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Já antes dissemos que tais homens só têm uma certa perícia em
discorrer, unida a uma feliz elocução, mas que são incapazes de
entrar no âmago das Escrituras e no mistério de seus sentidos
espirituais. A verdadeira ciência só a possuem os verdadeiros
adoradores de Deus, e não aquele povo ao qual se diz:
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"Porque rejeitaste a ciência,
eu também te rejeito,
para que não exerças as funções
do meu sacerdócio".
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Se está dito que em Cristo
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"estão escondidos
todos os tesouros da sabedoria",
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como se poderá crer que obteve a verdadeira ciência aquele que
despreza ir ao encontro de Cristo ou que, tendo-o encontrado, o
desonra por obras impuras?
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"O Espírito de Deus foge do fingido
e não habita num corpo
escravo do pecado".
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Não se pode, pois, chegar à ciência espiritual senão seguindo a
ordem que um dos profetas exprimiu de modo muito feliz:
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"Semeai para vós em vista da justiça,
colhei a esperança da vida,
acendei em vós a luz da ciência".
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O salmista também determina que essa ordem deve ser observada:
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"Bem aventurados os que são imaculados
em seus caminhos,
que andam na Lei do Senhor;
bem aventurados os que perscrutam
os seus tesouros".
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Ele não disse primeiro que são bem aventurados os que perscrutam os
testemunhos do Senhor, acrescentando depois que são bem aventurados
os que são imaculados em seu caminho. Aqueles a quem te referiste,
portanto, não podem possuir, dada a sua impureza, esta ciência.
Só possuem uma ciência pseudônima, isto é, falsa, que não
merece este nome. Desta é que nos fala o bem aventurado Apóstolo:
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"Ó Timóteo, guarda o depósito,
evitando as novidades profanas
em teus discursos
e as oposições de uma ciência
de falso nome".
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Quanto àqueles, pois, que parecem adquirir certa aparência de
ciência ou que, entregando-se com ardor a ler os volumes sagrados e a
decorá-los de memória sem porém, abandonar os vícios da carne, os
Provérbios têm esta expressão feliz:
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"Como anéis de ouro
no focinho de um porco,
assim é a beleza de uma mulher
de maus costumes".
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Esta verdadeira ciência espiritual está tão longe da erudição
secular manchada pela impureza dos vícios carnais que às vezes, como
sabemos, floresceu maravilhosamente até em homens desprovidos do dom
da palavra e iletrados. É o que se comprova, do modo mais claro, nos
Apóstolos e também nos santos varões. Deles é que está escrito
nos Atos dos Apóstolos:
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"Vendo a constância de Pedro e João,
e verificando que eram homens iletrados
e de baixa condição,
ficaram cheios de espanto".
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Se, pois, te preocupas em chegar a respirar o seu perfume
incorruptível, trabalha primeiro, de todas as tuas forças, para
obter do Senhor a pureza da castidade. Pois ninguém possui a
ciência espiritual enquanto se deixa dominar pelas paixões carnais, e
sobretudo pela fornicação.
Quando, portanto, chegares, através desta disciplina e nessa
ordem, à ciência espiritual, terás também tu, fora de qualquer
dúvida, uma doutrina que não será estéril nem vã, mas cheia de
vida e de frutos. Então poderás lançar nos corações dos teus
ouvintes a semente da palavra de salvação, que o orvalho abundante do
Espírito Santo virá em seguida fecundar. Segundo a promessa do
profeta,
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"A chuva será dada à tua semente,
onde quer que semeares a terra;
e o pão dos frutos da tua terra
será muito abundante e substancial".
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Guarda-te, portanto, quando a tua idade mais madura te puser em
condições de ensinar o que aprenderes mais por uma experiência
laboriosa do que pela leitura, de te deixares levar pelo amor da
vanglória, prodigalizando ao acaso o teu saber a almas impuras.
Cairias naquilo que o sapientíssimo Salomão condena, ao dizer:
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"Não conduzas o ímpio
às pastagens do justo,
nem te deixes seduzir
pela saciedade".
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Pois, com efeito,
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"Não há necessidade de sabedoria
onde falta o juízo".
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Evita, pois, com a maior cautela possível, deixar-te levar pelo
amor da vanglória, para não dissipar o dinheiro do seu Senhor, para
tirar um proveito temporal, em vez de aplicá-lo de maneira que o
Senhor, ao voltar, como está escrito,
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"recebesse com juros
o que lhe pertence".
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Consta serem duas as causas que tornam ineficaz a doutrina espiritual.
Ou aquele que ensina não experimentou o que diz, e nesse caso todos
os esforços que faz para instruir não passam de ruído vazio de
palavras; ou então é o ouvinte que é mau e cheio de vícios, e o
seu coração endurecido permanece fechado à santa e salutar doutrina
do homem espiritual. Algumas vezes, porém, a providência do nosso
Deus,
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"que quer salvar todos os homens
e conduzí-los ao conhecimento
da verdade",
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tem concedido, em sua pródiga liberalidade, que aquele que não se
mostrou digno da pregação evangélica por uma vida irrepreensível
obtenha, entretanto, a graça da ciência espiritual em vista da
salvação de muitos.
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