CAPÍTULO 94

Existe, nesta outra passagem em que acabamos de citar, uma nova discrepância entre o ensino proposto por Quintiliano e o praticado entre os filósofos, embora Quintiliano julgue, por um mal entendido, que ele esteja ensinando aquilo que os filósofos designavam por sabedoria.

De fato, recolhendo as várias expressões de Quintiliano, ele diz que

"o sábio por excelência

deve ser um todo plenamente acabado, não só iniciado nas ciências divinas e humanas, mas em várias outras, até mesmo fúteis, consideradas em si mesmo;

deve percorrer todo aquele círculo de conhecimentos que os gregos denominam de enciclopédia,

e ser infalível até nas mínimas coisas".

Quintiliano deseja, pois, que seus alunos sejam, o tanto quanto possível, uma enciclopédia, porque isto é bom para o perfeito orador. Esta foi outra lição bem assimilada pelos humanistas da Renascença, porém deve-se dizer que, embora possa parecer paradoxal para os homens de hoje, um conhecimento enciclopédico nada tem a ver com a sabedoria.

Jamais houve um só entre os filósofos que quisesse fazer de um discípulo uma enciclopédia. Os conhecimentos sobre os quais os filósofos se debruçam são, na verdade, muito amplos, mas não são, de modo algum, uma enciclopédia.

O valor dos conhecimentos que os filósofos possuíam não estava na sua quantidade, mas no fato de que eles haviam encontrado um sentido que coordenava entre si todos os conhecimentos possíveis. Um conhecimento meramente enciclopédico sem a compreensão deste sentido maior faria mais mal do que bem, não só aos filósofos como a qualquer um; seria, entretanto, mesmo assim, um excelente subsídio para o orador e, como tal, foi aceito na Renascença como coisa excelente. Muitos dos que passavam por sábios na Renascença eram verdadeiras enciclopédias; não passavam, porém, de excelentes oradores.

É importante notar isto porque hoje em dia, no final do século XX e às portas do XXI, é ainda assim que se apresenta o conhecimento para o homem contemporâneo e, no geral, esta forma de conhecimento lhe faz mais mal do que bem. Para algumas pessoas, inclusive, um excesso de conhecimento desta natureza pode inclusive causar danos irremediáveis.

Já vimos como no Livro X das Instituições Oratórias Quintiliano aconselha não apenas um estudo enciclopédico de todos os assuntos como subsídio à Oratória, mas um amplo conhecimento dos principais clássicos da poesia, da literatura, da história e da filosofia das civilizações grega e romana (cf. nº 86). É isto, ou algo semelhante atualizado para nossa época, o ideal do homem culto ainda hoje. Mas, para um sábio, isto não passaria de uma monumental desordem intelectual, às vezes tão grande que se torna definitivamente impossível de se arrumar.

A verdadeira cultura não é uma massa descomunal de informações, mas um amplo conhecimento que revela o sentido com que se ordenam as coisas dentro do universo e o homem dentro dele.