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Diz o Apóstolo:
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"Ao que não opera, mas crê
naquele que justifica o ímpio,
a sua fé lhe é reputada como justiça,
segundo o propósito da graça de Deus".
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Aqui costuma-se perguntar sobre a graça e o mérito. Tudo parece
proceder da graça, e que o mérito nada confere; ou, se algo procede
do mérito, então nem tudo procede da graça. Ora, que tudo
provenha da graça é algo atestado pelas Escrituras. Por isto é que
diz o Apóstolo:
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"O que tens tu,
que não recebeste?"
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"Pela graça sou o que sou".
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E também:
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"Todos nós participamos de sua plenitude,
e graça sobre graça".
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O que, portanto, deve-se dizer? Dizer que o mérito não é nada
é o erro dos Maniqueus, assim como afirmar tudo provir do livre
arbítrio é o erro dos Pelagianos.
SOLUÇÃO.
Dizer que tudo procede da graça não exclui o mérito, pois o mérito
provém da graça. Por isso deve-se ver o que a graça de Deus opera
em nós sem nós e o que opera em nós mas não sem nós.
A graça preveniente, que também é dita graça operante, sana o
livre arbítrio, libertando-o do jugo do pecado, e isto ela opera em
nós sem nós. A partir daí a vontade, já sanada, não é ociosa,
nem recebe a graça de Deus em vão; o que ela opera não o opera por
si, mas com a graça, ou melhor, a graça de Deus coopera com o
livre arbítrio; por isso é que é dita graça cooperante e a própria
obra ou mérito é dita ser procedente da graça e da vontade. De
fato, não operam separada mas simultaneamente. De onde que, ainda
que tudo proceda da graça, não se segue que nada proceda do mérito
ou do livre arbítrio. Pode-se fazer a seguinte comparação: se
alguém, encontrando uma criança caída num lamaçal e incapaz de
erguer-se, a levantasse e então a segurasse pela mão para que
caminhasse, o caminhar proviria de ambos, mas o ato de levantar-se
teria provindo apenas de quem a encontrou e não da criança. Assim
procede apenas da graça preveniente que queiramos o bem, e procede da
graça subseqüente, não dela apenas, mas também do livre
arbítrio, sanado e libertado pela graça, que operemos o bem.
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