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Depois da espécie, devemos dissertar sobre a qualidade das coisas.
A Providência do Criador estabeleceu nas coisas as mais diversas
qualidades para que nelas todos os sentidos dos homens pudessem
encontrar os seus regalos: em cada coisa a vista tem o que perceber,
assim como também o tem o ouvido, o olfato, o gosto e o tato. A
vista se regala com a beleza das cores, o ouvido com a suavidade da
canção, o olfato com a fragrância do odor, o gosto com a doçura do
saber, o tato com aptidão do corpo.
Quem poderá enumerar todas as delícias dos sentidos? São tão
múltiplas em cada coisa que se alguém considerar qualquer sentido em
si mesmo reconhecerá a riqueza de cada um. Na variedade dos sons
encontramos tantos deleites para os ouvidos quantos na diversidade das
cores mostramos haver para os olhos.
Entre aqueles os primeiros são os diálogos verbais pelos quais os
homens comunicam suas vontades entre si: narram o passado, indicam o
presente, anunciam o futuro, revelam o oculto, e tanto que se a vida
humana carecer deles parecerá comparável à dos animais. Que direi
da harmonia do canto das aves? E da jucunda melodia da voz humana?
Quanto não teria a dizer da doçura de todas as demais sonoridades!
Os gêneros das harmonias são tantos que não poderia percorrê-los
nem pelo pensamento, nem explicá-los pela palavra: estão a serviço
do ouvido e foram criados para as suas delícias.
Assim também ocorre com o olfato. Os perfumes têm o seu odor,
assim como os ungüentos, os vinhos, as pradarias, os desertos, os
bosques e as flores; e todas as coisas que emanam uma suave fragrância
e exalam doces odores servem ao olfato e foram criados para as suas
delícias.
Do mesmo modo o gosto e o tato têm as suas delícias, que podem ser
depreendidos facilmente pela semelhança das anteriores.
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