Capítulo 12

Mas é importante, para entender o que vem mais adiante, ouvir uma parte destes fatos tais como foram relatados pelo próprio Platão. Ele as relata em uma longa carta que escreveu de Atenas a alguns amigos de Siracusa na Sicília, carta essa que ficou conhecida como a Carta Sétima. Nesta carta, assim Platão fala de si próprio:

"Na minha juventude passei pelas mesmas experiências pelas quais passaram muitos outros. Eu imaginava que se quisesse tornar-me cedo na vida senhor de mim mesmo, deveria entrar imediatamente na carreira política. Nela, porém, vi-me diante dos seguintes fatos que dizem respeito aos negócios públicos da cidade onde vivia. A constituição (democrática) existente (durante a Guerra do Peloponeso) era condenada por muitos, em conseqüência do que fêz-se uma revolução e foram apontados trinta governantes com plenos poderes sobre os problemas públicos em geral.

Alguns destes governantes eram meus parentes, outros meus amigos, em vista do que me convidaram imediatamente para participar de seus afazeres como algo a que eu tivesse direito.

O efeito (deste convite) não foi surpreendente em se considerando o caso de um homem ainda jovem (que na época eu era). Eu imaginava que eles iriam, de fato, administrar a cidade de tal maneira que tirariam os homens de uma vida péssima para uma vida boa. Assim eu os observava muito atentamente para ver o que eles iriam fazer.

No entanto o que eu vi foi que, em um espaço muito curto de tempo, eles fizeram o governo anterior parecer, por comparação ao deles, uma coisa mais preciosa do que o ouro. Dentre muitas outras coisas, eles tentaram fazer com que um meu amigo, o velho Sócrates, a quem sem escrúpulo algum eu não tenho receio de descrever como o homem mais correto do seu tempo, juntamente com outras pessoas, trouxesse à força um dos cidadãos de Atenas para ser executado para que, com isto, o velho Sócrates, querendo ou não querendo, tivesse que participar da culpa de suas condutas. Ele, entretanto, não os obedeceu, assumindo todas as conseqüências deste ato em vez de preferir tornar-se seu cúmplice dos seus atos iníquos.

Vendo eu todas estas coisas e outras do mesmo tipo em considerável quantidade, discordei destes procedimentos e me desliguei de qualquer vínculo com os abusos daquele tempo.

Não muito tempo depois uma revolução acabou com o poder dos trinta e com a forma de governo que havia com eles. Uma vez mais, embora mais hesitante, comecei a nutrir o desejo de participar dos problemas políticos e dos negócios públicos. Ora, mesmo neste governo, que mal tinha acabado de se estabelecer, começaram a ocorrer eventos que ninguém naturalmente poderá deixar de desaprová-los. Não era de se surpreender que em um período de revolução tivessem se inflingido castigos exagerados por parte de alguns aos seus oponentes políticos; mas uma vez mais aconteceu que alguns daqueles que estavam no poder levaram meu amigo Sócrates, a quem mencionei acima, a julgamento diante do tribunal, acusando-o muito injustamente de algo até muito desapropriado à sua pessoa, pois foi com uma acusação de impiedade que alguns deles processaram e outros condenaram o próprio homem que não participou do aprisionamento injusto de um dos amigos do partido que estava então no exílio, no tempo em que eles próprios estavam no exílio e na desgraça.

À medida em que eu observava estes incidentes e os homens engajados nos negócios públicos, as leis e os costumes, e quanto mais eu os examinava de perto e mais avançava em idade, mais difícil me parecia lidar com os negócios públicos corretamente. Pois não era possível ser ativo na política sem amigos e pessoas influentes de valor; e achar a estes não era uma coisa simples, já que os negócios públicos em Atenas não estavam mais sendo conduzidos conforme as maneiras e as práticas de nossos pais.

Quanto às leis, tanto as escritas como as não escritas, iam se alterando para pior, e o mal crescendo com uma estonteante rapidez.

O resultado foi que, embora no começo eu tivesse tido um forte impulso para a vida política, na medida em que eu me dava conta do curso dos acontecimentos e percebia que eles eram arrastados em todas as direções por facções em luta umas contra as outras, minha cabeça começou a ter vertigens. Por causa disso, embora não tivesse parado para ver se havia alguma probabilidade de melhora nestes sintomas e no curso geral da vida pública, eu adiei a ação até que uma oportunidade adequada pudesse surgir.

Finalmente, ficou claro para mim, em relação a todas as comunidades existentes, que elas eram uma só e todas mal governadas, porque suas leis geraram uma cidade quase incurável, a não ser por alguma reforma com uma certa quantidade de boa sorte para sustentá-la.

Fui assim forçado a dizer, ao elogiar a verdadeira filosofia, que é por meio dela que os homens se tornam capazes de enxergar o que a justiça nos negócios públicos e particulares realmente é.

Portanto, concluí, não haverá término para os males humanos até que aqueles que estão buscando a reta e verdadeira filosofia recebam o poder soberano nas cidades, ou aqueles que estão no poder nas cidades, por alguma disposição da providência, se tornem verdadeiros filósofos".