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Mas a coragem e a honestidade de Sócrates não eram apenas em tempo de guerra. Seus
contemporâneos relatam que ele não abandonava seu ideal de justiça por qualquer que
fosse o motivo, mesmo que isto lhe custasse a própria vida.
Perto do fim da Guerra do Peloponeso, Alcebíades tinha sido expulso do comando da
frota ateniense. Ocorreu então o episódio da chamada Batalha das Ilhas Arginusas.
Este episódio é assim narrado pelo historiador M. Rostofzeff:
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"Após a expulsão de Alcebíades,
os atenienses fizeram mais um grande esforço.
O principal objetivo dos espartanos,
que nesta altura já tinham se aliado com os persas,
era conquistar as águas
da região nordeste da Grécia,
e assim privar Atenas
dos suprimentos de alimentos vindos do Mar Negro.
Uma frota ateniense foi então enviada
para defender a região e começou com êxito.
Os espartanos foram derrotados
na Batalha das Ilhas Arginusas em 406 AC".
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Para entender melhor o texto, vale a pena lembrar que a Guerra do Peloponeso, que
durou 28 anos, terminou em 404 AC.
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"Mas a batalha das Arginusas
foi travada durante uma tempestade
e muitos marinheiros atenienses
morreram afogados".
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A guerra, nesta altura, já estava bastante difícil para os atenienses. Em vez de
comemorarem a vitória,
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"o fracasso dos generais
em salvar os marinheiros do afogamento
provocou uma explosão de ira
na Assembléia Popular em Atenas.
Os generais foram privados de seu comando
e os que voltaram para casa foram mortos.
Esta justiça sumária
não encorajou seus sucessores.
A esta causa, entre outras,
os atenienses devem sua derrota
final e decisiva
na Guerra do Peloponeso,
ocorrido em Egospótamos,
próximo à entrada do Helesponto".
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Estes generais, 10 ao todo, foram chamados de volta a Atenas para enfrentar um
julgamento. Já vimos como eram os tribunais em que se faziam os julgamentos da
Justiça Ateniense: quinhentos juízes, escolhidos entre um número de 6000 cidadãos
escolhidos por sorteio, que votavam o veredito por maioria simples, após defesa
pessoal dos acusados, com um magistrado coordenando a seqüência das acusações,
defesas e votações.
Só que neste julgamento, que ficou na história, tratava-se de uma questão de guerra e
os juízes seriam todos os cidadãos presentes à Assembléia Popular, qualquer que fosse
o seu número. Coube a Sócrates, por sorteio, desempenhar o papel do Magistrado que
iria coordenar o julgamento dos 10 generais.
Logo que se iniciou o julgamento, Sócrates percebeu sua irregularidade. A Assembléia
queria julgar os dez generais e, ao que tudo indicava, condená-los à morte, em um só
bloco. Segundo as leis atenienses, porém, cada general deveria ser julgado em
separado e haver tantos julgamentos quantos fossem os réus. Enfrentando a ira popular,
o que naquelas circunstâncias poderia vir a custar-lhe a vida, Sócrates conseguiu se
impor e obter o julgamento individual de cada um dos acusados.
No Quarto Livro dos Ditos Memoráveis de Sócrates, Xenofonte se refere a este fato
desta maneira:
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"Quanto à justiça,
Socrates, longe de rebuçar sua opinião,
patenteava-a por atos:
no particular de sua casa
era todo equidade e benevolência;
como cidadão, de impecável honestidade
para com os magistrados
em tudo o que manda a lei,
quer na cidade, quer exército,
onde o abalizava o seu espírito de disciplina. Presidindo, certa vez,
na qualidade de Epístata,
à Assembléia Popular,
impediu o povo de votar contra as leis e,
fundamentado nelas,
resistiu à fúria do populacho
que nenhum outro teria coragem de enfrentar".
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Findo cada julgamento, Sócrates ainda teve a coragem, conforme diz Diógenes
Laércio, de ter sido o único cidadão a votar, e públicamente, pela absolvição dos
generais. "Ele era um homem de grande independência e dignidade de caráter",
diz Diógenes Laércio, comentando o fato.
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