CAPÍTULO 25

Piores, porém, foram as conseqüências que este estado de coisas teve para a vida da Igreja.

Na Igreja do tempo dos oito primeiros Concílios Ecumênicos os bispos eram eleitos pelo próprio clero local e ordenados pelos bispos da cidade mais importante da região, chamado de bispo metropolita.

Na época, porém, em que se instalou o Reino dos Francos no ocidente da Europa os soberanos, percebendo que uma aliança com o episcopado era geralmente uma garantia para a estabilidade dos seus governos, começaram a sugerir qual fosse o seu candidato favorito sem, porém, intervir nas eleições.

Gradualmente, porém, esta prática foi criando raízes e se degenerando, graças ao clima propício que o sistema feudal oferecia para tanto.

Algumas gerações mais tarde o bispo metropolita apenas poderia ordenar o candidato escolhido se a escolha fosse aprovada pelo soberano.

Num estágio posterior o soberano passou a escolher diretamente o candidato ao episcopado, cabendo ao clero apenas o direito de confirmar a escolha feita.

Em seguida, já em pleno regime feudal, o soberano ou o senhor feudal passou a considerar que as dioceses e as abadias eram propriedades dos feudos e que, portanto, depois que o bispo ordenasse o candidato ao episcopado, caberia ao senhor feudal celebrar a cerimônia de tomada de posse da abadia ou da diocese.

Num estágio posterior, visto que de modo geral as pessoas já consideravam como coisa certa que as dioceses e abadias fossem propriedades do senhor feudal, os senhores feudais passaram a exigir dos bispos e dos abades não apenas que se submetessem à cerimônia da investidura, mas também que prestassem juramento de fidelidade, obediência e vassalagem ao senhor feudal.

Mais adiante, como bispos e abades já eram vassalos do senhor feudal, o senhor feudal passou a exigir o direito não só de nomeá-los e de empossá-los, como também de destituí-los do cargo quando julgasse ter razões para tanto. O destituído não deixava com isto de ser bispo, coisa que em nenhuma época nenhum senhor feudal chegou ao ponto de imaginar que pudesse também ter o poder de o fazer, mas, se não perdia o caráter impresso pelo sacramento, o bispo podia perder toda a jurisdição sobre a diocese, que mesmo não destituído já não era dele em nenhum momento, e com isto tornar-se bispo de ninguém.

Chegados a este ponto, fica difícil imaginar como se poderia prosseguir adiante na seqüência deste processo, e o que mais haveria que pudesse ainda ser exigido pelos senhores feudais. O fato, porém, é que ele não parou aí. Já que estes bispos eram vassalos do senhor feudal, e eram também titulares de uma diocese que abrangia um determinado território, os soberanos e os senhores feudais passaram a exigir dos bispos seus súditos que se preocupassem não apenas com os problemas religiosos de suas dioceses, mas também e principalmente com os problemas relativos aos bens temporais, cobrança de impostos, defesa militar, e outros mais, coisa que, verificou-se, geralmente os bispos eram mais capazes e tinham mais autoridade para cumprir, no quadro social daquela época tão tumultuada, do que os dignatários seculares.

Aos poucos, porém, em muitos lugares da Europa esta prática foi se degenerando ainda mais até chegar ao ponto em que, como as principais ou a quase totalidade das preocupações de muitos bispos já eram de ordem temporal, os senhores passaram a designar leigos para assumirem os governos das dioceses, os quais por sua vez nomeavam um eclesiástico como ajudante para o desempenho das funções religiosas.

Estes leigos, porém, titulares de dioceses e abadias, na qualidade de leigos podiam se casar, e de fato se casavam. Mas ao fazerem isto, aos poucos passaram a considerar as dioceses e as abadias como bens hereditários de suas famílias.

Em vários lugares este processo ocorreu não apenas com as dioceses e os mosteiros, mas até mesmo com as paróquias. E grau menor, conforme iremos descrever adiante, ocorreu também com o Papado.

Este processo todo significou a quase destruição da Igreja na época do feudalismo. Isto porque a organização da Igreja, em grande parte, passava de geração em geração por meio do costume. Os oito primeiros Concílios haviam legislado sobre a organização da Igreja, mas não se tratava de uma legislação sistemática e exaustiva. Muita coisa boa se fazia porque vinha sendo feita desde a época dos Apóstolos por costume, sem necessidade da existência de uma lei promulgada oficialmente. Assim era, por exemplo, em sua maior parte, a formação dos futuros sacerdotes. É evidente que, com a desorganização produzida pelo sistema feudal, grande parte da estrutura e organização da Igreja deveria ser remontada por meio de uma legislação explícita. Fazer isto porém, não era fácil devido a uma série de problemas.

Primeiro, havia o problema de que a Igreja havia caído sob o férreo controle do braço secular.

Em segundo lugar, o que havia acontecido não era apenas uma desorganização da ordem administrativa. Juntamente com ela, boa parte do clero tinha perdido de vista o verdadeiro sentido da missão do sacerdote, e nele campeavam abusos, vícios e maus exemplos dos quais as pessoas não mais estavam dispostas a se corrigirem com facilidade. Ademais, a pregação e o ensino da mensagem evangélica havia se tornado para muitos padres e bispos uma questão secundária, os quais freqüentemente ascendiam em seus cargos movidos por interesses puramente seculares.

Em terceiro lugar, a própria Sé Romana não era totalmente independente e, mesmo que o fosse, no sistema feudal em que a Europa havia caído não havia estrutura para se fazer obedecer. As estradas e os meios de transporte e de comunicação eram muitíssimo precários. Cada feudo era um mundo à parte e não havia jornais, revistas, correios ou quaisquer meios de se fazer chegar regularmente uma determinada mensagem ou decreto ao conhecimento do mundo todo.