10. A causalidade final.

Chamamos de causa eficiente ao agente externo que é princípio ativo de movimento e de repouso. A causa eficiente é aquilo que efetivamente faz com que o ente móvel se mova. Por contraposição à causa eficiente, que é princípio externo de movimento, a matéria e a forma são princípios intrínsecos do movimento. A matéria e a forma, porém, também podem ser chamados de causa na medida em que, segundo S. Tomás,

"É propriamente dito ser causa de alguma coisa aquilo sem o qual esta coisa não pode ser, pois todo efeito depende de sua causa".

III Q. 86 a.6

Tomando o nome de causa nesta acepção mais ampla, não é apenas a causa eficiente que pode corretamente ser dita causa, mas também a matéria e a forma, as quais são, neste sentido, chamadas de causa material e formal. Pode-se dizer então que o movimento exige, para poder ser explicado, pelo menos três linhas de causalidade. Como princípios intrínsecos o movimento exige a causalidade material e a causalidade formal, e como princípio extrínseco o movimento exige a causalidade eficiente.

No entanto, devemos acrescentar agora que apenas a causalidade material e formal, como princípios intrínsecos, e a causalidade eficiente, como princípio extrínseco, não são suficientes para explicar completamente o movimento. Para tanto deve-se acrescentar a estes um outro modo de causalidade, chamada de causalidade final.

Algo é dito ser causa final de um movimento na medida em que este algo é um fim para um determinado movimento. Quando vamos a algum lugar para tratar de algum assunto dizemos que este assunto é a causa final do movimento, porque todo o movimento de dirigir-se ao tal lugar foi feito tendo em vista aquele fim. Embora este exemplo seja tirado da psicologia em vez da natureza em geral, ele é exato e particularmente claro para se entender o que é a causalidade final, e é por meio deste tipo de exemplo que Aristóteles e Santo Tomás costumam explicá-la pela primeira vez. O exemplo é exato porque o assunto a ser tratado foi verdadeiramente o fim em função do qual se deu o movimento e pelo qual o movimento se explica como por uma de suas causas. Quando perguntamos porque tais ou quais pessoas se dirigiram a um determinado lugar e alguém nos responde que foi para tratar de um determinado assunto, costumamos entender com isto que nos foi dada uma explicação satisfatória das razões daquele movimento.

No entanto, a causalidade final ocorre em uma extensão muito mais ampla do que nos é sugerido por este exemplo tomado da psicologia. Segundo Aristóteles e S. Tomás de Aquino todos os movimentos da natureza se realizam tendo em vista algum fim, e não apenas os atos humanos, mesmo considerando que no caso da natureza em geral as causas eficientes envolvidas, diversamente de como sucede no caso dos atos humanos, não são inteligentes e por isso mesmo não têm consciência do fim ao qual se dirigem.

Nos movimentos inconscientes da natureza encontra-se uma causalidade final não porque haja uma intenção deliberada do agente externo, mas porque a ação deste agente externo que age como causa eficiente tem sua origem em uma determinada forma que este agente deve possuir para poder estar em ato. Isto faz com que esta causa tenha que estar determinada em seu modo de ação a um determinado fim. Assim, a ação da forma que faz com que o agente externo fogo seja tal dirige-o por sua própria natureza para o aquecimento, e este aquecimento é a causa final do movimento de que o fogo é causa eficiente.

Toda causa eficiente, para agir como tal, tem que estar em ato. Isto ocorre por causa de uma determinada forma, a qual também confere uma pré-determinação para o modo de agir desta causa eficiente. Segue-se daqui que todos os movimentos da natureza são necessariamente ordenados a algum fim. O fato facilmente observável de que agentes naturais semelhantes sempre agem de modo semelhante é indício de que a natureza se comporta, em seus movimentos, com uma ordenação a algum fim. A palavra que, em grego, significa fim ou finalidade é `teles'; diz-se, por isso, que a natureza é necessariamente teleológica em seus movimentos.

Assim entendida, a causalidade final é a causa que move a causa eficiente, a qual, por sua vez, move o composto cujos princípios intrínsecos são a causalidade material e formal. A causa final é, portanto, a causa de todas as outras causas, ou simplesmente a causa das causas e é, neste sentido, também a verdadeira explicação última do movimento. Segundo esta concepção da natureza, essencialmente teleológica, só se poderá dizer que o movimento é verdadeiramente conhecido quando for possível explicá-lo por meio da causa final, e não quando apenas identificamos a causa eficiente.

O seguinte exemplo, sem nenhum prejuízo por se tratar de uma situação psicológica, ilustra perfeitamente bem a afirmação de que o movimento só pode ser plenamente conhecido pela causalidade final. Ocorreu um crime. Alguém foi encontrado morto. Queremos a explicação do ocorrido e alguém nos diz que o desventurado, como todos os homens, era um ser corruptível e, portanto, nada haveria para se admirar no fato de que ele tenha morrido. Esta seria a explicação pela causalidade material e formal; embora correta, pouco satisfará ao investigador de polícia ou ao parente da vítima. Eles exigem uma melhor explicação. Alguém então lhes relata que o homem morreu porque uma terceira pessoa lhe havia disparado um tiro de revólver. Esta é a explicação pela causa eficiente, e é melhor do que a anterior, mas ainda assim não satisfará inteiramente. Queremos saber efetivamente por que o homem morreu. Então surge alguém que nos explica que o pobre homem havia tentado imprudentemente reagir a um assalto e o ladrão, sentindo a sua própria vida ameaçada, atirou na infeliz vítima. Esta seria a explicação pela causa final e só quando se chega a este ponto é que julgamos haver sido explicado o que ocorreu em sua integridade.

O mesmo ocorre com a natureza, diz Aristóteles. Ela não se explica suficientemente enquanto não se alcança a linha da causalidade final. Esta causalidade teria que existir necessariamente, qualquer que fosse o modo como a natureza tivesse sido construída, já que o composto de matéria e forma, causas intrínsecas necessárias ao movimento, só pode ser levado ao movimento através de uma causa eficiente em ato. Esta causa eficiente, na medida em que está em ato através de sua própria forma, tende necessariamente para algo determinado, e este algo determinado é a causalidade final do movimento. A causalidade final, deste modo, não é uma questão psicológica, mas de Filosofia Natural. Ela é conseqüência do fato de que o agente, para agir, deve estar em ato determinado por uma forma, e esta determinação é a razão da existência da causa final. A causalidade final não é conseqüência do livre arbítrio ou de um fator essencialmente psicológico. Se ela se manifesta mais claramente nos seres inteligentes, de onde foram tirados os exemplos anteriores, é porque ela existe de um modo mais nobre nos seres inteligentes, mas essencialmente pelos mesmos motivos pelos quais existe necessariamente na natureza em geral.

Vista sob este novo ângulo, a explicação da existência da causalidade final no caso dos seres inteligentes provém do fato de que neles a causa do movimento é a forma apreendida pela inteligência do agente que, através de sua vontade, causa o movimento. Conforme diz Santo Tomás:

"O ato da vontade nada mais é do que uma inclinação que se segue à forma apreendida pela inteligência, assim como o apetite natural existente nas coisas é uma inclinação que se segue às suas formas naturais".

I Q.87 a.4

"Todas as coisas se inclinam ao bem, embora de modos diversos.

Algumas se inclinam ao bem apenas por um hábito natural, sem conhecimento, assim como as plantas e os corpos inanimados. Esta inclinação ao bem chama-se apetite natural.

Outras se inclinam ao bem com algum conhecimento, não por conhecerem a própria razão do bem, mas conhecendo algum bem em particular. Assim ocorre com o sentido, que conhece o doce e o branco e outras coisas tais. Esta inclinação que se segue a este conhecimento é chamada de apetite sensitivo.

Outras finalmente se inclinam ao bem pelo conhecimento com que conhecem a própria razão do bem, o qual é próprio do intelecto. E estas se inclinam perfeitissimamente ao bem, não como que dirigidos ao bem por meio de outro, como aqueles que carecem de conhecimento, nem ao bem particular somente, como aqueles em que existe apenas o conhecimento sensível, mas como que inclinados ao próprio bem universal. E esta inclinação é chamada de vontade".

I Q.59 a.1

Esta explicação mostra por que a natureza da causalidade final é idêntica nos seres inteligentes e nos seres inanimados. A diferença que existe entre estes dois casos reside apenas no fato de que, enquanto nos seres inanimados esta forma é única e, por isso mesmo, sempre predeterminada a um fim também único, nos seres inteligentes dotados de vontade ela não é necessariamente predeterminada. Nos seres dotados de inteligência a forma apreendida pelas faculdades cognitivas pode variar e, por este motivo, suas faculdades não estão necessariamente condicionadas a um fim predeterminado. A causalidade final, por conseguinte, é mais propriamente um problema de Filosofia Natural do que de Psicologia; ela existe na natureza em geral no mesmo sentido com que existe nos seres inteligentes, embora nestes o seja de um modo mais nobre.