Capítulo 23

O diálogo prosseguia desta forma quando Sócrates passou a dar a Zenão uma resposta que posteriormente a história da Filosofia demonstrou estar no caminho certo.

"O problema de seu argumento",

continuou Sócrates,

"é que não há nada de estranho em que cada ser seja ao mesmo tempo um e muitos.

Só a pura idéia abstrata da unidade é que é perfeitamente una. Os demais seres participam desta unidade perfeita. Isto é, eles possuem uma parte da perfeição da unidade que a idéia da unidade possui por inteiro. Se eles possuem apenas uma parte da perfeição que está contida na idéia da unidade, é porque eles não são perfeitamente unos: cada ser tem que ser, desta maneira, um sob certos aspectos e muitos sob outros aspectos.

Agora, eu ficaria admirado e realmente perplexo se você pudesse me provar não que os seres, que apenas participam da idéia da unidade, são ao mesmo tempo um e muitos, mas que a própria idéia da unidade possui ao mesmo tempo unidade e multiplicidade, ou que a própria idéia da multiplicidade possui ao mesmo tempo multiplicidade e unidade.

Se você puder me provar que o absolutamente um são muitos, e que o absolutamente múltiplo é um, isto me espantaria.

Eu ficaria deveras surpreso em ouvir que as próprias idéias de cada coisa possuem qualidades opostas, mas não se uma pessoa quiser me provar que eu, Sócrates, sou ao mesmo tempo um e muitos.

Porque eu, Sócrates, de fato, sob certos aspectos sou muitos, pois tenho dois braços, e não um, e tenho cabeça, tronco e membros, e órgãos diversos e partes diferentes do corpo que são muitas. Portanto, eu não posso negar que eu participo da idéia de multiplicidade. Mas só a idéia da multiplicidade é totalmente múltipla sem unidade alguma; desta perfeição da multiplicidade que ela tem, eu tenho apenas uma participação.

Mas, por outro lado, eu também sou um, porque aqui estão sete pessoas e eu sou apenas uma. Portanto, eu também não posso negar que eu participo também da unidade perfeita que há na idéia de unidade. Mas só a idéia da unidade é totalmente una sem multiplicidade alguma. Os objetos visíveis possuem apenas uma parte desta unidade que só se realiza perfeitamente na idéia da unidade. Só na idéia da unidade temos uma unidade pura, completa, total, sem mistura com multiplicidade alguma.

Assim, quando uma pessoa mostra que tais coisas como a madeira, as pedras, e outras, sendo muitas, são também uma só, eu admito que ela está mostrando a coexistência do uno e do múltiplo, mas ela não está mostrando que esta multiplicidade é a unidade e a unidade é a multiplicidade. Isto apenas está mostrando que estes seres participam imperfeitamente da verdadeira unidade e da verdadeira multiplicidade, e ela não está com isto mostrando um paradoxo, mas uma verdade evidente.

Eu novamente lhe repito, Zenão, que eu ficaria perplexo se você pudesse me mostrar que alguém conseguiu encontrar nas próprias idéias da unidade e multiplicidade, nestas idéias que são apreendidas pela mente, estas mesmas características que você diz encontrar nos objetos visíveis".