19. 3. O Livro de Tobias.

No livro de Tobias encontra-se uma grande lição do que seja a verdadeira fé. Tobias foi um homem muito justo, da tribo de Neftali, levado cativo para a Assíria juntamente com o seu povo:

"Não obstante encontrar-se no cativeiro",

diz de Tobias o livro que leva o seu nome,

"não abandonou o caminho da verdade, distribuindo todos os dias daquilo que podia dispor pelos seus irmãos de raça que estavam cativos com ele".

Tob. 1, 2-3

Mas Tobias não se limitava apenas a praticar a caridade para com o próximo; ele também não temia arriscar continuamente a sua própria vida para isto. Senaquerib, o rei dos Assírios, tinha rancor contra os filhos de Israel e não os podia ver. Mandou matar muitos israelitas, que Tobias, em segredo, para não ser ele próprio morto, depois os sepultava. Tobias

"alimentava os famintos, vestia os nús e dava com solicitude sepultura aos que tinham falecido e aos que tinham sido mortos",

diz o seu livro (Tob. 1, 19-20). Quando o rei finalmente

"teve conhecimento disto, mandou que o matassem e confiscou todos os seus bens".

Tob. 1, 22

Tobias teve às pressas que despojar-se de tudo e fugir com o seu filho e sua mulher para não ser morto.

Passado, porém, o maior perigo, Tobias retornou para sua casa e continuou procedendo como sempre havia feito. Depois disto, num dia de festa, tendo preparado um grande banquete em sua casa para muitas pessoas, alguém entrou em sua casa e avisou-o que um dos filhos de Israel jazia degolado na rua:

"Tobias então, levantando-se da mesa, sem nada haver comido, foi junto do cadáver, tomou-o e levou-o secretamente para sua casa a fim de que, depois do sol posto, pudesse sepultá-lo com cautela".

Tob. 2, 3-4

Depois de ter escondido o cadáver na mesma casa onde estava se celebrando a festa que ele próprio havia organizado, pôs- se Tobias a

"comer com pranto e tremor, recordando-se das palavras do profeta Amós:

`Os vossos dias de festa converter-se-ão em lamentações e pranto'".

Tob. 2, 5-6

Depois do sol posto, saíu novamente da festa e sepultou o morto.

Não se pense, porém, que a conduta de Tobias fosse elogiado por seus conterrâneos. Ao contrário, ele era visto como uma espécie de louco e merecedor de censura:

"Já por este motivo te mandaram matar",

diziam-lhe os vizinhos;

"mal escapaste da sentença de morte, logo recomeças e sepultar os mortos?"

Tob. 2, 8

Porém Tobias, diz a Escritura,

"temendo mais a Deus do que ao rei, continuava levando os corpos dos que tinham sido mortos, escondia-os em sua casa e sepultava-os pelo meio da noite".

Tob. 2, 9

Havia dias em que,

"cansado de enterrar os mortos, quando chegava à sua casa, deitava-se junto de qualquer parede e adormecia".

Tob. 2, 10

A divina providência também parecia não se importar com o que ele fazia; em vez de premiá-lo, aconteciam-lhe mais desgraças. Um dia em que voltou para casa tarde da noite, exausto de enterrar os mortos, caíu-lhe de um ninho de andorinhas um pouco de esterco quente sobre os olhos e ficou cego:

"O Senhor permitiu que lhe acontecesse esta prova",

diz a Escritura,

"para que a sua paciência servisse de exemplo aos vindouros, como a do santo Jó. Como havia sempre temido a Deus, desde a sua infância, e guardado os seus mandamentos, não se entristeceu contra Deus, por lhe ter acontecido a desgraça da cegueira".

Tob. 2, 12-13

Tobias não se entristeceu por ter ficado cego. Ao contrário, continua a Escritura,

"permaneceu firme no temor do Senhor, dando-lhe graças todos os dias de sua vida".

Tob. 2, 14

Mas os vizinhos e até os seus familiares não entenderam a atitude de Tobias, e passaram a aproveitar-se da desgraça da cegueira para insultá-lo mais violentamente:

"Onde está a tua esperança",

diziam-lhe os vizinhos,

"pela qual davas esmolas e sepultavas os mortos?"

Tob. 2, 16

Sua mulher também certa vez lhe respondeu com ira:

"Bem claro está que as tuas esperanças são vãs! Agora mostram o que valem as tuas esmolas".

Tob. 2, 22

Com estas e outras palavras semelhantes, diz a Escritura,

"a mulher de Tobias o insultava".

Tob. 2, 23

Ora, a experiência mostra que uma pessoa que vive como Tobias viveu, expondo-se cotidianamente a grave risco de vida, praticando continuamente ações perigosas em momentos que nem ele nem a sua família tem liberdade de escolher, que além de profundamente desagradáveis, só podem ser executadas sob a preocupação constante de não ser visto ou descoberto sob pena da própria vida, sem apoio de ninguém ou de nenhuma organização, ao contrário, procurado e perseguido pelas autoridades, insultado por amigos e familiares, e a tudo isto se seguindo a desgraça em vez da fortuna, este homem é, com certeza, uma pessoa que em poucos anos se tornará um traumatizado, um neurótico, alguém que necessitará de tratamento psicológico ou de acompanhamento psiquiátrico. Se lermos o seu livro com atenção, é isto o que deveríamos esperar de um Tobias. Mas a descrição que a Sagrada Escritura faz da evolução de sua vida é completamente diferente. De Tobias ela nos dá este impressionantíssimo testemunho:

"À medida em que progredia no temor de Deus, aumentava a sua paz".

Tob. 14, 4

Ora, isto é conseqüência precisamente da vida da fé. Não fosse Tobias um justo que vivia da fé, teria sido destruído pela sua própria história. Ao contrário, diz a Escritura, como se nada estivesse acontecendo, durante os anos que durou a sua cegueira e por todos era insultado, com muitos conselhos exortava o seu filho a não fazer caso dos que o desprezavam:

"Ouve, meu filho",

dizia o pai Tobias,

"estas palavras de minha boca, e põe-nas no teu coração.

Tem a Deus em teu espírito todos os dias de tua vida, guarda-te jamais de consentir no pecado.

Dá esmola de teus bens, e não voltes a tua cara a nenhum pobre.

Da maneira que puderes, sê misericordioso.

Se tiveres muito, dá muito; se tiveres pouco, procura dar de boa vontade também este pouco.

A todo homem que tiver feito algum trabalho, paga-lhe logo o salário, e nunca fique, um só instante, em teu poder a paga do trabalhador.

Nunca permitas que a soberba domine os teus pensamentos ou tuas palavras; pede sempre conselho ao sábio e bendiz a Deus em todo o tempo".

Tob. 4, 6-20

Não há trauma que possa arrasar um homem como este. Quando o insultavam, respondia singelamente que

"esperava aquela vida que Deus há de dar aos que nunca deixam de confiar nEle".

Tob. 2, 18

Depois de alguns anos, diz a Escritura, Tobias recuperou a vista e

"passou todo o restante de sua vida na alegria"

Tob. 14, 4

Para nós deixou o exemplo do que significa viver da fé.