25. Estratégia da ALRA na Inglaterra.

A primeira providência da ALRA foi reorganizar o seu quadro de associados. No princípio dos anos 60 a ALRA tinha menos de duzentos sócios, mas com o problema da talidomida e o rejuvenescimento do comitê executivo este número cresceu prontamente. Por volta de 1966 o número de sócios individuais já passava da marca do milhar.

Após a lei do aborto ser aprovada, a ALRA passou um questionário entre seus membros para conhecer suas crenças, ocupações e características pessoais. Como resultado, ficou-se sabendo que dois terços destes possuíam educação superior, dois terços eram mulheres, das quais pelo menos uma quarta parte declarou haver praticado pelo menos um aborto, 74% eram ateu ou agnósticos, e 39% pertenciam à associada britânica da IPPF.

Este grupo, altamente não representativo da sociedade britânica, tornou o assunto aborto objeto de debate público bombardeando a maioria dos jornais e revistas especializadas com cartas e artigos, uma forma de atuação que hoje é característica da IPPF, que continua os esforços da ALRA em escala mundial. Os membros da ALRA escreviam também para as diversas organizações feministas, encorajando-as a dar apoio público à reforma.

O grande trunfo desta estratégia é que não é fácil descobrir que toda esta avalanche de protestos aparentemente provenientes do povo em geral ou de trabalhos especializados de médicos e cientistas na realidade não provém do povo, nem da classe médica, nem dos cientistas, mas sim de uma ou duas organizações bem estruturadas. No caso dos trabalhos científicos especializados não é impossível recompor a trama e identificar a proveniência, embora seja tarefa que exija tempo e paciência. Mas como tempo e paciência não são apanágio de muitos, a menos que a pessoa faça parte da própria organização, não se aperceberá do que de fato está acontecendo. Desta maneira a ALRA, e atualmente outros grupos de pressão, conseguiram criar a falsa impressão da existência de uma exigência pública e universal pela revogação das leis do aborto.

Como parte da campanha para a obtenção de novos membros e do esforço para incrementar a consciência pública da necessidade de uma reforma, a ALRA formou grupos locais em Birmingham no ano de 1962, na Zona Noroeste de Londres e em Bristol no ano de 1963, em Manchester no ano de 1964 e na Zona Sudeste de Londres no ano de 1965. Os grupos locais forneciam palestristas a outras organizações e incrementaram o interesse da população local através da publicação de cartas e reportagens na imprensa local. Num estágio posterior estes grupos vieram a ter uma importância considerável pelo intenso bombardeamento de cartas sobre os membros do Parlamento. Foi também destes grupos que surgiu a que foi considerada pelos próprios membros da ALRA como uma das mais brilhantes idéias do trabalho por ela desenvolvido.

A que foi considerada como uma das mais brilhantes idéias concebidas pelo trabalho da ALRA inspirou-se nas pesquisas de opinião pública feitas na época da talidomida. Conforme foi narrado acima (VII,7), quando o Ministro da Saúde britânico e o Lord Chanceler responderam às consultas oficiais da Câmara dos Comuns e da Câmara dos Lords afirmando que a jurisprudência não permitia o aborto no caso de se preverem possíveis deformações na criança, o National Opinions Polls levantou a mesma questão perante a opinião pública e esta se posicionou largamente a favor do aborto. Até aquele momento a própria ALRA julgava que a grande maioria do público era contrário à reforma pela qual rela batalhava. Agora, pela primeira vez, surgia uma forma de provar o contrário.

Foi assim que, segundo Germain Grisez, através de pesquisas de opinião públicas pré testadas, utilizando-se de palavreado cuidadosamente elaborado, a ALRA iniciou uma demonstração geral de que o público apoiava o aborto em certos casos específicos. Estes trabalhos eram amplamente divulgados e assim, à medida em que as pessoas começavam a crer que a maioria estava a favor da legalização do aborto, precisamente por acreditarem neste fato, muitos começavam a formar uma opinião favorável, a qual tendia a confirmar a idéia de que o aborto era realmente maciçamente apoiado e assim sucessivamente.

A descoberta desta estratégia para convencer o grande público deveu-se ao grupo da Zona Noroeste de Londres. Segundo as próprias palavras da organização,

"o grupo da Zona Noroeste de Londres enviou um questionário sobre aborto e sua reforma legal a todos os médicos, acima de dois mil praticantes, da lista londrina de médicos do Serviço Nacional da Saúde. Em janeiro de 1965 eles publicaram uma análise de 751 respostas que tinham sido recebidas. O mais importante resultado foi o de que 69% dos que responderam aprovavam os objetivos da ALRA conforme estes estavam descritos no questionário e 84% achavam que o aborto era uma operação segura. Não obstante esta pesquisa não ter sido realizada por um instituto especializado, suas conclusões provocaram impacto. O ponto decisivo foi que esta tinha sido a primeira tentativa de sondar a opinião médica sobre o assunto. Certamente esta pesquisa pareceu suficientemente autêntica para ser publicada tanto em jornais nacionais como locais. Assim, espalhou-se a notícia de que os médicos achavam que o aborto era seguro e desejavam uma mudança na legislação em vigor.

A Associação estava ela própria surpresa pelos resultados. Alastair Service, que tinha sido o principal responsável pela pesquisa, e que veio a suceder Vera Houghton na presidência da ALRA em 1970, chegou à conclusão que a partir de então a ALRA poderia demonstrar apoio de outros setores da população.

Nos últimos estágios da campanha do aborto alguns dos principais líderes da ALRA duvidaram sobre o valor real do trabalho dos grupos locais. Qualquer que seja o balanço sobre este assunto, foram os grupos locais que levantaram a melhor idéia de toda a campanha: aquela de `provar' que você está com as maiorias do seu lado".