II. O QUE É A INTELIGÊNCIA.


1. O Argumento de Zenão.

Na época em que nasceu Sócrates havia duas tradições gerais na filosofia grega, aquela que se desenvolveu na Anatólia, a oriente da atual Grécia, iniciada por Tales de Mileto, e aquela desenvolvida a ocidente da Grécia, principalmente nas colônias gregas da península itálica, iniciada por Pitágoras, sob a forma de escolas de filosofia. O primeiro filósofo que chegou a Atenas foi Anaxágoras, preceptor de Péricles, vindo do oriente. Mais tarde, passaram por Atenas Parmênides e Zenão, vindos da Itália, alunos de membros das escolas pitagóricas.

A doutrina de Parmênides, que ele costumava demonstrar apenas por argumentos gerais e abstratos, dizia que não existia na realidade senão um único ser, simples, indivisível e imutável, e que toda a multiplicidade e vir a ser observada no cosmos era apenas uma ilusão. Zenão desenvolveu copiosa lista de argumentos menos abstratos que procuravam demonstrar, por redução ao absurdo, a impossibilidade da existência do movimento e da multiplicidade no cosmos.

Um dos argumentos de Zenão contra a multiplicidade dos seres é o seguinte: se existem muitos seres, o seu número terá que ser finito ou infinito, porque nada pode ser ao mesmo tempo finito e infinito. É fácil, porém, ver que a quantidade de seres existentes no cosmos terá que ser finita em seu número, porque os seres que existem não podem ser nem mais nem menos do que o número que são. Porém, ao mesmo tempo, o número das coisas existentes tem que ser infinito, porque a existência de cada coisa a que denominamos uma unidade e que contamos como sendo um ser individual é, na realidade, não um, mas um número infinito de seres, porque cada uma das coisas existentes pode ser dividida em duas, e cada uma destas duas em outras duas e assim por diante, até o infinito. Daqui se conclui que, se não admitimos que exite na realidade apenas um único ser indivisível e que toda a multiplicidade que vemos no cosmos é apenas uma ilusão, somos obrigados a afirmar que o número dos entes que existem é ao mesmo tempo finito e infinito. O que é impossível. Portanto, a multiplicidade dos seres não existe e é apenas ilusão dos sentidos.

A reação dos atenienses diante deste e de muitos outros argumentos desenvolvidos por estes filósofos foi entusiástica, não porque aceitassem a doutrina que eles continham, mas pelo fascínio que esta técnica de argumentação propiciava ao cenário político da democracia ateniense, onde quem falasse mais convincentemente em público curvaria a votação da maioria do povo a seu favor. E se havia pessoas que possuíam técnicas de tornar verossímeis teses até aquele momento inteiramente impensáveis pelo comum dos homens, quem dominasse esta técnica seria detentor de um importante trunfo na condução do destino político ateniense. Daí surgiu pouco tempo depois uma corrente filosófica decadente característica do ambiente ateniense a que se denominou de sofista.