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"Revistam-se, ó Senhor,
os teus sacerdotes de justiça".
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É necessário, irmãos caríssimos, que nós que exercemos o
sacerdócio na casa de Deus vivamos neste sacerdócio uma digna
justiça e nos revistamos, neste ofício, com vestes honestas, ou
melhor, que exerçamos as virtudes que são significadas por estas
vestes. De que nos aproveitará, efetivamente, que nos ornamentemos
com as vestes, se não nos ornamentarmos com as virtudes?
Se víssemos um sacerdote celebrar a missa sem as vestimentas
sacerdotais, sem alba, sem estola, sem insígnias sacerdotais,
certamente isto nos admiraria muito e com grande horror detestaríamos
semelhante ministro. Se, portanto, deve ser detestado quem se
aproxima do altar sem as vestes adequadas, quão detestável e quão
horrível não será quem presumir aproximar-se dele repleto de vícios
e carecendo de virtudes?
Tanto quanto difere qualquer prato da comida, tanta é a diferença
entre o que significa e o significado. As vestes significam, as
virtudes são significadas. As vestes ornamentam exteriormente diante
do povo, as virtudes recomendam o ministro interiormente diante de
Deus. Assim como, portanto, não ousamos aproximar-nos do altar
sem as vestes, assim também não presumamos aproximar-nos sem
virtudes.
Examinemos, portanto, quais são estas vestes, e quais são as
virtudes por elas significadas.
As vestimentas são a alba interior e a alba exterior; o amito sobre
os ombros, que podemos chamar de super humeral; o cíngulo, a
estola, o manípulo, a casula.
Antes de tudo o mais o sacerdote deve depor suas vestimentas
habituais, lavar as mãos e revestir-se de vestimentas brancas.
Depor as vestimentas habituais significa a renúncia ao homem velho, a
ablução das mãos significa a confissão dos crimes e a tomada das
novas vestimentas a prática das virtudes.
A alba interna é o interior, a externa o exterior. Aquela permanece
oculta, esta é manifesta. Aquela se esconde, esta se revela. Por
causa disto a interior significa a pureza do coração, a exterior a
pureza do corpo.
O super humeral, que é colocado sobre os ombros, onde costumam
colocar-se os pesos, significa a paciência nos trabalhos presentes,
que nos é necessária se quisermos ser verdadeiros sacerdotes. De
onde que, dos que a perderam está escrito:
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"Ai dos que perderam a paciência".
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E o Senhor, louvando no Evangelho a paciência, diz:
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"Na vossa paciência
possuireis as vossas almas".
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Sustentemos, portanto, irmãos, tudo o que nos suceder de adverso,
para que
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"assim como recebemos
os bens da mão de Deus,
assim também
haveremos de receber os males".
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O cíngulo, que circunda os rins e estreita as vestimentas para que
não esvoacem, sugere a virtude da continência, que refreia o fluxo
lascivo de nossa luxúria.
A estola, que é colocada ao pescoço, designa o suave jugo do
Senhor, do qual o Senhor nos diz no Evangelho:
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"O meu jugo é suave
e o meu fardo é leve".
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Segue-se-lhe o manípulo, que pende do braço esquerdo, que nada
mais denota do sacramento, senão ser ali colocado como uma cautela,
para que o sacerdote não faça nada em seu ministério sem cautela e
com negligência, mas realize tudo com diligência, como alguém que
está na presença de Deus e dos santos anjos. Significa, portanto,
a cautela pela qual evitamos o que devemos evitar e fazemos o que
devemos fazer.
O ministro do Senhor, revestido e adornado com todas estas coisas,
ainda não está apto para o ofício sacerdotal, nem presume
cumprí-lo se não acrescentar e superpor a todas estas uma sétima,
que é dita casula. Esta vestimenta é mais excelente que as demais e
mais eminente do que todas. Que virtude diremos ser significada por
ela, senão a caridade, da qual diz o Apóstolo:
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"Vou mostrar-vos um caminho
ainda mais excelente.
Ainda que eu fale as línguas
dos homens e dos anjos,
se não tiver caridade,
sou como um bronze que soa
ou como um címbalo que tine",
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palavras que vossa fraternidade bem conhece. Ele, de quem era bem
evidente possuir tantos dons espirituais e virtudes, diz todavia da
caridade:
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"Ainda que eu fale
as línguas dos homens e dos anjos,
ainda que eu tivesse o dom da profecia
e conhecesse todos os mistérios
e toda a ciência,
ainda que tivesse toda a fé,
a ponto de transportar os montes,
ainda que distribuísse todos os meus bens
e entregasse meu corpo para ser queimado,
se não tivesse caridade,
nada me aproveitaria".
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Bem aventurada virtude da caridade! E bem aventurado será somente
aquele que até o fim nela perseverar. Quem, portanto, com as demais
virtudes possuir a caridade, este é sacerdote. E quem, ainda que
possua as demais sem ela, sacerdote não é.
Se queremos, portanto, e o devemos, ser verdadeiros sacerdotes,
tenhamos a alba interior pela pureza do coração e a exterior pela
pureza do corpo; o super humeral pela paciência, o cíngulo pela
continência, a estola pela obediência, o manípulo pela cautela, a
casula pela caridade fraterna. Armados com tudo isto, ofereçamos
santa e religiosamente o holocausto ao Senhor e de nós será dito o
que está escrito:
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"Vós sois gente eleita,
sacerdócio real".
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Tais foram os santos cuja solenidade hoje celebramos. Tais, irmãos
caríssimos, procuremos ser, para que nos revistamos de justiça, e
tornados com eles participantes dos méritos, mereçamos também
tornar-nos sócios dos prêmios.
Que pelos seus méritos e por sua intercessão aquele que vive e reina
se digne vir em nosso auxílio.
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