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Mas esta teoria nominalista é, na verdade, uma concepção muito pobre da natureza da
inteligência humana. É uma concepção típica de uma época de decadência da vida
intelectual.
Ela surgiu no início dos anos 1300 e se propagou nos anos seguintes até se tornar uma
concepção quase como que evidente para a maioria dos intelectuais da Europa. Desta
época há inúmeros testemunhos históricos da decadência gradual do ensino e dos
estudos, paralelamente à difusão crescente do nominalismo. Mas, se não houvesse tais
testemunhos, a simples propagação de uma teoria como esta já é um atestado suficiente
de que está havendo uma degradação geral do ensino, não importa como ela tenha se
realizado historicamente.
Na verdade, os antigos filósofos gregos e os sábios da época compreendida entre Hugo
de São Vitor e Santo Tomás de Aquino jamais teriam concordado com uma teoria
como esta. Para eles os conceitos universais existem verdadeiramente, no mínimo, na
própria mente humana não como entidades singulares referidas a uma multidão de
objetos externos como sinais, mas como entidades que possuem, em si próprias, uma
natureza universal, e diriam até que esta é uma afirmação evidente.
Cabe então uma pergunta. Se para gregos, para os vitorinos e seus contemporâneos a
natureza universal dos conceitos era algo evidente, por que depois para Ockham e para
aqueles que o seguiram ela não o era mais?
Ao contrário do que pode parecer a um primeiro exame, isto não se deve a um suposto
caráter subjetivo desta matéria. A resposta a esta questão é que a descrição que
Ockham fêz do funcionamento da inteligência humana na utilização dos conceitos é
muita próxima da verdadeira, mas apenas na medida em que esta descrição
corresponde a uma utilização muito rudimentar das possibilidades da inteligência
humana.
Na verdade, Ockham estava descrevendo aquilo que ele próprio observava em sua
mente, e o sucesso que em um século e meio esta teoria gradualmente alcançou,
conquistando adesões gerais na maioria das universidades da Europa significa que
todos os intelectuais europeus começaram a perceber que a descrição que Ockham
dava dos processos da inteligência humana correspondia à utilização rudimentar que
eles próprios faziam de suas próprias mentes.
Na mente daqueles homens os conceitos se elevavam tão pouco além de uma
representação da imaginação utilizada como símbolo de um objeto externo, como
ocorre também com a maioria dos homens do século XX, que estes conceitos só muito
dificilmente podiam ser diferenciados daqueles próprios símbolos.
Embora não tenhamos elementos para aprofundar aqui este assunto, pode-se
vislumbrar, por exemplo, conforme se explicou no número vigésimo terceiro da seção
III/B desta Introdução Histórica, que no programa descrito por Platão como capaz de
formar um sábio exigia-se como pré-requisito ao estudo da Filosofia que o aluno
tivesse se elevado a um nível de pensamento abstrato muito acima do descrito por
Ockham.
De fato, diz Platão na República que o aluno somente deveria iniciar os estudos da
Filosofia quando
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"conseguisse contemplar
a natureza dos números
com a ajuda exclusiva da inteligência,
sem introduzir objetos visíveis
ou palpáveis na discussão".
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Embora nesta passagem, citada no vigésimo terceiro número da seção anterior, Platão
fale em não introduzir objetos visíveis ou palpáveis `na discussão', o contexto desta
citação, assim como o de todo o seu livro, indica que ele se referia também à
imaginação interior do aluno, e não apenas à discussão exterior. E este era apenas o
pré requisito de estudos filosóficos que iriam durar, depois disto, mais vinte e cinco
anos.
É claro que depois de uma experiência como esta um filósofo como Platão ou
Aristóteles faria uma descrição das possibilidades do trabalho da inteligência humana
bem diversa daquela que nos é descrita por Ockham.
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