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Aprendemos a conhecer melhor o embrião humano, isto é, o homem
desde a sua concepção. Talvez agora tenhamos maior estima e
assumamos o dever de ter maior respeito por ele. Não são poucos nem
de pouco valor os assuntos sobre os quais refletimos, para aprendermos
a amar o ser humano recém concebido.
Entretanto, o comportamento de muitas pessoas é ainda demasiado
superficial ou mesmo insuficiente no tocante aos conhecimentos
necessários, científicos e antropológicos, pois todo método
contraceptivo é freqüentemente considerado, e de maneira errônea,
isento de qualquer perigo para o embrião. É necessário examinar
melhor este ponto.
Constata-se uma boa dose de confusão já a partir do uso que
comumente se faz do termo contracepção, até mesmo na própria
literatura médica. Parece-nos, portanto, correto precisar, antes
de mais nada, em que casos um método pode objetivamente ser denominado
contraceptivo. Em síntese, podemos dizer que a contracepção visa
exclusivamente impedir a união do espermatozóide e do óvulo e,
conseqüentemente, a fecundação e a concepção de um novo ser
humano, tornando infecunda uma relação conjugal. O termo
contraceptivo tem, deste modo, um significado unívoco que expressa e
ao mesmo tempo realiza uma determinada ação preventiva da
concepção.
Ora, a confusão nasce do fato de que esta palavra, contracepção,
é comumente empregada não somente para as técnicas contraceptivas
propriamente ditas, mas também para métodos ou produtos químicos,
sem dúvida alguma abortivos ou pelo menos abortivos em uma porcentagem
variável.
Exatamente pelo respeito a que o recém concebido tem direito, é
necessário tomar consciência de que grande parte da chamada
contracepção age sobretudo ou de alguma forma como um mecanismo
abortivo. Nestes casos o mecanismo de ação trata, na realidade, de
impedir que o embrião possa implantar-se na mucosa uterina, ou que a
gravidez possa prosseguir depois que ocorrer a implantação.
Tais técnicas raramente são consideradas abortivas por quem as
divulga, ou porque o termo aborto acaba sendo aplicado a uma
específica interrupção voluntária da gravidez por via cirúrgica ou
intervenções semelhantes em uma fase mais avançada da gestação, ou
porque se quer evitar que a mulher que delas se utiliza "pense muito no
assunto". Prefere-se então chamá-las de técnicas
"interceptivas", quando estas interceptam o embrião, impedindo que
se implante na mucosa uterina, ou de técnicas "contragestativas",
quando estas impedem o prosseguimento normal da gestação após a fase
inicial da implantação.
Em vista das afirmações que já fizemos anteriormente, não podemos
admitir diferenças de valor nas várias etapas do desenvolvimento do
embrião humano. O homem é sempre sujeito de direito à vida e de
respeito, desde a sua concepção. Por isso chamamos de aborto a toda
e qualquer interrupção provocada no processo evolutivo do recém
concebido, inclusive as formas de interrupção nos estágios
iniciais.
Há dois tipos gerais de pílulas anticoncepcionais. Algumas,
conhecidas como "minipílulas", possuem apenas progesterona em sua
fórmula; outras, conhecidas como "pílulas combinadas", contém em
sua fórmula uma combinação de estrógeno e progesterona.
A minipílula é um produto administrado por via oral composto de
pequenas doses de um progesterona somente. É tomada todos os dias do
ciclo, mesmo durante a menstruação. A ausência do estrógeno
explica a freqüente persistência dos ciclos ovulatórios. Nas
mulheres que fazem uso na minipílula a presença da ovulação é
estimada em ao menos sessenta a setenta por cento dos ciclos.
Também neste produto, o mecanismo de ação se explica principalmente
no nível da mucosa uterina, que apresenta uma transformação
atípica. A administração do progesterona, com esta dosagem e
freqüência, provoca uma atrofia progressiva do endométrio e impede a
seqüência fisiológica da fase proliferativa para a fase secretora,
necessária à implantação do embrião. Desse modo acontece o efeito
abortivo.
Uma confirmação ulterior deste efeito é dada pelo fato de
assinalar-se uma elevada incidência de gravidez ectópica, sobretudo
entre as mulheres que ingerem noretisterona (3).
Já a pílula combinada baseia-se no uso de estrógeno e progesterona
associados, administrados por via oral. O tratamento inicia-se,
normalmente, no primeiro dia do ciclo, e a pílula é tomada durante
vinte e um dias consecutivos.
O estrógeno mais largamente utilizado neste tipo de associação é o
etinilestradiol. Quanto ao progesterona, são mais usados os
derivados do 19-Nortestosterona (levonorgestrel, noretisterona,
noretinodrel, etc.). Mais recentemente vêm sendo empregados o
acetato de ciproterona, o desogestrel, o gestodene, o norgestimate,
com a finalidade de reduzir os efeitos colaterais androgênicos.
A fim de poder reduzir os outros numerosos efeitos colaterais
indesejáveis, e por vezes graves, dos estroprogesteronas, nos
últimos anos vem sendo progressivamente reduzida a dose dos hormônios
empregados, especialmente do estrógeno, nas diversas associações
disponíveis no mercado.
A intenção original dos pesquisadores era impedir totalmente a
ovulação com a administração de elevadas doses de estrógenos e
progesterona. O bloqueio da ovulação acontecia com a inibição dos
releasing fators hipotalâmicos que regulam a produção hipofisária
dos hormônios FSH e LH, e a supressão do pico do LH e da
ovulação.
Mas devido à grave incidência de efeitos colaterais causados, como
já dissemos, pela dosagem hormonal empregada, sobretudo do
estrógeno, o conteúdo hormonal e, especialmente, o estrogênico,
foi sendo reduzido. Desse modo, a produção de FSH e LH e,
conseqüentemente, a ovulação, não é sempre inibida. Não
obstante a ingestão da pílula, ficou demonstrado que a ovulação
ocorre igualmente em uma porcentagem que gira em torno de sete a dez por
cento (4). As provas da ocorrência da ovulação foram fornecidas
a partir de 1983, seja por via histológica, seja por análises
bioquímicas (5). É demonstrado que, ao lado da ação inibitória
da ovulação, a pílula estro-progestágena intervém em dois outros
níveis de do aparelho genital feminino: a mucosa uterina, também
chamada de endométrio, torna-se inadequada para a implantação do
embrião, ainda que se verifiquem a ovulação e a fecundação; e a
motilidade da trompa é alterada, interferindo na passagem do
embrião, que desse modo não chega em tempo hábil ao endométrio
(6).
Devemos dar maior atenção ao primeiro dos dois níveis citados. De
fato, observam-se na mucosa uterina dois tipos de modificações: o
regressivo-atrófico, se na pílula predominar a quantidade de
progesterona, e o proliferativo, se na pílula predominar a quantidade
de estrógeno. Em ambos os casos, as modificações do endométrio
impedem a implantação do embrião, embora se verifiquem a ovulação
e a fecundação. É este o mecanismo de ação abortivo da pílula,
em particular daquela com baixa dosagem de estrógenos.
Quanto às mudanças no sentido regressivo, é preciso acrescentar que
estas progridem à medida que o uso do produto é prolongado. Pode-se
observar a chamada secreção rígida, em cuja presença as glândulas
endometriais se restringem, perdem sua funcionalidade secretora e
assumem um aspecto atrófico, e o estroma apresenta uma reação
pseudo- decidual. O endométrio já não passa pelas modificações
fisiológicas cíclicas da fase proliferativa para a secretora que
garantiriam a implantação do embrião e, com o bloqueio da fase
secretora, a implantação do embrião no endométrio torna- se
impossível (7).
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