CAPÍTULO 90

Porém, ao perseguir este seu objetivo final, Quintiliano foi mais longe. De fato, logo a seguir, na introdução do Livro I, ele continua:

"Mas o orador que desejamos assim instituir é o orador perfeito, que não pode existir de modo algum se ele não for um homem bom. Por isto exigiremos dele não apenas uma exímia habilidade no falar, mas também todas as demais virtudes da alma.

De fato, não posso admitir, como alguns fazem, que se deixe como matéria própria de filósofos o estudo do que seja a vida reta e honesta, a sabedoria e a moral, porque o homem verdadeiramente útil aos seus concidadãos, o homem verdadeiramente civilizado e perito na administração das coisas públicas e privadas, capaz de retamente governar uma cidade pelos seus conselhos, de instituir as leis, de corrigir a administração da justiça, este homem, sem dúvida alguma, não é outro senão o perfeito orador.

Assim, embora usarei nesta obra muitas coisas que são encontradas nos livros dos filósofos, afirmo que, pelo direito e pela verdade, estas coisas pertencem ao nosso domínio e pertencem de modo próprio à arte oratória".

O que vemos aqui é a amplidão da perspectiva educacional de um texto que a princípio se anunciava apenas como tratando de oratória. Quintiliano declara que não deseja formar apenas o homem perito na arte de falar mas, para obter este resultado, ele quer formar também o homem bom, e nisto vemos a influência que ele recebe da educação dos filósofos, de onde ele diz que tomou emprestado quanto é necessário para a formação do homem bom, o que ele já considera como coisa sua e não mais dos filósofos.

A seguir Quintiliano critica os professores de oratória que, antes dele, não conseguiam enxergar estas coisas que ele acabava de expor:

"Ademais, conforme Cícero mostrou já bastante abertamente, o ofício do sábio e do orador são tão unidos em sua natureza e tão igualmente inseparáveis na vida prática que o sábio não pode ser distinguido do verdadeiro orador. Se em algumas ocasiões, no estudo da oratória, se estabeleceu uma separação como esta, isto ocorreu a partir do momento em que a palavra se tornou uma profissão lucrativa. Quando as pessoas começaram a abusar dos benefícios da eloqüência abandonaram também com isto o cuidado pelos costumes e a moral foi negligenciada por aqueles que passavam por oradores. Mas, assim abandonada, a eloqüência se tornou presa dos engenhos mais medíocres.

Na verdade, o orador deve ser um homem que mereça verdadeiramente o nome de sábio, e deve ser perfeito não apenas em seus costumes, como também na ciência e em todas as formas de eloqüência".