4. Determinação dos princípios intrínsecos do movimento.

Para determinar os princípios intrínsecos do movimento, Aristóteles procede da seguinte maneira.

Qualquer coisa que passe por uma mutação está se tornando alguma coisa a partir da negação desta coisa. Exemplificando esta afirmação, dizemos que o branco se torna branco a partir do não branco. Temos assim os dois primeiros princípios necessários em qualquer mutação, o término para o qual tende o movimento e o oposto deste término, a partir do qual se iniciou o movimento. A natureza, pois, supondo o movimento, pressupõe também, em cada movimento, como princípios, a existência de dois contrários entre os quais se realiza o movimento.

Não basta, porém, a existência de dois contrários para explicar o movimento. É necessário também tomar como um terceiro princípio o sujeito destes contrários, pois, em qualquer movimento, como no movimento do branco para o não branco, não é o próprio branco que se torna negro, mas alguma coisa branca que deixa de ser branca e se torna negra. Os contrários, que já foram identificados no parágrafo anterior como princípios do movimento, transformam-se não a si mesmos, mas a um terceiro, que é o sujeito de ambos, e este sujeito é, deste modo, o terceiro princípio intrínseco que deve ser postulado para explicar o movimento.

Os movimentos das coisas naturais, portanto, podem ser explicados admitindo-se a existência de três princípios:

O sujeito;
o término para o qual tende o movimento;
o oposto deste término.

Aristóteles chama de término para o qual tende o movimento de `forma para o qual tende o movimento', ou simplesmente de `forma', a qual inere em um sujeito. O oposto desta forma, para a qual tende o movimento, ele a chama apenas de `privação desta forma'.

Deve-se considerar, porém, a hipótese de que em algumas transformações da natureza possa ocorrer não apenas uma passagem de uma forma para a privação desta forma, ou vice versa, conservando-se o sujeito, mas também que o próprio sujeito possa mudar e tornar-se outro sujeito.

Como exemplo do que estamos dizendo, tomemos um bloco de minério de ferro, uma pedra vermelho escura da qual se extrai o ferro e que em nada se parece com uma reluzente barra de aço. Suponhamos que este minério esteja inicialmente frio e em seguida seja aquecido a altas temperaturas. Aqui o sujeito é o minério de ferro, a privação da forma é a qualidade fria, a forma para a qual tende o movimento é a alta temperatura. O sujeito em si, nesta transformação, não mudou; era minério de ferro, permaneceu minério de ferro. Mudaram apenas as suas qualidades. O sujeito minério de ferro frio, continuando minério de ferro, transformou-se em minério de ferro quente.

Há, porém, uma outra transformação a que pode submeter-se o minério de ferro na qual, diversamente do que ocorre na que acabamos de expor, o sujeito deixará de ser minério de ferro para transformar-se em ferro e aço. Se, de fato, em vez de ser apenas aquecido, este material for colocado juntamente com carvão em um alto forno a mais de mil graus de temperatura, o minério se transformará em metal reluzente, a princípio líquido, sólido depois de esfriado à temperatura ambiente. Não terão sido mais as qualidades do sujeito que mudaram do frio para o quente ou vice versa, permanecendo inalterado o sujeito, mas será o próprio sujeito que se ocultava sob estas qualidades que terá se transformado.

Ora, conforme vimos, toda transformação na natureza supõe necessariamente três princípio que são o sujeito, a forma e a privação da forma. Se, portanto, o minério de ferro, que na primeira transformação era o sujeito, ele próprio, na segunda transformação, é também capaz de sofrer uma transformação, isto só poderá acontecer se se admite que este sujeito também seja constituído por uma composição de sujeito e de forma. Há um sujeito mais elementar, oculto sob a aparência ou a forma do minério de ferro, que se transforma e adquire a forma do ferro ou aço. O minério de ferro, que era sujeito da primeira transformação, ele próprio, se for passível de transformação, deve ser composto, por sua vez, de um sujeito mais elementar e de uma respectiva forma.

Consideremos agora este novo sujeito. Seja ele quem for, poderá ou não ser capaz de mudanças. Se possuir qualquer determinação identificável, necessariamente poderá sofrer algum tipo de mutação, porque se ele, sendo determinado, é tal ou qual coisa, poderá vir a se tornar algo que não seja esta tal ou qual coisa. Se ele possuir alguma determinação, portanto, deverá ser também composto de sujeito e de forma. E este outro sujeito também, se possuir alguma determinação, deverá igualmente ser composto, e assim sucessivamente, até chegarmos a um sujeito absolutamente primeiro que seja inteiramente indeterminado. Este, sendo inteiramente indeterminado, não poderá ser mais transformado em si mesmo. Este primeiro sujeito, inteiramente indeterminado, que deve postular-se na natureza para poder explicar-se o movimento, é o que Aristóteles chama de matéria primeira.

A matéria primeira, enquanto tal, não pode existir por si só. Se fosse possível isolar-se um pouco de matéria primeira em estado puro e colocá-la, por exemplo, em um vidro para observação, ela já não seria mais matéria primeira. Teria as dimensões do vidro, estaria localizada em tal ou qual lugar, teria uma tal e qual extensão e, com isto, já não mais se poderia dizer tratar-se de algo inteiramente indeterminado. De onde se conclui que a matéria primeira, devido à sua total indeterminação, enquanto tal não pode existir por si só. Deve-se postular sua existência, mas ela não poderá ser individualmente identificada. Diz-se que ela apenas existe em potência e que não existe em ato. Não existindo em ato, não poderá surgir individualmente em algum lugar para que possa ser identificada. Para existir, a matéria primeira necessita de receber uma determinação mínima que lhe será dada por uma forma primeira. Esta primeira forma que a matéria primeira deve receber para resultar um primeiro ente em ato ou um primeiro sujeito em ato é chamada de forma substancial. O composto formado pela matéria primeira e forma substancial é o que se chama, na filosofia aristotélica, de substância.

Vemos assim que a forma substancial dá à matéria primeira duas coisas: uma primeira determinação, a que chamamos de essência, e a entrada na realidade, a que chamamos de existência. De fato, apenas por si mesmo a matéria primeira é inteiramente indeterminada e não pode existir. Ambas estas coisas lhe são dadas pela forma substancial. É o composto de ambas, isto é, o composto de matéria primeira e de forma substancial, a que chamamos de substância, que se constitui no primeiro ente capaz de subsistir por si só.

Por sobre a substância, o primeiro ente que possui a estrutura mínima possível de existência em ato, podem acrescentar-se e, de fato, acrescentam-se até necessariamente, diversas outras formas que são chamadas de formas acidentais, por contraposição à primeira forma que era chamada de substancial. São exemplos de formas acidentais a cor, a temperatura, a dureza e outras similares. Estas formas podem mudar sem que necessariamente mude a substância, e constituem o que chamamos de acidentes. Acidentes, por contraposição à substância, são entidades reais mas que não são capazes de existência em ato por si só. Para existirem, necessitam de uma substância da qual sejam acidente. Segundo Aristóteles afirma no quinto capítulo do Livro das Categorias,

"O sentido primário mais verdadeiro e estrito do termo substância é dizer que é aquilo que nunca se predica de outra coisa, nem pode achar-se em um sujeito.

Como exemplo disto podemos colocar um homem concreto ou um cavalo concreto.

Todas as demais coisas que não são substâncias",

isto é, os acidentes,

"serão predicados das substâncias ou estarão nelas como em seus sujeitos".