CAPÍTULO 10

Quem quer que deseje atingir a culminância da ciência deve conhecer familiarmente estes seis modos de contemplação. Por estas seis asas da contemplação somos destacados do que é terreno e elevados ao que é celeste. Não duvideis não terdes alcançado a perfeição se ainda carecerdes de algum deles.

"Quem me dera asas como a pomba, e voarei e acharei descanso?"

Salmo 54, 7

Sei, todavia, que nestas duas primeiras asas não é concedido voar do terreno ao celeste, e poder penetrar nas coisas árduas do céu.

Embora tenhamos asas sublimes e sutis para voar sobre as coisas terrenas nestes dois primeiros gêneros de contemplação, se nos contentarmos apenas com eles pouco isto será para nós, pois nisto muitos sábios deste mundo possuem uma exímia competência. Entende que ainda és animal terreno e não celeste enquanto estiveres contente apenas com estas duas asas. Certamente, se és ainda animal terreno, e se até hoje possuis corpo terreno, tal como o Apóstolo descreve e preceitua mortificar, será um progresso no bem para ti ser-te pronto, assim que o quiseres, poder velar este corpo e esconde-lo das recordações dos teus olhos:

"Mortificai",

diz o Apóstolo,

"os vossos membros terrenos, a fornicação e a impureza".

Col. 3, 5

O que significa velar este corpo sob as asas da mencionada contemplação senão moderar pela consideração da mutabilidade mundana a concupiscência das coisas do mundo, ou melhor ainda, conduzí-la ao inteiro esquecimento? Podeis ver, segundo penso, o quanto vale ser conduzido ou ocultado por estas asas. Tendes, ademais, nestas asas como, se o quiserdes, podereis voar. É coisa boa poder voar bem, e o quanto podes afastar-te do amor do mundo. Voam bem nestas asas aqueles que bem consideram a mutabilidade das ilusões do mundo, e por uma assídua retratação se afastam de sua ambição. Embora, portanto, por este par de asas não possas voar até o céu, talvez poderás seguro e tranqüilo chegar a um porto de descanso sob a condução de seus remos. Considero que não terás recebido em vão as penas das asas destas duas contemplações se tiveres podido voar até aqui. Pouco porém será para ti teres recebido estas duas asas; para que proves ser um animal celeste estuda e esforça-te pelo menos para ter dois pares, e então certamente terás com que poderás voar até o que é celeste.

Assim, quando começares já a ter quatro asas, quando já te considerares um animal celeste, e possui já um corpo celeste, estuda todavia a forma de ainda poder velá-lo sob estas asas. Há, de fato, corpos celestes corpos terrestres, e outra é a glória das coisas celestes e das coisas terrestres. Se, portanto, todo o teu corpo for lúcido, não possuindo em si nenhuma parte de trevas, será útil todavia ocultá-lo dos olhos da arrogância humana, e moderar a claridade da própria estimação sob a incerteza da mutabilidade humana. Por isto é bom, para o homem dissimular seus próprios bens, e nada presumir de seus méritos, e guardar-se sempre na humildade. No primeiro par de asas, portanto, vele o homem o seu corpo; no segundo, voe para o céu. Procure quem quer que seja espiritual sempre pelo estudo e pelo desejo estar nas coisas celestes, e possa dizer com o Apóstolo:

"Nossa conversação está nos céus".

Fil. 3, 20

Todavia, se te preparares para penetrar, juntamente com o Apóstolo, até o terceiro céu (2 Cor. 12), nunca presumas contentar-te com aqueles dois pares de asas. É necessário sem dúvida possuir todas as seis asas designadas da contemplação para aquele que deseja e ambicione voar até os mistérios do terceiro céu da divindade. Estas seis asas da contemplação somente os perfeitos nesta vida podem possuí-las e com muita dificuldade.