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Respondo dizendo que, a este respeito, houve dois êrros.
A. Alguns, de fato, disseram que os animais brutos não são
governados pela providência, a não ser segundo que participam da
natureza da espécie, que é por Deus provista e ordenada, e que a
este modo de providência se referem todas as coisas que são
encontradas nas Sagradas Escrituras que parecem indicar a providência
de Deus acerca dos animais brutos, como quando diz o salmista:
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"Cantai ao Senhor na confissão,
salmodiai ao nosso Deus na cítara,
que dá aos jumentos o seu alimento
e aos filhos dos corvos que o invocam";
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e também:
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"Formaste as trevas e se fêz a noite,
nela vagueiam todos os animais da selva;
os leõezinhos rugem em busca da presa,
e pedem a Deus o seu sustento";
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e muitas passagens semelhantes. Mas este erro atribui a Deus uma
máxima imperfeição pois, de fato, não pode dar-se que Deus
conheça os atos singulares dos animais brutos e não os ordene, sendo
Deus sumamente bom, difundindo por isto em tudo a sua bondade. Este
erro, portanto, derroga a ciência divina, subtraindo-lhe a
ordenação dos particulares enquanto particulares.
B. Outros disseram, por este motivo, que os atos dos animais brutos
caem debaixo da providência do mesmo modo como os atos dos racionais,
de tal maneira que não possa acontecer nenhum mal que eles padeçam que
não seja ordenado ao bem deles próprios. Mas isto também está
longe da razão, pois não se deve pena ou prêmio senão àquele que
tem livre arbítrio.
C. Deve-se dizer, por isso, que os animais brutos e todos os seus
atos, também enquanto singulares, estão submetidos à divina
providência. Não, todavia, pelo modo segundo o qual os homens e os
seus atos lhe estão submetidos, pois os homens, mesmo enquanto
singulares, são governados pela providência por causa deles mesmos,
mas os animais brutos não são provistos enquanto singulares senão por
causa dos outros, assim como já dissemos das demais criaturas
corruptíveis.
Por este motivo, o mal que acontece para o animal bruto não tem
ordenação para o bem dele próprio, mas para o bem de outro, como a
morte do asno que se ordena para o bem do leão ou do lobo. Mas a
morte do homem que é morto pelo leão não se ordena apenas a isto,
mas principalmente à sua pena ou ao aumento do seu mérito, que cresce
pela paciência.
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