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Isaías é o principal, o mais extenso e o mais profundo dos profetas
do Antigo Testamento. Em seu livro ele se refere diversas vezes a
uma série de eventos que tomariam lugar, após a vinda do Messias,
no Monte Sião e em Jerusalém, a cidade sagrada edificada sobre
este monte.
Em uma destas profecias, Isaías afirma o seguinte:
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"Naquele dia soará uma grande trombeta,
e virão os que tinham ficado perdidos
na terra dos Assírios
e os que se achavam desterrados
na terra do Egito,
e adorarão o Senhor
no monte santo de Jerusalém".
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A grande trombeta, conforme veremos mais adiante, significa a
pregação do Messias, e o monte santo de Jerusalém, segundo uma
interpretação implícita do próprio Cristo, é aquilo que na
tradição cristã ficou conhecido sob o nome de contemplação. De
fato, o Evangelho de São João nos conta o episódio de uma
Samaritana que, ao recolher água de um poço, iniciou uma conversa
com Jesus que estava ali sentado e o reconheceu como sendo um profeta.
Em um determinado momento desta conversa, diz então a Samaritana a
Jesus:
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"Senhor, vejo que és profeta.
Responde à minha pergunta:
os samaritanos adoram sobre este monte,
mas os judeus dizem que é em Jerusalém
o lugar onde se deve adorar a Deus.
Quem está certo?"
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Respondeu-lhe Jesus:
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"Mulher,
crê-me que é chegada a hora
em que não adorareis o Pai nem neste monte,
nem em Jerusalém.
A salvação vem dos judeus,
mas vem a hora, e já chegou,
em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e verdade,
porque é destes adoradores que o Pai deseja".
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Disse-lhe a mulher:
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"Eu sei que deve vir o Messias
que se chama Cristo.
Quando, pois, ele vier,
nos anunciará todas as coisas".
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Respondeu-lhe ainda Jesus:
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"Sou eu, que falo contigo".
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Nesta passagem percebe-se claramente que o santo monte de Jerusalém
sobre o qual Isaías profetizou que os povos adorariam o Senhor quando
viesse o Messias é interpretado pelo próprio Messias não como sendo
a cidade de Jerusalém, mas a adoração a Deus em espírito e
verdade. Esta expressão é uma forma de se designar aquilo que tem
sido chamado na tradição cristã também de contemplação. Por
espírito entende-se a atuação dos dons do Espírito Santo, que é
causa da contemplação nas almas que, pela fé em Cristo, vivem em
estado de graça e se purificaram através da vida das virtudes; pela
verdade entende-se o próprio objeto da contemplação.
Nos escritos dos santos padres interpreta-se efetivamente muitas vezes
o monte Sião ou a Jerusalém de que fala Isaías como sendo a
contemplação; aparentemente com mais freqüência, porém,
encontra-se também a interpretação segundo a qual esta mesma
expressão como se referiria à Igreja. Ambas estas interpretações
não conflitam uma com a outra, pois o que produz a contemplação é o
Espírito Santo mediante a ação de seus dons e a Igreja, por sua
vez, nasceu no dia de Pentecostes pelo derramamento do Espírito
Santo que une, em um organismo sobrenatural, Cristo aos fiéis e
estes entre si como num corpo a cabeça está unida aos seus demais
membros, formando o que se denomina de Corpo Místico de Cristo, do
qual se diz que o Espírito Santo é a sua alma. Tanto a
contemplação como a Igreja são, portanto, realidades causadas pelo
mesmo Espírito Santo, e a profecia que anuncia o surgimento de uma
delas implica no anuncio do surgimento da outra.
Ademais, se atentarmos para as palavras de São Pedro, a própria
Igreja parece ordenar-se à contemplação como a um fim:
diz S. Pedro na sua Primeira Epístola,
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"aproximai-vos de Cristo, pedra viva,
eleita e estimada por Deus, também vós,
como pedras vivas.
Vinde formar um templo espiritual para
um sacerdócio santo, afim de oferecer
sacrifícios espirituais, agradáveis a
Deus por Jesus Cristo.
Sois uma estirpe eleita, sacerdócio
real, gente santa, povo trazido à
salvação, para tornardes conhecidos os
prodígios dAquele que vos chamou das
trevas para a luz admirável".
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Os próprios santos padres com bastante freqüencia mostram também
terem compreendido, e inclusive com maior amplitude de vistas, a
simultaneidade destas múltiplas interpretações possíveis que, na
realidade, considerados os seus fundamentos, são como que uma só
interpretação. Assim, por exemplo, o Sermão nº 39 de Hugo de
S. Vitor é dedicado ao comentário daquela passagem de Isaías 52
onde se diz:
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"Levanta-te, ó Sião,
reveste-te de tua fortaleza;
reveste-te com os vestidos de tua glória,
Jerusalém, cidade do Santo".
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Ora, as primeiras palavras com que se inicia este sermão, logo após
ser feita a citação a Isaías, são estas:
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"Historicamente,
Jerusalém é uma cidade terrena;
alegoricamente, é a Santa Igreja;
moralmente, trata-se da vida espiritual;
anagogicamente,significa a pátria celeste.
Deixando por ora de lado três
destes sentidos possíveis,
vamos considerar apenas
o que ela significa do ponto de vista moral,
para que, pela sua descrição,
possamos edificar-nos no bem".
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