5. A contribuição mais própria de Agostinho à Teologia Trinitária.

Chegamos àquela que é provavelmente a contribuição mais original de Santo Agostinho à teologia trinitária, o uso de analogias tiradas da estrutura da alma humana. A função destas analogias, deve-se notar, não é demonstrar que Deus é Trindade, mas aprofundar nosso entendimento do mistério da absoluta unidade e também da distinção real dos Três.

No sentido estrito, de acordo com Santo Agostinho, há vestígios da Trindade em todo o lugar, porque as criaturas, na medida em que existem, existem por participação nas idéias de Deus; portanto, tudo deve refletir, embora timidamente, a Trindade que as criou. Para buscar a Sua verdadeira imagem, entretanto, o homem deve olhar primeiramente dentro de si,porque a Escritura representa Deus dizendo "Façamos", - isto é, os Três -,

"o homem à Nossa imagem e à Nossa semelhança".

Mesmo o homem exterior, isto é, o homem considerado em sua natureza sensível, fornece

"uma certa figura da Trindade".

O processo de percepção, por exemplo, fornece três elementos distintos que são ao mesmo tempo intimamente unidos, do qual o primeiro, em um certo sentido, gera o segundo, enquanto que o terceiro une aos outros dois. Por exemplo, o objeto externo (a coisa que vemos), a representação sensível da mente (a visão), e a intenção ou ato de focalizar a mente (a intenção da vontade).

Quando o objeto externo é removido, temos uma segunda trindade, que lhe é superior, pois é localizada inteiramente dentro da mente. Neste sentido, Agostinho fala da impressão da memória (a memória), a imagem interna da memória (visão interna), e a intenção da vontade.

Para a imagem real, entretanto, da Divindade Triuna, devemos olhar no homem interior, ou alma. Freqüentemente tem sido dito que a principal analogia trinitária do De Trinitate é a do amante, do objeto amado e do amor que os une. Porém a discussão de Santo Agostinho desta trindade é bastante curta, e é apenas uma transição para aquela que ele considera sua verdadeiramente importante analogia, a da atividade da mente enquanto dirigida para si mesma ou, melhor ainda, para Deus.

Esta última analogia fascinou Santo Agostinho por toda a sua vida, as trindades resultantes sendo:

A mente, seu conhecimento de si mesma e seu amor de si mesma;

A memória, ou, mais propriamente, o conhecimento latente da mente de si mesma; o entendimento, isto é, sua apreensão de si mesma à luz das razões eternas; e a vontade, ou amor de si mesma, pela qual este processo do ato de conhecimento é posto em movimento;

A mente, enquanto lembrando, conhecendo e amando ao próprio Deus.

Santo Agostinho considera que somente quando a mente focalizou a si mesma com todas as suas potências de lembrança, entendimento e amor em seu Criador é que a imagem de Deus que ela traz em si, corrompida como está pelo pecado, pode ser plenamente restaurada.

Embora demorando-se nestas analogias, Santo Agostinho não tem ilusões quanto às suas imensas limitações. Em primeiro lugar, a imagem de Deus na mente humana é em qualquer caso uma imagem remota e imperfeita. Em segundo lugar, embora a natureza racional do homem exiba as trindades acima mencionadas, elas representam faculdades ou atributos que o ser humano possui, enquanto que a natureza divina é perfeitamente simples. Em terceiro lugar, a memória, entendimento e vontade operam no homem separadamente, enquanto que as três Pessoas divinas co- inerem mutuamente e Sua ação é perfeitamente una e indivisível. Finalmente, na Divindade os três membros da Trindade são Pessoas, mas o mesmo não ocorre na mente humana. Segundo as palavras do próprio Agostinho,

"A imagem da Trindade é uma pessoa, mas a suprema Trindade é Ela própria três Pessoas: o que é um paradoxo, quando alguém reflete que, não obstante isso, os Três são mais inseparavelmente um do que a trindade da mente".

Referências:

Santo Agostinho : De Vera Relig. 13;
Idem :Sermo 52, 17-19;
Idem : De Trinitate 11, 1; 11, 2-5; 11,6; 8,12 a 9,2; 15,5; 15,10; 13,11; 9,2-8; 10,17-19; 14,11 até o fim; 10,18; 9,17; 15,7 e ss.; 15,11-13; 15, 43;
Idem : Enarrat. In Psalm. 42, 6;
Idem : Sermo de Symb. 1, 2.