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O estudo metódico das Sagradas Escrituras nos ensina o que é a fé
e nos oferece uma copiosa quantidade de exemplos sobre a beleza de sua
vivência. Elas reportam constantemente, ademais, a atenção dos
estudantes que as freqüentam às realidades celestes, oferecendo, com
isto, mediante o auxílio da graça divina, a oportunidade de praticar
esta virtude. O mesmo pode-se dizer da meditação sobre o Credo,
que nada mais é do que uma oportunidade de praticar a virtude da fé,
se a graça estiver presente.
Mas se estes meios nos oferecem os ensinamentos sobre a natureza desta
virtude e a oportunidade de praticá- la, não são capazes de
alcançar, por si sós, a graça necessária para viver da fé ou
mesmo para fazer um só ato de fé.
Para alcançar a graça, o Evangelho nos ensina que é necessário
recorrer à oração. Nas coisas da fé, diz Hugo de São Vítor,
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"o conselho do homem,
sem o auxílio divino,
é enfermo e ineficiente.
É necessário, portanto,
levantar-se à oração,
e pedir o seu auxílio,
sem o qual nenhum bem pode ser alcançado.
Isto é, é necessário pedir a sua graça,
a qual, para que tivesses chegado até aqui
para pedi-la,
era ela que já te iluminava,
e daqui para a frente será quem haverá de dirigir
os teus passos para o caminho da paz,
e de cuja única boa vontade depende
que sejas conduzido ao efeito da boa obra.
Não serás obrigado,
serás ajudado.
Se apenas tu operares,
nada realizarás;
se apenas Deus operar,
nada merecerás.
Aquele que corre por esta via,
busca a vida".
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Destas palavras tão densas como singelas pode-se deduzir o que seja a
oração:
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"É necessário levantar-se à oração",
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diz Hugo de São Vítor,
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"e pedir-lhe o seu auxílio,
isto é, a sua graça,
sem a qual não se encontra
o caminho da paz".
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A oração é, portanto, uma elevação da mente até Deus, para
pedir-lhe a fé e a graça do Espírito Santo.
Desta definição podem deduzir-se duas conclusões.
A primeira, que a oração é algo muito simples, pois, de fato,
qualquer pessoa que se dirigir a Deus e lhe pedir a fé e o Espírito
Santo estará orando.
A segunda, que a oração é, não obstante a sua simplicidade, algo
bastante diverso do que a maioria das pessoas costumam supor. A
oração pressupõe, em primeiro lugar, pessoas que estejam dispostas
a desviar suas atenções das coisas da terra e elevá-las até Deus;
pressupõe também, em segundo lugar, pessoas que estejam interessadas
em pedir a vivência da fé, ou, o que é a mesma coisa, a graça do
Espirito Santo, cuja manifestação principia com a fé e culmina com
o dom da sabedoria. Ora, apesar da aparente simplicidade que estas
palavras encerram, cada um pode perguntar a si mesmo quantas pessoas
conheceu que durante as suas vidas elevaram seriamente suas mentes até
Deus para pedir-lhe precisamente estes bens, ou mesmo que tenham
alguma vez pelo menos pensado seriamente nesta possibilidade.
Não houve, porém, coisa que os santos mais desejaram do que a
graça do Espírito Santo e foi precisamente através da oração,
ensina-nos a Sagrada Escritura, que eles a obtiveram:
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"Eu a amei mais do que a saúde
e a formosura",
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diz o autor do Livro da Sabedoria,
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"busquei-a desde a minha juventude,
e procurei tomá-la para mim como esposa.
Fiquei enamorado de sua beleza,
porque Deus somente ama
aquele que habita com a sabedoria.
É ela que através das gerações
forma os amigos de Deus e os profetas,
e os que usaram dela
foram feitos participantes da amizade de Deus".
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Sab. 7, 10; 8, 2;
7, 28; 7, 27; 7, 14
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Em seguida, o mesmo autor nos explica como esta graça, à qual ele
se refere através do dom de sabedoria e que diz ter buscado "desde a
sua juventude, enamorado pela sua beleza", lhe foi concedida através
da oração:
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"Por tudo isto eu desejei a inteligência
e ela me foi dada;
invoquei o Senhor,
e veio a mim o Espírito da sabedoria.
Como eu sabia que não poderia obtê-la
se Deus não ma desse,
e isto já era um efeito da sabedoria,
o saber de quem vinha este dom,
dirigi-me ao Senhor,
e fiz-lhe a minha súplica:
`Dá-me, Senhor,
aquela sabedoria,
que está sentada contigo no teu trono,
e não me queiras excluir
do número dos teus servos,
porque ainda que alguém seja perfeito
entre os filhos dos homens,
se estiver ausente dele a tua sabedoria,
será considerado como nada'".
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Isto é o que nos ensina sobre a oração um santo do Velho
Testamento, o autor do Livro da Sabedoria.
Não é outro também o ensinamento de Jesus a este respeito. Diz o
Evangelho de São Lucas que Jesus exortava os seus apóstolos a se
dirigirem a Deus como a um pai e pedir- lhe a graça do Espírito
Santo, dando-lhes a certeza de que seriam atendidos:
diz Jesus no Evangelho de São Lucas,
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"pedi e dar-se-vos-á,
buscai e encontrareis,
batei e abrir-se-vos-á.
Pois todo aquele que pede, recebe;
e o que busca, encontra;
e ao que bate, se lhe abrirá.
Se um filho pedir pão,
qual é entre vós o pai
que lhe dará uma pedra?
Ou, se pedir um peixe,
dar-lhe-á ele, em vez de peixe,
uma serpente?
Ou se lhe pedir um ôvo,
porventura dar-lhe-á um escorpião?
Se pois, vós, sendo maus,
sabeis dar boas dádivas a vossos filhos,
quanto mais o vosso Pai celestial
dará o Espírito Santo
aos que lhO pedirem?"
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Aparentemente o principal conteúdo desta passagem parece ser o
ensinamento de que Deus é bom e não recusa a oração de seus
filhos. Há, porém, outro ensinamento contido nestas frases de
Jesus que só parece secundário porque está insinuado de uma forma
indireta: Jesus nos ensina, nesta passagem, que aquilo que os filhos
de Deus pedem a Deus na oração é a graça do Espírito Santo.
Nisto, portanto, poderemos saber se somos filhos de Deus e se somos
conduzidos pelo Espírito de Deus, isto é, se oramos
freqüentemente e se quando o fazemos a nossa verdadeira e sincera
preocupação é alcançar de Deus a fé e a graça do Espírito
Santo.
Este ensinamento de Jesus foi muito bem percebido por Hugo de São
Vitor que, ao comentar esta passagem do Evangelho, nos disse o
seguinte:
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"Está escrito:
`Se vós, sendo maus,
sabeis dar coisas boas aos vossos filhos,
quanto mais o vosso Pai que está nos céus
dará o Espírito Santo aos que lhO pedirem?'
Portanto",
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diz Hugo de São Vitor,
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"o Pai celeste dará o Espírito Santo
aos filhos que lho pedirem.
Os que são filhos,
não pedem outra coisa;
os que pedem outras coisas
são servos mercenários,
não filhos.
Os que pedem prata,
os que pedem ouro,
os que pedem coisas que passam,
os que não pedem o que é eterno,
pedem o ministério da servidão,
não o Espírito da liberdade.
O que for pedido,
isto será dado;
se pedes o corporal,
não receberás mais do que o que pedes.
Se pedes o espiritual,
o que pedes será concedido
e o que não pedes será acrescentado;
será dado o espiritual,
será acrescentado o corporal.
`Buscai em primeiro lugar
o Reino de Deus,
e tudo o resto vos será acrescentado'.
Deve-se, portanto, orar ao Pai,
e ao Pai, que está nos céus,
pedir os bens celestes,
não os da terra;
não a substância corporal,
mas a graça espiritual".
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Hugo de S. Vitor
De Quinque Septenariis
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"Os que são filhos", diz este texto, "não pedem outra coisa; os
que pedem outras coisas são servos mercenários, não filhos".
Deve-se comparar esta afirmação com outra afirmação da Epístola
aos Romanos:
diz São Paulo na Epístola aos Romanos,
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"todos aqueles que são conduzidos
pelo Espírito de Deus".
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Os dois textos declaram de forma diversa quem são os filhos de Deus.
Hugo de São Vitor diz que são filhos de Deus todos aqueles que
pedem a Deus, como a um Pai, a graça do Espírito Santo. São
Paulo diz que são filhos de Deus aqueles que são conduzidos pelo
Espírito Santo. Ambos, porém, estão ensinando a mesma coisa,
pois não é possível dirigir-se a Deus e pedir- lhe sinceramente a
graça do Espírito Santo sem ser movido pela própria graça do
Espírito Santo. De fato, já havíamos examinado anteriormente uma
passagem do Didascalicon de Hugo de S. Vitor em que ele dizia:
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"É necessário pedir a Deus
a sua graça,
a qual, porém,
para que tivesses chegado até aqui
para pedí-la,
era ela que já te iluminava,
e daqui para a frente será quem
haverá de dirigir os teus passos
para o caminho da paz".
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Nas Sagradas Escrituras, o livro da Sabedoria nos ensina o mesmo
quase com idênticas palavras:
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"Como sabia que não poderia
obter de Deus a sabedoria,
se Deus não ma desse,
e isto já era um efeito da sabedoria,
o saber de onde vinha este dom,
dirigi-me ao Senhor,
e fiz-lhe a minha súplica".
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Ora, Jesus nos ensinava a que nos devíamos tornar como crianças se
quiséssemos entrar no Reino de Deus:
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"O que não receber o Reino de Deus
como um menino, não entrará nele",
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dizia Jesus (Lc. 18, 17).
Ele nos ensinava ademais a orar sempre, sem jamais desanimar, com a
confiança de que seríamos atendidos:
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"Contava-lhes parábolas",
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diz São Lucas de Jesus,
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"para mostrar
que é necessário orar sempre
sem jamais desanimar
e dizia:
`Deus não fará justiça aos seus escolhidos,
que estão clamando a Ele,
de dia e de noite,
e tardará em os socorrer?
Digo-vos que depressa lhes fará justiça'".
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Ora, esta atitude de pedir a Deus constantemente o dom mais
precioso, na certeza de sermos ouvidos e de que não há outro caminho
para obtê-lo, é o comportamento próprio de quem é filho e ainda é
criança. São os filhos quando ainda são crianças que pedem aos
pais as coisas mais importantes na certeza de serem ouvidos e de que
não há outro modo para eles de as obterem. Isto, como vimos, em
nós já é fruto da graça do Espírito Santo. Quando nós,
portanto, movidos pelo Espírito Santo, pedimos sinceramente a Deus
a graça do Espírito Santo com constância, com a certeza de que
seremos ouvidos e de que não podemos obtê-la senão de Deus, já
estamos tratando a Deus como a um Pai e já estamos vivendo como
filhos de Deus. É por isso que diz também São Paulo na Epístola
aos Romanos:
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"Vós recebestes o espírito de adoção de filhos,
pelo qual clamamos a Deus
chamando-o de Pai,
pois o mesmo Espírito Santo
dá testemunho ao nosso espírito
de que somos filhos de Deus".
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Tal é, pois, o poder da oração: nos introduz e nos faz crescer na
filiação divina e é através dela que nos é dada a graça do
Espírito Santo.
A mesma coisa transparece na oração ensinada por Jesus conhecida
como o Pai Nosso. Quando nela Jesus nos ensina a pedir a Deus
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"venha a nós o vosso Reino",
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está com isto nos ensinando a pedir a graça do Espírito Santo, que
é o mesmo que pedir o Reino de Deus. Antes deste pedido, porém,
invocando a Deus como Pai, está nos ensinando a dirigirmos Ele a
nossa atenção; dizendo
está nos ensinando que não é possível dirigirmo-nos a Deus sem
elevarmos a nossa alma, o que se faz através da fé; pedindo, antes
do Reino, que
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"seja santificado o vosso nome",
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está nos ensinando que a nossa própria santificação que vem pela
graça do Espírito Santo se ordena ela mesma à glória de Deus.
Só depois de termos pedido o seu Reino é que ele passa a pedir as
demais coisas. Trata-se, portanto, do mesmo ensinamento da
parábola do ovo e da serpente e da passagem das aves do céu e dos
lírios do campo, em que Ele nos ensina que devemos
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"buscar em primeiro lugar
o Reino de Deus e a sua justiça,
e tudo o mais será depois acrescentado".
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