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Introdução.
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"Era uma quinta feira. O céu estava cinza. A terra estava coberta de neve e
espessos flocos continuavam a turbilhonar, quando o padre Serafim começou a
nossa conversa na clareira perto de sua "Pequena Ermida", em frente ao rio
Sarovka que deslizava ao pé da colina.
Fêz-me sentar no tronco de uma árvore que acabava de derrubar e ele se
acocorou em minha frente.
-O Senhor me revelou, disse o grande staretz, que desde a vossa infância
desejáveis saber qual a finalidade da vida cristã e que tínheis muitas vezes
interrogado a este respeito mesmo a altas personagens na hierarquia da Igreja.
Devo dizer que desde a idade de doze anos essa idéia me perseguia e que,
efetivamente, havia proposto a questão a várias personalidades eclesiásticas,
sem nunca receber resposta satisfatória. O staretz ignorava-o.
-Mas ninguém, continuou o padre Serafim, vos disse nada de preciso; vos
aconselhavam a ir à igreja, a rezar, a viver segundo os mandamentos de Deus, a
fazer o bem, e tal, diziam, era o objetivo da vida cristã. Alguns até
desaprovavam a vossa curiosidade, julgando-a descabida e ímpia. Mas estavam
errados. Quanto a mim, miserável Serafim, vos explicarei, agora, em que
consiste realmente esse objetivo.
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A verdadeira meta da vida cristã.
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A oração, o jejum, as vigílias e outras atividades cristãs, tão boas quanto
possam parecer em si, não constituem a finalidade da vida cristã, ainda que
ajudem a chegar a ela. O verdadeiro objetivo da vida cristã consiste na
aquisição do Espírito Santo de Deus. Quanto à oração, ao jejum, às vigílias, à
esmola, e qualquer outra boa ação feita em nome de Cristo, são apenas meios
para a aquisição do Espírito Santo.
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A aquisição do Espírito Santo.
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É pois na aquisição desse Espírito de Deus que consiste a verdadeira
finalidade da vida cristã, enquanto a oração, as vigílias, o jejum, a esmola e as
outras ações virtuosas, feitas em nome de Cristo, são apenas meios para adquiri-
lo.
-Como a aquisição?, perguntei ao padre Serafim. Não compreendo muito
bem.
-A aquisição é a mesma coisa que a obtenção. Sabeis o que é adquirir
dinheiro? Em relação ao Espírito Santo é semelhante. Para as pessoas comuns, o
objetivo da vida consiste na aquisição do dinheiro, o ganho. Os nobres desejam,
além disso, obter honras, sinais de distinção e outras recompensas concedidas
por serviços prestados ao Estado. A aquisição do Espírito Santo é também um
capital, mas um capital eterno, dispensador de graças; muito parecido aos
capitais temporais e que se obtém pelos mesmos processos. Nosso Senhor Jesus
Cristo, Deus homem, compara a nossa vida a um mercado e a nossa atividade na
terra a um comércio. Recomenda-nos a todos nós: "Negociai até que eu volte,
remindo o tempo, porque os tempos são maus" (Luc.19,12-13; Efés.5,15-16),
quer dizer: "Apressai-vos em obter bens celestes, negociando com mercadorias
terrenas". Essas mercadorias terrestres não são senão as ações virtuosas feitas
em nome de Cristo e que nos trazem a graça do Espírito Santo.
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Ver a Deus.
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-Padre, disse-lhe eu, falais sempre da aquisição da graça do Espírito Santo
como a finalidade da vida cristã. Mas, como posso reconhecê-la? As boas ações
são visíveis. Mas o Espírito Santo pode ser visto? Como posso saber se ele está
ou não em mim?
-Na época em que vivemos, respondeu o staretz, chegou-se a uma tal
tibieza na fé, a uma tal insensibilidade para com a comunicação com Deus, que
as pessoas se afastaram totalmente da verdadeira vida cristã. Há passagens da
Escritura que nos parecem estranhas hoje, como, por exemplo, quando o Espírito
Santo pela boca de Moisés diz: "Adão via Deus passeando no Paraíso" (Gen.
3,8), ou quando lemos no apóstolo Paulo que foi impedido pelo Espírito Santo
de anunciar a palavra na Àsia, mas que o Espírito o acompanhou quando ele se
dirigia para a Macedônia (Atos 16,6-9). Em muitas outras passagens da Sagrada
Escritura ele é, por várias vezes, assunto da aparição de Deus aos homens.
Então alguns dizem: Estas passagens são incompreensíveis. Pode-se
admitir que homens possam ver a Deus de maneira tão concreta? Esta
incompreensão vem do fato de que sob o pretexto da instrução, da ciência,
mergulhamos numa tal obscuridade de ignorância, que tudo achamos
incompreensível, tudo de quanto os antigos tinham uma noção bastante clara para
poderem falar entre eles das manifestações de Deus aos homens como de coisas
conhecidas e, de forma alguma, estranhas. Assim Jó, quando os seus amigos o
reprovavam por não blasfemar contra Deus, respondia: "Enquanto em mim
houver um sopro de vida e o alento de Deus nas narinas, meus lábios não
dirão falsidades" (Jó 27,3). Em outras palavras, como posso blasfemar contra
Deus, quando o Espírito Santo está em mim? Se blasfemasse contra Deus, o
Espírito Santo me deixaria, mas sinto sua respiração em minhas narinas. Abraão
e Jacó conversaram com Deus. Jacó lutou mesmo com Ele. Moisés viu Deus e
todo o povo com ele, quando recebeu as tábuas da Lei, no Sinai. Uma coluna de
nuvens de fogo, a graça visível do Espírito Santo, servia de guia ao povo hebreu
no deserto. Os homens viam a Deus e seu Espírito não em sonho ou êxtase, fruto
de uma imaginação doentia, mas na realidade.
Desatentos, como nos tornamos, compreendemos as palavras da Escritura
contrariamente ao que se deveria. E tudo isso porque, em lugar de buscar a
graça, nós a impedimos, por orgulho intelectual, de vir habitar em nossas almas e
de nos esclarecer como são esclarecidos aqueles que de todo coração buscam a
verdade.
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A criação.
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Muitos, por exemplo, interpretam as palavras da Bíblia: "Deus modelou o
homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida"
(Gen 2,7), como querendo dizer que até então não havia em Adão nem alma, nem
espírito humano, mas somente uma carne criada do barro do solo. Esta
interpretação não é correta, pois o Senhor Deus criou Adão do barro do solo no
estado do qual fala o apóstolo Paulo quando afirma: "Que vosso espírito, vossa
alma e vosso corpo sejam guardados de modo irrepreensível para o dia da
vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Tes 5,23).
Todas estas três partes do nosso ser foram criadas do barro do solo. Adão
não foi criado morto, mas criatura animal atuante, semelhante às outras criaturas
que vivem na terra e são animadas por Deus. Mas eis o importante. Se Deus não
tivesse insuflado na face de Adão este alento de vida, isto é, a graça do Espírito
Santo que procede do Pai e repousa no Filho e, por causa deste não o tivesse
enviado ao mundo, por mais perfeito e superior às outras criaturas que Adão
fosse, teria permanecido privado do Espírito deificante e seria semelhante a
todas as outras criaturas que possuíssem carne, alma e espírito segundo a sua
espécie, mas privados, no interior, do Espírito que estabelece parentesco com
Deus. A partir do momento em que Deus lhe deu o sopro de vida, Adão tornou-
se, segundo Moisés: "uma alma vivente", quer dizer, em tudo semelhante a
Deus, eternamente imortal. Adão havia sido criado invulnerável. Nenhum
elemento tinha poder sobre ele. A água não podia afogá-lo, o fogo não podia
queimá-lo, a terra não o podia engolir e o ar não lhe podia ser nocivo. Tudo lhe
era submisso, como ao proferido de Deus, como ao proprietário e rei das
criaturas. Ele era a própria perfeição, a coroa das obras de Deus e admirado
como tal. O alento de vida que Adão recebeu do Criador, o encheu de sabedoria
a tal ponto que jamais houve sobre a terra, e provavelmente jamais haverá, um
homem tão repleto de conhecimento e de saber quanto ele. Quando Deus lhe
ordenou que desse nomes a todas as criaturas, ele as denominou de acordo com
as qualidades, as forças, e as propriedades de cada uma, conferidas por Deus.
Este dom da graça divina supranatural, que veio do alento de vida que
havia recebido, permitia a Adão ver a Deus passeando no paraíso e
compreender as suas palavras bem como a conversa dos santos anjos e a
linguagem de todas as criaturas, dos pássaros, dos répteis que vivem sobre a
terra, de tudo o que nos é dissimulado, a nós, pecadores, desde a queda, mas que
antes era perfeitamente claro para Adão.
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A graça do Espírito Santo é luz.
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Ainda é preciso que vos diga, a fim de que compreendais o que é preciso
entender por graça divina, como ela se manifesta nos homens que ilumina: a
graça do Espírito Santo é Luz.
Toda a Sagrada Escritura fala disso. Davi, o antepassado do Deus homem,
disse: "Tua palavra é lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho"
(Salmo 118, 105). Em outros termos, a graça do Espírito Santo, que a lei revela
na forma dos mandamentos divinos, é minha luminária e minha luz e, se não fosse
essa graça do Espírito Santo, "que com tanto trabalho me esforço por
adquirir, me interrogando sete vezes ao dia de sua verdade" (Salmo 118,
164), "como, entre as numerosas preocupações inerentes à minha condição real,
poderia encontrar em mim uma só chispa de luz para me iluminar acerca do
caminho da vida enegrecida pelo ódio de meus inimigos?"
De fato, o Senhor muitas vezes mostrou, na presença de numerosas
testemunhas, a ação da graça do Espírito Santo sobre os homens que ele havia
iluminado e ensinado através de grandiosas manifestações. Lembrai-vos de
Moisés, depois de sua conversa com Deus sobre o Monte Sinai (Exod.34,30-35).
Os homens não podiam olhá-lo de tal modo seu rosto brilhava com uma luz
extraordinária. Era mesmo obrigado a se mostrar ao povo com a face recoberta
com um véu. Lembrai-vos da transfiguração do Senhor no Tabor. "E ali foi
transfigurado diante deles. O seu rosto resplandeceu como o Sol, e suas
vestes se tornaram brancas como a luz... Os discípulos ouvindo a voz, muito
assustados, caíram com o rosto no chão". Quando Moisés e Elias apareceram
revestidos da mesma luz "uma nuvem os encobriu para que não ficassem
cegos" (Mat.17,1-8; Marc.9,2-8; Luc.9,28-37). É assim que a graça do Espírito
Santo de Deus aparece numa luz inefável àqueles a quem Deus manifesta a sua
ação.
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Presença do Espírito Santo.
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-Como poderei então, perguntei ao padre Serafim, reconhecer em mim a
presença do Espírito Santo?
-É muito simples, respondeu ele. Deus disse: "O saber é fácil para o
inteligente" (Prov. 14,6). Nossa desgraça é que nós não procuramos essa
sabedoria divina que, não sendo deste mundo, não é presunçosa. Cheia de amor
por Deus e pelo próximo, ela molda o homem para sua salvação. Foi falando
dessa sabedoria que o Senhor disse: "Deus quer que todos os homens sejam
salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tim.2,4). A seus apóstolos,
que não tinham esta sabedoria, ele disse: "Ó insensatos e lentos de coração
para crer tudo o que os profetas anunciaram!" (Luc.24,25-27). E o Evangelho
diz que ele "lhes abriu a inteligência a fim de que pudessem compreender as
Escrituras". Tendo adquirido essa sabedoria, os apóstolos sabiam sempre se o
Espírito de Deus estava ou não com eles e, cheios desse Espírito, afirmavam que
sua obra era santa e agradável a Deus. Por isso em suas epístolas podiam
escrever: "Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós..." (Atos 15,28), e somente
persuadidos como estavam de sua presença sensível, enviavam suas mensagens.
Então, amigo de Deus, vede como é simples.
Respondi:
-Apesar de tudo, não compreendo como posso estar absolutamente certo de
me encontrar no Espírito Santo. Como posso eu mesmo descrever em mim a sua
manifestação?
O padre Serafim respondeu:
-Já vos disse que é muito simples e vos expliquei com detalhes como os
homens se encontravam no Espírito Santo e como se deve compreender a sua
manifestação em nós... Que vos falta ainda?
-Eu preciso, respondi, compreendê-lo verdadeiramente bem...
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A luz incriada.
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Então o padre Serafim me tomou pelos ombros e, apertando-os fortemente,
disse:
-Estamos ambos, vós e eu, na plenitude do Espírito Santo. Por que não me
olhais?
-Não posso, padre, olhar-vos. Brotam raios de vossos olhos. O vosso
rosto tornou-se mais luminoso do que o Sol. Os olhos me doem...
O padre Serafim disse:
-Não tenhais medo, amigo de Deus. Também vos tornastes tão luminoso
quanto eu. Vós também estais agora na plenitude do Espírito Santo, de outro
modo não teríeis podido me ver.
Inclinando a sua cabeça para mim, disse-me ao ouvido:
-Agradecei ao Senhor por vos ter concedido esta graça indizível. Vistes,
nem mesmo fiz o sinal da cruz, no meu coração, em pensamento somente, rezei:
"Senhor, tornai-me digno de ver claramente, com os olhos da carne, a descida do
Espírito Santo como a teus servidores eleitos quando te dignaste aparecer-lhes
na magnificência de tua glória!" E imediatamente Deus atendeu a humilde oração
do miserável Serafim. Como não agradecer-lhe por esse dom extraordinário que
a nós dois ele concede? Não é também sempre aos grandes eremitas que Deus
manifesta assim a sua graça. Como mãe amorosa, essa graça se dignou consolar
o vosso coração desolado, a pedido da própria Mãe de Deus. Mas, por que não
me olhais nos olhos? Ousai olhar-me sem temor, Deus está conosco.
Depois destas palavras, levantei os olhos para o rosto e um medo maior
ainda tomou posse de mim. Imaginai-vos no meio do Sol, na claridade mais
forte de seus raios de meio dia, o rosto de um homem que vos fala. Vedes o
movimento de seus lábios, a expressão cambiante de seus olhos, vós ouvis o som
de sua voz, sentis a pressão de suas mãos, mas, ao mesmo tempo, não percebeis
nem as suas mãos, nem o seu corpo, nem o vosso, nada senão uma esplendorosa
luz se propagando ao redor, a uma distância de muitos metros, iluminando a neve
que recobria a campina e caía sobre o grande staretz e sobre mim. Pode-se
representar a situação na qual me encontrava então?
-Que sentis agora?, perguntou o staretz.
-Sinto-me extraordinariamente bem.
-Como "bem"? Que quereis dizer por "bem"?
-Minha alma está cheia de um silêncio e de uma paz inexplicável.
-Aí está, amigo de Deus, esta paz da qual o Senhor falava quando ele dizia
a seus discípulos: "Deixo-vos a minha paz, a minha paz vos dou; não vo-la
dou como o mundo a dá. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era
seu; mas porque não sois do mundo e minha escolha vos separou do mundo,
o mundo por isso vos odeia. Eu vos disse tais coisas para terdes paz em mim.
Tende coragem, eu venci o mundo" (João 14,27; 15,19; 16,33). É a esses
homens eleitos por Deus, mas odiados pelo mundo, que Deus dá a paz que sentis
agora, "a paz de Deus", diz o apóstolo, "que excede toda a compreensão"
(Filip.4,7). O apóstolo denomina-a assim porque nenhuma palavra pode exprimir
o bem estar espiritual que ela faz nascer nos corações dos homens em que o
Senhor a implanta. Ele mesmo a chama sua paz (João 14,27). Fruto da
generosidade de Cristo e não deste mundo, nenhuma felicidade terrena a pode
dar. Enviada do alto pelo próprio Deus, ela é a paz de Deus... Que sentis agora?
-Uma delícia extraordinária.
-É a delícia de que fala a Escritura. "Eles ficam saciados com a gordura
de tua casa, tu os embriagas com um rio de delícias" (Salmo 35,9). Ela
transborda do nosso coração, derrama-se em nossas veias, traz-nos uma
sensação de delícia inexprimível... Que sentis ainda?
-Uma extraordinária alegria em todo o meu coração.
-Quando o Espírito Santo desce sobre o homem com a plenitude de seus
dons, a alma humana fica cheia de uma alegria indescritível. É dessa alegria que
o Senhor fala no Evangelho quando diz: "Quando uma mulher está para dar à
luz, entristece-se porque a sua hora chegou; quando, porém, nasce a criança,
ela já não se lembra dos sofrimentos, pela alegria de ter vindo ao mundo um
homem. Também vós, agora, estais tristes; mas eu vos verei de novo e vosso
coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria" (João 16,21-22).
Por grande e consoladora que ela seja, a alegria que sentis neste momento
nada é, em comparação com aquela da qual o Senhor disse através de seu
apóstolo: "O que os olhos não viram, o que os ouvidos não ouviram e o
coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o
amam" (1 Cor.2,9). O que nos é concedido presentemente é apenas uma
antecipação dessa alegria suprema. E, se desde agora, nós sentimos deleite,
júbilo e bem estar, que dizer desta outra alegria que nos está reservada no céu,
depois de ter, aqui na terra, chorado? Já haveis chorado bastante em vossa vida
e vede que consolação na alegria o Senhor vos dá aqui na terra. Cabe a nós,
agora, amigo de Deus, trabalhar com todas as nossas forças para subirmos de
glória em glória "até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno
conhecimento do Filho de Deus, o estado do homem perfeito, a medida da
estatura da plenitude de Cristo" (Efés.4,13). "Os que põe sua esperança em
Javé renovam as suas forças, formam asas como as águias, correm e não se
fatigam, caminham e não se cansam" (Isaías 40,31). "Eles caminham de
terraço em terraço e Deus lhes aparece em Sião" (Salmo 83,8). É então que a
nossa alegria atual, pequena e breve, se manifestará em toda a sua plenitude e
ninguém nos poderá arrebatá-la, repletos como estaremos de indizíveis gozos
celestes. Que sentis, ainda, amigo de Deus?
-Um calor extraordinário.
-Como, um calor? Não estamos na floresta, em plena neve? A neve está
sob os nossos pés, estamos cobertos dela e ela continua caindo... De que calor se
trata?
-Um calor semelhante ao de um banho de vapor.
-E o cheiro é como no banho?
-Oh, não! Nada sobre a terra se pode comparar a esse perfume. No tempo
em que a minha mãe vivia, ainda gostava de dançar e quando eu ia a um baile,
ela me aspergia perfumes que comprava nas melhores lojas de Kasan e pagava
muito caro. O seu odor não é comparável a estes aromas.
O padre Serafim sorriu.
-Eu sei, meu amigo, tanto quanto vós, e é de propósito que vos interrogo. É
bem verdade, nenhum perfume terreno pode ser comparado ao bom odor que
respiramos neste momento, o bom odor do Espírito Santo. O que pode, sobre a
terra, ser-lhe comparado? Dissestes, ainda há pouco, que fazia calor, como no
banho. Mas olhai, a neve que nos cobre, a vós e a mim, não se derrete, assim
como a que está aos nossos pés. O calor não está no ar, mas no nosso interior. É
este calor que o Espírito Santo nos faz pedir na oração: "Que teu Espírito Santo
nos aqueça". Este calor permitia aos eremitas, homens e mulheres, não temerem
o frio do inverno, envolvidos, como estavam, como que num manto de peles,
numa veste tecida pelo Espírito Santo.
É assim que, na realidade, deveria ser, habitando a graça divina no mais
profundo de nós, em nosso coração. O Senhor disse: "O Reino de Deus está
dentro de vós" (Luc.17,21). Por Reino de Deus ele entende a graça do Espírito
Santo. Este Reino de Deus está em nós, agora. O Espírito Santo nos ilumina e
nos aquece. Enche o ar de perfumes variados, alegra os nossos sentidos, sacia o
nosso coração com alegria indizível. O nosso estado atual é semelhante àquele
do qual fala o apóstolo: "Porquanto o Reino de Deus não consiste em comida
e bebida, mas é justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rom.14,17). A
nossa fé não se baseia em palavras de sabedoria terrena, mas na manifestação do
poderio do Espírito. Trata-se do estado em que estamos atualmente e que o
Senhor tinha em vista quando dizia: "Em verdade vos digo que estão aqui
presentes alguns que não provarão a morte até que vejam o Reino de Deus
chegando com poder" (Marc.9,1).
Eis aí, amigo de Deus, a alegria incomparável que o Senhor se dignou
conceder-nos. Eis o que é estar "na plenitude do Espírito Santo". É isto o que
entende São Macário, o Egípcio, quando escreve: "Eu mesmo estive na plenitude
do Espírito Santo". Humildes quanto somos, o Senhor nos encheu da plenitude de
seu Espírito. Parece-me que, a partir deste momento, não tereis de me interrogar
mais sobre a maneira como se manifesta, no homem, a presença da graça do
Espírito Santo.
Esta manifestação permanecerá para sempre em vossa memória.
-Não sei, padre, se Deus me tornará digno de me lembrar dela sempre com
tanta nitidez como agora.
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Difusão da mensagem.
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-E eu, respondeu o staretz, julgo que, pelo contrário, Deus vos ajudará a
guardar todas estas coisas para sempre, em vossa memória. De outro modo ele
não teria sido tão rapidamente tocado pela humilde oração do miserável Serafim
e não teria atendido tão depressa o seu desejo. Além do mais, não é somente a
vós que é dado ver a manifestação desta graça mas, por vosso intermédio, ao
mundo inteiro. Vós mesmo assegurai-vos, sereis útil a outros.
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Monge e leigo.
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Quanto a nossos estados diferentes, de monge e leigo, não vos preocupeis.
Deus procura acima de tudo um coração cheio de fé nele e em seu Filho único,
em resposta à qual envia do alto a graça do Espírito Santo. O Senhor procura um
coração repleto de amor por Ele e pelo próximo; aí está um trono sobre o qual
Ele gosta de sentar-se e onde ele aparece na plenitude de sua glória. "Meu
filho, dá-me o teu coração, e o resto eu te darei por acréscimo" (Prov.23,26).
O coração do homem é capaz de conter o Reino dos Céus. "Buscai, em
primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça", diz o Senhor a seus
discípulos, "e todas estas coisas vos serão acrescentadas, pois Deus, vosso
Pai, sabe do que precisais" (Mat.6,33).
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Legitimidade dos bens terrenos.
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O Senhor não nos proíbe o gozo dos bens terrenos, e diz ele próprio que,
dada a nossa situação aqui na terra, deles precisamos para dar tranqüilidade às
nossas existências e tornar mais cômodo e fácil o caminho para a nossa pátria
celeste. E o apóstolo Pedro acha que nada há melhor no mundo do que a piedade
unida ao contentamento. A Santa Igreja pede que isso seja dado. Apesar das
penas, as desgraças, e as necessidades serem inseparáveis da nossa vida na
terra, o Senhor jamais quiz que os cuidados e as misérias constituíssem toda a
trama dela. E, por isso, pela boca do apóstolo nos manda carregar os fardos uns
dos outros, a fim de obedecer a Cristo que pessoalmente nos deu o preceito de
nos amarmos mutuamente. Reconfortados por esse amor, a caminhada dolorosa
pela via estreita que leva à nossa pátria celeste nos será facilitada. Não desceu o
Senhor do céu não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida pela
redenção de muitos? (Mat.20,28; Marc.10,45).
Atuai do mesmo modo, amigo de Deus, e, consciente da graça da qual
fostes visivelmente objeto, comunicai-a a todo homem desejoso da sua salvação.
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Atividade missionária.
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"A colheita é grande", diz o Senhor, "mas poucos os operários"
(Mat. 9, 37-38; Luc. 10, 2). Tendo recebido os dons da graça, somos chamados a
trabalhar colhendo as espigas da salvação do nosso próximo, para os
recolhermos no celeiro, em grande número, no Reino de Deus, a fim de que
produzam seus frutos, uns trinta, outros sessenta, e outros cem. Estejamos atentos
para não sermos condenados com o servo preguiçoso que enterrou o dinheiro a
ele confiado, mas tratemos de imitar os servos fiéis que devolveram ao Mestre
um, em vez de dois talentos, quatro, e o outro, em vez de cinco talentos, dez.
Quanto à misericórdia divina, não se pode duvidar dela: vede vós mesmo como
as palavras de Deus, ditas por um profeta, se realizaram por nós. "Sou, por
acaso, Deus apenas de perto" (Jer.23,23).
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