É o planejamento familiar o "primeiro passo" para o controle populacional?

Reconhecer que o planejamento familiar não alcança o controle populacional não significa impugnar o seu valor para outros fins. O fato de libertar as mulheres da necessidade de terem mais filhos do que desejam beneficia muito a elas, aos seus filhos e à sociedade em geral. Os argumentos deste trabalho são dirigidos não contra os programas de planejamento familiar em si, mas contra a suposição de que constituem um meio eficaz de controlar o crescimento populacional.

Porém, que importa? Por que não se deveria aceitar o planejamento familiar durante algum tempo como uma maneira inicial de se tratar o problema do controle populacional? A resposta é que qualquer política em que se está gastando milhões de dólares deveria ser concebida de modo a alcançar o objetivo que pretende alcançar. Se é apenas um primeiro passo, deveria ser identificado como tal, e sua relação com o passo seguinte, e a natureza deste passo, deveriam ser cuidadosamente examinados. No caso atual, continuar a oferecer um remédio como cura depois que foi demonstrado que somente alivia a doença equivale a praticar a charlatanice ou a alimentação de ilusões. Hoje em dia o desejo de resolver o problema populacional é tão intenso que todos estamos dispostos a adotar qualquer "programa de ação" que prometa alívio. Mas o adiamento de medidas eficazes permite que a situação se agrave.

A necessidade de regulação da conduta individual pela sociedade reconhece-se de bom grado em outros esforços: o dos explosivos, drogas perigosas, propriedade pública, recursos naturais. Porém na esfera da reprodução, uma iniciativa individual completa costuma ser apoiada até mesmo por aqueles intelectuais liberais que em outros esforços se posicionam mais a favor do planejamento econômico e social. Reformadores sociais que não titubeariam em obrigar a todos os trabalhadores de uma indústria a filiarem-se a um sindicato se rebelam ante qualquer sugestão de que aos casais somente se permita ter um determinado número de filhos. Invariavelmente interpretam o controle da reprodução pela sociedade como uma supervisão policial direta da conduta individual. Coloque-se a palavra obrigatório ao lado de qualquer termo que descreva um meio de limitar os nascimentos, como por exemplo a esterilização obrigatória, o aborto obrigatório, o anticoncepcionismo obrigatório, e teremos garantida uma oposição violenta. Felizmente tais controles diretos não necessitam ser invocados, mas tanto os conservadores como os liberais passam por cima deste fato.

Que a ênfase exclusiva dada ao planejamento familiar nas políticas demográficas da atualidade não seja "um primeiro passo", mas sim uma evasão das situações reais é sugerido por dois fatos:

A. Nenhum país deu o "passo seguinte". Faz meio século que os países industrializados possuem planejamento familiar sem terem adquirido o controle nem das taxas de natalidade nem das taxas de crescimento populacional.

B. O apoio e o fomento de pesquisas sobre política demográfica além do planejamento familiar é insignificante. É precisamente esta obstaculização do pensamento e experimentação alternativos que faz da ênfase dada ao planejamento familiar um impedimento principal ao controle demográfico.

É óbvio que, se se deve prevenir o crescimento excessivo da população, será necessário impor, de alguma forma, limites à família. Entretanto, devido ao fato de que os cargos familiares são reforçados pelos sistemas de recompensas, castigos, sentimentos e normas da sociedade, qualquer proposta de se diminuir a posição da família é vista como uma ameaça, tanto pelos conservadores como pelos liberais. As pessoas são acusadas de tentar "abolir" a família, mas o que se necessita é uma restrição seletiva da família em relação ao resto da sociedade.

As linhas para tal restrição são sugeridas por duas limitações já existentes na fecundidade:

A. Quase todas as sociedades conseguem diminuir de forma drástica a reprodução entre as mulheres solteiras.

B. As sociedades adiantadas reduzem involuntariamente a reprodução entre as mulheres casadas quando as situações pioram em tal medida que o ter filhos representa um fardo mais pesado do que antes.

Em ambos os casos a causas são econômicas e motivacionais em vez de tecnológicas. Já que o período de reprodução da mulher é breve e geralmente mais fecundo na primeira metade do que na segunda, o adiamento do matrimônio para além dos 20 anos tende biologicamente a reduzir os nascimentos. Sociologicamente, dá às mulheres tempo para obter uma melhor educação, adquirir interesses não relacionados com a família e desenvolver uma atitude cautelosa com relação à gravidez. As pessoas que não se casaram antes dos 27 ou 29 anos, freqüentemente não se casam nunca.

Qualquer sugestão de que a idade do matrimônio deveria ser aumentada como parte de uma política demográfica costuma ser contestada pelo argumento de que "mesmo que se promulgasse uma lei neste sentido, a mesma não seria respeitada". É interessante notar que esta objeção pressupõe que a única maneira de se controlar a idade do casamento seja por meio da legislação direta, embora outros fatores determinem a idade real. A idade real é determinada não pela lei, mas por condições sociais e econômicas. Em sociedades agrícolas o adiamento do matrimônio, quando ocorre, é causado aparentemente por dificuldades em satisfazer os requisitos econômicos do matrimônio. Nas sociedades industrializadas é causada pela escassez dos gêneros alimentícios, pelo desemprego, pela obrigação do serviço militar no estrangeiro, pelos elevados custos da educação e pela inadequacidade dos serviços de consumo. Já que quase nenhuma pesquisa foi dedicada ao assunto, é difícil avaliar o peso relativo dos fatores que decidem a idade do casamento.

Outorgar maiores recompensas para os cargos não familiares do que para os familiares ajudaria como meio de se encorajar a limitação da reprodução dentro do matrimônio e também o adiamento do mesmo. Um modo muito simples de conseguir isto seria permitir que se atribuíssem vantagens econômicas às pessoas solteiras em contraposição às casadas, e às famílias pequenas em contraposição às grandes. O governo poderia pagar, por exemplo, às pessoas que se submetessem à esterilização, poderia pagar também todos os custos do aborto, poderia cobrar uma quantia voluptuosa para uma licença matrimonial, exigir que os casos de gravidez ilícitos fossem abortados. Menos espetacularmente os governos poderiam simplesmente reverter as políticas existentes que fomentam a procriação. Poderiam, por exemplo, deixar de conceder isenções fiscais especiais para os pais de família, reduzir as pensões familiares, revogar as legislações que proíbem o aborto e a esterilização. Um método estreitamente relacionado para se retirar a ênfase dada à família seria a modificação da complementaridade dos papéis do homem e da mulher. Atualmente os homens podem participar no mundo mais amplo ao mesmo tempo em que se regozijam com a satisfação de ter diversos filhos porque o cuidado com a casa e com a educação das crianças pesa principalmente sobre as suas esposas. As mulheres são levadas a buscar este papel por causa de sua noção idealizada do matrimônio e da maternidade, reforçada seja pela escassez de papéis alternativos, seja pela dificuldade de combiná-los com os papéis familiares. Para modificar esta situação, poderia ser exigido que as mulheres trabalhassem fora de casa ou fazer com que fossem compelidas a isto pelas circunstâncias. O fato de que a inclusão das mulheres na força de trabalho tem um efeito negativo na reprodução é indicado por comparações regionais.