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E PARECE QUE NÃO PODE, POIS,
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Em primeiro, de fato, Deus não pode fazer algo contrário à comum
concepção do espírito, assim como que o todo não seja maior do que
a sua parte. Ora, conforme diz o Filósofo no primeiro livro da
Física, foi comum concepção das sentenças filósofos que do nada
nada se faz. Portanto, Deus não pode criar algo do nada.
Ademais, em segundo, tudo o que se faz, antes que fosse, era
possível que fosse. De fato, se era impossível que fosse, não
seria possível que se tornasse, pois nada se muda para aquilo que é
impossível. Ora, a potência pela qual algo pode ser, não pode ser
senão em algum sujeito, porque o acidente não pode existir sem o
sujeito. Portanto, tudo o que se faz é feito a partir da matéria ou
do sujeito, de onde que é impossível fazer- se algo a partir do
nada.
Ademais, em terceiro, não sucede que se atravesse uma distância
infinita. Ora, do não ente de modo simples ao ente há uma
distância infinita, o que é patente pelo fato de que quanto a
potência está menos disposta ao ato, tanto mais dista do ato, de
onde que se este for inteiramente subtraído da potência, haverá uma
distância infinita. Portanto, é impossível que algo transite de
modo simples do não ente ao ente.
Ademais, em décimo, aquilo que é feito a partir do nada, possui
ser depois de não ser. Portanto, deve-se considerar algum instante
no qual não é por último, a partir do qual o não ser cessa, e
algum outro instante no qual é por primeiro, a partir do qual o ser
principia. Estes dois instantes ou serão um e o mesmo instante, ou
serão diversos. Se forem o mesmo, daí se seguirá que dois
contraditórios existem no mesmo instante. Se forem diversos, como
entre dois instantes existe um tempo intermediário, seguir-se-á
algo ser intermediário entre a afirmação e a negação, porque não
pode ser dito após o último instante no qual não foi, nem ser antes
do primeiro instante no qual foi. Ambas estas coisas, porém, são
impossíveis, isto é, a contradição existir simultaneamente e ela
possuir um intermediário. De onde que é impossível algo fazer-se a
partir do nada.
Ademais, em décimo segundo, todo agente age algo semelhante a si.
Todo agente, porém, age na medida em que é em ato. Nada é
feito, portanto, senão aquilo que está em ato. Mas a matéria
primeira não está em ato. Portanto, não pode ser feita,
principalmente por Deus, que é ato puro, de modo que tudo o que se
faz, é feito a partir da matéria pressuposta, e não a partir do
nada.
Ademais, em décimo sétimo, quem faz dá o ser ao que é feito.
Se, portanto, Deus faz algo a partir do nada, Deus dá o ser a
algo. Este ou será algo que receba o ser, ou nada. Se for nada,
então o nada será constituído no ser por esta ação, e desta
maneira não se fará alguma coisa. Se for algo que receba o ser,
este será outra coisa que não Deus, porque não é o mesmo o que
recebe e o recebido. Deus, portanto, faz a partir de algo
preexistente, e não a partir do nada.
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PORÉM, AO CONTRÁRIO,
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Em primeiro , diz o Gênesis que
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"No princípio criou Deus
o céu e a terra".
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Ora, diz a Glosa, citando Beda, que criar é fazer algo a partir
do nada. Deus, portanto, pode fazer algo a partir do nada.
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RESPONDO, DIZENDO QUE,
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devemos sustentar firmemente que Deus pode fazer algo a partir do nada
e o faz. Para cuja evidência deve-se saber que todo agente age
segundo que seja em ato, de onde que importa que a ação seja
atribuída àquele agente por aquele modo pelo qual lhe convém ser em
ato.
As coisas particulares estão em ato de modo particular, e isto de
dois modos. Primeiro, por comparação consigo mesmo, porque não é
toda a sua substância que é ato, já que estas coisas são compostas
de matéria e forma. Daqui vem que as coisas naturais não agem
segundo o seu todo, mas agem pela sua forma, pela qual estão em ato.
Segundo, por comparação às coisas que estão em ato, porque em
nenhuma coisa natural se incluem os atos e as perfeições de todas as
que estão em ato, mas qualquer uma delas possui ato determinado a um
gênero e a uma espécie. Daqui vem que nenhuma delas é ativa do ser
na medida em que é ser, mas de seu ser na medida em que é este ser,
determinado nesta ou naquela espécie, porque o agente age o semelhante
a si.
Por isso o agente natural não produz o ser de modo simples, mas o ser
preexistente e determinado a isto ou a aquilo como, por exemplo, à
espécie do fogo ou à brancura. Por este motivo o agente natural age
movendo, pelo que requer a matéria, que seja sujeito de mutação ou
movimento, de onde que não pode fazer algo a partir do nada.
Deus, ao contrário, é totalmente ato, tanto em comparação
consigo mesmo, por ser ato puro, não possuindo composição com
potência, como em comparação com as outras coisas que estão em
ato, porque nele está a origem de todos os entes. De onde que, por
sua ação, produz todo o ente subsistente, nada sendo pressuposto,
na medida em que é princípio dr todo o ser e segundo a totalidade de
si. Pode, por isto, fazer algo a partir do nada, e esta sua ação
é chamada criação.
Daqui vem que no livro `Das Causas' diz-se que o ser das coisas o
é por criação, enquanto que o viver e outros tais o são por
informação. De fato, as causalidades do ente de modo absoluto são
reduzidas à primeira causa universal, enquanto que a causalidade das
outras coisas que ao ser se acrescentam ou pelas quais o ser se
especifica pertence às causas segundas, as quais agem por
informação, como que suposto o efeito da causa universal.
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À PRIMEIRA, PORTANTO,
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deve-se dizer que o Filósofo diz ser comum
concepção do intelecto ou opinião dos filósofos naturais que do nada
nada se pode fazer porque o agente natural, que por eles é
considerado, não age a não ser pelo movimento, sendo daí
necessário algum sujeito do movimento ou da mutação. Este,
porém, não é necessário no agente sobrenatural, conforme foi
dito.
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À TERCEIRA
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deve-se dizer que antes que o mundo fosse era possível que
o mundo fosse, todavia não era necessário que alguma matéria, sobre
a qual se fundamentasse uma potência, preexistisse. De fato,
diz-se no quinto livro da Metafísica que às vezes algo é dito
possível não segundo alguma potência, mas porque nos termos
enunciáveis do mesmo não há nenhuma contradição, segundo a qual o
possível se opõe ao impossível. Assim é que, portanto, dizemos
que antes que o mundo fosse era possível que o mundo se fizesse,
porque não havia contradição entre o predicado e o sujeito do
enunciado.
Pode-se dizer também que era possível por causa da potência ativa
do agente, e não por causa de alguma potência passiva da matéria.
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À TERCEIRA
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deve-se dizer que entre o ente e o não ente de modo
simples existe sempre de algum modo uma distância infinita, não,
todavia, do mesmo modo. Trata-se, às vezes, de uma distância
infinita de ambas as partes, como quando se compara o não ser ao ser
divino que é infinito, ou se compara a brancura infinita ao negrume
infinito. Trata-se, outras vezes, de uma distância que é finita
somente de uma parte, como quando comparamos o não ser de modo simples
ao ser criado que é finito, ou comparamos o negrume infinito à
brancura infinita.
Não pode, portanto, haver trânsito do não ser para o ser que é
infinito, mas tal transito pode realizar-se para o ser que é finito,
na medida em que a distância do não ser a este ser possui término de
uma parte, embora não se trate de um trânsito de modo próprio. De
fato, o trânsito propriamente se realiza nos movimentos contínuos,
através dos quais transitam uma parte após a outra.
Deste modo, por conseguinte, de nenhum modo ocorre que o infinito
possa ser transitado.
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À DÉCIMA
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deve-se dizer que ao fazer-se algo do nada o ser do que é
feito o é por primeiro em algum instante. O não ser, porém, não
é naquele instante nem em algum instante real, mas somente em algum
instante imaginário. Assim como além do universo não existe nenhuma
dimensão real, mas somente imaginária, segundo a qual dizemos que
Deus pode fazer algo além do universo, ou distante de tanto do
universo, assim também antes do princípio do mundo não havia algum
tempo real, mas imaginário, e nele é possível imaginar-se algum
instante no qual por último o não ente foi.
Isto, porém, não significa que entre estes dois instantes existe um
tempo intermediário, porque não há continuidade entre o tempo
verdadeiro e o tempo imaginário.
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À DÉCIMA SEGUNDA
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deve-se dizer que nem a matéria, nem a forma e nem
o acidente são propriamente ditos serem feitos, mas o que é feito é
a coisa subsistente.
Como o fazer-se termina no ser, o fazer-se convém de modo próprio
àquilo a quem convém ser per se, isto é, à coisa subsistente. De
onde que nem a matéria, nem a forma, nem o acidente são propriamente
ditos ser criados, mas ser concriados. É propriamente criada a coisa
subsistente, qualquer que seja.
Pode-se também dizer que a matéria primeira possui semelhança com
Deus na medida em que esta participa do ente. De fato, assim como a
pedra é semelhante a Deus na medida em que é ente, ainda que não
seja intelectual assim como Deus, assim a matéria primeira possui
semelhança com Deus na medida em que é ente, mas não na medida em
que é em ato, pois o ente é de uma certa forma comum à potência e
ao ato.
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À DÉCIMA SÉTIMA
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deve-se dizer que Deus, dando o ser,
simultaneamente produz aquilo que recebe o ser, de onde que não se
segue que aja a partir de algo preexistente.
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