CAPÍTULO 87

Terminando o Concílio de Constança, quando Poggio Bracciolini voltou para a Itália, nos anos que se seguiram uma dúzia de humanistas italianos viajaram para a Grécia e para Constantinopla, financiados pelos governantes das cidades italianas, em busca de manuscritos dos livros apontados por Quintiliano e outros mais que pudessem existir.

Um só destes humanistas, Giovanni Aurispa, trouxe em uma única viagem 238 livros novos de Constantinopla.

"Quando tais exploradores literários retornavam para a Itália com seus achados eles eram recebidos como se fossem generais vitoriosos, e os príncipes pagavam regiamente por uma participação nos seus espólios. Com a queda de Constantinopla muitos clássicos mencionados nos livros dos escritores bizantinos se perderam, mas milhares deles se salvaram, todos eles tendo vindo parar no norte da Itália",

reafirma Will Durant.

"Uma revolução editorial se iniciou. Os textos assim recuperados eram estudados, comparados, corrigidos e explicados. Como muitos destes trabalhos exigiam conhecimentos de grego, iniciou-se a procura de professores de grego. Uma febre começou a se apossar de todas as cidades italianas, começando pela cidade de Florença, em que os novos sábios eram pesadamente apoiados pela família governante dos Médici".

O estilo começou a se tornar mais importante do que a substância, e a arte oratória começou a se espalhar pelos salões das cortes. Para a maioria dos humanistas, deslumbrados diante das descobertas que se faziam, os dez séculos entre Constantino e os anos 1300 DC haviam sido um erro, uma tragédia, uma perda de rumo, um tempo precioso perdido por causa da divulgação do Cristianismo. Os humanistas tornaram-se não apenas secretários e conselheiros de senadores, senhores, duques e príncipes, mas também, com a fascinação de sua eloqüência, transformaram completamente o ideal pedagógico dos homens das cortes. Posteriormente veremos como este ideal pedagógico, a concepção do que é a formação do homem, se alastrou não só para as cortes, mas também para toda a sociedade da época. Ela criou raízes tão profundas que se tornou praticamente impossível para os homens de épocas posteriores, mesmo para muitos sábios cristãos, sequer ter uma idéia de como havia sido a educação na época precedente em que ela havia se desvencilhado das antigas idéias pagãs e não somente se baseava quase que totalmente nos mais profundos princípios da formação humana encontrados no Cristianismo, como também levava naturalmente à compreensão destes mesmos princípios.

Estava-se, com isto, iniciando-se uma nova era para a humanidade, uma época em que os homens começariam a ser formados de modo a já desde o início poderem compreender cada vez menos o que o Evangelho tinha a dizer.

No texto de Apresentação à Página de Introdução ao Cristianismo mencionou-se o fato de como o Cristianismo pode parecer uma coisa simples para os que o abraçam com sincera boa vontade mas, à medida em que estas mesmas pessoas, em sua boa vontade, perseveram no chamado da graça e vão crescendo na caridade, chega um momento em que se deparam com a grandeza de algo que elas começam a perder de vista, como que percebendo situar-se além de tudo quanto possam imaginar. Começam a perceber a profundidade que se esconde por trás do Evangelho, da qual também São Paulo Apóstolo testemunhou na Epístola aos Coríntios, quando disse:

"Aquilo que Deus preparou para aqueles que O amam, nem o olho viu, nem o ouvido escutou, nem jamais passou pela mente humana".

I Cor. 2, 9

O Evangelho é, pois, algo tão profundo que para se intuir a realidade de sua extensão que se perde de vista é necessário, conforme ele próprio o diz, usar

"todo o nosso coração, toda a nossa alma, toda a nossa mente e todas as nossas forças".

Mc. 12, 28

Ora, que acontecerá, porém, se a formação do homem, ainda que às vezes se conceda que paravelmente se ministre alguma aula de religião, passa a ser inteiramente trabalhada em toda a sua concepção fundamental e todas as suas linhas mestras para conduzir à compreensão de outros objetivos cada vez mais estranhos ao Evangelho? Este homem estará sendo, na verdade, cada vez mais educado para não ser mais capaz de compreender o Evangelho. Ele poderá dizer-se cristão, mas nada ou muito pouco será capaz de compreender daquilo para o que Cristo o chama.

Foi um processo assim que principiou a acontecer durante a Renascença, no início apenas nas cortes dos déspotas italianos. Em toda a Itália a educação das famílias dos príncipes passou para a mão dos humanistas e, diz Jacó Burckhardt, é sintomático, quanto a este fato, como

"a redação dos tratados de educação dos príncipes, antes trabalho dos teólogos, passou agora para o domínio dos humanistas".

A partir daí, acrescenta Jacó Burckhardt,

"iniciou-se uma natural aliança entre o déspota e o humanista, ambos os quais repousavam unicamente sobre os seus próprios talentos".