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"Saíu de meu coração a boa palavra;
ao rei eu digo as minhas obras.
Minha língua é como a pena do escriba
que escreve velozmente".
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Caríssimos, estas palavras que nos são propostas convém aos
profetas, aos apóstolos, a todos os doutores da Igreja e a todos
aqueles que, conduzidos pelo Espírito Santo, proferem a palavra de
Deus. Não duvidemos que elas também convenham verdadeiramente ao
bem aventurado Agostinho, cuja solenidade hoje celebramos. De seu
coração saíu efetivamente a boa palavra, ele que até a sua última
enfermidade ensinou na santa Igreja a palavra de Deus. Ao rei ele
disse as suas obras, porque não só a si, mas a Cristo atribuíu o
que santamente viveu. Sua língua foi como a pena do escriba que
escreve velozmente porque, ensinado e conduzido pelo Espírito
Santo, belissimamente ministrou a palavra de Deus. De onde que,
nesta sua solenidade, dele cantamos que, pleno do espírito dos
profetas e dos apóstolos, tornou para nós manifesto aquilo que os
místicos haviam predito, fazendo refulgir depois deles de um modo
singular a graça segunda de dispensar a palavra de Deus.
A tinta deste escriba é a graça, seu tinteiro é Cristo e o seu
pergaminho a alma dos ouvintes. Enchendo a pena neste tinteiro, o
escriba escreve com ela o que deseja no pergaminho; assim também a
graça do Espírito Santo, de que Cristo está repleto, instrui os
nossos corações ao preencher a língua dos doutores. E é isto o que
parece significar aquilo que Cristo disse no Evangelho aos seus
discípulos:
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"Quando vier o Espírito da Verdade,
Ele vos ensinará toda a verdade;
não falará de si mesmo,
mas dirá tudo o que tiver ouvido,
e anunciar-vos-á as coisas futuras.
Ele me glorificará,
porque receberá do que é meu,
e vo-lo anunciará".
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O Espírito Santo, de fato, assim como não procede de si mesmo,
assim também não fala de si mesmo, mas do Pai e do Filho, dos
quais procede. E, ao falar, divide entre nós a graça que há em
Cristo, de acordo com a sua vontade. Pois
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"da plenitude de Cristo,
em que estão escondidos todos os tesouros
da sabedoria e da ciência,
todos nós recebemos,
e graça sobre graça".
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Os nossos corações, figurados pelo pergaminho, nos quais esta
escritura espiritual é espiritualmente redigida, são fabricados, ao
modo do pergaminho material, pelo amargor do arrependimento, são
estendidos pelo rigor da abstinência, rapados pela remoção de toda a
carnalidade e adquirem a forma quadrada pela firme estabilidade. Assim
como, de fato, tudo o que é redondo é volúvel, todo quadrado é
firme e estável. Os pontos significam o número, o chumbo significa
o peso e a régua a medida. Pois
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"tudo Deus fêz
em número, peso e medida".
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Este número, peso e medida, ainda que por nós não possam ser
compreendidos, para Deus, porém, não são incompreensíveis. Com
este número, peso e medida que atribuímos ao pergaminho espiritual,
parece concordar aquela passagem do Evangelho onde se lê:
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"Certo homem,
ausentando-se para longe,
chamou os seus servos,
e lhes entregou os seus bens.
E deu a um cinco talentos,
a outro dois, e a outro um,
a cada um segundo a sua capacidade".
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E também:
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"Aquele a quem mais foi dado,
mais lhe será exigido".
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E, do mesmo modo, também o Apóstolo:
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"A cada um de nós foi dada a graça
segundo a medida da doação de Cristo".
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A escritura, porém, que é redigida em nossos corações, é a
verdade. Desta escritura o Senhor nos fala pelo Profeta:
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"Eis o Testamento que Eu farei
com a casa de Israel
depois daqueles dias,
diz o Senhor:
imprimirei a minha lei nos seus corações,
e as escreverei nas suas mentes".
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Finalmente, a mesa que é posta debaixo deste pergaminho espiritual
para que nele se possa escrever a verdade são os subsídios terrenos.
De onde que no Cântico dos Cânticos a esposa diz:
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"A sua mão esquerda está
debaixo de minha cabeça,
e a sua direita me abraça",
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querendo significar pela mão esquerda os bens corporais e pela direita
os espirituais. De fato, as coisas terrenas servem de apoio a este
corpo para que o espírito possa mais facilmente receber e cumprir o que
é divino.
Examinemos, amados irmãos, se nossos corações são capazes da
verdade, para que neles se escreva a verdade. Examinemos se foram
fabricados pela amargura da compunção, se foram tensionados pelo
rigor da abstinência, rapados pela remoção de toda a carnalidade,
se adquiriram o formato quadrangular pela firme estabilidade. Porque
somente de Deus parecem ser os pontos, o chumbo e a régua, isto é,
o número, o peso e a medida.
Vejamos também se as palavras sagradas, a nós ministradas pelo
escriba que é o Espírito Santo com a tinta da graça e pela pena que
foi a língua de Santo Agostinho, são recebidas em nossos
corações. Diz, de fato, Santo Agostinho em nossa regra, ou
melhor, o Espírito Santo, em sua língua repleta de graça:
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"Antes de tudo o mais,
seja Deus amado;
em seguida, o próximo",
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e nas palavras que a estas se seguem, preceituam-se ainda muitas
outras coisas sobre a continência, a obediência e a vida comum que
há de um modo especial em nossa profissão. Vejamos se as palavras
deste bem aventurado homem tomaram força em nós; se assim o
constatarmos, não tenhamos dúvida de que o Espírito Santo operou
em nós pela sua língua. E não apenas o que está contido em sua
regra, mas também tudo o mais que ele escreveu, expondo, tratando e
exortando sobre a Sagrada Escritura, retenhamo-lo verdadeiramente,
crendo, amando e operando, para que possamos alcançar o prêmio
supremo.
E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso
Senhor, que é Deus bendito pelos séculos.
Amén.
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