CAPÍTULO 113

Há uma maneira de exemplificar o comentário anterior chamando a atenção para um filme recente de Franco Zefirelli sobre a vida de São Francisco de Assis.

Neste filme, intitulado Irmão Sol, irmã Lua, trabalho de uma inegável rara beleza, Zefirelli fêz inúmeras alterações na história real de São Francisco de Assis para que esta concordasse com a estética do conjunto de seu longa metragem. Apesar das mutilações históricas, o diretor, em parte justamente por causa delas, conseguiu no final obter um efeito de conjunto de modo a fazer com que o expectador percebesse mais vivamente alguma coisa do que foi o espírito franciscano.

Mas no final deste filme há algumas cenas que merecem maiores comentários.

Nestas cenas São Francisco, tocado por algumas dúvidas, dúvidas que na realidade não existiram, dirige-se ao Vaticano para pedir conselhos ao Papa Inocêncio III.

A burocracia vaticana permite-lhe o encontro com o Papa, mas impede-o de falar como ele desejaria ter falado, com simplicidade e com suas próprias palavras.

Em vez disso, é-lhe entregue um pergaminho enrolado em duas barras de madeira onde há uma mensagem protocolar redigida em latim que São Francisco teria o privilégio de ler de joelhos, no interior da Basílica de Latrão, diante do Papa e do Colégio dos Cardeais reunidos em volta dele, receber a bênção apostólica e retirar-se.

Estamos no ano de 1210.

São Francisco entra na imensa Basílica de acordo com o cerimonial e ajoelha-se. Faz- se um imenso silêncio. Diante dele, em um trono muito elevado, está sentado Inocêncio III.

São Francisco desenrola o pergaminho e inicia a leitura do texto latino.

A um certo momento da leitura, mal iniciada, Francisco começa a gaguejar. Cai o pergaminho de suas mãos. O barulho das barras de madeira em que o pergaminho estava enrolado, ao bater no mármore do piso da Basílica, ecoa por todo o templo.

A cerimônia na verdade já estava toda prevista no cerimonial e os cardeais presentes já conheciam o texto que haveria de ser lido. Ninguém esperava que fosse acontecer qualquer imprevisto, mas o jovem parecia um pouco desajeitado e provavelmente deveria estar bastante emocionado. Por causa disso, durante algum tempo, ninguém ousou fazer nenhuma pergunta. O que todos estavam imaginando era que São Francisco retomasse o controle de suas emoções, reerguesse o pergaminho do solo e simplesmente continuasse a leitura.

Mas então São Francisco, em vez de levantar o pergaminho, levantou os seus olhos para o Papa e para os Cardeais e começou a questioná-los, não pelo pergaminho, mas com suas próprias palavras.

- Por que?

perguntou pela primeira vez, sem acrescentar mais nada, como se fosse evidente para todos qual fosse o restante da pergunta.

- Por que?

perguntou uma segunda vez.

- Por que?

- Por que tanta riqueza?

- Por que tanta ostentação?

- Olhai os lírios do campo. Eles não tecem nem fiam e, no entanto, nem Salomão se vestiu jamais como um deles.

- Olhai os pássaros do céu. Não ajuntam provisões nos celeiros, e, no entanto, a Providência não lhes deixa faltar o seu sustento.

Para quase todos os presentes, estupefatos, estas palavras foram um escândalo. Era mais do que um escândalo, era o cúmulo, era um mendigo ignorante querendo ensinar o Evangelho aos Cardeais da Santa Igreja Romana!

Os cardeais se levantam; estão ofendidos. Inicia-se um tumulto.

Inocêncio III, no silêncio, sentado em seu trono, também duramente atingido, mostra, entretanto, pela sua fisionomia, que percebe que aquele pobrezinho ajoelhado vários metros à sua frente está questionando com razão.