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Em sua Carta aos Romanos São Paulo primeiramente se apresenta e
saúda a todos os que estão em Roma. Elogia a fé dos cristãos de
Roma e lhes manifesta que espera ir visitá-los assim que lhe for
possível, para
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"comunicar-lhes alguma graça espiritual
e confirmá-los na fé que é comum" a ambos.
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Em seguida, ele diz que não se envergonha de pregar o Evangelho
(Rom. 1, 16) e explica resumidamente em que consiste o
Evangelho que ele ensina:
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"É o poder de Deus
para dar a salvação
a todo aquele que crê,
primeiro ao judeu e depois ao grego.
Porque a justiça de Deus se manifesta
naquele que crê,
indo da fé para a fé,
conforme está escrito:
`O justo viverá da fé'".
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Ao dizer que o Evangelho que ele ensina é o poder de Deus, São
Paulo está descartando com isto que o Evangelho seja apenas uma
doutrina, um ensinamento, ou uma teoria moral ou filosófica. Na
Primeira Epístola aos Coríntios ele afirma a mesma coisa:
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"Minha pregação entre vós,
ó Coríntios,
não consistiu em palavras persuasivas
de humana sabedoria,
mas na manifestação do poder de Deus,
para que a vossa fé não se baseie
sobre a sabedoria dos homens,
mas sobre o poder de Deus".
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O Evangelho é, portanto, segundo a Epístola aos Romanos, uma
força que vem do alto e não apenas uma exposição doutrinária da
verdade. Para quem, porém, vem esta força? Não vem para todos,
diz São Paulo. Esta força que vem do alto é, ainda segundo esta
primeira definição da Epístola aos Romanos,
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"Para aqueles que crêem,
primeiro para os judeus,
depois para os gregos",
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isto é, para todos aqueles que crêem, sejam judeus, sejam gregos.
Paulo em seguida afirma, nesta passagem, que em todos aqueles que
crêem se manifesta a santidade de Deus, pois justiça e santidade na
linguagem do Velho Testamento são palavras que significam a mesma
coisa. Pois, conforme Paulo afirma que está escrito no Antigo
Testamento, mais exatamente no livro do profeta Habacuc,
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"os homens santos vivem da fé",
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e naqueles que conseguem viver da fé, neles se manifesta a santidade
divina e uma força que vem do alto capaz de salvar as suas almas da
morte do pecado. As pessoas que vivem assim, diz ainda esta passagem
da epístola,
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"caminham da fé para a fé",
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uma expressão cujo significado somente poderá ser explicado bem mais
adiante.
O importante, porém, será entender que, é entender que, segundo
São Paulo diz nestes versos que são a introdução à Epístola aos
Romanos, o Evangelho consiste no poder de Deus que atua apenas
naqueles homens que vivem da fé; nestas pessoas se manifesta a
santidade de Deus, e isto lhes ocorre não porque elas tenham
determinadas opiniões ou façam determinadas atividades que outros
homens não têm ou não fazem, mas precisamente porque eles crêem, e
não apenas crêem, mas vivem da fé, e não apenas vivem da fé, mas
também caminham da fé para a fé. Nas pessoas que vivem assim é que
se manifesta o poder e a santidade de Deus, e isto, segundo Paulo,
é o assunto principal que ele ensinava em todos os lugares por onde ele
viajava para explicar o Evangelho.
Todo o restante da Epístola aos Romanos é uma explicação mais
profunda e detalhada destes dois versículos, em que São Paulo
declarou em que consistia a essência do que ele ensinava em toda a
parte.
São Paulo mostra logo em seguida que sem a fé, sem a força do alto
que Deus concede àqueles que crêem, força que é aquilo que nós
chamamos de graça, os homens caem em um abismo de pecados, sejam eles
gregos ou judeus, isto é, sejam eles homens criados na religião ou
num paganismo cheio de estudo e de cultura. Sem esta força, em vez
dos homens viverem uma vida voltada às coisas do espírito,
entregam-se às paixões da carne, ainda que suas intenções tivessem
sido as melhores possíveis. "O homem carnal", diz São Paulo na
Primeira Epístola aos Coríntios, "não é capaz de entender as
coisas de Deus"; mesmo que se lhas ensine, para o homem carnal estas
coisas não passam de
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"estupidez,
porque ele não as pode entender,
visto que elas só podem ser entendidas
espiritualmente".
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Mas o homem só se torna espiritual pela graça de Deus, e a graça
de Deus só é dada para aqueles que vivem da fé.
O grande problema para a maioria das pessoas é, porém, que elas
não estão dispostas a admitir que sejam pessoas carnais. Embora na
maioria dos casos elas nunca tenham pensado a respeito do assunto
durante toda a sua vida, se algum dia se lhes pergunta, certamente
dirão que são pessoas boas e bastante espirituais. A única maneira
de se convencerem do quanto de fato elas estão longe das coisas do
espírito será impor-lhes um código moral bem definido e obrigá-las
a cumprí-lo, não apenas exteriormente, mas também internamente,
não só de coração, como também de todo o coração. Quando,
depois de muitas e muitas tentativas, finalmente elas perceberem que
não o conseguem, então estas pessoas começarão a desconfiar de que
havia alguma coisa de errado na opinião que elas faziam de si mesmas.
Foi isto que aconteceu, em primeiro lugar, com os gregos e com os
pagãos, diz São Paulo na Epístola aos Romanos. Embora os
gregos dissessem que eram sábios (Rom. 1, 22), e, de fato,
eles provessem da mais profunda tradição cultural já havida na
civilização ocidental até aquela época, e embora as coisas de Deus
sejam visíveis a todos através das obras da criação (Rom. 1,
20), e o deveriam ser de modo especial às pessoas que pensavam ser
sábias, os gregos e os pagãos se entregaram a uma multidão de
vícios vergonhosos dos quais São Paulo faz uma lista e no final
acrescenta:
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"E eles não conseguiram compreender
que todos aqueles que praticam estas coisas
são dignos da morte" do espírito,
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coisa que não são fatos ocorridos apenas naquela época como também
os vemos acontecer hoje em dia com pessoas a quem conhecemos e com quem
convivemos e amamos, se não for o caso até mesmo da pessoa que
estiver lendo estas linhas.
Idêntico era também o caso dos judeus, diz São Paulo. Eles não
tinham a tradição cultural dos gregos, mas eram pessoas religiosas e
tinham na Bíblia uma lista muito grande e mais clara do que qualquer
outro povo daquilo que Deus exige dos homens; por causa disso, diz
São Paulo, eles se vangloriavam de possuir a ciência de Deus e
julgavam aos homens que procediam erroneamente. No entanto,
acrescenta São Paulo,
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"a si mesmo eles se condenam,
porque eles praticam as mesmas coisas
que julgam nos demais homens".
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De fato, continua São Paulo,
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"não são santos diante de Deus
aqueles que ouvem a Lei de Deus,
mas aqueles que observam a Lei de Deus
é que se santificam".
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O problema, porém, não estava no fato de que que estas pessoas não
se esforçavam em praticar a Lei de Deus. Havia e há muitos, é
verdade, que não se esforçam, mas há também outros que se
esforçam e não o conseguem. Por mais que o façam, a pureza e a
santidade é algo muito elevado para elas, algo que elas não conseguem
alcançar. Estas pessoas precisam entender, através desta
experiência, que isto ocorre porque é assim que é a natureza humana
decaída; que ela é fraca e está sob o jugo do pecado, tanto a dos
judeus como a dos gregos, que é por isso que elas não conseguem
praticar a beleza da vida que Deus ensina aos homens, que só lhes
será possível conseguirem a força necessária para cumprir a lei
divina com o auxílio da graça, e que esta graça vem através da
fé.
Santo Tomás de Aquino resume tudo o que São Paulo explicou nestes
três primeiros capítulos da Epístola aos Romanos no Comentário
que ele escreveu às cartas do Apóstolo:
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"Depois que o Apóstolo mostrou
que os pagãos não se justificaram
(ou santificaram)
pelo conhecimento da verdade
que haviam alcançado",
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diz Santo Tomás em seu Comentário,
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"ele mostra que também os judeus
não conseguiram justificar-se
pelas coisas de que se vangloriavam.
Não se justificaram pelas Leis
(que lhes foram dadas por Deus);
não se justificaram pela raça
(a que pertenciam);
não se justificaram também pela circuncisão
(de que se vangloriavam).
Portanto, para que ambos,
(pagãos e judeus),
se salvassem,
era necessário a virtude da graça evangélica".
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Como se adquire a graça necessária para a santificação e para
cumprir a lei divina? São Paulo diz que é pela fé, e para provar
isto através da própria Bíblia ele nos mostra o exemplo de
Abraão. Apesar de Abraão nunca poder ter tido filhos com a sua
esposa, apesar de estar com cem anos de idade e sua esposa Sara
também, quando Deus lhe prometeu que sua descendência seria mais
numerosa do que as estrelas do céu e que os grãos de areia da praia,
ele acreditou imediatamente que isto aconteceria certamente, porque
Deus assim o prometia. Eis como o explica São Paulo:
escreve São Paulo.
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"`Abraão acreditou em Deus
e isto lhe foi tido em conta
para a justiça'.
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Ele, contra toda a esperança,
acreditou na esperança de que seria
pai de muitas gentes,
segundo o que lhe foi dito:
`Assim será a tua descendência'.
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E, sem vacilar na fé,
não considerou nem o seu corpo amortecido,
sendo já de quase cem anos,
nem o seio de Sara,
já sem vida para conceber.
Não hesitou com desconfiança
perante a promessa de Deus,
mas foi fortificado pela fé,
dando glória a Deus,
plenamente convencido
de que Ele é poderoso
para cumprir tudo o que prometeu.
Por isso isto lhe foi imputado
para a justiça.
Ora, estas coisas não foram escritas
somente por causa dele,
(a saber, que isto)
lhe foi imputado como justiça,
mas também por nós,
a quem será imputado como justiça,
se crermos naquele que ressuscitou dos mortos,
Jesus Cristo, Nosso Senhor,
o qual foi entregue pelos nossos pecados
e ressuscitou para a nossa justificação".
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Mais adiante Paulo passa a explicar o que acontece às pessoas que
não apenas crêem, mas que vivem da fé:
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"O pecado já não vos dominará",
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explica São Paulo,
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"pois já não estais sob a lei,
mas sob a graça".
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diz ainda São Paulo,
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"vós éreis escravos do pecado,
mas como obedeceram de coração
à regra da doutrina (da fé)
sob a qual fostes formados (como cristãos),
fostes libertados do pecado
e vos tornastes servos da justiça".
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É muito importante perceber que São Paulo não diz que os cristãos
estão livres da Lei, como se estivessem livres para fazerem o que bem
entendessem. Ele diz que os cristãos pela fé estão livres do
pecado, o que é muito diferente. Sem a graça divina, que vem
através da fé, os homens, mesmo que o queiram, e mesmo que o
queiram verdadeiramente, não conseguem obedecer à lei divina. Mesmo
que entendam, o que freqüentemente não é isto o que ocorre, que a
observância das leis divinas é um bem para o homem, que só isto é a
verdadeira riqueza, que só isto é o que dignifica o homem, e que só
isto é que pode conduzí-lo à verdadeira felicidade, e assim
entendendo queiram viver segundo a Lei de Deus, não o conseguem.
Há uma força maior que os aprisiona, de que precisam se ver livres
para fazerem o que desejam. Esta força, diz São Paulo, é o
pecado sob que estão todos os homens (Rom. 3, 9), pecado que
entrou no mundo pela queda do primeiro homem, através do qual também
entrou no mundo e passou para todos os homens a morte espiritual
(Rom. 5, 12). Sem a graça de Deus, de fato, diz São
Paulo na Epístola aos Romanos,
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"todos pecaram
e estão privados da glória de Deus;
não há quem entenda,
não há quem busque a Deus,
todos se transviaram,
todos se corromperam".
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O homem somente consegue se libertar desta prisão, diz São Paulo,
através da graça do Espírito Santo, que nos é dada pela fé em
Cristo.
Mas para aqueles que são capazes de viver da fé São Paulo se
expressa muito diferentemente. Ele diz o seguinte:
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"Considerai-vos como estando
mortos para o pecado,
e vivos para Deus.
Não reine o pecado em vosso corpo mortal,
obedecendo aos seus desejos,
mas ofereci-vos a Deus,
pois o pecado não vos dominará,
já que não estais sob a lei,
mas sob a graça".
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"Agora que estais livres do pecado",
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continua São Paulo,
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"tornai-vos servos da justiça.
Assim como antigamente
vós oferecestes o vosso corpo
para servir à imundície e ao pecado,
assim oferecei o vosso corpo
para servir à justiça,
para com isto poderdes alcançar a santificação.
Agora que estais livres do pecado
e feitos servos de Deus,
tenhais por vosso fruto a santificação
e por fim a vida eterna".
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São palavras belíssimas, objetivos sublimes, mas exortações como
estas são inteiramente inúteis para aquele que é incapaz de viver da
fé, pois sem a graça do Espírito Santo que vem pela fé estas
exortações colocam diante do homem um objetivo totalmente impossível
de ser alcançado e freqüentemente também impossível de ser
compreendido. Mas não são impossíveis para aquele ao qual, como à
mulher cananéia, Jesus disse:
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"Ó mulher,
é grande a tua fé".
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Por isso é que Jesus disse tantas vezes também a tantas pessoas:
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"Levanta-te e parte,
a tua fé te salvou";
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ou ainda:
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"A tua fé te salvou,
vai em paz",
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e outras vezes acrescentava: "E não peques mais".
Mais adiante São Paulo ainda faz na Epístola aos Romanos uma
comparação entre aqueles que, através da graça e da fé, são
capazes de viver para as coisas do espírito, e aqueles que, não
sendo capazes de viver da fé, não podem senão viver para as coisas
da carne:
diz São Paulo,
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"agora nenhuma condenação
para os que estão em Jesus Cristo,
os quais não andam segundo a carne.
Os que são segundo a carne,
gostam das coisas da carne.
Mas os que são segundo o Espírito
gostam das coisas que são do Espírito.
Ora, a aspiração da carne é a morte,
mas a aspiração do Espírito é vida e paz.
Quem viver segundo a carne,
morrerá;
mas aqueles que,
pelo Espírito,
fizerem morrer as obras da carne,
viverão.
E aqueles que forem,
conduzidos pelo Espírito de Deus,
estes serão filhos de Deus.
E, se forem filhos,
também serão herdeiros,
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo".
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Rom. 8, 1; 8, 5-6;
8, 13-14; 8, 17
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