Capítulo 12

Mas a coragem e a honestidade de Sócrates não eram apenas em tempo de guerra. Seus contemporâneos relatam que ele não abandonava seu ideal de justiça por qualquer que fosse o motivo, mesmo que isto lhe custasse a própria vida.

Perto do fim da Guerra do Peloponeso, Alcebíades tinha sido expulso do comando da frota ateniense. Ocorreu então o episódio da chamada Batalha das Ilhas Arginusas. Este episódio é assim narrado pelo historiador M. Rostofzeff:

"Após a expulsão de Alcebíades, os atenienses fizeram mais um grande esforço. O principal objetivo dos espartanos, que nesta altura já tinham se aliado com os persas, era conquistar as águas da região nordeste da Grécia, e assim privar Atenas dos suprimentos de alimentos vindos do Mar Negro. Uma frota ateniense foi então enviada para defender a região e começou com êxito. Os espartanos foram derrotados na Batalha das Ilhas Arginusas em 406 AC".

Para entender melhor o texto, vale a pena lembrar que a Guerra do Peloponeso, que durou 28 anos, terminou em 404 AC.

"Mas a batalha das Arginusas foi travada durante uma tempestade e muitos marinheiros atenienses morreram afogados".

A guerra, nesta altura, já estava bastante difícil para os atenienses. Em vez de comemorarem a vitória,

"o fracasso dos generais em salvar os marinheiros do afogamento provocou uma explosão de ira na Assembléia Popular em Atenas. Os generais foram privados de seu comando e os que voltaram para casa foram mortos. Esta justiça sumária não encorajou seus sucessores. A esta causa, entre outras, os atenienses devem sua derrota final e decisiva na Guerra do Peloponeso, ocorrido em Egospótamos, próximo à entrada do Helesponto".

Estes generais, 10 ao todo, foram chamados de volta a Atenas para enfrentar um julgamento. Já vimos como eram os tribunais em que se faziam os julgamentos da Justiça Ateniense: quinhentos juízes, escolhidos entre um número de 6000 cidadãos escolhidos por sorteio, que votavam o veredito por maioria simples, após defesa pessoal dos acusados, com um magistrado coordenando a seqüência das acusações, defesas e votações.

Só que neste julgamento, que ficou na história, tratava-se de uma questão de guerra e os juízes seriam todos os cidadãos presentes à Assembléia Popular, qualquer que fosse o seu número. Coube a Sócrates, por sorteio, desempenhar o papel do Magistrado que iria coordenar o julgamento dos 10 generais.

Logo que se iniciou o julgamento, Sócrates percebeu sua irregularidade. A Assembléia queria julgar os dez generais e, ao que tudo indicava, condená-los à morte, em um só bloco. Segundo as leis atenienses, porém, cada general deveria ser julgado em separado e haver tantos julgamentos quantos fossem os réus. Enfrentando a ira popular, o que naquelas circunstâncias poderia vir a custar-lhe a vida, Sócrates conseguiu se impor e obter o julgamento individual de cada um dos acusados.

No Quarto Livro dos Ditos Memoráveis de Sócrates, Xenofonte se refere a este fato desta maneira:

"Quanto à justiça, Socrates, longe de rebuçar sua opinião, patenteava-a por atos: no particular de sua casa era todo equidade e benevolência; como cidadão, de impecável honestidade para com os magistrados em tudo o que manda a lei, quer na cidade, quer exército, onde o abalizava o seu espírito de disciplina. Presidindo, certa vez, na qualidade de Epístata, à Assembléia Popular, impediu o povo de votar contra as leis e, fundamentado nelas, resistiu à fúria do populacho que nenhum outro teria coragem de enfrentar".

Findo cada julgamento, Sócrates ainda teve a coragem, conforme diz Diógenes Laércio, de ter sido o único cidadão a votar, e públicamente, pela absolvição dos generais. "Ele era um homem de grande independência e dignidade de caráter", diz Diógenes Laércio, comentando o fato.