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Dois anos depois do triunfo da Conferência Mundial
sobre População, a American Birth Control League de
Margareth Sanger obteve sua primeira vitória para a derrubada
da Lei Comstock que enquadrava os proponentes do controle da
natalidade dentro das leis federais contra a obscenidade.
Após uma batida policial em sua clínica de Brownsville, a
Corte de Justiça declarou sustentar o direito dos médicos
prescreverem contraceptivos por razões de saúde. Alguns anos
depois, em 1936, um caso semelhante fêz com que um juiz de
Nova York introduzisse uma jurisprudência famosa segundo a
qual ficava estabelecido que a Lei Comstock não se aplicava à
profissão médica.
Para se entender o significado e o alcance destas
decisões, deve-se considerar que até aos anos 1920-1930 os
principais propagadores do movimento pelo controle da
natalidade não pertenciam à profissão médica. Inicialmente,
logo após Malthus, o movimento se preocupava com o problema
da superpopulação decorrente desta falta de controle. Em
seguida, devido à crescente consciência de que a população
não estava crescendo, mas diminuindo, o movimento começou a
enfatizar as condições econômicas e sociais dos casais
pobres, para depois cair progressivamente num movimento de
cunho feminista e de emancipação da mulher. Devido a isto, a
propagando sobre contraceptivos era vista pelas classes
dirigentes como se tratando de pura pornografia, o que é
facilmente comprovado por uma extensa documentação relativa a
esta época e pelas sucessivas tentativas dos governos da
Bélgica e da França de enquadrarem o assunto nas Conferências
Intergovernamentais sobre a Supressão do Tráfico de
Publicações Obscenas.
Foi a fundação de clínicas para aconselhamento
sobre controle de natalidade na Inglaterra e nos Estados
Unidos que fêz com que mudassem progressivamente as
características principais da apresentação do movimento
perante o público e as elites. A primeira clínica londrina
fundada por Marie Stopes coincidiu, em 1921, com uma
declaração pública de Lord Dawson, médico particular de Sua
Majestade, em que este havia se pronunciado no sentido de que
a Igreja e sua profissão reavaliassem suas atitudes sobre o
assunto à luz dos modernos conhecimentos científicos. Os
métodos espalhafatosos da Dra. Stopes e da Liga Malthusiana
fizeram com que em pouco tempo começassem a aumentar o número
de clínicas em toda a Inglaterra. Do outro lado do Atlântico
as vitórias e as jurisprudências arrancadas através de
métodos pouco convencionais por Margareth Sanger fizeram com
que, logo após a queda da Lei Comstock, a Associação Médica
Americana, que até então não se havia pronunciado,
instituísse um comitê sobre contraceptivos, que veio a
recomendar pouco depois a pesquisa sobre métodos efetivos de
controle de natalidade e a inclusão do assunto nos currículos
das escolas médicas. A publicação em 1929 por Ogino e Knaus
do Método do Rítmo, assim como sua aprovação oficial em 1930
por parte da Igreja Católica através da Encíclica Casti
Conubii de Pio XI veio em parte em auxílio a esta renovação
de mentalidade.
A mudança que se operou na atitude da profissão
médica transformou o caráter do movimento pelo controle da
natalidade. O feminismo radical e extremado característico em
que tinha caído foi sendo substituído gradualmente pelo
sentimento de que o fornecimento de serviços de
aconselhamento sobre contraceptivos era uma responsabilidade
da profissão médica. Encorajados pelo pronunciamento de Lord
Dawson, pelo exemplo da Dra. Marie Stopes na Inglaterra e
pelo da Dra. Aletta Jacobs na Holanda, médicos menos ousados
começaram a abrir suas clínicas na Inglaterra até que em 1938
todas elas, com a exceção da de Marie Stopes, se uniram em
uma organização compacta que ficou conhecida sob o nome de
Family Planning Association.
As clínicas começaram uma nova fase na história do
movimento pelo controle da natalidade. Á medida em que o
movimento adquiria aliados e respeitabilidade, suas origens
radicais e seu potencial revolucionário não eram mais levados
em sua devida conta. A ênfase do problema da contracepção foi
colocada na saúde e na felicidade do casal, particularmente
no da mulher. O espaçamento dos filhos, mais do que a sua
limitação, passou a ser recomendado, principalmente devido à
preocupação com a queda das taxas de natalidade. Até mesmo a
expressão Birth Control inventado por Margareth Sanger em
1914 foi sendo gradualmente substituído por Family Planning
e Planned Parenthood. A fusão havida em 1939 das clínicas
de Margareth Sanger com a American Birth Control League, da
qual resultou a Birth Control Federation of America, teve
seu nome substituído em 1942 para Planned Parenthood
Federation of America.
Entretanto, oculta debaixo desta sua nova
aparência, a radicalidade do movimento não sofreu modificação
alguma, e pouco a pouco foi aperfeiçoando uma metodologia de
trabalho para forçar as mais extremas mudanças no padrão de
comportamento da sociedade, que mais tarde viria a ser
característica da poderosa IPPF.
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