|
A grandeza de Parmênides está em que ele não só pela primeira vez se colocou diante
deste problema, como também em que, quando ele assim o fêz, não teve dúvidas sobre
o que deveria julgar sobre o caso.
O caso que acabamos de descrever, apresentado conforme o narramos, parece sugerir
que a maioria de nós, defrontados com semelhante situação ficaria perpetuamente na
dúvida. Mas a verdade é bem outra. Apresentado o caso na vida real, se surgisse
diante de nós um ser que fosse, do ponto de vista da inteligência, uma contradição, isto
seria para todos um indício certo de que a afirmação segundo a qual o ser e o pensar
são o mesmo não pode ser um princípio universalmente válido. É assim que nós quase
certamente julgaríamos, porque a maioria de nós vive psicologicamente muito mais
preso ao mundo dos sentidos do que ao mundo da inteligência.
Esta é, porém, uma situação bastante diferente daquela dos filósofos pré socráticos, os
quais, pela educação que tinham recebido, eram capazes de viver intensamente as
realidades do mundo da inteligência, assim como nós vivemos as realidades do mundo
sensível à nossa volta. Para eles o mundo da inteligência era um mundo de luz. Esta é
uma afirmação feita inclusive por eles próprios. Platão fêz uma comparação a este
respeito, conforme veremos posteriormente, segundo a qual o mundo da inteligência,
quando o homem consegue ambientar-se nele, é como um mundo iluminado por um sol
brilhante, para o qual o sol material que nós vemos não é nada mais do que um símbolo
deste outro sol da inteligência.
Mas para a maioria de nós a luz da inteligência é apenas uma fagulha que pisca em
momentos isolados. Nós vivemos de fato intensamente e na maior parte do tempo no
mundo que nos vem dos sentidos considerado apenas à luz destes sentidos, ou num
mundo de imaginações e sonhos que revivem experiências passadas expectativas de
experiências futuras que pertencem totalmente a este domínio. Ora, para quem vive
assim, o princípio de Parmênides de que o ser e o pensar são o mesmo não é na
realidade um princípio, mas apenas uma generalização de muitas observações. Isto
significa que já que sempre vimos seres que não contradizem o pensar, agimos por
conseqüência como se sempre assim haveria de acontecer. Se, porém, um dia
acontecesse diversamente, julgaríamos então que a surpresa que daí nos adveio foi
devido ao fato de que não tínhamos vivido ainda o bastante para poder ter visto de
tudo um pouco.
|
|