9. A dificuldade de se identificar a causa eficiente.

Os parágrafos anteriores mostraram que nada pode ser movido por si mesmo. Qualquer ente em movimento tem que ser movido por um agente externo em ato que é a causa eficiente deste movimento. A demonstração dada para tanto é necessária e universal. Trata-se, portanto, de uma lei da natureza que deve ser obedecida tanto no cosmos que conhecemos como em quaisquer outros que existirem. Se as leis da Mecânica e do Eletromagnetismo não existissem ou fossem inteiramente diversas das que atualmemte conhecemos, ainda assim a natureza teria que admitir necessariamente a causalidade eficiente, supondo que nela houvesse movimento. Colocada neste plano de abstração, não há exceção possível a esta lei.

Dificuldades de outra ordem surgem quando surge a questão de se identificar qual seria a causa eficiente de cada tipo de movimento em particular. Reconhecer especificamente quais são as causas eficientes dos diversos tipos de movimento é algo que não depende mais apenas da postulação da existência do movimento em geral, mas do estudo experimental de cada espécie de movimento.

Se considerarmos o aquecimento como um movimento, não será difícil identificar qual é a causa eficiente envolvida. O mesmo já não se pode dizer, porém, de outros movimentos aparentemente simples e comuns, como é o caso do movimento dos corpos segundo o lugar. Esta dificuldade já havia sido levantada por Aristóteles no final do Livro Oitavo da Física, onde o filósofo escreve:

"Sobre a questão dos corpos que são transladados, seria interessante discutir uma dificuldade. Se, de fato, todo ser que é movido é movido por alguma coisa, como é possível que, entre as coisas que não se movem a si mesmas, haja algumas que continuam seu movimento sem estar em contato com o seu motor, como é o caso do arremesso de um projétil?"

No decorrer desta mesma passagem do Oitavo da Física Aristóteles responde a esta questão de um modo que hoje nos parece manifestamente absurdo, e efetivamente o é. Esta resposta, porém, só desmerece a Física de Aristóteles quando se considera esta ciência como uma versão primitiva, mas essencialmente idêntica, à Física Moderna, o que não é correto. A Física Moderna é o estudo dos movimentos particulares considerados em suas espécies; a Física aristotélica é o estudo do movimento universalmente considerado, qualquer que seja a estrutura do cosmos onde ele ocorre. Se, algumas vezes, ela insere em suas considerações exemplos retirados dos movimentos efetivamente observados no cosmos que conhecemos e desce à consideração da individualidade destes movimentos, suas considerações podem, com o tempo e com o acúmulo de uma base experimental maior e mais refinada, serem superadas. Embora esta seja apenas a periferia da Física de Aristóteles, é precisamente desta periferia que se ocupa a Física Moderna.

A Mecânica Newtoniana daria uma resposta bem mais plausível que a apontada por Aristóteles no que diz respeito à identificação da causa eficiente do movimento dos projéteis arremessados. A pergunta é a seguinte: se tudo o que se move não pode mover- se a si mesmo, mas deve ser movido por um outro, como é possível que, ao dispararmos uma flexa ela continue se movendo sem que nada aparentemente a esteja movendo? A resposta dada por Newton a esta questão é que, neste caso, não haveria causa eficiente envolvida, porque o movimento retilíneo uniforme, que é o movimento descrito pela flexa, é fisicamente indistinguível do repouso. Traduzido na linguagem de Aristóteles, isto significaria que o movimento retilíneo uniforme não seria uma passagem da potência ao ato. Se o Filósofo aceitasse a explicação de Newton, ele teria que dizer que o movimento da flexa não seria um verdadeiro movimento. O movimento da flexa poderia ser chamado de movimento apenas no sentido vulgar em que se emprega o termo, mas não no sentido estrito e rigoroso em que é tomado na física aristotélica. Se a velocidade retilínea e uniforme é dada como essencialmente idêntica ao repouso, só poderiam ser verdadeiramente considerados movimentos no sentido aristotélico aqueles em que houvesse uma aceleração, isto é, uma variação de velocidade. Estes movimentos assim acelerados, segundo Newton, exigem a presença de uma força externa, ou causa eficiente, para provocá-los. Tão logo esta força cesse de agir, tão imediatamente a velocidade deixará de variar. Segundo os princípios da mecânica newtoniana, o repouso e o movimento retilíneo uniforme, isto é, o movimento em linha reta dotado de uma velocidade constante e invariável, não necessitam de uma causa externa para serem conservados; o repouso e o movimento retilíneo uniforme continuam indefinidamente ao longo do tempo enquanto um agente externo não modificar esta situação. Do ponto de vista da Mecânica Newtoniana, portanto, ambas estas situações são fisicamente idênticas. Se não é necessária uma causa externa para manter o repouso, não o é necessária também para manter um movimento retilíneo uniforme.

Esta é a explicação que daria Newton à questão do movente do projétil. Considerada mais atentamente, porém, esta explicação possui apenas utilidade prática para cálculos; filosoficamente ela é tão insustentável quanto a de Aristóteles. Seu problema reside em que ao ter postulado que o movimento da flexa ou do projétil lançado fosse um movimento retilíneo dotado de velocidade constante, Newton teria admitido uma hipótese impossível. A existência de um movimento retilíneo uniforme pressupõe a hipótese de existir um espaço vazio infinito que subsista por si mesmo, no qual esteja se movimentando apenas um único corpo. Porém a hipótese de um espaço vazio subsistente por si mesmo é falsa, tanto segundo a cosmologia grega, conforme veremos mais adiante, como também segundo a Mecânica Relativística que sucedeu a Newtoniana. Segundo os gregos, não é possível a existência de um espaço vazio que subsista por si mesmo como uma substância. Mais ainda, segundo eles, ainda que o espaço vazio pudesse subsistir, não poderia de modo algum ser infinito. Nestas condições, se um corpo se move em um movimento supostamente retilíneo uniforme, ele deverá necessariamente estar sob a influência da presença de outros corpos, o que tornaria fisicamente impossível que este movimento pudesse ser retilíneo uniforme. De fato , quando se lança uma flecha ou uma pedra para a frente, este corpo não produz um movimento retilíneo uniforme, mas um movimento parabólico de queda gradual para o chão. O movimento tende, potencialmente, como a um término, a outro determinado lugar, o local onde já está outro corpo em ato, que é a terra. O suposto movimento retilíneo uniforme não passou de uma abstração inexistente na realidade.

Poderia modificar-se o exemplo para o caso de uma bola rolando sobre uma mesa muito grande. Neste caso o movimento seria retilíneo, mas não uniforme. A velocidade decresceria gradualmente devido ao atrito da bola sobre a mesa, tendendo em potência ao repouso, devido a um corpo, que é a mesa, que já está em ato naquela forma. O movimento retilíneo uniforme, portanto, torna-se novamente uma abstração impossível porque suporia sempre, ainda que implicitamente, a existência de um espaço vazio absoluto destituído de outros corpos e livre de qualquer interferência externa.

O movimento retilíneo uniforme, um movimento em linha perfeitamente reta e em velocidade constante, pode existir de fato apenas sob circunstâncias excepcionais. Um automóvel pode mover-se em linha perfeitamente reta e sob velocidade constante, mas para isso é preciso um motor que vença o atrito da estrada; um satélite ou nave espacial pode mover-se em movimento retilíneo uniforme se um foguete acoplado a ele contrabalançasse constantemente, passo a passo, todas as influências gravitacionais do Universo à sua volta. Neste caso, porém, ao contrário do exemplo da flexa, estaria identificada a causa eficiente. Um movimento retilíneo uniforme sem causalidade eficiente, portanto, é cosmologicamente impossível.

Vamos concluir esta explicação sobre o movimento dos projéteis, a qual, apesar de sua aparente simplicidade, é em sua essência altamente polêmica, dizendo que tanto a explicação de Aristóteles como a de Newton, como outras que possam ser dadas dependem, neste caso, para ser sustentadas, de uma evidência experimental que pode aperfeiçoar-se com o decorrer do tempo. Qualquer que venha a ser a explicação de um movimento em particular, porém, esta continuará deixando inalterado o cerne da Física Aristotélica que, ao estudar o movimento na sua mais ampla generalidade, não depende essencialmente da evidência experimental senão o tanto quanto for necessário para poder-se estabelecer somente a existência geral da realidade chamada movimento.