CAPÍTULO 105

Deste modo podemos perceber como, durante a Renascença, ao lado do movimento de decadência progressiva do ensino superior nas Universidades que vinha desde os anos 1300 DC, foi se desenvolvendo gradualmente o equivalente ao ensino de segundo grau, a princípio pelos humanistas em geral, posteriormente pelos padres da Companhia de Jesus.

Era um ensino de segundo grau onde se aprendia muito grego, muito latim, muita gramática, muita literatura. Ou seja, começou a desenvolver-se, como formação do homem, aquele ensino de segundo grau que hoje nós chamamos de clássico, às vezes também conhecido pela expressão de "estudos clássicos", que em uma época posterior passaram a ser assim designados por oposição aos estudos ditos "científicos". Receberam o nome de estudos clássicos porque, ao contrário do modo como os humanistas procediam quando ministravam este mesmo ensino, isto é, do modo aparentemente desordenado e individual como costumam proceder os autodidatas, os jesuítas ministravam-no em classes em que os alunos eram metodicamente promovidos todos juntos para a classe seguinte em períodos de tempo que eram já conhecidos de antemão. Os textos que o programa de estudos apontava como devendo ser utilizados em cada classe passaram a ser conhecidos, por isso mesmo, como "os clássicos", uma expressão que, passados quatro séculos, perdeu seu sentido original e é usada pelo homem de hoje para designar qualquer obra prima que o tempo tenha consagrado como referência perene.

Este tipo de educação humanista, baseado no estudo dos clássicos e das línguas antigas, que era dominante no Renascimento, foi desta maneira cristianizado pelos jesuítas. Porém, ao mesmo tempo, esta forma de ensino era uma degeneração de um tipo de educação que havia existido na época de Hugo de São Vitor e Santo Tomás de Aquino. Esta degeneração chegou a tal ponto que os próprios religiosos passaram ou a não se dar mais conta deste fato, ou a, depois de duzentos anos de Renascimento, não terem mais alternativa senão a de darem a este ensino uma tintura e uma orientação cristã.

De fato, aquele excesso de clássicos, de oratória, de gramática, de estudo de línguas havia sido criado e introduzido na sociedade antiga por pessoas que não tinham por intenção a busca da sabedoria, mas o desenvolvimento de qualidades humanas pelas quais as pessoas pudessem competir na sociedade. Esta educação forma de fato o ser humano e pode até mesmo produzir, quando bem orientada, certa forma de virtudes cívicas, mas não é capaz, no que depende de sua natureza, de voltar o homem para a sabedoria, a contemplação ou a vida espiritual. Pode-se tentar adaptar uma coisa à outra, mas por mais que se adapte, será sempre uma adaptação, é um pano novo em um remendo velho. Séculos anteriores haviam visto uma educação que em sua essência estava voltada para estes outros fins mais nobres; na Renascença, porém, de modo geral, não era mais possível para as pessoas perceberem isto, e mesmo que alguns o percebessem, como provavelmente, não obstante o horrendo silêncio histórico que existe a este respeito, devem te-lo percebido, esta minoria parece ter entendido também que não era mais possível colocar em prática tais idéias. Se os jesuítas tivessem aberto escolas onde os alunos passassem algumas décadas de suas vidas para daí com isto não alcançarem objetivo algum senão a sabedoria, quem é que em uma época como o Renascimento iria se inscrever em uma escola como esta? Poderiam abri-las sim, mas não teriam nenhum aluno.

E, na verdade, quando os jesuítas tiveram que fazer esta opção, a situação havia se tornado muito pior do que a que descrevemos até aqui, a ponto de possivelmente tornar inclusive proibitivo canalizar os espíritos mais capazes para alguma tentativa heróica de vulto em outro sentido. Os jesuítas haviam surgido precisamente no momento em que, na Europa, desencadeava-se a Reforma Luterana, cujo programa inicial era muito diverso da prática que pode atualmente ser observada nas Igrejas protestantes. Ao dar início à Reforma, a idéia original de Martinho Lutero não era a de fundar uma outra Igreja, paralela à Igreja Romana e que, opondo-se a esta, ensinasse o que ele considerava ser o cristianismo original, tal como vemos ser hoje o que fazem as diversas denominações evangélicas. Em sua concepção inicial, a intenção de Lutero consistia em destruir a Igreja Romana substituindo-a pela Luterana. Em seus primórdios, principalmente no Sacro Império Romano Germânico, nos principados em que a Reforma se instalava era comum que a prática católica fosse inteiramente proibida e suprimida, os templos existentes passassem aos reformados, e os sacerdotes expulsos fossem substituídos por pastores. Para que o povo mais humilde não interpretasse os acontecimentos como a substituição da Igreja que eles conheciam por uma outra diversa, mas sim como uma reforma da antiga, os ritos da liturgia católica romana foram modificados pelos luteranos de tal modo que, embora em seu significado fossem substancialmente diversos e conformes à nova doutrina, em sua aparência exterior se assemelhavam muito aos antigos. Em alguns principados germânicos este processo não se deu somente através da força ordinária da lei, mas também pela população descontrolada. Uma multidão invadia e tomava os templos à força, expulsava os sacerdotes e ali mesmo instaurava a nova Igreja. Métodos reformistas como estes fizeram com que, logo após a morte de Lutero, todo o Sacro Império mergulhasse em uma sangrenta guerra civil conhecida como a "Guerra dos Trinta Anos". Foi dentro de um contexto assim tão complexo e tão diverso daquele dos dias atuais que a Reforma protestante subitamente surgiu na Europa e ameaçou propagar-se com uma velocidade fulminante por todo o continente.

Nesta perspectiva, se já era difícil para os jesuítas pensarem efetivamente em termos de uma Pedagogia Sacra, para a Igreja Luterana tratava-se de uma impossibilidade intrínseca. Martinho Lutero, por exemplo, simplesmente não conseguia entender o que fosse a natureza da contemplação. Em seus escritos encontramos afirmações como esta:

"Quando eu vivia no Papado, considerava ser algo espiritualíssimo quando os monges sentavam-se em suas celas e meditavam em Deus e em suas obras, quando eles, inflamados por ardentíssimas devoções, dobravam os joelhos, oravam e meditavam nas coisas celestes. No entanto, (hoje sei) que estas coisas espiritualíssimas não passam de idolatria".

Lutero havia chegado a conclusões como esta porque, estudando as Epístolas de São Paulo, encontrou escrito nelas que o homem não se salva pelas obras exteriores, mas apenas pela fé.

"É na fé que está a força de Deus para salvar os homens",

diz São Paulo na Epístola aos Romanos, e acrescenta:

"A (santidade) de Deus manifesta-se nos que crêem (e que caminham) da fé para a fé, (pois é a própria Escritura que diz):

`O (homem) justo vive da fé'".

Rom. 1, 16-17

Segundo Martinho Lutero, isto significava que os monges que se entregavam à contemplação das coisas divinas estariam indo contra os ensinamentos de São Paulo pois, em vez de buscaram a salvação que vem apenas da fé, estariam procurando salvarem-se pelas suas próprias obras. Num equívoco que mostra o quanto os homens de sua época já se tornavam incapazes de entender o sentido das verdades evangélicas, o iniciador da Reforma não percebia que a vida contemplativa dos monges era a própria vida da fé de que fala São Paulo apóstolo. A contemplação, de fato, surge na alma do homem quando, auxiliado pela graça, a uma fé firme, constante e pura, se acrescenta um amor intenso. Se há algum homem justo que vive da fé, este homem é justamente aquele que, amparado pela graça, alcançou a vida contemplativa e que, em virtude da força de Deus que lhe é infundida pela habitualidade da fé e do amor que o constitui na contemplação, torna-se capaz de praticar as virtudes cristãs até o heroísmo.

Em circunstâncias como esta, em que a Igreja parecia estar com os dias contados para ser suprimida e substituída por outra, como de fato o foi em muitas nações, a opção pedagógica dos jesuítas revelou-se providencial. A história posterior mostrou que foi principalmente devido ao súbito surgimento da Companhia de Jesus e à obra por ela desenvolvida que foi possível deter o avassalador avanço da Reforma protestante. E, mais especificamente, verificou-se mais tarde que a maior parte deste mérito deveu-se de modo especialíssimo ao sucesso igualmente fulminante da imensa rede escolar elaborada pela Companhia. Amainados que foram os primeiros furores da tormenta e elaborado um mapa das regiões da Europa que haviam permanecido católicas ou em que havia sido implantada a Reforma luterana, verificou-se que os limites geográficos destas localidades coincidiam, em grande parte e de modo particularmente evidente no Sacro Império, com o próprio mapa das fundações das escolas jesuítas.

Se tudo isto explica, justifica, e até mesmo é causa de profunda admiração diante do trabalho desenvolvido pela Companhia de Jesus, todavia não pode ser motivo para dissimular que, devido a estas mesmas causas, nesta época da história a educação cristã em um certo sentido desceu de nível e como que mudou de canal.

Mais tarde, conforme veremos, do ponto de vista do que a educação possui de mais essencial, ela iria mudar de canal muitas outras vezes mais. Mas agora temos que chamar a atenção para os problemas relacionados com esta primeira mudança de canal.

A partir do Renascimento as pessoas pertencentes à civilização ocidental passaram a ser formadas segundo um padrão educacional inteiramente novo. Com isto certas verdades mais profundas não seriam mais facilmente perceptíveis para os que fossem assim sistematicamente educados. Introduziu-se deste modo, em toda uma inteira civilização, uma incapacidade artificialmente induzida para a apreensão de certas verdades que, para uma outra, seriam coisas evidentes. A partir deste momento, para a apreensão destas verdades seria necessário realizar um tremendo esforço que, cada vez mais, a maioria das pessoas não seria mais capaz de empreender.

É em grande parte devido a esta primeira mudança de canal na educação que provém, por exemplo, uma dificuldade muito difundida entre os homens de compreenderem o que significa a ascese cristã; que a conversão não é o ponto culminante do Cristianismo, mas apenas o seu princípio; que o Cristianismo não chama apenas à conversão, mas também a algo mais elevado que lhe é posterior, que está além do que hoje se chama de conversão, e que supõe esta conversão como requisito.