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Existe, nesta outra passagem em que acabamos de citar, uma nova discrepância entre o
ensino proposto por Quintiliano e o praticado entre os filósofos, embora Quintiliano
julgue, por um mal entendido, que ele esteja ensinando aquilo que os filósofos
designavam por sabedoria.
De fato, recolhendo as várias expressões de Quintiliano, ele diz que
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"o sábio por excelência
deve ser um todo plenamente acabado,
não só iniciado nas ciências divinas
e humanas,
mas em várias outras,
até mesmo fúteis,
consideradas em si mesmo;
deve percorrer todo aquele círculo
de conhecimentos
que os gregos denominam
de enciclopédia,
e ser infalível até
nas mínimas coisas".
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Quintiliano deseja, pois, que seus alunos sejam, o tanto quanto possível, uma
enciclopédia, porque isto é bom para o perfeito orador. Esta foi outra lição bem
assimilada pelos humanistas da Renascença, porém deve-se dizer que, embora possa
parecer paradoxal para os homens de hoje, um conhecimento enciclopédico nada tem a
ver com a sabedoria.
Jamais houve um só entre os filósofos que quisesse fazer de um discípulo uma
enciclopédia. Os conhecimentos sobre os quais os filósofos se debruçam são, na
verdade, muito amplos, mas não são, de modo algum, uma enciclopédia.
O valor dos conhecimentos que os filósofos possuíam não estava na sua quantidade,
mas no fato de que eles haviam encontrado um sentido que coordenava entre si todos
os conhecimentos possíveis. Um conhecimento meramente enciclopédico sem a
compreensão deste sentido maior faria mais mal do que bem, não só aos filósofos
como a qualquer um; seria, entretanto, mesmo assim, um excelente subsídio para o
orador e, como tal, foi aceito na Renascença como coisa excelente. Muitos dos que
passavam por sábios na Renascença eram verdadeiras enciclopédias; não passavam,
porém, de excelentes oradores.
É importante notar isto porque hoje em dia, no final do século XX e às portas do XXI,
é ainda assim que se apresenta o conhecimento para o homem contemporâneo e, no
geral, esta forma de conhecimento lhe faz mais mal do que bem. Para algumas pessoas,
inclusive, um excesso de conhecimento desta natureza pode inclusive causar danos
irremediáveis.
Já vimos como no Livro X das Instituições Oratórias Quintiliano aconselha não
apenas um estudo enciclopédico de todos os assuntos como subsídio à Oratória, mas
um amplo conhecimento dos principais clássicos da poesia, da literatura, da história e
da filosofia das civilizações grega e romana (cf. nº 86). É isto, ou algo semelhante
atualizado para nossa época, o ideal do homem culto ainda hoje. Mas, para um sábio,
isto não passaria de uma monumental desordem intelectual, às vezes tão grande que se
torna definitivamente impossível de se arrumar.
A verdadeira cultura não é uma massa descomunal de informações, mas um amplo
conhecimento que revela o sentido com que se ordenam as coisas dentro do universo e
o homem dentro dele.
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