|
Mas há ainda algo mais. Nós vimos os testemunhos dos escritores antigos sobre o caráter
e a personalidade dos filósofos pré-socráticos. Em particular vimos a nobreza de
caráter com que Plutarco descreveu a Anaxágoras e como estes traços passaram para
Péricles que foi seu discípulo. Consta que muitas das maiores personalidades da
Grécia antiga foram discípulos ou grandes amigos destes filósofos. Vimos também
como os alunos das escolas fundadas por Pitágoras eram implorados para serem
conselheiros dos estadistas da época. Não temos relatos mais detalhados sobre esta
faceta dos pré-socráticos, mas baseados nos filósofos posteriores, somos levados a ter
a certeza de que estes filósofos que se dedicavam à contemplação intelectual da
natureza no sentido em que tentamos esboçar cultivavam a educação da personalidade
dos seus discípulos. Na verdade, uma atividade não meramente visual, mas de cunho
intelectivo como era a vida contemplativa que eles levavam seria impossível de ser
levada a efeito mesmo por breve tempo, quanto menos por uma vida, por uma pessoa
de caráter egoísta, impaciente, repleta de maus instintos e ambições as mais diversas.
Todos os filósofos posteriores a Sócrates tinham bem claro que não era possível
desenvolver as capacidades intelectuais dos seus discípulos sem desenvolver-lhes
paralelamente ou mesmo previamente as virtudes morais. A verdadeira vida intelectual
no sentido filosófico é impossível sem o desenvolvimento moral prévio do homem. O
simples aprendizado de uma arte ou de um ofício, ou a aquisição de uma cultura geral
que permita uma convivência social, como ocorre atualmente, não carrega consigo esta
exigência imprescindível de uma educação integral do homem. Mas o contrário deve
ser dito quanto aos objetivos intelectuais dos pré-socráticos e da filosofia em geral,
pelo menos em seu período clássico. É assim que, de acordo com um testemunho de
Platão em relação aos pré-socráticos, assim que os homens começaram a se dedicarem
à contemplação do céu no sentido em que viemos expondo, aprenderam também a
disciplina interior do espírito.
Diz, de fato, Platão no Diálogo conhecido pelo nome de Timeu, que
|
"de todas as especulações que atualmente
se podem fazer sobre o mundo,
nenhuma teria sido possível
se os homens não tivessem visto
nem os astros, nem o Sol, nem o Céu.
Porém, na situação efetiva,
existem o dia e a noite,
os equinócios, os solstícios,
coisas que nos deram
o conhecimento do número
e nos permitiram especular sobre
a essência do Universo.
Graças a isso foi-nos dada
esta espécie de ciência,
da qual pode-se dizer
que nenhum bem maior
foi jamais dado ao homem.
O motivo pelo qual Deus criou a visão
foi o seu pré conhecimento de que,
tendo nós humanos observado
os movimentos periódicos e regulares
da inteligência divina,
poderíamos fazer uso deles em nós mesmos;
tendo estudado a fundo
estes movimentos celestes,
que são partícipes da retidão
da inteligência divina,
poderemos então ordenar por eles
nossos próprios pensamentos,
os quais,
deixados a si mesmos,
não cessam de errar".
|
|
São Paulo, 8 de maio de 1989
|
|