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A história de Roma se inicia por volta do ano 750 AC com a lenda de
Rômulo e Remo.
Havia nesta época uma cidade, na região do Lácio, na Itália central,
chamada Alba a Longa. Esta cidade era governada por dois irmãos, um dos quais viria a ser
o avô de Rômulo e Remo. Um destes irmãos, querendo governar sozinho, expulsou o outro e
matou toda a sua família exceto uma de suas filhas, chamada Reia Silvia. Mais tarde Reia
Silvia deu à luz duas crianças gêmeas. O tio, agora governante único de Alba a Longa, com
medo de futuramente perder o trono, colocou os dois bebês em um cesto e os jogou no rio
Tibre. Esperava que a correnteza os arrastasse para o mar onde morreriam afogados.
Entretanto, uma forte ventania que se iniciou subitamente pouco depois disso, soprando em
direção contrária à do curso do rio, fez com que o cestinho acabasse encalhando na margem
do rio a uma pequena distância de onde tinha sido abandonado. O choro das duas crianças
atraiu a atenção de uma loba, que passou a amamentá-las e delas cuidou como uma mãe.
Quando os dois gêmeos cresceram, receberam o nome de Rômulos e Remo.
Posteriormente, vieram a saber quem realmente eram e qual havia sido a sua história.
Voltaram à cidade de Alba a Longa, mataram o tio avô e reconduziram o avô ao trono. Se
tivessem tido um pouco mais de paciência, como príncipes herdeiros que eram, teriam
reinado também eles sobre Alba a Longa. Mas o fato foi que não quiseram esperar para
serem reis. Voltaram ao lugar onde muitos anos antes o cestinho havia encalhado e
resolveram fundar ali uma nova cidade na qual eles fossem os reis. Tiraram a sorte e
resolveram chamar a cidade pelo nome de Roma em homenagem a Rômulo.
Escolhido o local e o nome da futura cidade, os dois irmãos traçaram um
sulco no chão para assinlar os limites da cidade, construíram um pequeno muro sobre este
sulco e juraram matar quem quer que o violasse.
Remo, porém, possivelmente ainda chateado por não ter a cidade recebido o
seu nome, achou que estes muros não eram sólidos, e com um pontapé derrubou um pedaço
deles. Para sua desgraça o pontapé foi desferido logo após os dois irmãos terem jurado
matar quem violasse os limites da nova cidade. Rômulo julgou, pois, que era de seu dever
assassinar o irmão, o que fez com um golpe de pá, tornando-se assim o primeiro rei de
Roma.
Tudo isto teria acontecido no dia 21 de abril do ano 753 AC, ano que ficou
sendo o ano zero da fundação de Roma. A partir daí os romanos passaram a contar o tempo
em anos AUC, ou Ab Urbe Condita, isto é, desde a fundação da cidade. Cristo, assim, teria
nascido no ano 753 AUC, isto é, 753 anos após a fundação da cidade de Roma.
Durante aproximadamente 250 anos Roma foi governada por sete reis,
sucessores de Rômulo. Por volta do ano 500 AC foi proclamada a república e Roma passou
a ser governada teoricamente por três instituições:
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A. Dois cônsules,
B. O Senado,
C. A Assembléia Popular.
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Vamos explicar rapidamente como funcionavam estas três instituições, pois
isto é muito importante para a compreensão do que se segue.
Os dois cônsules eram eleitos pela Assembléia Popular para um período de
apenas um ano.
Na Assembléia Popular votavam todos os cidadãos, mas não por cabeça, e
sim por centúrias. Como porém as centúrias dos ricos eram menores em número de pessoas
do que as centúrias dos pobres, havia mais centúrias de ricos do que centúrias de pobres e,
portanto, eram eleitos cônsules sempre pessoas da classe rica. Depois de um ano de
mandato, os cônsules passavam a fazer parte automaticamente do Senado pelo restante de
suas vidas.
O senado não tinha teoricamente poder algum. Este nome, isto é, senado,
vem da palavra latina Senex, que significa velho. O senado, como o próprio nome indicava,
deveria ter sido, teoricamente, apenas um conselho de homens vividos e experientes. Sua
função deveria ter sido apenas a de dar conselhos aos cônsules. Quem tomava as decisões na
república eram os cônsules, mas tinham que submeter todas as decisões mais importantes
para serem votadas na assembléia popular. Assim, pelo menos na teoria, quem mandava na
república era a assembléia popular.
Na prática, porém, nenhum cônsul jamais se atreveria a submeter à
assembléia popular nenhum assunto sem antes consultar o senado, e muito menos se atreveria
a não seguir o conselho dos senadores. Portanto, quem governava de fato na política romana
não eram nem os cônsules nem a assembléia popular, mas o senado constituído de
aproximadamente 300 pessoas por mandato vitalício. Esta forma de governo é conhecida
como aristocracia; não é a monarquia, que é o governo de um só, nem a democracia, que é o
governo de todo o povo, mas um governo de poucos e, teoricamente, escolhidos entre os
melhores e mais sábios dos cidadãos.
Além desse sistema especial de governo, a outra base da força do povo
romano era o seu exército. O exército não era composto por militares de carreira, mas por
todos os cidadãos da república, pobres e ricos, que custeavam seus equipamentos bélicos
cada qual com os seus próprios recursos. O exército era convocado pelo cônsul sempre que
necessário. O voto dos cidadãos na assembléia popular, conforme dissemos, era dado não
por cabeça, mas por grupos de homens denominados centúras, as quais eram as unidades do
exército romano. Os cidadãos mais pobres só podiam custear equipamentos de guerra mais
baratos, daí que geralmente lutavam como soldados de infantaria; já os cidadãos ricos iam
armados a cavalo, com equipamentos mais sofisticados. Por causa disso, uma centúria de
cidadãos ricos de menos homens era considerada equivalente a uma centúria de cidadãos
pobres com maior número de soldados e é por este motivo que nas votações da assembléia
popular, apesar de haver mais pobres do que ricos, o número de centúrias de ricos era maior
do que o número de centúrias de pobres. Com este exército os romanos conquistaram toda a
Itália e depois toda a região ocidental do Mediterrâneo, isto é, a África do Norte, o sul da
França, na época chamada Gália, a Espanha e Portugal, na época chamadas Ibéria e
Lusitânia.
Este sistema de governo provou ser o mais perfeito da antiguidade e,
enquanto não se corrompeu, fez fama, tendo sido até mesmo nomeado das Sagradas
Escrituras.
De fato, logo após a conquista de Alexandre do mundo oriental, Roma foi
conquistando progressivamente toda a parte ocidental das terras banhadas pelo mar
Mediterrâneo. Quando os judeus se viram oprimidos pelos reis greco macedônios que
dominavam a Síria e o Oriente Médio, ouvindo falar da fama dos romanos, mandaram
embaixadores a Roma fazer um pacto que garantisse a ajuda militar dos romanos contra o rei
Antíoco que os dominava. No oitavo capítulo do Primeiro Livro dos Macabeus assim é
narrado o fato, que ilustra com as palavras da época a fama que os romanos difundiam no
mundo de então:
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"Entrementes,
chegou aos ouvidos de Judas Macabeu
a fama dos romanos,
de como são fortes e poderosos,
como favorecem em tudo
aqueles que propendem para eles,
fazendo aliança de amizade
com todos os que recorrem a eles,
e assim crescendo em poder.
Contaram-lhe as guerras
e as valorosas proezas
que tinham realizado,
e o que fizeram na Espanha,
e como subjugaram todo este país
com a sua prudência e constância,
apesar de estar este país
muito distante do deles.
Os outros reinos e ilhas
que alguma vez se lhes opuseram,
destroçaram-nos e reduziram-nos à servidão;
com os seus amigos, porém,
e com os desejosos de seu apoio,
mantiveram amizade e estenderam seu poder sobre os reis, quer vizinhos, quer distantes,
de modo que todos os que ouviram
pronunciar o seu nome
ficaram atemorizados.
Sentam no trono
aqueles a quem querem ajudar a reinar
e depõem os que eles querem;
tão poderosos chegaram a ser.
Não obstante isso, nenhum deles cingiu o diadema,
nem se vestiu de púrpura com o que se pavonear,
mas constituíram um Conselho em que diariamente
trezentos e vinte conselheiros
discutem assiduamente os negócios públicos
para o seu bom andamento.
Confiam por um ano o comando
e o governo de todos os seus domínios
a um só homem,
e a ele todos obedecem,
sem haver entre eles inveja e rivalidade.
Então Judas Macabeu escolheu Eupólemo, filho de João,
e Jasão, filho de Eleasar,
e mandou-os a Roma para estreitar
amizade e aliança com eles,
e para sacudir o jugo
visto como a dominação dos gregos
mantinha Israel na servidão.
Foram, de fato, a Roma,
viagem longuíssima, e,
tendo entrado no Senado,
falaram nestes termos:
"Judas, também chamado Macabeu,
e seus irmãos, e o povo dos judeus
nos enviaram a vós
para estreitar aliança e paz convosco
para sermos inscritos
como confederados e amigos vossos".
A proposta foi acolhida favoravelmente,
e celebraram um acordo escrito
que gravaram em lâminas de bronze
que enviaram a Jerusalém para que lá ficasse
como testemunho de amizade e aliança".
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O que aconteceu com os romanos depois disso foi um dos processos de transformação
política mais importantes a serem examinados num curso de história; aqui nós somente o
poderemos relatar em suas linhas gerais.
Conforme falamos acima, nesta época o exército romano era composto de
todos os cidadãos, ricos e pobres, que se armavam cada qual às suas próprias custas para a
guerra e era convocado pelo cônsul sempre que necessário. Foi este exército que conquistou
para os romanos toda a região ocidental do mediterrâneo e espalhou sua fama por todo o
mundo. Ora, à medida em que os romanos se iam tornando donos do mundo ocidental da
época, a riqueza começou a crescer e surgiu à vista o perigo dos cidadãos se corromperem,
principalmente os líderes máximos da política, os componentes do Senado, passando a julgar
as decisões a serem tomadas não mais segundo os interesses da República, mas segundo os
seus próprios interesses.
Para evitar isto, e num exemplo de rara honestidade para os dias de hoje,
inicialmente o próprio Senado fez aprovar uma lei proibindo os senadores de se dedicarem a
atividades de alto lucro. Durante algum tempo esta medida evitou que a corrupção chegasse
àquele órgão.
A medida não pôde evitar, porém, que a corrupção chegasse a outros
lugares. Ela não evitou, por exemplo, o aparecimento de uma classe de novos ricos, que
poderiam ter sido os senadores, que se dedicassem à exploração de latifúndios, isto é,
grandes propriedades de terra produzindo, mediante o trabalho escravo, uma grande
quantidade de gêneros agrícolas, como o trigo e o azeite de oliveira. À medida em que estes
latifundiários foram tomando conta da agricultura, os pequenos proprietários, que eram a
maioria dos cidadãos romanos e a parte principal do exército, foram empobrecendo, sendo
progressivamente obrigados a vender suas terras aos grandes proprietários e caindo
definitivamente na miséria ou na escravidão. Isto acontecia justamente na época em que os
romanos se tornavam os donos do mundo ocidental e mais precisavam de um exército forte.
Ora, é evidente que uma multidão de miseráveis não tem interesse em morrer
pela pátria e mesmo que tivesse, não teria dinheiro para custear suas despesas pessoais no
exército.
Começou, portanto, a ficar evidente que, se era necessário um exército forte
para manter o poderio romano no ocidente, este novo exército teria que passar a ser custeado
pelos novos ricos. Mas, se isto acontecesse, a república fatalmente iria cair nas mãos dessa
nova classe de indivíduos.
Ora, antes que pudesse ser tomada uma decisão definitiva quanto a uma
possível reorganização do exército, por volta do ano 200 AC os irmãos Tibério Graco e
Caio Graco, tribunos da plebe, exigiram uma reforma agrária imediata. Ambos foram
assassinados e, em vez da reforma agrária, o que veio foi uma sangrenta guerra civil no
mundo romano.
Nesta época ficou evidente que a República Romana não poderia continuar
existindo sem a presença de um exército permanente constituído de soldados profissionais
que fossem, ele próprios, uma classe à parte dentro da sociedade romana. Tal exército foi
constituído, e veio a ser de fato uma nova classe dentro da República.
Quando isto ocorreu, porém, e não poderia deixar de ter ocorrido, emm
pouco tempo o senado percebeu que o perigo da República não era mais o de cair nas mãos
dos ricos latifundiários, mas o de todos os romanos, inclusive os ricos proprietários, cairem
nas mãos do poder militar.
Por causa desse perigo, embora no início o exército fosse permanente, o
senado tomava o cuidade de não nomear para o seu comando generais de carreira, mas
senadores que ocupavam temporariamente estes altos postos.
Com o tempo, porém, e com o aperfeiçoamento do exército, os soldados
passaram a recusar obediência a generais que não eram verdadeiros militares, mas apenas
políticos que vinham comandá-los durante algum pequenos espaço de tempo. A contragosto o
senado teve que nomear generais mais ou menos permanentes para o exército.
Durante a guerra civil, estes generais começaram a se dar conta de que a luta
entre os poucos detentores da riqueza e o partido democrático, isto é, a massa dos cidadãos
romanos empobrecidos, poderia em breve se tornar um problema secundário quando o
primeiro general que conquistasse a confiança geral do exército resolvesse tomar o poder.
No século seguinte, por volta do ano 50 AC, começou a ficar claro que havia
surgido um homem que reunia as condições necessárias para dar o golpe. Chamava-se Júlio
César, um senador que apoiava abertamente a causa do partido democrático. Para afastá-lo
do centro político da época, que era a própria Roma, lhe foi confiado o cargo de general no
exército da fronteira nos confins da Gália, atual sul da França, cargo este que Júlio César
aceitou de muito bom grado.
Júlio César aproveitou o cargo e com seu exército conquistou para a
República Romana todo o restante do norte da França, a Bélgica, a Suíça, a Alemanha e
metade da Inglaterra. Seu modo de agir, o respeito que tinha pelos seus soldados, a
admiração e ao mesmo tempo a inveja que sentia por Alexandre o Grande que os relatos da
época nos contam, sua coragem, verdeira, mas muitas vezes apenas ostensivamente
encenada, conquistaram-lhe o devotamento quase incondicional do seu exército.
Uma história da juventude de Júlio César ilustra bem as qualidades que ele
mais tarde iria desenvolver como general nas Gálias; esta história é narrada pela maioria
dos biógrafos antigos de Júlio César; tal como está nestas notas, é adaptada da biografia de
César devida a Alfred Duggan.
Quando ainda jovem, com cerca de 23 anos, sem ainda ter ocupado nenhum
cargo político de importância, Júlio César dirigiu-se à Ásia para estudar Retórica, a arte de
bem falar e escrever, com um famoso professor da época, Apolônio Molo, que também foi
professor do famoso Cícero. Chegou a Mileto onde embarcou em um navio que se dirigia à
ilha de Rodes, residência de Apolônio.
Ao atravessar de Mileto para Rodes, foi capturado por piratas, que
reconheceram imediatamente o valor do prisioneiro, um jovem aristocrata romano,
acompanhado por dez escravos e um médico particular. Oito escravos foram despachados de
volta para Mileto a fim de negociar um resgate, enquanto que César, seu médico e dois
outros escravos ficavam retidos em uma ilha sob a guarda dos piratas.
César esperava a morte com tortura se não voltassem seus escravos com o
resgate. O problema era que sua família não tinha a riqueza correspondente à sua posição de
nobre; talvez nem na Itália ele possuísse o dinheiro que os piratas pediam pelo resgate, mas
em Mileto, onde os escravos tinham ido buscá-lo, César não possuía absolutamente nada. Em
face, porém, do perigo de morte, passou a comportar-se com aquela coragem fabulosa, quase
febril, que o tornou mais tarde o ídolo de seus soldados.
Os piratas haviam pedido 20 talentos pela vida de César; um talento era na
época dinheiro bastante para assegurar o conforto de toda uma família. César respondeu que
ficava indignado que um nobre como ele tivesse tão baixa cotação e para espanto dos piratas
ofereceu 50 talentos como valor de sua pessoa. Acrescentou, porém, que depois de haver
honestamente readquirido sua vida, pagando por ela, voltaria à caça de seus raptores e não
descansaria enquanto não assistisse à execução deles. Os piratas acharam engraçadíssima a
piada do jovem estudante de retórica, e enquanto aguardavam a chegada do tesouro deram a
César permissão para andar livremente pela ilha.
César, porém, não perdia a arrogância. Observava os piratas em exercícios
com suas armas e criticava-lhes a incompetência. Sabia que sua vida estava por um fio e
divertia-se naturalmente pondo à prova seus raptores e levando-os ao limite da paciência.
Como estudante de retórica, muitas vezes compunha textos em verso e prosa; pedia que não o
perturbassem quando ele estivesse escrevendo e conseguiu realmente impor este desejo aos
piratas. Depois então punha-se a entreter os piratas com a leitura de seus escritos. Como
estes dessem mostras de tédio, passava a repreendê-los dizendo que não passavam de uns
bárbaros, incapazes por causa de seu baixo ofício de apreciar o estilo grego. Diante disso,
continuava César, ele, que tinha pensado seriamente em não mais vir a executar seus
companheiros até que agradáveis, vendo porém como não sabiam dar valor a estas coisas,
também não mereciam atulhar a face da terra, e afinal de contas tinha que concluir estar de
acordo com o fim próximo que os aguardava. Os piratas continuavam achando divertidíssima
toda esta basófia.
Como os escravos de César conseguiram o dinheiro foi uma coisa obscura.
Os Césares não eram considerados ricos em roma, mas, por outro lado, era evidente que o
jovem tinha talento político; se viesse a atingir altos postos, certamente morreria como todos
cheio de dinheiro. A Ásia estava cheia de emprestadores de dinheiro e de agiotas; talvez
consideraram ser a vida de César um bom negócio e emprestaram a alta importância do
resgate.
Posto em liberdade, César foi para Mileto. Nunca havia ocupado qualquer
posição oficial, mas era cidadão romano de família de senadores. Lá chegando, verificou
que Mileto não tinha forças armadas próprias, e a guarnição romana mais próxima estava
longe. No porto havia apenas umpunhado de navios mercantes; César requisitou-os com os
seus dotes oratórios como voluntários para caçar os piratas, e não faltou quem se
apresentasse.
Lá foi ele, com seus navios, diretamente à ilha dos piratas, onde os
encontrou, com a incorrigível incompetência que tantas vezes lhes havia censurado, ainda na
enseada celebrando sua façanha e contando o dinheiro. Caiu sobre eles de surpresa, colocou-
os a ferro e os levou para a cidade de Pérgamo, a cidade mais próxima em que havia uma
fortaleza romana.
Chegando a Pérgamo, nova surpresa; o comandante não estava, ausente em
uma campanha militar, ao que parece para caçar os mesmos piratas que Júlio César havia
capturado, em poder dos quais havia-se espalhado o boato de que haveria 50 talentos.
Em vista da ausência da autoridade militar, Júlio César, sem ser
oficialmente ninguém, ordenou que os criminosos fossem crucificados; como, porém, ele
pessoalmente achasse que esta espécie de morte fosse horrivelmente penosa e, afinal de
contas, Júlio César devia alguma coisa aos piratas por lhe terem permitido certo conforto no
cativeiro, mandou que lhes cortassem as gargantas antes de o pregarem às cruzes.
Punir implacavelmente e evitar sofrimento desnecessário, uma e outro coisa
viriam a ser típicas do realismo de César.
Sua justiça não conhecia a misericórdia, mas nunca se desviava de seus
objetivos para a tortura ou o despreza inútil. E isto era visto na época como um sinal de
humanidade, muito maior de que grande parte das outras outoridades militares da época era
capaz de possuir.
Mortos os piratas, que fez Júlio César? Tomou os 50 talentos de volta e
pagou àqueles que lhe tinham emprestado o dinheiro. Do restante dos bens que tinham os
piratas não ficou com nada, distribuiu tudo entre os voluntários que o tinham ajudado a
capturá-los. Nesta história toda, um jovem havia feito guerra e condenado criminosos sem
autoridade legal alguma; era uma surpreendente e inacreditável usurpação de poder; mais
surpreendente ainda, porém, foi que ninguém reclamou e obteve os elogios de todos.
A narrativa deste episódio mostra bem as qualidades que fizeram do futuro
general Júlio César o delírio de seus soldados nas Gálias. Mas, tal como está contada nestas
notas, é mais do que uma simples curiosidade. Nesta historinha da juventude de Júlio César
está descrita no fundo toda uma personalidade que, juntamente com a situação política da
época, permitiu a um homem quase desprovido de recursos, relegado ao trabalho de vigiar
uma fronteira distante, em poucos anos se tornar o senhor do mundo e transformar a
república romana num império sob o comando perpétuo de um só homem.
Personalidades deste tipo, porém, são como moedas de duas faces; conforme
veremos, assim como ela seria em grande parte responsável pelas vitórias de Júlio César,
veio mais tarde a ser responsável também pela sua morte prematura.
Continuando, porém, nossa história, mortos os piratas, de Pérgamo Júlio
César embarcou novamente para Rodes onde passou alguns anos aprendendo a arte da
retórica; nenhum pirata ousou causar-lhe quaisquer novos transtornos; usou posteriormente
seu talento adquirido nestes anos de estudo não só como orador, mas também como escritor,
redigindo ele próprio em livro a narrativa de suas guerras de conquista no norte da Europa
sob o título de A Guerra da Gália, ou, como é mais conhecido no original latino, De Bello
Gallico; este livro veio a se tornar, juntamente com as obras de Cícero, o principal clássico
da língua latina, até hoje estudado por todos aqueles que desejam aprender esta língua na sua
forma considerada mais perfeita.
Mais tarde, ouvindo falar destas vitórias de César nas Gálias, o senado
romano temeu, e enviou uma intimação a Júlio César ordenando a sua volta a Roma e
declarando extinto o prazo de seu generalato. Júlio César aceitou a ordem de retornar a
Roma, mas não a extinçao do generalato. Fez questão de voltar a Roma acompanhado de seu
exército, e os senadores amedrontados não só tiveram que aceitá-lo como general, como
também nomeá-lo cônsul vitalício da república romana.
César passou a governar a república romana como se fosse um rei, embora
não tivesse tal título. Em sua época ou pouco antes os romanos conquistaram toda a parte
oriental do Mediterrâneo, isto é, a Grécia, a Ásia, o Egito e o norte da Arábia. Destruíram
também em caráter definitivo todas as frotas de piratas que infestavam o Mediterrâneo, o
qual assim se tornou seguro e facilmente navegável por quaisquer barcos comerciais e de
transporte. Pouco antes de César tornar-se cônsul vitalício Pompeu havia invadido a
Palestina e conquistado o povo judeu para a República Romana. Muitos judeus foram
deportados para a cidade de Roma, onde acabaram formando uma grande colônia, e outros
emigraram para cidades gregas, onde estabeleceram sinagogas em suas principais cidades.
Júlio César poderia ter governado sabiamente a república romana se tivesse
procurado fazê-lo de comum acordo com o senado, coisa que esta instituição teria tolerado
de bom grado. Em vez disso, porém, preferiu governar com manifesto desprezo pelos
senadores e com medidas frequentemente ostensivamente humilhantes para a instituição
senatorial. O resultado que acabou colhendo foi que, poucos anos depois, ao entrar no
recinto do senado, uma multidão de senadores, entre os quais se achava o seu filho adotivo
Brutus, o apunhalou impiedosamente.
Depois de vários acontecimentos, o poder acabou passando para Otávio,
também filho adotivo e herdeiro de Júlio César, o qual de uma certa forma estabeleceu um
pacto com os senadores pelo qual passaria a governar Roma de comum acordo com o senado
e em troca o senado lhe conferiria o título de Príncipe, Imperador e Augusto. Roma assim
deixava de ser um república e passava a ser um império. Foi nesta época do Imperador
Otávio César Augusto que, no outro lado do mundo de então, sem fazer alarde, Jesus Cristo
nasceu em um estábulo de Belém de Judá. O imperador queria saber as proporções do
império que havia herdado; pela primeira vez na história ordenou um recenceamento
completo de toda a população dos domínios romanos, mandando que cada um se cadastrasse
em sua cidade de origem. Foi assim que José, esposo de Maria, encaminhando-se para
Belém, sua cidade natal, para cadastrar-se, foi surpreendido pelo nascimento de Jesus sem
que houvesse vagas nas hospedarias da cidade.
A partir do império de César Augusto, poucos anos antes do nascimento de
Jesus, iniciou-se na história um período de alguns séculos conhecido como a paz romana.
Devido à sabedoria com que era governado o império, e devido também ao domínio quase
que total de todo o mundo conhecido, pela primeira vez na história cessaram as guerras
quase que completamente.
Com o fim da pirataria no mar Mediterrâneo, facilitaram-se as comunicações
entre todas as principais partes do império interligadas que estavam pelo Mediterrâneo. Os
romanos ao conquistarem cada nova nação sempre respeitavam não só as leis próprias como
inclusive os governantes que as regiam. Eles apenas acrescentavam às leis locais outras leis
romanas e aos governantes locais outro governador nomeado por Roma que era responsável
pelo exército na região, pela arrecadação dos impostos e pela execução de algumas leis
especiais, como os julgamentos em que era dada a sentença de morte, que somente poderia
ser sentenciada pelo representante de Roma. Este sistema foi geralmente tão benéfico para
ambas as partes que houve diversos casos de reis que, ao morrerem, deixavam em testamento
seu reino não aos seus herdeiros, mas aos romanos.
Em relação às línguas faladas no Império Romano, devido à conquista
anterior de Alexandre do mundo do Oriente, da Grécia para o leste falava-se universalmente
o grego.
Devido às conquistas romanas na região ocidental do mediterrâneo, da Itália
para o oeste e no norte ocidental da África falava-se principalmente o latim.
Na própria cidade de Roma, onde tudo se centralizava, falava-se
correntemente tanto o latim como o grego. Houve inclusive o costume das crianças ricas em
Roma serem educadas desde a primeira idade por escravas gregas que lhes ensinavam a
língua grega antes que os seus pais lhes ensinassem a língua latina. Quando, por volta do ano
60 depois de cristo São Paulo escreveu uma carta aos romanos, escreveu esta carta em grego
e não em latim. O Evangelho de São Marcos, escrito também na cidade de Roma para ser
lido pelos cristãos romanos, foi também escrito no original em grego, e não em latim,
embora com muitas expressões e modos de dizer típicas da língua latina e não da grega. Vê-
se, desta forma, como as duas principais línguas do mundo desta época eram o latim e o
grego, e o íntimo contato que tinham estas línguas na capital romana; é precisamente destas
duas que mais tarde viria a formar-se a nossa língua portuguesa, cuja maioria das palavras
vem do latim, do grego ou de ambas. Por exemplo, as palavras livro, navio, pão, jovem,
mesa, céu, noite e tantas outras vêm diretamente do latim. As palavras igreja, telegrama,
biblioteca, política, democracia, hierarquia, anjo, Deus, hidráulica, trigonometria, ética,
pneu, física, geometria, pedagogia, quilômetro e tantas outras são palavras gregas. Já na
palavra televisão, as duas primeiras sílabas vêm do grego, as duas últimas vêm do latim.
Ao imperador César Augusto sucedeu o imperador Tibério César. Sob o
governo de Tibério, Jesus Cristo pregou o evangelho durante três anos, morreu crucificado e
ressuscitou depois de três dias, enviando doze de seus discípulos para ensinarem sua
doutrina a todo o mundo, unificado e em paz sob o poderio romano. Juntamente com a
doutrina cristã estes apóstolos levaram ao conhecimento de todo o império as Escrituras
Judaicas do Antigo Testamento.
Com isto surgiu a nossa civilização, que possui suas raízes simultâneamente
na cultura hebraica, grega e romana.
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