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"Se dormis entre os apriscos,
as penas da pomba brilham como prata,
e como um amarelo de ouro o seu dorso".
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Caríssimos, pelo significado espiritual destas poucas e sagradas
palavras o santo salmista, cantando pelo Espírito Santo, nos
descreve não apenas o mérito dos santos, como também a ciência e o
prêmio da Igreja universal.
Designa o mérito, onde diz:
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"Se dormis entre os apriscos".
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Designa a ciência da santa Igreja, onde acrescenta:
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"As penas da pomba
brilham como prata".
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E, finalmente, designa o prêmio, onde conclui:
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"E como um amarelo de ouro
o seu dorso".
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Os dois apriscos são os profetas e os apóstolos, entre os quais
dormem aqueles que, ensinados pelas sagradas sentenças de uns e de
outros, repousam felizes, livres da inquietude dos demônios e na paz
da boa conversação. Estão, de fato, entre os apriscos todos
aqueles que vivem santamente entre as proclamações dos profetas e as
pregações dos apóstolos. Os quais também dormem na medida em que,
ocupados pelas boas obras, não são incomodados pela infestação das
tentações. Deste feliz sono dos santos, sob o nome de Issacar,
nos é dito por Jacó:
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"Issacar é como um jumento robusto,
deitado entre limites;
viu que o repouso era bom,
e que a terra era ótima;
curvou seus ombros para carregar,
e sujeitou-se aos tributos".
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O povo dos justos é verdadeiramente um jumento robusto porque na paz e
na fortaleza sustenta o peso de qualquer tribulação. Está deitado
entre limites porque, ensinado pelos profetas e pelos apóstolos,
repousa pela boa obra proveniente da doutrina de ambos. Viu que o
repouso, isto é, o repouso da contemplação interior, era bom e que
a terra da suprema bem aventurança era ótima; tomado de amor por
ambos, curvou seus ombros para carregar qualquer peso que se lhe
impusesse. Sujeitou-se aos tributos, porque pelos bens espirituais
ofereceu não somente as suas coisas, como também a si próprio.
A multidão dos eleitos, deste modo, conforme está dito, dorme
entre apriscos e por esta celeste dormição alcança o prêmio eterno.
Dorme e, conforme diz Salomão,
Segue-se:
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"As penas da pomba
brilham como prata".
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A pomba, como foi dito freqüentemente, é a santa Igreja. De
fato, a santa Igreja, assim como carece de fel pela caridade, não
vive de cadáveres pelos vícios das obras mortas; escolhe os melhores
grãos pela execução dos maiores preceitos de Deus; arrulha, em vez
de cantar, pela penitência; alimenta com freqüência os filhotes
alheios pela misericórdia; senta-se sobre as águas, pelo estudo das
Sagradas Escrituras, para prever a aproximação da sombra do
gavião, que é o demônio; constrói seus ninhos nas pedras,
repousando sublimemente na contemplação dos mistérios de Cristo.
Possui duas asas pelo amor de Deus e de seu próximo, a direita pelo
amor de Deus e a esquerda pelo amor do próximo. As penas da asa
direita são aquelas distinções pelas quais nos é dito:
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"Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração,
com toda a tua alma,
com todo o teu entendimento
e com todas as tuas forças".
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As penas da asa esquerda são os votos, os conselhos, os benefícios
pelos quais devemos amar o próximo como a nós mesmos. Estas penas
brilham como a prata, porque do amor de Deus e do próximo
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"depende toda a Lei e os Profetas".
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Corretamente, pois, o discurso sagrado é designado pela prata,
conforme o atesta o salmista quando diz:
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"As palavras do Senhor são palavras castas,
são prata acrisolada pelo fogo,
purificada da terra,
depurada sete vezes".
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Quando, portanto, os santos dormem entre os apriscos as penas da
pomba brilham como prata porque a Sagrada Ciência se cumpre nas
virtudes da santa Igreja quando a multidão dos santos executa com
todas as suas forças os preceitos proféticos e apostólicos repousando
na fé e na obra.
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"E como um amarelo de ouro
o seu dorso".
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O seu dorso é o prêmio que há de se seguir, comparado
retissimamente ao ouro, porque assim como o ouro transcende todos os
demais metais, assim também o prêmio celeste, quando comparado a
todos os demais bens, deixa-os muito longe atrás de si.
O bem aventurado São João Batista, cuja solenidade hoje
celebramos, dormiu entre os apriscos não apenas pela virtude como
também pelo tempo, pois viveu entre os profetas e os apóstolos não
apenas pela santidade de sua conversação, como também pela
distinção dos tempos. De fato, atesta-nos a Escritura,
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"a Lei e os Profetas
foram até João".
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Na medida em que a graça do alto dignar-se de no-lo conceder,
imitemos, portanto, a sua santidade, para que, pelos seus méritos e
preces, mereçamos alcançar as alegrias do alto.
E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso
Senhor, que é Deus, bendito pelos séculos.
Amén.
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