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Para entender como surgiu a pedagogia renascentista, temos que relembrar alguma coisa
sobre a história que veio sendo descrita nesta Terceira Parte da presente Introdução
Histórica.
Acabávamos de explicar como um ambiente tal como o que se desenvolveu na Itália
nos anos 1300-1400 é, ao contrário do que poderia parecer a um primeiro exame,
altamente propício ao desenvolvimento da cultura, embora a cultura que daí vá resultar
seja um tipo bem particular de cultura. Nossa intenção será, a seguir, explicar como se
educavam as pessoas dentro desta cultura.
No início desta Terceira Parte explicamos como durante a antigüidade floresceram
duas formas de educação. Havia a educação filosófica que se estendia por toda uma
vida e não envolvia finalidades imediatas e havia também a educação retórica, à qual
se dirigiam a maioria dos que estudavam. A educação filosófica, muitíssimo mais
exigente, sempre foi a de uma minoria.
Ambas estas duas formas de educação, tanto a filosófica como a retórica, canalizavam
grande quantidade de conhecimento, mas a finalidade e o modo como estes
conhecimentos eram utilizados eram bastante diversos. Os filósofos buscavam a
sabedoria, os retores buscavam a arte de falar e escrever bem, de convencer as
multidões mais pela beleza e pelo envolvimento do discurso do que pela força do
argumento.
Embora, conforme apontado, a educação filosófica sempre tivesse sido privilégio de
uma minoria, no século IV Santo Agostinho propôs em seus livros que o ideal para o
estudante cristão seria aproveitar o que havia de bom em ambas estas concepções
educacionais, servindo-se das duas como uma preparação para um estudo mais
profundo das Sagradas Escrituras.
Com o desenvolvimento das escolas monásticas no Ocidente Cristão, que se iniciou
aproximadamente por esta época, a orientação contida nas obras de Santo Agostinho
foi sendo posta em prática e se difundindo pela Europa. Foi introduzido o currículo
das Artes Liberais, dividido em dois ciclos designados por Trivium e Quadrivium. O
Trivium tinha sua inspiração nas antigas escolas de retórica, o quadrivium tinha sua
origem direta no livro `A República' de Platão, onde ele descreve a formação do
filósofo.
O surgimento do ensino das Artes Liberais em seus dois ciclos do Trivium e do
Quadrivium fêz com que gradualmente ambas as correntes da pedagogia antiga fossem
se canalizando em uma mesma direção convergindo para o estudo das Ciências
Sagradas.
Com esta fusão, porém, o Quadrivium que provinha da corrente filosófica passou a ter
uma importância cada vez maior do que o Trivium. A Arte Retórica continuou a ser
ensinada, mas apenas como matéria preliminar de formação, e não como objetivo
último da Pedagogia. Aos poucos, à medida em que a humanidade foi se aproximando
dos séculos XII e XIII, a educação superior foi se voltando cada vez mais para a busca
da sabedoria pura e simplesmente.
É muito importante chamar a atenção para o real significado deste fato. De um modo
gradual, sem que para tanto tivesse havido nenhuma revolução ou aparato, o tipo de
ensino que era predominante da antigüidade passou a ser relegado a um plano bastante
secundário de introdução geral aos estudos, e o que era privilégio de poucos passou a
ser a norma geral do ensino superior. Aquilo que Platão fazia em sua escola, o modo e
os objetivos para os quais ele orientou seu discípulo Aristóteles e que aos poucos, à
medida em que se aproximava da morte, o próprio Platão foi se convencendo que seria
uma utopia para o mundo, tudo isto acabou gradualmente se tornando no mundo cristão
uma realidade.
É assim que, por exemplo, os "Princípios Fundamentais de Pedagogia" de Hugo de
São Vitor são em grande parte uma concretização em contexto cristão de ideais
pedagógicos de grande afinidade com os de Platão; mas, ao mesmo tempo, não são
mais uma descrição, como ocorre na "República", de um ideal a ser atingido pela
humanidade, mas a transposição escrita de uma realidade pedagógica vivida em Paris
no início dos anos 1100 DC.
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