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A leitura deste trabalho, inserido em seu contexto
histórico, levanta sérias dúvidas quanto à posição real de
sua atitude diante do movimento do planejamento familiar. O
autor dá a entender em seu trabalho que as posições que ele
defende são vistas com hostilidade pelos responsáveis dos
movimentos de planejamento familiar. Mas seriam as idéias que
ele expressa realmente diferentes daquelas dos responsáveis
por estes movimentos? Historicamente, quando se examina o que
ocorreu no período imediatamente anterior e posterior ao
aparecimento da polêmica suscitada por este trabalho
verifica-se que, tenha ou não sido esta a intenção do autor,
ele serviu como um trampolim diplomático para que os
planejadores familiares, tão duramente criticados no texto,
pudessem discutir estes fatos sem que parecesse que a
iniciativa tivesse partido deles. Propositalmente ou não, foi
uma oportunidade áurea, não desperdiçada, conforme veremos,
pelas agências que lidavam àquela época com planejamento
familiar e questões populacionais porque, à exceção da IPPF,
a história do relacionamento destas agências e os governos
das várias nações não lhes favorecia criarem uma imagem de
idealizadores de semelhantes teorias.
As reações subseqüentes das entidades relacionadas
com questões populacionais foram muito significativas a este
respeito. Á exceção da IPPF, que assumiu quase literalmente o
programa sugerido por Kingsley Davis, os demais
"planejadores familiares" de que fala o professor da
Universidade da Califórnia se posicionaram, pelo menos no
início, formalmente contra o trabalho publicado na Science.
Mas, examinados mais atentamente, tais posicionamentos foram
redigidos de uma forma bastante ambígua, não sendo possível
descartar a conjectura de que assim o tivessem sido
propositalmente. Além destes posicionamentos terem sido muito
amplamente divulgados nos meios de comunicação
especializados, o que contribuíu para a difusão ainda maior
do trabalho de K. Davis, eles não se limitaram a afirmarem
suas discordâncias do mesmo, mas apresentaram uma longa
justificativa dos motivos que os levavam a discordar dos
argumentos do professor; ocorre porém que a análise destas
justificativas mostra que na verdade elas mais servem para
apoiar as idéias contidas no trabalho publicado na Science
do que para impugná-las. É que na verdade a cúpola do
movimento do planejamento familiar está muito mais preocupada
com o controle demográfico do que com o direito das famílias
ou das mulheres, e aos poucos todo ele passou a assumir mais
abertamente as diretivas sugeridas por K. Davis em 1967.
Outra observação também digna de note refere-se ao
oportunismo histórico com que esta polêmica foi levantada. A
clareza e a segurança dos conceitos enunciados por K. Davis
mostra que este trabalho não era fruto de momento mas o
resultado de uma linha de pesquisa que vinha sendo
desenvolvida há muitos anos pela comunidade científicas.
Entretanto, a discussão mais franca e aberta destes temas só
veio à luz quando o planejamento familiar já estava
praticamente reconhecido como direito humano fundamental. Ao
trabalho de K. Davis se seguiram vários outros na mesma
linha.
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