Capítulo 10

A grandeza de Parmênides está em que ele não só pela primeira vez se colocou diante deste problema, como também em que, quando ele assim o fêz, não teve dúvidas sobre o que deveria julgar sobre o caso.

O caso que acabamos de descrever, apresentado conforme o narramos, parece sugerir que a maioria de nós, defrontados com semelhante situação ficaria perpetuamente na dúvida. Mas a verdade é bem outra. Apresentado o caso na vida real, se surgisse diante de nós um ser que fosse, do ponto de vista da inteligência, uma contradição, isto seria para todos um indício certo de que a afirmação segundo a qual o ser e o pensar são o mesmo não pode ser um princípio universalmente válido. É assim que nós quase certamente julgaríamos, porque a maioria de nós vive psicologicamente muito mais preso ao mundo dos sentidos do que ao mundo da inteligência.

Esta é, porém, uma situação bastante diferente daquela dos filósofos pré socráticos, os quais, pela educação que tinham recebido, eram capazes de viver intensamente as realidades do mundo da inteligência, assim como nós vivemos as realidades do mundo sensível à nossa volta. Para eles o mundo da inteligência era um mundo de luz. Esta é uma afirmação feita inclusive por eles próprios. Platão fêz uma comparação a este respeito, conforme veremos posteriormente, segundo a qual o mundo da inteligência, quando o homem consegue ambientar-se nele, é como um mundo iluminado por um sol brilhante, para o qual o sol material que nós vemos não é nada mais do que um símbolo deste outro sol da inteligência.

Mas para a maioria de nós a luz da inteligência é apenas uma fagulha que pisca em momentos isolados. Nós vivemos de fato intensamente e na maior parte do tempo no mundo que nos vem dos sentidos considerado apenas à luz destes sentidos, ou num mundo de imaginações e sonhos que revivem experiências passadas expectativas de experiências futuras que pertencem totalmente a este domínio. Ora, para quem vive assim, o princípio de Parmênides de que o ser e o pensar são o mesmo não é na realidade um princípio, mas apenas uma generalização de muitas observações. Isto significa que já que sempre vimos seres que não contradizem o pensar, agimos por conseqüência como se sempre assim haveria de acontecer. Se, porém, um dia acontecesse diversamente, julgaríamos então que a surpresa que daí nos adveio foi devido ao fato de que não tínhamos vivido ainda o bastante para poder ter visto de tudo um pouco.