CAPÍTULO IV

No principio de seu governo, medindo a seus súditos pelo seu próprio espírito e fervor, foi mais severo e rigoroso do que convinha; porque primeiramente, quando recebia algum noviço, entre outras coisas, avisava-o que deixasse o corpo fora do convento e que somente entrasse com o espírito.

Quando confessava a seus monges, qualquer que fosse a falta, por leve que fosse, parecia-lhe grave, e pedia a todos tão grande perfeição, que a muitos tirava a esperança de alcançá-la e até a vontade de procurá-la. Daqui nascia uma certa tristeza nos corações dos súditos, que lhes tirava o ânimo, a devoção e aquele fervor que costuma ser grande espora para aproveitar e correr na virtude. Mas era tão grande a opinião que todos tinham sobre a santidade do seu bom padre, que punham toda a culpa em sua fraqueza ou em sua pouca capacidade, sem queixarem-se dele nem contradizendo-o nas coisas que mandava. E esta humildade dos súditos, pela vontade de Deus, abriu os olhos ao superior; porque, vendo São Bernardo a humildade e modéstia de seus religiosos, começou a jogar sobre si a culpa, e determinou-se a não carregá-los, nem afligi-los, nem dizer-lhes nada, senão cuidar de a si até que Deus lhe revelasse outra coisa. Estando a considerar estas coisas, certa noite apareceu-lhe um menino vestido de uma luz celestial e mandou-lhe expressamente que não deixasse de dizer a seus filhos tudo o que sentia, porque não seria ele que falaria, mas o Espirito Santo que falaria nele. E, juntamente com este preceito, infundiu-lhe o Senhor uma nova graça e um singular dom de suavidade e doçura, com a qual aprendeu e compadecer-se dos fracos e a ajustar-se e acomodar-se à capacidade dos rudes e e tirar de cada um o que, salva a disciplina religiosa, bondosamente pudesse. E assim veio a mudar-se de tal maneira que pareceu outro homem, e começou com extraordinária ternura e solicitude a prever e prevenir as necessidades não apenas da alma, como também do corpo de todos os seus súditos. E porque alguns chegassem a ver que debaixo de seus hábitos velhos e remendados trazia um áspero cilício, o deixou, com medo de que outros, com graves enfermidades, o quisessem imitar e seguir aquele rigor vendo que ele, estando enfermo e fraco, não o deixava, tanto foi o cuidado que depois que o Senhor o ensinou teve o santo padre com a saúde de seus filhos. Com esta brandura do santo abade cresceu mais o fervor de seus filhos, com uma santa contenda; quanto mais o padre era amoroso com eles, tanto eles eram mais rigorosos para consigo mesmos, mais obedientes aos seus preceitos e com mais cuidado e ânsia aspiravam à perfeição e à observância de sua regra. Rezavam o ofício divino com suma atenção e devoção, alegravam- se muito com a santa pobreza, a qual era extrema; trabalhavam e ocupavam-se nas suas devidas horas em trabalhos manuais com grande alegria; guardavam naquele mosteiro um recolhimento e um silêncio tão raro que simultaneamente podia ver-se uma multidão de gente e um silêncio de eremitério e solidão. Esmeravam-se em todas as virtudes e cada um procurava ir adiante de todos e não ficar para trás, vendo que o seu santo pastor e prelado era possuído de tão grande fervor que só o vê-lo os compunha, inflamava e arrebatava ao céu. Observava, entre outros, um aviso muito importante para os que governam religiosos: que suas repreensões fossem modestas e suaves, e se o que era repreendido não o aceitasse com brandura e humildade, irritando- se e levantando a voz, o santo dissimulava e guardava o castigo para outro tempo. Pois dizia que, quando o que repreende e que o que é repreendido estão ambos irritados, mais parece esgrima ou contenda do que correção.