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Para entender esta afirmação, devemos voltar às concepções filosóficas dos primeiros
pre-socráticos. Eram pessoas que faziam da contemplação intelectual da natureza o
objeto da vida de suas inteligências.
Há que se lembrar da definição de filósofo de Pitágoras, a do indivíduo que, nos Jogos
Olímpicos, não tem nenhum outro interesse senão contemplar o que está acontecendo.
Ora, esta contemplação leva facilmente à percepção que a natureza em nossa volta,
apesar de não ser inteligente, parece participar da mesma espécie de racionalidade do
espírito humano. Nada ela faz por acaso, tudo parece ter uma finalidade. Basta
observar o corpo humano, as plantas, os diversos animais, a interdependência entre
eles e deles para com o resto do mundo e dos corpos celestes. Se esta ordem e estes
fins foram ou não escolhidos inteligentemente, isto não importa para o que estamos
examinando. O que importa é que tudo se passa como se o tivesse sido, pois se o
tivesse sido, provavelmente não teria sido possível que se o tivesse feito de um modo
melhor. A natureza parece se comportar tal qual uma obra de arte feita por uma
inteligência que soube combinar milhares e milhares de elementos na medida mais
engenhosa possível. Os desenvolvimentos modernos da Física, da Química e da
Biologia, longe de desmentir este fato, não fazem mais do que confirmá-lo mais
profundamente. A Bioquímica mostra que não só os órgãos, mas qualquer substância
química que se encontre no corpo humano ou no corpo de qualquer ser vivo, ainda que
seja nos seus mínimos traços, nunca está ali sem sentido. Podemos perguntar por que
está ali, qual a sua finalidade. E quando descobrimos o motivo, verificamos o quanto a
natureza conhecia o corpo daquele animal e como solucionou um problema
intrincadíssimo de química com uma solução que nenhum químico não só não
encontraria outra melhor, como também provavelmente não seria capaz sequer de
elaborar outra igual. Vamos abstrair de nossa discussão, pelo menos neste momento, se
foi uma inteligência, o acaso ou a evolução que fêz tudo isto. O fato é que,
independentemente de como isto aconteceu, à observação do filósofo, a natureza se
comporta evidentemente com a racionalidade e a estética do tipo que se encontram nas
obras de arte da inteligência humana, mas num grau de complexidade e de beleza muito
acima da capacidade de criação e de coordenação do homem.
Ora, quando analisamos uma obra de arte humana, uma música, por exemplo, embora
esta música seja feita de vibrações sonoras, não é correto dizer que o tipo de material
de que são feitas as cordas dos violinos ou as vibrações sonoras que são emitidas por
elas é que são a verdadeira essência da música. A essência da música está em uma
mensagem que não é materialmente identificável. Sua beleza está na harmonia e nas
proporções que ela apresenta, não no ar em que o som vibra ou no material de que é
feito o instrumento.
Ora, o filósofo contempla e aprende a contemplar a natureza de um modo que se parece
muito mais com alguém que ouve maravilhado uma sinfonia do que com os nossos
cientistas quando analisam os dados produzidos pelas experiências de seus
laboratórios. Eles faziam da natureza a música da inteligência, porque de fato ela se
comporta desta maneira. Parece que alguém quis tocar com ela uma música que só um
verdadeiro homem poderia ouvir.
É assim que parece que provavelmente Pitágoras discordou das primeiras posições
dos pré-socráticos. Quando ele afirmou que os números são a essência da natureza, e
não a água, o fogo, os prótons, os nêutrons, os elétrons ou as radiações
eletromagnéticas, queria dizer com isto que se a natureza se comporta ao modo da
racionalidade da mente humana, é a sua própria ordem que é a sua essência, e não o
material de que ela possa ser feita.
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