CAPÍTULO 160

Alexandre VI era, na verdade, um homem bom.

Pode-se perceber isso pelo carinho com que sua eleição ao pontificado foi recebida pelo povo romano e pelos governos da época, pelas esperanças que esta eleição havia suscitado, apesar do que depois se seguiu; pela humildade com que ele reconheceu os seus erros e pela sinceridade com que ele propôs emendar-se; pela religiosidade e pelo sentimento de piedade que de fato ele possuía.

A maioria de nós hoje também somos homens bons. Deve-se, porém, chamar a atenção destes mesmos homens de que esta não é a bondade de que fala o Evangelho.

Não é este o fogo que Jesus veio trazer sobre a terra, fogo que ele tanto desejou que se acendesse e se espalhasse entre os homens (Lc. 12, 49).

Se tudo o que conhecemos como bondade não passa disto, jamais seremos capazes de compreender por que as Sagradas Escrituras dizem que o mundo está envolto em trevas, e qual é a luz que o Evangelho diz que Jesus veio trazer aos homens (Mt. 4, 16).

Na verdade, se nossa bondade se resumir apenas a esta que quase todos nós temos, jamais entraremos no Reino dos Céus. Não é esta a bondade que Jesus veio ensinar que deve ser imitada, aquela bondade pela qual o próprio Deus é bom, e que faz a felicidade dos santos no paraíso (Mt. 6, 48). Não é esta a bondade daqueles de quem Jesus diz no Evangelho que

"aos que o acolheram, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não do sangue, nem da carne, mas de Deus nasceram",

Jo. 1, 12-13

dos quais São Bento diz que

"apoderou-se deles o desejo de caminhar para a vida eterna, e por isso lançaram-se como que de assalto ao caminho estreito do qual disse o Senhor:

`Estreito é o caminho que conduz à vida'".

Regra de São Bento 5, 10

À estreiteza deste caminho corresponde nos homens uma igual estreiteza de mente quando não são capazes de perceber que aquilo que usualmente é tido como bondade não é mais do que uma caricatura da bondade de que fala Jesus.