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Respondo dizendo que as coisas que inteligimos de Deus, por causa da
imbecilidade ou enfermidade do nosso intelecto, não as podemos
conhecer senão a partir das coisas que existem junto a nós. E por
isto, para que saibamos como a Providência é dita em Deus,
deve-se examinar como a Providência existe em nós.
1. Deve-se saber, portanto, que Túlio, no segundo livro da
Velha Retórica, colocou a providência como parte da prudência, a
qual é parte da prudência como que completiva. De fato, as outras
duas partes, a saber, a memória e a inteligência, não são senão
certas preparações ao ato da prudência.
A prudência, porém, segundo o Filósofo no VI da Ética, é a
reta razão dos agíveis. E diferem os agíveis dos factíveis,
porque factíveis são ditas aquelas coisas que procedem do agente em
direção à matéria externa, assim como uma cadeira e uma casa, e a
reta razão destas coisas é a arte. Mas agíveis são ditos as
ações que não progridem para fora do agente, sendo atos
aperfeiçoantes do mesmo, assim como viver castamente, comportar-se
pacientemente e outros tais, e destas a reta razão é a prudência.
Mas nestes agíveis duas coisas devem ser consideradas, a saber, o
fim e aquilo que é meio para o fim. A prudência dirige naquelas
coisas que são meios para o fim; de fato, alguém é dito prudente na
medida em que é bom conselheiro, conforme é dito no VI da Ética.
Ora, o conselho não é do fim, mas das coisas que são meios para o
fim, conforme está dito no III da Ética.
Porém o fim dos agíveis pre-existe em nós de dois modos. De um
primeiro modo, pelo conhecimento natural do fim do homem, o qual
conhecimento natural pertence ao intelecto que é tanto dos princípios
dos operáveis quanto dos especuláveis, conforme diz o Filósofo no
VI da Ética. Ora, os princípios dos operáveis são os fins,
conforme se diz no mesmo livro.
De um segundo modo, o fim dos agíveis pré-existe em nós quanto aos
afeto, e segundo este outro modo os fins dos agíveis estão em nós
pelas virtudes morais, pelas quais o homem se afeiçoa à vida segundo
a justiça, a fortaleza ou a temperança, que é como que o fim
próximo dos agíveis.
De um modo semelhante somos aperfeiçoados quanto às coisas que são
meios para o fim, tanto quanto ao conhecimento como quanto ao apetite.
Quanto ao conhecimento o somos pelo conselho, e quanto ao apetite o
somos pela eleição, e em ambas estas coisas somos dirigidos pela
prudência.
2. É evidente, portanto, que pertence à prudência dispor
ordenadamente em relação ao fim certas coisas que são meios para se
alcançá-lo. Ora, esta ação de dispor as coisas que são meios
para se alcançar um fim, ordenando-as ao fim pela prudência, se dá
por modo de um certo raciocínio cujos princípios são os fins. De
fato, destes fins é que vem toda a razão da ordem situada em todos os
operáveis, assim como manifestamente aparece nas coisas artificiais.
Portanto, para que alguém seja prudente, é necessário que se tenha
corretamente para com os próprios fins. Não pode existir, de fato,
a reta razão a não ser que se salvem os princípios da razão. E por
isso para a prudência se requerem o intelecto dos fins e as virtudes
morais, pelas quais os afetos são corretamente postos no fim; e por
causa disso é necessário que todo homem prudente seja virtuoso,
conforme se diz no VI da Ética.
Ora, em todas as virtudes e os atos ordenados da alma isto é comum,
que a virtude do primeiro se salve em todos os seguintes; e portanto na
prudência de uma certa maneira inclui-se a vontade, que é do fim, e
o conhecimento do fim.
3. Do que foi dito fica evidente como a providência se situa para
com as demais coisas que são ditas de Deus.
A ciência, de modo geral, está tanto para o conhecimento do fim
como das coisas que são meios para o fim; pela ciência, de fato,
Deus conhece a si e às criaturas.
Mas a providência pertence somente ao conhecimento das coisas que são
meios para o fim, na medida em que são ordenadas ao fim; e por isso a
providência inclui a ciência e a vontade; porém, situa-se
essencialmente no conhecimento; não, entretanto, no especulativo,
mas no prático.
Já a potência é executiva da providência, de onde que o ato da
potência pressupõe o ato da providência como um dirigente, daí que
na providência não esteja incluída a potência assim como estava a
vontade.
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