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RESPONDO À PRIMEIRA QUESTÃO dizendo que a vida
sobre a qual estamos agora falando consiste naquela operação para a
qual o homem é principalmente destinado, para alcançar a qual ele
remove todos os impedimentos e busca e persegue todas as coisas que
favorecerão o seu adiantamento. Esta faculdade deve ser a vontade,
cuja função é aceitar um curso de ação humano em vez de outro,
qualquer que seja esta ação. Ora, como a vontade é o motor das
demais faculdades da alma, deve possuir uma relação para com o objeto
e para com os atos das demais faculdades somente na medida em que eles
possuem uma bondade por si mesmos, pois cada ato próprio de uma
faculdade é o seu bem. Deste modo, a vida contemplativa consiste em
um ato do entendimento precedido de algum modo pelo desejo.
Como, porém, uma operação é, de algum modo, um intermediário
entre a pessoa que age e o objeto, como perfeição do cognoscente e
ela mesma aperfeiçoada pelo objeto que a especifica, assim a
contemplação pode ser desejada de dois modos.
De um primeiro modo, é desejada como perfeição do cognoscente,
procedendo deste modo do amor de si mesmo, como foi o caso da vida
contemplativa dos filósofos. De um segundo modo, é desejada por ser
atraída pelo objeto e tal desejo da contemplação se origina no amor
do objeto, porque para onde se dirigem os afetos, para lá se voltam
os olhos, conforme diz a Escritura:
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"Onde estiver o teu tesouro,
ali também estará o teu coração".
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Deste modo, a vida contemplativa dos santos, sobre a qual estamos
considerando, faz uso da vontade.
No entanto, apesar disto, a contemplação consiste essencialmente em
um ato do entendimento; pressupõe a caridade, porém, pelo motivo
explicado. É assim que encontramos São Gregório dizendo que
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"a vida contemplativa preserva o amor de Deus
e o amor do próximo com toda a nossa força,
e repousa da atividade exterior de tal modo que agora,
não mais agradando-lhe a atividade exterior,
e tendo desprezado os cuidados terrenos,
a alma é consumida pelo desejo
de ver a face de seu Criador".
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Como resposta à primeira objeção, respondemos que o propósito da
contemplação, estritamente considerado, é apenas a verdade. Mas
na medida em que a contemplação é considerada como um modo de vida,
torna-se algo desejável e um certo bem, conforme foi dito acima.
Respondemos à segunda objeção dizendo que a vontade não é somente
uma força motiva para os movimentos exteriores que são repugnantes ao
estado de lazer, mas também é uma força motiva para os movimentos
internos, até para o próprio movimento da inteligência.
Aristóteles afirma, no terceiro do De Anima, que
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"estes são movimentos
equivocamente falando,
porque são atos perfeitos e,
portanto,
assemelham-se mais a algo em repouso
do que a algo em movimento".
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Por conseguinte, aquele que se entrega à busca intelectual é dito
desistir da ação externa, conforme é claro pela autoridade
mencionada.
Como resposta à terceira objeção dizemos que embora os hábitos da
vida contemplativa sejam intelectuais, suas ações podem ser
preceituadas ou aprovadas pela vontade. Deste modo a contemplação
consiste também nelas.
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