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A palavra física deriva do grego `phísis', que significa
natureza. Foram os filósofos gregos os primeiros que se utilizaram
deste termo para designar a ciência da natureza. Iniciando-se com
Tales de Mileto, a observação da natureza, cultivada como método
de elevação da inteligência por estes homens que buscavam a
sabedoria, acabou produzindo a cosmologia grega, cujo ápice
encontra-se nas obras de Aristóteles. Para este homens o
conhecimento físico não era um meio para dominar a natureza, nem
apenas uma disciplina autônoma destinada a produzir um corpo de
conhecimentos sobre o cosmos, mas um meio de educação da
inteligência que, em conjunto com outros elementos, deveria conduzir
o homem na busca pela sabedoria. É neste sentido que lemos nas obras
de Platão, de quem Aristóteles foi aluno, que
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"O motivo pelo qual Deus
concedeu a visão aos homens
foi o seu pre conhecimento de que,
vendo no céu os movimentos periódicos
da inteligência divina,
pudéssemos fazer uso deste conhecimento
para ordenar os pensamentos que há em nós.
Desta maneira poderíamos participar
da retidão dos pensamentos
que se encontram na natureza
e ordenar, por meio deles,
os nossos próprios.
Foi por este meio
que teve início a Filosofia,
da qual pode-se dizer
que nenhum bem maior foi
nem será concedido
ao gênero humano".
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A noção, que está na origem da Física Grega, de que a
observação da natureza é um dos elementos de uma educação mais
elevada a qual surge quando o trabalho da inteligência consegue
acoplar-se à ordem da natureza é um dado desconhecido pela
civilização moderna. Só muito fragmentariamente nos homens pós
medievais podem ser encontradas algumas observações esparsas que
poderiam sugerir-lhes esta possibilidade, se neles estivessem
presentes os elementos necessários para poder apreciar o real alcance
destes poucos testemunhos.
Encontra-se um exemplo desta afirmação na autobiografia de Charles
Darwin. O famoso autor da `Origem das Espécies', após ter
cursado parte de um curso de medicina em Edimburgo, parte de um curso
de teologia em Cambridge e freqüentado as aulas de alguns dos mais
renomados geólogos e botânicos de seu tempo, foi convidado para
participar na qualidade de naturalista em uma viagem marítima de cinco
anos ao redor do mundo a bordo do navio Beagle. Desta viagem,
inteiramente dedicada à observação da natureza, Darwin nos deixou
um impressionante testemunho sobre o impacto que este hábito teria
produzido na formação de sua mente:
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"Todos os meus estudos
foram de nenhuma importância
comparados com o hábito
da enérgica aplicação
e concentrada atenção
para tudo aquilo em que eu estava envolvido
que adquiri nesta viagem.
Tudo sobre o que eu pensei ou li
tinha que relacioná-lo diretamente
com o que eu havia visto
ou o que provavelmente iria ver,
e este hábito mental foi um contínuo
durante os cinco anos daquela viagem.
Tenho certeza que foi este treino
que me possibilitou fazer depois
tudo o que eu fiz em ciência.
Eu descobri,
embora inconsciente e insensivelmente,
o prazer de observar e raciocinar,
e os primitivos instintos
de um homem bárbaro
gradativamente me conduziram a adquirir
os hábitos de um homem civilizado".
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Outro personagem moderno que nos oferece um testemunho semelhante é
Friedrich Froebel, um alemão quase contemporâneo de Darwin, pouco
conhecido fora dos estudiosos da História da Educação, embora para
estes não haja dúvida de que seja um dos principais marcos teóricos
da pedagogia no mundo moderno. Nas palavras de G. d'Arcais,
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"Aos quinze anos Froebel foi enviado
como aprendiz florestal
junto aos guardas de Hirshberg.
Este fato teve, sem dúvida,
uma grande importância
na formação espiritual do jovem,
porque ele foi conduzido a interessar-se
ainda mais vivamente pela natureza,
a qual já havia começado a amar
entre os bosques da Turíngia.
Froebel começou a colecionar
plantas e insetos,
a ler com avidez obras de ciência natural,
a refletir sobre os mistérios da natureza,
e a perguntar
o que seria este mundo que nos circunda,
dotado de tanta ordem e beleza,
e caracterizado por uma maravilhosa
regularidade de desenvolvimento.
Mais tarde ingressou na
Universidade de Jena,
onde o jovem dedicou-se apaixonadamente
aos estudos científicos,
particularmente ao estudo da mineralogia".
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Anos depois, Froebel passou a interessar-se pela verdadeira missão
de sua vida, que foi a Educação, e morou durante algum tempo com
Pestalozzi, do qual veio a separar-se devido a divergências sobre o
modo de conduzir a educação na primeira infância. Aos quarenta e
seis anos publicou a sua obra prima, a "Educação do Homem", que
se inicia com um capítulo de conceitos fundamentais cujo primeiro, que
lembra impressionantemente as palavras de Platão, é o seguinte:
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"Em todas as coisas
vemos dominar e agir
uma lei eterna.
Ela se revelou e se revela,
sempre igualmente clara e determinada,
no mundo exterior da natureza
e naquele interior do espírito,
e na vida que reúne estes dois mundos".
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Bastante diversa é a origem da Física Moderna. Surgiu esta
ciência no final do Renascimento, com o aparecimento da Mecânica
Newtoniana. A partir daí ela pode ser claramente dividida em dois
períodos. Desde Newton até o início do século XX os que à
mesma se dedicaram elaboraram um corpo de conhecimentos que hoje é
conhecido como Física Clássica. Ela se fundamenta, em última
análise, nas três leis do movimento enunciadas por Newton, na Lei
da Gravitação Universal e nas quatro leis do Eletromagnetismo de
Maxwell. Até o final do século dezenove acreditava-se que estas
oito leis descreviam completamente o comportamento da natureza.
Entretanto, um número crescente de evidências, descobertas a partir
do início do século XX, mostrou que estas oito leis eram
insuficientes para descrever os fenômenos físicos de dimensões muito
pequenas, como os que se dão a nível atômico e sub atômico, e os
que ocorriam a altíssimas velocidades, próximas à da luz. Surgiram
então dois novos ramos da Física, conhecidos como Mecânica
Quântica, que trata dos fenômenos que ocorrem a nível atômico e
sub atômico, e a Teoria da Relatividade, que trata dos fenômenos
que se desenrolam às velocidades próximas à da luz.
Consideradas em suas origens, as leis da Mecânica Newtoniana, do
Eletromagnetismo, da Mecânica Quântica e da Relatividade, que
constituem em sua essência a Física Moderna, não surgiram para
explicar a natureza como um todo, mas apenas certas classes de
fenômenos físicos em particular. O homem moderno, porém, costuma
extrapolar o valor original restrito destas leis e tende a considerar o
seu conjunto como um todo completo e absoluto, no sentido de que
substancialmente toda a natureza pode ser reduzida a estas leis ou a
futuras variantes das mesmas, e que o seu conteúdo essencial não
depende do contexto cultural em que elas foram desenvolvidas. Neste
sentido poderia-se dizer que a natureza seriam as leis de Newton, a
lei da Gravitação Universal, as leis de Maxwell, as extensões
destas mesmas leis tais como dadas pela da Mecânica Quântica e
Relativística e nada mais, e poderia-se dizer também que esta
afirmação teria um valor absoluto que não depende do modo como seus
autores conduziram o trabalho que os levou às suas descobertas.
Pode-se admitir, até um certo ponto, que o conteúdo essencial das
leis da Física possa não depender do contexto cultural em que foram
produzidas, mas não se pode dizer o mesmo da visão da natureza como
um todo que surge a partir destas pressuposições.
Em sua origem a Física Moderna teve como objetivo tornar possível a
previsão, por meio de cálculos, de certas alterações dos entes
naturais observáveis pelos sentidos ou através de instrumentos de
laboratório. A Mecânica Newtoniana surgiu para que com ela
pudessem ser previstas as órbitas e os movimentos dos corpos celestes;
o eletromagnetismo, para que com ele pudessem ser calculados os efeitos
da eletricidade nos corpos. Para que surgissem estes ramos da Física
foi primeiro necessária uma grande quantidade de trabalho experimental
que descrevesse estes movimentos naturais com exatidão; em seguida,
sobre esta grande quantidade de dados experimentais, deduziram-se as
leis que poderiam prever o comportamento da matéria quando submetida
às mesmas ou a semelhantes condições.
A Cosmologia Grega, apesar de ser produto de um trabalho secular de
observação na natureza por parte dos filósofos, alcançou na época
de Aristóteles um grau de abstração suficientemente grande para,
paradoxalmente, torná-la menos dependente da própria materialidade
deste trabalho de observação; ela se propõe como objetivo, por isso
mesmo, metas bem diversas das da Física Moderna. A Física de
Aristóteles reconhece a existência do movimento no mundo que nos
cerca; em vez de pretender, porém, prever ou descrever cada tipo de
movimento em especial, quer especular sobre as condições necessárias
para que seja possível haver movimento no Cosmos, independentemente
de qual seja este movimento. Isto é, a Física Grega, que em
Aristóteles tem um de seus representantes mais acabados, deseja saber
quais são os requisitos necessários para que o movimento seja
absolutamente possível, neste ou em qualquer outro tipo de cosmos,
inclusive se ele não seguisse as leis da Gravitação e do
Eletromagnetismo. Fosse qual fosse o cosmos que existisse, a
Física Grega quer saber quais deveriam seriam os requisitos para que
nele o movimento viesse a ser possível. Ao contrário do que ocorre
com a Física Moderna, uma investigação deste gênero não depende
da materialidade de uma grande quantidade de dados experimentais
acumulados; para uma investigação como esta os dados experimentais
poderiam ter sido coletados de um modo mais primitivo do ponto de vista
tecnológico, sem que este fato produzisse uma grande diferença no
resultado final, pois parte-se da hipótese de que a natureza poderia
inclusive comportar-se segundo leis diversas das que são efetivamente
observadas. No entender de Aristóteles, tal como expresso no
Segundo Livro da Física, as coisas são ditas pertencer à natureza
ou à Física na medida em que
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"parecem possuir um princípio
intrínseco de movimento",
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e o que se deseja saber é qual seria a estrutura essencial que a
realidade deveria possuir para que isto seja possível,
independentemente de qual seja efetivamente o movimento observado. A
evidência experimental necessária para este tipo de Física é apenas
a suficiente para que se possa deduzir com certeza a existência do
movimento, e os resultados que daí podem ser obtidos seriam, por
princípio, válidos para qualquer cosmos possível de existência.
Se, no decurso da investigação de uma filosofia da natureza como
esta, fossem feitas novas descobertas pelas quais se entendesse que as
observações experimentais disponíveis até então seriam primitivas
em relação às novas observações possíveis com modernos
instrumentos de laboratório, isto por si só não poderia desmerecer a
essência da Filosofia da Natureza que havia sido obtida, nem
obrigaria necessariamente, apenas por isto, a uma revisão dos
princípios por ela alcançados.
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