3. A posição da ONU na década de 70.

Conhecemos a posição da ONU nos anos 70 através de um relatório bienal da Organização Mundial de Saúde para 1976-77 e um artigo publicado em uma revista médica da Índia.

No Relatório Bienal para 1976-77 da Organização Mundial da Saúde lemos que

"As atividades da OMS no campo da saúde materna e infantil são realizadas em estreita colaboração com muitas organizações não governamentais e outros órgãos das Nações Unidas em várias áreas relacionadas com saúde e desenvolvimento: UNICEF, International Federation of Gynecology and Obstetrics, International's Children Center, International Pediatric Association, IPPF e muitos outros".

O número de entidades que englobam a quase totalidade dos esforços governamentais e não governamentais em pesquisa sobre controle de fertilidade, termo que nesta altura do acontecimento já incluía o aborto, são enumerados neste relatório como sendo quinze. Mais adiante lemos:

"Quinze agências governamentais e não governamentais com programas ativos de pesquisa no controle da fertilidade foram convidadas para um encontro patrocinado pela OMS em setembro de 1977. Estes representavam praticamente a globalidade do setor de investimentos públicos na pesquisa dos aspectos biomédicos e administrativos do planejamento familiar. O encontro revisou as prioridades, as estratégia e as atividades atuais e em perspectiva destas agências" (6, 65).

No mesmo relatório encontramos outro parágrafo sobre "tecnologia para o controle da fertilidade". Aí lemos que as atividades da OMS na

"pesquisa obre o controle da fertilidade apresentam dois aspectos principais:

A. Assessorar os países subdesenvolvidos na segurança eficácia e aceitabilidade dos métodos usuais disponíveis e

B. Conduzir pesquisas para melhorar estes métodos e desenvolver outros inteiramente novos" (6, 40).

Quanto ao primeiro ítem, o assessoramento aos países subdesenvolvidos, lemos a seguir que

"O assessoramento aos países subdesenvolvidos sobre os métodos existentes é necessário porque no seu conjunto, os estudos sobre a segurança e a eficácia de métodos tais como as técnicas de aborto somente foram feitos em mulheres de países desenvolvidos. As autoridade dos países subdesenvolvidos estão pedindo informações sobre até que ponto estes resultados são aplicáveis aos seus casos, dadas as diferenças de tamanho corporal, hábitos alimentares e características reprodutivas" (6, 41).

Neste parágrafo, portanto, ficamos sabendo que a OMS, e a ONU por conseqüência, já estava, em meados da década de 70 explicitamente trabalhando para a difusão da prática do aborto nos países subdesenvolvidos. No parágrafo seguinte somo informados que estas atividades já produziram resultados concretos:

"As conclusões dos estudos da OMS já tem sido incorporadas às políticas governamentais relacionadas com o término da gravidez" (6, 42).

Quanto ao segundo ítem do parágrafo 6.40, o melhoramento de novas tecnologias, encontram-se a seguir estas declarações:

"A abordagem do programa para fazer frente a estas necessidades segue três linhas principais, almejando:

A. Tornar métodos e técnicas correntes mais seguros, eficazes e aceitáveis,

B. Tornar disponíveis para os programas de planejamento familiar formas de controle de natalidade inteiramente novas que, na opinião dos responsáveis pela execução de tais programas, apresentassem considerável interesse em serem expandidas em aceitação e uso como por exemplo o aborto por meio de drogas" (6, 46).

"Desde a identificação de um composto, até o marketing de uma nova droga para o controle da natalidade o tempo necessário é usualmente entre 10 e 15 anos" (6, 47).

"O valor das prostaglandinas como um método não cirúrgico e mais seguro para o término da gravidez de segundo trimestre foi demonstrado pelo programa, e esta pesquisa está praticamente concluída. Um supositório de prostaglandina foi desenvolvido e está sendo testado para uso como um método auto administrado pela paciente para o término dos casos de gravidez de primeiro trimestre. Este método aliviaria enormemente a carga de serviço na área da saúde onde o aborto é utilizado nos programas de planejamento familiar" (6, 49).

Não é possível deixar de lembrar, lendo as páginas deste relatório, aquela afirmação do representante da Espanha na Assembléia Geral da ONU em outubro de 1962. Estava-se tentando fazer com que a Assembléia Geral discutisse a questão do controle da natalidade. Mas esta discussão jamais poderia ser realizada desvinculada da realidade de que todas as organizações que lidavam com o tema e que não poderiam deixar de tornarem os principais participantes da discussão já tinham certas orientações bem definidas por um processo histórico que já tinha, nesta altura, mais de um século e meio. "Se o controle da natalidade for admitido à consideração desta Assembléia", disse então o representante da Espanha, "será apenas uma questão de tempo para que práticas monstruosas como o aborto, o assassinato misericordioso e a destruição dos velhos sejam aceitas"(VII,6). Foram necessários apenas quinze anos para que esta afirmação começasse a se tornar realidade.

Estamos em condições de ter uma idéia da eficiência do trabalho mencionado pela OMS no campo do aborto através do caso específico da Índia, para o que contamos com um trabalho publicado no Journal of the Indian Medical Association. No número de primeiro de junho de 1976 encontramos um artigo assinado por Serla Grewal, Secretária Adjunta do Departamento de Planejamento Familiar do Ministério da Saúde e Planejamento Familiar da Índia. Lê-se neste artigo, em primeiro lugar, que por uma lei de 1971 o aborto na Índia é permitido em cinco casos, que são:

"1. Quando a mãe corre perigo de vida;

2. quando há risco da criança nascer defeituosa;

3. quando a gravidez resulta de estupro;

4. quando existem razões sócio econômicas para tal;

5. quando for verificada a falha dos métodos anticoncepcionais utilizados para prevenir a gravidez".

Duas páginas mais adiante o trabalho reconhece a "escassez de potencial humano capacitado como um dos maiores entraves para um rápido crescimento das facilidades para a interrupção médica da gravidez" e para tanto "ambos, o Conselho Médico da Índia e o Conselho de Enfermagem da Índia resolveram incluir o aborto nos currículos de graduação em Medicina e Enfermagem, respectivamente".

"A Organização Mundial da Saúde colocou à disposição do governo da Índia sessenta bolsas de estudo para treinamento de ginecologistas em técnicas avançadas de aborto no estrangeiro. Quarenta médicos já receberam treinamento e o restante o receberão em breve".

"Além disto, dez outras bolsas de estudo para administradores encarregados da administração da lei do aborto foram oferecidas pela OMS. Ainda mais, a OMS tem mostrado grande perspicácia no assessoramento ao Programa de Abortos na Índia de diversas maneiras, e estamos muito agradecidos a esta organização pela sua cooperação plenamente dedicada nesta questão vital".

"O governo da Índia, em colaboração com a OMS e com a participação do Conselho de Pesquisas Médicas da Índia instalará onze centros no país para o treinamento de médicos e técnicas avançadas de aborto".

Mais adiante o trabalho analisa as lacunas do programa recém implantado. Estas lacunas são divididas em três grupos. O primeiro grupo se refere às dificuldades jurídicas associadas à redação do texto da lei aprovada. O segundo grupo se intitula "dificuldades associadas com as atitudes dos médicos e enfermeiras", e se inicia lamentando que

"os profissionais como os médicos e as enfermeiras sempre foram ensinados pelo preceito e pelo exemplo a considerarem a vida humana como sagrada e a lutarem pela sua preservação".

Para mostrar o quanto isto é grave, logo em seguida a esta afirmação o artigo cita que 50% dos médicos de Bombaim se recusam a praticar o aborto e dos restantes 50% a metade chegaram ao ponto de

"nem querer realizar a operação por si mesmos, nem querer encaminhar as pacientes para outros médicos".

Cinco linhas adiante a autora mostra que estão sendo tomadas providências para modificar este quadro. Não é possível inferir do que ela diz qual o grau de participação da ONU nestas providências, mas não se deve esquecer que no relatório bienal da OMS mencionado acima se diz, explicitamente, que o programa desta entidade no controle da fertilidade, em que se incluem as técnicas de aborto, almejam também "assessorar os países subdesenvolvidos na aceitabilidade dos métodos disponíveis". O texto de S. Grewal, em particular, nos diz que

"tem havido uma sincera mudança (em relação ao aborto) observável nas atitudes dos ginecologistas trabalhando em um grande número de faculdades médicas e outros hospitais, nos seminários de nivelamento mantidos pelo programa de pós parto". "Em alguns destes seminários a evidência de uma tal mudança de atitudes é ainda mais marcante. Embora não possamos esperar uma mudança completa nas atitudes dos médicos, especialmente naqueles da velha geração, há muitas esperanças de tais mudanças por parte daqueles que chegaram recentemente aos meios profissionais e os médicos do futuro que agora estão passando pelas nossas faculdades, e é o fato de que eles estão sendo expostos a trabalhos como aquele que agora está sendo feito, como também aos seminários referidos anteriormente, que apressarão as mudanças de atitudes que nós tão rapidamente precisamos, se tivermos em mira prestar auxílio médico às muitas mães desamparadas, que arriscam suas vidas nas mãos dos não qualificados e inescrupulosos".

Até aqui o caso da Índia. Vamos examinar agora algo do que ocorreu nos Estados Unidos em matéria de aborto durante a década de 1970.