CAPÍTULO 11

Retornando, porém, ao nosso assunto, conforme começávamos a dizer, julgamos que a via que nos parece ser reta para entender as Escrituras e buscar o seu sentido é aquela que no-la é ensinada pela própria Escritura quando esta nos mostra como devemos sentir sobre ela mesma.

No livro de Provérbios encontramos Salomão ter preceituado o seguinte sobre a consideração da Sagrada Escritura:

"E tu",

diz ele,

"descreve para ti estas coisas três vezes, em conselho e ciência, para que respondas as palavras da verdade aos que as propuserem a ti".

Pr. 22, 20-21

Cada um, portanto, deve descrever três vezes em sua alma a inteligência das letras divinas.

Deve fazê-lo, primeiro, para que os mais simples sejam edificados pelo próprio corpo das Escrituras, por assim dizer. É deste modo que chamamos ao entendimento comum e histórico.

Se, porém, eles já começam a adiantar-se um pouco, de tal modo que possam entender algo mais profundamente, que sejam edificados também pela própria alma das Escrituras.

Quanto aos que, porém, forem perfeitos e semelhantes àqueles de quem diz o Apóstolo:

"Não obstante, é a sabedoria que pregamos entre os perfeitos; não, porém, uma sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que serão destruídos; mas falamos da sabedoria de Deus encoberta no mistério, e que Deus predestinou antes dos séculos para a nossa glória";

I Cor. 2, 6-7

que sejam estes edificados, como que pelo seu espírito, pela própria lei espiritual que possui a sombra dos bens futuros.

Assim como o homem é dito ser constituído de corpo, alma e espírito, assim também o é a Sagrada Escritura que pela liberalidade divina foi concedida para a salvação dos homens.

Tudo isto pode ser visto assinalado também no livro chamado "O Pastor", que parece ser desprezado por alguns. Nele, com as seguintes palavras, está escrito ter sido ordenado a Hermas que escreva dois livros, e que depois anuncie aos presbíteros da Igreja aquilo que aprendeu pelo Espírito:

"Escreve",

diz o livro,

"dois livros, e darás um a Clemente, e outro a Grapte. Que Grapte advirta as viúvas e os órfãos. Clemente seja enviado por todas as cidades de fora. Tu, porém, as anunciarás aos presbíteros da Igreja".

L. 1 Vis. 2, 4

Grapte, ao qual se ordena que advirta os órfãos e as viúvas, é o puro entendimento da própria letra, pela qual são advertidas as almas infantis que ainda não mereceram ter Deus como pai, e que por causa disso são chamados de órfãs. Já as viúvas são aquelas que se separaram do homem iníquo ao qual foram unidas contra a Lei, permanecendo, todavia, viúvas, pelo fato de ainda não se terem unido ao esposo celeste.

A Clemente ordena-se que envie as coisas que foram ditas às cidades de fora, que são aqueles que já se afastam da letra, aquelas almas que começaram a ser edificadas fora dos cuidados do corpo e além dos desejos carnais.

Aquilo que, porém, Hermas aprendeu do Espírito Santo, não por letras, nem por livros, mas por viva voz, é-lhe ordenado que o anuncie aos presbíteros da Igreja de Cristo, isto é, aos que possuem um maduro sentido da prudência capaz da doutrina espiritual.