|
Dois fatos novos vieram dar importante impulso à
discussão em torno da problemática de que estamos tratando. O
primeiro foi a tragédia da Talidomida, de que trataremos a
seguir; o segundo, de que falaremos mais adiante, foi a
divulgação dramática do problema da fome por parte da FAO.
Na primavera do hemisfério norte de 1961 uma
epidemia de crianças deformadas foi noticiada primeiramente
na Austrália e logo após na Alemanha e na Inglaterra, nas
quais o único fator comum era uma droga conhecida como
talidomida, consumida pelas pessoas como substância de efeito
calmante. Sob a pressão das autoridades de saúde alemãs a
droga foi retirada do mercado em novembro. Até o fim da
década de setenta os médicos não sabiam explicar com certeza
como a droga agia sobre o feto. Os fabricantes afirmaram na
época que a talidomida não causava deformações do feto, mas
impedia os abortos espontâneos das crianças já deformadas.
Durante o julgamento que se seguiu à tragédia a promotoria
acusou a firma introdutora da talidomida de
irresponsabilidade e negligência criminosa.
A talidomida foi primeiramente posta no mercado
alemão em 1957 e se tornou muito popular como sedativo. Houve
época em que um milhão de alemães tomavam a droga
diariamente. Vendida e apresentada como remédio sem efeitos
tóxicos, a talidomida espalhou-se rapidamente em todo o mundo
ocidental, exceto nos Estados Unidos, onde ela não foi
permitida. Muitas gestantes tomaram tabletes de talidomida
sob prescrição médica simplesmente para passarem uma noite
tranqüila.
Não é fácil exagerar o impacto da talidomida na
imaginação e na consciência do povo e da imprensa de alguns
países europeus. Estudos do Ministério da Saúde da Inglaterra
mostram que houve 349 crianças nascidas seriamente deformadas
cujas mães haviam tomado talidomida das quais em 1964
duzentos e cinqüenta ainda estavam vivas.
Sobre este pano de fundo, duas histórias
individuais são de particular importância pela repercussão
especial que tiveram.
A Sra. Sheni Finkbine, de Phoenix, no Arizona,
chamou a atenção no verão de 1962 pelos seus esforços para
obter um aborto. Ela havia tomado tabletes de talidomida
durante os primeiros estágios da gravidez, aproximadamente
seis meses depois que eles tinham sido retirados do comércio.
Estes tinham sido comprados na Inglaterra pelo seu marido no
ano anterior. Tendo falhado para obter permissão legal para
abortar no Arizona, ela voou para a Suécia, onde teve seu
pedido atendido por um médico do quadro oficial. A Rádio
Vaticana condenou a operação como um crime, mas de acordo com
as pesquisas de opinião pública do Instituto Gallup, os
americanos estavam a favor por 5 a 3. O exame do feto
realizado depois do aborto revelou que estava seriamente
deformado.
Três meses mais tarde ocorreu um julgamento
sensacional na Bélgica. Em maio de 1962 Suzanne Van de Put
tinha dado deliberadamente à sua filha de uma semana de idade
uma dose letal de barbitúricos porque a criança, em
conseqüência da talidomida, tinha nascido sem braços e sem
ombros. Durante quatro dias a família de Suzanne a tinha
impedido de ver a criança, mas quando ela a viu ficou
horrorrizada. Foi promovido um conselho de família do qual
participaram Suzanne, sua mãe, sua irmã e seu marido. Durante
o mesmo foi concluído que matariam a criança. O médico da
família, o mesmo que tinha receitado a talidomida. redigiu
uma receita de barbitúricos com pleno conhecimento de que
iriam ser administrados à criança. Conseqüentemente, todos os
cinco foram acusados de assassinato.
O julgamento ocorrido em novembro causou um
impacto que se estendeu muito além das fronteiras da Bélgica.
Foi o primeiro julgamento belga que apareceu nas cadeias de
televisão, mostrando vítimas da talidomida na Corte de
Justiça e o público alternadamente aplaudindo e derramando
copiosas lágrimas. Do lado de fora, os acusados eram
aplaudidos cada noite durante o seu retorno às celas.
Durante todo o julgamento os acusados não negaram
os fatos do caso, mas achavam que tinham agido corretamente.
O júri os absolveu da acusação de assassinato; mas o Comitê
Regional da Associação Médica Belga suspendeu o médico por
dois anos devido a práticas contra a ética. O médico apelou
contra a decisão; o mesmo Comitê recomendou em resposta que
ele fosse suspenso pelo resto da vida. Entretanto, o Conselho
Nacional de Medicina acabou reduzindo a suspensão para seis
meses.
Depois do assassinato praticado por Suzanne, mas
antes do julgamento, em julho de 1962, o Comendador Kerans na
Câmara dos Comuns e Lady Sommerskill na Câmara dos Lordes
levantaram o problema de se as mães que haviam tomado
talidomida podiam obter um aborto por via legal. O Ministro
da Saúde e o Lorde Chanceler, respectivamente, responderam
que legalmente era possível obter um aborto quando este era
necessário para prevenir danos à saúde física ou psíquica da
mãe, mas não para prevenir possíveis deformações da criança.
A controvérsia então acirrou-se na imprensa, mas foi
particularmente importante para o movimento subseqüente ter-
se acirrado também nas pesquisas de opinião pública, que
mostravam que a população era a favor do aborto das vítimas
de talidomida.
Tanto as controvérsias, como as novas técnicas que
tinham surgido espontaneamente para acirrá-las foram
subseqüentemente aproveitadas com sucesso pelo movimento pró
aborto. Mais adiante voltaremos a falar a este respeito.
|
|