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Nos capítulos precedentes deste trabalho expusemos a relação entre a
contemplação e a educação segundo os textos filosóficos de Santo
Tomás de Aquino. Consideramos filosóficos aqueles textos de Santo
Tomás em que há argumentos cuja validade não depende de algum
princípio que só possa ser conhecido através da Revelação.
Segundo este critério, tornam-se filosóficos não somente os textos
dos Comentários a Aristóteles, mas também aqueles que estão
contidos em trabalhos tradicionalmente considerados teológicos, mesmo
que citem as Sagradas Escrituras, desde que a validade de suas
conclusões não dependa necessariamente de princípios conhecidos
apenas através da Revelação.
Por outro lado, segundo este mesmo critério, não devem ser
considerados teológicos apenas textos que citem as Sagradas
Escrituras ou reportem diretamente o conteúdo da Revelação. Santo
Tomás de Aquino, no Comentário ao Livro dos Nomes Divinos, diz
que a Ciência Sagrada não é a mesma coisa que a Revelação, mas
algo que se estende a partir dela:
diz Tomás de Aquino,
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"que nas ciências
os princípios e as conclusões
pertencem ao mesmo gênero.
Ora, os princípios
de que a Ciência Sagrada procede
são aqueles que foram aceitos
por revelação do Espírito Santo
e estão contidos nas Sagradas Escrituras.
Por conseqüência,
tudo quanto possa ser deduzido
a partir dos princípios contidos
nas Sagradas Escrituras
não é alheio à Teologia,
ainda que não esteja
nas Sagradas Escrituras" (1).
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Segue-se daqui que a sabedoria contida nos trabalhos de S. Tomás
de Aquino não é apenas aquela que provém da filosofia, esta
procedendo, em última análise, de princípios conhecidos pela luz
natural da inteligência (2). Há também, nas obras de Tomás,
uma outra sabedoria, que procede de outra ciência, a qual toma sua
origem de princípios conhecidos não pela luz natural da
inteligência, mas de uma ciência superior, que é a ciência divina
(3), a qual diz respeito a coisas que são conhecidas apenas por
Deus, das quais algumas Ele quiz comunicar aos homens pela
Revelação (4).
Seria de se esperar, portanto, que nos trabalhos teológicos de S.
Tomás de Aquino se encontrassem, e de fato se encontram, outros e
mais profundos conhecimentos sobre Deus, sobre a contemplação e
sobre suas relações para com a educação que ultrapassam as
limitações da abordagem filosófica, e que, não podendo ser
alcançadas por esta, muito tenham a acrescentar ao nosso assunto.
Por esta razão, o pensamento completo de S. Tomás de Aquino
sobre o papel da contemplação na educação somente poderia ser
exposto levando-se em conta seus trabalhos considerados teológicos,
não apenas naquilo que eles contém de filosófico, mas também de
propriamente teológico, conforme já comentamos no início deste
trabalho.
A Ciência Sagrada, porém, é o melhor da obra de S. Tomás de
Aquino. Seria de se esperar, portanto, que para expor
convenientemente o tema da contemplação e da educação à luz da
Ciência Sagrada tal como exposta por S. Tomás, fosse necessário
não apenas mais um capítulo, mas um outro livro, até maior do que o
presente. Uma exposição completa do mesmo, por conseguinte,
ultrapassaria com certeza os limites de nossa dissertação. Por este
motivo, restringiremos este capítulo final a apontar diretivas gerais
para uma melhor compreensão das limitações da abordagem conduzida
até o momento. Entretanto, mesmo assim, para que o assunto possa
ser abordado dentro do âmbito de um só capítulo, teremos que
introduzir nele dois outros modos de proceder dos quais não fizemos uso
nos capítulos anteriores.
O primeiro é que, embora o tema da contemplação e educação à luz
da Ciência Sagrada possa ser tratado exclusivamente com os textos de
S. Tomás de Aquino, para que estes pudessem ser compreendidos do
modo como são apresentados na obra de Tomás, seríamos obrigados a
exposições muito longas, tão longas que deveriam se tornar
capítulos independentes. Isto ocorre porque, embora os argumentos de
S. Tomás em si considerados em si mesmos sejam bastante claros,
eles somente emergem com sua verdadeira força quando são levados até
os seus últimos fundamentos ao serem inseridos dentro do restante do
conjunto de sua obra, quando então emergem com toda a sua evidência.
Por este motivo, no presente capítulo, em vez de nos restringirmos
apenas aos textos de S. Tomás de Aquino, faremos uso de toda a
tradição cristã, onde ela se expressar com mais clareza com menos
necessidade de argumentação; mostraremos, em seguida, como estas
mesmas conclusões se encontram nas obras de S. Tomás de Aquino.
Deste modo, não fugimos ao que nos tinhamos proposto originalmente
neste trabalho; trata-se apenas de um recurso que nos permitirá
abreviar a apresentação, perdendo algo da profundidade daquelas
justificações que vão até os últimos fundamentos, não, porém,
a clareza da exposição.
O segundo modo de proceder é conseqüência da mesma necessidade que
motivou o anterior. O conhecedor do assunto perceberá que não
daremos as razões profundas de muito do que vai ser apresentado no
presente capítulo; algumas conclusões terão que ser apontadas até
sem maiores justificativas, e outros assuntos correlatos que deveriam
ter sido abordados serão omitidos. A razão é que nossa intenção
será mais a de mostrar as limitações da abordagem filosófica ao tema
da contemplação do que fazer uma abordagem teológica completa do
mesmo; proceder diferente seria escrever outro livro. Este,
ademais, é o motivo pelo qual ao presente capítulo se deu o título
apenas de perspectiva teológica.
Referências X. 1
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(1) In librum De Divinis Nominibus Expositio, C. 1, l.
1, 11.
(2) Summa Theologiae, Ia, Q.1 a.2. (3) Idem, loc.
cit.. (4) Idem, Ia, Q.1 a.6.
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