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E PARECE QUE SIM, POIS,
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Em primeiro, de fato, diz o Deuteronômio:
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"As obras de Deus são perfeitas".
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Daqui argumentamos como segue. Perfeito é aquilo ao qual nada
falta, conforme diz o Filósofo no terceiro livro da Física. Ora,
àquilo que não pode ser a não ser mediante algum agente exterior,
falta-lhe algo ao seu ser. Tais coisas, portanto, não são
perfeitas, de onde que não podem ser obra de Deus.
Ademais, em quarto, Deus é causa das coisas como causa eficiente.
Cessando, porém, a ação da causa eficiente, permanece o efeito,
como quando ao cessar a ação do edificador permanece a causa, e
cessando a ação do fogo gerador ainda permanece o fogo gerado.
Cessando, portanto, toda a ação divina, ainda poderão as
criaturas permanecer no ser.
Ademais, em quinto, objeta-se ao argumento precedente que as causas
inferiores são causas do tornar-se e não do ser, de onde que o ser
dos efeitos permanece, removida a ação das causas do tornar- se.
Deus, porém, é causa para as coisas não somente do tornar- se,
mas também do ser. De onde que não pode o ser das coisas
permanecer, cessando a ação divina.
Mas, contra isso, pode-se dizer que toda coisa gerada possui ser
pela sua forma. Se, portanto, as causas gerantes inferiores não
são causas do ser, não serão causas das formas, e assim as formas
que estão na matéria não serão causadas pelas formas que estão na
matéria, contrariando a sentença do Filósofo que diz, no sétimo
livro da Metafísica, que a forma que está nestas carnes e nestes
ossos é causada pela forma que está nestas carnes e nestes ossos.
Contrariamente a isto, seguir-se-ia então que as formas na matéria
seriam causadas pelas formas sem matéria, segundo a sentença de
Platão, ou por um dador de formas, segundo a sentença de
Avicenna.
Ademais, em décimo, a forma substancial também é causa do ser.
Se, portanto, as causas do ser são aquelas que conservam as coisas
no ser, a própria forma da coisa será suficiente para que a coisas se
conserve no ser.
Ademais, em décimo primeiro , as coisas são conservadas no ser pela
matéria, na medida em que esta sustenta a forma. Mas a matéria,
segundo o Filósofo, é ingênita e incorruptível, e assim não é
causada por alguma causa, de onde que permanece, removida toda ação
da causa eficiente. As coisas, portanto, ainda poderiam
conservar-se no ser, cessando a ação da primeira causa eficiente,
que é Deus.
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PORÉM, AO CONTRÁRIO,
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Em terceiro , diz São Gregório no VIº Livro dos Morais que
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"Todas as coisas se reduziriam a nada,
se a mão do Onipotente não as sustentasse".
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RESPONDO, DIZENDO QUE,
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devemos conceder sem dúvida alguma que as coisas são conservadas no
ser por Deus, e que seriam reduzidas a nada em um momento se fossem
por Deus abandonadas, a razão do que podendo ser tomada do que se
segue.
É necessário que o efeito dependa de sua causa. Isto, de fato,
pertence à razão do efeito e da causa, o que nas causas formais e
materiais aparece como manifesto, pois, retirado de qualquer coisa o
seu princípio material ou formal, a coisa imediatamente cessa de ser,
já que tais princípios entram na essência da coisa.
Porém é necessário que o mesmo julgamento valha quanto às causas
eficientes e quanto às causas formais e materiais, porque a causa
eficiente é causa da coisa na medida e, que induz a forma ou dispõe a
matéria. De onde que é a mesma a dependência da coisas à causa
eficiente e à matéria e à forma, já que por uma delas depende da
outra.
Quanto às causas finais, também é necessário aplicar-se o mesmo
julgamento que à causa eficiente, porque o fim não é causa a não
ser na medida em que move a causa eficiente à ação, não sendo a
primeira no ser, mas na intenção. De onde que, onde não há
ação, não há causa final, como é patente no terceiro livro da
Metafísica.
O ser da coisa feita, portanto, depende da causa eficiente na medida
em que depende da própria forma da coisa feita.
Há, porém, alguma causa eficiente da qual a forma da coisa feita
não depende per se e segundo a razão de forma, mas somente por
acidente, assim como a forma do fogo gerado não depende do fogo
gerante per se e segundo a razão de sua espécie, pois na ordem das
coisas possuem o mesmo grau, e nem a forma do fogo é outra no gerado
do que no gerante, distinguindo-se entre si somente por divisão
material, na medida em que uma está em outra matéria. De onde que,
sendo o fogo gerado dependente de alguma causa pela sua forma, é
necessário que esta própria forma dependa de um princípio mais alto,
que seja causa da forma per se e segundo a razão própria da espécie.
Como, porém, o ser da forma na matéria, considerado per se, não
envolve nenhum movimento ou mutação, a não ser talvez por acidente,
e todo corpo não age a não ser movido, como o prova o Filósofo, é
necessário que o princípio pelo qual a forma depende per se seja algum
princípio incorpóreo. De fato, o efeito depende da causa agente
pela ação de algum princípio. E se algum princípio incorpóreo é
de algum modo causa da forma, ele o será na medida em que age pela
virtude do princípio incorpóreo, e como que sendo seu instrumento.
Este princípio corpóreo será necessário para que a forma principie
a ser, na medida em que a forma não principia a ser senão na
matéria, já que a matéria não pode substar à forma achando-se de
qualquer modo, pois é necessário que o ato próprio esteja na
matéria própria.
Estando, portanto, a matéria em uma disposição que não compete a
alguma forma, esta não poderá seguir-se de modo imediato do
princípio incorpóreo, do qual a forma depende per se. De onde que
é necessário que haja algo que transmute a matéria, e este é algum
agente corpóreo, ao qual pertence o agir movendo. E o agente
corpóreo age em virtude do princípio incorpóreo, sua ação sendo
determinada a esta forma na medida em que tal forma esteja nela, em
ato, como nos agentes unívocos, ou por virtude, como nos agentes
equívocos.
Assim, portanto, tais agentes corporais inferiores não são
princípios das formas nas coisas feitas, exceto na medida em que possa
estender-se a causalidade da transmutação, já que não agem senão
transmutando, e isto o fazem na medida em que dispõem a matéria e
fazem sair a forma da potência da matéria. Quanto a isto,
portanto, as formas das coisas geradas dependem das gerantes naturais
que as fazem sair da potência da matéria, mas não quanto ao ser
absoluto.
De onde que, removida a ação do gerante, cessa a condução da
potência ao ato, que é o fazer-se das coisas geradas. Não
cessam, porém, as próprias formas, segundo as quais as coisas
geradas possuem ser. Daqui vem que, cessando a ação do gerante, o
ser das coisas geradas permanece, mas não o seu fazer-se. Se,
porém existirem formas que não estão na matéria, como são as
substâncias intelectuais, ou em matéria de nenhum modo indisposta à
forma, como é o caso dos corpos celestes, nos quais não há
disposições contrárias, o princípio destas coisas não poderá ser
senão um agente incorpóreo, que não age através do movimento, e
nem estas coisas dependerão de algo segundo o fazer-se do qual não
dependem segundo o ser.
Assim como, portanto, cessando a ação da causa eficiente, que age
pelo movimento, no mesmo instante cessa o fazer-se das coisas
geradas, assim também cessando a ação do agente incorpóreo, cessa
o próprio ser das coisas por ele criadas. Ora, este agente
incorpóreo, pelo qual todas as coisas são criadas, é Deus,
conforme foi mostrado em outras questões, pelo qual não são somente
a forma das coisas, mas também as matérias. E quanto a este
propósito não difere se isto se dá de modo imediato, ou por uma
certa ordem, como alguns filósofos colocaram. De onde que se segue
que, se cessasse a operação divina, todas as coisas no mesmo momento
se reduziriam ao nada, assim como foi demonstrado pelas autoridades e
pelos argumentos dos `porém, ao contrário'.
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À PRIMEIRA, PORTANTO,
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deve-se dizer que as criaturas de Deus são
perfeitas na sua natureza e na sua ordem. Dentre outras coisas que se
requerem para a perfeição das mesmas, porém, inclui-se também
esta, que sejam sustentadas no ser por Deus.
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À QUARTA
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deve-se dizer que tais agentes inferiores são causas das
coisas quanto ao seu fazer-se, mas não quanto ao seu ser considerado
per se. Deus, porém, é causa per se do ser, de onde que não há
semelhança.
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À QUINTA
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deve-se dizer que como os agentes corporais não agem senão
transmutando, e nada é transmutado senão em razão da matéria, a
causalidade dos agentes corporais não pode estender- se senão às
coisas que estão, de algum modo, na matéria. E porque os
filósofos platônicos e Avicenna não sustentaram que as formas fossem
tiradas da matéria, eram por isso obrigados a afirmar que os agentes
naturais somente dispunham a matéria, enquanto que a indução da
forma seria realizada por um princípio separado.
Se, porém, sustentarmos que as formas substanciais são tiradas da
potência da matéria, segundo a sentença de Aristóteles, os
agentes naturais não somente serão causas das disposições da
matéria, mas também das formas substanciais, isto, porém, somente
na medida em que tais formas são trazidas da potência ao ato. Eles
serão, conseqüentemente, princípios do ser quanto a iniciação ao
ser, e não quanto ao próprio ser de modo absoluto.
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À DÉCIMA
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deve-se dizer que, cessando a ação divina, também a
forma cessaria, de onde que não pode ser princípio do ser.
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À DÉCIMA PRIMEIRA
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deve-se dizer que a matéria primeira é dita
ingênita porque não procede ao ser por geração. Daqui, porém,
não se segue que não provenha de Deus, já que é necessário que
todo ser imperfeito tenha origem no perfeito.
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