Capítulo 23

Terminada a defesa, e passado o caso à votação dos juízes, Sócrates foi condenado à morte por pequena margem, conforme já sabemos. Mesmo assim, ao receber a sentença, comportou-se com a dignidade que tinha sido a sua característica em vida.

Aos que o condenaram dirigiu estas palavras:

"Eu já imaginava que a decisão seria essa, não por pequena, mas por grande margem; no entanto, parece-me que com a transposição de apenas 30 votos, estaria absolvido.

Perdi-me, senhores, não por falta de discursos com que vos poderia convencer. Perdi-me por falta não de discursos, mas de atrevimento e descaramento, por me recusar a proferir o que mais gostais de ouvir: lamentos, gemidos, fazendo e dizendo uma multidão de coisas que considero indignas de mim, tais como costumais ouvir dos outros.

Ora, se em minha vida sempre achei que o perigo não justificava nenhuma indignidade, tampouco me pesa agora a maneira pela qual me defendi. Ao contrário, fico mais feliz em morrer após a defesa que fiz, do que ficaria em viver após fazê-la daquele outro modo.

Quer no tribunal, quer na guerra, não devo eu, não deve ninguém lançar mão de todo e qualquer recurso para escapar à morte. De fato, é evidente que nas batalhas muitas vezes pode escapar à morte quem ousar tudo fazer e dizer.

Não se tenha por difícil escapar à morte.

Muito mais difícil é escapar à maldade".

São Paulo, 15 de outubro de 1989.