CAPÍTULO 95

Na seção décima sétima do primeiro capítulo do Livro X de sua obra, Quintiliano se refere de modo especial à necessidade da leitura dos filósofos para a formação do perfeito orador:

"A leitura dos filósofos deve ser muito freqüentada pelo futuro orador, por defeito dos próprios oradores que abandonaram a parte mais bela de sua própria arte.

De fato, não são os filósofos estóicos que tratam de modo especial a respeito da justiça, da honestidade, da utilidade, de seus opostos, assim como das coisas divinas e se entregam a estes temas nas mais vivas discussões? Por outro lado, não são os filósofos socráticos, graças aos seus contínuos questionamentos e réplicas, capazes de formar à excelência o futuro orador?

Porém, à leitura dos filósofos devemos aplicar o mesmo senso crítico que utilizamos ao tratar da leitura dos poetas. Devemos saber que, mesmo que os filósofos tratem dos mesmos assuntos que os oradores, há uma grande diferença entre um processo judiciário e uma discussão filosófica, há uma grande diferença entre o Fórum e os eventos das preleções dos filósofos, há uma grande diferença entre os preceitos dos filósofos e as causas criminais".

Na segunda seção do Livro XII, Quintiliano continua afirmando a importância que a Filosofia tem para o orador. Agora, porém, não se trata mais, como acima, da Filosofia como conhecimento geral, mas como subsídio para torná-lo homem de bem.

Entretanto, ao mesmo tempo em que Quintiliano chama a atenção do aluno para esta importância da Filosofia, o adverte para o perigo de se tornar um verdadeiro filósofo, por mais paradoxal que esta afirmação possa parecer.

Quintiliano afirma que não quer que o seu aluno se torne um filósofo "grego", mas sim, se é que seja possível existir uma coisa assim, um filósofo "romano".

Passemos às suas próprias palavras:

"Todo orador deverá ser um homem de bem, e isto não pode acontecer sem a aquisição da virtude. A virtude, porém, embora tome o seu primeiro impulso da própria natureza, não pode ser aperfeiçoada senão pela doutrina.

Assim, antes de tudo o mais, o orador deverá cultivar seus costumes pelo estudo, e adquirir um conhecimento perfeito da justiça e da honestidade, sem o qual ninguém pode ser dito homem bom, nem perito na arte de dizer.

Ninguém será suficientemente hábil na arte de falar se não conhecer a fundo a natureza e não tiver formado seus costumes pelos preceitos e pela razão.

Não é sem motivo que no terceiro livro do De Oratore Crasso sustenta que todas as considerações a respeito da eqüidade, da justiça, da verdade, do bem, e de seus opostos pertencem ao domínio próprio do orador e que os filósofos, quando recorrem à eloqüência para defender tais virtudes, se servem das armas da retórica para tanto, e não da Filosofia.

Por outro lado, será aos filósofos que se deverão pedir tais conhecimentos, sem dúvida porque mais parece pertencer a eles a posse dos mesmos.

É isto também que faz dizer a Cícero, em seus vários livros, que a facilidade de dizer flui das mais íntimas fontes da sabedoria e que, por esta razão, já houve épocas em que os mesmos homens eram os preceptores da moral e da eloqüência.

Porém estas minhas exortações não significam que o orador deva transformar-se em um filósofo, porque na verdade não há gênero de vida que menos se ocupe de servir aos cidadãos e de tudo quanto constitui a ocupação do orador. Quem, de fato, entre os filósofos, freqüenta os julgamentos do Fórum ou adquiriu fama pela sua arte de falar?

Quero que o orador que eu desejo formar seja um filósofo, mas um filósofo romano, um homem devotado aos seus concidadãos, que demonstre ser um homem verdadeiramente político pela sua experiência e pelas suas obras".