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Platão conta, em um dos seus Diálogos denominado O Banquete, como o próprio
Alcebíades, anos depois do término da campanha de Potidéia, deu pessoalmente o seu
testemunho a favor de Sócrates.
Estavam conversando, na casa de um certo Agatão, Sócrates e mais seis pessoas,
dentre os quais Aristófanes, o escritor de peças de teatro que mencionamos nas notas
precedentes, o autor da comédia As Nuvens, em que Sócrates é ridicularizado sendo
tomado como um sofista. Quando ocorreu este diálogo, Aristófanes já havia escrito e
apresentado As Nuvens em público, pois um dos interlocutores do diálogo dirige a
palavra a Aristófanes citando, na presença de Sócrates, um trecho da comédia em que
Aristófanes satiriza a Sócrates.
É então que repentinamente entra na casa de Agatão e interrompe a conversa destes
homens nada menos do que Alcebíades, fazendo os maiores elogios de Sócrates.
Vejamos o que Alcebíades tinha a dizer:
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"Senhores, devo lhes dizer como admiro
a índole, a sabedoria e a bravura
deste homem aqui presente.
Nele encontrei alguém
como jamais esperei encontrar outro homem
com tamanha prudência e fortaleza.
Logo depois que o conheci,
participamos ambos
de uma expedição contra Potidéia,
e tínhamos as refeições juntos.
Pois bem, para começar, ele superava,
a mim e a todos os outros,
nas fadigas.
Toda vez que, com as comunicações cortadas,
como acontece nas guerras,
éramos forçados a ficar sem provisões de boca,
perto dele os outros não valiam nada
para suportar a situação.
Por outro lado, quanto a suportar os invernos,
e lá os invernos são terríveis,
este homem fez prodígios.
Certa vez, entre tantas,
tivemos uma geada das mais terríveis;
ninguém saía ao relento, ou,
se alguém saía,
ia embrulhado com uma espantosa
quantidade de agasalhos,
calçado com os pés envoltos
em tiras de feltro e pele de carneiro.
Mas Sócrates, nesta ocasião,
saiu sem nada levar
além daquela mesma manta
que costumava vestir antes e,
descalço, caminhava sobre o gêlo
com mais desenvoltura
do que os outros calçados.
Os soldados o olhavam com desconfiança,
pensando que com isto Sócrates
os estava querendo humilhar.
E quanto aos combates,
outro tanto é o que eu tenho a dizer.
Eis aqui uma dívida
que é justo que se lhe pague.
Quando se feriu aquela batalha
após a qual os generais me atribuíram
a insígnia de bravura,
quem me salvou não foi outro
senão este homem que tendes aqui presente.
Ele não quis me abandonar ferido,
mas salvou juntamente minhas armas e minha pessoa. Quando voltamos a Atenas,
eu propus aos generais
que dessem as insígnias a ti, Sócrates,
e tu não me podes censurar por isto,
nem desmentir.
Todavia os generais estavam de olhos postos
na minha linhagem,
e queriam atribuir a mim as honras.
Porém o fato, deve-se dizer,
é que o desejo de que eu as recebesse
e não Sócrates
era maior em Sócrates
do que nos próprios generais.
Ainda muitas outras coisas admiráveis
se poderiam dizer em louvor deste homem, senhores.
No tocante a outras ocupações,
talvez se pudessem dizer coisas semelhantes
a respeito de outros;
mas naquilo em que ele não se assemelha
a homem algum nem do passado nem do presente
é que ele é digno de toda a admiração."
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