15. Fé e graça.

Em tudo quanto dissemos até o momento, afirmamos a impossibilidade de se viver a vida cristã, uma vida que tem como ideais supremos o amor a Deus e ao próximo, sem a graça do Espírito Santo. Ensinamos, ademais, com base nas Sagradas Escrituras, que a graça do Espírito Santo nos vem através da fé e que, para alcançá-la, é necessário viver da fé; aquela fé, conforme ensina São Paulo, que opera pela caridade.

Temos que considerar agora, porém, o lado reverso desta questão. Veremos que o mesmo Evangelho que afirma que a graça do Espírito Santo é recebida pela fé, ensina também que sem a graça do Espírito Santo a fé é impossível.

O que isto significa, como ambas estas coisas podem ser verdade ao mesmo tempo e quais as conseqüências que isto implica é o que vamos tratar a seguir.

A fé, conforme vimos, é um assentimento da inteligência, dotado de pureza, firmeza e constância, a certas verdades ensinadas por Deus através da revelação. Vimos, ademais, que este assentimento não é movido pela evidência da verdade revelada, mas pela vontade que aceita a autoridade divina de quem a ensina. Aparentemente, portanto, tudo o que seria necessário para causar a fé seria somente um ato da vontade e, se fosse apenas isso, a fé dependeria somente de nós mesmos, de uma livre decisão de nossa vontade.

Seria, efetivamente, assim, se não fosse a natureza das coisas que Deus nos pede para crer através da fé. O conteúdo das verdades da fé que nos são transmitidas pela revelação está situado num plano tão acima do senso comum dos homens que, examinado mais atentamente, não há vontade humana capaz de assentir seriamente a elas, com aquela naturalidade característica da fé, sem o auxílio da graça. As ações que derivam do senso comum dos homens possuem uma naturalidade própria porque o senso comum é ele próprio um prolongamento da natureza humana; as coisas, porém, que Deus nos pede para crer pela fé excedem tanto a medida deste senso comum que aceitá-las com naturalidade, supondo que lhes tivéssemos entendido o significado, exigiria no homem uma outra forma de senso comum, um senso comum mais do que humano, o senso comum que seria próprio das criaturas celestes.

Examinemos, em primeiro lugar, o que a fé nos propõe a respeito de Deus e de sua existência. Uma coisa é a firme certeza de que existe um ser inteligente e imaterial que é a causa do ser de todas as coisas; esta afirmação, ao contrário do que poderia se supor, não está muito longe do senso comum. Quase todos os homens, em todas as épocas, observando os movimentos regulares do Universo, a beleza e a perfeição do conjunto das coisas criadas, foram levados a admitir a existência de uma causa que supera em si mesma a perfeição observada nas coisas de que ela é causa. A fé, porém, nos ensina muito mais a respeito deste ser que é a causa primeira de tudo quanto existe. Ela nos ensina que esta causa primeira nos ama como se fossemos seus filhos; que quando nós oramos não estamos falando com as paredes, antes, a causa primeira está atenta ao que dizemos e nos ouve como um Pai; e que ela nos espera após o término desta vida como a um ente querido para nos fazer felizes por toda a eternidade. Se o homem fosse um Deus, e não apenas um minúsculo grão de poeira perdido na imensidão do cosmos, afirmações deste tipo poderiam ser coerentes com alguma forma de senso comum que derivasse de sua natureza. Mas, se não fosse a revelação, afirmações como estas contém pretensões tão desproporcionais à natureza humana que sequer nos dicionários há palavras suficientemente fortes para qualifica-las.

Que é, de fato, o homem diante da imensidão do Universo? É menos do que um grão de poeira. E o que é o Universo diante da perfeição que deve existir no próprio Criador? É menos do que o homem diante do Universo. Certamente a causa primeira sustenta todas as coisas no seu ser e sabe que existem as coisas de que ela é causa; mas daí para a afirmação de que quando oramos a causa primeira nos ouve como a um Pai vai uma diferença descomunal.

As afirmações da fé, porém, vão mais longe do que estas. Ela nos diz que a causa primeira, na realidade, se preocupa tanto com os homens e os quer tão bem que ela própria se fêz homem, habitou entre nós, tomou o nome de Jesus e se deixou crucificar na época do Império Romano por ordem de Pôncio Pilatos. Mais ainda, a fé ensina que o amor da causa primeira por estas criaturas tão insignificantes alcançou estes extremos porque ela não os deseja sequer tratar como servos, mas como amigos que comungam a mesma natureza, e por isso não deseja apenas a nossa felicidade, mas nos quer tornar participantes de sua própria felicidade, aquela que ela possui em si mesma antes e independentemente da criação do Cosmos.

Todas estas são afirmações que, bem pensadas, ultrapassam o limite de tudo quanto a mente humana possa imaginar de mais fantástico e extraordinário, mais ainda abrirmos um parênteses e considerarmos o que significa a expressão segundo a qual Deus nos quer tornar participantes de sua própria felicidade. Para isto, porém, teremos que discorrer primeiro brevemente sobre o mistério da Santíssima Trindade.