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Por outro lado, se a oração é uma elevação da mente a Deus, o
que não se pode fazer senão pelas virtudes teologais da fé,
esperança e caridade, pode-se inferir que a Palavra de Deus é o
caminho pelo qual se pode alcançá-la.
Devemos, pois, tomar várias vezes ao dia a Sagrada Escritura
para, através dela, elevarmos nossa mente até Deus. Como todas
estas ocasiões não serão senão partes de um único e ininterrupto
diálogo, devemos tomá-la não ao acaso, mas com método e ordem.
Devemos iniciar pelo princípio de um livro e nele prosseguir até o
seu fim, pouco de cada vez, de tal modo que haja o suficiente e o
necessário para servir-nos de alimento para a inteligência, a
memória e a vontade.
Assim, ao tomarmos a Escritura em cada momento de oração, devemos
fazê-lo não apenas para praticá-la, mas também para alcançarmos
o seu mais profundo entendimento, para que possamos reter na memória o
significado de suas sentenças de modo que elas no-las sejam oferecidas
constantemente durante o dia em vez da dispersão do imaginário, e
para que possamos amá-la conforme no-lo ensina o salmista, sem o que
não é possível conservá-la na memória e não é possível que ela
nos conduza à experiência da fé.
Tudo isto no-lo indica a própria Sagrada Escritura quando diz:
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"Meu filho, se receberes
as minhas palavras,
e tiveres os meus mandamentos
escondidos dentro de teu coração,
de sorte que teu ouvido esteja atento
à voz da sabedoria,
inclina o teu coração
para conhecer a prudência".
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Ao dizer "se receberes as minhas palavras", refere-se ao amor,
alimento da vontade, pois alguém só se pode considerar
verdadeiramente recebido quando o é por amor.
Ao dizer "e tiveres os meus mandamentos escondidos dentro de teu
coração", refere-se ao alimento da memória, sem a qual não
podemos conservar a sua palavra escondida em nós.
Ao dizer "de sorte que o teu ouvido esteja atento à voz da
sabedoria", refere- se ao alimento da inteligência, intensamente
atenta não apenas à letra da Palavra, mas à voz da sabedoria que
nela fala.
Ao alimentarmos deste modo as faculdades da inteligência, da memória
e da vontade, preparamos as potências de nossa alma para a
contemplação, na qual, através das três virtudes teologais, estas
três faculdades se unem num só ato. Por isto é que, tendo cumprido
estas três coisas, a Escritura acrescenta que podemos "inclinar
nosso coração para conhecer", já não mais a Palavra, mas a
"prudência". De fato, mais adiante, a mesma Escritura nos diz,
daqueles que conhecem a prudência, algo que nos mostra a relação
desta para com a contemplação:
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"Para os homens prudentes,
a sabedoria é coisa fácil".
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Ela também nos define a relação entre a prudência e a
contemplação quando diz:
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"O que é sábio de coração,
será chamado prudente".
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Entenderemos o que é esta sabedoria de que falam as Escrituras, se
considerarmos que, quando Salomão a pediu, foi tratado do mesmo modo
como Jesus, no sermão da montanha, diz que serão tratados pela
providência aqueles que buscam em primeiro lugar o Reino de Deus.
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