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"Amigo, empresta-me três pães".
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O amigo é quem fala ao amigo e em favor do amigo. O nosso amigo é o filho pródigo que
vem pelo caminho, voltando da uma região distante trazendo consigo três pães para a
refeição.
Diz ele ao pai:
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"Dá-me a parte dos bens
que me toca".
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Tendo-a recebido, dirigiu-se como peregrino a uma terra distante, por um caminho sem fim,
um trabalho sem repouso, um movimento sem estabilidade e uma corrida sem destino.
Sua porção consistiu de três coisas: a MEMÓRIA, a razão e a vontade. A
MEMÓRIA tendia apenas para as coisas de Deus. A razão investigava a sua profundidade
com olhos perspicazes. A vontade, triunfando sobre o terreno, apetecia o celeste. A
MEMÓRIA se estreitava sumamente às coisas verdadeiras. A razão discernia o que havia
de bom e de melhor. A vontade escolhia aquilo que era singularmente ótimo.
Recebidos estes bens, o filho se afastou do pai fugindo por três noites. A
primeira noite foi o caminho pelo qual abandonou a Deus criador; a segunda, aquela pela
qual passou a apetecer algo além de Deus; a terceira, aquilo pelo qual encontrou o repouso
em coisas estranhas e fora de Deus. Primeiro, afastando-se de Deus, foi ao encontro de si
mesmo. Depois, descendo abaixo de si próprio, deleitou-se na carne. Finalmente, já
conduzido para fora de si, passou a deliciar-se com imagem das coisas. A primeira noite
consistiu em gloriar-se da virtude, a segunda em deleitar-se nos vícios, a terceira em
consolar-se no que é meramente transitório.
Consumado todo o caminho, no primeiro ano dilapidou os bens da
MEMÓRIA de três modos: pelos pensamentos afetuosos, pelos onerosos e pelos ociosos.
Afetuosos pela ocupação com o que é servil, onerosos pela solicitude com o que é exterior,
ociosos pela divagação no que é inútil.
No segundo ano dissipou os bens da razão de três modos, tomando o mal
como bem, o falso pelo verdadeiro e o veneno como comodidade. Tomou o mal como bem
porque perdeu a ética, tomou o falso como verdadeiro porque perdeu a lógica e, finalmente,
tomou o veneno como comodidade ao perder a estimação natural.
No terceiro ano dissipou a boa vontade vivendo luxuriosamente, pelo
incêndio de um fogo oculto, pela divagação do olho exterior e pela ambição de um mundo
corrompido, isto é, pela luxúria no fedor, pela soberba no furor e pela avareza no fervor.
Depois que ter consumido tudo, ao iniciar-se uma grande fome naquela terra
iniciou-se também a sua indigência.
No quarto ano, caindo em si, disse para consigo mesmo:
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"Levantar-me-ei
e irei ao meu pai".
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Teve então que compensar pela fé primeiramente os danos causados à razão, pela esperança
os danos causados à MEMÓRIA e pelo amor os danos causados à vontade.
A fé iluminou a razão de três modos: pelos preceitos, pelos sinais e pelas
promessas. A esperança fortaleceu a MEMÓRIA também de três modos: pelo perdão, pela
graça e pela glória. A caridade, finalmente, restaurou a vontade de três modos: pelo amor
natural pelo qual amou ao próximo natural e racional tanto quanto a si mesmo, e pelo amor
espiritual pelo qual amou a Deus.
Retornou, portanto, durante três dias, pelo caminho contrário, de tal maneira
que os mesmos graus pelos quais adoeceu de uma peste mórbida se tornassems as fronteiras
pelas quais retornaria à saúde.
No primeiro dia de seu percurso de volta dirigiu-se a um amigo para que
ceasse com ele. Mas que amigo poderia encontrar numa região distante? Cada qual é para si
próprio o seu próximo e o seu amigo, quando, voltado para si mesmo, nada mais encontra o
que pôr diante de si senão os seus próprios pecados e, em meio à dor e às lágrimas, pede
outro amigo sacerdote e lhe diz:
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"Amigo, empresta-me três pães",
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isto é, imponha-me agora uma penitência. E ele
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"certamente se levantará,
e lhe dará quantos pães
lhe forem necessários".
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Dar-lhe-á o pão do amor, o pão do trabalho e o pão da dor.
No segundo dia dirigiu-se a outro amigo, seguindo o exemplo dos Santos
Padres e passando a freqüentar as Escrituras. Foram-lhe então estendidos outros três pães: o
pão do perdão, o pão da graça e o pão da glória. O homem comeu e saciou-se.
No terceiro dia, chegou junto ao seu pai, o Deus misericordioso e piedoso,
que lhe estendeu três delicados novilhos, um novilho ainda novo, um novilho tirado do
rebanho e um novilho gordo. Comeu e saciou-se abundantemente.
O primeiro retorno, portanto, é do alheio ao próprio, o segundo dos males
aos bens, o terceiro, do que é passageiro ao eterno.
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