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O homem moderno, principalmente o da segunda metade do século
dezenove e de todo o século vinte, tem tido manifestado dificuldades
extraordinárias para apreender o caráter teleológico da natureza.
Isto não é neles resultado do desconhecimento da filosofia grega;
segundo Aristóteles, a existência da causalidade final na natureza
é uma coisa evidente por si mesma e não haveria necessidade de se
estudar as obras de nenhum sábio para compreender este fato. A
simples observação da natureza seria mais do que suficiente para
manifestá-lo. O reconhecimento de que os movimentos da natureza
seguem um padrão de regularidade, o que necessariamente tem que ser
deste modo, visto que os entes naturais são dotados de formas que lhes
conferem inclinações próprias, já é uma constatação da presença
da causalidade final na natureza. A causalidade final que observamos
na psicologia humana é apenas um modo mais nobre de exercício desta
causalidade, não algo completamente diverso. No entanto, o advento
da filosofia nominalista por volta dos anos 1300, que tomou conta
da elite pensante européia na época da Renascença, as ciências
experimentais que a partir desta Renascença se desenvolveram sobre a
cosmovisão nominalista da realidade já dominante nas universidades, a
filosofia iluminista que se desenvolveu sobre os resultados das
ciências experimentais nos anos 1700, a teoria da evolução que
surgiu nos anos 1800, estendida posteriormente de modo indevido da
Biologia para uma concepção global de toda a realidade, tudo isto
fêz com que o homem, nestes dois últimos séculos, ou pelo menos,
os homens que tiveram uma educação mais elaborada, não fossem mais
capazes de observar a natureza na pureza com que esta se apresentava aos
homens antigos. Hoje, quando os homens alcançam a idade em que
estariam maduros para observarem a natureza com espírito de
investigação, eles já estão condicionados a enxergá- la da
maneira pré-determinada pelo pensamento dos últimos setecentos anos.
Ao ouvirem falar da afirmação longínqua de um homem chamado
Aristóteles, que teria vivido há cerca de dois mil e trezentos
anos, em uma época supostamente primitiva da humanidade, segundo a
qual na natureza os entes agem tendo em vista algum fim, hoje até as
mentes mais argutas e eruditas julgam tal proposição como um absurdo
evidente, imerecedora de maiores considerações e somente explicável
pela ingenuidade própria de tempos primitivos.
Temos um exemplo deste fato nas considerações da introdução do
famoso Tratado de Psicologia de William James, alguém que, no
século dezenove, ainda se dignava em perder alguns parágrafos de uma
obra importante para desprezar a hipótese da existência da causalidade
final na natureza. Seu breve comentário servirá para ilustrar a
dificuldade do homem moderno em entender este assunto:
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"Se algumas limalhas de ferro
forem espalhadas sobre uma mesa",
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afirma William James,
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"e próximo às mesmas
for colocado um ímã,
elas voarão através do ar
por uma certa distância
e aderirão à superfície do ímã.
Um selvagem, observando este fenômeno,
o explicará como o resultado
de uma atração, ou amor,
entre o ímã e as limalhas.
Porém, se cobrirmos os pólos do ímã
com um cartão,
as limalhas farão uma pressão interminável
contra a superfície do cartão
sem que nunca lhes ocorra
contornar os lados do cartão e,
desta maneira,
chegar a um contato mais direto
com o objeto de seu amor.
O mesmo pode ser dito
se soprarmos algumas bolhas
através de um tubo
no fundo de uma vasilha de água.
Elas subirão à superfície
e se mostrarão ao ar.
Sua ação poderá ser poeticamente interpretada
como devida à saudade
de se voltarem a unir à mãe atmosfera
que está acima da superfície da água.
Mas, se colocarmos uma jarra invertida
cheia de água sobre a vasilha anterior,
estas bolhas continuarão subindo
e ficarão presas sob a superfície
do fundo da jarra invertida,
para sempre separadas do ar exterior,
embora com um pequeno desvio de seu curso inicial,
ou com uma nova descida
em direção às bordas da jarra invertida,
estas mesmas bolhas finalmente alcançariam
a liberdade e encontrariam seu caminho
desimpedido para a mãe atmosfera.
Se agora passarmos
da consideração de ações como esta
para as dos seres vivos,
observaremos diferenças marcantes.
Romeu ama Julieta
tanto quanto supostamente
as limalhas de ferro amam ao ímã.
Se não há obstáculos
que o impedem,
Romeu se moverá em direção a Julieta
por uma linha tão reta
quanto as limalhas de ferro
em direção ao ímã.
Mas no caso de um muro
ser construído entre eles,
Romeu e Julieta não ficarão
idiotamente pressionando suas faces
contra os lados opostos do muro
como o ímã e as limalhas
o farão contra as folhas do cartão.
Romeu achará imediatamente
um caminho de contorno,
escalará o muro
ou tomará alguma outra providência
e acabará chegando imediatamente
à sua amada Julieta.
Já com as limalhas o caminho é fixo.
Se as limalhas alcançam ou não
o seu fim dependerá das circunstâncias.
Com o amante, porém,
é o fim que é fixo;
o caminho pode ser modificado indefinidamente.
Suponha ainda um sapo vivo
na posição em que colocamos as bolhas de ar,
isto é, no fundo de uma vasilha de água.
A impossibilidade de respirar
logo o fará alcançar também a mãe atmosfera,
e ele o fará segundo o caminho mais curto,
nadando diretamente para a superfície.
Mas se uma jarra cheia de água
for invertida sobre o seu caminho,
ele não pressionará perpetuamente seu nariz
contra o seu fundo,
como o faziam as bolhas,
mas explorará cuidadosamente
sua vizinhança até que,
descendo novamente,
tiver descoberto um caminho,
em volta da borda da jarra,
para o objetivo que ele almeja.
Novamente temos que o fim é fixo,
os meios é que variam.
Estes contrastes entre os desempenhos
das coisas vivas e inanimadas
acabam conduzindo os homens
à completa negação da existência,
no mundo físico, de causas finais.
Ninguém mais hoje em dia atribui amor ou desejos
às limalhas de ferro
ou às bolhas de ar.
A busca de fins futuros
e a escolha dos meios
para sua obtenção
são a marca e o critério
para a presença de uma mentalidade
em um determinado fenômeno.
Ninguém atribui mentalidade
às pedras e aos tijolos,
porque eles nunca se nos apresentam
como se se movessem
em direção a alguma coisa.
Elas se movem apenas quando são empurradas e,
quando assim o fazem,
o fazem com indiferença
e sem nenhum sinal de escolha.
É assim que nós formamos nossa decisão
sobre o mais profundo dos problemas filosóficos.
É o Cosmos uma expressão de inteligência racional
em sua natureza mais profunda,
ou um puro e simples fato externo bruto?
Se nos vemos a nós mesmos,
ao contemplar o Cosmos,
incapazes de banir a impressão
de que ele é um conjunto de causalidades finais,
de que ele existe tendo em vista a alguma coisa,
colocaremos a inteligência no seu centro
e teremos uma Religião.
Se, ao contrário,
observando seu fluxo ininterrupto,
pudermos pensar do presente
apenas como um resultado
meramente mecânico do passado,
ocorrendo sem referência alguma
para com o futuro,
seremos ateus e materialistas".
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