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Ao santificar a doutrina segundo a qual cada
mulher deveria ter o número de filhos que deseja, e ao supor
que se ela tivesse apenas este número, isto restringiria
automaticamente o crescimento demográfico ao grau necessário,
os líderes das políticas atuais evitam a necessidade de
perguntar porque as mulheres desejam tantos filhos e como se
pode influir sobre este desejo. Fornecidos às mulheres todos
os meios, ainda permanecem as perguntas sobre quantos filhos
os casais desejam e se este é o número indicado sob o ponto
de vista do tamanho da população.
Os planejadores familiares não fazem caso omisso
da motivação. Falam constantemente de "atitudes" e
"necessidades". Mas apresentam a questão em termos da
"aceitação" de métodos od controle da natalidade. No nível
mais ingênuo, pressupõe que a falta de aceitação é uma função
do método anticonceptivo em si mesmo. Isto reduz o problema
dos motivos a uma questão tecnológica. A tarefa do controle
populacional então se torna simplesmente a invenção de um
instrumento que seja aceitável.
Suponhamos, porém, que a mulher não queira usar
nenhum anticonceptivo até que tenha tido quatro filhos. Este
é o tipo de pergunta que raramente se levanta na literatura
sobre planejamento familiar. Nesta literatura o desejo de um
número específico de filhos se toma como uma motivação
completa, porque implica num desejo de controlar o tamanho da
família. A mulher problema, do ponto de vista dos
planejadores familiares, é aquela que quer "os que vierem",
ou "os que Deus mandar". Sua atitude se interpreta como
devendo-se à ignorância e aos "valores culturais", e a
política julgada necessária para mudá-la é a "educação".
Nenhuma compulsão poderá ser usada, porque o movimento está
comprometido com a livre escolha, porém filmes sobre sexo,
posters, histórias em quadrinhos, conferências públicas,
entrevistas e discussões são permitidos. Estes proporcionam
informações e supostamente modificam os valores ao eliminar
superstições e demonstrar que a procriação irrefreada é
prejudicial tanto à mãe quanto aos filhos. Considera-se que o
esforço foi coroado de êxito quando a mulher decide que
deseja apenas um determinado número de filhos e emprega um
anticonceptivo efetivo.
Ao considerar as atitudes negativas em relação ao
controle da natalidade como devidos à ignorância, apatia, e
tradição conservadora, e a "comunicação de massa" como a
solução aos problemas de motivação, os planejadores
familiares tendem a fazer caso omisso da força e complexidade
da vida social. Se fosse admitido que a criação e os cuidados
para com novos seres humanos são socialmente motivados, como
outras formas de comportamento, por fazerem parte de um
sistema de recompensas e castigos que é inerente às relações
humanas, e assim ligados aos interesses econômicos e pessoais
do indivíduo, seria aparente que a estrutura social e a
economia devem modificar-se antes que se possa alcançar uma
redução premeditada no índice de natalidade. Na situação
atual, confiar no planejamento familiar permite às pessoas
acreditarem que "algo está se fazendo para resolver o
problema demográfico" sem necessidade de dolorosas
transformações sociais.
A classificação do controle demográfico como
tarefa médica ou de saúde pública conduz a uma evasão
semelhante. Esta classificação assegura o apoio popular
porque põe política demográfica nas mãos de pessoal médico de
respeito, porém, ao mesmo tempo, entrega a responsabilidade
da liderança a pessoas que pensam em termos de clínicas e
pacientes, de pílulas e de dispositivos intra uterinos, as
quais levam à manipulação dos fenômenos sociais e econômicos
uma ingenuidade muito segura de si. O estudo da organização
social é uma especialização técnica. Um programa de ação
baseado na intuição não apresenta maiores probabilidades de
êxito no controle dos seres humanos que na área do controle
das bactérias ou vírus. Ademais, a modificação de um sistema
social por meio de política premeditada, a fim de regular os
nascimentos de acordo com as demandas de bem estar coletivo,
requereria poder político, e não é possível que o tenham
funcionários dos departamentos de saúde, enfermeiras,
parteiras e assistentes sociais. Deixar a política
demográfica nas suas mãos é "atuar", mas não "atuar
eficazmente".
Mudanças suficientemente básicas para afetar a
motivação de ter filhos seriam mudanças na estrutura da
família, no papel das mulheres e nas normas sexuais. Longe de
propor medidas tão radicais, os porta vozes do planejamento
familiar declaram com freqüência que o seu propósito é a
"proteção" da família, isto é, a observância mais estrita
das normas familiares. Além disso, ao colocar maior ênfase
nos anticonceptivos novos e científicos, o movimento evade os
tabus associados com os mais antigos e permite que o
planejamento familiar se considere como um ramo da medicina;
a superpopulação se transforma em doença, que se deve tratar
com uma pílula ou espiral.
Percebe-se assim que a inadequacidade das
políticas populacionais atuais em relação à motivação é
inerente ao seu aspecto predominante de planejamento
familiar. Já que o planejamento familiar é, por definição,
planejamento particular, evita todo controle da motivação
pela sociedade. Seus líderes, ao evitar as complexidades
sociais e procurar a aprovação oficial, são obviamente
levados a isto não apenas pela conveniência, mas também pelos
seus próprios sentimentos como membros da sociedade e pelos
seus antecedentes pessoais de atraídos ao movimento de
planejamento familiar. Desconhecendo na maioria dos casos
economia, sociologia e demografia técnica, tendem honrada e
instintivamente a crer que algo que eles chamam de forma
imprecisa de controle demográfico pode alcançar-se mediante a
disponibilidade de melhores anticonceptivos.
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