11. 1. A Esperança.

A esperança é uma virtude pela qual o homem, conhecendo através da fé as promessas que Deus faz àqueles que o buscam, e confiando nelas, aspira seriamente à santidade e à bem aventurança do céu que é o próprio Deus, na certeza de que estas coisas, pelo auxílio que Deus manifesta que nos deseja oferecer, não são mais ideais vagos e distantes, mas bens efetivamente possíveis de serem alcançados.

A esperança não é uma qualidade da fé, mas uma virtude inteiramente distinta, que se origina da fé e se acrescenta a ela. A fé viva de que nos falam as Escrituras, através da qual nos é dada a graça do Espírito Santo, é uma fé tal que deve dar origem à virtude da esperança, pois quem crê, através da fé que produz a esperança, nas coisas que Deus ensina através das Escrituras, necessariamente tem que se dar conta de que elas nos falam sobre a existência de um ser que nos ama imensamente. Este ser, embora por sua natureza divina não possa sofrer, nos ama entretanto como se sofresse pela loucura a que nos deixamos escravizar e pela ignorância com que avaliamos nossa condição neste estado. Para poder sofrer por nós, o que lhe era impossível em sua condição divina, humilhou-se e tomou a natureza humana. Revestiu-se da imagem de servo, entregou-se por nossos pecados, ressuscitou para poder-nos distribuir mais copiosamente a sua graça. Por nos amar não como a estranhos, quis reconduzir-nos a nosso estado original, que jamais deveria ter desaparecido. Preparou-nos um caminho não apenas para nos tornar felizes, mas para nos tornar participantes de sua própria felicidade.

Quando, através da fé, os homens despertam para estas realidades, encontram-se na situação descrita por Santo Antão:

"Também eu",

diz Santo Antão,

"o mais miserável de todos, que estou escrevendo esta carta, desperto de meu sono de morte, passei o mais luminoso dos dias que me foram concedidos na terra a me perguntar, com pranto e lágrimas, com que poderia retribuir ao Senhor por tudo o que Ele me fêz.

Eis, caríssimos, que agora é nossa vez de nos dispormos a ir ao nosso Criador pelo caminho do pureza".

Nesta carta, quando Santo Antão cita

"o mais luminoso dos dias que lhe foram concedidos, desperto de seu sono de morte",

está se referindo a um efeito da virtude da fé.

Quando ele menciona ter chegado

"a nossa vez de nos dispormos a ir ao nosso Criador",

está se referindo à virtude da esperança. Junto com a esperança, de fato, surge com ela, conforme diz a regra de São Bento,

"com toda a cobiça espiritual, o desejo da vida eterna".

A esperança, porém, já estava em preparação como também já estava contida na fé de que falam as Escrituras. A fé pela qual se inicia a obra da restauração humana é um conhecimento sobrenatural que pressupõe a esperança que se origina dela própria; se não fosse assim, jamais São Paulo teria definido a fé como

"a substância das coisas que se esperam",

Heb. 11, 1

colocando a virtude da esperança na própria definição que explica o que é a fé.

É por isso que também no texto acima de Santo Antão, depois de ter comentado a respeito de ter chegado

"a nossa vez de nos dispormos a ir ao nosso Criador",

referindo-se à esperança, retorna novamente a falar da fé, ao dizer que isto se faz através do

"caminho da pureza",

como se a fé, o caminho da pureza, necessitasse primeiro da esperança para poder caminhar. "O caminho da pureza", de fato, é o caminho pelo qual se vai a Deus, que se inicia pela fé, a virtude que possui como uma de suas características essenciais a qualidade da pureza.

No Terceiro Livro das Sentenças de Pedro Lombardo encontra-se a também a seguinte definição da esperança:

"É uma virtude pela qual esperamos confiantemente os bens espirituais e eternos, uma expectativa certa da futura bem aventurança".

A virtude da esperança, diz Pedro Lombardo, é "uma expectativa certa", porque a esperança tem sua origem na fé; participa, portanto, da certeza da fé. Sua certeza, porém, não é a certeza de que a futura bem aventurança será infalivelmente alcançada, coisa que Deus não prometeu de antemão a ninguém, mas a certeza de que Deus nos ama muito e que tem tudo pronto para acolher os que correspondem à sua graça. Quando, portanto, através da fé, reluz diante dos homens o amor que Deus nos demonstra, surge neles a virtude da esperança e os bens eternos despontam como bens certamente possíveis e ao seu alcance, como se estivessem, apesar de sua dificuldade, apenas um pouco mais à frente:

"Apodera-se deles",

diz a Regra de São Bento,

"o desejo de caminhar para a vida eterna; por isso lançam-se como de assalto ao estreito caminho do qual diz o Senhor que conduz à vida".

Estas palavras de São Bento podem atribuir-se com razão à virtude da esperança, a qual, por sua vez, germina da virtude da fé.

Já vimos o Salmo 84 dizer coisas semelhantes a respeito da fé e da esperança que dela surge, ao reportarmos suas palavras de admiração sobre os que vivem na casa do Senhor, isto é, os que vivem da constância da fé:

"Bem aventurados, Senhor, os que moram na tua casa.

Caminham com vigor sempre crescente, verão o Deus dos deuses em Sião".

Tal é a fé animada pela esperança.