CAPÍTULO 164

Mas, seja qual for a verdade a este respeito, parece claro que havia alguma coisa excusa nas conquistas de César Borgia.

Várias vezes ele declarou que a sua missão não era a de se tornar um tirano, mas a de acabar com eles, e que ele nada mais estava fazendo do que restituir ao governo efetivo da Igreja terras que de fato lhe pertenciam.

Porém, conforme narra a historiadora Sarah Bradford,

"em primeiro de maio de 1501 Alexandre VI promulgou uma bula confirmando César vigário hereditário da Igreja não somente da região de Pesaro, mas também da de Fano, que até aquele momento haviam estado sob o controle direto da Igreja.

Uma quinzena mais tarde César Borgia foi investido com o título de Duque da Romanha, e o Papa enviou-lhe a Rosa Dourada pelo segundo ano consecutivo.

De fato, o Papa havia transferido para o seu filho a senhoria perpétua de uma das mais importantes províncias dos Estados Pontifícios".

Em seguida, a um certo momento de suas campanhas, César Borgia dispensou todos os saldados franceses pagos por Luiz XII a seu serviço. Já era capaz de combater com as suas próprias tropas.

Por volta de 1503 começaram a surgir evidências de que César Borgia estava prestes a dispensar inclusive o apoio político do rei de França, apoio devido ao qual até então o Ducado de Milão e a República de Veneza, preocupadíssimos com a marcha dos acontecimentos, haviam no entanto se conservado em uma aparente neutralidade.

Mas, mais ainda do que isso, César Borgia deu sinais de estar preparando-se para conquistar territórios como Siena e Florença, que estavam totalmente fora dos Estados Pontifícios, e o rei de França enviou uma mensagem ao Papa Alexandre VI no sentido de que ele contivesse os projetos militares de seu filho.

Qual era a meta que tinha em mente este homem, afinal? Ninguém jamais o soube. Não é improvável, conforme Maquiavel pensava, que ele pretendesse unificar a inteira Itália sob o seu domínio. Ao contrário de Alexandre VI que, não obstante os seus defeitos, era um homem de sentimentos religiosos, César Borgia era totalmente indiferente à religião. Se tivesse conseguido realizar seus planos, o que pretenderia fazer ele com o Papado?

Trata-se de uma questão para a qual só se podem fazer conjecturas.

Jacó Burckhardt, que tem uma visão do pontificado de Alexandre VI bem mais negativa do que na realidade o foi, faz no entanto algumas considerações a este respeito que não nos parecem totalmente inverossímeis:

"Não pode haver dúvidas de que César Borgia tinha a intenção de tomar posse a qualquer custo dos Estados Pontifícios, e que se alguém pudesse ter secularizado os Estados Pontifícios este alguém era César Borgia, e que ele se veria forçado a fazê-lo se quisesse alcançar seus objetivos. A menos que estejamos muito enganados, esta foi a verdadeira razão da simpatia com que Maquiavel tratou este grande criminoso, pois somente de César ou de mais ninguém poderia-se esperar o aniquilamento do Papado, o principal obstáculo que impedia a unificação italiana".

Entretanto, o mesmo Burckhardt mais adiante acrescenta que

"ao seguir tais hipóteses, a imaginação se perde a si mesma em um abismo".