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A Companhia de Jesus surgiu já no final do movimento renascentista. Ela perpetuou a
educação renascentista para dentro de uma época que já não vivia na Renascença, e
que iremos considerar mais detidamente na Quarta Parte desta Introdução.
Vamos voltar agora ao Renascimento antes do surgimento da Companhia de Jesus, isto
é, à época do pleno Renascimento.
É obvio que em uma sociedade organizada do modo que foi descrito e que formava
seus cidadãos segundo os padrões que delineamos seria apenas uma questão de tempo
para aparecer não apenas uma, mas muitas, que começassem a fazer perguntas deste
tipo:
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Mas para que buscar tanta glória?
Para que tanto estudo?
Para que tanta competição?
Por que tanta ambição?
Qual o sentido de tudo isto?
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e, ao mesmo tempo, se vissem impossibilitadas de encontrarem uma resposta,
simplesmente porque não havia respostas. Todas aquelas coisas simplesmente não
tinham um sentido.
Perguntas deste tipo não eram novidades na história.
Tanto os filósofos como os cristãos de outras épocas também se faziam perguntas
semelhantes, mas na Renascença estas questões adquiriram uma matiz nova que as
fazia diferir muito daquelas que até então se faziam os filósofos e os cristãos.
Em uma história que não cabe examinar aqui, as grandes questões com que a filosofia
grega se ocupou iniciaram-se com o hábito dos primeiros filósofos de contemplarem a
natureza. Ao surgirem estas questões, o próprio hábito paciente e engenhosamente
cultivado de contemplarem a natureza conduzia espontaneamente estes filósofos a uma
série de respostas a estas mesmas questões.
As grandes questões levantadas pelos cristãos, por outro lado, se iniciavam pela
renúncia a si próprios e pela subseqüente meditação dos dados da Revelação contidos
nas Sagradas Escrituras. Através disto, à medida em que surgiam estas questões, elas
eram também com relativa facilidade conduzidas a uma série de respostas.
Mas os questionamentos do homem da Renascença não se baseavam na consideração
do espetáculo da natureza, nem na da sublimidade da Revelação divina, mas no
panorama irracional de uma sociedade construída sem sentido em que este homem
sofria e estava mergulhado de fato, tanto por laços físicos como psicológicos, pela
vida que ele levava, pelas coisas a que era solicitado e pela educação que a tanto o
havia condicionado. O material sobre cuja consideração eram suscitadas estas
questões não poderia conduzí-lo a resposta alguma. Tanto quanto dele dependesse, ao
contrário, só poderia conduzi-lo ao desespero da inteligência.
Com isto inaugurou-se a era de uma sociedade moderna que está sempre se
questionando sobre estas questões fundamentais, sem nunca conseguir chegar a
conclusão alguma. Chega-se, ao contrário, ao abafamento do próprio desejo, inato ao
homem, de conhecer as verdades mais altas, devido ao desespero existencial que o
estímulo destes questionamentos, que em outras circunstâncias havia sido benéfico a
filósofos e cristãos, inevitavelmente conduziria.
Um homem nestas condições, não podendo buscar satisfação e realização por este
caminho, terá que buscá-lo por outros menos nobres e menos condizentes com a
natureza humana. Em todas as épocas, não só na Renascença, houve inumerável
quantidade de pessoas que seguiram por estes caminhos menos nobres de busca de
satisfação pessoal. Isto se devia, entretanto, à própria fraqueza humana e aos costumes
sociais imediatamente dela derivados, não a uma sociedade como que sofisticadamente
estruturada por uma engenhosidade humana intencional que suscitasse de uma fonte
nova estas perguntas no homem e simultaneamente o condicionasse a não poder
encontrar as respostas.
Foi na época da Renascença que o homem, pela primeira vez, deram início a um
sofisticado processo de constante reorganização social no qual quem se questionasse o
sentido da vida a que seria continuamente submetido não só se visse incapacitado para
encontrar uma resposta, como também passaria a incorporar à sua psicologia o reflexo
de abafar a mau estar que estas mesmas questões passariam a ocasionar. Com isto os
homens na realidade passaram a viver mentalmente presos a um mundo sem sentido.
Os homens com isto passaram também a ficarem progressivamente sempre mais
impossibilitados de desenvolverem uma das mais nobres faculdades intelectuais que
ele possui e que o diferencia tão caracteristicamente da vida animal em geral, aquela
faculdade pela qual é possível apreender o sentido e a coerência do mundo ao seu
redor e, compreendendo o sentido de todas estas coisas, pautar a sua vida segundo esta
ordem.
Em um mundo absurdo como o da Renascença, podia-se esperar do homem um
desenvolvimento ilimitado de todas as suas qualidades, tão ilimitado que isto lhe
poderia ofuscar a mente e não lhe fazer perceber que este tipo de desenvolvimento não
passa de um desenvolvimento apenas sob alguns determinados aspectos, um
desenvolvimento que não pode ser entendido na simples acepção do termo.
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