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Um sistema político absolutista como o da França e o da Espanha, pelo menos por
causa dele mesmo enquanto tal, não favorece o florescimento da cultura.
Em se tratando, porém, de um sistema político de caráter absoluto como o que surgiu
no norte da Itália, um sistema em que o poder é absoluto não de direito, mas de fato,
em que o governante não pode invocar nenhuma base legal para legitimar o seu poder.
em que se mantém no poder apenas por força de sua pura ambição pessoal e esperteza
política, do qual pode ser derrubado imprevistamente a qualquer momento sem poder
conjecturar quem será o seu sucessor, a história mostra que a avaliação deverá ser
bastante diferente. Estes sistemas favorecem o desenvolvimento da cultura e na
verdade o favorecem até demais. Cabe agora entender por que.
O motivo para este aparente paradoxo consiste em que, em um sistema absolutista
como os que havia na França e na Espanha o rei não é necessariamente o melhor, nem
necessariamente a pessoa mais bem dotada de qualidades pessoais. Ele está ali por ter
herdado o trono, protegido pelas leis e costumes da nação. Não subiu pelos seus
méritos, e não deixa de ser deposto porque não haja outro melhor. Freqüentemente são
pessoas medíocres que possuem pouquíssimas qualidades como governante e como
homem.
Mas em um sistema como o italiano somente alcançam o poder os homens mais fortes,
aqueles que têm o maior número possível de qualidades pessoais que lhes permitam
entender a situação política ao seu redor melhor do que o fazem todos os demais.
Nesta situação aqueles que, por exemplo, falam um número maior de línguas, que
possuem um maior cabedal de cultura que lhes permita desenvolver o maior engenho
possível, estão em uma situação de vantagem. Quanto maior o número de qualidades
que um homem destes tiver em todos os sentidos mais provavelmente conseguirá
entender o que se passa em sua cidade, controlar a situação e manter-se no poder. Não
é suficiente saber matar para alcançar o poder; depois de matar ele terá que saber
manter-se ali, uma tarefa que não é mais apenas uma questão de força bruta e em que
ele conta somente com as suas próprias capacidades para levá-la a efeito.
Homens assim, ademais, não se mantém no poder somente pelo fato de serem os
melhores, mas também pela fama que eles cultivaram de serem os melhores, uma fama
que nada mais é do que uma projeção externa de suas próprias personalidades. Para
serem tidos como tais, coisa que não só lhes é importante para se manterem no poder,
mas algo que faz parte de suas personalidades, eles devem que fazer jus à fama que
construíram. Por conseguinte, estes homens começaram a fazer algo que não se fazia
antes na Idade Média, não pelo menos na escala em que eles o fizeram: começaram a
favorecer as artes, a arquitetura, os poetas, os pintores, os escritores de peças de
teatro, todos, enfim, os que pudessem produzir algo que impressionasse.
Nas obras de arte, porém, procurava-se mais a ostentação e o virtuosismo do que a
beleza em si; na arquitetura produziram-se templos grandiosos, mas as vidas dos que
os conceberam estavam longe de reproduzir o que a grandeza destes monumentos
significava, e nas obras escritas buscava-se mais a impressão produzida pela forma do
que o conteúdo da verdade. Os castelos dos quais estes príncipes governavam às vezes
uma única cidade e seus arredores eram mais luxuosos do que os castelos dos reis de
França ou de Espanha, os quais governavam uma grande nação. Para semelhante luxo
empregavam-se numerosos artistas, arquitetos e intelectuais.
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