23. Fundação da Associação para a Reforma da Lei do Aborto.

A primeira organização diretamente especializada na queda das restrições legais ao aborto foi a Abortion Law Reform Association, abreviada como ALRA. Durante os levantamentos feitos para a realização deste trabalho pudemos encontrar um relatório escrito pelos próprios integrantes da entidade sobre o modo como se procedeu à fundação da mesma.

Segundo relato dos membros da ALRA, no dia 24 de janeiro de 1936 um grupo de mulheres reuniu-se informalmente no restaurante Ridgeway, em Londres, para discutir a formação de uma sociedade cujo objetivo seria a mudança da "lei atual sobre o aborto substituindo-a por outra libertando a profissão médica de todas as restrições legais, exceto aquelas requeridas por considerações médicas e humanitárias". Foi decidido fundar uma organização que levaria as verdadeiras dimensões deste problema social perante o público.

No dia 17 de fevereiro daquele ano estas mesmas pessoas se encontraram novamente na casa de Clinton Chance, um corretor de fundos públicos, possuidor de avançadas posições sobre a reforma sexual e tesoureiro da Sociedade Eugênica. Fundaram uma sociedade a que denominaram Abortion Law Reform Association, escolhendo como presidente a esposa de Clinton Chance, Janet Chance. Junto com Janet Chance, a organização tem considerado Stella Browne e Alice Jenkins como seus principais fundadores.

Janet Chance, a presidente, era filha de um ministro presbiteriano de Edimburgo. Em 1931 ela havia publicado um livro chamado "O Custo da Moral Inglesa", apresentado pelos seus publicadores como sendo um livro "calculado para levantar as mais agudas controvérsias". Neste livro Janet expunha os resultados danosos da moralidade inglesa convencional e, mais particularmente, seus efeitos nas mulheres. Pedia que elas exigissem os mesmos direitos aos prazeres sexuais que os homens consideravam para si mesmos como coisa pacífica. No livro Janet denunciava também as Igrejas de todas as denominações como os principais agentes propagadores da miséria sexual.

Dois anos depois Janet publicava outro livro chamado "Crime Intelectual", onde afirmava:

"As crenças religiosas não contém apenas, aqui e ali, alguns erros intelectuais. Não. As crenças religiosas são crimes intelectuais!"

No livro ridicularizavam-se as pessoas que ensinam religião às crianças com "idéias românticas sobre a vida tais como a existência de um Pai divino".

Durante alguns anos Janet Chance havia organizado e operado o Centro de Educação Sexual, uma organização pioneira em aconselhamento sexual. No decorrer de seu trabalho Janet ficou alarmada com a alta incidência de tentativas de aborto. De vinte e uma clientes que tinham estado pelo menos uma vez grávidas, dezesseis tinham tomado pílulas ou drogas ou de alguma maneira haviam tentado interromper a gravidez sem aconselhamento médico.

Stella Browne ficou sendo a vice presidente da ALRA. Nascida no Canadá, foi educada em Oxford, no continente europeu. Ganhava a vida ensinando e traduzindo livros para o inglês, dentre os quais se destacam livros sobre reforma sexual que criaram polêmica na época. Ficou famosa por ter sido, em 1922, a primeira pessoa a exigir em público a reforma da lei do aborto.

Alice Jenkins foi escolhida para o cargo de secretária honorária da organização. Mãe de três filhos e esposa de um corretor de seguros, Alice tinha participado anteriormente de outros movimentos para o controle da natalidade. Já havia participado de diversos comitês e era pessoa de experiência em trabalhos desta natureza. Foi ela quem supria os talentos administrativos necessários para manter a organização em andamento.

Através da ALRA estas três vidas ficaram unidas durante as duas décadas seguintes, em uma "continuidade notável" e voluntária, apesar dos períodos de falta de recursos monetários, guerra, e da doença e morte trágica de dois filhos. Esta continuidade foi rompida após duas décadas por causa da morte da presidente e da vice presidente, mas Alice Jenkins viveu até oito semanas após a legalização do aborto na Inglaterra. Foi esta continuidade que contribuíu decisivamente para a estabilidade da ALRA em seus primeiros anos e formou a base para o seu trabalho posterior.

Segundo um texto da própria ALRA, as demais mulheres do primitivo comitê "eram muito semelhantes em seus passados e em seus pontos de vista. Em sua maioria eram membros ativos do Partido Trabalhista, ativas no campo do controle da natalidade e também livre- pensadoras, que viam a religião como o principal obstáculo obstáculo à plena emancipação das mulheres". Entre elas estava Dora Russel, a segunda esposa recentemente divorciada do filósofo inglês Bertrand Russel.