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Retornando, porém, ao nosso assunto, conforme começávamos a
dizer, julgamos que a via que nos parece ser reta para entender as
Escrituras e buscar o seu sentido é aquela que no-la é ensinada pela
própria Escritura quando esta nos mostra como devemos sentir sobre ela
mesma.
No livro de Provérbios encontramos Salomão ter preceituado o
seguinte sobre a consideração da Sagrada Escritura:
diz ele,
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"descreve para ti
estas coisas três vezes,
em conselho e ciência,
para que respondas as palavras da verdade
aos que as propuserem a ti".
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Cada um, portanto, deve descrever três vezes em sua alma a
inteligência das letras divinas.
Deve fazê-lo, primeiro, para que os mais simples sejam edificados
pelo próprio corpo das Escrituras, por assim dizer. É deste modo
que chamamos ao entendimento comum e histórico.
Se, porém, eles já começam a adiantar-se um pouco, de tal modo
que possam entender algo mais profundamente, que sejam edificados
também pela própria alma das Escrituras.
Quanto aos que, porém, forem perfeitos e semelhantes àqueles de
quem diz o Apóstolo:
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"Não obstante,
é a sabedoria que pregamos
entre os perfeitos;
não, porém, uma sabedoria
deste mundo,
nem dos príncipes deste mundo,
que serão destruídos;
mas falamos da sabedoria de Deus
encoberta no mistério,
e que Deus predestinou antes dos séculos
para a nossa glória";
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que sejam estes edificados, como que pelo seu espírito, pela própria
lei espiritual que possui a sombra dos bens futuros.
Assim como o homem é dito ser constituído de corpo, alma e
espírito, assim também o é a Sagrada Escritura que pela
liberalidade divina foi concedida para a salvação dos homens.
Tudo isto pode ser visto assinalado também no livro chamado "O
Pastor", que parece ser desprezado por alguns. Nele, com as
seguintes palavras, está escrito ter sido ordenado a Hermas que
escreva dois livros, e que depois anuncie aos presbíteros da Igreja
aquilo que aprendeu pelo Espírito:
diz o livro,
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"dois livros,
e darás um a Clemente,
e outro a Grapte.
Que Grapte advirta
as viúvas e os órfãos.
Clemente seja enviado
por todas as cidades de fora.
Tu, porém, as anunciarás
aos presbíteros da Igreja".
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Grapte, ao qual se ordena que advirta os órfãos e as viúvas, é o
puro entendimento da própria letra, pela qual são advertidas as almas
infantis que ainda não mereceram ter Deus como pai, e que por causa
disso são chamados de órfãs. Já as viúvas são aquelas que se
separaram do homem iníquo ao qual foram unidas contra a Lei,
permanecendo, todavia, viúvas, pelo fato de ainda não se terem
unido ao esposo celeste.
A Clemente ordena-se que envie as coisas que foram ditas às cidades
de fora, que são aqueles que já se afastam da letra, aquelas almas
que começaram a ser edificadas fora dos cuidados do corpo e além dos
desejos carnais.
Aquilo que, porém, Hermas aprendeu do Espírito Santo, não por
letras, nem por livros, mas por viva voz, é-lhe ordenado que o
anuncie aos presbíteros da Igreja de Cristo, isto é, aos que
possuem um maduro sentido da prudência capaz da doutrina espiritual.
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