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A narrativa de fatos como estes tem parecido chocante a não poucas pessoas.
Como é possível, perguntam elas, que uma instituição como a Igreja tenha se envolvido
tão profundamente com o espírito da Renascença a ponto de se verificarem tais
abusos? Onde está a presença de Cristo que prometeu nela permanecer até o fim dos
tempos? Como é evidente o quanto ela afundou quando se ouve a narrativa de como
Paulo IV teve que agir para corrigir o estado em que se encontrava!
Tais fatos são uma verdade histórica. A Igreja, realmente, durante aproximadamente
duzentos anos, conforme vimos, sofreu as primeiras influências do Renascimento assim
como a sociedade dos homens em geral. Tentou em seguida tomar o controle do
movimento, para sucumbir logo em seguida ante o peso do mesmo. Mas, duzentos anos
mais tarde, ela conseguiu finalmente romper em definitivo com os laços que a
prendiam. Ademais, pode-se observar que, durante todo o processo, muitas das
pessoas mais envolvidas no mesmo conservavam nitidamente como ponto de
referência a visão de como deveria ser a Igreja tal como Cristo a queria. Não apenas
Paulo IV o sabia. Sabiam-no Leão X, Sixto IV e até mesmo Alexandre VI, e
muitíssimos outros o sabiam, e o sabiam claramente. Dentro da Igreja tombada, em seu
interior, permanecia viva a Igreja pura. No fim, após dois séculos, foi esta que acabou
prevalecendo. Na verdade, ela esteve ali o tempo todo.
O que é verdadeiramente chocante é que este processo que ocorreu na Igreja ocorreu
também com o restante da sociedade humana, mas no caso da sociedade humana em
geral nada se fêz para tentar controlá-lo. Ao contrário, o que houve foi uma capitulação
imediata, acompanhada de uma destruição progressiva das referências necessárias
para uma possível recuperação. Ao contrário da Igreja, a sociedade em geral sucumbiu
sem luta.
Enquanto a Igreja finalmente triunfava, o resto da sociedade dava prosseguimento ao
processo iniciado pela Renascença desenvolvendo, ao longo dos cinco séculos
seguintes, tudo o que o Renascimento continha em germens, tudo isto sem protestos e
freqüentemente sob aplausos, até que tudo passou a ser considerado normal, tão normal
que parece o que há de mais inverossímil dizer-se que a sociedade em geral está
mergulhada em um processo semelhante àquele que envolveu a Igreja entre 1350 e
1550, só que de proporções gigantescamente maiores e acompanhada, ademais, de uma
perda geral de referências, de tal modo que nada de sério parece estar acontecendo.
Nas próximas partes desta Introdução Histórica abordaremos muito do que diz respeito
a este problema e veremos, mais adiante, como foi por causa dele que foi convocado o
Concílio Vaticano II.
Na verdade, trata-se do mais complexo de todos os problemas até hoje enfrentados por
um Concílio Ecumênico.
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