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Procurarei oferecer-te um exemplo para que possas promover estas
coisas.
Todo este mundo é como um dilúvio, porque todas as coisas que estão
neste mundo, à semelhança das águas, correm flutuando por eventos
incertos.
Já a verdadeira fé, que não promete coisas transitórias, mas
eternas, levanta a alma como que de certas ondas, erguendo-a da
cobiça deste mundo às coisas do alto; ela pode então ser levada
pelas águas, mas não pode ser inteiramente submergida, porque este
mundo pode ser usado devido à necessidade, mas não pode obrigar o
afeto.
Quem quer que, portanto, não crendo nas coisas eternas, somente
apetece as que são transitórias, debate-se entre ondas como que sem
navio, e o ímpeto das águas que correm o carregam consigo. Quem ,
porém, crendo nas eternas, ama as coisas transitórias, este é como
aquele que naufragou perto de um navio. Já quem crê nos bens eternos
e os ama, como que já colocado no navio, atravessa seguro as ondas do
mar revolto. E se pelo desejo da fé não abandonar o navio, de certo
modo, ainda que no meio das ondas, imita a estabilidade da terra.
Em primeiro lugar, portanto, se quisermos atravessar ilesos este
grande mar, fabriquemos um navio, de tal maneira que tenhamos uma fé
íntegra. Habitemos depois o navio da fé pela caridade, para que
creiamos o que devemos amar e amemos o que cremos, de modo que assim
tanto a lei de Deus esteja em nosso coração pelo reto conhecimento da
fé como o nosso coração esteja na lei de Deus pelo amor.
Mas para que mais facilmente conheças como ou de onde deves edificar
este navio ou arca em teu coração pelo qual, conduzido em meio ao
naufrágio deste dilúvio, chegues ao porto da quietude, considera as
duas obras de Deus que são a obra da criação e a obra da
restauração.
A obra da criação é a criação do céu e da terra e de todas as
coisas que neles estão contidas, as quais foram feitas em seis dias.
Já a obra da restauração é a Encarnação do Verbo e todas as
coisas que, desde o princípio do mundo até o seu fim, tanto a
precederam para anunciá-la como a seguiram para confirmá-la. Estas
todas se fizeram ao longo de seis idades.
A obra da restauração mais pertence à fé católica, a qual por
isto é mais amada pelos santos, porque nela reconhecem os remédios
para a sua salvação. Deus operou esta obra em parte pelos homens,
em parte pelos anjos, em parte por si mesmo, de tal maneira que na
arca espiritual a primeira morada são as obras dos homens, a segunda
as obras dos anjos, a terceira as obras de Deus, e nela o supremo
repouso é o próprio Deus, autor de todas.
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