NOTAS SOBRE A
PROFECIA DE ISAÍAS


1. INTRODUÇÃO.

Isaías é o principal, o mais extenso e o mais profundo dos profetas do Antigo Testamento. Em seu livro ele se refere diversas vezes a uma série de eventos que tomariam lugar, após a vinda do Messias, no Monte Sião e em Jerusalém, a cidade sagrada edificada sobre este monte.

Em uma destas profecias, Isaías afirma o seguinte:

"Naquele dia soará uma grande trombeta, e virão os que tinham ficado perdidos na terra dos Assírios e os que se achavam desterrados na terra do Egito, e adorarão o Senhor no monte santo de Jerusalém".

Is. 27,13

A grande trombeta, conforme veremos mais adiante, significa a pregação do Messias, e o monte santo de Jerusalém, segundo uma interpretação implícita do próprio Cristo, é aquilo que na tradição cristã ficou conhecido sob o nome de contemplação. De fato, o Evangelho de São João nos conta o episódio de uma Samaritana que, ao recolher água de um poço, iniciou uma conversa com Jesus que estava ali sentado e o reconheceu como sendo um profeta. Em um determinado momento desta conversa, diz então a Samaritana a Jesus:

"Senhor, vejo que és profeta. Responde à minha pergunta: os samaritanos adoram sobre este monte, mas os judeus dizem que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar a Deus. Quem está certo?"

Respondeu-lhe Jesus:

"Mulher, crê-me que é chegada a hora em que não adorareis o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém. A salvação vem dos judeus, mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, porque é destes adoradores que o Pai deseja".

Disse-lhe a mulher:

"Eu sei que deve vir o Messias que se chama Cristo. Quando, pois, ele vier, nos anunciará todas as coisas".

Respondeu-lhe ainda Jesus:

"Sou eu, que falo contigo".

Jo 4, 19-26

Nesta passagem percebe-se claramente que o santo monte de Jerusalém sobre o qual Isaías profetizou que os povos adorariam o Senhor quando viesse o Messias é interpretado pelo próprio Messias não como sendo a cidade de Jerusalém, mas a adoração a Deus em espírito e verdade. Esta expressão é uma forma de se designar aquilo que tem sido chamado na tradição cristã também de contemplação. Por espírito entende-se a atuação dos dons do Espírito Santo, que é causa da contemplação nas almas que, pela fé em Cristo, vivem em estado de graça e se purificaram através da vida das virtudes; pela verdade entende-se o próprio objeto da contemplação.

Nos escritos dos santos padres interpreta-se efetivamente muitas vezes o monte Sião ou a Jerusalém de que fala Isaías como sendo a contemplação; aparentemente com mais freqüência, porém, encontra-se também a interpretação segundo a qual esta mesma expressão como se referiria à Igreja. Ambas estas interpretações não conflitam uma com a outra, pois o que produz a contemplação é o Espírito Santo mediante a ação de seus dons e a Igreja, por sua vez, nasceu no dia de Pentecostes pelo derramamento do Espírito Santo que une, em um organismo sobrenatural, Cristo aos fiéis e estes entre si como num corpo a cabeça está unida aos seus demais membros, formando o que se denomina de Corpo Místico de Cristo, do qual se diz que o Espírito Santo é a sua alma. Tanto a contemplação como a Igreja são, portanto, realidades causadas pelo mesmo Espírito Santo, e a profecia que anuncia o surgimento de uma delas implica no anuncio do surgimento da outra.

Ademais, se atentarmos para as palavras de São Pedro, a própria Igreja parece ordenar-se à contemplação como a um fim:

"Vinde",

diz S. Pedro na sua Primeira Epístola,

"aproximai-vos de Cristo, pedra viva, eleita e estimada por Deus, também vós, como pedras vivas.

Vinde formar um templo espiritual para um sacerdócio santo, afim de oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo.

Sois uma estirpe eleita, sacerdócio real, gente santa, povo trazido à salvação, para tornardes conhecidos os prodígios dAquele que vos chamou das trevas para a luz admirável".

1 Pe. 2, 4-5

Os próprios santos padres com bastante freqüencia mostram também terem compreendido, e inclusive com maior amplitude de vistas, a simultaneidade destas múltiplas interpretações possíveis que, na realidade, considerados os seus fundamentos, são como que uma só interpretação. Assim, por exemplo, o Sermão nº 39 de Hugo de S. Vitor é dedicado ao comentário daquela passagem de Isaías 52 onde se diz:

"Levanta-te, ó Sião, reveste-te de tua fortaleza; reveste-te com os vestidos de tua glória, Jerusalém, cidade do Santo".

Is. 52,1

Ora, as primeiras palavras com que se inicia este sermão, logo após ser feita a citação a Isaías, são estas:

"Historicamente, Jerusalém é uma cidade terrena; alegoricamente, é a Santa Igreja; moralmente, trata-se da vida espiritual; anagogicamente,significa a pátria celeste.

Deixando por ora de lado três destes sentidos possíveis, vamos considerar apenas o que ela significa do ponto de vista moral, para que, pela sua descrição, possamos edificar-nos no bem".

Sermo 39/PL 177, 999



n