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Já vimos que a fé é um modo de conhecimento. Nem todo
conhecimento, porém, é fé. Temos que considerar agora,
portanto, no que a fé difere das demais formas de conhecimento.
A fé, segundo Santo Tomás de Aquino, é
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"um assentimento da inteligência
àquilo que se crê",
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isto é, a fé é um ato da inteligência que aceita como verdade
aquilo que lhe é proposto para crer. Muitas outras formas de
conhecimento envolvem também um assentimento da inteligência, mas
não por isso são chamadas de fé. Aquilo em que a fé difere de
todas elas é o modo como é feito este assentimento. Nas outras
formas de conhecimento a inteligência é movida ao assentimento porque
ela percebe a evidência da verdade conhecida, enquanto que na fé a
inteligência é movida ao assentimento por uma escolha voluntária.
Na fé o conhecimento não é alcançado através da evidência da
própria coisa conhecida, mas por um assentimento da inteligência
movido pela vontade que aceita algo ser verdade porque Deus assim o
revela. Nas demais formas de conhecimento a inteligência não é
movida pela vontade, mas é movida pela própria inteligência, porque
ela mesma encontrou diretamente alguma evidência da verdade conhecida
ou realizou algum raciocínio que a tornou evidente.
Todos aqueles que tem fé conhecem como que naturalmente esta
diferença de que estamos falando, mesmo que não tenham estudado sobre
ela. Quando alguém se refere à posse de outras formas de
conhecimento que não o da fé, sempre se refere a elas utilizando-se
de expressões tais como
ou
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"eu entendo esta
ou aquela coisa".
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Quando se trata, porém, de algo conhecido pela fé, não dizemos
mais
mas sim
embora tanto em um caso como em outro sejam modos de conhecimento.
Ainda que as pessoas que se expressam deste modo possam não tê-lo
percebido, a escolha diversa das expressões se dá porque quando
alguém diz
está incluindo no significado desta expressão, além do próprio
conhecimento, um ato da vontade. É por isto que não conseguimos nos
utilizar daquelas outras expressões como
quando queremos descrever o conhecimento da fé, pois a expressão
descreve uma forma de conhecimento que não envolve nenhum ato da
vontade.
Assim, para se fazer um ato de fé devem participar tanto a
inteligência como a vontade. Mas, como a fé é essencialmente um
conhecimento, embora para que a fé se realize tenha que haver uma
participação da vontade, dizemos que a fé pertence de modo próprio
à inteligência:
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"Crer é,
de modo imediato,
um ato da inteligência",
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diz Santo Tomás de Aquino,
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"porque o objeto de seu ato
é a verdade,
que é algo que pertence
de modo próprio à inteligência, e não à vontade".
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Summa Theologiae
IIa IIae, Q. 4 a.2
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Segundo uma feliz formulação contida na Summa Sententiarum de Hugo
de S. Vitor, a fé, enquanto conhecimento, tem como principais
objetos e consiste maximamente
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"no mistério de Deus
e do Verbo Encarnado",
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isto é, no mistério de Deus e de Cristo. Que a fé, porém,
consista principalmente em crer no mistério de Deus e de Cristo
parece ser um ensinamento diverso daquele que nos é dado pelos dois
textos da Epístola aos Hebreus segundo a qual a fé consiste em
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"crer que Deus existe
e que recompensa
aqueles que o procuram",
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ou na
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"substância das coisas
que se esperam
e na demonstração das coisas
que não se vêem".
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Conforme já vimos, ambas estas passagens significam a mesma coisa,
isto é, que a fé tem como seus principais objetos Deus e a vida
eterna. Quando dizemos, porém, que a fé, enquanto conhecimento,
tem como principais objetos o mistério de Deus e o mistério de
Cristo, já incluímos implicitamente nestas palavras a vida eterna,
pois, no dizer de Jesus,
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"Nisto consiste a vida eterna,
que te conheçam a ti,
único Deus verdadeiro,
e aquele a quem enviaste,
Jesus Cristo".
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A fé, porém, se estende também, em segundo lugar, a todas as
demais coisas que se ordenam a Deus, e que nos são propostas pela
revelação.
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