QUESTÃO QUADRAGÉSIMA QUARTA.

Pergunta-se novamente se toda vontade provém de Deus, já que nada existe que não tenha seu ser proveniente de Deus.

SOLUÇÃO.

Não se deve conceder que se nada há que não tenha o ser proveniente de Deus então toda vontade provém de Deus, isto é, tanto a boa quanto a má. O mesmo entende-se do agir. Quando nos referimos a uma ação ou vontade má, a expressão mais denota a qualidade do que a essência. Pelo que, embora ela tenha por onde seu ser possa ser dito proveniente de Deus, como sua qualidade, todavia, não é proveniente de Deus, não se deve dizer que a ação ou a vontade má sejam provenientes de Deus. Deve observar-se que a desordenação que é dita ser qualidade da má ação por causa do modo semelhante da resposta, ou na medida em que tomamos o termo qualidade de modo amplo enquanto pode designar-se por ele tanto o que algo é como o que não é. Do mesmo modo, a afirmação segundo a qual a essência de uma ação provém de Deus pode ser entendida de duas maneiras: ou que ela própria provenha de Deus ou que aquilo pelo qual ela possui ser provenha de Deus.

Outros, porém, dizem que nem todo pecado provém de Deus, mas somente o que é pena de outro pecado, o qual efetivamente se realizaria pela operação de Deus. Dizem estes, de fato, que se quando a Escritura Deus

"te-los entregado a um sentimento depravado"

Rom. 1, 28

estas palavras devam ser entendidas como referindo-se apenas à permissão, de modo geral poder-se-ia dizer o mesmo de todo pecado, isto é, que Deus o opera. Nunca, porém, se diz Deus entregar alguém a algum pecado, senão ao que já é pena de outro pecado.

Do mesmo modo, se estas palavras devessem ser entendidas como referindo-se à subtração da graça, ficaria também evidente que seria Deus que, ao subtrair a graça, operaria tal pecado. De fato, se o pecado se segue de modo necessário à subtração da graça, qual seria a sua causa senão o que a subtraíu? Tratar-se-ia da mesma situação de uma casa que tivesse algum fundamento sem o qual não pudesse permanecer de pé; se alguém retirasse este fundamento, quem se tornaria causa do desabamento, senão aquele que o tivesse retirado? Ou se alguns homens estivessem em botes em alto mar e alguém os afundasse, sendo que sem estes botes os homens não poderiam viver, qual seria a causa de sua morte senão quem afundou os botes?

Com estas e outras semelhanças procuram afirmar que Deus opera alguns pecados, ainda que não todos.

Não parece, porém, existir semelhança entre a casa, que nada pode merecer, e o homem, por cuja culpa é-lhe retirado aquilo sem o qual não pode perseverar. A semelhança seria mais conveniente se houvesse uma casa prestes a cair e alguém a escorasse com as mãos para que, sustentando-a, não viesse a cair e se, posteriormente, por uma exigência racional, retirasse as mãos. Não seria, efetivamente, a causa pela qual a casa teria caído, mas sim a causa pela qual a casa não tivesse caído antes. Assim como se alguém estivesse nú e outro lhe desse roupas para vestir mas, já vestido, o primeiro passasse a ofender de tal modo ao segundo que este razoavelmente lhe tomasse as roupas de volta; se o primeiro viesse a morrer por causa do frio, quem será a causa desta morte, senão o próprio homem que morreu nú? E assim também se alguém, por exigência de alguma causa, retira a alguém os ensinamentos que antes lhe oferecia, não faz isto operando algo, mas mais não operando o que antes operava. Assim também dizemos que Deus, subtraindo a graça, por exigência de nossa culpa, não é ele próprio a causa pela qual a graça nos é subtraída quanto a nós, nem Ele faz isto operando algo, mas não operando o que antes não operava. Assim também por nenhuma razão deve-se conceder que pela operação de Deus se realize algum pecado, seja ele ou não pena de outro pecado.

O que, portanto, diz Santo Agostinho que Deus opera nos corações dos homens, seja inclinando ao bem ou ao mal, é dito operar ou pela semelhança do modo do uso da palavra subtrair, que em latim é construída com o caso acusativo, como se significasse fazer algo ou, melhor ainda, porque operar é tomado tanto pelo operar como pelo não operar, conforme diz o Apóstolo:

"O que eu faço, não o entendo".

Rom. 7, 15

De outro modo, se o operar não fosse assim tomado, fazer o mal e não fazer o bem não seriam partes do operar. Assim também deve entender-se aquela passagem em que se diz que Deus

"retribuirá a cada um segundo as suas obras",

isto é, pelas coisas que faz e também pelas que não faz, se as tivesse que ter feito. Quanto ao que se diz no Apocalipse:

"Aquele que é impuro, continue na impureza",

Ap. 22, 11

entende-se isto ser justo não pela qualidade da impureza, mas pelo julgamento de Deus que faz com que isto se realize. De onde que se estas coisas são ditas justas, não o são pela justiça que há nelas, mas na regra divina, não porém de modo que a própria impureza proceda de Deus ou que Deus as faça. O mesmo pode-se dizer de qualquer pecado que seja pena de um pecado precedente; esta pena é dita justa não por alguma qualidade sua, mas pelo julgamento divino.