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Do próprio mal que te faz desesperar da purificação poderá sair um
remédio bastante rápido e eficaz. A condição única é que
transfiras para a leitura a meditação das Escrituras espirituais a
diligência e o zelo que, segundo dizias, tiveste pelos estudos
seculares.
É, com efeito, inevitável que tua mente fique ocupada com aqueles
poemas até que ela tenha conquistado, com igual zelo e assiduidade,
outros objetos que repasse em si mesma e possa dar à luz, em lugar dos
pensamentos terrenos e infrutíferos, outros espirituais e divinos. O
espírito humano não pode ficar vazio de pensamentos. Se, portanto,
ele não for ocupado com as coisas espirituais, forçosamente
continuará embaraçado por aqueles que antes aprendera.
A fim de que a ciência espiritual tome em ti força e perpétua
solidez, e não a desfrutes só por pouco tempo, como os que não a
possuem por seu esforço e apenas entram em relação com ela pelo
testemunho alheio percebendo-a, por assim dizer, como um vago perfume
no ar, mas para que ela seja de certo modo entranhada no teu coração
e aí considerada pelo teu olhar e como que apalpada, convém que
observes com toda a diligência o seguinte. Acontecerá que, por
acaso, conheças muito bem o que ouvires em uma conferência. Neste
caso, não recebas com ar de desprezo e fastio o que já conheces. Ao
contrário, confia isto ao teu coração com a mesma avidez que devemos
ter sempre para ouvir as desejáveis palavras da salvação. Por mais
freqüente que nos seja a exposição de assuntos sérios, jamais uma
alma que tem sede da verdadeira ciência experimentará a saciedade da
aversão. Eles lhe serão novos cada dia, e também cada dia
desejados. E quanto mais a alma sedenta beber desta ciência, tanto
mais avidamente a escutará ou dela falará. É evidente indício de
mente morna e soberba o receber com desgosto e negligência o remédio
de palavras salutares, mesmo à custa de uma excessiva assiduidade em
fazê-las escutar pois, se recolheres estas verdades com todo o
cuidado e forem guardadas no mais fundo da alma e marcadas com o selo do
silêncio, elas serão como um vinho aromático que alegrará o
coração do homem. Amadurecidas por longas reflexões e ao ritmo
demorado da paciência, elas se derramarão do vaso de tua alma com uma
fragância de perfume. Acontecerá então que ser-te-á dada a bem
aventurança que o mesmo profeta promete:
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"O Senhor fará que não mais
se separe de ti o teu mestre,
e os teus olhos verão o teu preceptor.
E teus ouvidos escutarão a voz
daquele que te avisará,
gritando atrás de ti:
`Eis o caminho,
anda por ele,
sem desviar para a direita
nem para a esquerda'".
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Como, aliás, já dissemos, é de todo impossível que alguém possa
conhecer ou ensinar estas coisas a não ser que as tenha experimentado.
E ainda que tenha a presunção de ensinar, o seu discurso há de
ser, fora de dúvida, ineficaz e inútil, limitando-se a atingir as
orelhas dos ouvintes sem conseguir penetrar no seu coração.
Impossível, com efeito, a uma alma impura, por mais assídua que
seja à leitura, adquirir a ciência espiritual.
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