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A fortaleza é acerca das paixões do temor e da audácia que estão no
irascível; já a temperança é acerca das deleitações e tristezas
que estão no concupiscível. As deleitações acerca das quais é a
temperança são as deleitações da comida e das coisas venéreas, que
se realizam através do tato e são comuns a nós e aos animais
(84).
O sentido do tato, acerca do qual é a temperança, é comuníssimo
entre todos os sentidos, porque este sentido é comum a todos os
animais. Por isso a intemperança é justamente reprovável, porque
não está no homem quanto àquilo que é próprio do homem, mas quanto
àquilo que ele tem em comum com os demais animais; deleitar-se em
tais coisas amando-as como aos bens máximos é completamente bestial.
Por esta razão o vício da intemperança tem máxima torpeza, mais do
que os vícios contra a fortaleza, porque por ele o homem se assemelha
aos animais (85).
Ademais, o forte e o temperante não se acham do mesmo modo para com
as tristezas; de fato, o forte padece grandes tristezas, mas é
louvado por bem sustentá-las, enquanto que o temperante não é
louvado por sustentar tristezas provenientes da ausência da
deleitação, antes, ao contrário, é louvado por não
entristecer-se ao manter-se na abstenção das deleitações das quais
não tem muita concupiscência (86).
O vício segundo o qual alguém é deficiente acerca das deleitações
é chamado de insensibilidade, o qual não convém à natureza humana.
Se há alguém para o qual nada é deleitável, este alguém está
longe da natureza humana (87). Mas o temperante não se deleita
nas coisas torpes nas quais o intemperante maximamente se deleita; ao
contrário, nestas mais se entristece. O temperante de modo geral
não se deleita no que não convém, nem se deleita mais veementemente
do que convém (88). Quanto às tristezas, o homem temperante
não se entristece superfluamente na ausência do que é deleitável,
nem tampouco tem concupiscência dos deleitáveis ausentes, porque não
muito se ocupa com eles, ou tem para com eles uma concupiscência com a
medida devida, não os desejando mais do que convém, nem quando não
convém, nem segundo alguma outra circunstância que exceda a medida da
razão (89).
A intemperança é mais reprovável do que a timidez, porque mais se
assemelha ao voluntário do que o temor. De fato, cada um se deleita
naquilo em que age voluntariamente, enquanto que foge daquilo que lhe
ocorre involuntariamente. Ora, o intemperante age justamente por
causa da deleitação, enquanto que o tímido recusa agir por causa da
tristeza da qual foge. Portanto, a intemperança é movida por algo
que em si tem natureza de voluntário, enquanto que a timidez é movida
por aquilo que em si tem natureza de involuntário. Por isso a
intemperança é mais reprovável do que a timidez, porque tem mais de
voluntário (90).
A intemperança é também mais reprovável do que a timidez porque os
vícios são tanto mais reprováveis quanto mais facilmente podem ser
evitados. Ora, qualquer vício pode ser evitado pelo costume
contrário; quanto a isto, é mais fácil acostumar-se a operar nas
coisas que dizem respeito à temperança do que nas coisas que dizem
respeito à fortaleza, porque as coisas deleitáveis da comida e da
bebida e outras tais ocorrem muitas vezes na vida humana, não faltando
ao homem ocasião de acostumar-se a bem operar acerca de tais coisas;
ademais, acostumar-se a operar bem acerca destas coisas não apresenta
perigo algum. Conclui-se assim por esta outra razão que o vício da
intemperança é mais reprovável que o vício da timidez (91).
Referências
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(84) In libros Ethicorum Expositio, L. III, l. 19,
595-597; L. III, l. 20, 613-614.
(85) Idem, L. III, l. 20, 616. (86) Idem, L.
III, l. 21, 626. (87) Idem, L. III, l. 21,
630-631. (88) Idem, L. III, l. 21, 632.
(89) Idem, loc. cit.. (90) Idem, L. III, l. 22,
636; l. 22, 638. (91) Idem, L. III, l. 22,
637-638.
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