CAPÍTULO 35

Em seu pontificado Gregório VII promulgou uma lei que se dirigia diretamente à raíz dos males que tinham se alastrado na Igreja durante os últimos séculos.

Por determinação pontifícia, dali para a frente ficava proibida, sob pena de excomunhão, que um leigo investisse um clérigo em cargos eclesiásticos.

Dada a tão grande relevância que uma medida como esta tinha diante dos problemas da Igreja daquela época, cabe perguntar por que uma lei tão importante como foi esta não havia sido promulgada muito tempo antes.

A resposta é que não teria bastado uma simples promulgação. Devia-se ter os meios para fazê-la valer. Gregório VII enviou legados, dotados de plenos poderes, para as diversas partes da Europa supervisionar a execução de seus decretos contra as investiduras leigas e punir os desobedientes. A resistência dos senhores feudais e do Imperador foi gigantesca. A impressão geral que se tinha era que desta vez o Papa Gregório havia exagerado muito e temerariamente. Os detentores do poder civil se consideraram roubados em um direito que, para as perspectivas da época, consideravam legítimo. Obedecer a lei significava, para o poder temporal, além de uma afronta a direitos considerados legítimos, perder uma copiosa fonte de rendas e uma valiosíssima colaboração do clero nos assuntos temporais. Os senhores feudais eclesiásticos no Sacro Império Romano Germânico eram os principais pilares da autoridade imperial, a qual, devido ao sistema feudal, já não era forte. Obedecer aos decretos de Gregório VII, do modo como foram promulgados, significava para o Imperador perder repentinamente seu principal ponto de apoio político.

Em vista destas considerações, o que veio a suceder em seguida no Sacro Império foi precisamente o que teria sido de se esperar. O Imperador desprezou abertamente os decretos de Gregório VII e, mais ainda, acusou-o publicamente de pretender usurpar a coroa imperial, de defender a heresia, de praticar o adultério, de cultivar a magia e de ser um feroz sanguinário. Convocou, ademais, como não poderia ter deixado de o fazer, as tropas do exército imperial para marcharem contra Roma e deporem um Papa tão indigno, em sua opinião, de ocupar a sucessão de São Pedro.

O Imperador preparava-se para depor o Papa pela força armada, um papa o qual, afinal de contas, do ponto de vista legal daquela época, não passava de um vassalo do Sacro Império, quando Gregório VII, tendo sabido sobre o modo como o Imperador havia acolhido os seus decretos, teve não apenas a coragem de excomungá-lo como também, uma coisa não só inédita na história como totalmente impensável no contexto daquela época, decretou a deposição do Imperador do trono do Sacro Império, desobrigando a todos os seus súditos do juramento de fidelidade ao Imperador.

O aspecto mais assombroso deste decreto, além do fato de se tratar de coisa totalmente sem precedentes, é que São Gregório não possuía poder militar algum para poder impor a execução de uma determinação como esta.

Mas já há cinco pontificados que o prestígio e a fama de santidade dos Pontífices se havia espalhado pela Europa. Para a surpresa do Imperador, assim que o decreto do Papa Gregório ficou conhecido, não houve mais um único de seus súditos que estivesse disposto a obedecê-lo. O Imperador se viu obrigado a peregrinar até o castelo de Canossa na Toscana onde Gregório VII estava hospedado e passar três dias e três noites do lado de fora, como simples peregrino, no meio da neve, até que o Papa o absolvesse da excomunhão que lhe havia sido decretada.