7. A posição da Organização Mundial da Saúde.

Nos primórdios da Organização Mundial da Saúde, a maioria daqueles que achavam que a organização devesse se envolver com planejamento familiar achavam também que a primeira prioridade estava em assegurar o futuro da organização. As circunstâncias não eram vistas como propícias para o levantamento de um problema tão controverso e que muitos julgavam, ademais, que não se tratava de coisa urgente.

Havia, porém, alguns países que julgavam a questão urgente. Na Segunda Assembléia Mundial da Saúde, em 1949, o problema foi vigorosamente levantado pelo então ministro da saúde do Ceilão, que mais tarde se tornou o seu primeiro ministro. Devido à insistência geral, a proposta foi retirada. Ela voltou na Terceira Assembléia Mundial da Saúde, em 1950, quando o Ceilão novamente levantou as mesmas questões, pedindo a criação de uma comissão de peritos. A proposta tornou a não ser bem acolhida, e muitas delegações afirmaram que não se tratava de um problema médico. Após um pronunciamento do Diretor Geral da OMS, a votação final acusou apenas um voto favorável.

Entretanto, ainda em 1950 reuniu-se o Comitê Regional da OMS para o Sudeste Asiático, presidido pelo ministro da saúde do país onde se dava o encontro. Coube ao Ceilão a honra de sediar o encontro. Desta vez a proposta foi votada e encaminhada para a junta executiva da OMS, de onde foi novamente encaminhada para o Diretor Geral da OMS. Entre outras recomendações, a junta pedia ao Diretor Geral que preparasse um relatório sobre o assunto para a próxima sessão da junta. O relatório pedido foi elaborado e continha dois aspectos bastante polêmicos. O primeiro era um documento anexo proveniente de um relatório da Fundação Rockfeller afirmando que a mais importante contribuição que poderia ser feita para a Àsia e para o problema do bem estar humano era a pesquisa em contraceptivos. O segundo era o informe de que, para ajudar o programa do Controle Populacional da Índia, a OMS havia enviado, a pedido do governo hindú, o Dr. Abraham Stone de Nova York como perito na utilização do método Ogino Knaus. Soube-se, entretanto, sem que isto tenha sido mencionado no relatório, que em lá chegando o Dr. Stone não hesitou em declarar que havia outros métodos para o controle da natalidade muito mais eficazes do que o método do ritmo. A Junta Executiva da OMS, ao se reunir em janeiro de 1952, tinha, portanto, estes assuntos na sua pauta de discussões. Mais do que chegar a qualquer consenso, o que houve foi uma intensa polêmica, encaminhada para a Quinta Assembléia Geral da OMS a ser realizada em maio de 1952.

Na Quinta Assembléia Geral o Ceilão não estava mais sozinho. A Noruega pediu a criação de um comitê de peritos sobre os aspectos de saúde da situação populacional. Esta proposta foi vista pelos demais países, porém, como uma tentativa de se estabelecer o princípio de que a OMS possuía competência para lidar com problemas de controle de natalidade. Para impedir isto foi apresentada uma outra proposta de se votar uma resolução declarando que "do ponto de vista médico os problemas populacionais não requerem nenhuma ação específica por parte da OMS". Argumentava-se que esta era uma questão econômica, e não médica, e o que era necessário era aumentar a produção de alimentos, e não diminuir a natalidade. Em vista da alta probabilidade desta segunda proposta ser aprovada, foi finalmente aceita uma outra proposta do Ceilão, pedindo que todas as propostas, a favor e contra, fossem retiradas de votação e que simplesmente se anotassem no relatório final da sessão as opiniões que durante a mesma haviam sido apresentadas. Este debate havido em 1952 teve um efeito dramático nas atitudes da OMS nos anos seguintes e durante toda a década de 1950. Apesar da insistência de alguns países, a partir de 1953, quando iniciou-se o mandato como Diretor Geral do brasileiro Dr. Candau, todos os países que pediam assistência técnica à OMS sobre controle de natalidade eram informados pela Diretoria Geral que não se fornecia assistência neste assunto. Formou-se uma opinião geral que a OMS não tinha o direito de responder a tais solicitações. Quando, no fim da década de 50, o representante da Suécia levantou novamente a questão e a Irlanda e a Itália protestaram afirmando que a questão já tinha sido duas vezes debatida na OMS e que em ambas a Assembléia tinha decidido contra a tomada de qualquer atitude, para surpresa de ambos o mesmo representante da Suécia acusou os delegados da Itália e da Irlanda de se utilizarem de uma terminologia que muito pouco tinha a ver com a Medicina e apresentou alguns registros especiais da Quinta Reunião da OMS de 1952 perguntando, sem obter resposta, se alguém poderia mostrar que havia ali algo que tratasse a este respeito.