|
Diz o Apóstolo que
|
"as coisas invisíveis de Deus
compreendem-se pelas coisas feitas,
assim como o seu poder eterno
e a sua divindade".
|
|
Por que motivo o Apóstolo distingue o poder eterno de Deus e a sua
divindade das coisas invisíveis de Deus, se ambas as primeiras
também são invisíveis? De fato, não se pode dizer
convenientemente que os animais vivem, e também os homens e os
cavalos, já que os homens e os cavalos são animais.
SOLUÇÃO.
Alguns dos nomes que são ditos de Deus significam o que Deus não
é, como imortal, imenso, eterno e infinito. Outros designam o que
há em Deus, como sábio e bom. Outros, enfim, pela sua
predicação designam o que é Deus, como bondade e sabedoria. Às
coisas invisíveis de Deus o Apóstolo acrescentou também o seu
eterno poder e a sua divindade para que alguém não julgasse que
somente pudessem ser compreendidas pela inteligência da criatura
aquelas que indicam o que não é Deus, como imenso.
Pode-se dizer também, segundo outros, que pelas coisas invisíveis
de Deus entende-se o Pai, pelo seu eterno poder o Filho, pela
divindade o Espírito Santo. Segundo isto pareceria que os
filósofos teriam tido, através das coisas criadas, conhecimento da
suma Trindade. Mas Santo Agostinho, comentando o Êxodo, diz que
os filósofos não chegaram ao conhecimento da terceira Pessoa, tendo
somente filosofado `perí ton agaton', isto é, `sobre o Pai', e
`perí nóon', isto é, `sobre o Filho'. Quanto a isto, dizem
alguns que os filósofos não tiveram, nem poderiam ter tido, a
distinção da suma Trindade que a fé católica confessa, a não ser
mediante a Revelação. De fato, Deus pode ser conhecido de quatro
modos. Dois destes modos são interiores; o primeiro é pela razão
natural, designado pelo Apóstolo quando diz:
|
"O que se pode conhecer de Deus,
é-lhes manifesto";
|
|
o segundo é pela inspiração divina, também designado em seguida
pelo Apóstolo quando diz:
|
"pois Deus lhos manifestou".
|
|
Os dois outros modos são exteriores; o primeiro é pelas coisas
criadas, designado pelo Apóstolo quando diz:
|
"As coisas invisíveis de Deus,
depois da criação do mundo,
compreendem-se pelas coisas feitas";
|
|
e o segundo é pela Sagrada Escritura, modo este que é
suficientemente manifesto. Deus, assim, quis em algumas coisas
esconder-se, para que a fé tivesse mérito, e em outras
manifestar-se, para que a infidelidade não tivesse desculpa.
Deve-se observar também que na magnitude de todas as coisas nota-se
a potência divina, na beleza a sabedoria, na utilidade a bondade, de
onde que consta que não somente em todas as coisas, como também em
cada uma delas reluz uma certa imagem e vestígio da Trindade.
Devemos, todavia, proceder com cautela quando examinarmos alguma
semelhança, seja para demonstrar a identidade da essência, seja para
sugerir a distinção das pessoas ou para mostrar que a Encarnação
pertence somente ao Filho, embora seja obra da Trindade.
|
|