3. O PAPEL DO MESSIAS NAS PROFECIAS SOBRE O MONTE SIÃO.

Nas profecias que acabamos de citar fala-se apenas sobre o Monte Sião, ou de Jerusalém. Há, porém, uma série de outras em que estes mesmos fatos que foram aí anunciados são vinculados ao aparecimento do Messias.

Assim, em Is. 25 (o ítem 2f acima), o profeta diz que no Monte Sião Deus quebraria a cadeia que tinha ligado todos os povos, as redes estendidas contra todas as nações e o opróbio de seu povo sobre toda a terra. Em Is. 9 o mesmo profeta diz que isto aconteceria graças a um menino que nasceria e se sentaria sobre o trono de Davi, cujo reino não teria fim e teria o título não só de Príncipe da Paz, mas também de Deus Forte:

"O povo, que andava nas trevas, viu uma grande luz; aos que habitavam na região da sombra da morte nasceu-lhes o dia. Tu quebraste o pesado jugo que o oprimia e a vara que lhe rasgava as espáduas e o cetro de seu exator, como o fizeste na jornada de Madian. Porque um menino nasceu para nós, e um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu ombro, e será chamado Admirável, Conselheiro, Deus Forte, Pai do Século Futuro, Príncipe da Paz. O seu império se estenderá cada vez mais, e a paz não terá fim; sentar-se-á sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o firmar e fortalecer pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre".

Is. 9, 2-7

Vimos também que em Is. 65 (o ítem 2B acima), o profeta diz que no Monte Sião o lobo e o cordeiro pastarão juntos, o leão e o boi comerão palha e que não haveria ali quem fizesse o mal. Em Is. 11 o mesmo profeta diz que tudo isto aconteceria quando uma flor brotasse da raíz de Jessé. Jessé, para os que não se lembram, foi o pai de Davi. Esta flor, que será o Messias, será um homem, pois sobre ela esta profecia diz que repousarão os sete dons do Espírito Santo que o profeta passa a enumerar, e então sucederão todas as coisas que em Is. 65 se havia afirmado que haveriam de suceder no Monte Sião, porque, nas palavras de Isaías, graças à vinda do Messias, "a terra estaria cheia da ciência do Senhor":

"E sairá uma vara do tronco de Jessé, e uma flor brotará de sua raíz. E repousará sobre ele o Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e fortaleza, espírito de ciência e de piedade, e será cheio do espírito de temor do Senhor. Ferirá a terra com a vara de sua boca, e matará o ímpio com o sopro de seus lábios. O lobo habitará com o cordeiro e o leopardo se deitará ao pé do cabrito; o novilho, o leão e a ovelha viverão juntos, e um menino pequeno os conduzirá. O novilho e o urso irão comer às mesmas pastagens; as suas crias descansarão umas com as outras; o leão comerá palha com o boi, a criança de peito brincará sobre a toca do áspide e na caverna do basilisco meterá a sua mão a que já estiver desquitada. Eles não farão dano algum, nem matarão em todo o meu santo monte, porque a terra estará cheia da ciência do Senhor, assim como as águas do mar que a cobrem".

Is. 11, 1-9

Em Is. 60 e 43 (ítens 2D e 2E acima), o profeta afirmou que os filhos de Jerusalém surgiriam de todos os lados e que Deus chamaria os seus filhos de países remotos e das extremidades da terra. Na continuação da profecia de Is. 11 que acabamos de citar, o profeta diz que isto acontecerá quando o rebento da raíz de Jessé, que já vimos ser uma expressão que o profeta usa para referir-se ao Messias designando sua descendência de Davi, for posto como estandarte diante de todos os povos. Então Deus reunirá os dispersos de Judá dos quatro cantos da terra:

"Naquele dia o rebento da raíz de Jessé, que está posto por estandarte dos povos, será invocado pelas nações, e será glorioso o seu sepulcro. E o Senhor levantará o seu estandarte entre as nações, e juntará os fugitivos de Israel, e reunirá os dispersos de Judá dos quatro cantos da terra".

Is. 11, 10-12

Quase a mesma coisa o profeta repete em Is. 49:

"Isto diz o Senhor Deus: Eis que levantarei para as nações a minha mão, e arvorarei entre os povos o meu estandarte. E então trarão os teus filhos nos braços, e levarão as tuas filhas sobre os ombros, e serão tirados ao homem forte os que ele tiver feito cativos e ao valente os que ele tiver tomado".

Is. 49, 22-25

Em Is. 18 o profeta ainda afirma que todos os habitantes da terra veriam este estandarte, ouviriam o som da trombeta e então levariam oferendas ao Senhor no Monte Sião. Como o estandarte é o Messias, subentende-se que a trombeta seja a sua manifestação ou pregação, conforme haviamos dito na introdução a estas notas:

"Ide, mensageiros velozes, a uma nação dividida e despedaçada; a um povo terrível, o mais terrível de todos; a uma nação que está esperando, cuja terra é cortada pelos rios. Vós todos, habitantes do mundo, que morais sobre a terra, quando for levantado o estandarte sobre os montes, vós todos o vereis, e ouvireis a som da trombeta. E então naquele tempo serão levadas oferendas ao Senhor dos exércitos por um povo dividido e despedaçado, por um povo terrível, o mais terrível de todos, por uma nação que está esperando, e que é calcada aos pés e cuja terra é cortada pelos rios, ao lugar do nome do Senhor dos exércitos, ao monte Sião".

Is. 18, 2-3, 7

Em Is. 32 o profeta também afirma que o Messias não reinará sozinho, mas terá prícipes que reinarão com retidão. Cada um deles seria como arroios de águas na sede e, através deles, o coração dos insensatos entenderia a ciência. Encontramos afirmações semelhantes a estas no Apocalipse, quando Cristo afirma que aos que praticassem suas obras até o fim, Ele lhes daria poder sobre as nações, como também o próprio Cristo o havia recebido de seu Pai (Apoc. 2, 26-27) . Segundo uma interpretação muito bela de Ricardo de São Vitor no seu Comentário ao Apocalipse, isto significa que

"No Apocalipse Cristo promete que

`Àquele que praticar as minhas obras até ao fim',

isto é, até o fim da vida ou até o fim da consumação da justiça,

`lhe darei poder sobre as nações',

isto é, sobre as gentes, os gentios, ou aqueles que vivem como os gentios, afastados da graça e da santidade, porque os que vivem como os gentios inevitavelmente ou serão inteiramente condenados pelos juízos daqueles que são consumados na justiça ou serão transformados em melhores pela sua palavra. Aquele que cuida de alcançar a perfeição da santidade, este é, pois, de fato, digno de reger aos demais. Cristo porém acrescenta:

`Como eu também o recebi de meu Pai',

porque do Pai Cristo recebeu, segundo a sua humanidade, o poder de reger, e isto que Ele possui em plenitude, os eleitos também o possuem por uma participação desta plenitude".

PL. 196, 727-8

Ora, esta interpretação nada mais é do que aquilo que o próprio Isaías profetizava no trigésimo segundo capítulo de seu livro:

"Eis que um rei reinará com justiça, e os seus príncipes reinarão com retidão. E cada um deles será como um refúgio contra o vento, e um abrigo contra a tempestade. Serão como arroios de águas na sede, e como a sombra de uma alta rocha em terra árida. Não se ofuscarão os olhos dos que vêem, e os ouvidos dos que ouvem escutarão atentamente. O coração dos insensatos entenderá a ciência, e a língua dos tartamudos se exprimirá com prontidão e clareza. Não mais se dará ao insensato o nome de príncipe, nem ao fraudulento o de grande, porque o insensato diz loucuras e seu coração pratica a iniqüidade, para deixar vazia a alma do faminto e tirar a bebida ao que tem sede. Mas este príncipe terá pensamentos dignos de um príncipe, e ele mesmo estará vigilante sobre os chefes".

Is. 32, 1-8

Em consonância com o afirmado em Is. 32, em Is. 66 o profeta diz que quando Deus estebelecesse entre os homens o seu estandarte, enviaria os seus eleitos como mensageiros a todas as nações do mundo para que anunciassem a glória de Deus àqueles que nunca tivessem ouvido falar dela. Note-se que, segundo Isaías, a glória do Senhor procede do Monte Sião (Is. 60, 1), onde o próprio Senhor habita (Is. 8, 18). Estes mensageiros, ao anunciarem aos povos longínquos a glória do Senhor, trariam em seguida estes mesmos povos carregados em liteiras ao monte santo de Jerusalém como uma oferta a Deus:

"E porei entre eles um estandarte, e os que dentre eles forem salvos, eu os enviarei às nações de além mar, à África, à Lídia, cujos povos atiram com setas, à Itália e à Grécia, às ilhas longínquas, àqueles que nunca ouviram falar de mim, nem viram a minha glória. E eles anunciarão a minha glória às gentes e farão vir todos os vossos irmãos convocados de todas as nações como um presente para o Senhor, em cavalos, e em carros, e em liteiras, e em machos, e em carretas, ao meu santo monte de Jerusalém, diz o Senhor, como quando os filhos de Israel levam uma oferta num vaso puro à casa do Senhor. E eu escolherei dentre eles para sacerdotes e levitas, diz o Senhor".

Is. 66, 19-21

Como será feito o anúncio da glória do Senhor às nações por parte daqueles que forem salvos onde Deus levantar o seu estandarte é algo descrito em Is. 31:

"Descerá o Senhor dos exércitos para pelejar sobre o monte Sião e sobre a sua colina.

E naquele dia cada um lançará fora os seus ídolos de prata, e os seus ídolos de ouro, que vós fabricastes com as vossas mãos para pecardes.

E Assur cairá ao fio da espada, mas não da espada de um homem, pois a espada que o há de transpassar será espada, mas não de nenhum homem.

Assim disse o Senhor, que tem o seu fogo em Sião, e a sua fornalha em Jerusalém".

Is. 31, 4-9

Para entender esta última passagem de Isaías, temos que entender primeiro as suas partes.

Assur são os assírios que destruíram o Reino de Israel e ameaçaram depois fazer o mesmo, no tempo em que vivia Isaías, com o Reino de Judá, onde na época vivia o profeta (II Reis 18, 13-37), só não o conseguindo por causa de uma intervenção miraculosa de que participou o próprio Isaías (II Reis 19). O décimo capítulo da profecia de Isaías é dedicado inteiramente aos assírios; sua leitura mostra que, para este profeta, os assírios eram a personificação do orgulho:

"Assur, diz o Senhor, é a vara e o bastão de meu furor; na sua mão está a minha indignação. Eu o enviarei a uma nação pérfida, e lhe ordenarei que marche contra um povo que eu olho com furor, para que leve dele os despojos, o ponha a saque e o calque aos pés como a lama das ruas. Mas ele não o julgará desta maneira, nem o seu coração pensará assim. O seu coração somente pensará em destruir e exterminar numerosas nações. Mas quando o Senhor tiver cumprido todas as suas obras no monte Sião e em Jerusalém, visitará o fruto do orgulhoso coração do rei Assur, e a arrogância dos seus olhos altivos. Porque ele disse: Foi pelo esforço de minha mão que eu fiz isso, e foi com a minha sabedoria que o entendi, como se a vara se levantasse contra o que a maneja, e como se o bastão se orgulhasse, ele que não é mais do que um pau".

Is. 10, 5-7, 12, 15

Assur, pois, é para Isaías a personificação do coração orgulhoso, da arrogância dos olhos altivos, da soberba que se levanta contra Deus. Por extensão, é toda a vida de pecado, cuja raíz é o orgulho, assim como a humildade é a raíz da vida da virtude.

A espada que será espada mas não será espada de homem é um símbolo comum nas Sagradas Escrituras para significar a palavra de Deus. Ao dizer Isaías que não será espada de homem o profeta quer mostrar explicitamente que quer entender por este termo seu sentido figurativo. Na própria profecia de Isaías a palavra de Deus e a pregação do Messias é tomada como sendo uma espada:

"O Senhor me chamou",

diz o futuro Messias pela boca de Isaías,

"desde o ventre de minha mãe e tornou a minha boca como uma espada afiada".

Is. 49, 2

"Uma flor brotará sobre a raíz de Jessé, sobre quem repousará o Espírito do Senhor. Ele ferirá a terra com a vara de sua boca e o ímpio com o sopro de seus lábios".

Is. 11, 1-4

Este símbolo é recolhido no Novo Testamento com a tranqüilidade de quem menciona alguma coisa já há muito bem conhecida. Na Epístola aos Hebreus São Paulo diz que

"a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes";

Heb. 4, 12

e na Epístola aos Efésios ele aconselha aos cristãos que tomem

"a espada do Espírito, que é a palavra de Deus".

Ef. 6, 17

A espada de que fala Isaías, uma espada que não é de homem, cujo fio levará Assur à queda, é, portanto, a espada de Deus, isto é, a pregação da palavra realizada pelo Messias e por aqueles a quem ele enviasse.

A menção do fogo e da fornalha que estão em Sião, de onde desceria o Senhor para pelejar contra Assur pela espada da palavra é também outro símbolo bem conhecido nas Escrituras. Trata-se do fogo da caridade, aquele fogo do qual Jesus disse:

"Vim espalhar um fogo sobre a terra, e que mais desejo eu senão que se acenda?"

Luc. 12, 49

Este fogo e esta fornalha são mencionados por Isaías como estando em Sião, de onde desceria a palavra de Deus como uma espada, porque trata-se de um fogo que se acende no Monte Sião pela contemplação, e será através da pregação destes homens inflamados pela caridade que, enviados às nações para anunciarem a glória do Senhor, farão Assur cair ao fio da espada. Então, diz ainda Isaías:

"A Lua se tornará vermelha e o Sol se obscurecerá, quando o Senhor dos exércitos reinar no Monte Sião e em Jerusalém, e quando for glorificado na presença de seus anciãos".

Is. 24, 23

A Lua se torna vermelha, como se estivesse manchada de sangue, quando ela principia a sair de um eclipse total, isto é, quando sua luz está bastante enfraquecida. A Lua e o Sol são as luzes pelas quais o homem se norteia no comum de sua vida. Quando a luz de Deus começar a reinar em Sião, portanto, esta luz será tão intensa que as luzes com que o homem costuma se orientar em sua vida natural parecerão fracas e obscurecidas.

Então, diz ainda Isaías,

"Jerusalém não será chamada dali em diante `A Desamparada', e a sua terra não será mais chamada `A Deserta', mas serás chamada `Querida Minha', e a tua terra `A Habitada'. Porque assim como o jovem habita com a donzela (que escolheu para esposa), assim também habitarão em ti os teus filhos, e assim como a esposa é alegria do esposo, assim tu serás a alegria de teu Deus".

Is. 62, 4-5

Este texto não pode deixar de nos fazer pensar imediatamente naquele outro da Epístola aos Efésios, onde São Paulo diz:

"Maridos, amai as vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a si mesmo, para apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa, sem mácula, santa e imaculada. Este mistério é grande; refiro-me a Cristo e à Igreja".

Ef. 5, 25-27, 32

O texto de Isaías também não pode deixar de nos fazer pensar imediatamente em todo o livro do Cântico dos Cânticos, aquele livro em que, através de uma poesia de amor entre dois esposos, corretamente se pode ver tanto o mistério da união entre Cristo e a Igreja como uma descrição do amor envolvido na contemplação. Quando ali, por exemplo, se diz:

"Tu feriste o meu coração, irmã minha esposa, tu feriste o meu coração com um só dos teus olhares, e com um cabelo do teu pescoço",

Cant. 4, 9

não será isto a mesma coisa do que Isaías quer dizer quando profetiza

"E terei as minhas delícias em Jerusalém, e a minha alegria no meu povo; e acontecerá que, antes que eles clamem, eu os ouvirei, e estando eles ainda a falar, eu os atenderei"?

Is. 65, 19/24

No Cântico dos cânticos o autor sagrado nos quer mostrar, através da imagem do amor humano, o quanto Deus ama àqueles que habitam em Jerusalém.

Por isto é que também, nos Salmos, lemos passagens como esta:

"Quão amável é a tua morada, Senhor dos exércitos.

A minha alma suspira, desfalece, desejando os átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo.

Até o pássaro encontra uma casa, e uma andorinha um ninho onde possa por os seus filhinhos: bem aventurados, Senhor, os que moram na tua casa, eles te louvam sem cessar.

Em verdade, é melhor um só dia nos teus átrios, do que milhares, fora deles.

Prefiro deitar-me no limiar da casa de Deus, a morar nas tendas dos pecadores.

Senhor Deus dos exércitos, bem aventurado o homem que em ti confia".

Salmo 84