Terceira Parte

A história de Roma se inicia por volta do ano 750 AC com a lenda de Rômulo e Remo.

Havia nesta época uma cidade, na região do Lácio, na Itália central, chamada Alba a Longa. Esta cidade era governada por dois irmãos, um dos quais viria a ser o avô de Rômulo e Remo. Um destes irmãos, querendo governar sozinho, expulsou o outro e matou toda a sua família exceto uma de suas filhas, chamada Reia Silvia. Mais tarde Reia Silvia deu à luz duas crianças gêmeas. O tio, agora governante único de Alba a Longa, com medo de futuramente perder o trono, colocou os dois bebês em um cesto e os jogou no rio Tibre. Esperava que a correnteza os arrastasse para o mar onde morreriam afogados. Entretanto, uma forte ventania que se iniciou subitamente pouco depois disso, soprando em direção contrária à do curso do rio, fez com que o cestinho acabasse encalhando na margem do rio a uma pequena distância de onde tinha sido abandonado. O choro das duas crianças atraiu a atenção de uma loba, que passou a amamentá-las e delas cuidou como uma mãe.

Quando os dois gêmeos cresceram, receberam o nome de Rômulos e Remo. Posteriormente, vieram a saber quem realmente eram e qual havia sido a sua história. Voltaram à cidade de Alba a Longa, mataram o tio avô e reconduziram o avô ao trono. Se tivessem tido um pouco mais de paciência, como príncipes herdeiros que eram, teriam reinado também eles sobre Alba a Longa. Mas o fato foi que não quiseram esperar para serem reis. Voltaram ao lugar onde muitos anos antes o cestinho havia encalhado e resolveram fundar ali uma nova cidade na qual eles fossem os reis. Tiraram a sorte e resolveram chamar a cidade pelo nome de Roma em homenagem a Rômulo.

Escolhido o local e o nome da futura cidade, os dois irmãos traçaram um sulco no chão para assinlar os limites da cidade, construíram um pequeno muro sobre este sulco e juraram matar quem quer que o violasse.

Remo, porém, possivelmente ainda chateado por não ter a cidade recebido o seu nome, achou que estes muros não eram sólidos, e com um pontapé derrubou um pedaço deles. Para sua desgraça o pontapé foi desferido logo após os dois irmãos terem jurado matar quem violasse os limites da nova cidade. Rômulo julgou, pois, que era de seu dever assassinar o irmão, o que fez com um golpe de pá, tornando-se assim o primeiro rei de Roma.

Tudo isto teria acontecido no dia 21 de abril do ano 753 AC, ano que ficou sendo o ano zero da fundação de Roma. A partir daí os romanos passaram a contar o tempo em anos AUC, ou Ab Urbe Condita, isto é, desde a fundação da cidade. Cristo, assim, teria nascido no ano 753 AUC, isto é, 753 anos após a fundação da cidade de Roma.

Durante aproximadamente 250 anos Roma foi governada por sete reis, sucessores de Rômulo. Por volta do ano 500 AC foi proclamada a república e Roma passou a ser governada teoricamente por três instituições:

A. Dois cônsules,
B. O Senado,
C. A Assembléia Popular.

Vamos explicar rapidamente como funcionavam estas três instituições, pois isto é muito importante para a compreensão do que se segue.

Os dois cônsules eram eleitos pela Assembléia Popular para um período de apenas um ano.

Na Assembléia Popular votavam todos os cidadãos, mas não por cabeça, e sim por centúrias. Como porém as centúrias dos ricos eram menores em número de pessoas do que as centúrias dos pobres, havia mais centúrias de ricos do que centúrias de pobres e, portanto, eram eleitos cônsules sempre pessoas da classe rica. Depois de um ano de mandato, os cônsules passavam a fazer parte automaticamente do Senado pelo restante de suas vidas.

O senado não tinha teoricamente poder algum. Este nome, isto é, senado, vem da palavra latina Senex, que significa velho. O senado, como o próprio nome indicava, deveria ter sido, teoricamente, apenas um conselho de homens vividos e experientes. Sua função deveria ter sido apenas a de dar conselhos aos cônsules. Quem tomava as decisões na república eram os cônsules, mas tinham que submeter todas as decisões mais importantes para serem votadas na assembléia popular. Assim, pelo menos na teoria, quem mandava na república era a assembléia popular.

Na prática, porém, nenhum cônsul jamais se atreveria a submeter à assembléia popular nenhum assunto sem antes consultar o senado, e muito menos se atreveria a não seguir o conselho dos senadores. Portanto, quem governava de fato na política romana não eram nem os cônsules nem a assembléia popular, mas o senado constituído de aproximadamente 300 pessoas por mandato vitalício. Esta forma de governo é conhecida como aristocracia; não é a monarquia, que é o governo de um só, nem a democracia, que é o governo de todo o povo, mas um governo de poucos e, teoricamente, escolhidos entre os melhores e mais sábios dos cidadãos.

Além desse sistema especial de governo, a outra base da força do povo romano era o seu exército. O exército não era composto por militares de carreira, mas por todos os cidadãos da república, pobres e ricos, que custeavam seus equipamentos bélicos cada qual com os seus próprios recursos. O exército era convocado pelo cônsul sempre que necessário. O voto dos cidadãos na assembléia popular, conforme dissemos, era dado não por cabeça, mas por grupos de homens denominados centúras, as quais eram as unidades do exército romano. Os cidadãos mais pobres só podiam custear equipamentos de guerra mais baratos, daí que geralmente lutavam como soldados de infantaria; já os cidadãos ricos iam armados a cavalo, com equipamentos mais sofisticados. Por causa disso, uma centúria de cidadãos ricos de menos homens era considerada equivalente a uma centúria de cidadãos pobres com maior número de soldados e é por este motivo que nas votações da assembléia popular, apesar de haver mais pobres do que ricos, o número de centúrias de ricos era maior do que o número de centúrias de pobres. Com este exército os romanos conquistaram toda a Itália e depois toda a região ocidental do Mediterrâneo, isto é, a África do Norte, o sul da França, na época chamada Gália, a Espanha e Portugal, na época chamadas Ibéria e Lusitânia.

Este sistema de governo provou ser o mais perfeito da antiguidade e, enquanto não se corrompeu, fez fama, tendo sido até mesmo nomeado das Sagradas Escrituras.

De fato, logo após a conquista de Alexandre do mundo oriental, Roma foi conquistando progressivamente toda a parte ocidental das terras banhadas pelo mar Mediterrâneo. Quando os judeus se viram oprimidos pelos reis greco macedônios que dominavam a Síria e o Oriente Médio, ouvindo falar da fama dos romanos, mandaram embaixadores a Roma fazer um pacto que garantisse a ajuda militar dos romanos contra o rei Antíoco que os dominava. No oitavo capítulo do Primeiro Livro dos Macabeus assim é narrado o fato, que ilustra com as palavras da época a fama que os romanos difundiam no mundo de então:

"Entrementes, chegou aos ouvidos de Judas Macabeu a fama dos romanos, de como são fortes e poderosos, como favorecem em tudo aqueles que propendem para eles, fazendo aliança de amizade com todos os que recorrem a eles, e assim crescendo em poder. Contaram-lhe as guerras e as valorosas proezas que tinham realizado, e o que fizeram na Espanha, e como subjugaram todo este país com a sua prudência e constância, apesar de estar este país muito distante do deles. Os outros reinos e ilhas que alguma vez se lhes opuseram, destroçaram-nos e reduziram-nos à servidão; com os seus amigos, porém, e com os desejosos de seu apoio, mantiveram amizade e estenderam seu poder sobre os reis, quer vizinhos, quer distantes, de modo que todos os que ouviram pronunciar o seu nome ficaram atemorizados. Sentam no trono aqueles a quem querem ajudar a reinar e depõem os que eles querem; tão poderosos chegaram a ser. Não obstante isso, nenhum deles cingiu o diadema, nem se vestiu de púrpura com o que se pavonear, mas constituíram um Conselho em que diariamente trezentos e vinte conselheiros discutem assiduamente os negócios públicos para o seu bom andamento. Confiam por um ano o comando e o governo de todos os seus domínios a um só homem, e a ele todos obedecem, sem haver entre eles inveja e rivalidade.

Então Judas Macabeu escolheu Eupólemo, filho de João, e Jasão, filho de Eleasar, e mandou-os a Roma para estreitar amizade e aliança com eles, e para sacudir o jugo visto como a dominação dos gregos mantinha Israel na servidão. Foram, de fato, a Roma, viagem longuíssima, e, tendo entrado no Senado, falaram nestes termos:

"Judas, também chamado Macabeu, e seus irmãos, e o povo dos judeus nos enviaram a vós para estreitar aliança e paz convosco para sermos inscritos como confederados e amigos vossos".

A proposta foi acolhida favoravelmente, e celebraram um acordo escrito que gravaram em lâminas de bronze que enviaram a Jerusalém para que lá ficasse como testemunho de amizade e aliança".

1 Mac 8,1-22

O que aconteceu com os romanos depois disso foi um dos processos de transformação política mais importantes a serem examinados num curso de história; aqui nós somente o poderemos relatar em suas linhas gerais.

Conforme falamos acima, nesta época o exército romano era composto de todos os cidadãos, ricos e pobres, que se armavam cada qual às suas próprias custas para a guerra e era convocado pelo cônsul sempre que necessário. Foi este exército que conquistou para os romanos toda a região ocidental do mediterrâneo e espalhou sua fama por todo o mundo. Ora, à medida em que os romanos se iam tornando donos do mundo ocidental da época, a riqueza começou a crescer e surgiu à vista o perigo dos cidadãos se corromperem, principalmente os líderes máximos da política, os componentes do Senado, passando a julgar as decisões a serem tomadas não mais segundo os interesses da República, mas segundo os seus próprios interesses.

Para evitar isto, e num exemplo de rara honestidade para os dias de hoje, inicialmente o próprio Senado fez aprovar uma lei proibindo os senadores de se dedicarem a atividades de alto lucro. Durante algum tempo esta medida evitou que a corrupção chegasse àquele órgão.

A medida não pôde evitar, porém, que a corrupção chegasse a outros lugares. Ela não evitou, por exemplo, o aparecimento de uma classe de novos ricos, que poderiam ter sido os senadores, que se dedicassem à exploração de latifúndios, isto é, grandes propriedades de terra produzindo, mediante o trabalho escravo, uma grande quantidade de gêneros agrícolas, como o trigo e o azeite de oliveira. À medida em que estes latifundiários foram tomando conta da agricultura, os pequenos proprietários, que eram a maioria dos cidadãos romanos e a parte principal do exército, foram empobrecendo, sendo progressivamente obrigados a vender suas terras aos grandes proprietários e caindo definitivamente na miséria ou na escravidão. Isto acontecia justamente na época em que os romanos se tornavam os donos do mundo ocidental e mais precisavam de um exército forte.

Ora, é evidente que uma multidão de miseráveis não tem interesse em morrer pela pátria e mesmo que tivesse, não teria dinheiro para custear suas despesas pessoais no exército.

Começou, portanto, a ficar evidente que, se era necessário um exército forte para manter o poderio romano no ocidente, este novo exército teria que passar a ser custeado pelos novos ricos. Mas, se isto acontecesse, a república fatalmente iria cair nas mãos dessa nova classe de indivíduos.

Ora, antes que pudesse ser tomada uma decisão definitiva quanto a uma possível reorganização do exército, por volta do ano 200 AC os irmãos Tibério Graco e Caio Graco, tribunos da plebe, exigiram uma reforma agrária imediata. Ambos foram assassinados e, em vez da reforma agrária, o que veio foi uma sangrenta guerra civil no mundo romano.

Nesta época ficou evidente que a República Romana não poderia continuar existindo sem a presença de um exército permanente constituído de soldados profissionais que fossem, ele próprios, uma classe à parte dentro da sociedade romana. Tal exército foi constituído, e veio a ser de fato uma nova classe dentro da República.

Quando isto ocorreu, porém, e não poderia deixar de ter ocorrido, emm pouco tempo o senado percebeu que o perigo da República não era mais o de cair nas mãos dos ricos latifundiários, mas o de todos os romanos, inclusive os ricos proprietários, cairem nas mãos do poder militar.

Por causa desse perigo, embora no início o exército fosse permanente, o senado tomava o cuidade de não nomear para o seu comando generais de carreira, mas senadores que ocupavam temporariamente estes altos postos.

Com o tempo, porém, e com o aperfeiçoamento do exército, os soldados passaram a recusar obediência a generais que não eram verdadeiros militares, mas apenas políticos que vinham comandá-los durante algum pequenos espaço de tempo. A contragosto o senado teve que nomear generais mais ou menos permanentes para o exército.

Durante a guerra civil, estes generais começaram a se dar conta de que a luta entre os poucos detentores da riqueza e o partido democrático, isto é, a massa dos cidadãos romanos empobrecidos, poderia em breve se tornar um problema secundário quando o primeiro general que conquistasse a confiança geral do exército resolvesse tomar o poder.

No século seguinte, por volta do ano 50 AC, começou a ficar claro que havia surgido um homem que reunia as condições necessárias para dar o golpe. Chamava-se Júlio César, um senador que apoiava abertamente a causa do partido democrático. Para afastá-lo do centro político da época, que era a própria Roma, lhe foi confiado o cargo de general no exército da fronteira nos confins da Gália, atual sul da França, cargo este que Júlio César aceitou de muito bom grado.

Júlio César aproveitou o cargo e com seu exército conquistou para a República Romana todo o restante do norte da França, a Bélgica, a Suíça, a Alemanha e metade da Inglaterra. Seu modo de agir, o respeito que tinha pelos seus soldados, a admiração e ao mesmo tempo a inveja que sentia por Alexandre o Grande que os relatos da época nos contam, sua coragem, verdeira, mas muitas vezes apenas ostensivamente encenada, conquistaram-lhe o devotamento quase incondicional do seu exército.

Uma história da juventude de Júlio César ilustra bem as qualidades que ele mais tarde iria desenvolver como general nas Gálias; esta história é narrada pela maioria dos biógrafos antigos de Júlio César; tal como está nestas notas, é adaptada da biografia de César devida a Alfred Duggan.

Quando ainda jovem, com cerca de 23 anos, sem ainda ter ocupado nenhum cargo político de importância, Júlio César dirigiu-se à Ásia para estudar Retórica, a arte de bem falar e escrever, com um famoso professor da época, Apolônio Molo, que também foi professor do famoso Cícero. Chegou a Mileto onde embarcou em um navio que se dirigia à ilha de Rodes, residência de Apolônio.

Ao atravessar de Mileto para Rodes, foi capturado por piratas, que reconheceram imediatamente o valor do prisioneiro, um jovem aristocrata romano, acompanhado por dez escravos e um médico particular. Oito escravos foram despachados de volta para Mileto a fim de negociar um resgate, enquanto que César, seu médico e dois outros escravos ficavam retidos em uma ilha sob a guarda dos piratas.

César esperava a morte com tortura se não voltassem seus escravos com o resgate. O problema era que sua família não tinha a riqueza correspondente à sua posição de nobre; talvez nem na Itália ele possuísse o dinheiro que os piratas pediam pelo resgate, mas em Mileto, onde os escravos tinham ido buscá-lo, César não possuía absolutamente nada. Em face, porém, do perigo de morte, passou a comportar-se com aquela coragem fabulosa, quase febril, que o tornou mais tarde o ídolo de seus soldados.

Os piratas haviam pedido 20 talentos pela vida de César; um talento era na época dinheiro bastante para assegurar o conforto de toda uma família. César respondeu que ficava indignado que um nobre como ele tivesse tão baixa cotação e para espanto dos piratas ofereceu 50 talentos como valor de sua pessoa. Acrescentou, porém, que depois de haver honestamente readquirido sua vida, pagando por ela, voltaria à caça de seus raptores e não descansaria enquanto não assistisse à execução deles. Os piratas acharam engraçadíssima a piada do jovem estudante de retórica, e enquanto aguardavam a chegada do tesouro deram a César permissão para andar livremente pela ilha.

César, porém, não perdia a arrogância. Observava os piratas em exercícios com suas armas e criticava-lhes a incompetência. Sabia que sua vida estava por um fio e divertia-se naturalmente pondo à prova seus raptores e levando-os ao limite da paciência. Como estudante de retórica, muitas vezes compunha textos em verso e prosa; pedia que não o perturbassem quando ele estivesse escrevendo e conseguiu realmente impor este desejo aos piratas. Depois então punha-se a entreter os piratas com a leitura de seus escritos. Como estes dessem mostras de tédio, passava a repreendê-los dizendo que não passavam de uns bárbaros, incapazes por causa de seu baixo ofício de apreciar o estilo grego. Diante disso, continuava César, ele, que tinha pensado seriamente em não mais vir a executar seus companheiros até que agradáveis, vendo porém como não sabiam dar valor a estas coisas, também não mereciam atulhar a face da terra, e afinal de contas tinha que concluir estar de acordo com o fim próximo que os aguardava. Os piratas continuavam achando divertidíssima toda esta basófia.

Como os escravos de César conseguiram o dinheiro foi uma coisa obscura. Os Césares não eram considerados ricos em roma, mas, por outro lado, era evidente que o jovem tinha talento político; se viesse a atingir altos postos, certamente morreria como todos cheio de dinheiro. A Ásia estava cheia de emprestadores de dinheiro e de agiotas; talvez consideraram ser a vida de César um bom negócio e emprestaram a alta importância do resgate.

Posto em liberdade, César foi para Mileto. Nunca havia ocupado qualquer posição oficial, mas era cidadão romano de família de senadores. Lá chegando, verificou que Mileto não tinha forças armadas próprias, e a guarnição romana mais próxima estava longe. No porto havia apenas umpunhado de navios mercantes; César requisitou-os com os seus dotes oratórios como voluntários para caçar os piratas, e não faltou quem se apresentasse.

Lá foi ele, com seus navios, diretamente à ilha dos piratas, onde os encontrou, com a incorrigível incompetência que tantas vezes lhes havia censurado, ainda na enseada celebrando sua façanha e contando o dinheiro. Caiu sobre eles de surpresa, colocou- os a ferro e os levou para a cidade de Pérgamo, a cidade mais próxima em que havia uma fortaleza romana.

Chegando a Pérgamo, nova surpresa; o comandante não estava, ausente em uma campanha militar, ao que parece para caçar os mesmos piratas que Júlio César havia capturado, em poder dos quais havia-se espalhado o boato de que haveria 50 talentos.

Em vista da ausência da autoridade militar, Júlio César, sem ser oficialmente ninguém, ordenou que os criminosos fossem crucificados; como, porém, ele pessoalmente achasse que esta espécie de morte fosse horrivelmente penosa e, afinal de contas, Júlio César devia alguma coisa aos piratas por lhe terem permitido certo conforto no cativeiro, mandou que lhes cortassem as gargantas antes de o pregarem às cruzes.

Punir implacavelmente e evitar sofrimento desnecessário, uma e outro coisa viriam a ser típicas do realismo de César.

Sua justiça não conhecia a misericórdia, mas nunca se desviava de seus objetivos para a tortura ou o despreza inútil. E isto era visto na época como um sinal de humanidade, muito maior de que grande parte das outras outoridades militares da época era capaz de possuir.

Mortos os piratas, que fez Júlio César? Tomou os 50 talentos de volta e pagou àqueles que lhe tinham emprestado o dinheiro. Do restante dos bens que tinham os piratas não ficou com nada, distribuiu tudo entre os voluntários que o tinham ajudado a capturá-los. Nesta história toda, um jovem havia feito guerra e condenado criminosos sem autoridade legal alguma; era uma surpreendente e inacreditável usurpação de poder; mais surpreendente ainda, porém, foi que ninguém reclamou e obteve os elogios de todos.

A narrativa deste episódio mostra bem as qualidades que fizeram do futuro general Júlio César o delírio de seus soldados nas Gálias. Mas, tal como está contada nestas notas, é mais do que uma simples curiosidade. Nesta historinha da juventude de Júlio César está descrita no fundo toda uma personalidade que, juntamente com a situação política da época, permitiu a um homem quase desprovido de recursos, relegado ao trabalho de vigiar uma fronteira distante, em poucos anos se tornar o senhor do mundo e transformar a república romana num império sob o comando perpétuo de um só homem.

Personalidades deste tipo, porém, são como moedas de duas faces; conforme veremos, assim como ela seria em grande parte responsável pelas vitórias de Júlio César, veio mais tarde a ser responsável também pela sua morte prematura.

Continuando, porém, nossa história, mortos os piratas, de Pérgamo Júlio César embarcou novamente para Rodes onde passou alguns anos aprendendo a arte da retórica; nenhum pirata ousou causar-lhe quaisquer novos transtornos; usou posteriormente seu talento adquirido nestes anos de estudo não só como orador, mas também como escritor, redigindo ele próprio em livro a narrativa de suas guerras de conquista no norte da Europa sob o título de A Guerra da Gália, ou, como é mais conhecido no original latino, De Bello Gallico; este livro veio a se tornar, juntamente com as obras de Cícero, o principal clássico da língua latina, até hoje estudado por todos aqueles que desejam aprender esta língua na sua forma considerada mais perfeita.

Mais tarde, ouvindo falar destas vitórias de César nas Gálias, o senado romano temeu, e enviou uma intimação a Júlio César ordenando a sua volta a Roma e declarando extinto o prazo de seu generalato. Júlio César aceitou a ordem de retornar a Roma, mas não a extinçao do generalato. Fez questão de voltar a Roma acompanhado de seu exército, e os senadores amedrontados não só tiveram que aceitá-lo como general, como também nomeá-lo cônsul vitalício da república romana.

César passou a governar a república romana como se fosse um rei, embora não tivesse tal título. Em sua época ou pouco antes os romanos conquistaram toda a parte oriental do Mediterrâneo, isto é, a Grécia, a Ásia, o Egito e o norte da Arábia. Destruíram também em caráter definitivo todas as frotas de piratas que infestavam o Mediterrâneo, o qual assim se tornou seguro e facilmente navegável por quaisquer barcos comerciais e de transporte. Pouco antes de César tornar-se cônsul vitalício Pompeu havia invadido a Palestina e conquistado o povo judeu para a República Romana. Muitos judeus foram deportados para a cidade de Roma, onde acabaram formando uma grande colônia, e outros emigraram para cidades gregas, onde estabeleceram sinagogas em suas principais cidades.

Júlio César poderia ter governado sabiamente a república romana se tivesse procurado fazê-lo de comum acordo com o senado, coisa que esta instituição teria tolerado de bom grado. Em vez disso, porém, preferiu governar com manifesto desprezo pelos senadores e com medidas frequentemente ostensivamente humilhantes para a instituição senatorial. O resultado que acabou colhendo foi que, poucos anos depois, ao entrar no recinto do senado, uma multidão de senadores, entre os quais se achava o seu filho adotivo Brutus, o apunhalou impiedosamente.

Depois de vários acontecimentos, o poder acabou passando para Otávio, também filho adotivo e herdeiro de Júlio César, o qual de uma certa forma estabeleceu um pacto com os senadores pelo qual passaria a governar Roma de comum acordo com o senado e em troca o senado lhe conferiria o título de Príncipe, Imperador e Augusto. Roma assim deixava de ser um república e passava a ser um império. Foi nesta época do Imperador Otávio César Augusto que, no outro lado do mundo de então, sem fazer alarde, Jesus Cristo nasceu em um estábulo de Belém de Judá. O imperador queria saber as proporções do império que havia herdado; pela primeira vez na história ordenou um recenceamento completo de toda a população dos domínios romanos, mandando que cada um se cadastrasse em sua cidade de origem. Foi assim que José, esposo de Maria, encaminhando-se para Belém, sua cidade natal, para cadastrar-se, foi surpreendido pelo nascimento de Jesus sem que houvesse vagas nas hospedarias da cidade.

A partir do império de César Augusto, poucos anos antes do nascimento de Jesus, iniciou-se na história um período de alguns séculos conhecido como a paz romana. Devido à sabedoria com que era governado o império, e devido também ao domínio quase que total de todo o mundo conhecido, pela primeira vez na história cessaram as guerras quase que completamente.

Com o fim da pirataria no mar Mediterrâneo, facilitaram-se as comunicações entre todas as principais partes do império interligadas que estavam pelo Mediterrâneo. Os romanos ao conquistarem cada nova nação sempre respeitavam não só as leis próprias como inclusive os governantes que as regiam. Eles apenas acrescentavam às leis locais outras leis romanas e aos governantes locais outro governador nomeado por Roma que era responsável pelo exército na região, pela arrecadação dos impostos e pela execução de algumas leis especiais, como os julgamentos em que era dada a sentença de morte, que somente poderia ser sentenciada pelo representante de Roma. Este sistema foi geralmente tão benéfico para ambas as partes que houve diversos casos de reis que, ao morrerem, deixavam em testamento seu reino não aos seus herdeiros, mas aos romanos.

Em relação às línguas faladas no Império Romano, devido à conquista anterior de Alexandre do mundo do Oriente, da Grécia para o leste falava-se universalmente o grego.

Devido às conquistas romanas na região ocidental do mediterrâneo, da Itália para o oeste e no norte ocidental da África falava-se principalmente o latim.

Na própria cidade de Roma, onde tudo se centralizava, falava-se correntemente tanto o latim como o grego. Houve inclusive o costume das crianças ricas em Roma serem educadas desde a primeira idade por escravas gregas que lhes ensinavam a língua grega antes que os seus pais lhes ensinassem a língua latina. Quando, por volta do ano 60 depois de cristo São Paulo escreveu uma carta aos romanos, escreveu esta carta em grego e não em latim. O Evangelho de São Marcos, escrito também na cidade de Roma para ser lido pelos cristãos romanos, foi também escrito no original em grego, e não em latim, embora com muitas expressões e modos de dizer típicas da língua latina e não da grega. Vê- se, desta forma, como as duas principais línguas do mundo desta época eram o latim e o grego, e o íntimo contato que tinham estas línguas na capital romana; é precisamente destas duas que mais tarde viria a formar-se a nossa língua portuguesa, cuja maioria das palavras vem do latim, do grego ou de ambas. Por exemplo, as palavras livro, navio, pão, jovem, mesa, céu, noite e tantas outras vêm diretamente do latim. As palavras igreja, telegrama, biblioteca, política, democracia, hierarquia, anjo, Deus, hidráulica, trigonometria, ética, pneu, física, geometria, pedagogia, quilômetro e tantas outras são palavras gregas. Já na palavra televisão, as duas primeiras sílabas vêm do grego, as duas últimas vêm do latim.

Ao imperador César Augusto sucedeu o imperador Tibério César. Sob o governo de Tibério, Jesus Cristo pregou o evangelho durante três anos, morreu crucificado e ressuscitou depois de três dias, enviando doze de seus discípulos para ensinarem sua doutrina a todo o mundo, unificado e em paz sob o poderio romano. Juntamente com a doutrina cristã estes apóstolos levaram ao conhecimento de todo o império as Escrituras Judaicas do Antigo Testamento.

Com isto surgiu a nossa civilização, que possui suas raízes simultâneamente na cultura hebraica, grega e romana.