CAPÍTULO 22

Se, portanto, aprendemos por meio do Apóstolo que há um Israel segundo a carne e outro segundo o espírito, quando o Salvador nos diz que

"Eu não fui enviado senão às ovelhas desgarradas da casa de Israel",

Mt. 15, 24

não mais podemos entender esta passagem como aqueles que só conhecem o que é terreno, isto é, como por exemplo os Ebionitas, os quais também são chamados de pobres pelo mesmo nome. Ebion, de fato, significa pobre entre os hebreus. Devemos entender que há um outro gênero de almas que são também chamadas de Israel, segundo o significado de seu próprio nome, pois Israel significa `a mente que vê a Deus', ou `o homem que vê a Deus'.

O Apóstolo revela igualmente coisas deste mesmo gênero sobre Jerusalém quando nos diz que

"aquela Jerusalém, que é de cima, é livre e é nossa mãe".

Gal. 4, 26

Sobre Jerusalém, em outra de suas epístolas, nos diz também o seguinte:

"Vós, porém, aproximaste-vos do monte Sião e da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste e da multidão de muitos milhares de anjos, e da Igreja dos primogênitos, que estão inscritos no céu".

Heb. 12, 22-23

Se, portanto, há algumas almas neste mundo que são chamadas de Israel, e no céu há uma cidade que é chamada de Jerusalém, seguir-se-á que estas cidades que são ditas do povo de Israel tenham como metrópole a Jerusalém celeste e que deste modo também entendamos de toda Judá. É delas que consideramos que os profetas falaram quando, através de místicas narrativas, profetizaram algo da Judéia ou de Jerusalém, ou quando algumas santas histórias relatam ter acontecido este ou aquele gênero de invasão na Judéia ou em Jerusalém.

Tudo, portanto, o que é narrado ou profetizado de Jerusalém e de todos os lugares ou cidades que são ditos cidades da terra santa, cuja metrópole é Jerusalém, se escutarmos as palavras de Paulo como sendo palavras do Cristo que, segundo a sentença do próprio Apóstolo, nele fala, devemos entende-lo como referindo- se àquela cidade que ele chama de Jerusalém celeste.

Deve-se considerar que o Salvador nos queria estimular a uma inteligência mais elevada destas mesmas cidades quando prometeu, aos que tivessem dispensado bem o dinheiro que lhes havia sido confiado, que teriam poder sobre dez cidades (Lc. 19, 17), ou sobre cinco cidades (Lc. 19, 19).

Se, portanto, as profecias que foram feitas sobre Judá e Jerusalém, e também sobre Judá, Israel e Jacó, quando não as entendemos carnalmente, significam mistérios divinos, conseqüentemente também aquelas profecias que foram proferidas sobre o Egito ou sobre os egípcios, sobre Babilônia ou sobre os babilônios ou sobre Sidônia e os sidonitas não devem ser entendidas como profetizadas deste Egito, desta Babilônia, deste Tiro, ou desta Sidônia que estão colocados na terra. As coisas que o profeta Ezequiel profetizou de Faraó rei do Egito (Ez. 29- 32) não podem convir a nenhum homem que pudesse ter reinado no Egito, assim como manifestamente o indica o próprio texto da leitura. Semelhantemente, as coisas que são ditas do príncipe de Tiro não podem ser entendidas terem sido ditas de algum homem ou rei de Tiro. E quanto a Nabucodonosor, as coisas que nas Sagradas Escrituras dele estão escritas em muitos lugares, principalmente em Isaías, como será possível que as entendamos como ditas de um homem? Não pode ser um homem aquele do qual se diz

"ter caído do céu, luzeiro resplandecente, que brilhava ao nascer do dia".

Is. 14, 12

E as coisas que são ditas em Ezequiel sobre o Egito, como aquela segundo a qual esta nação seria exterminada durante quarenta anos de tal maneira que nela não se encontraria pé de homem (Ez. 29, 11), e que seria expugnada a tal ponto que por toda a sua terra o sangue humano ter-se-ia elevado até os joelhos, não sei se alguém que tenha inteligência poderia entendê-lo como referindo-se a esta terra do Egito adjacente à Etiópia.

Deve-se, portanto, examinar se é possível entender com mais dignidade que, assim como existe a Jerusalém e a Judéia celeste e, sem dúvida, também um povo que habita nela, que é dito Israel, assim também será possível que vizinhos a estes lugares haja outros que pareçam chamar-se Egito, Babilônia, Tiro ou Sidônia, e que os príncipes destes lugares e as almas que neles habitam possam ser chamados de egípcios, tirenses e sidônios. E que, segundo a vida que ali conduzem, será um cativeiro aquele pelo qual dizemos a Judéia ter descido à Babilônia ou ao Egito como que proveniente de lugares melhores e superiores, ou ter sido dispersa entre outros povos.