CAPÍTULO 48

Assim é que, segundo Ockham, não seria possível demonstrar a existência no homem de uma alma imortal e incorruptível, embora Santo Tomás de Aquino e Aristóteles sustentassem haverem-no demonstrado em seus escritos e também, entre as cartas deixadas pelo eremita Santo Antão encontremos uma infinidade de passagens em que ele nos garante que qualquer pessoa

"que for capaz de se conhecer verdadeiramente a si mesmo não terá dúvida alguma sobre sua essência imortal, por causa da qual Deus visitou suas criaturas".

Ockham acreditava que a imortalidade e a incorruptibilidade da alma fossem verdades certas, não porém porque pudesse alcançar qualquer evidência deste fato, como alegavam Aristóteles, Santo Antão e Santo Tomás, mas apenas porque a fé assim o ensinava. Segundo Ockham, todas as demonstrações da espiritualidade da alma, em si consideradas, só deixavam dúvidas e incertezas.

Ainda segundo Ockham, não seria possível demonstrar a existência de uma relação de causalidade entre uma causa e seu efeito senão pela experiência. Qualquer argumentação que pretendesse deduzir a existência de uma causa sem identificar experimentalmente a pretendida causa e verificando-se então a ausência do efeito na ausência da causa e a presença do efeito na presença da causa seria, no máximo, uma argumentação provável, nunca, porém, certa.

Uma conseqüência, porém, desta posição de Ockham sobre causalidade era a de que, sendo assim, a existência de Deus não poderia ser demonstrada por nenhuma argumentação. Ockham acreditava na existência de Deus, não porém, porque possuísse alguma evidência para tanto, mas apenas porque a fé assim o ensinava. E, da mesma forma que a respeito da existência de Deus, Ockham também afirmava que não seria possível demonstrar a unicidade de Deus, nem se Deus conhece o futuro ou se conhece algo que não seja Ele próprio, nem se Deus age de modo livre ou se movido pela necessidade.

E da mesma maneira, ainda segundo Ockham, não seria possível demonstrar com certeza se uma ação humana é boa ou má. Mais ainda, não havia ações que fossem boas ou más em si mesmas, cuja moralidade pudesse ser deduzida a partir do entendimento que o homem pudesse alcançar delas próprias. Se determinadas ações eram moralmente boas e outras más isto ocorria apenas porque Deus assim o havia estabelecido e Deus, se o tivesse querido, teria podido estabelecê-lo diversamente. De fato, segundo Ockham, para Deus seria lícito fazer tudo o que seria pecado para os homens, e estas coisas em Deus não seriam pecado apenas porque Ele não teria acima de si mesmo um outro Deus que pudesse probi-lo de fazê-las. Deus, portanto, diz Ockham, fazendo o pecado, não peca. Esta posição é uma conseqüência lógica daquela outra segundo a qual não há nenhuma moralidade intrínseca às ações humanas, as coisas sendo moralmente boas ou más apenas porque Deus assim o quer. Deus, diz ainda Ockham, poderia ordenar às criaturas que o odiassem, e neste caso odiar a Deus seria bom e meritório.

"O mal nada mais é",

diz ainda Ockham,

"do que fazer algo cujo oposto alguém está obrigado a fazer; esta obrigação não pode existir em Deus, porque Ele não está obrigado a fazer nada".