10. Recuperação repentina da ALRA.

Por volta de 1960 residia em Hartfordshire uma mulher de 32 anos, mãe de três filhos, chamada Diane Munday. Cada gravidez tinha sido para ela um pesadelo, e em cada caso ao parto tinham-se seguido depressões crescentes. Quando, por algum motivo, o controle da natalidade falhou e veio a quarta gravidez, ela julgou que tanto física como emocionalmente havia chegado ao limite. Seu médico particular a encaminhou a um hospital supostamente liberal de Londres, onde o psiquiatra rejeitou com firmeza o seu pedido de aborto. Esta atitude pareceu a Diane que a estavam tratando como a uma criança sub normal da qual não se podiam esperar decisões próprias. Perguntando ora a um, ora a outro, ela conseguiu finalmente encontrar o caminho para Harley Street, onde o aborto foi realizado.

Obtido o aborto, em vez de querer esquecer tudo, o que é a reação mais usual nestas circunstâncias, ela enraiveceu-se e propôs-se a tomar uma atitude mais enérgica a respeito do sucedido. Decidiu falar em público a respeito do assunto e denunciar os horrores e as injustiças às quais as mulheres que requisitavam o aborto estavam submetidas.

Diane, porém, não possuía experiência alguma em discursar perante auditórios. Matriculou-se, por isso, em um curso especializado perto de casa. Quando o professor chamou os alunos um por um para começarem a praticar, explicando à classe por que se haviam matriculado naquele curso, ela escandalizou o grupo revelando todo o seu zelo pela reforma da lei do aborto.

A sua experiência pessoal com o aborto transformou-a em uma reformadora dedicada e apaixonada, e sustentou-a durante anos de trabalho árduo não remunerado. Sua mais destacada contribuição à causa veio a ser a organização e treinamento de um grupo de palestristas públicos e mantê-los convenientemente supridos de slogans atualizados através do calor da campanha. Ela própria falava pessoalmente com freqüência, às vezes várias vezes por semana. Quando o fazia, estava muito bem preparada para chocar a opinião pública convencional discutindo o seu próprio aborto em plataformas públicas. Esta revelação geralmente produzia um grande silêncio, mas depois dos encontros, várias mulheres se faziam à frente para revelarem experiências semelhantes em particular, ou para oferecerem apoio ao movimento. Isto, porém, só veio a acontecer mais tarde.

Terminado o,curso de oratória, Diane começou a viajar em torno de sua localidade falando sobre a necessidade da reforma a pequenos grupos. Foi no outono de 1961 que ela decidiu dirigir-se à ALRA, e no ano seguinte apresentou-se no encontro geral anual desta instituição em Londres. Durante este encontro pronunciou-se vivamente e, quando este chegou ao seu fim, ela já estava eleita para o Comitê Executivo. Foi justamente este o momento em que se retiravam da ativa os últimos dos fundadores da ALRA que ainda estavam vivos.

Diane encontrou um comitê que necessitava urgentemente de energia, organização e novas idéias. Sugeriu que fosse reorganizado o trabalho, que fossem impressos novos panfletos, que fosse levantado um novo quadro de palestristas e outras medidas do gênero. Os membros restantes do Comitê entreolharam-se e, se não deram uma resposta negativa, pelo menos não foi uma resposta entusiástica. Eles procuraram explicar a Diane que estas propostas envolviam muito trabalho extra, e que a chance de se obterem resultados compensadores seriam muito reduzidas. Tentaram mostrar também que não havia motivo para redigir panfletos e artigos novos, pois seria muito mais simples reimprimir os existentes. A ampliação e renovação do quadro de palestristas também era problemática porque, além dos pequenos grupos que já requisitavam palestristas à ALRA, mais ninguém o estava fazendo.

Respostas como estas tem feito desanimar, ao longo da história, muitos homens de boa vontade. Diane, porém, simplesmente esqueceu-se do Comitê e começou a procurar aliados fora dele. Lembrou-se de Madeleine Simms, membro inativa da Associação durante vários anos e que tinha participado da primeira reunião somente depois de motivada pela tragédia da talidomida.

As duas depois se lembraram de outro nome, Vera Houghton. Esta tinha feito parte quase continuamente da direção da ALRA desde 1951, mas seu trabalho principal era outro.Em 1949, juntamente com o seu marido, Vera tinha tomado parte na formação do International Comittee on Planned Parenthood Federation, que três anos mais tarde veio a se tornar a IPPF, da qual ela foi a primeira secretária executiva. Durante a década seguinte, a IPPF tinha-se expandido desde o ponto em que possuía apenas um empregado num quarto da praça Eccleston até se tornar um enorme organismo internacional. Através de seu trabalho, Vera tinha travado conhecimento com os líderes do movimento pelo controle da natalidade no mundo inteiro e adquirido um conhecimento sem igual dos problemas internacionais do planejamento familiar.

Madeleine e Diane, que tinham chegado à conclusão de que a ALRA precisava de uma nova presidente para que pudesse conseguir vida nova, escreveram-lhe prometendo que se assumisse o cargo, ambas fariam todo o serviço. Ela deveria ser apenas um figurão para reconciliar a velha e a nova geração.

Vera respondeu a carta e recebeu pessoalmente as duas remetentes. A julgar pelo texto da carta, porém, elas devem ter sido recebidas com um certo assombro. Pelo que os remetentes escreviam, ficava evidente que não tinham experiência nem de política nem de administração, muito menos relacionada com grupos de pressão. Estavam inteiramente inconscientes da quantidade de trabalho que seria necessário desenvolver se os objetivos tivessem que ser alcançados satisfatoriamente. A discussão foi longa. Vera Houghton, porém, acabou aceitando.

No final de 1963 Vera Houghton e Diane Munday foram eleitas para a presidência e a vice presidência, respectivamente, da ALRA. Cinco meses depois toda a direção da organização estava mudada. A velha geração dava lugar a uma nova com a única exceção do professor Glanville Williams, já citado anteriormente, que lecionava Direito na Universidade de Cambridge e era um ativo intelectual. Ao contrário de todos os demais da velha geração, suas idéias costumavam estar sempre mais avançadas e fundamentadas até do que os mais ativos membros da nova.

Do ponto de vista da nova geração que entrava, os velhos membros tinham realizado com sucesso a tarefa vital de manter a Associação em existência até a época em que a opinião pública se tivesse tornado mais receptiva. Entretanto, eles se tinham mostrado incapazes de se adaptarem às novas situações, que requeriam uma abordagem bastante mais agressiva. A escolha de Vera Houghton como presidente nesta altura dos acontecimentos veio a mostrar-se de fundamental importância. Seu conhecimento do assunto era muito mais amplo do que qualquer outra pessoa e através de seu marido, que além de entusiasta da causa tinha-se tornado membro do Parlamento Britânico e logo após se tornaria também Ministro do Trabalho, havia adquirido uma visão mais profunda "das realidades políticas da reforma social".

Pessoalmente Vera trabalhava como uma perfeccionista e arduamente com espontaneidade. Reconhecia a necessidade de pequenos grupos de pressão que fizessem uso de todos os talentos de que dispusessem para o movimento, ainda que inexperientes. A cada membro do Comitê foi assinalada uma área de responsabilidade, e. embora ela mesma nunca interferisse com os seus trabalhos, seu conselho, constantemente procurado, era "invariavelmente agudo e penetrante". Fria, independente, objetiva e tolerante, num curtíssimo espaço de tempo adquiriu uma autoridade incontestável sobre todos os elementos tão diferenciados do Comitê. Quando várias vezes nos anos seguintes o volume de trabalho se tornou excessivo e ela mencionou retirar-se, o pânico se apossou de suas colegas de trabalho. Na opinião de muitos, seu trabalho para o movimento era mais importante do que o de qualquer outra pessoa, apesar do fato dela não gostar de publicidade pessoal e tivesse permanecida quase desconhecida do público em geral.