CAPÍTULO 71

A cultura, portanto, que resultou de um mundo como este não é mais a cultura que se esperava que florescesse de fundamentos cristãos. É uma cultura de uma civilização que tem como base o culto da personalidade.

Atualmente pode parecer difícil imaginar uma forma diversa de desenvolvimento cultural, mas o fato é que, poucos séculos antes, os melhores estudantes geralmente procuravam o estudo depois de terem passado pelo que Cristo colocou no Evangelho como sendo a primeira condição para se aprender algo com ele:

"Quem não renuncia a si mesmo",

diz Jesus no Evangelho,

"não pode ser meu discípulo.

Bom é o sal, mas se até o sal se tornar insípido, com o que se lhe dará o sabor? Não servirá para mais nada, e será atirado para fora.

Assim também, qualquer um de vós, que não renuncia a quanto tem, e também à sua própria vida, não pode ser meu discípulo.

Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça".

Mt. 16, 24
Lc. 14, 26-33-34

Esta é, pois, uma condição prévia colocado por Cristo para ser seu discípulo. Portanto, uma condição prévia para poder aprender. A este mesmo respeito escrevia S. Paulo da Cruz em uma carta de 24 de outubro de 1723:

"Já que nosso Salvador nos deixou no seu Evangelho que quem não se nega a si próprio não pode ser seu discípulo, assim todos os santos, que quiseram ser verdadeiros discípulos de Jesus, têm estudado continuamente esta lição, e efetivamente a colocaram em execução.

Experimentam agora estes santos homens quanto bem lhes tenha trazido a contínua abnegação de si próprios.

Seja este, portanto, também nosso estudo, não apenas hoje, mas por todo o restante de nossa vida".

O que ocorre, porém, quando se alicerça a vida sobre o fundamento oposto?

A primeira coisa que ocorre é, de modo geral, perderem-se de vista os mais altos objetivos da vida humana. Embora seja esta apenas a primeira coisa que ocorra, só isto, por si só, já é uma tragédia, e uma tragédia que está se abatendo sobre toda a humanidade.

Para a maioria dos homens esta perda começa a acontecer quando eles deixam-se dominar desde cedo, em suas vidas, pelas suas paixões, fazendo com que os objetivos de suas existências sejam decididos por estas paixões e não pela luz da inteligência. Uma pessoa que renuncia de fato a si mesma não se deixa levar pelas suas paixões, mas a que segue pelo caminho oposto facilmente se deixa conduzir por elas e, ao fazer isto, abandona aqueles objetivos mais altos porque as paixões humanas sempre têm objetivos muito estreitos e limitados, jamais alcançando os que somente podem sê-los pela inteligência.

Tais pessoas passam a agir, portanto, como se estivessem privadas da razão em todas as decisões fundamentais que irão determinar o desenrolar de suas vidas. A inteligência que elas possuem, a partir daí, não será mais utilizada para decidirem os seus objetivos, mas apenas para elaborarem os meios para que se alcancem os objetivos que não foram escolhidos pela inteligência.

Com o tempo, a inteligência, que não é utilizada como fim, mas como instrumento, vai se obscurecendo de tal modo que chega à negação de qualquer objetivo mais elevado para a vida humana que não seja os da própria satisfação de suas paixões; os objetivos da vida humana passam a ser considerados como questões pessoais, como uma opção de gosto pessoal, expressão que na verdade significa que não são mais os objetivos que derivam da luz da inteligência, mas os impostos pelas paixões humanas.

O homem que vive neste estado está de antemão em um eterno preconceito com o Evangelho, pois o Evangelho viria trazer-lhe notícias de objetivos mais elevados, exatamente objetivos do tipo que ele nega.

Objetivamente falando, uma pessoa reduzida a este estado é uma pessoa que se degradou. Para quem não se encontrasse nestas condições, uma pessoa neste estado deveria causar-lhe uma tristeza profunda, assim como ao homem sóbrio causa tristeza assistir à degradação do alcoólatra. É o que, de fato, encontramos nos escritos dos homens santos, como em passagens como estas, tiradas das cartas de Santo Antão:

"Quero que saibais, meus filhos, o quanto sofro por vós quando vejo a profunda decadência que a todos nós ameaça.

Os homens, incapazes de exercerem sua inteligência segundo o estado de sua criação original, inteiramente privados de razão, sujeitaram-se à criatura em vez de servir ao Criador.

Meu coração se espanta e minha alma se aterroriza, pois mergulhamos no prazer como gente embriagada de vinho, porque deixamos reinar em nós a nossa vontade própria e nos recusamos e elevar nossos olhos para o céu, buscando a glória celeste".

Os homens que se recusam a elevar os seus olhos para o céu, buscando a glória celeste! Mas é justamente assim que hoje vivem a maioria das pessoas.

Se tais tivessem a coragem de renunciarem sinceramente a si próprias, o primeiro efeito que elas colheriam deste preceito de Cristo seria uma abertura da mente para um uso mais límpido da inteligência. Pode parecer à primeira vista paradoxal, mas a renúncia seria algo que lhes alargaria os horizontes.

Era exatamente porque faziam isto que, na época de Hugo de São Vitor e Santo Tomás de Aquino os melhores estudantes percebiam mais claramente o que era que de mais importante devia ser buscado com o estudo.

Já na Renascença aqueles que eram incentivados a produzirem intelectualmente não eram aqueles que haviam renunciado a si próprios, mas aqueles que haviam decidido cultivar ao máximo o seu próprio ego ou que eram patrocinados por tais homens. Foi no orgulho, e não na renúncia, que se começou a construir um mundo novo, um mundo exatamente oposto àquele que a humanidade e seus principais representantes haviam lutado durante dois mil anos para conseguirem implantar.