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Será importante chamar a atenção de um modo especial para o fato de
que, analisado sob a perspectiva de uma compilação de pontos de
referência organizados pelo próprio Hugo, o Opúsculo sobre o Modo
de Aprender é particularmente claro ao apontar quais sejam tanto o
princípio como o fim do caminho do aprendizado.
A finalidade do aprendizado, aquilo em função do qual tudo se
coordena e para o qual tudo se dirige, é a contemplação,
apresentada como uma operação da inteligência, posterior a outras
mais elementares, que se estende simultaneamente a uma multidão ou
mesmo à totalidade de todas as coisas.
Devemos notar aqui a diferença desta explicação do que seja a
contemplação em relação a outras que anteriormente já tivemos a
oportunidade de comentar. Já havíamos exposto a contemplação como
sendo aquilo a que se referia a expressão de Cristo ao ensinar que
Deus deve ser "adorado em espírito e verdade"; já apresentamos a
contemplação também como sendo um exercício intenso e simultâneo
das virtudes da fé, esperança e caridade. Agora, porém, Hugo de
São Vitor diz que a contemplação é uma operação da inteligência
que,
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"já possuindo todas as coisas,
as abarca em uma visão
plenamente manifesta".
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A aparente diferença destas definições se deve ao fato de que elas
são aspectos diversos da imensa riqueza de uma mesma realidade.
O princípio do aprendizado, por outro lado, aquilo sem o qual nada
pode ser empreendido com esperança fundada de se poder chegar ao seu
termo que é a contemplação, diz Hugo de São Vitor, é a
humildade. A primeira afirmação do Opúsculo sobre o Modo de
Aprender, de fato é que
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"a humildade é o princípio
do aprendizado".
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Esta afirmação tem uma relação evidente com outra do mesmo autor,
contida em outro opúsculo intitulado "Os Frutos da Carne e do
Espírito".
O opúsculo sobre "Os Frutos da Carne e do Espírito" vem
acompanhado de dois desenhos que ilustram e resumem perfeitamente bem
todo o seu conteúdo. Estes dois desenhos representam duas árvores,
às quais Hugo denomina de a árvore dos vícios e a árvore das
virtudes. Na primeira árvore, a dos vícios, vemos uma raíz na
qual se encontra escrito:
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"Orgulho,
raíz dos vícios".
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Subindo pelo tronco, encontram-se ramos maiores e menores, com os
seus respectivos frutos, que representam os diversos vícios que surgem
todos da raíz do orgulho, e, por último, na copa da árvore toda,
o fruto final da luxúria.
Na segunda árvore, a das virtudes, vemos também uma raíz na qual
encontra-se escrito:
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"Humildade,
raíz das virtudes".
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Subindo pelo tronco, encontram-se também ramos maiores e menores,
com seus respectivos frutos, que representam as diversas virtudes que
surgem todas da raíz da humildade, e, por último, na copa da
árvore toda, o fruto final da caridade.
O objetivo do Opúsculo sobre os Frutos da Carne e do Espírito
é, de fato, mostrar claramente ao leitor o princípio de que a
"humildade é a raíz de todas as virtudes", um objetivo que, no
prólogo deste texto, Hugo de São Vitor diz que é também o das
Sagradas Escrituras:
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"Todos os discursos da Divina Página",
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diz Hugo,
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"pretendem persuadir o homem
do bem da humildade e afastá-lo
o mais atentamente possível
do mal do orgulho.
O principal motivo para isto é que
a humildade é o princípio
da salvação e da vida,
e o orgulho é o princípio da ruína.
Queremos, pois, mostrar ao homem
que se dedica ao cultivo das virtudes
o fruto e a eficácia
(não só) da humildade
(como também) do orgulho,
para que ele possa tê-los diante dos olhos
sob uma forma visível.
O imitador de ambas estas coisas
poderá assim conhecer,
pela qualidade dos seus frutos,
que recompensa alcançará
pela prática delas.
Consideradas as raízes,
os ramos e os frutos,
caberá a ti escolher
aquilo que quiseres".
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Deve-se notar, entretanto, que no Opúsculo sobre o Modo de
Aprender Hugo não diz que a humildade é o princípio de todas as
virtudes, mas o princípio de todo o aprendizado. De ambas estas
afirmações pode-se concluir a estreita relação que existe entre o
aprendizado, no sentido em que o entende Hugo de São Vitor, e a
vida das virtudes, pois de ambas estas coisas ele, em momentos
diferentes, afirma que surgem e se desenvolvem a partir de uma mesma
raíz comum. Uma multidão de passagens de toda a obra de Hugo de
São Vitor nos mostram que ele efetivamente sempre ensinou existir uma
estreita relação entre ambas estas realidades. Comentando, por
exemplo, a luta de Jacó com um anjo, descrita em Gênesis 32,
episódio em que o anjo trocou-lhe o nome para Israel, Hugo de São
Vitor escreve:
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"São Israel todos aqueles que vêem a Deus,
com a condição de que o vejam
com ambos os olhos,
isto é, com os olhos
do conhecimento e do amor.
Se queres, portanto,
ser guardado por Deus,
contempla-o com ambos estes olhos,
os olhos do conhecimento e do amor,
da fé e da obra,
da razão e da boa vontade,
da ciência e da sabedoria,
do julgamento e da justiça,
da inteligência e do afeto.
Aquelas primeiras coisas que mencionamos
dizem respeito ao que em nós é a verdade,
estas segundas ao que em nós é a bondade;
com aquelas somos luz,
com estas somos calor.
São também a estes dois olhos
que os salmos se referem
quando nos dizem:
`O Senhor se inclinou do céu
sobre os filhos dos homens,
para ver se havia alguém
que tivesse entendimento
e que buscasse a Deus' (Salmo 13,2)."
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Deste modo, numa obra em que, ao que tudo indica, foi escrita para
compilar pontos de referência fundamentais que não deveriam ser
perdidos de vista pelos estudantes, a precisa determinação do
primeiro princípio e da finalidade última de todo o trabalho
pedagógico não poderia estar ausente. A humildade é claramente
apontada por Hugo de São Vitor como sendo simultaneamente o
princípio tanto do aprendizado como de todas as virtudes, as duas
vertentes da vida espiritual pela qual o homem, pela verdade e pela
bondade, pelo conhecimento e pelo amor, se dirige para o seu fim
último que é a contemplação.
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