Capítulo 15

Para entender esta afirmação, devemos voltar às concepções filosóficas dos primeiros pre-socráticos. Eram pessoas que faziam da contemplação intelectual da natureza o objeto da vida de suas inteligências.

Há que se lembrar da definição de filósofo de Pitágoras, a do indivíduo que, nos Jogos Olímpicos, não tem nenhum outro interesse senão contemplar o que está acontecendo.

Ora, esta contemplação leva facilmente à percepção que a natureza em nossa volta, apesar de não ser inteligente, parece participar da mesma espécie de racionalidade do espírito humano. Nada ela faz por acaso, tudo parece ter uma finalidade. Basta observar o corpo humano, as plantas, os diversos animais, a interdependência entre eles e deles para com o resto do mundo e dos corpos celestes. Se esta ordem e estes fins foram ou não escolhidos inteligentemente, isto não importa para o que estamos examinando. O que importa é que tudo se passa como se o tivesse sido, pois se o tivesse sido, provavelmente não teria sido possível que se o tivesse feito de um modo melhor. A natureza parece se comportar tal qual uma obra de arte feita por uma inteligência que soube combinar milhares e milhares de elementos na medida mais engenhosa possível. Os desenvolvimentos modernos da Física, da Química e da Biologia, longe de desmentir este fato, não fazem mais do que confirmá-lo mais profundamente. A Bioquímica mostra que não só os órgãos, mas qualquer substância química que se encontre no corpo humano ou no corpo de qualquer ser vivo, ainda que seja nos seus mínimos traços, nunca está ali sem sentido. Podemos perguntar por que está ali, qual a sua finalidade. E quando descobrimos o motivo, verificamos o quanto a natureza conhecia o corpo daquele animal e como solucionou um problema intrincadíssimo de química com uma solução que nenhum químico não só não encontraria outra melhor, como também provavelmente não seria capaz sequer de elaborar outra igual. Vamos abstrair de nossa discussão, pelo menos neste momento, se foi uma inteligência, o acaso ou a evolução que fêz tudo isto. O fato é que, independentemente de como isto aconteceu, à observação do filósofo, a natureza se comporta evidentemente com a racionalidade e a estética do tipo que se encontram nas obras de arte da inteligência humana, mas num grau de complexidade e de beleza muito acima da capacidade de criação e de coordenação do homem.

Ora, quando analisamos uma obra de arte humana, uma música, por exemplo, embora esta música seja feita de vibrações sonoras, não é correto dizer que o tipo de material de que são feitas as cordas dos violinos ou as vibrações sonoras que são emitidas por elas é que são a verdadeira essência da música. A essência da música está em uma mensagem que não é materialmente identificável. Sua beleza está na harmonia e nas proporções que ela apresenta, não no ar em que o som vibra ou no material de que é feito o instrumento.

Ora, o filósofo contempla e aprende a contemplar a natureza de um modo que se parece muito mais com alguém que ouve maravilhado uma sinfonia do que com os nossos cientistas quando analisam os dados produzidos pelas experiências de seus laboratórios. Eles faziam da natureza a música da inteligência, porque de fato ela se comporta desta maneira. Parece que alguém quis tocar com ela uma música que só um verdadeiro homem poderia ouvir.

É assim que parece que provavelmente Pitágoras discordou das primeiras posições dos pré-socráticos. Quando ele afirmou que os números são a essência da natureza, e não a água, o fogo, os prótons, os nêutrons, os elétrons ou as radiações eletromagnéticas, queria dizer com isto que se a natureza se comporta ao modo da racionalidade da mente humana, é a sua própria ordem que é a sua essência, e não o material de que ela possa ser feita.