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O norte da Itália, a parte mais rica e importante da região, conforme dissemos, era
formado de cidades estado independentes. É importante entender sua organização
porque foi justamente ali e nesta época que começou o Renascimento.
Em todas estas cidades estado do norte da Itália o governante, rei, príncipe, duque ou
outro dos muitos títulos com que eram designados, detinha o poder absoluto. Era um
regime absolutista, mas ao mesmo tempo era um tipo de regime absolutista bastante
diverso das monarquias absolutistas que estavam se formando na França, na Espanha e
na Inglaterra.
A diferença estava em que na Espanha, na França e na Inglaterra o rei era absolutista
mas era um rei legítimo. Todos sabiam quem era o rei e qual era o título legal que lhe
dava o direito de ser rei. Não era aquele que o quisesse que poderia ser rei quando
bem lhe aprouvesse. Quando o rei falecia, o seu reino era entregue ao seu sucessor de
direito.
Já no norte da Itália o poder era absoluto mas quem governava geralmente não era um
governante legítimo. Os governantes ali não detinham o poder por algum título que os
legitimasse, nem sequer geralmente se davam ao trabalho de tentar forjar um título
falso para ostentarem uma aparente legitimidade.
Os que governavam no norte da Itália conseguiam o poder não porque o tivessem
herdado ou porque tivessem sido eleitos, mas porque eles ou os seus antecessores
próximos tinham por meio de algum golpe derrubado ou assassinado o governante
anterior. Eles eram senhores absolutos não porque havia algum direito que de alguma
forma poderia ser invocado para que lhes fosse atribuído este poder, mas porque pela
força haviam derrubado ou assassinado a quem antes deles estava no poder.
Se, a partir daí, o novo governante conseguisse sobreviver até a sua morte natural, isto
não significava necessariamente que o seu herdeiro tomaria o poder. Se o herdeiro
tivesse força política e militar suficiente para se manter no poder, continuaria
governando. Caso contrário, outro mais forte governaria no seu lugar.
As pessoas tinham consciência de que nenhum daqueles governantes era legítimo, e
que eles somente se mantinham no poder porque conseguiam matar quem lhes fazia
oposição, e geralmente isto era tão evidente que não se tentava fazer crer que fosse
diferente.
A ilegitimidade era tão flagrante que, embora todos os governantes do norte da Itália
fossem súditos do Sacro Império Romano Germânico, de fato nenhum deles se
comportava como tal, mas também nunca nenhum deles teve a coragem de romper
nominalmente com o Imperador e se declarar governante de uma República ou
Principado independente. Tratava-se simplesmente do poder do mais forte.
J. A. Symonds, um historiador do século passado, escreveu o seguinte deste período da
história:
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"Somente gladiadores
de comprovada capacidade
e nervos de aço,
superiores a todos os escrúpulos
morais e religiosos,
indiferentes ao amor da pátria,
mestres na perfídia,
científicos no uso da crueldade
e do terror,
empregando ao máximo
todas as potencialidades
da inteligência, da vontade e do corpo,
colocadas ao serviço
de um egoísmo transcendental,
somente virtuosos da arte política
tal como teorizada por Maquiavel,
poderiam sobreviver
em uma arena tão perigosa".
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Maquiavel, aqui citado por Symonds, foi conselheiro político na cidade de Florença
durante este período. Profundo conhecedor, em primeira mão, dos meandros políticos
de seu tempo, autor de tratados sobre o assunto que geraram controvérsias sem fim na
história subseqüente, ele próprio não tentou disfarçar ou se enganar a respeito da
situação do momento em que vivia. Em um de seus livros deixou escrito, sem
necessidade de levantar maiores polêmicas, que
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"nós, os italianos,
somos o mais corrupto
de todos os povos".
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