Capítulo 9

Platão conta, em um dos seus Diálogos denominado O Banquete, como o próprio Alcebíades, anos depois do término da campanha de Potidéia, deu pessoalmente o seu testemunho a favor de Sócrates.

Estavam conversando, na casa de um certo Agatão, Sócrates e mais seis pessoas, dentre os quais Aristófanes, o escritor de peças de teatro que mencionamos nas notas precedentes, o autor da comédia As Nuvens, em que Sócrates é ridicularizado sendo tomado como um sofista. Quando ocorreu este diálogo, Aristófanes já havia escrito e apresentado As Nuvens em público, pois um dos interlocutores do diálogo dirige a palavra a Aristófanes citando, na presença de Sócrates, um trecho da comédia em que Aristófanes satiriza a Sócrates.

É então que repentinamente entra na casa de Agatão e interrompe a conversa destes homens nada menos do que Alcebíades, fazendo os maiores elogios de Sócrates. Vejamos o que Alcebíades tinha a dizer:

"Senhores, devo lhes dizer como admiro a índole, a sabedoria e a bravura deste homem aqui presente. Nele encontrei alguém como jamais esperei encontrar outro homem com tamanha prudência e fortaleza. Logo depois que o conheci, participamos ambos de uma expedição contra Potidéia, e tínhamos as refeições juntos.

Pois bem, para começar, ele superava, a mim e a todos os outros, nas fadigas. Toda vez que, com as comunicações cortadas, como acontece nas guerras, éramos forçados a ficar sem provisões de boca, perto dele os outros não valiam nada para suportar a situação.

Por outro lado, quanto a suportar os invernos, e lá os invernos são terríveis, este homem fez prodígios. Certa vez, entre tantas, tivemos uma geada das mais terríveis; ninguém saía ao relento, ou, se alguém saía, ia embrulhado com uma espantosa quantidade de agasalhos, calçado com os pés envoltos em tiras de feltro e pele de carneiro. Mas Sócrates, nesta ocasião, saiu sem nada levar além daquela mesma manta que costumava vestir antes e, descalço, caminhava sobre o gêlo com mais desenvoltura do que os outros calçados. Os soldados o olhavam com desconfiança, pensando que com isto Sócrates os estava querendo humilhar.

E quanto aos combates, outro tanto é o que eu tenho a dizer. Eis aqui uma dívida que é justo que se lhe pague. Quando se feriu aquela batalha após a qual os generais me atribuíram a insígnia de bravura, quem me salvou não foi outro senão este homem que tendes aqui presente. Ele não quis me abandonar ferido, mas salvou juntamente minhas armas e minha pessoa. Quando voltamos a Atenas, eu propus aos generais que dessem as insígnias a ti, Sócrates, e tu não me podes censurar por isto, nem desmentir. Todavia os generais estavam de olhos postos na minha linhagem, e queriam atribuir a mim as honras.

Porém o fato, deve-se dizer, é que o desejo de que eu as recebesse e não Sócrates era maior em Sócrates do que nos próprios generais.

Ainda muitas outras coisas admiráveis se poderiam dizer em louvor deste homem, senhores. No tocante a outras ocupações, talvez se pudessem dizer coisas semelhantes a respeito de outros; mas naquilo em que ele não se assemelha a homem algum nem do passado nem do presente é que ele é digno de toda a admiração."