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A idéia do planejamento familiar como direito
humano foi introduzida pelo movimento neo malthusiano no fim
do século XIX e no início do século XX, expressa nos
conceitos do movimento feminista da época. A idéia atravessou
todo o século XX mudando sua apresentação não apenas conforme
a época, mas também conforme as circunstâncias. Quando, na
década de 50, foi criada a IPPF, esta assumiu como prioridade
de trabalho tanto o aspecto de direito humano envolvido no
planejamento familiar como o aspecto das conseqüências
sociais e econômicas do controle da natalidade. Entretanto, a
7a Conferência Internacional da IPPF de 1963 decidiu que a
prioridade máxima da organização estaria dali em diante
relacionada com o aspecto de direito humano do problema, sem,
entretanto, desconsiderar os demais aspectos. A 8a.
Conferência de 1967 teve então como título "Paternidade
Planejada: um Dever e Direito Humano". Através de seus
estatutos a IPPF havia assumido a tarefa de, entre outros
objetivos, tornar este princípio universalmente aceito e se
tornou, de fato, a principal porta voz desta concepção.
Data aproximadamente do ano de 1967 o início de um
envolvimento maior e mais estreito desta organização com a
Organização das Nações Unidas. Até então, conforme veremos
adiante, a ONU já havia se pronunciado de uma forma implícita
sobre o planejamento familiar como direito humano em mais de
uma ocasião. Entretanto, no ano seguinte ao início deste
relacionamento mais estreito entre suas atividades com os
problemas populacionais e as atividades da IPPF, a ONU veio a
estabelecer este princípio de maneira clara e formal. A ONU
já havia se posto a caminho desta formulação ao incluir o
princípio de que cada casal teria o direito de decidir a
respeito do número e do espaçamento de suas crianças nas
resoluções adotadas pela Assembléia Mundial da Saúde e pela
Assembléia Geral. Além da aproximação cada vez mais profunda
entre a ONU e a IPPF, o interesse constante em planejamento
familiar demonstrado pela Comissão sobre o Status da Mulher
também colaborou na enfatização do aspecto de direito humano
envolvido na questão.
Que o acesso, porém, aos meios de controle de
natalidade fosse um direito humano fundamental foi claramente
estabelecido na Conferência Internacional sobre Direitos
Humanos patrocinada pela ONU em maio de 1968 em Teeran. A
resolução ali aprovada afirmava que os casais tem um direito
humano básico não apenas de decidirem livre e
responsavelmente sobre o número e o espaçamento de seus
filhos, mas também de terem informação e educação adequada de
como fazê-lo. A resolução também incluía a afirmativa de que
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"a taxa presente de crescimento
populacional em algumas áreas do
mundo dificulta a luta contra a
fome e a pobreza, e em particular
reduz as possibilidades de
alcançar rapidamente níveis de
vida adequados, assim debilitando
a plena realização dos direitos
humanos".
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Em outra parte do texto podia-se ler o seguinte:
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"Acreditamos que a grande maioria
dos pais deseja obter
conhecimentos e meios para
planejar as suas famílias.
Acreditamos que o objetivo do
planejamento familiar é a
plenitude da vida humana, não a
sua restrição; que o planejamento
familiar, ao garantir maiores
oportunidades a cada pessoa,
liberta o homem para que possa
atingir sua dignidade individual e
realizar todo o seu potencial. Os
casais tem o direito humano
fundamental de decidirem livre e
responsavelmente quanto ao número
e ao espaçamento de seus filhos e
o direito de obter instrução
adequada a respeito".
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Muitos dos que votaram esta resolução o fizeram com a
intenção de que a insistência sobre o direito dos casais em
decidirem o número e o espaçamento dos seus filhos
representaria uma desaprovação das medidas governamentais
destinadas a interferir neste julgamento, tais como campanhas
de educação de massas, oferecimento de bônus e outros
incentivos à limitação da natalidade, e medidas semelhantes
destinadas a influenciar e a formar padrões de comportamento
sobre tamanho familiar.
O que ocorreu, porém, foi que em um primeiro
momento o princípio foi utilizado pelo movimento do
planejamento familiar e pelos governos que o apoiavam para
argumentar que a questão não era apenas que todas as crianças
deveriam ser crianças desejadas, mas que também, por
implicação, os governos teriam a obrigação de aceitar a
responsabilidade de fornecer aconselhamento em planejamento
familiar e outros serviços correlatos para tornar capazes os
casais de planejarem o tamanho de suas famílias. Aceito este
princípio, as várias correntes paralelas que foram examinadas
ao longo deste histórico interagindo entre si acabaram por se
fundir e, depois de terem lutado para reconhecerem o
planejamento familiar como direito humano em uma batalha que,
conforme pudemos examinar, durou quase dois séculos, os
mesmos que estavam até aqui interessados em implantá-lo
passarão a estar agora interessados em derrubá-lo.
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