14. O dom de entendimento e a sexta bem aventurança.

S. Tomás de Aquino afirma que pelo dom de entendimento o Espírito Santo age sobre a inteligência, aperfeiçoando a fé:

"A fé, segundo sua disposição, é imperfeita naquilo que possui, pois é enigmática. Este defeito é removido pelo dom de inteligência, que faz de algum modo intuir de modo límpido e claro as coisas que são da fé" (97).

Na Summa Theologiae, S. Tomás também afirma que pelo dom de entendimento o Espírito Santo age sobre a inteligência:

"Os dons do Espírito Santo aperfeiçoam a alma na medida em que a tornam bem movível pelo Espírito Santo.

O dom de entendimento põe na alma uma luz intelectiva da graça pela qual a inteligência humana é bem movível pelo Espírito Santo" (98).

Ele explica do seguinte modo como O Espírito Santo atua na inteligência através do dom de entendimento:

"O nome entendimento implica um conhecimento íntimo; entendimento, de fato, vem de inteligir, que significa ler dentro (em latim, `intus legere'). Isto fica manifesto considerando a diferença entre a inteligência e os sentidos; o conhecimento dos sentidos se ocupa das qualidades sensíveis exteriores, mas o conhecimento da inteligência penetra até à essência da coisa, pois, conforme diz Aristóteles no De Anima, o objeto da inteligência é a essência.

Há, porém, muitos gêneros de coisas escondidas no interior, para o conhecimento das quais o homem deve penetrar em seu interior. De fato, debaixo dos acidentes está escondida a natureza substancial das coisas; debaixo das semelhanças e das figuras esconde-se a verdade que é figurada; as coisas inteligíveis são interiores em relação às coisas sensíveis que são externamente apreendidas pelos sentidos; e nas causas se escondem os efeitos e vice versa.

De onde que o entendimento pode se dizer de todas estas coisas.

Porém, como o conhecimento do homem se inicia pelo sentido, é manifesto que quanto a luz da inteligência é mais forte, tanto mais intimamente pode penetrar.

Ora, a luz natural de nossa inteligência possui uma virtude finita; de onde que pode alcançar apenas até um determinado ponto.

Necessita, portanto, de uma luz sobrenatural para penetrar mais profundamente no conhecimento das coisas que pela luz natural não pode conhecer. Esta luz sobrenatural dada ao homem é chamada de dom de entendimento" (99).

Trata-se, portanto, de um modo de agir do Espírito Santo sobre a alma em que ele atua diretamente sobre a inteligência; tal ação, entretanto, não se dá sem a caridade, pois, como diz também S. Tomás:

"Assim como as potências apetitivas se dispõem pelas virtudes morais à obediência da razão, assim as potências da alma se dispõem pelos dons à obediência dos movimentos do Espírito Santo.

Ora, o Espírito Santo habita em nós pela caridade, conforme diz S. Paulo:

`O amor de Deus se encontra difundido nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado'.

Rom. 5,5

Do mesmo modo, a razão à qual as virtudes morais obedecem se encontra em nós pela prudência.

De onde que, assim como as virtudes morais estão todas conexas entre si na alma pela prudência, assim também os dons do Espírito Santo estão conexos entre si pela caridade, de modo que, quem quer que tenha a caridade, possui os dons do Espírito Santo; e também nenhum dos dons do Espírito Santo pode ser possuído sem a caridade" (100).

Deste modo, segundo S. Tomás, assim que o homem começa a viver pela caridade, já possui, ainda que em grau pequeno, todos os sete dons do Espírito Santo. À medida em que vai crescendo em graça e amor, vão se manifestando mais pronunciadamente os vários dons do Espírito Santo, em uma certa ordem, segundo se deduz de sua associação com as bem aventuranças, de tal modo que o seguinte aperfeiçoa todos os anteriores. A contemplação se inicia no homem como uma manifestação mais pronunciada do dom de entendimento, pelo qual o Espírito Santo, não sem a caridade, atua diretamente na inteligência do homem. Quando isto ocorre realiza-se a sexta bem aventurança, na qual, perseverando o homem na fé e na caridade, se prenuncia a seguinte:

"Na sexta bem aventurança",

diz Tomás de Aquino,

"tal como em todas as demais, encontram-se duas coisas, isto é, a pureza do coração e a visão de Deus.

Ambas pertencem ao dom de entendimento.

Há, de fato, duas purezas.

A primeira é um preâmbulo e uma disposição à visão de Deus; consiste na purificação das afeições desordenadas que se realiza pelas virtudes e pelos dons do Espírito Santo que se referem às potências apetitivas. Existe ainda outra pureza que, em relação à visão de Deus, é como que completiva; é a pureza da própria mente purificada dos fantasmas da imaginação, de modo que as coisas que nos são propostas de Deus não sejam tomadas por modo dos fantasmas corporais, nem segundo os erros dos hereges.

É esta segunda pureza a produzida pelo dom de entendimento.

A visão de Deus, imperfeita nesta vida, também é produto do dom de entendimento. De fato, tanto mais perfeitamente nesta vida conhecemos a Deus quanto mais inteligimos exceder Ele tudo o que pode ser compreendido pelo intelecto; ora, isto é algo que pertence também ao dom de entendimento" (101).

Referências X. 14

(97) In Isaiam Prophetam Expositio; C. 11.
(98) Summa Theologiae, IIa IIae, Q.8 a.5.
(99) Idem, Q.8 a.1. (100) Idem, Ia IIae, Q.68 a.5. (101) Idem, Q.8 a.7.