CAPÍTULO 96

Nas seções 105 a 111 do primeiro capítulo do Livro X das Instituições, finalmente, Quintiliano mostra como, por mais que se aproxime dos filósofos, seu ideal está longe do daqueles.

Ele descreve, na pessoa de Cícero, a quem ele admira como ao perfeito exemplo de sábio e de orador, quem é aquele que ele deseja realmente formar:

"Não me recuso a comparar Cícero com qualquer orador grego. Não ignoro a batalha que com isto ser-me-á levantada, se me apontarem a Demóstenes, entre os gregos, como o exemplo de perfeito orador.

Julgo semelhantes as virtudes de ambos estes homens. Há uma certa diferença na forma: um é mais denso, o outro mais prolixo; a mesma frase de um é mais trabalhada, a do outro é mais natural. Pode ser também que o gênio da língua latina nos dificultou certos efeitos que admiramos na língua grega.

Mas devemos ceder em um ponto: Demóstenes veio primeiro na história e, em grande parte, é ele que fêz de Cícero tudo o que ele é. Parece-me que Cícero, entregando-se inteiramente à imitação dos Gregos, apropriou-se da força de Demóstenes, da abundância de Platão, da jucundidade de Isócrates. Todavia não foi apenas pelo estudo que ele conseguiu aquilo que há de melhor em cada um dos outros. A maioria ou até mesmo todas as suas virtudes foi em si próprio que ele as encontrou, na felicíssima beleza de seu gênio imortal.

Conforme diz Píndaro, Cícero não se limitou a reunir as águas da chuva, mas se tornou ele próprio uma fonte viva e exuberante. Ele foi como um dom gerado pela providência para permitir que a eloqüência ensaiasse nele todas as suas forças.

De fato, quem mais do que Cícero pode ensinar com mais diligência ao ouvinte, quem pode movê-lo com mais veemência? Quem possuiria jamais tamanha jucundidade no falar? As próprias coisas que ele nos estorque somos levados a pensar que ele as pede, e mesmo quando ele impõe o seu ponto de vista sem justificativas, as pessoas parecem mais segui-lo do que ceder à sua pressão.

Mais ainda, tudo o que ele diz respira tamanha autoridade que nos envergonhamos de discordar, e não parece ser produto do estudo de advogado, mas conter a segurança da testemunha ou a confiabilidade do juiz, e todas estas qualidades fluem naturalmente, sem esforço, de tal modo que jamais nada tão lindo se ouviu, e o discurso traz consigo uma felicíssima facilidade.

É por isto, a título justo, que seus contemporâneos o proclamaram o Rei dos Tribunais, e a posteridade lhe conferiu não um nome de homem, mas o da própria eloqüência. Que o tenhamos diante dos olhos, portanto, e ele seja para nós como um exemplo proposto, e saiba alguém o quanto terá progredido quando passar a admirar verdadeiramente a Cícero".