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Se disséssemos que na verdadeira divindade houvesse apenas uma única
pessoa, assim como também uma única substância, por causa disto sem
dúvida ela não teria a quem poderia comunicar aquela infinita
abundância de sua plenitude.
Mas, pergunto, por que se daria isto? Quereria ela talvez ter a
quem comunicá-la, e não o poderia, apesar de querê-lo? Ou não
quereria fazê-lo, apesar de ter a quem o pudesse? Se, porém,
alguém é sem dúvida alguma onipotente, não poderia ser
desculpado,pela impossibilidade. Mas o que consta não ser por
defeito de potência, poderia sê-lo unica e tão somente por defeito
de benevolência? Considera, pois, eu te peço, qual e quanta seria
o defeito de benevolência se a pessoa divina verdadeiramente pudesse
ter, querendo-o, alguém a quem comunicá-lo e ainda assim de nenhum
modo o quisesse. É certo, conforme dissemos, que nada é mais doce
do que a caridade, nada é mais feliz do que a caridade, nada a vida
racional experimenta como mais doce do que as delícias da caridade.
Nunca nenhuma deleitação foi fruída mais deleitavelmente e destas
delícias careceria por toda a eternidade se, carecendo de consórcio,
permanecesse solitária no trono de sua majestade. Por estas
considerações podemos advertir qual e quanta seria este defeito de
benevolência se preferisse avarentamente reter somente para si a
abundância de sua plenitude que poderia, se assim o quisesse, com
tanto cúmulo de bem aventurança, com tanto aumento de delícias,
comunicá-la a um outro. Se assim o fosse, se nela houvesse tanto
defeito de benevolência, merecidamente se envergonharia de
conhecer-se a si mesmo, merecidamente se envergonharia de ser assim
visto, merecidamente fugiria de todos os olhares, merecidamente se
envergonharia dos próprios anjos. Mas, que dizemos? Não é
possível que na suprema majestade exista algo pelo qual não possa
gloriar-se e pelo qual não possa ser glorificada. De outra forma,
onde estaria a plenitude de sua glória? Pois ali, conforme já
havíamos demonstrado, não pode faltar nenhuma plenitude. Porém, o
que pode haver de mais glorioso, o que pode haver de mais magnificiente
do que nada possuir que não se queira comunicar? Consta, por
conseguinte, que naquele indeficiente bem e sumamente sábio conselho
tanto não pode encontrar-se a avarenta reserva como não pode haver
uma desordenada efusão. Eis, portanto, que tens a descoberto, como
podes vê-lo, que naquela suma e suprema excelsitude a própria
plenitude da glória obriga a que não falte o consorte da glória.
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