6. Comentários sobre a existência da utilidade agradável.

Mas é coisa muitíssimo digna de investigação por que Deus teria querido criar estas coisas que previa que não haveriam de ser necessárias para o homem, se tudo fez por causa do homem? Saberemos isto mais rapidamente se refletirmos sobre a causa e o modo da criação do homem.

Deus fez o homem por causa de si mesmo, e criou todas as outras coisas por causa dos homens. Fez o homem por causa de si mesmo, não porque precisasse do homem, mas porque nada podendo dar de melhor, para que se desse a si mesmo em fruiçao ao homem; as outras criaturas foram feitas para que fossem sujeitas ao homem por condição e servissem à sua utilidade. O homem, portanto, como que colocado em uma posição intermediária, tem acima de si a Deus, e abaixo de si ao mundo. Pelo corpo, está unido inferiormente ao mundo; pelo espírito, se eleva a Deus. Foi, porém, necessário que a criação das coisas visíveis fosse ordenada de tal modo que o homem nelas conhecesse exteriormente qual seria bem invisível que deveria buscar interiormente, isto é, que visse abaixo de si aquilo que deveria apetecer acima. Não era, pois, conveniente que a multidão das coisas sensíveis estivesse submetida em parte alguma ao defeito, já que por causa disso foi principalmente instituída, para que anunciasse a riqueza inestimável dos bens eternos. Por este motivo Deus quis também criar aquelas coisas que previa que não seriam necessárias ao uso do homem: se tivesse querido apenas o necessário, seria., de fato, bom, mas não seria rico. Acrescentando, porém, às necessárias também as cômodas, mostrou as riquezas de sua bondade; as cômodas, agraciadas com o acréscimo das côngruas, demonstram a abundância da divina bondade; mas ao depois acrescentar às côngruas também as agradáveis, o que faz senão tornar conhecida a superabundância das riquezas de sua bondade?