QUESTÃO QUADRAGÉSIMA QUINTA.

Se a própria pena que também é culpa provém de Deus. O que assim parece, porque tudo o que é justo provém de Deus, e esta pena é uma pena justa. Deste modo, parece que tal pena provenha de Deus.

SOLUÇÃO.

Não convém dizer isto, pois ela não possui o ser justa por uma qualidade própria, mas pela lei divina, conforme já foi dito. De fato, está escrito:

"Deus não fêz a morte, nem se alegra com a perdição dos viventes".

Sab. 1, 13

Ou, ainda que se conceda que a pena provenha de Deus, não todavia a culpa, ainda que coincidam no mesmo a culpa e a pena. De fato, não possui de Deus que seja culpa, ainda que de algum modo possua de Deus que seja pena.

A pena, sendo algo em si mesmo, é dito provir de Deus de três modos: por causa de sua matéria, a qual foi feita por Deus, como a matéria do fogo; por causa da natureza, isto é, que tal coisa não possa estar em tal outra sem que padeça, natureza esta que provém de Deus; e por causa do julgamento divino, pelo qual tal pena é infligida a tal culpa. Todavia não dizemos que Deus seja causa daquela pena; isto seria dizer que Deus teria feito a culpa daquela pena, e Deus não é causa da corrupção. Se não tivesse existido a culpa não padeceria, de fato, aquele que é punido. Assim, portanto, a pena, que é algo, é dita provir de Deus por três motivos, pela matéria, pela natureza e pelo julgamento. Segundo duas outras coisas, porém, a culpa e a corrupção, não provém de Deus. A pena que é pecado pode ser dita provir de Deus por causa de duas coisas: o julgamento divino e a natureza, que consiste em que ninguém pode pecar sem que seja punido. A culpa, porém, e a corrupção não provém de nenhum modo de Deus.

Portanto, não se deve dizer que seja pela obra ou pelo impulso de Deus que alguém é precipitado no pecado, nem mesmo naquele que é pena de outro pecado.

Quanto às Escrituras que parecem assim dizê-lo, devem ser referidas à permissão ou à subtração da graça. Alguns também as referem à abertura do caminho, porque a iniqüidade concebida interiormente não pode manifestar-se se não se lhe abre o caminho, como ocorreu com Nabucodonosor que primeiro concebeu interiormente a malícia e Deus, expondo-lhe o povo judeu, abriu-lhe o caminho para que deste modo pudesse vir a exercer a malícia para a qual antes o caminho estava fechado.

Outros, porém, referem-nas ao fechamento do caminho. Para não permitir que o homem tenha outro caminho pelo qual trilhar, Deus fecha-lhe todos os demais. Deus assim é dito precipitar alguém no pecado por não ter-lhe fechado o caminho que trilhou, assim como fêz com os demais que não trilhou. Deste modo Deus não é a causa pela qual o homem trilhou tal caminho, sendo o próprio homem que assim procedeu, mas é a causa pela qual o homem não trilhou os demais. Ambos, Deus e o homem, são também a causa do homem ter trilhado este caminho de preferência aos demais. Assim, se o homem não peca mais do que pecou, isto vem por autoria divina; se ele, porém, peca tanto e não menos, isto procede do próprio homem. Seria como se um homem estivesse numa torre e, querendo jogar-se por uma janela abaixo, alguém lhe fechasse todas as janelas pelas quais poderia fazê-lo exceto uma, justamente aquela pela qual o homem se atirasse. A causa pela qual o homem não se jogou pelas demais foi a pessoa que a fechou; a causa pela qual o homem se jogou pela janela pela qual o fêz foi o próprio homem, e não quem fechou as demais; a causa pela qual o homem se jogou por aquela determinada janela, em vez de o ter feito pelas demais, são ambos, isto é, o homem que se jogou e o homem que fechou as outras janelas.

Outros ainda referem estas Escrituras à ocasião, como quando o Senhor, entrando em Jerusalém, comoveu toda a cidade e a malícia anteriormente concebida, recebendo a ocasião, foi estimulada à inveja e daí à perseguição.

Assim, a sentença do Apóstolo segundo a qual os que conheceram a Deus, mas não o quiseram glorificar, foram por Ele entregues

"aos desejos de seu coração, a paixões da ignomínia, a um sentimento depravado",

Rom. 1, 24-28

segundo uns refere-se à permissão, segundo outros à subtração da graça, à abertura do caminho ou ao não fechamento do caminho. Nós, porém, dizemos referir-se ao conjunto de todas estas coisas mais do que a uma só delas, embora nem todas ocorram sempre em toda a parte. Três delas ocorrem sempre: a permissão, a subtração da graça e o não fechamento do caminho. Quanto à abertura do caminho e à ocasião, porém, estas nem sempre ocorrem.