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Pergunta-se, ademais, se tivessem feito quanto podiam e tivessem
saído desta vida neste estado, se seriam dignos da salvação. Pois
quem pode ser digno da salvação sem a fé, ou quem pode perecer sem a
caridade? Mestre Pedro Abelardo diz que eram dignos da salvação,
isto é, que se lhes desse por onde se salvassem, porque se tivessem
feito o quanto pudessem nunca Deus lhes teria permitido o trânsito sem
a fé. Outros dizem que eram indesculpáveis porque com aquele grau de
conhecimento poderiam amar e imediatamente, a partir deste estado,
lhes teria sido concedida a fé. Porém segundo estes a fé proviria
da caridade, e não a caridade da fé. Outros, finalmente, pensam
que nenhum grau de conhecimento seria suficiente para amar a Deus, mas
que se tivessem feito o que pudessem imediatamente Deus lhes teria dado
a fé pela qual amariam a Deus e assim o glorificariam. Aos quais
pode objetar-se que não poderiam ter merecido a fé, ao que talvez
responderiam que, embora não tivessem podido merecer a fé, a partir
da que possuíam poderiam ter-se tornado idôneos e aptos para
receberem a fé. Como podem saber, porém, que a partir desta se
tornariam idôneos ou, se idôneos, como podem saber que a fé lhes
teria sido concedida? Todavia ali não houve pregação.
SOLUÇÃO.
Nós cremos que poderiam ter glorificado a Deus em parte. Ainda que
não o tivessem feito perfeitamente, se atribuíssem a Deus aquilo que
receberam, e buscassem a glória de Deus e não a deles, teriam
glorificado a Deus segundo algo, no que teriam amado a Deus, ainda
que não o pudessem fazê-lo perfeitamente.
PODE OBJETAR-SE QUE,
se assim fosse, pelo conhecimento que possuíam poderiam em parte amar
a Deus. Poderiam tê-lo feito, portanto, pela caridade que
possuíam o pela caridade que não possuíam. Não o teriam podido,
entretanto, pela que não possuíam. Portanto o teriam feito pela que
possuíam e, deste modo, possuíam o amor de Deus, e assim seriam
dignos da salvação.
SOLUÇÃO.
Deve-se conceder que poderiam ter amado a Deus pela caridade que
possuíam. Todavia não se pode dizer de modo simples que passariam a
amar a Deus, assim como se o homem enfermo e fraco carrega uma pedra
pela força que possui não se pode dizer de modo simples este homem ser
forte ou possuir fortaleza. Não concedemos, de fato, que aqueles
que estão em pecado mortal não possam realizar nenhuma boa obra, como
alguns dizem, mas que fazem muitos bens, insuficientes porém, para a
salvação, por causa do maior mal que possuem.
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