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Diz a Sagrada Escritura:
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"Onde está o teu tesouro,
ali está o teu coração".
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Onde está o teu amor, ali estará o teu pensamento. Onde, porém, estiver o teu pensamento, ali
estará a habitação interior do homem. Porque alguém é dito habitar segundo o homem
interior ali onde está a conversação de seu pensamento. Portanto, aqueles que constróem a
deleitação de seu coração na vaidade deste mundo, embora possuam a arca da fé,
interiormente, porém, são náufragos.
Silenciando agora, todos os demais amantes do mundo, quantos eruditos não
conhecemos que querem chamar-se cristãos e que entram com os demais fiéis na Igreja e
participam dos sacramentos de Cristo, em cujos corações é mais freqüente a MEMÓRIA de
Saturno e de Júpiter, de Hércules e de Marte, a de Aquiles e de Heitor, de Pólux e Castor, do
que a de Cristo e de seus santos? Amam as sutilezas dos poetas, mas quanto à verdade das
Escrituras Divinas ou a negligenciam ou, o que é pior, dela se riem e a desprezam.
Observem agora o que lhes aproveita estar exteriormente na Igreja e interiormente fornicar
da fé. Antevejo que no fim haverão de unir-se aos que já estão unidos consigo pelos afetos
do coração; amando com eles esta vida, se tornarão participantes também de seu suplício.
Que lhes aproveita ter fé, se não permanecem na fé? Que lhes aproveita possuir um navio
íntegro, e já não digo padecer as ondas do naufrágio, mas espontaneamente nelas atirar-se?
Que lhes aproveita conhecer a verdade e amar a falsidade? Não são estes os verdadeiros
fiéis.
Na Sagrada Escritura o mundo é amaldiçoado e é chamado de inimigo de
Deus não porque a sua substância seja má, mas porque a beleza do mundo seduz as almas.
Não deveríamos fugir da substância do mundo se a concupiscência do mundo não fosse má.
Quando fugimos da concupiscência do mundo, dela fugimos porque é má, quando, porém,
fugimos da substância do mundo, dela não fugimos porque é má, mas porque é ocasião do
mal. Pensada a espécie do mundo, nasce o afeto da concupiscência. Portanto, se quisermos
abandonar a concupiscência do mundo, é necessário primeiro remover a MEMÓRIA deste
mundo de nosso pensamento. "Em minha meditação", diz o profeta,
Assim como a madeira alimenta o fogo, assim também os pensamentos apascentam os
desejos. Se existirem bons pensamentos na meditação, inflamar-se-á o fogo da caridade. Se
os pensamentos forem maus, inflamar-se-á o fogo da cobiça. Porque assim como os olhos
são apascentados pela imagem, assim também a alma é apascentada pelos pensamentos, e a
mente impúdica frui pelo seu desejo de um comércio torpe, na medida em que abraça
interiormente pelo pensamento a coisa desejada. Pouco importa o que se cogita, mas que tipo
de afeto se origina deste pensamento, porque o pensamento não macula a mente onde a
deleitação não corrompe a consciência. É importante, portanto, conforme dissemos, que nos
esqueçamos deste mundo, e que destruamos sua MEMÓRIA de nosso coração, para que não
ocorra que, pensando freqüentemente nela, sejamos inclinados à sua concupiscência.
Cremos já ter manifestamente demonstrado de onde se origina a distração
infinita que padecemos de nossos pensamentos, isto é, do mundo e de sua concupiscência,
isto é, das obras do coração e que aquilo pelo qual podemos recolher em um só todo os
nossos pensamentos são as obras da restauração. E porque, conforme dissemos, não pode
haver ordem onde não há fim, é necessário que, abandonadas as obras da criação,
busquemos a ordem de nossos pensamentos ali onde são finitas, isto é, nas obras da
restauração, e é isto o que nos propusemos investigar anteriormente, qual deveria ser a
ordem de nossos pensamentos para que, a partir deles, pudéssemos edificar em nós uma casa
espiritual para a sabedoria.
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