|
A fortaleza é um termo médio acerca das paixões do temor e da
audácia. A fortaleza implica em uma certa firmeza de ânimo, pela
qual a alma permanece imóvel diante do temor do perigo da morte
(68).
Não é a verdadeira fortaleza aquela que diz respeito ao temor do
perigo da infâmia, da pobreza ou de males pessoais diversos (69),
nem da morte que alguém enfrenta em qualquer caso ou negócio, como no
mar ou na enfermidade, mas aquela que é acerca da morte que alguém
enfrenta por coisas ótimas, como quando alguém morre na guerra por
causa da defesa da pátria (70).
Acontece às vezes que alguém teme o perigo da morte mais ou menos do
que a razão julga, e, mais ainda, poderá acontecer que coisas que
não sejam terríveis sejam tomadas como terríveis, e nisto consiste o
pecado do homem, que é principalmente contra a reta razão. Quem
enfrenta o que é necessário enfrentar, e foge por temor das coisas
que é necessário evitar, e faz isso por causa do que é necessário,
e do modo pelo qual é necessário, e quando é necessário, este é
chamado forte (71).
Já os audazes diante dos perigos correm em direção aos mesmos com
velocidade e com ardor, porque são movidos pelo ímpeto da paixão
além da razão. Quando, porém, estão nos próprios perigos
desistem, porque o movimento da paixão precedente é vencido pela
dificuldade iminente. Os fortes, porém, quando estão nas próprias
obras difíceis, são perspicazes, já que o julgamento da razão pela
qual agem não é vencido por nenhuma dificuldade; e antes que se
lancem aos perigos, se mantém calmos, porque não agem pelo ímpeto
da paixão, mas pela deliberação da razão (72).
Aquele que enfrenta a morte para fugir de incômodos não é forte,
mas tímido. Quem se sujeita livremente à morte para que possa fugir
da pobreza ou de qualquer outra causa que provoque tristeza não é
movido pela virtude da fortaleza, mas pela timidez, porque esta
atitude provém na verdade de uma fraqueza da alma pela qual alguém
não consegue sustentar trabalhos e tristezas e também porque a morte
não é enfrentada por causa do bem honesto, mas pela fuga de um mal
que entristece (73).
Existem cinco fortalezas cujos atos se assemelham aos da verdadeira
fortaleza, sem que, contudo, sejam a verdadeira fortaleza.
A primeira e a mais semelhante com a verdadeira fortaleza é a
fortaleza política, pela qual alguém enfrenta os perigos de morte por
causa da honra que daí lhes advirá (74).
A segunda, que já se assemelha menos, é a fortaleza militar, na
qual o homem enfrenta os perigos por causa de que a perícia que tem nas
armas lhe mostra não ser perigoso combater em tal ou qual guerra
(75). Na guerra existem muitas coisas que suscitam temor aos
inexperientes, embora apresentem pouco ou nenhum perigo, como o
barulho das armas, do ajuntamento dos cavalos e outras assim. Estas
coisas são conhecidas não serem terríveis principalmente através da
experiência; daí se segue que algumas pessoas que se intrometem sem
temor nestas coisas parecem fortes, enquanto que as mesmas coisas
parecem perigosas aos inexperientes, por desconhecimento do que sejam
(76). Ademais, a experiência dos soldados faz com que eles
saibam como atingir os adversários sem ser atingidos por eles; de onde
que tais soldados na verdade não possuem a virtude da fortaleza, mas
lutam com os outros como os armados com os desarmados (77). Tais
soldados agem com fortaleza enquanto não percebem a iminência do
perigo; mas quando o perigo excede a perícia que eles possuem nas
armas ou quando não têm consigo os equipamentos bélicos adequados,
então se tornam tímidos, tornando-se os primeiros a fugirem. De
fato, não eram audazes senão porque pensavam que o perigo não lhes
era iminente (78).
A terceira fortaleza, que se assemelha ainda menos à verdadeira
fortaleza, é a fortaleza pela ira. Os homens, no seu falar usual,
confundem o furor com a fortaleza. A fortaleza, de fato, tem uma
certa semelhança com o furor, na medida em que o furor induz ao perigo
com máximo ímpeto, e o forte com grande virtude de alma tende ao
perigo. Mas os verdadeiros fortes não são impelidos a executarem a
obra da fortaleza pelo ímpeto do furor, mas pela intenção do bem; o
furor se acha em seus atos apenas secundariamente, ao modo de
cooperante. Na verdadeira fortaleza o furor deve seguir a eleição,
e não precedê-la (79).
O quarto modo da falsa fortaleza, que muito pouco se assemelha à
verdadeira fortaleza, é o da fortaleza pela esperança. Os fortes
pela esperança são aqueles que por terem vencido muitas vezes os
perigos existentes confiam também agora obter a vitória, não por
causa de alguma perícia que tenham alcançado pela experiência, mas
por causa apenas da confiança que recebem das freqüentes vitórias.
Assim como aqueles que agem com fortaleza por causa da ira não são os
verdadeiros fortes, assim também aqueles que agem somente por causa da
esperança da vitória não são os verdadeiros fortes. Eles enfrentam
os perigos com audácia porque se julgam melhores na luta e em nada
atingíveis pelo adversário; nisto são semelhantes aos bêbados que
por causa do vinho são invadidos pela esperança. Porém, quando aos
tais não acontece o que esperam, não persistem e se põem em fuga
(80).
A pior de todas as falsas fortalezas é a fortaleza por ignorância.
Aqueles que ignoram os perigos parecem ser fortes na medida em que
enfrentam audaciosamente as coisas que são perigosas, já que não lhe
vêem o perigo; por isso não diferem muito dos que são fortes por
causa da boa esperança. Todavia, os que são fortes pela esperança
ainda conhecem como são em si as coisas que enfrentam,
enfrentando-as, porém, apenas porque não as consideram perigosas.
Já os ignorantes não estimam as coisas que enfrentam serem perigosas
em si mesmas consideradas, e nisto são tanto piores do que os que são
de boa esperança quanto nenhuma dignidade têm, já que enfrentam o
perigo somente por defeito de ciência. De fato, aqueles que são de
boa esperança ainda chegam a permanecer nos perigos por algum tempo
depois que já o reconheceram, até que o tamanho do perigo supere a
sua esperança; mas os que são fortes por ignorância assim que
conhecem ser a coisa diferente do que supunham colocam-se imediatamente
em fuga (81).
A verdadeira fortaleza é uma virtude que se encontra como termo médio
segundo a reta razão acerca dos temores e audácias por causa do bem
(82), e é mais louvável do que a temperança, porque o louvor da
virtude consiste principalmente em que alguém opere acerca das coisas
difíceis e é mais difícil que alguém sustente o que é
contristante, o que pertence à fortaleza, do que se abstenha das
coisas que são deleitáveis, o que pertence à temperança (83).
Referências
|
(68) In libros Ethicorum Expositio, L. III, l. 14,
529; l. 14, 536.
(69) Idem, L. III, l. 14, 533-535. (70)
Idem, L. III, l. 14, 537. (71) Idem, L. III,
l. 15, 546; l. 15, 548. (72) Idem, L. III,
l. 15, 556. (73) Idem, L. III, l. 15, 557.
(74) Idem, L. III, l. 16, 562. (75) Idem, L.
III, l. 16, 567. (76) Idem, L. III, l. 16,
568. (77) Idem, L. III, l. 16, 568. (78)
Idem, L. III, l. 16, 570. (79) Idem, L. III,
l. 17, 571-575. (80) Idem, L. III, l. 17,
577-578. (81) Idem, L. III, l. 17,
580-581. (82) Idem, L. III, l. 18, 594.
(83) Idem, L. III, l. 18, 585.
|
|
|
|