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Um hábito é uma disposição pela qual uma potência é determinada a
uma operação.
Para ser uma virtude, ademais, este hábito deve ser tal que disponha
a potência a uma operação chamada eletiva; operações eletivas são
aquelas que se dão segundo a eleição (33).
Chama-se eleição a um ato da vontade precedido por um conselho
(34). Não são todos os atos da vontade que são precedidos por
conselho. Não nos aconselhamos, por exemplo, sobre os fins das
ações; quando nos aconselhamos, sempre pressupomos o fim como algo
já predeterminado a que a vontade é naturalmente inclinada, somente
havendo conselho e eleição a respeito das ações que irão se ordenar
a este determinado fim. Ninguém, por exemplo, se aconselha sobre se
quer ser feliz, isto sendo algo naturalmente desejado pela vontade; os
conselhos só têm sentido em relação aos meios de como alcançar a
felicidade (35).
Ademais, somente existem conselho e eleição a respeito de coisas que
estão em nosso poder; ninguém se aconselha a respeito das coisas
eternas que não podem ser mudadas, nem sobre as coisas que somente
podem acontecer de modo diverso por acidente ou pela sorte e não porque
dependam de nós, nem tampouco ninguém se aconselha a respeito do que
deve ser feito por outrem e não por si mesmo; todas estas coisas,
embora não possam ser objeto de conselho e eleição, podem ser objeto
de vontade (36), como por exemplo, quando desejamos que faça sol
ou que faça chuva, ou quando desejamos que alguém por quem nada
podemos fazer recupere a saúde.
Todas as coisas em que pode haver conselho podem, em princípio, ser
objeto de eleição. Chama-se conselho a uma investigação da razão
necessária nas ações em que estão envolvidas coisas singulares e
contingentes que, por causa de sua variabilidade, são incertas
(37).
A palavra conselho foi usada originalmente para designar uma reunião
realizada entre muitas pessoas que se sentam juntas para conferenciar
entre si, pela necessidade de considerarem nas coisas contingentes
muitos aspectos e circunstâncias que só com muita dificuldade poderiam
ser consideradas por uma única pessoa, mas que são percebidas com
mais clareza por muitas, na medida em que um considera o que o outro
não percebeu (38). Desta conferência de muitas pessoas o nome
conselho passou à atividade da razão de uma só pessoa que imita,
tanto quanto possível, a reunião de muitas. Em algumas eleições
pode não haver conselho precedente tal como acabou de ser descrito;
são eleições que se referem a ações que já estão prescritas por
alguma arte ou ciência, ou ações de pouca importância nas quais a
sentença do conselho já é manifesta; nestes casos a razão não
procede ao conselho, já ditando a sentença do conselho como
evidente, mas o ato não deixa, por causa disso, de ser uma eleição
(39).
Disto tudo decorre que a eleição é um ato em que intervém tanto a
vontade como a razão; e, se as virtudes são hábitos eletivos, isto
significa que até mesmo nos atos do apetite concupiscível ou
irascível estarão envolvidas as operações da inteligência e da
vontade se tais atos forem realizados por meios das virtudes.
De fato, numa eleição a vontade já quer de antemão o fim último
que, na eleição, é sempre tomado como pressuposto; a partir daí o
conselho investiga a partir de qual movimento ou ação pode-se
alcançar aquele fim; encontrado o qual a vontade primeiro consente e
depois impera, a si própria ou às demais potências, que operem
(40).
Esta é, portanto, a natureza das operações a que as virtudes
determinam as potências.
Referências
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(33) In libros Ethicorum Expositio, L. II, l. 7, 322.
(34) Idem, L. III, l. 6, 457. (35) Idem, L.
III, l. 5, 446. (36) Idem, L. III, l. 7, 460-465.
(37) Summa Theologiae, Ia IIae, Q. 14 a.l.
(38) Idem, Ia IIae, Q. 14 a.3. (39) Idem, Ia
IIae, Q. 14 a.5 ad1.
(40) In libros Ethicorum Expositio, L. III, l. 9, 483.
Summa Theologiae, Ia IIae, Quaestiones 14, 15, 17.
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