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Já dissemos que as coisas invisíveis de Deus são três: a
potência, a sabedoria e a benignidade. Devemos considerar em seguida
qual delas entre as demais surge em primeiro lugar no conhecimento de
quem contempla.
Creio que compreendemos primeiro na contemplação o invisível que em
seu simulacro visível se manifesta de modo mais claro e evidente.
As coisas visíveis são ditas simulacros das invisíveis. A
imensidade das criaturas é simulacro da potência invisível; a beleza
das criaturas é simulacro da sabedoria invisível; a utilidade das
criaturas é simulacro da benignidade. E toda criatura, quanto mais
se aproxima do Criador por semelhança, tanto mais evidentemente
haverá de manifestá-la.
O simulacro, pois, que manifestará o exemplar invisível por
primeiro será aquele que mais perfeitamente retiver em si a imagem da
semelhança divina.
Vejamos qual deles seria.
A imensidade das criaturas pertence mais à essência. Já a beleza
pertence mais à forma. A essência, porém, sem que se considere a
forma, é informidade. O que é informe, na medida em que é,
assemelha-se a Deus; mas na medida em que carece de forma, difere de
Deus: daqui se conclui que o que possui forma é mais semelhante a
Deus do que aquilo que não a possui. Fica clara também que a beleza
das criaturas é simulacro mais evidente do que a sua imensidade, pois
esta diz respeito apenas à essência.
A beleza das criaturas, ademais, por causa da forma natural,
pertence ao hábito. A utilidade, porém, pertence ao ato, porque
as criaturas são úteis na medida em que se submetem ao homem
servindo-o e prestando-lhe auxílio. O que pertence ao hábito,
entretanto, é mais próprio; e é também mais certo do que aquilo
que pertence ao ato, porque, se a natureza estabelece o hábito, o
ato é acrescentado por instituição humana. Concluímos, portanto,
que o simulacro da beleza precede no conhecimento não somente o da
imensidade, como também o da utilidade, e é anterior no conhecimento
pelo motivo de ser mais evidente em sua manifestação.
Devemos, pois, colocar o primeiro vestígio da contemplação naquele
simulacro em que, iniciando corretamente nossa primeira
investigação, pela própria coisa que buscamos possamos prosseguir
com segurança ao restante. Coisa bela é, ademais, buscar a
sabedoria tomando como início de investigação o próprio simulacro da
sabedoria: o próprio Pai manifesta-se pela sua sabedoria, e não
apenas enviando ao mundo sua sabedoria que se fez carne, mas também
por ela criando o próprio mundo.
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