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Assim, o tipo de formação que era dada aos homens na época de Hugo de São Vitor e
de Santo Tomás de Aquino passou a ser desprezado por um segundo motivo.
O primeiro, já o vimos, surgiu devido ao nominalismo.
O nominalismo, que se alastrou progressivamente pelas universidades de toda a
Europa enquanto o Renascimento tomava conta do norte da Itália, tendia a separar a fé
da razão e a afirmar que todo o conhecimento com que os escolásticos se esforçavam
para elevar a inteligência humana a uma maior compreensão das verdades da fé não
poderia possuir valor algum. Os nominalistas também consideravam como impossível
à inteligência humana alcançar a evidência de muitas outras verdades de natureza mais
abstrata, mas que os escolásticos insistiam não serem propriamente verdades de fé;
embora fossem mencionadas nos textos revelados das Sagradas Escrituras, diziam os
escolásticos, isto era apenas um auxílio à fraqueza do intelecto do homem comum, pois
tais verdades poderiam ter suas evidências manifestadas por um trabalho mais
diligente do intelecto. Como os nominalistas, porém, não davam qualquer valor às
supostas evidências dos escolásticos, aceitavam tais verdades mas catalogando-as
entre as verdades de fé sobre as quais qualquer trabalho da inteligência seria inútil. As
verdades de fé, segundo os nominalistas, tinham que ser aceitas apenas porque Deus
havia assim estabelecido, e era este o motivo pelo qual elas eram verdades, e não
qualquer valor objetivo que elas pudessem ter. Neste sentido, o esforço da inteligência
humana em compreendê-las ou em aportar-lhes alguma luz não podia passar de uma
ilusão; tal esforço, de fato, pressupunha que haveria razões objetivas para que tais
coisas fossem verdadeiras, o que, segundo os nominalistas, não era o que ocorria. Com
isto, porém, toda a profundidade contida nos escritos dos sábios que haviam surgido na
Igreja, um tesouro tanto do pensamento como da espiritualidade, já de mais nada valia.
Na realidade, conforme vimos, era a própria decadência do ensino que fazia com que
os homens influenciados pelo nominalismo não mais conseguissem alcançar o que os
sábios que os haviam precedido tinham dito.
Logo em seguida, porém, surgiu a segunda grande motivação histórica para o desprezo
da Escolástica. Uma motivação esta, tão inacreditável, objetivamente falando, que só
se pode compreender tendo em vista as circunstâncias da época. Os escolásticos não
sabiam nem ler nem escrever, diziam não já os nominalistas, mas os humanistas da
Renascença. Os escolásticos desrespeitam as leis da gramática, desrespeitam a arte de
bem dizer, não obedecem aos preceitos mais elementares da retórica. Quem poderá
aprender a falar Latim em um estilo elevado como o de Cícero estudando as obras de
Santo Tomás de Aquino? Ninguém, e é verdade, e o próprio Santo Tomás parece nunca
ter-se preocupado com isto. Sua linguagem, em sua estética, tem a simplicidade de uma
criança. Seu valor probativo reside inteiramente no conteúdo. Já os que se esforçam
por imitar a Cícero causarão uma profunda admiração entre os seus ouvintes, não pelo
valor do argumento, é certo, mas pela beleza da Retórica.
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