
de raios X, ou se tivesse pelo menos começado a haver uma mutação
genética neste sentido, este animal nada veria ou pelo menos veria
menos do que os outros, já que os corpos na superfície da terra não
emitem raios X, e, portanto, um animal com estas qualidades nada
teria para ver ou veria pior do que os outros. Com isso, sua espécie
seria devorada pela espécie dos outros animais que enxergassem de fato
ou que enxergassem melhor. Os animais, porém, que fossem capazes de
enxergar as coisas ao seu redor, isto é, aqueles que fossem capazes
de enxergar no espectro dos comprimentos de onda correspondentes à luz
visível, poderiam se defender com mais facilidade dos ataques dos
animais que nada ou pouco enxergam e apenas se orientam pelo tato.
É por argumentos semelhantes a este que a teoria da evolução explica
porque o homem está adaptado a digerir justamente os alimentos que a
natureza oferece à sua volta, porque enxerga justamente nas
frequências de onda de luz que os objetos à sua volta emitem, porque
ouve justamente os sons nas frequências em que os principais
acontecimentos à sua volta provocam ruído, porque respira justamente
o ar na composição que a atmosfera oferece, etc..
Seria de se esperar, portanto, que a mesma explicação funcionasse
para o caso da inteligência. Pelo mecanismo da seleção natural
teria-se originado no homem uma inteligência que segue as mesmas leis
do ambiente que o cerca. Se alguma vez tivesse havido algum animal
cuja inteligência não estivesse em harmonia com as leis do mundo à
sua volta, ou mesmo tivesse apenas começado a sofrer alguma mutação
genética neste sentido, este animal teria perecido na luta pela
sobrevivência.
Tal seria o argumento que surgiria espontaneamente na mente de um
biólogo; ocorre, porém, que um argumento como este é convincente
apenas num primeiro momento; na verdade, ele não fornece explicação
para a questão da inteligibilidade do ser. Pois em todos os casos de
seleção natural o modo de operar desta seleção natural é tal que
produz um modo de seleção apenas entre as capacidades de
sobrevivência adaptadas em relação ao meio ambiente diretamente em
contato com o animal, porque é com este meio ambiente imediatamente
próximo ao animal que o animal luta e perece em sua espécie se não
for capaz de se adaptar, ou continua existindo se for capaz. Assim é
que o homem está adaptado para viver à pressão próxima daquela
encontrada na atmosfera terrestre ao nível do mar, que é o seu
ambiente imediato. Conduzido apenas a alguns quilômetros acima do
solo ou alguns metros abaixo da superfície da água, (e o que é isto
diante das dimensões do universo?), a diferença de pressão lhe
será fatal. Da mesma forma, o homem somente pode se alimentar das
substâncias químicas produzidas pela natureza; se entrasse em um
laboratório químico em que se produzissem substâncias artificiais e
as ingerisse a esmo provavelmente morreria envenenado. Igualmente, se
a temperatura ambiente passar de 25 para 70 graus centígrados,
poucos graus acima da máxima temperatura observada na superfície da
terra, uma pequeníssima fração diante da escala possível de
temperaturas, o homem morre.
Mas não é assim no caso da inteligência. Em qualquer lugar do
espaço, em qualquer lugar do Universo, em qualquer época da
história ou em qualquer era geológica, em qualquer pressão e
temperatura, o que é uma contradição dos primeiros princípios do
intelecto não existe.Seria pedir muito que a seleção natural,
obrigando o homem por um método na verdade tão primitivo e limitado a
lutar pela sobrevivência junto apenas ao seu reduzidíssimo meio
ambiente tivesse produzido uma qualidade tão ilimitada, em que mais
parece que o homem estivesse lutando pela sobrevivência não na face da
Terra, mas simultaneamente na totalidade da extensão do Universo e
contra todas as possibilidades do ser.
Vimos o que o biólogo teria a dizer para explicar o problema da
inteligibilidade do ser. Vejamos o que o físico teria a declarar.
Um físico tentaria enquadrar o fenômeno por um ângulo totalmente
diverso. O biólogo concordaria com o princípio de Parmênides; de
fato, o ser e o pensar são o mesmo, a observação de Parmênides é
correta, mas, diria o biólogo, não há nada de transcendente
nisto, a teoria da evolução explica. O físico, ao contrário,
negaria a validade do princípio. A inteligência não está
adaptada, diria o físico, de maneira alguma, a todos os seres do
Universo. A Biologia desconhece, enquanto tal, este fato, diria o
físico, mas não a Física. De fato, quando a Física começou,
por volta de 1900, a estudar os átomos, e depois as partículas
sub atômicas e posteriormente as partículas elementares, descobriu um
mundo tão pequeno com que nossa inteligência no seu dia a dia não
pode ter contato direto, e com o qual nunca tomou contato em momento
algum durante toda a história evolutiva, a não ser algumas poucas
vezes nos laboratórios de Física nos últimos 80 anos. O mundo
das partículas sub atômicas e elementares, portanto, é um mundo que
não faz parte do ambiente em que evoluiu a inteligência humana e, de
fato, continuaria a dizer o físico, nele se observa muita coisa que
afronta o bom senso intelectual. Há coisas no mundo sub atômico que
são um desafio à lógica, e no entanto elas estão ali. Diante
destes fatos, diz o físico, o princípio da conveniência de todo
ente com a inteligência simplesmente se desvanece pela própria força
dos contra exemplos.
São considerações como estas que viriam espontaneamente ao
pensamento de um físico moderno se ouvisse a exposição do princípio
de Parmênides. Segundo este princípio afirmamos que todo ente é
necessariamente inteligível apenas por ser ente, nada mais
necessitando que se lhe acrescente para ser inteligível; dissemos,
ademais, que nenhuma ciência além da metafísica é capaz de dar uma
explicação satisfatória para este fenômeno porque ele é de tal
natureza que em sua amplitude ultrapassa o âmbito de todas as ciências
particulares. Mostramos em seguida como a explicação do biólogo
não é satisfatória; mas agora o físico, em vez de tentar uma
explicação, afirma, ao contrário, ter elementos para mostrar com
exemplos que tal princípio é falso.
Não será possível discutir neste trabalho a colocação do físico
com os detalhes que seriam exigidos para bem fundamentar quanto vamos
dizer; fazer isto requereria escrever um tratado de Física Moderna,
e com isto extrapolaríamos as intenções do presente capítulo. Mas
é tão importante mencionar a natureza do que se pode responder a uma
colocação como esta que mesmo sem poder fundamentar devidamente a
resposta julgamos dever fazê-lo.
Que dizer, pois, do argumento do físico? Quando os físicos
trabalham, primeiramente observam um fenômeno no laboratório e
depois, sobre este fenômeno, constróem uma teoria que é geralmente
um modelo matemático daquele fenômeno. Por exemplo, observa o
desvio de uma partícula; este é o fenômeno. Supõe depois que
existem forças atuando sobre ela e elabora uma fórmula matemática que
dê a expressão desta força; este é o modelo que descreve o
fenômeno e do qual o físico se utiliza para explicá-lo. Ora, se
fizéssemos uma análise dos contra exemplos que a Física teria a
apresentar ao princípio de Parmênides, constataríamos que os
desafios à lógica não aparecem nos fenômenos, mas nos modelos.
Como se tornou quase uma segunda natureza para os que se dedicam à
Física tomarem os modelos pelas realidades, ainda que freqüentemente
se esforcem por não fazê-lo, isto faz com que se produza a
impressão de que o que ocorre nos modelos seja também o que ocorre na
realidade. Um excelente exemplo disto é o próprio primeiro modelo
daquilo que depois veio a se tornar a Mecânica Quântica; em
1900, vendo que a Física tradicional não conseguia explicar a
radiação emitida por um corpo negro aquecido a altas temperaturas, ou
um forno completamente fechado com uma pequena abertura pela qual se
emite radiação para o meio ambiente, Max Planck propôs um modelo
segundo o qual os elétrons que vibram no corpo negro ou dentro do forno
e que produzem as radiações emitidas saltavam de uma frequência
vibratória a outra não só sem passarem pelas frequências
intermediárias como também sem que pudessem fazê-lo, o que parecia
ser um atentado à apreensão da inteligência; com isto, porém,
explicava-se o espectro das radiações emitidas pelo corpo negro ou
pela abertura existente no forno. Cinco anos depois, porém, A.
Einstein propôs um outro modelo; segundo este as radiações não
eram ondas eletromagnéticas, mas feixes de partículas às quais ele
deu o nome de fótons; fazendo esta hipótese, conseguiu calcular o
espectro das radiações emitidas pelo corpo negro sem o aparente
atentado à razão envolvido na teoria de Planck (8). Em ambos os
casos, tratava-se do mesmo fenômeno e de dois modelos diferentes. O
primeiro explicava o fenômeno, mas parecia envolver um atentado à
inteligência; sem mudar o fenômeno, o segundo produziu outra
explicação que não violava mais o bom senso. Não era, de fato, o
fenômeno que atentava à inteligência, mas o modelo. O mesmo pode
ser dito de muitos outros exemplos que poderiam ser dados se isto não
extrapolasse os objetivos do presente capítulo. Deve-se, ademais,
mencionar que muitos exemplos apontados pelos textos de Física moderna
como atentatórios ao bem senso não envolvem de fato uma contradição
dos primeiros princípios mas apenas um comportamento diverso do que se
observa no mundo cotidiano dos homens. Fica assim a conclusão, não
suficientemente demonstrada, é verdade, por causa dos limites deste
trabalho, que, ao que consta, nunca foi observado nenhum fenômeno
nem nenhum ente, nem mesmo na Física das partículas sub atômicas,
que em si contivesse alguma contradição dos primeiros princípios do
intelecto.
Poderíamos ainda, não fossem novamente os limites do presente
capítulo, levantar um maior número de possíveis explicações para o
princípio de Parmênides inspirados em argumentos destas ou de outras
ciências, em todos os casos para mostrar em seguida que não se tratam
de explicações satisfatórias. Ver-se-ia assim como é uma
questão aberta para as ciências o problema de se explicar a
conversibilidade entre o ser e o verdadeiro. Todo ser, somente pelo
fato de ser, é apenas por isto mesmo necessariamente inteligível; e
tudo o que é inteligível, é apenas por isto mesmo, possível de
existir. A mesma coisa não é verdade em relação a outras
propriedades. Não são todos os seres visíveis, apenas porque
existem. Não são todos os seres audíveis, apenas porque existem.
Não são todos os seres mensuráveis, apenas porque existem. Mas
por que todos os seres tem que ser inteligíveis, apenas porque
existem, é, de fato, diante das possibilidades de explicação das
ciências, um enigma. O homem pode ter-se adaptado por meio de sua
inteligência ao meio ambiente. Pode ter-se inclusive adaptado ao
Universo inteiro. Mas, mesmo que este tenha sido o caso, se é que
o foi, por que é que não pode surgir aqui e agora, depois de acabada
esta adaptação, um ser totalmente novo no Universo, um ser que
jamais tenha existido antes e para o qual, portanto, a inteligência
humana não tenha podido ter sido adaptada, e que fosse um atentado aos
primeiros princípios do intelecto?
A única explicação satisfatória, o que não quer dizer ainda que
ela seja verdadeira ou que seja mais do que um modelo, é aquela
segundo a qual a realidade é um produto daquela inteligência que
esgota em si todas as possibilidades do ser; sendo produto desta
inteligência que é maximamente ser, a realidade está seguindo leis
fundamentais que são leis daquele ser, isto é, leis do mundo
inteligível; segundo esta explicação, a inteligência humana é
algo intermediário entre o mundo material e aquela inteligência que
esgota em si as possibilidades do ser e é por isso que diante da
inteligência humana as leis fundamentais da realidade têm uma
evidência que na própria realidade elas não têm. Com isto não se
demonstra que esta explicação seja a verdadeira, mas o fato é que
para esta explicação não há réplica, como o há para a
explicação proveniente da teoria da evolução ou para a explicação
proveniente da Física das partículas sub atômicas. A única
objeção possível é que, com o que argumentamos até agora, não se
demonstra a veracidade desta explicação, o que de fato é assim,
pois até aqui apenas demos argumentos de possibilidade e
plausibilidade, não de factualidade.
Supondo provisoriamente que esta explicação seja a correta, temos
nela um exemplo da analogia do ser.
Segundo a teoria da analogia do ser, o ser não se predica de modo
unívoco de todos os entes; há entes que são mais ser do que outros.
O ser se predica de alguns entes de um modo apenas parcial em relação
a como se predica de outros que são mais ser do que os anteriores. Os
entes que são mais intensamente ser do que outros em parte são e em
parte não são ser no mesmo sentido que os que são ser menos
intensamente.
Alguns entes são ser apenas em parte, outros são mais totalmente,
outro, enfim, não é ser em parte, mas é plenissimamente ser,
esgotando em si todas as possibilidades do ser.
Neste sentido, as inteligências participam mais do que os entes
materiais da plenitude do ser, porque se aproximam mais da natureza do
ser que ultrapassa todos os entes por esgotar em si todas as
possibilidades do ser. Todos os entes recebem o ser deste primeiro ser
e dele recebem uma parte das possibilidades do ser que ele contém, uns
mais, outros menos.
Pelo fato das inteligências mais participarem do ser da causa
primeira, a relação de todos os entes para com a causa primeira tem
uma certa analogia com a relação dos entes materiais para com as
inteligências; todos os entes recebem uma parte das possibilidades da
causa primeira; os seres materiais recebem uma parte das possibilidades
que recebem as inteligências; deste modo, assim como todos os entes
têm que seguir leis fundamentais que são próprias da causa primeira,
assim também os entes materiais estão seguindo algumas leis que são
leis próprias do mundo inteligível, não necessariamente apenas da
causa primeira, mas das inteligências em geral. De fato, os
primeiros princípios das demonstrações, apesar de seguidos por todos
os entes, são na verdade leis próprias do mundo inteligível. O
próprio modo como se procede ao especular sobre estes princípios faz
perceber que se tratam de propriedades do mundo inteligível.
É assim que, por exemplo, quando Aristóteles na Metafísica indaga
se o estudo dos primeiros princípios das demonstrações são objeto da
Metafísica, ele afirma que sim, porque o estudo destes princípios
é próprio da ciência que estuda o ser enquanto ser, já que eles
também são princípios do ser enquanto ser, e não apenas das
demonstrações:
|
"Estes princípios abarcam a todos os seres
e não apenas a um ou outro gênero do ser,
e todas as ciências se servem deles
porque são próprios do ser enquanto ser.
Portanto, ao ser evidente
que se dão nos seres enquanto seres,
seu estudo pertence àquela ciência
cujo objeto próprio é conhecer o ser enquanto ser;
é por isso que ninguém
dos que estudam os seres em particular
tenta dizer nada sobre se estes princípios
são ou não verdadeiros" (9).
|
|
Nesta passagem Aristóteles evidencia que tais princípios são
princípios de todos os seres, e não apenas das demonstrações. No
que dependesse desta passagem, portanto, não parece que poderia se
inferir que fossem algo próprio do mundo inteligível, nem do mundo
material, mas algo comum a todos os seres. Esta impressão, porém,
passa para um segundo plano quando Aristóteles começa a procurar
quais sejam estes princípios; ele faz isto elencando uma série de
qualidades que estes princípios deverão ter para poderem ser primeiros
princípios; nestas qualidades se evidencia que os princípios que ele
está procurando são princípios próprios do mundo inteligível, pois
os requisitos que os candidatos a primeiros princípios devem
preencher, segundo Aristóteles, são os seguintes:
|
Que sejam os princípios mais certos do que todos;
Que sejam aqueles sobre os quais seja impossível enganar-se;
Que sejam aqueles que sejam conhecidos em grau máximo;
Que não sejam hipotéticos;
Que seja necessário conhecê-los para conhecer qualquer coisa;
Que seja necessário abordar qualquer assunto de estudo já possuindo o
conhecimento destes princípios (10),
|
|
todas estas sendo características próprias do mundo inteligível,
não do mundo material.
Os seres materiais, portanto, ao seguirem tais princípios, estão
como que seguindo uma regra que não é própria deles, mas de outros,
como se esta regra fosse de uma natureza anterior à deles e se lhes
estivesse sendo imposta de fora.
Na verdade o que acontece é que os seres materiais estão seguindo
princípios que são princípios de todos os entes enquanto tais;
porém, como as inteligências são mais intensamente seres do que os
entes materiais, elas participam, por isso mesmo, mais intensamente
das propriedades do ser enquanto tal do que os entes materiais; nelas,
portanto, brilha mais intensamente a evidência destas propriedades do
que nos seres materiais; estas propriedades lhes são, neste sentido,
mais próprias. Por isso é que os seres materiais, embora estejam
seguindo as propriedades do ser enquanto ser, parecem estar seguindo
princípios de entes de outra natureza, como se isto lhes estivesse
sendo imposto de fora. Neste sentido o mundo inteligível parece algo
de natureza anterior ao mundo material, pois aquilo que segue uma lei
de outro, supõe que o outro lhe seja anterior.
Mas, por outro lado, a inteligência humana é evidentemente
posterior no tempo ao mundo material, pois ela requer, em seu operar,
o mundo material como algo que lhe seja anterior. A inteligência
humana requer, de fato, em primeiro lugar, ao próprio corpo
material; depois, requer órgãos dos sentidos; requer ainda a
faculdade da imaginação; e tudo isto pode operar de modo perfeito sem
a existência da inteligência, como se observa ser o caso dos
animais. Sem corpo, sentidos e imaginação, porém, a
inteligência humana não opera. Ora, tudo aquilo que para existir,
ou pelo menos para operar, necessita de outros, os quais, porém,
podem existir e operar por si sós, é necessariamente posterior no
tempo. De argumentos como estes pode-se deduzir, independentemente
da evolução, que o homem é, por natureza, o último ser que
desponta no tempo.
Como é possível então que uma lei que é própria da inteligência,
manifestamente posterior às demais coisas, estar sendo imposta com
natureza de anterioridade a todas as demais coisas que já existiam
quando ela ainda não existia?
E, mesmo que as inteligências fossem anteriores no tempo, há ainda
o problema de que elas não têm força para imprimir suas propriedades
nas coisas, mas apenas para perceber suas evidências.
Parece razoável, portanto, deduzir que os entes estejam recebendo
estas propriedades de alguma outra causa que tenha estas mesmas
propriedades num grau mais elevado do que as inteligências que nós
conhecemos, tão mais elevado que possa imprimí-las nos entes. Esta
causa será um ente que tenha estas propriedades que pertencem ao mundo
inteligível num grau mais elevado para que possa causar a obediência
das coisas a estas leis.
Estas leis, porém, já vimos que são leis inerentes ao ser, isto
é, são leis do ser enquanto ser.
Portanto, a causa capaz de imprimir estas propriedades nos entes
deverá ser capaz também de causar o ser de todas as coisas, pois
estas propriedades são inseparáveis do ser. Se as coisas recebem o
ser, recebem necessariamente estas propriedades, e não necessitam de
outra causa que as imprima após terem recebido o ser. Se elas não
recebem o ser, não podem ter estas propriedades sem o ser. A causa,
portanto, capaz de imprimir estas propriedades nos seres é também
causa capaz de causar o ser de todas as coisas.
Parece existir, portanto, uma causa primeira de todas as coisas que
é ao mesmo tempo maximamente ser e maximamente inteligência. Nela
ser e natureza inteligível se convertem perfeitissimamente; a
conversibilidade entre o ser e o verdadeiro que se observa em todos os
demais entes e a evidência dos primeiros princípios do intelecto na
inteligência humana não seria nada mais do que participações, em
graus diversos, da natureza da causa primeira nos diversos demais
entes.
Assim, do fato de que os seres materiais possuem uma participação de
propriedades que são de natureza inteligível deduzimos estarem eles
seguindo uma regra que não lhes é própria; as inteligências possuem
estas propriedades de uma maneira mais própria do que as coisas
materiais; mas, uma vez que elas manifestamente são incapazes de
causá-las nos seres materiais, parece inferir-se daí a existência
de uma causa de natureza inteligível mais elevada do que as
inteligências que conhecemos, que é a causa da inteligibilidade dos
entes materiais e, por conseqüência, também do ser delas, pois a
inteligibilidade é propriedade do ser enquanto ser. Daqui a
inferência segundo a qual este ser que causa a inteligibilidade dos
entes materiais não apenas é inteligência mas também ser em grau
máximo.
Cumpre observar que se este argumento é válido dele não se deduz
diretamente que esta inteligência que possui o ser em grau máximo seja
também causa do ser das inteligências; o que se deduz é que, para
causar o ser dos entes materiais ela tem que ser uma inteligência mais
elevada do que as demais inteligências; mas nada impediria, pelo que
dissemos até agora, que estas inteligências intermediárias tivessem
um ser autônomo que não necessitasse de causa; pode- se, porém,
de outro modo, mostrar que isto não é assim.
Quando se parte dos entes materiais e se sobe na escala do ser,
passamos aos entes de natureza inteligível em que, além de possuírem
ser, pelo seu caráter inteligível são capazes de perceber a
evidência de certas propriedades do ser das coisas a que chamamos de
primeiros princípios do intelecto. Entretanto, o ser e a percepção
intelectiva destes princípios do ser não são atributos totalmente
diferentes. Trata-se da mesma realidade que, à medida em que se
intensifica, começa a participar mais abundantemente da plenitude do
ser. As inteligências inteligem porque são seres mais intensamente;
são entes suficientemente intensos a ponto de perceberem a evidência
das propriedades do ser que são capazes de inteligir, mas não a ponto
de serem a causa da evidência destas propriedades.
Não é, porém, só porque não são capazes de causar a evidência
das propriedades do ser, mas apenas de percebê- las, que as
inteligências que nós conhecemos ocupam um lugar inferior à causa
primeira na escala do ser. Elas ocupam o lugar inferior em que estão
também porque não são capazes de perceber a evidência de todas as
propriedades do ser, mas apenas de uma pequena parte. Os entes
materiais não percebem evidência nenhuma. A inteligência humana
percebe a dos primeiros princípios, mas não percebe, por exemplo, a
evidência intelectiva da existência das coisas.
De fato, a existência das coisas não é imediatamente evidente para
a inteligência humana; a existência das coisas é inferida pela
inteligência de modo indireto a partir dos dados dos sentidos. Não
se trata de uma evidência intelectiva de natureza imediata, como a
evidência dos primeiros princípios, os quais percebemos que tem que
ser daquele modo necessariamente. É principalmente através da vida
sensorial que nos relacionamos com a realidade concreta das coisas;
para nosso intelecto a existência destas coisas com que nos
relacionamos através dos sentidos é uma inferência; ao apreendermos
indiretamente pela inteligência esta existência, não percebemos nela
nenhuma evidência intelectiva de sua necessidade como aquela evidência
da necessidade que contemplamos nos primeiros princípios.
É manifesto, porém, que em sua própria natureza as coisas se
comportam diversamente. Os entes podem ser necessários ou
contingentes, mas, a partir do momento em que eles existem, eles
existem necessariamente. Para nosso intelecto, porém, não se nos
mostra nenhuma evidência intelectiva imediata dessa necessidade,
nenhum fundamento para percebermos a necessidade da existência das
coisas. É por isso que a seguinte pergunta, quando bem compreendida
em sua profundidade, é tão misteriosa:
|
Por que as coisas existem,
e simplesmente não voltam ao nada?
|
|
Ao receber o impacto de uma pergunta como esta, a inteligência humana
simplesmente cai num vácuo. Ela percebe, ainda que não o saiba
explicar, que a partir do momento em que as coisas existem, elas
existem necessariamente, e é por isso que elas não voltaram ao nada
no momento em que a pergunta foi feita. Mas, ao mesmo tempo, não
lhe é possível perceber a evidência nem de uma causa externa nem de
uma necessidade intrínseca para os seres existirem. Os seres aparecem
à inteligência humana como contingentes, como entidades que podem ser
mas para os quais não se vê por que não poderiam não ser, pois não
há nenhuma evidência intelectiva de uma necessidade intrínseca para
sua existência; nem a inteligência tem também qualquer evidência
imediata de uma causa externa para a existência delas. Daí o impacto
que causa uma pergunta como esta quando corretamente compreendida em
toda a sua profundidade. Se a inteligência pudesse perceber de modo
imediato uma evidência para a existência das coisas, as coisas seriam
percebidas por ela como existentes por uma necessidade comparável à
evidência dos primeiros princípios.
No entanto, não só os entes materiais, mas também as
inteligências existem; existindo, elas estão se comportando de um
modo para o qual deveriam possuir uma evidência, pois é manifesto que
a partir do momento em que elas existem pelo menos naquele momento
existem necessariamente. Apesar disso, porém, elas não conseguem
apreender esta necessidade. Portanto, tal como os entes materiais,
que seguem as regras dos primeiros princípios das demonstrações sem
lhes apreenderem a evidência, as inteligências também estão
seguindo as regras da existência, mas não lhes conseguem apreender
nenhuma evidência. As inteligências, portanto, estão seguindo uma
regra que não lhes é própria. Resta saber de quem a regra da
existência é uma regra própria.
Supondo a existência daquela inteligência que é causa do ser dos
entes materiais, pode-se mostrar que a existência é uma regra
própria de sua natureza.
De fato, pode-se mostrar facilmente que esta inteligência, por sua
própria natureza, existe necessariamente. Pois se ela é causa do
ser dos entes materiais, ou seu próprio ser é causado ou não; se
não for, fica demonstrado o que se pretendia; se seu ser for
causado, há outra causa que é causa do ser da causa dos entes
materiais; mas não se pode proceder nesta série de causas até o
infinito, de modo que se acaba por alcançar uma causa primeira não
causada, isto é, que existe necessariamente. Em outras partes de
sua obra, com base em outros argumentos, S. Tomás de Aquino vai
ainda mais longe nesta conclusão e diz que não pode haver causas
intermediárias na produção do ser enquanto ser, isto é, que o ser
de todas as coisas é necessariamente causado diretamente pela causa
primeira (11).
Esta causa do ser dos entes materiais, ademais, por ser inteligência
separada da matéria, é capaz de se apreender de modo imediato a si
mesma; portanto, ao apreender-se a si própria, apreende também a
necessidade de sua existência, não porque ela apreendeu primeiro que
existe e, partindo desse pressuposto, infere que existe
necessariamente, mas porque, apreendendo a sua natureza, percebe que
existe por uma evidência imediata da apreensão de sua própria
natureza. Nesta apreensão, apreende-se também como causa do ser
dos entes materiais; daí que, se ela se fizesse aquela mesma
pergunta:
|
Por que as coisas existem,
e simplesmente não voltam ao nada?
|
|
ela teria para isto uma resposta por evidência intelectiva imediata,
ao contrário da inteligência humana que diante desta pergunta cai no
vazio.
Com isto mostramos que, assim como os entes materiais quando seguem os
primeiros princípios das demonstrações estão seguindo uma regra que
é própria das inteligências, uma regra que parece lhes estar sendo
imposta de fora, embora não, porém, por estas mesmas
inteligências, mas por outra que lhes é superior, as inteligências
também, ao existirem, estão seguindo uma regra que é própria da
causa do ser dos entes materiais, como se lhes estivesse sendo imposta
de fora, por esta mesma causa que seria então simplesmente a causa
primeira do ser de todas as coisas.
À primeira vista tudo isto parece ser novamente apenas mais um
argumento de plausibilidade. Pode-se mostrar, entretanto, que agora
temos, na verdade, um autêntico argumento probativo.
Antes tinhamos mostrado que o caráter inteligível dos entes não
tinha explicação plausível fora da existência de uma causa primeira
do ser de todas as coisas que fosse também ela inteligível; mas agora
mostramos que este caráter inteligível é possuído pelos diversos
entes em graus diversos, de modo que um parece estar seguindo uma regra
que é mais própria de outro, como se se tratasse de algo que lhe
estivesse sendo imposto ou causado. Em outras palavras, do caráter
inteligível dos entes verificamos a plausibilidade da existência de
uma causa primeira; mas da existência de uma gradação de
inteligibilidade dos entes deduzimos a existência de uma causa
primeira.
Ora, segundo S. Tomás de Aquino esta última inferência possui
verdadeiro valor probativo; de fato, quando na Summa Theologiae ele
demonstra a existência de Deus por meio de cinco vias, na quarta
via, partindo apenas
|
"dos graus que existem nas coisas",
|
|
ele afirma poder chegar-se à conclusão de que
|
"existe algo que é para todas as coisas
causa do ser e da bondade
e de qualquer perfeição,
a quem chamamos Deus" (12).
|
|
Não se trata, portanto, de um argumento de plausibilidade, mas de
factualidade:
diz Tomás de Aquino,
|
"é tomada dos graus
que se encontram nas coisas.
De fato, encontramos nas coisas
algumas que são mais ou menos boas,
mais ou menos verdadeiras,
mais ou menos nobres,
e assim quanto a outras perfeições semelhantes.
Porém o mais e o menos
se dizem de coisas diversas
segundo que se aproximem de modo diverso
a algo que o seja maximamente,
assim como é mais quente
aquilo que se aproxima
ao que é maximamente quente.
Existe, portanto,
algo que é veríssimo,
ótimo e nobilíssimo,
e, por conseqüência,
maximamente ente;
pois as coisas que são maximamente verdadeiras
são maximamente entes,
conforme diz o IIº da Metafísica.
Mas o que se diz maximamente tal em algum gênero
é causa de todos os que estão naquele gênero,
como o fogo,
que é maximamente quente,
é causa de todas as coisas quentes,
conforme se diz no mesmo livro.
Existe, portanto,
algo que é para todas as coisas
causa do ser e da bondade
e de qualquer perfeição.
E a este chamamos Deus" (13).
|
|
O que este texto quer dizer é bastante claro; a dificuldade começa
quando se quer determinar como uma coisa prova a outra. De fato o
texto afirma que há gradação nos entes, e isto é suficiente para
que se possa deduzir existir uma fonte que possui em grau máximo aquilo
que nos diversos entes é observado existir graduadamente. Que seja
isto o que o texto pretende afirmar é algo fora de qualquer dúvida; o
que causa perplexidade é como daquela premissa pode-se passar com
tanta certeza à conclusão indicada. O texto de Tomás de Aquino é
muito conciso, e, tendo em vista os objetivos e as circunstâncias em
que foi escrita a Summa Theologiae, não comportava maiores
explicações. Mesmo assim, porém, Tomás tentou, com o exemplo
do fogo, fornecer um auxílio à inteligência dos leitores. Na sua
Exposição sobre o Credo, por ser um texto mais popular, Tomás
recorre mais abertamente ao exemplo do fogo:
|
"Para não fazermos uso
de demonstrações repletas de sutilidades,
mostraremos através de um exemplo simples
como todas as coisas foram criadas e feitas por Deus.
É manifesto que se alguém entra em uma casa
e na entrada da casa percebe calor,
e depois,
à medida em que se dirige mais para o seu interior
sente mais calor e assim sucessivamente,
acreditará haver fogo dentro da casa,
mesmo se não puder ver o próprio fogo
que fosse a causa daqueles calores.
Ora, assim também ocorre
ao que considera as coisas deste mundo.
Pois ele encontra todas as coisas se disporem
segundo diversos graus de beleza e nobreza,
e quanto mais se aproximam de Deus,
tanto mais belas e melhores as encontra.
É assim que os corpos celestes
são mais belos e nobres
do que os corpos inferiores
e os seres invisíveis mais belos e nobres
do que os visíveis.
Deve-se, portanto, crer que todas estas coisas
procedem de um só Deus,
que dá o ser e a nobreza às coisas singulares" (14).
|
|
O exemplo do fogo de que Tomás se utiliza é, nestes dois textos,
apropriadíssimo para explicar o que ele quer dizer. O exemplo tem,
ademais, para a Física moderna o mesmo valor que ele tinha para a
Física do tempo de Tomás de Aquino. Ele tem também o mesmo valor
probativo para o caso do fogo do que para o caso do ser, não se
tratando, portanto, de apenas um meio de sensibilizar ou tornar mais
facilmente compreensível uma demonstração que somente teria
verdadeiro valor probatório no caso do ser, mas não no caso do fogo.
De fato, quando ele diz que o fogo é maximamente quente, não quer
dizer com isto que o fogo possui a temperatura máxima que seja
possível existir, pois em qualquer época foi evidente para qualquer
bom observador que o fogo de uma vela possui uma temperatura menor do
que o fogo que está no interior de uma fornalha, que possui uma
temperatura menor do que o fogo que há no Sol. O calor de uma vela
não derrete os metais, mas o mesmo não se pode dizer do calor de uma
fornalha bem construída; o calor de uma fornalha é sentido apenas
até a uma determinada distância, mas o calor do Sol se espalha sobre
toda a terra e provém de mais longe do que o calor da fornalha.
Portanto, quando Tomás de Aquino afirma que o fogo é maximamente
quente ele está se referindo não à temperatura máxima que possa ser
alcançada, mas a uma razão de ser diversa do calor no fogo e no
Sol, por um lado, e nas demais coisas, por outro.
Nas coisas quentes o calor existe como algo que é recebido de fora;
todas as coisas quentes recebem o calor de uma fonte que pode ser o fogo
ou o Sol. Já no fogo e no Sol o calor se encontra segundo um modo
de ser diverso do que é encontrado nas demais coisas; o fogo e o Sol
possuem calor sem recebê-lo de nenhuma fonte externa; ao contrário,
o fogo e o Sol são fontes próprias de calor, daí o fato de não
precisarem receber calor de nenhuma fonte para serem quentes e todas as
demais coisas receberem delas o calor pelo qual são quentes. Em ambas
estas coisas, Sol e fogo, de um lado, e as demais coisas, de
outro, há calor, porém de modos diversos; no Sol e no fogo o calor
não tem causa externa, elas próprias são fonte de calor; nas demais
coisas o calor é causado por causas externas.
Ademais, em uma passagem da Summa Theologiae diz Tomás de Aquino
que tudo o que existe em algo pode ser ou a própria essência, ou algo
causado pela própria essência, ou algo causado por uma causa externa
(15).
Pode-se mostrar facilmente que o calor existe nas coisas que não são
fogo nem Sol como algo causado por uma causa externa; mas no fogo e no
Sol o calor existe como algo causado pela sua própria essência. De
fato, o fogo é uma reação química pela qual um composto de
carbono, combinando-se com oxigênio, reage quimicamente produzindo
gás CO2 e vapor de água. Esta reação, porém, liberta, pela
sua própria natureza, uma quantidade extraordinária de calor que faz
com que os gases que ela mesmo produz sejam liberados já a uma
temperatura elevadíssima e, portanto, em estado incandescente. A
chama do fogo nada mais é do que a incandescência dos gases
produzidos. Este calor provém da própria essência da reação
química que a produziu.
A mesma coisa pode-se dizer do Sol, com a diferença que neste caso
não se trata de uma reação química, mas de uma reação nuclear,
que produz, por isso, temperaturas muito mais elevadas. Em ambos os
casos do fogo e do Sol, porém, trata-se de um calor causado
internamente pela própria essência; por isso mesmo, fogo e Sol se
comportam, do ponto de vista do calor, de um modo mais nobre do que as
demais coisas; fogo e Sol são fontes de calor, enquanto que as
demais coisas apenas recebem e transmitem o calor que receberam, em
última análise, de algum ente que é calor de modo mais nobre, que
é, portanto, maximamente calor, isto é, que é por si mesmo fonte
de calor.
S. Tomás de Aquino afirma que o mesmo que ocorre com o calor ocorre
com o ser. Há diferentes graus no ser; portanto, estes diversos
graus do ser estão sendo recebidos de uma fonte de onde brota o ser.
Como, porém, podemos ter certeza que de fato é isto o que ocorre
com o ser? Do mesmo modo que o podemos saber no caso do calor. Como
podemos saber se algo é fonte de calor ou se apenas recebe e transmite
calor? Sabemos que o conteúdo de calor de um corpo aumenta quando
aumenta a sua temperatura; sabemos que algum corpo recebe calor de fora
e apenas transmite o calor recebido se, isolando termicamente este
corpo, isto é, impedindo sua interação com qualquer possível fonte
ou sorvedouro, sua temperatura não aumenta nem diminui. Se, apesar
de estar termicamente isolado, a temperatura do corpo aumenta, isto é
indício certo de que ali há uma fonte de calor.
Vemos assim que para estabelecermos se algum ente é fonte de calor ou
se apenas recebe o calor de fora é necessária uma análise em que se
leve em conta o movimento; é preciso observar os corpos ao longo do
tempo e ver se quando isolados suas temperaturas aumentam ou permanecem
estacionárias, ou se quando não estão isolados suas temperaturas
aumentam ou permanecem estacionárias. Não é possível saber se algo
apenas recebe calor de uma causa externa ou é fonte de calor somente
com uma medida estática de temperaturas. Mas de uma medida dinâmica
de temperaturas é possível fazer inferências deste tipo.
Estas inferências, por sua vez, se fundamentam em última análise
na teoria da causalidade. A relação casual não é algo que possa
ser observada pelos sentidos; quando se aproxima o fogo de um objeto e
este aumenta de temperatura, o que se observa é apenas uma seqüência
de fatos: o fogo se aproxima é um fato; a temperatura que aumenta é
outro fato; que o fogo seja a causa do aumento da temperatura é uma
inferência puramente intelectiva. Por mais que se repita a
experiência centenas de vezes, não há nada que possa provar
experimentalmente de que não se trata de uma coincidência, mas de uma
verdadeira relação causal. A necessidade de uma relação causal
somente pode ser provada metafisicamente, com base no fato de que o ser
não pode passar da potência ao ato sem uma causa em ato, conforme
discutido no Apêndice ao capítulo II sobre teoria da causalidade.
De qualquer modo, porém, com base neste princípio, para inferir a
existência de uma causa é necessário observar uma passagem da
potência ao ato; se não se observa este movimento, não se pode
inferir causalidade, não pelo menos com base neste princípio.
É assim que se faz em ciência no caso do calor. Se um corpo é
termicamente isolado e não passa da potência ao ato, isto é, não
aumenta de temperatura, mas quando deixa de estar termicamente isolado
aumenta de temperatura, daqui se infere que há uma causa exterior que
provoca o aumento da temperatura. Se o corpo aumenta ele próprio de
temperatura mesmo estando termicamente isolado, é porque a causa é
interna; o corpo ele próprio possui calor sob uma razão diversa de
outros corpos; o corpo é uma fonte de calor.
Quando transpomos este exemplo para o caso do ser verificamos que é
impossível fazer a mesma análise que fizemos no caso do calor, pois,
de fato, não se observam mudanças no ser das coisas no Universo.
Até o momento não se observou a criação de matéria no Universo;
não consta ninguém ter observado ente algum ter vindo do nada ao ser e
do ser ter passado ao nada. Pelo que diz a Metafísica tal passagem
é possível, mas o fato é que ela não tem sido observada. O ser
é, portanto, aparentemente estático. Quando uma coisa menos quente
se torna mais quente, muda de cor, muda de forma, o que ocorre são
alterações nos acidentes das coisas; mas uma verdadeira passagem do
nada ao ser ou do ser ao nada não tem sido observada em lugar algum.
Ao contrário, existe até uma lei da Química, a Lei de
Lavoisier, estendida atualmente pela Física sob forma de diversos
princípios de conservação, segundo a qual nada se cria e nada se
destrói, tudo apenas se transforma. Ninguém até o momento possui
qualquer prova de que isto é uma lei necessária. Trata-se apenas de
uma generalização do que se tem visto, não de uma afirmação
categórica de que nada pode ser criado nem destruído absolutamente
falando. Mas o fato é que tais fenômenos não têm sido observados
na natureza.
Parece, portanto, que com isto chegamos a um ponto morto. Embora
seja possível que o ser das coisas seja algo causado externamente, tal
causalidade parece não poder ser demonstrada porque para inferir
causalidade, em princípio, é necessário partir do movimento, isto
é, da passagem da potência ao ato.
Não obstante isso, há indícios notáveis desta causalidade. Se
fizéssemos uma fotografia do sistema solar com uma chapa sensível ao
infra vermelho, uma radiação emitida pelos corpos que varia em
frequência e intensidade de acordo com a temperatura em que eles
estão, observaríamos uma variação de colorido de acordo com a
gradação de temperaturas de cada região do sistema solar.
Observaríamos toda uma graduação de temperaturas que apontaria em
todos os locais para a mesma direção em que haveria um máximo de
temperatura; este máximo estaria na posição em que está situado o
Sol. De uma fotografia como esta poderia-se inferir que o Sol é a
causa de todas as temperaturas que existem no sistema solar. Mesmo que
se fotografasse apenas uma região do sistema solar sem o Sol,
observaríamos um gradiente de temperaturas que apontaria sempre na
mesma direção, isto é, na direção do Sol que não teria
aparecido na fotografia; daí também poderia-se inferir a
existência, naquela direção, de uma fonte de calor causa do calor
existente em todo o restante do sistema solar. Isto só não seria uma
verdadeira demonstração de que o Sol é a causa do gradiente de
temperatura observado porque está implícito na interpretação desta
chapa fotográfica que o calor já é um fenômeno conhecido e que,
quando analisado em seu movimento, demonstra-se manifestamente
tratar-se de um fenômeno causado por uma fonte, isto é, o calor
quando analisado não em uma única chapa fotográfica, mas em seu
movimento, é um fenômeno tal que manifestamente implica a existência
de seres que são fontes e seres que são quentes por causalidade
externa; esta informação, quando transposta para a fotografia, é
que causa a certeza de que o gradiente de temperatura implica
necessariamente na existência de uma fonte de calor no ponto de
temperatura máxima. De fato, podem-se dar muitos outros exemplos de
gradientes em que da simples presença do gradiente não se infere a
presença de uma fonte.
Vejamos o seguinte exemplo.
Há um deserto onde não chove, mas no qual passa um rio; nas margens
do rio os camponeses plantam trigo; quanto mais próximo à margem mais
alto e de melhor qualidade é o trigo. Há um gradiente de altura e de
qualidade do trigo. Disto não se pode inferir que existe, para além
do trigo mais alto, uma outra espécie de trigo, que seja um trigo
supereminente e do qual brota a trigalidade que é transmitida para o
trigal. Por que? Porque o trigo não é trigo por participação;
ser trigo é algo que provém da própria essência de cada trigo; cada
espiga de trigo é trigo plenamente, não em parte.
Porém, neste mesmo exemplo, pode-se perceber que o teor de umidade
do trigo próximo à margem do rio é mais elevado do que o teor de
umidade do trigo longe da margem; esta umidade é uma participação do
trigo no caráter da água; pode-se provar que o trigo é tal que esta
qualidade é causada e recebida de fora; portanto, a presença de um
gradiente de umidade aqui prova que, para além do trigo mais úmido,
deve existir uma fonte de água que seja úmida de uma maneira mais
eminente do que o próprio trigo, e que esta é a fonte e a causa da
umidade que existe no trigo. Tal fonte existe e é o próprio rio.
Portanto, quando olhamos uma fotografia do gradiente de temperatura no
sistema solar e inferimos que no ponto de temperatura máxima está um
Sol que é a causa do calor em todo o sistema solar, esta dedução
só é correta porque antes já tinhamos demonstrado o caráter
participativo e externamente causável do calor. Entretanto, mesmo
sem este conhecimento prévio da natureza do calor, uma fotografia como
esta é um indício fortíssimo de que provavelmente no ponto para onde
converge o gradiente há alguma coisa que é causa do gradiente. É o
exemplo de Tomás de Aquino que já citamos:
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"É manifesto que se alguém entra em uma casa
e na entrada da casa percebe calor,
e depois,
à medida em que se dirige
mais para o seu interior
sente mais calor e assim sucessivamente,
acreditará haver fogo dentro da casa,
mesmo se não puder ver o próprio fogo
que fosse a causa daqueles calores".
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Temos neste exemplo um gradiente de temperaturas; por qualquer lugar
da casa por que se entre, o gradiente aponta sempre na mesma
direção; há, portanto, uma região da casa em que deve haver uma
fonte de calor que seja mais quente do que todos as temperaturas
observadas.
A mesma coisa ocorre nas coisas. Entre os entes puramente materiais e
as inteligências há um gradiente no ser; tal gradiente aponta em uma
determinada direção, para uma fonte de ser que seja mais intensamente
ser e mais intensamente inteligente do que os demais seres que
observamos. Sem, porém, uma demonstração prévia da natureza
participativa do ser, sem que se demonstre antes que o ser é algo que
pode ser recebido e causado externamente, tal observação não passa
de um forte indício, de um argumento provável, mas do qual não se
pode dizer que seja uma demonstração certa.
Para ter, porém, esta demonstração do caráter externamente
causado do ser, teríamos que observar o movimento no ser enquanto
ser, o que não parece algo que nos seja concedido pela natureza. Com
isto caímos novamente no mesmo impasse.
Se considerarmos, porém, mais atentamente os argumentos
precedentes, poderemos observar que a teoria da causalidade neles
infere a existência da causa porque a potência não pode passar ao ato
sem a intervenção de uma causa em ato. Por sua vez, que a potência
passe ao ato, em cada caso em particular, é algo que é inferido a
partir do movimento, pois no movimento se dá uma passagem da potência
ao ato. Na verdade, até a própria divisão do ser em potência e
ato é inferida nos livros de Metafísica de Aristóteles a partir da
constatação do movimento. Disto se segue que a teoria da
causalidade, mais do que no movimento, tem seu fundamento último na
divisão do ser em potência e ato. A constatação do movimento é
apenas uma via de acesso para se inferir esta estrutura bipartida do ser
em potência e ato. Se fosse possível, portanto, demonstrar esta
estrutura bipartida em potência e ato do ser das coisas sem necessitar
tomar o movimento como ponto de partida, poderíamos disto deduzir o
caráter participativo e externamente causado do ser das coisas. Esta
inferência, transposta para a constatação da existência de graus no
ser das coisas, nos levaria à conclusão da existência de uma fonte
do ser de todos os entes que fosse uma causa primeira inteligente e
imaterial.
Não tentaremos, porém, esta via no presente trabalho; se o
fizéssemos, transformaríamos este texto de pedagogia numa obra de
metafísica. Em seu lugar tentaremos demonstrar o caráter
participativo e recebido por causalidade externa do ser das coisas de um
outro modo mais limitado mas mais acessível para as finalidades que
temos em vista.
De fato, considerada mais atentamente, verifica-se existir na
natureza uma movimentação no ser passível de observação.
Trata-se do ato da reprodução humana, em que a matéria inanimada
se converte em ser humano dotado de inteligência.
A inteligência assim produzida não é fruto do rearranjo na estrutura
da matéria como conseqüência do ato da fecundação. Se a
inteligência fosse apenas a própria matéria dotada de uma
disposição mais complexa, seria possível esperar que daqui a não
muitos anos se construísse um computador que se tornasse um filósofo
dotado de todas as qualidades descritas neste trabalho; um computador
capaz de uma vida contemplativa no mais alto grau e até mais, que
superasse em muito, pela ilimitada perfectibilidade de seus circuitos,
o maior grau de contemplação possível ao homem. Entretanto, tal
coisa não será possível, pois o computador é um ente puramente
material, e mostramos que a inteligência humana, para possuir as
qualidades que discutimos neste trabalho não pode sê-lo.
Corre na sociedade contemporânea como coisa certa que a inteligência
é apenas um fenômeno resultante de reações químicas processadas em
circuitos neuroniais, formalmente análogo ao funcionamento dos
circuitos internos de um computador eletrônico, mas com um maior
nível de complexidade. Ouve-se falar disto tantas vêzes que esta
concepção se torna, parafraseando S. Tomás de Aquino, um
costume que adquire força de natureza. Mas a verdade é que até hoje
não se produziu nenhuma evidência de que esta afirmação tenha
fundamento; todas as evidências apresentadas neste sentido apenas
apontam no sentido de que a imaginação é um produto de reações
químicas ocorridas em circuitos neuroniais, não a inteligência. Se
assim fosse, que se projete então, mesmo que seja a nível apenas
teórico, um programa de computador que seja capaz de ter consciência
de sua própria existência, que seja capaz de possuir uma percepção
total de sua própria atividade cognitiva, que seja capaz de apreender
a evidência dos primeiros princípios das demonstrações, e, mais
ainda, que seja capaz de apreender a idéia do ser, que é aquilo
sobre o qual se baseiam as operações anteriores. Qualquer pessoa que
conheça computação, ouvindo uma coisa destas, não saberia sequer
por onde começar um programa com estes objetivos, nem teria idéia
sobre que princípios teria que se basear para um dia poder vir a faze-
lo. Segundo a filosofia, trata-se de uma tarefa impossível, porque
operações como estas pressupõem a imaterialidade que nenhum circuito
eletrônico ou neuronal é capaz de possuir.
Há, portanto, no ato da reprodução humana, uma verdadeira
passagem da potência ao ato que envolve o ser enquanto tal; há uma
verdadeira elevação da temperatura e da intensidade do ser. Esta
elevação não pode ser causada internamente, pois o que é material
não pode produzir o que é imaterial; e se todo movimento da potência
ao ato pressupõe uma causa, e neste caso a causa não pode ser
interna, resulta que a causa é externa. Tal como nos exemplos de
gradiente de calor, portanto, deve existir uma fonte externa de ser
que possua aquilo que dela é causado de um modo mais eminente do que os
efeitos que ela causa. Esta fonte tem que possuir qualidades
intelectivas mais intensas do que as da inteligência humana, assim
como o calor do fogo é mais quente do que o calor do corpo que foi
esquentado.
Esta causa externa não poderia ser um reservatório de inteligências
que fossem acrescentadas à matéria, de tal maneira que a
inteligência fosse algo apenas externamente justaposto à matéria
quando da reprodução humana. Se fosse assim, o ser humano seria
apenas uma inteligência aprisionada na matéria, o que porém não é
o que se observa acontecer no caso do homem. O corpo do homem é tal
que exige por natureza a presença da inteligência. Dado um corpo
humano, a presença do elemento intelectivo é uma exigência interna
de sua própria natureza. Se assim não fosse, se a inteligência
humana fosse algo pré existente ao corpo e que fosse simplesmente
anexado ao corpo, nada impediria que pudesse haver alguma falha
fortuita deste processo de justaposição da inteligência ao corpo e
com isto se produzisse um corpo perfeito sem inteligência alguma. Um
corpo assim, perfeito, mas inteiramente destituído de inteligência,
poderia viver perfeitamente, pois o corpo do homem possui todos os
órgãos corporais que os demais animais possuem e os possui ainda mais
perfeitos. Portanto, se a inteligência fosse algo externamente
anexado a um corpo, se a um determinado corpo não se houvesse anexado
nenhuma inteligência, ainda assim este corpo poderia continuar vivendo
uma vida biológica tão perfeita quanto a de qualquer animal, embora
este corpo diferisse dos demais homens por estar inteiramente desprovido
de capacidades intelectivas. Um em cada determinado número de
indivíduos perfeitamente sadios do ponto de vista biológico, não
obstante sua sanidade biológica, seria inteiramente incapaz por toda a
sua vida de qualquer atividade intelectiva, por maiores que fossem os
esforços e mais intensas e prolongadas que fossem as terapias a que ele
fosse submetido. Nunca, porém, consta ter-se visto semelhante
fenômeno na história humana. A privação de capacidades
intelectivas está sempre associada a algum problema orgânico ou
genético; jamais se viu um corpo humano perfeitamente são e íntegro
do ponto de vista biológico ser incapaz de inteligir, nem se saberia
como provocar um tal fenômeno. De onde que deve-se concluir que a
inteligência humana não pode ser algo externamente justaposto ao
corpo; é, antes, uma exigência interna de sua própria essência.
Na reprodução humana, portanto, não há uma simples anexação da
inteligência à matéria; ao contrário, há um fenômeno de
verdadeira elevação na escala do ser; diversamente das demais
transformações da natureza, a reprodução humana não pode ser
explicada sem a introdução de um elemento que transcende a natureza da
matéria e da própria inteligência humana. Assim como quando uma
chapa de ferro é aquecida e passa de uma temperatura a outra a análise
mostra que o calor desta chapa é uma participação externamente
causada, tanto antes como depois do aquecimento, e há em jogo uma
chama que possui o calor como fonte de calor, assim também a
reprodução humana evidencia o caráter participativo e externamente
causado do ser da matéria e do ser da inteligência.
Evidencia-se com isto também que o ato da reprodução humana está
mais diretamente ligado à causa primeira do ser de todas as coisas, e
de um modo mais eminente, do que a própria ordem do restante do
universo. Pois a ordem do universo é conseqüência das inclinações
que se seguem às formas próprias de cada coisa; segundo afirma
Tomás de Aquino na quinta via, pode-se demonstrar daqui a
existência de uma causa primeira, mas isto não exclui o fato de que
esta ordem seja mediada pelas formas que constituem a essência das
coisas. Mas na reprodução do homem não existe forma intermediária
alguma à qual se possa seguir a geração do homem como se fosse uma
operação produzida por uma inclinação própria daquela forma; a
geração do homem pressupõe uma ação imediata da própria causa
primeira.
Do ato da reprodução humana pode-se inferir o caráter participativo
e externamente causado do ser de todas as coisas, e daí a existência
de uma fonte primeira do ser que está diretamente envolvido neste ato.
Desta fonte nós e todas as coisas recebemos o ser. Juntamente com o
ser, recebemos as inclinações próprias do ser, que produzem a ordem
do universo. Nesta ordem, todas as coisas procuram assemelhar-se à
causa primeira; o ser inteligente, em particular, faz isto pelo
movimento da inteligência, na medida em que intelige ao ser primeiro;
a própria ordem do universo lhe é meio para tanto, fazendo com isto
que o universo tenha, para com a inteligência humana, natureza de
espetáculo; o ser inteligente é tal que tende por natureza a admirar
este espetáculo e, mediante isso, alcançar a sua fonte; tal é o
seu fim último, ao qual tendem todas as suas potências, razão pela
qual este fim lhe é deleitabilíssimo; este fim é a sua própria
felicidade, não porque lhe é deleitabilíssimo, mas é-lhe
deleitabilíssimo por ser a sua felicidade; e nesta estrutura do
universo assim descrita repousam os fundamentos últimos da educação
humana.
Referências
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(7) Clemente de Alexandria: Stromata, L. VI, l. 2; PG, 237-8.
(8) Eisberg, R. e Resnick, R.: Quantum Physics of Atoms,
Molecules, Solids, Nuclei and Particles;New York, John
Wiley, 1974; C. 1-2.
(9) Aristóteles: Metafísica, IV, 3.
(10) Ibidem, IV, 4.
(11) Summa Theologiae, Ia, Q. 44 a.1; Quaestiones
Disputatae De Potentia, Q. 3 a.4.
(12) Summa Theologiae, Ia, Q. 2 a.3.
(13) Idem, loc. cit..
(14) Expositio super Symbolum Apostolorum, C. 1.
(15) Summa Theologiae, Ia, Q. 3 a. 4.
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