CAPÍTULO 16

Mas esta conquista do Oriente por parte dos generais gregos teve grandes conseqüências culturais. Todo o mundo oriental começou aos poucos a falar grego como língua principal e a absorver a cultura grega, superior de longe a todas as demais da época. Começaram a surgir teatros em toda a parte, ginásios, escolas de oratória e também a se difundir o gosto pela Filosofia. Em Atenas surgiram duas outras correntes filológicas além do Platonismo e do Aristotelismo já existentes, as quais receberam o nome de estoicismo e epicurismo, cuja influência se estendeu também por todo o oriente. Todas as pessoas de certa cultura tinham noções superficiais dos rudimentos destas quatro correntes filológicas. Isto, aliado ao contexto geral da cultura grega que se espalhou neste processo de helenização do mundo oriental, acabou resultando naquilo que os verdadeiros filósofos mais tinham receio.

Platão, de fato, quando traçou a formação que deveria ter um discípulo de sua escola para que se tornasse um filósofo, estabeleceu um programa que começava aos setes anos de idade e se estendia até os cinqüenta e cinco. E afirmou que, neste programa, somente poderia começar a aprender Filosofia propriamente dita quem já tivesse completado pelo menos trinta anos de idade, tivesse antes disso estudado profundamente e durante anos matemática e geometria, tivesse dado demonstrações claras de amar a verdade e de que, tendo sido educado propositalmente em todas as virtudes, não temeria a morte para praticá-las. Caso contrário, diz Platão em sua obra `A República', a obra em que ele justamente descreve a formação do filósofo, as pessoas não levarão a Filosofia a sério e, em vez de usá-la para buscarem a verdade, farão dela apenas uma brincadeira ou um simples jogo de palavras.

Coisa semelhante também dizia Aristóteles, que deixou escrito no VIº Livro da Ética a Nicômaco que é impossível que os jovens atinjam com a mente a sabedoria filosófica, ainda que o declarem com a boca. Antes de iniciarem o estudo da Filosofia, continua Aristóteles, devem ser instruídos na Lógica, na Matemática e nas Ciências da Natureza durante longos anos. Depois, devem ainda ser instruídos na teoria e na prática das coisas morais para libertarem a sua alma das paixões, só então adquirindo um intelecto robusto para poderem passar ao estudo da Sabedoria.

Tais conselhos, porém, não foram ouvidos, e em todo o Oriente por onde se propagou a cultura grega, juntamente com a sua literatura e a sua arte espalhou-se o gosto por uma Filosofia extremamente superficial, embora baseada na obra dos grandes mestres. Com o tempo isto produziu exatamente os efeitos negativos que Platão havia anunciado, uma mentalidade superficial que fêz da Filosofia não mais do que um jogo de palavras.

E, de fato, assim que os Apóstolos deixaram a Palestina no cumprimento da ordem de Jesus pela qual deveriam levar o Evangelho a todos os povos da Terra, perceberam que havia alguma coisa errada na cultura grega que dominava o oriente do Império Romano. Diante do anúncio do Evangelho os gregos freqüentemente respondiam com argumentações filosóficas que provocavam uma interminável discussão que raramente chegava a alguma conclusão. Já desde estes primeiros tempos os Apóstolos tinham percebido que era muito diferente anunciar o Evangelho na Palestina e na Grécia. Na Primeira Epístola aos Coríntios, os habitantes da cidade de Corinto, importante porto comercial da Grécia, São Paulo escreveu o seguinte:

"Os judeus exigem milagres, e os gregos buscam a sabedoria, mas nós pregamos a Cristo crucificado, o que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gregos.

Ninguém se engane a si mesmo; a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus.

Onde está o sábio? Onde está o doutor? Onde está o indagador deste século?

Irmãos, Cristo me enviou para pregar o Evangelho, mas não com a sabedoria das palavras.

Quando fui ter convosco, anunciei o testemunho de Cristo não com sublimidade de estilo ou de sabedoria.

Estive entre vós com franqueza, e minhas pregações não consistiram em palavras persuasivas de humana sabedoria, mas na manifestação do Espírito e da virtude de Deus.

Não obstante, é a sabedoria que nós pregamos entre os perfeitos".

I Cor. 1, 2, 3

Foi neste contexto que teve origem a problemática que resultou na convocação dos oito primeiros Concílio Ecumênicos celebrados pela Igreja no Oriente.

Assim que terminaram as perseguições aos cristãos, iniciaram-se no Oriente as controvérsias sobre a doutrina cristã. Estas controvérsias tinham uma repercussão tão grave que a Igreja e o próprio Imperador tiveram que intervir com a celebração destes oito Concílios à medida em que eram levantadas as diversas questões de doutrina. Assim, os primeiros Concílios de Nicéia e de Constantinopla foram convocados para definir a doutrina da Santíssima Trindade. Os quatro seguintes, Éfeso, Calcedônia e Segundo e Terceiro de Constantinopla foram convocados para definirem a doutrina da Encarnação do Verbo. O Sétimo Concílio tratou da questão do uso das imagens no culto cristão.

O Oitavo Concílio Ecumênico teve sua origem devido a uma sucessão irregular do bispo de Constantinopla em que interveio o Romano Pontífice e que acabou se transformando em uma controvérsia de doutrina. Foi então convocado o Quarto Concílio de Constantinopla cujas decisões, porém, não foram reconhecidas pelos orientais. A partir daí iniciou-se a separação entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Católica Ortodoxa. Até hoje a Igreja Ortodoxa, predominante no Oriente, apenas reconhece como Concílios Ecumênicos os sete primeiros Concílios.