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Esta pergunta permite-nos a oportunidade de entender melhor o relacionamento da
Filosofia com a Educação.
Na segunda desta série de notas descrevemos em que sentido os filósofos eram homens
que contemplavam a natureza. O exercício habitual da contemplação da natureza leva o
homem, pela própria admiração para com o comportamento aparentemente racional
que tem diante dos olhos, a se fazer uma série de perguntas que, na mente do filósofo,
tem o mesmo tipo de racionalidade que a natureza aparenta possuir.
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Como aconteceu tudo isso?
Como foi possível que nós
tenhamos nos encontrado aqui
para compreender estas coisas?
Como pode ter se produzido um ser
capaz de compreender tudo isto?
Quem sou eu?
Que é o homem?
O que é o mundo?
O que significa tudo isto?
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Quando o homem chega a se fazer esta última pergunta, ele começa a se relacionar com
a natureza de um modo que nenhum animal jamais o poderia fazer. Pois poderia até
dar-se que a natureza não significasse nada, mas é evidente pelo menos que ela se
comporta como se de fato quisesse significar algo, como se existisse uma mensagem
que ela quer transmitir e que só o homem entre os animais seria capaz de captar. A
partir do momento em que o homem se torna capaz de contemplar a natureza neste
nível, ele passa como que a dialogar com a natureza num certo grau de igualdade, no
sentido de que parece que na pequenina mente humana esteja contida, prevista pela
natureza como doação ao homem, a possibilidade de entender o restante da natureza no
seu conjunto, como se a mente humana fosse um receptáculo em miniatura, mas
essencialmente completo, da idéia que está por trás da natureza.
Quando isto ocorre, o homem também percebe que não só ele próprio é parte desta
natureza, e parte desta idéia que parece estar por trás da natureza, mas que também
muitas das assim chamadas instituições humanas, tais como a sociedade e a educação,
são igualmente parte da natureza.
Aristóteles, discípulo de Platão, no início do seu livro de Política, escreveu a este
respeito as seguintes observações sobre a sociedade:
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"É evidente que a sociedade
faz parte das coisas da natureza,
e que o homem é por natureza
um animal destinado a viver em sociedade.
Isto não é nos homens
o efeito de uma idéia pré-concebida,
é a natureza que os inspira.
Aquele que,
por instinto,
e não porque alguma circunstância o impede,
deixa de fazer parte da sociedade,
ou é um ser vil,
ou um ser superior ao homem".
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A mesma coisa pode-se dizer também da Educação.
O homem é um animal educador, não por uma idéia preconcebida, mas porque a
natureza assim os inspira.
É fácil perceber isto, porque vemos uma profunda diferença neste aspecto entre o
homem e os demais animais. Enquanto a maioria dos animais, apenas recém nascidos,
já são capazes de cuidar de suas próprias vidas, o homem nasce frágil e dependente de
seus pais durante uma quantidade muito grande anos não só para a sua sobrevivência
física, mas também para se ambientar ao mundo e à natureza. É evidente, pois, que a
educação humana faz parte das coisas da natureza e que é, ela própria, uma instituição
da natureza.
Ora, nós vemos que a natureza em seu conjunto parece ter uma mensagem que, ao que
tudo indica, só os homens são capazes de alcançar. Mais ainda, a natureza parece se
comportar como se tivesse produzido os homens com a finalidade principal de que erla
pudesse se dar a compreender, o que, coisa verdadeiramente admirável, também
parece fazer parte da mensagem.
E a Educação? Se tudo o que dissemos é coerente, e se a Educação é também uma
instituição da natureza, então a Educação também faz parte da mensagem.
E, sendo assim, o filósofo que, habituado à contemplação da natureza, consegue chegar
a contemplar também o alcance daquelas perguntas que fizemos ainda há pouco, pode
repetir aquelas mesmas perguntas para a Educação.
Houve, após muita observação e muitas perguntas, um momento em que ele percebeu a
pergunta maior:
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O que significa tudo isto?
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Esta pergunta maior surgiu quando ele percebeu que não apenas as pequenas coisas
isoladamente podem significar algo, mas que o conjunto delas significa algo maior, e
que todas as coisas isoladamente consideradas existem em uma harmonia tal que todas
parecem ter sido produzidas especialmente para que no seu conjunto significassem uma
outra maior. Por isto ele quer saber não mais o significado desta ou daquela coisa em
particular, mas sim, como está escrito, o significado de
Ele percebeu que a totalidade tem um significado e que por trás da totalidade parece
haver uma idéia, ou pelo menos, se não a há, que a totalidade se comporta tal como se
a tivesse.
É então que ele também pode perguntar, se a Educação é parte da natureza,
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O que a Educação significa
em tudo isto?
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Em outras palavras, ele não quer saber uma ou outra teoria sobre Educação, não quer
saber um ou outro detalhe sobre a Educação, ele quer saber a resposta final sobre a
Educação, porque, conforme dissemos, no mínimo a natureza se comporta como se ela
tivesse uma verdade última, e o homem quer saber qual é esta verdade.
Pode-se entrever, então, como uma coisa à primeira vista tão banal como a
contemplação da natureza é capaz de nos levar a perceber que temos o legítimo direito
de pretender, em Educação, não apenas uma resposta, mas
Só o homem capaz de contemplar a natureza neste nível é capaz de perceber a
legitimidade de uma pretensão como esta em matéria de Educação. Outro homem ficará
rapidamente satisfeito com qualquer resposta, ou mesmo com nenhuma resposta. Este
homem será como alguém que veio ao mundo, andou em círculos, não entendeu nada do
que se passava à sua volta, e morreu. Houve nele alguma coisa muito importante que
deveria ter surgido e não surgiu, alguma coisa que deveria ter nascido e que não
nasceu. Filosoficamente falando, houve aí um aborto.
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