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Mas, dizíamos, com Paulo IV e com o Concílio de Trento conseguiu-se expulsar do
Papado o paganismo renascentista.
Muita coisa, porém, restou desta época até os dias de hoje.
Ficou a Biblioteca Vaticana, ficaram as obras de arte então produzidas. Ficou também
a imponente arquitetura renascentista, da qual o mais famoso exemplo é a própria
Basílica de São Pedro no Vaticano.
A idéia inicial, devida a Nicolau V, era com tudo isto dar proteção física à pessoa do
Soberano Pontífice e um aspecto de respeitabilidade da Santa Sé como centro da Igreja
Universal.
De fato, em grande parte este objetivo foi alcançado mas, ao mesmo tempo, aquelas
obras de arte e aquele conjunto arquitetônico produzido entre 1450 e 1550, que
existem até hoje, acabaram produzindo, no homem do século XX, uma falsa impressão
de algo que na realidade não existe.
As pessoas que visitam o Vaticano e admiram a imponência daquelas construções
renascentistas são levadas a crer que, por trás daquela magnificência, correm rios
inimagináveis de ouro e de riquezas.
Na verdade tais riquezas não existem ou, melhor dizendo, nada mais são do que o
estilo majestoso da arquitetura e da arte produzida em Roma naqueles cem anos que há
muito já se foram. O dinheiro que corre por trás daquelas construções é, na realidade,
algo de irrisório quando comparado com a imponência dos edifícios.
Em 1988, um dado que temos em mãos, o orçamento do Vaticano foi de 50 milhões de
dólares por um ano. É verdade que este foi um dos orçamentos mais baixos dos
últimos anos, mas os demais não foram muito maiores do que este.
Quanto significa esta quantia?
Para se ter uma idéia, 50 milhões de dólares naquele ano era o dobro do que o
campeão de pugilismo Mike Tyson havia ganho naquele mesmo ano. Era seis vezes o
salário que o campeão de automobilismo Ayrton Senna havia ganho em 1988. Era a
metade do que a McLaren havia gasto em 1988 com equipe e materiais para manter o
automóvel de Ayrton Senna correndo durante o ano de 1988. Cinqüenta milhões de
dólares foi o custo de uma hora de permanência no deserto das tropas norte americanas
estacionadas na Arábia Saudita em fins de 1990, enquanto aguardavam o momento para
invadir o Kuwait que havia sido recém anexado pelo Iraque. E, um dado mais palpável
para os brasileiros, assombrados pelo volume da dívida externa do Brasil, para pagar
a dívida externa brasileira à razão de prestações de cinqüenta milhões de dólares ao
ano, sem considerar os juros, seriam necessários em 1988 um total de dez mil anos,
mais de vinte vezes a história do Brasil e aproximadamente o dobro da história
conhecida da humanidade. A não ser que o pagamento destas prestações tivesse se
iniciado num período bastante remoto da pré história, ainda não teríamos terminado de
pagar esta dívida.
E no entanto, com estes cinqüenta milhões de dólares a Santa Sé paga os custos de toda
a sua administração de um Estado moderno, custos que só podem ser mantidos porque
muitos dos seus funcionários mais graduados são eclesiásticos que pelos seus serviços
ou não cobram honorários, ou os cobram apenas simbolicamente. Com estes cinqüenta
milhões de dólares a Santa Sé sustenta, adicionalmente, um sem número de Prelazias,
isto é, Dioceses situadas em lugares como a Floresta Amazônica, o Interior da África,
muitas regiões da Ásia, localidades extremamente pobres em que os bispos e
sacerdotes não poderiam sustentar-se apenas com as ofertas dos fiéis.
A Santa Sé é um dos Estados mais pobres e eficientes do mundo.
São Paulo, 7 de novembro de 1991
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