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Não podendo, porém, sofrer os louvores dos homens e a reverência
que toda a corte romana lhe fazia, ao fim de cinco dias pediu licença
ao Papa para voltar à sua pobre casa, como o fêz, de onde enviou
alguns religiosos ao Papa para que habitassem no mosteiro que Sua
Santidade havia reparado no lugar das Três Fontes, que é onde
Paulo foi decapitado e hoje em dia tem o título de São Vicente e
Anastácio.
Entre os demais monges, para lá se dirigiu como abade Bernardo de
Pisa, discípulo do santo abade, grande religioso e pessoa que havia
sido muito estimada no século; o qual, morto Inocêncio, Celestino
e Lúcio, seus sucessores, foi eleito com total aprovação como
Sumo Pontífice. Chamou-se Eugênio III, e foi para ele que
depois São Bernardo escreveu aqueles divinos livros conhecidos pelo
nome De Consideratione.
Não pôde, porém, o amigo de Deus sossegar outra vez em seu
mosteiro como anelava. Foi, ao contrário, necessário que saísse
dali apressadamente para reprimir e confundir alguns hereges que se
haviam levantado naquela ocasião, como já o havia feito com os
cismáticos, vendo os membros desunidos e apartados da Igreja com sua
cabeça. Um destes foi Pedro Abelardo, homem de agudo engenho, mas
orgulhoso e vão. Enganado pelo pai da mentira, começou a disseminar
novas doutrinas e algumas opiniões falsas e perniciosas. Avisou-o o
santo benigna e secretamente para que as revogasse. Vendo que com os
meios brandos não alcançava êxito, em um concílio que se celebrou
em Sens, na França, na presença de muitos prelados e doutores,
arguíu-o e convenceu-o de tal maneira que o pobre homem, cheio de
vergonha e de confusão, não soube o que responder às objeções do
santo.
Também teve outro encontro com Gilberto Porretano, bispo de
Poitiers, homem muito versado nas Letras Divinas, mas temerário e
arrogante, o qual com mais sutileza que verdade ensinava nova doutrina
no mistério da Santíssima Trindade. Disputou com o santo dois dias
no Concílio de Reims, celebrado pelo Papa Eugênio III, e o
fêz retratar-se dos erros que havia ensinado.
Não foi de menor dano a impiedade de um falso e perverso mestre
chamado Henrique, vilíssimo apóstata, que colocou sua boca no céu
e declarou guerra contra Jesus Cristo, contestando os santos
sacramentos e deitando por terra os antigos usos da hierarquia
eclesiástica. E porque era falador e sagaz, havia feito grande
progresso pelas partes da Gasgonha, onde por sua detestável doutrina
viam-se as igrejas sem sacerdotes e sem a devida reverência e, para
resumi-lo em uma palavra, os cristãos sem Cristo. Enviou o Papa
um legado para remediar tão graves danos, o qual passou por
Claraval, levando consigo a São Bernardo, que foi recebido com
incrível devoção por todos aqueles povoados. Com sua vida,
doutrina e milagres arrancou dos corações daquela gente enganada a
semente má que o demônio , por intermédio de Henrique, seu
ministro, havia semeado; e os que haviam sido pervertidos se
submeteram à fé, prendendo e entregando o herege ao bispo.
Em outra ocasião teve que sair de seu recolhimento para apaziguar os
cidadãos de Metz na Lorena e alguns príncipes da comarca, que
faziam guerra crua e perigosa entre si, porque não pôde negar ajuda
ao arcebispo de Treveris que, como bom pastor, desejava impedir os
danos de suas ovelhas e os males que aquela discórdia poderia trazer;
havia vindo a Claraval em pessoa e, atirando-se aos pés do santo
abade, suplicou-o humildemente, pelas chagas de Jesus Cristo, que
tomasse a iniciativa para pacificar os ânimos desunidos e ferozes que
com suas inimizades tão fortes ameaçavam a Igreja. O santo
achava-se já velho, próximo do final de sua vida e acamado devido à
enfermidade. Deu, no entanto, pela sua caridade, maior importância
à saúde espiritual de seus filhos do que à sua própria.
Colocando-se imediatamente a caminho com o mesmo arcebispo, o Senhor
concedeu-lhe subitamente novas forças para aquela jornada, porque
feita para o seu serviço. E, embora tenha encontrado dois exércitos
inimigos prontos para a guerra, aplacou-os de tal maneira que,
deixadas as armas de comum acordo, colocaram todas as suas diferenças
em suas mãos, e ele as julgou com grande paz e contentamento das
partes que aquela tempestade e turbilhão converteu-se em uma serena
concórdia e tranquilidade.
Coisa maravilhosa parecerá a alguns que um pobre religioso, vestido
com um saco vil e desprezível, fizesse coisas tão grandes e tão
insólitas, e que tivesse tão grande autoridade e força, não apenas
para converter do século ao Senhor tantas pessoas de todos os
estados, como também para unir a Igreja desunida, submeter os reis,
atemorizar os príncipes, confundir os hereges e persuadir os povos em
tudo o que ele queria, como se fosse o senhor dos corações.
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