CAPÍTULO 131

A decisão do Papa Nicolau V de colocar a Santa Sé à frente do movimento renascentista expunha a Igreja a perigos de uma magnitude evidente.

Pretender que a Santa Sé liderasse um movimento tão desencaminhado como o Renascimento era um empreendimento perigoso em que seria muitíssimo difícil prever de antemão todos os desdobramentos. Poderia acontecer que a Igreja redirecionasse o movimento dentro de um espírito cristão, mas também poderia acontecer que o movimento renascentista tivesse influências negativas na vida da Igreja. Conforme veremos, de fato a Igreja teve que pagar caro por muitas conseqüências que advieram de uma decisão tão arrojada.

Esta fora do propósito desta Introdução Histórica julgar se esta foi ou não uma decisão acertada. Mas é importante frisar que os riscos que daí podiam advir possuíam uma certa proporcionalidade com as verdadeiras dimensões do problema, que foram avaliadas por Nicolau V com uma perspicácia para a qual o homem do século XX não tem grande sensibilidade.

O Renascimento diferiu muito de outros movimentos históricos por estar relacionado não apenas com a ambição do poder político ou da riqueza, mas por ter iniciado um redirecionamento da história da sociedade humana nos cinco séculos que se seguiram envolvido profundamente e de uma maneira particularmente complexa com o problema da formação do homem e do desejo e da busca que ele possui pelo conhecimento.

O Renascimento não foi indiferente para com esta disposição humana, nem procurou sufocá-la. Ao contrário, estimulou-a com renovado vigor. Havia, porém, uma diferença importantíssima entre como o Renascimento fazia isto e como isto havia sido feito em outras ocasiões ao longo da história.

Em graus e planos diferentes a Filosofia Grega, o Cristianismo e até, de um modo muito mais rudimentar, o paganismo greco romano, toda a história, enfim, da civilização ocidental, tinham, até então, canalizado esta disposição humana para uma mesma direção geral.

Com o Renascimento, porém, e talvez pela primeira vez na História, a sociedade humana estava desviando o impulso da busca do homem pelo conhecimento para uma direção completamente diversa.

Ora, ocorre que no homem o desejo do conhecimento não é mais um simples instinto, como o desejo sexual, ou uma vã ilusão, como a ambição pelo poder ou pela riqueza, nem mesmo o mais forte de todos os instintos, mas é como que a própria natureza do homem.

O homem já não busca o conhecimento como por uma qualidade ou por um instinto que lhe foi acrescentado, mas por sua própria essência.

Segundo Aristóteles, no início da Metafísica, tal como comentada por Santo Tomás de Aquino,

"todo homem por natureza deseja conhecer, existe naturalmente em todo homem o desejo de conhecer, pois qualquer coisa apetece naturalmente à sua perfeição, assim como a matéria apetece à forma. Ora, se o intelecto está em potência para com o conhecimento, então todo homem deseja o conhecimento da mesma maneira como a matéria apetece à forma.

Ademais, qualquer coisa apresenta inclinação à sua própria operação. Mas a operação própria do homem enquanto homem é inteligir, porque é por isto que ele difere de todos os demais animais. Portanto, todo homem é naturalmente inclinada a inteligir e, portanto, a conhecer.

É nisto",

diz Aristóteles,

"que está a felicidade última do homem.

Todo homem, portanto, aspira naturalmente ao conhecimento, e não impede esta conclusão o fato de vermos que muitos ou a maioria dos homens não se aplicam à sua busca, pois também vemos freqüentemente que aqueles que desejam algum fim são impedidos de prosseguirem até aquele fim por alguma causa.

Assim, ainda que todos os homens desejem naturalmente o conhecimento, todavia não são todos os que se aplicam à sua busca, por serem detidos por outras causas, como os prazeres, as necessidades da vida presente e até pela preguiça que evita o trabalho que esta busca implica".

Não sem razão o homem do século XX poderia comparar o desejo e a busca do conhecimento nesta doutrina de Aristóteles à força nuclear, a maior das forças da natureza, presente no núcleo de todos os átomos e, portanto, em todos os corpos, mas ao mesmo tempo impedida de se manifestar em sua verdadeira magnitude exceto no interior das estrelas, nos reatores nucleares e nas bombas atômicas.