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No principio de seu governo, medindo a seus súditos pelo seu próprio
espírito e fervor, foi mais severo e rigoroso do que convinha; porque
primeiramente, quando recebia algum noviço, entre outras coisas,
avisava-o que deixasse o corpo fora do convento e que somente entrasse
com o espírito.
Quando confessava a seus monges, qualquer que fosse a falta, por leve
que fosse, parecia-lhe grave, e pedia a todos tão grande
perfeição, que a muitos tirava a esperança de alcançá-la e até a
vontade de procurá-la. Daqui nascia uma certa tristeza nos
corações dos súditos, que lhes tirava o ânimo, a devoção e
aquele fervor que costuma ser grande espora para aproveitar e correr na
virtude. Mas era tão grande a opinião que todos tinham sobre a
santidade do seu bom padre, que punham toda a culpa em sua fraqueza ou
em sua pouca capacidade, sem queixarem-se dele nem contradizendo-o
nas coisas que mandava. E esta humildade dos súditos, pela vontade
de Deus, abriu os olhos ao superior; porque, vendo São Bernardo a
humildade e modéstia de seus religiosos, começou a jogar sobre si a
culpa, e determinou-se a não carregá-los, nem afligi-los, nem
dizer-lhes nada, senão cuidar de a si até que Deus lhe revelasse
outra coisa. Estando a considerar estas coisas, certa noite
apareceu-lhe um menino vestido de uma luz celestial e mandou-lhe
expressamente que não deixasse de dizer a seus filhos tudo o que
sentia, porque não seria ele que falaria, mas o Espirito Santo que
falaria nele. E, juntamente com este preceito, infundiu-lhe o
Senhor uma nova graça e um singular dom de suavidade e doçura, com a
qual aprendeu e compadecer-se dos fracos e a ajustar-se e acomodar-se
à capacidade dos rudes e e tirar de cada um o que, salva a disciplina
religiosa, bondosamente pudesse. E assim veio a mudar-se de tal
maneira que pareceu outro homem, e começou com extraordinária ternura
e solicitude a prever e prevenir as necessidades não apenas da alma,
como também do corpo de todos os seus súditos. E porque alguns
chegassem a ver que debaixo de seus hábitos velhos e remendados trazia
um áspero cilício, o deixou, com medo de que outros, com graves
enfermidades, o quisessem imitar e seguir aquele rigor vendo que ele,
estando enfermo e fraco, não o deixava, tanto foi o cuidado que
depois que o Senhor o ensinou teve o santo padre com a saúde de seus
filhos. Com esta brandura do santo abade cresceu mais o fervor de seus
filhos, com uma santa contenda; quanto mais o padre era amoroso com
eles, tanto eles eram mais rigorosos para consigo mesmos, mais
obedientes aos seus preceitos e com mais cuidado e ânsia aspiravam à
perfeição e à observância de sua regra. Rezavam o ofício divino
com suma atenção e devoção, alegravam- se muito com a santa
pobreza, a qual era extrema; trabalhavam e ocupavam-se nas suas
devidas horas em trabalhos manuais com grande alegria; guardavam
naquele mosteiro um recolhimento e um silêncio tão raro que
simultaneamente podia ver-se uma multidão de gente e um silêncio de
eremitério e solidão. Esmeravam-se em todas as virtudes e cada um
procurava ir adiante de todos e não ficar para trás, vendo que o seu
santo pastor e prelado era possuído de tão grande fervor que só o
vê-lo os compunha, inflamava e arrebatava ao céu. Observava,
entre outros, um aviso muito importante para os que governam
religiosos: que suas repreensões fossem modestas e suaves, e se o que
era repreendido não o aceitasse com brandura e humildade, irritando-
se e levantando a voz, o santo dissimulava e guardava o castigo para
outro tempo. Pois dizia que, quando o que repreende e que o que é
repreendido estão ambos irritados, mais parece esgrima ou contenda do
que correção.
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