|
Se tivéssemos que dizer em poucas palavras o que se quer significar
com aquilo a que se chama de contemplação, possivelmente a mais
perfeita de todas as explicações que já foram dadas até hoje, mas
que, ainda assim, é insuficiente para dar ao leitor uma idéia do
tamanho da riqueza da realidade que com isto se descreve, é aquela que
nos foi deixada por Jesus no quarto capítulo do Evangelho de São
João. Neste capítulo São João nos conta que Jesus, sentado à
beira de um poço, viu aproximar-se dele uma samaritana que lhe
dirigiu a seguinte pergunta:
|
"Senhor, vejo que és profeta.
Responde, então, à minha pergunta:
os samaritanos adoram sobre este monte,
mas os judeus dizem que é em Jerusalém
o lugar onde se deve adorar a Deus.
Quem está certo?"
|
|
Jesus responde-lhe:
|
"Mulher, crê-me que é chegada a hora
em que não adorareis o Pai
nem neste monte,
nem em Jerusalém.
A salvação vem dos judeus,
mas vem a hora,
e já chegou,
em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e verdade,
porque é destes adoradores que o Pai deseja".
|
|
A adoração em espírito e verdade de que fala Jesus é uma
expressão felicíssima para designar aquilo que na tradição cristã
tem sido chamado também de contemplação. Por espírito entende-se
a atuação dos dons do Espírito Santo, que é a causa da
contemplação nas almas que, pela fé em Cristo, vivem em estado de
graça e se purificaram através da vida das virtudes; pela verdade
entende-se o próprio objeto da contemplação. Neste sentido, a
contemplação é algo que se manifesta no homem quando, pelo auxílio
da graça que nos chega através de Cristo, pela perfeita renúncia a
si mesmo, por uma profunda e contínua prática das virtudes, pelo
estudo, pela reflexão e pela oração, é concedida ao homem a
possibilidade de um exercício intenso e simultâneo das virtudes
teologais da fé, esperança e caridade, que é aquilo que se chama de
contemplação.
Pode-se perceber, através desta explicação suscinta, que a
contemplação é algo que se torna possível ao homem após uma
profunda e prolongada prática da vida espiritual, resumidamente
abarcada pelas expressões de renúncia a si mesmo, prática das
virtudes, estudo, reflexão e oração. Os diversos modos como estas
coisas podem ser exercidas e combinadas de forma coerente entre si
constituem aquilo a que se chama de espiritualidade; o objetivo delas,
o exercício intenso e simultâneo das virtudes teologais da fé,
esperança e caridade, que é a contemplação, é um mesmo objetivo
para todas.
Pode-se perceber, também, pelo que foi dito, que o desenvolvimento
da vida espiritual pode dividir-se, em linhas gerais, em duas
partes. A primeira, que difere segundo cada escola de
espiritualidade, é aquela cuja descrição genérica foi abarcada
pelas expressões de renúncia, virtude, estudo, reflexão e
oração; a isto chama-se de ascese. A segunda é aquela em que a
principal característica é a manifestação predominante da realidade
a que se chama de contemplação. Na vida espiritual corretamente
ordenada a primeira parte se orienta para a segunda.
|
|