Capítulo 15

Esta pergunta permite-nos a oportunidade de entender melhor o relacionamento da Filosofia com a Educação.

Na segunda desta série de notas descrevemos em que sentido os filósofos eram homens que contemplavam a natureza. O exercício habitual da contemplação da natureza leva o homem, pela própria admiração para com o comportamento aparentemente racional que tem diante dos olhos, a se fazer uma série de perguntas que, na mente do filósofo, tem o mesmo tipo de racionalidade que a natureza aparenta possuir.

Como aconteceu tudo isso?

Como foi possível que nós tenhamos nos encontrado aqui para compreender estas coisas?

Como pode ter se produzido um ser capaz de compreender tudo isto?

Quem sou eu?

Que é o homem?

O que é o mundo?

O que significa tudo isto?

Quando o homem chega a se fazer esta última pergunta, ele começa a se relacionar com a natureza de um modo que nenhum animal jamais o poderia fazer. Pois poderia até dar-se que a natureza não significasse nada, mas é evidente pelo menos que ela se comporta como se de fato quisesse significar algo, como se existisse uma mensagem que ela quer transmitir e que só o homem entre os animais seria capaz de captar. A partir do momento em que o homem se torna capaz de contemplar a natureza neste nível, ele passa como que a dialogar com a natureza num certo grau de igualdade, no sentido de que parece que na pequenina mente humana esteja contida, prevista pela natureza como doação ao homem, a possibilidade de entender o restante da natureza no seu conjunto, como se a mente humana fosse um receptáculo em miniatura, mas essencialmente completo, da idéia que está por trás da natureza.

Quando isto ocorre, o homem também percebe que não só ele próprio é parte desta natureza, e parte desta idéia que parece estar por trás da natureza, mas que também muitas das assim chamadas instituições humanas, tais como a sociedade e a educação, são igualmente parte da natureza.

Aristóteles, discípulo de Platão, no início do seu livro de Política, escreveu a este respeito as seguintes observações sobre a sociedade:

"É evidente que a sociedade faz parte das coisas da natureza, e que o homem é por natureza um animal destinado a viver em sociedade. Isto não é nos homens o efeito de uma idéia pré-concebida, é a natureza que os inspira. Aquele que, por instinto, e não porque alguma circunstância o impede, deixa de fazer parte da sociedade, ou é um ser vil, ou um ser superior ao homem".

A mesma coisa pode-se dizer também da Educação.

O homem é um animal educador, não por uma idéia preconcebida, mas porque a natureza assim os inspira.

É fácil perceber isto, porque vemos uma profunda diferença neste aspecto entre o homem e os demais animais. Enquanto a maioria dos animais, apenas recém nascidos, já são capazes de cuidar de suas próprias vidas, o homem nasce frágil e dependente de seus pais durante uma quantidade muito grande anos não só para a sua sobrevivência física, mas também para se ambientar ao mundo e à natureza. É evidente, pois, que a educação humana faz parte das coisas da natureza e que é, ela própria, uma instituição da natureza.

Ora, nós vemos que a natureza em seu conjunto parece ter uma mensagem que, ao que tudo indica, só os homens são capazes de alcançar. Mais ainda, a natureza parece se comportar como se tivesse produzido os homens com a finalidade principal de que erla pudesse se dar a compreender, o que, coisa verdadeiramente admirável, também parece fazer parte da mensagem.

E a Educação? Se tudo o que dissemos é coerente, e se a Educação é também uma instituição da natureza, então a Educação também faz parte da mensagem.

E, sendo assim, o filósofo que, habituado à contemplação da natureza, consegue chegar a contemplar também o alcance daquelas perguntas que fizemos ainda há pouco, pode repetir aquelas mesmas perguntas para a Educação.

Houve, após muita observação e muitas perguntas, um momento em que ele percebeu a pergunta maior:

O que significa tudo isto?

Esta pergunta maior surgiu quando ele percebeu que não apenas as pequenas coisas isoladamente podem significar algo, mas que o conjunto delas significa algo maior, e que todas as coisas isoladamente consideradas existem em uma harmonia tal que todas parecem ter sido produzidas especialmente para que no seu conjunto significassem uma outra maior. Por isto ele quer saber não mais o significado desta ou daquela coisa em particular, mas sim, como está escrito, o significado de

tudo isto.

Ele percebeu que a totalidade tem um significado e que por trás da totalidade parece haver uma idéia, ou pelo menos, se não a há, que a totalidade se comporta tal como se a tivesse.

É então que ele também pode perguntar, se a Educação é parte da natureza,

O que a Educação significa em tudo isto?

Em outras palavras, ele não quer saber uma ou outra teoria sobre Educação, não quer saber um ou outro detalhe sobre a Educação, ele quer saber a resposta final sobre a Educação, porque, conforme dissemos, no mínimo a natureza se comporta como se ela tivesse uma verdade última, e o homem quer saber qual é esta verdade.

Pode-se entrever, então, como uma coisa à primeira vista tão banal como a contemplação da natureza é capaz de nos levar a perceber que temos o legítimo direito de pretender, em Educação, não apenas uma resposta, mas

"A Resposta".

Só o homem capaz de contemplar a natureza neste nível é capaz de perceber a legitimidade de uma pretensão como esta em matéria de Educação. Outro homem ficará rapidamente satisfeito com qualquer resposta, ou mesmo com nenhuma resposta. Este homem será como alguém que veio ao mundo, andou em círculos, não entendeu nada do que se passava à sua volta, e morreu. Houve nele alguma coisa muito importante que deveria ter surgido e não surgiu, alguma coisa que deveria ter nascido e que não nasceu. Filosoficamente falando, houve aí um aborto.