Capítulo 5

Para tentarmos ter um vislumbre do que procuramos dizer, vamos considerar o ato mais trivial de qualquer estudante, o ato de vir à escola.

Antes de vir à escola, para retemperar nossas forças e não sentir o incômodo de assistir à aula com fome, jantamos em nossas casas. Este simples ato já é por si como que um verdadeiro milagre. Quando tomamos o alimento, a natureza teve que elaborar um sistema digestivo bastante complexo para ser capaz de digerir precisamente aqueles alimentos que curiosamente são os que ela mesmo oferece a todos abundantemente. Recolher estes alimentos esparsos pelo mundo para produzir uma simples janta seria uma tarefa penosíssima, mas tudo isto, naquele momento, já tinha sido providenciado. Centenas de pessoas haviam estudado agricultura, haviam plantado nos lugares mais diversos cada um dos alimentos utilizados em nossa janta, outra multidão os colheu, centenas de homens os transportaram, outros os conservaram e outros finalmente se especializaram em saber vendê-los, deixando-os localizados em lugares de fácil acesso para que nós os adquiríssemos. Assim, naquele momento, um mundo imenso de pessoas na verdade estava se preocupando conosco, e a própria natureza também, que sabiamente preparava as chuvas para a lavoura e fornecia ao nosso corpo as enzimas necessárias à digestão justamente daqueles alimentos que ela própria produzia. Nós, porém, ali sentados, não prestamos atenção a nada disso. Só queríamos sair correndo para não chegar atrasados à escola.

Quando saímos de casa, outra coisa não menos fantástica! Alguém tinha construído um elevador para nosso uso, tinha-o instalado exatamente no local onde era necessário para o nosso pronto e imediato transporte e estava bombeando energia elétrica de muito longe para que ele funcionasse com apenas um aperto de nosso dedo. A rua estava calçada. Outras pessoas, sabe-se lá quantas, também tinham se preocupado com isso. A rua estava calçada para nós passarmos e asfaltada também para fazer com que um ônibus pudesse trafegar para nossa comodidade. Sem que o pedíssemos, não apenas um ônibus, mas os mais diversos ônibus passavam regularmente à nossa disposição para nos levar não a um só lugar, mas a qualquer lugar que quiséssemos. Para isto, outras milhares de pessoas tiveram que estudar mecânica, projetar os ônibus, construir os ônibus, vender os ônibus, manter os ônibus, dirigir os ônibus, explorar petróleo, refinar petróleo, transportar gasolina, educar motoristas, educar o trânsito, sinalizar o trânsito, e não só tinham feito isto como o continuavam fazendo ininterruptamente para que pudéssemos tomar o ônibus naquele momento ou a qualquer momento. O Sol se punha. Fazia séculos que o Sol brilhava todos os dias para que pudéssemos enxergar todas estas coisas, mas o que é incrível, porém, é que nós não percebemos ou pensamos nisto um só momento. Estávamos preocupados, como sempre, com um pequenino problema pessoal que era infinitamente menor do que tudo isto, teoricamente muito menos capaz de chamar a atenção de qualquer inteligência sadiamente desperta, mas que na verdade era o que estava tirando nossa atenção daquele espetáculo fantástico fazendo-nos temer um simples atraso pessoal. Como é possível que para a maioria das pessoas uma coisa tão pequena impeça a percepção destas coisas pelo período inteiro de uma vida humana?

Mas, chegando à escola, não paramos para pensar também que não estávamos chegando sozinhos a esta nobre instituição. Para que pudéssemos aprender alguma coisa, todo este aparato fenomenal que nos permitiu chegar à escola foi igualmente mobilizado para trazer dos lugares mais diversos dezenas ou centenas de outras pessoas para fazerem funcionar a escola normalmente enquanto pudéssemos estudar tranqüilamente. O nosso pequeno objetivo de nos dirigirmos à escola assim encontrava resposta num aparato de escala mundial, mas nem nós, nem nenhum dos funcionários da escola pensava nisto. Pensavam cada um deles apenas no salário que iam receber no fim do mês.

Como nós também não pensávamos no que acontecia à nossa volta, subimos as escadas correndo. Encontramos então não apenas um corpo de funcionários, mas também um corpo de professores que estavam sendo preparados desde a sua infância, recrutados das mais diversas cidades e educados por milhares de outros professores para que pudessem acumular um vasto conhecimento e tudo isto, enfim, para dar aquela aula de quarenta e cinco minutos às vinte horas. Como é possível que um tão vasto complexo de forças naturais, que estamos descrevendo em sua mais ínfima parte, pudesse estar tão milimetricamente ajustado para um objetivo tão pequeno e para um aluno que, afinal de contas, o que fêz em toda a sua vida para merecer semelhante coisa? Quem não é capaz de entrever a admirável beleza que existe por detrás de tudo isso e o admirável sono em que vivemos no nosso quotidiano?

Não se deve rir, portanto, dos pré-socráticos quando diziam que haviam feito da contemplação da natureza a razão de suas vidas.

Qualquer um, se tentar fazer o mesmo ainda que por breves momentos, perceberá que o quadro que começamos a pintar é mais assombroso ainda do que o que dele pudemos mostrar. E para completá-lo, como um arremate deste imenso espetáculo, a natureza finalmente produziu um ser capaz de tomar consciência de tudo isto, como se esta natureza estivesse querendo se elevar acima dela própria e admirar-se a si mesma. Os protagonistas deste ponto máximo do espetáculo natural eram, assim precisamente aqueles filósofos pré-socráticos que, ao que parece, cumpriam talvez o objetivo final da natureza e estavam provavelmente muito mais conscientes do seu lugar no mundo do que muitos de nós talvez poderiam jamais ter estado.