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Foi então que aconteceu, conforme César Borgia confidenciou posteriormente a seu
amigo Maquiavel, a única coisa que ele jamais havia pensado, ainda que uma única
vez, que poderia vir a acontecer.
Toda a obra político militar de César dependia do apoio que seu pai, como Papa, lhe
dava. O que ele faria quando o Papa morresse e outro fosse eleito? César Borgia já
havia pensado meticulosamente sobre este assunto e para tudo, conforme suas próprias
palavras, já havia providenciado remédio, pronto para qualquer eventualidade.
No dia 12 de agosto de 1503 Alexandre VI foi assaltado por um acesso de vômitos e
febre alta. Naquele mesmo dia, em seus aposentos, César Borgia foi acometido pelos
mesmos sintomas. Pai e filho, cada qual em seu lugar, ficaram ao mesmo tempo entre a
vida e a morte. Alguns dias depois o Papa morria, enquanto César continuava
desesperadamente por vários outros lutando contra a morte.
A versão popular que se espalhou foi a de que, tendo Alexandre e César ido visitar o
Cardeal Adriano, pai e filho beberam por engano o vinho envenenado que haviam
destinado para o cardeal. Ficou, porém, registrada uma descrição bastante detalhada
da evolução dos sintomas deste suposto envenenamento em Alexandre VI até o
momento de sua morte, e os médicos do século XX que a examinaram são praticamente
unânimes em afirmar que tais sintomas não podem corresponder aos efeitos dos
venenos conhecidos durante a Renascença.
Não se sabe, portanto, o que aconteceu ao certo, exceto que pai e filho contraíram cada
qual uma mesma doença mortal simultaneamente e, enquanto o pai falecia, o filho
continuava durante dias debatendo-se entre a vida e a morte.
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"Disse-me depois César Borgia",
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reporta seu amigo Maquiavel,
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"que ele havia pensado em tudo
o que poderia acontecer
quando seu pai viesse a falecer,
e para tudo havia encontrado uma solução.
Só não havia previsto que,
justamente nesta ocasião,
ele próprio também estivesse
entre a vida e a morte".
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De fato, a única coisa que César pôde fazer, entre um delírio e outro, foi ordenar ao
seu comandante de confiança que invadisse o Vaticano e retirasse todo o dinheiro que
nele houvesse. Seja quem viesse a ser eleito, o próximo Pontífice estaria durante algum
tempo sem dinheiro disponível e ele, César Borgia, se sobrevivesse, teria uma
temporária vantagem financeira e o comando das tropas pontifícias.
Fora esta ordem, executada com precisão tal como havia sido disposto por César, tudo
o resto veio a ocorrer contra os seus planos.
Para o trono pontifício foi eleito o Papa Pio III, o qual, todavia, reinou apenas alguns
poucos dias antes de falecer.
Logo em seguida César, ainda severamente doente, foi procurado pelo Cardeal Juliano
della Rovere, sobrinho do falecido Sixto IV, em busca de seu apoio para a eleição
seguinte. Juliano prometeu a César Borgia que iria confirmá-lo nos cargos de
Comandante das Forças Pontifícias e Vigário Papal nos Territórios da Romanha.
Prometeu também que lhe daria o apoio pontifício para a conquista do restante dos
territórios que restavam e que casaria a filha de César com o seu próprio sobrinho.
O Cardeal della Rovere nunca tinha visto César com bons olhos, e isto era algo que
todo o mundo sabia, inclusive o próprio César. Mas o cardeal também tinha a fama de
ser um homem irrepreensível em sua palavra, fama nunca desmentida pelos fatos.
Ademais, nas condições em que César estava, tudo indicava que Juliano seria eleito
Papa de qualquer modo. César aceitou o acordo. Mesmo que quisesse, não poderia
naquelas circunstâncias proceder de outro modo. Só lhe restava confiar que as
promessas do futuro Pontífice fossem verdadeiras.
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