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A palavra `assomaton', isto é, `incorpóreo', é inusitada e
desconhecida não somente para muitos outros, como também para nossas
Escrituras. Se alguém no-la quiser apontar no livro que se chama
"A Doutrina de Pedro", onde o Salvador parece dizer aos
discípulos:
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"Não sou um demônio incorpóreo",
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deve-se-lhe responder, em primeiro lugar, que este livro não é
tido como pertencente aos livros da Igreja, e deve- se-lhe mostrar
que esta escritura não é nem de Pedro nem de qualquer outro que
tivesse sido inspirado pelo Espírito de Deus. Mas, ainda que isto
concedêssemos, o sentido da palavra `incorpóreo' neste texto não
é o mesmo que se depreende dos escritos dos autores gregos e gentios,
quando os filósofos disputam sobre a natureza incorpórea. Neste
livro fala-se de demônio incorpóreo no sentido em que, qualquer que
seja o hábito ou o invólucro do corpo do demônio, ele certamente
não é semelhante a este nosso corpo grosseiro e visível. Devemos
ler o que está dito segundo o sentido de quem compôs esta escritura,
que é se um corpo como o que possuem os demônios é naturalmente sutil
e como uma tênue aura, e por isso mesmo considerado ou dito
incorpóreo por muitos, ou se se trata de um corpo sólido e
palpável. De fato, segundo o costume dos homens, tudo o que for
daquele modo é chamado pelos mais simples e imperitos de incorpóreo,
como quando dizem que este ar que respiramos é incorpóreo, por não
ser um corpo que possa ser apalpado e guardado, ou que possa oferecer
resistência a quem o empurre.
Investigaremos, porém, se a própria realidade que os filósofos
gregos chamam de `assomaton', isto é, `incorpóreo', se encontra
nas Sagradas Escrituras com outro nome. Deve-se investigar,
também, como o próprio Deus deve ser entendido, se corpóreo e
dotado de alguma forma, ou se possuidor de outra natureza que não a
dos corpos, o que também em nossa pregação não é manifestamente
assinalado. O mesmo também deve ser investigado de Cristo e do
Espírito Santo, mas não de toda alma e de toda criatura racional.
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