Primeira Parte

Para compreender o surgimento da civilização hebraica, cujo início data aproximadamente de 2.000 AC, é preciso saber que os primeiros relatos históricos, isto é, relatos escritos que temos do homem datam de pouco antes do ano 3.000 AC, mil anos, portanto, antes do início da história que propriamente nos interessa. O período anterior à época que se inicia com a escrita é chamado de período pré histórico.

Por volta do ano 3.000 AC havia três civilizações no mundo que conheciam a escrita, todas elas que se desenvolveram ao longo do curso de grandes rios: os Sumérios, os Egípcios e uma terceira recentemente descoberta que floresceu ao longo do rio Hindo na região do atual Paquistão.

Os sumérios estavam organizados em uma federação de cidades ao longo da Mesopotâmia, no lugar em que hoje fica o Iraque. É um lugar fértil, propício à agricultura, onde correm os rios Tigre e Eufrates. Os sumérios estavam organizados em cidades independentes, as quais, porém, tinham escrita, cultura e religião em comum.

Já os egípcios estavam submetidos ao poder absoluto de um único faraó, soberano de todo o Egito. A civilização egípcia floresceu ao longo do rio Nilo, graças também à facilidade que este rio propiciava à atividade agrícola.

Os grandes rios do Egito e da Mesopotâmia, favorecendo a agricultura, fizeram com que os habitantes destas regiões não precisassem deslocar-se constantemente para obter alimentos; o excedente de produção propiciado pela agricultura permitiu o aparecimento de outras classes sociais que podiam se dedicar ao estudo e às atividades do espírito.

A civilização hebraica tem sua origem assim em uma cidade do norte da Suméria chamada Ur. Por volta do ano 2.000 AC, aproximadamente, nela vivia um homem chamado Abraão, neto do tataraneto de Héber, de onde veio o termo hebreu. Segundo afirmam as Sagradas Escrituras, a principal fonte de conhecimento da história dos hebreus, o próprio Deus teria ordenado a Abraão que fosse habitar uma terra situada entre a Suméria e o Egito com as seguintes palavras:

"Sai da tua terra e da tua parentela, e da casa de teu pai, e vem para a terra que eu te mostrar. E eu farei sair de ti um grande povo, e te abençoarei, e engrandecerei o teu nome, e serás bendito. Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as nações da terra".

Gen. 12

Abraão, pois, abandonou sua terra e foi morar na terra de Canaan, atualmente Palestina ou Israel. Lá Deus lhe falou novamente que haveria de dar aquela terra à sua posteridade.

Abraão teve um filho chamado Isaac, e deste um neto chamado Jacó. Ambos habitaram a terra de Canaan levando uma vida semi nômade como pastores. Quando Jacó, mais tarde, já tinha doze filhos, uma terrível fome assolou o mundo da época e o obrigou a se transferir para o Egito com os seus filhos, onde se estabeleceu na região da desembocadura do rio Nilo chamada terra de Gezem.

Os doze filhos de Jacó se multiplicaram de tal modo na terra do Egito que acabram se tornando um povo dentro de outro povo; este povo foi chamado de hebreu ou judeu, sendo pois até hoje os judeus os descendentes de Abraão. A multiplicação do povo judeu em terras egípcias foi tão grande que o Faraó julgou que deveria submetê-los à escravidão para evitar um possível levante contgra os egípcios. Este estado de escravidão durou aproximadamente até ao ano 1.200 AC, quando o judeu Moisés recebeu junto ao Monte Sinai uma ordem de Deus para se dirigir ao Faraó e exigir dele a liberdade para o seu povo.

Como o Faraó não aceitasse as exigências de Moisés, Deus enviou por meio dele aos egípcios as 10 pragas descritas no Êxodo, até que, após a décima, o Faraó cedeu e deixou o povo judeu partir. Atravessaram os judeus as águas do Mar Vermelho que se abriram ao toque do bastão de Moisés, e passando pelo leito enxuto do mar chegaram ao pé do Monte Sinai, onde Moisés recebeu a Tábua dos 10 Mandamentos.

Mas, além dos 10 Mandamentos Moisés estabeleceu uma longa legislação moral, judicial e cerimonial, que formou a base de toda a cultura hebraica posterior. Esta legislação, cheia de sabedoria e de padrões muito mais elevados do que de todos os povos da época, está contida nos cinco primeiros livros da Bíblia denominados em grego Pentateuco e em hebraico simplesmente de Torá, ou Lei.

Após receberem todas estas leis e caminharem durante 40 anos pelo deserto, os hebreus entraram finalmente na terra da Palestina da qual se apoderaram militarmente e passaram a nela viver. Durante cerca de duzentos anos viveram assim na terra de Canaan em uma confederação de doze tribos, correspondentes aos descendentes dos doze filhos de Jacó, neto de Abraão, sem rei nem governo central, unidos apenas pela descendência, e história comum e pelas leis que Moisés lhes havia estabelecido.

Aproximadamente no ano 900 AC a pedido do povo o profeta Samuel ungiu o primeiro rei dos judeus, chamado Saul, o qual se suicidou alguns anos mais tarde diante de uma batalha perdida.

Sucedeu-lhe o rei Davi, ungido também pelo profeta Samuel, que o escolheu entre os pastores do povo israelita. Foi Davi que conquistou a cidade de Jerusalém que, ao que parece, era bem antiga e datava desde antes dos tempos de Abraão. Davi instalou em Jerusalém a capital de seu reino.

Filho de Davi foi o rei Salomão, que construiu um imenso templo na cidade de Jerusalém, mas que cobrou pesados impostos de seu povo. Ao morrer Salomão, seu filho e herdeiro do trono, Roboão, anunciou que seus impostos seriam muito mais pesados. Mal aconselhado por seus jovens amigos criados junto com ele, suas primeiras palavras ao povo depois de assumir o trono foram:

"Meu pai vos impôs um jugo pesado, e eu ainda aumentarei o peso deste jugo. Meu pai açoitou-vos com correias, eu vos açoitarei com escorpiões".

1Reis 12,14

Resultado imediato destas palavras foi uma revolução civil; as 10 tribos que viviam ao norte da Palestina se separaram e formaram o Reino de Israel sob o comando de Jeroboão; duas tribos ao sul, a de Benjamim e Judá, ficaram fiéis a Roboão e conswtituíram o Reino de Judá. Embora Roboão dispusesse de 180 mil homens prontos para a guerra, desistiu de lutar contra o Reino do Norte e aceitou as coisas como estavam.

Enquanto isso, na Mesopotâmia muita coisa havia mudado. Na época em que Abraão havia se mudado de Ur para a Palestina, as cidades sumérias se uniram e formaram o Império da Babilônia; seu sexto rei Hamurabi legislou o famoso Código de Hamurabi, base de um império que durou em torno de um milênio. Por volta da época em que o povo judeu se dividiu em duas nações, Judá ao sul e Israel ao Norte, porém, um povo vindo da região situada ao norte da Mesopotâmia conquistou os babilônios e fundou o Império Assírio.

No ano de 721 AC os assírios cercaram durante três anos a capital do Reino do Norte de Israel, chamada Samaria, ao fim do qual deportaram os judeus do norte para o Mesopotâmia. No seu lugar vieram outros povos mesopotâmios que, miscigenando-se com a cultura local, fundiram o hebraico com línguas caldaicas, daí resultando a língua aramaica e um povo que passou a ser conhecido como samaritano.

Mais tarde caiu na Mesopotâmia o Império Assírio. No seu lugar surgiu o Segundo Império Babilônico. Este império invadiu o Reino do Sul de Judá e após outro certo de três anos à cidade de Jerusalém, capital de Judá, prendeu o "rei Sedecias, matou os seus filhos em sua prença, vasou-lhe os olhos e o levou para a Babilônia", juntamente com todo o povo do Reino de Judá (2Reis, 25). Queimaram também o templo construído em Jerusalém por Salomão, as casas e os edifícios de Jerusalém, e derrubaram os muros da cidade e o resto do povo que ainda tinha permanecido na cidade, deixando apenas alguns pobres agricultores.

O povo judeu do Reino de Judá, mais fiel à legislação de Moisés do que o Reino do Norte de Israel, ficou exilado 70 anos na Babilônia. Lá não perderam sua identidade cultural nem religiosa, nem se misturaram com os outros povos mesopotâmicos. Ao contrário, passaram a se reunir aos sábados para lerem a Lei de Moisés; as casa em que estas reuniões eram feitas passaram com o tempo a constituir as primeiras sinagogas. Uma parte do povo começou a se dedicar ao estudo da lei de Moisés para poder comentá-la nestas reuniões; surgiram então os primeiro rabinos e, em torno deles, alunos que começaram a formar as primeiras academias de teologia. Nestas academias era proibido o uso de quaisquer livros além da Torá; todos os comentários dos grandes rabinos tinham que ser guardados de memória e passados de geração em geração, de professor a aluno, oralmente e com fidelidade.

Surgiram também na época que precedeu o exílio da Babilônia, durante o exílio e após o mesmo, os grandes profetas que marcaram a vida do povo judeu e deixaram livros escritos: Elias e Eliseu, que viveram no Reino do Norte; Isaías e Jeremias, que viveram no Reino do Sul, todos estes antes do exílio; Ezequiel, durante o exílio, viveu na Babilônia; e Daniel, da época posterior ao exílio, também viveu, embora judeu, como funcionário na côrte do Império Persa.

Setenta anos após a deportação dos judeus para a Babilônia, em 521 AC, o rei Ciro dos persas conquistou o Império Babilônico e libertou o povo judeu para retornar a Jerusalém e reconstruírem a pátria. Também nesta época os persas conseguiram a façanha militar de, pela primeira vez na história, derrotarem as forças militares do Egito na batalha de Pelusa, levando exilados para a Mesopotâmia a côrte do Faraó e todos os sábios do Egito. Foi isto o fim da civilização egípcia, que já tinha quase três milênios de duração.

Desta maneira, na História Antiga, houve duas regiões em que houve povos altamente civilizados, uma ao longo do rio Nilo e outra ao longo dos rios Tigre e Eufrates. Na primeira, os egípcios permaneceram estavelmente durante quase três milênios. Na segunda, assistiu-se à sucessão dos sumérios, dos babilônios, dos assírios, dos babilônios novamente e dos persas. Os persas, que sucederam os babilônios na Mesopotâmia, se tornaram a maior potência militar que a história tinha visto até o momento e donos de toda a Ásia, incluindo o Egito, o Oriente Médio, a atual Turquia, a Mesopotâmia e estendendo seu poderio até as regiões da Índia.

Durante toda esta época a história do povo judeu foi uma série de vicissitudes entre as forças políticas dos egípcios e dos mesopotâmios. Quando, após a conquista da Babilônia e do Egito pelos persas, estes puderam voltar para a Palestina e reconstruir a cidade de Jerusalém e o Templo de Salomão destruído pelos babilônios, a maior parte do Antigo Testamento já havia sido escrito e foi então que começou a marcar presença no mundo a civilização grega, a segunda das três que compuseram a nossa a aparecer na história.

A fonte histórica para o conhecimento da civilização hebraica desta época é quase que exclusivamente a Sagrada Escritura. A história de Abraão, de seu filho Isaac e seu neto Jacó, e de sua mudança para o Egito está contada no livro de Gênesis, do capítulo 12 até ao fim.

A libertação do povo judeu do Egito feita por meio de Moisés é narrada no livro do Êxodo, do início até o capítulo 20.

As leis dadas por Moisés ao povo judeu, e sua estada de 40 anos no deserto é narrada no restande do livro do Êxodo, no Levítico, Números e Deuteronômio.

A conquista da terra prometida por meio de Josué, sucessor de Moisés no comando do povo judeu é narrada no livro de Josué.

Os primeiros dois ou três séculos em que os judeus viveram na terra de Canaan sem terem reis como governantes são narrados no livro dos Juízes.

A história do profeta Samuel e de como ele consagrou Saul como primeiro rei de Israel, juntamente com o relato de seu reinado encontra-se no primeiro livro de Samuel.

A narrativa do reinado de Davi que sucedeu a Saul e conquistou a cidade de Jerusalém encontra-se no Segundo Livro de Samuel.

O reinado de Salomão e a construção do templo de Jerusalém encontra-se nos onze primeiros capítulos do Primeiro Livro dos Reis.

A divisão do povo judeu no Reino do Norte de Israel e no Reino de Juá ao sul até a conquista do Reino do Norte pelos assírios e do Sul pelos babilônios encontra-se no restante do primeiro livro dos reis e todos o Segundo Livro dos Reis.

Os setenta anos de exílio na Babilônia por parte do Reino de Judá não estão contados em nenhum livro da Bíblia; há referências a este período nos Salmos e nos livros dos Profetas.

A volta do exílio, a reconstrução de Jerusalém e de seu templo são narrados nos Livros de Livros de Esdras e Neemias.

As vidas dos profetas Elias e Eliseu encontram-se narradas dentro do Primeiro e Segundo Livro dos Reis; estes não deixaram escritos. Isaías encontra-se também no segundo livro dos Reis, mas ademais ele deixou-nos escritos um livro seu próprio. Quanto a Jeremias, Ezequiel e Daniel, a fonte para o seu estudo são os seus próprios livros.