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Não queremos que ninguém suspeite que julgamos que não haja
história alguma nas Escrituras porque dissemos que algumas destas
coisas não foram feitas, nem que nenhum preceito da Lei deva ser
entendido segundo a letra porque consideramos que em alguns deles a
razão ou a possibilidade não admite que sejam entendidos segundo a
letra. Não é nosso pensamento também que as coisas que foram
escritas do Salvador não se tenham cumprido de modo sensível, nem
que os seus preceitos não devam ser observados segundo a letra. Ao
contrário, o que se nos mostra de modo evidente é que em muitas
passagens da Escritura não só pode como também deve ser observada a
verdade da história.
Quem poderá negar que Abraão foi sepultado em uma caverna dupla em
Hebron (Gen. 25, 10), assim como também Isaaque e Jacó,
juntamente com suas esposas (Gen. 49, 31; 50, 13)?
Ou quem duvidará que Siquém foi dada como porção a José (Jos.
24, 32)?
Ou que Jerusalém é metrópole da Judéia, na qual foi construído
o templo de Deus por Salomão?
E, assim como ocorre com estas passagens, o mesmo pode ser dito de
uma multidão inumerável de outras.
Muitas mais, de fato, são as passagens que constam deverem ser
entendidas segundo a história do que aquelas que contém um aberto
sentido espiritual. Quem não afirmará que o mandamento que
preceitua:
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"Honra teu pai e tua mãe,
para que haja bem para ti",
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seja suficiente sem nenhuma interpretação espiritual, e que seja
necessário aos que o observam? E isto principalmente quando
consideramos que Paulo, repetindo as mesmas palavras, confirma o
mesmo preceito (Ef. 6, 2-3). E o que deveremos dizer do que
está escrito:
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"Não adulterarás,
não matarás,
não furtarás,
não dirás falso testemunho",
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e outras muitas passagens como estas? E quanto às coisas que são
ordenadas no Evangelho, quem poderá duvidar que muitas devem ser
observadas segundo a letra, como quando se diz:
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"Eu, porém, vos digo,
não jureis de modo algum"?
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E também quando se diz:
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"Quem olhar para uma mulher
para desejá-la,
já adulterou com ela
em seu coração".
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O mesmo se deve dizer de Paulo apóstolo quando preceitua:
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"Corrijais os inquietos,
consoleis os pusilânimes,
sustentai os fracos,
sede pacientes com todos",
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e de muitos outros preceitos que a estes se assemelham.
Todavia, se alguém ler mais atentamente, estou certo que em muitos
lugares duvidará se esta ou aquela história deve ser considerada
verdadeira ou menos verdadeira segundo a letra; e se algum determinado
preceito deva ser observado segundo a letra ou não. Para isto é
necessário que nos esforcemos com muito estudo e trabalho, entendendo
com a maior reverência que as coisas que são colocadas nos livros
santos são palavras divinas e não humanas.
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