15. O estudo alegórico das Escrituras.

Considera o exemplo da construção de um edifício. Primeiro se assentam os alicerces e depois, por cima deles, levanta-se o prédio. Finalmente, consumada a obra, a casa é revestida com as suas cores.

Assim também no estudo das Sagradas Escrituras importa que primeiro se aprenda a história, repetindo do princípio ao fim a verdade das coisas acontecidas, confiando diligentemente à memória o que foi feito, por quem foi feito e onde foi feito. Somente será possível investigar perfeitamente as sutilezas da alegoria quem primeiro está bem fundamentado na história.

Depois da lição da história resta investigar os mistérios das alegorias, para o que deve-se saber que esta não é matéria apropriada para espíritos tardos e obtusos. Trata-se de uma investigação que exige inteligências já maduras, possuidoras de uma sutileza incapaz de perder a prudência no discernimento. É um alimento sólido, que não pode ser engolido se não for bem mastigado. Neste estudo é necessário fazer uso de tal moderação que, à medida em que se busca a sutileza das Escrituras, a presunção não nos torne temerários, recordando-nos do que diz o Salmista:

"Retesará o seu arco e o apontará,
e preparará para eles dardos de morte".

Salmo 7, 13-14

Observa a obra do pedreiro com um pouco mais de diligência. Assentados os alicerces, ele estende uma linha na horizontal e levanta outra na vertical. Põe então em sua devida ordem as pedras previamente polidas com esmero. Depois, busca outras e mais pedras, e se encontrar algumas que não se encaixem na primeira disposição, toma de sua lima, apara as saliências, aplaina as superfícies ásperas e reduz à forma o que antes era informe. Finalmente, acrescenta a pedra assim trabalhada à ordem em que havia disposto as anteriores.

É um exemplo digno de imitação. Os alicerces se encontram dentro da terra, e nem sempre têm suas pedras devidamente trabalhadas e lapidadas. Já o edifício está acima da terra, e exige uma estrutura mais trabalhada, com pedras perfeitamente ajustáveis entre si.

Assim também a sagrada página contém muitas coisas que segundo o seu sentido natural parecem contradizer-se entre si, e algumas que até mesmo parecem absurdas ou verdadeiras impossibilidades. O entendimento espiritual, entretanto, não admite nenhuma repugnância; ainda que haja nele muita diversidade, não pode haver, porém, nenhuma contrariedade.

Não carece também de significado a primeira série de pedras assentada sobre os alicerces, dispostas segundo uma linha previamente estendida e sobre a qual se ergue e se encaixa todo o restante do edifício. Esta primeira série de pedras é como que outro alicerce, e a base de todo o edifício. Este alicerce sustenta o que lhe é superposto e é sustentado, por sua vez, pelo alicerce anterior. Sobre o primeiro alicerce repousa toda a construção; nem tudo, porém, se lhe ajusta perfeitamente; sustenta o edifício, mas está abaixo do edifício. O segundo alicerce também sustenta o edifício, porém não está apenas debaixo do edifício, mas também no edifício.

Dizemos que o alicerce que está debaixo da terra representa a história, e que o edifício que sobre ele se levanta representa a alegoria. A base deste edifício, portanto, base que lhe serve como de um segundo alicerce, deverá também pertencer à alegoria.

A construção é composta de muitas ordens de pedras, cada ordem possuindo o seu alicerce; assim também a divina página contém muitos mistérios, cada um possuindo os seus princípios.

A primeira ordem é o mistério da Trindade, pois a Escritura ensina que antes que existisse qualquer criatura Deus era trino e uno.

Já existindo trino e uno, Deus criou toda a criatura do nada, tanto as visíveis como as invisíveis; esta é a segunda ordem.

Deu livre arbítrio à criatura racional e preparou-lhe a graça, para que pudesse merecer a eterna bem aventurança. Puniu-as por terem caído por sua livre vontade; persistindo em sua queda, confirmou-as para que não pudessem cair mais ainda. A origem do pecado, o que ele é e qual a sua pena, eis a terceira ordem.

Os mistérios que Deus instituíu sob a lei natural para a restauração do gênero humano, eis a quarta ordem.

As Escrituras que Ele instituíu sob a Lei, eis a quinta ordem.

O mistério da Encarnação do Verbo, eis a sexta ordem.

Os mistérios do Novo Testamento, eis a sétima ordem.

Sua própria ressurreição, eis finalmente a oitava ordem.

Esta é toda a divindade, este é aquele edifício espiritual construído e erguido para o alto com tantas ordens quantos mistérios nele se contém. Os alicerces de cada ordem são os princípios destes mistérios. Se os alicerces da história já foram assentados, resta agora assentar os alicerces do próprio edifício. A linha que deve ser estendida antes de alicerçar as primeiras pedras é o caminho da verdadeira fé; as primeiras pedras que alicerçam a obra espiritual são os mistérios da fé pelos quais esta obra se inicia. Antes, pois, de abordar o estudo da alegoria, o estudante deve procurar instruir-se de quanto diz respeito à profissão da verdadeira fé para que tudo o que vier a encontrar depois possa ser edificado com segurança. Muitos que estudam as Escrituras, por não possuírem os alicerces da verdade, caem em erros diversos, e tantas vezes mudam suas sentenças quantas vezes se aproximam da leitura das Escrituras.

No livro de Ezequiel lemos que eram as rodas que seguiam os animais, e não os animais que seguiam as rodas:

"E quando os animais andavam,
andavam também as rodas junto deles;
e quando ao animais se elevavam da terra,
também as rodas se elevavam juntamente".

Ez. 1, 19

Assim ocorre com a mente dos homens santos, que quanto mais progridem nas virtudes ou na ciência, tanto mais profundos vêem ser os arcanos das Sagradas Escrituras, e aquilo que para os homens simples e ainda presos às coisas da terra parecem coisas desprezíveis, para os espíritos mais elevados parecem sublimes.

Continua Ezequiel:

"Para onde o espírito ia, e para onde o espírito se elevava, as rodas, seguindo-o, também igualmente se elevavam. Porque o espírito da vida estava nas rodas".

Ez. 1,20

Lemos, assim, que as rodas seguiam estes animais, e seguiam o espírito. Ainda em outro lugar está escrito:

"A letra mata,
o espírito, porém,
vivifica",

2 Cor. 3, 6

porque, a saber, importa que o estudante das Escrituras esteja tão consolidado no entendimento espiritual que os pontos mais importantes da letras, que algumas vezes podem ser entendidos pervertidamente, não o inclinem a desviar-se.

Por que aquele povo tão antigo, que havia recebido a Lei da Vida, foi reprovado, senão porque seguiu de tal maneira a letra que mata que não possuíu o espírito que vivifica? Não digo estas coisas para dar a qualquer um a ocasião de interpretar as Escrituras à sua vontade, mas para mostrar que aquele que segue apenas a letra não pode permanecer muito tempo sem cair no erro. É necessário, pois, seguir a letra de tal maneira que não se dê preferência ao nosso julgamento diante daquele dos autores sagrados; e não seguir a letra de tal maneira que se julgue depender dela todo o julgamento da verdade. Não é o letrado, mas o espiritual que tudo julga (1 Cor 2,15). Não é possível, porém, julgar a letra com segurança se se presumir do próprio julgamento, mas é preciso primeiro aprender, e informar-se, e assentar o alicerce da inabalável verdade.