PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
DE PEDAGOGIA

Introdução Geral


1. Princípios fundamentais de pedagogia.

O objetivo deste livro é o de apresentar uma concepção de pedagogia bastante diversa do que a maioria dos mais arrojados educadores modernos ousaria conceber.

E, não obstante isso, não se trata de uma utopia, como tantas que foram registradas nos anais da história da educação, nem apenas um projeto, mas algo que foi realidade durante gerações, não em alguma civilização distante, mas na Europa do século XII. E, no entanto, ainda apesar disso, a pedagogia aqui descrita transcende a época em que se realizou como fato histórico; ela pertence, pensamos também nós, ao número daquelas coisas que não passam mais. Foi por isto que demos a este livro o título simplesmente de Princípios Fundamentais da Pedagogia.

Procuramos descrever esta pedagogia através dos textos de um dos educadores daquela época, responsável que foi pela escola anexa ao mosteiro de São Vítor. Limitando-nos aos seus textos, porém, e à sua escola, não apresentamos apenas as idéias educacionais de um só homem, pois ele próprio é o primeiro que se esforça por apresentar em seus textos, nas suas linhas gerais, não as suas idéias pessoais, mas as da tradição em que vive e em que desenvolve o seu trabalho de educador.

A escola de São Vítor, de que foi responsável, tem sua origem em Paris, no fim do século XI, anexa à abadia de São Vítor. Desempenhou no século seguinte papel de elevada importância nos acontecimentos culturais e espirituais da Europa. Fundada por Guilherme de Champeaux, depois de alguns anos teve o nome de Hugo de São Vítor ligado a si própria de uma forma muito semelhante àquela pela qual no século seguinte o de S. Tomás de Aquino se ligaria aos inícios da história da ordem dominicana.

Hugo de São Vítor, o autor dos trabalhos traduzidos neste livro, nasceu provavelmente no ano de 1096 na Saxônia, atual território da Alemanha, onde recebeu sua primeira educação em uma escola monástica. De lá transferiu-se para Paris, o maior centro de estudos da Europa de seu tempo, ingressando no mosteiro de São Vítor, ainda há pouco tempo fundado por Guilherme de Champeaux.

Em 1125 tornou-se professor no mosteiro; em 1133, diretor da escola anexa; logo depois, também prior. Faleceu em São Vítor aos 11 de fevereiro de 1141.

Foi provavelmente o maior dos teólogos do século XII; assim como S. Tomás de Aquino, S.Boaventura, Pedro Lombardo, foi também professor de teologia. Pode parecer redundante hoje em dia acrescentar que um teólogo tenha sido professor de teologia; mas o fato é que os maiores teólogos antes da idade média não o foram.

Ao contrário, porém, de seus demais colegas medievais, Hugo de São Vítor, além de professor, foi também diretor de uma escola, de um dos principais centros de ensino superior do mundo de seu tempo e que, não obstante esta importância, mal acabava de ter sido fundada. Ambas estas características, a direção de uma escola deste porte juntamente com a sua recente fundação, iriam conferir à obra de Hugo de São Vítor contornos inexistentes nas de seus colegas.

Sua obra ocupa três volumes daPatrologia Latina de Migne, respectivamente, os volumes 175, 176 e 177. Para os que não conhecem a coleção, cada um destes livros tem aproximadamente o mesmo tamanho dos volumes da Enciclopédia Britânica; o que temos traduzido neste trabalho é, assim, bem menos do que um por cento da obra de Hugo.

Os trabalhos de Hugo de São Vítor, em uma primeira aproximação, podem ser divididos em quatro grupos: os exegéticos, os ascéticos, os dogmáticos e os pedagógicos. Para os fins deste trabalho, nos interessarão os dois últimos, e mais especialmente os pedagógicos.

Entre os trabalhos dogmáticos os principais são um breve tratado intitulado Summa Sententiarum e outro bem maior, considerado a obra prima de Hugo, o De Sacramentis Fidei Christianae. Nesta última, o autor se propõe a expor o conteúdo teológico das Sagradas Escrituras, nela demonstrando uma capacidade de síntese e sistematização desconhecidas até então, comparáveis, em sua novidade, à especulação metafísico teológica contida nos trabalhos de Santo Anselmo. Ambas estas características seriam posteriormente assimiladas, aprofundadas e fundidas em um mesmo todo por São Tomás de Aquino na sua Summa Teologiae.

De maior interesse, porém, para o presente trabalho, são as obras pedagógicas de Hugo de São Vítor, únicas, talvez, em seu feitio, não só na idade antiga e média, como talvez mesmo em toda a história da pedagogia. Esta singularidade deve sua causa ao fato de que poucas vezes na história pode ter-se reunido, em uma só pessoa, uma inteligência notavelmente brilhante, uma vida de manifesta santidade, a vocação e a atividade docente e a direção de uma das mais importantes escolas do mundo que, não obstante a importância que já desfrutava, ainda estava em fase de formação. Por causa desta confluência de fatores, Hugo se viu obrigado não só a ensinar, mas também a explicar aos alunos como se deveria aprender, aos professores orientar como se deveria ensinar, e à escola como se deveria organizar.

O resultado desta conjunção de fatores foi o surgimento de alguma coisa que merece estar com pleno merecimento tanto na história da pedagogia como na história da espiritualidade: parece ser uma forma de ascese cujo lugar próprio é uma escola.

É um caso particularmente notável de uma pedagogia em que hão há interferência destrutiva entre vida intelectual e vida espiritual, nem separação entre estas atividades como coisas independentes uma da outra. Ao contrário, cria-se propositalmente uma situação em que ambas agem entre si no sentido de se amplificarem mutuamente. Que estas duas coisas sejam mutuamente possíveis temos diversos exemplos históricos, entre os quais figuram, de um lado, o exemplo de São Tomás de Aquino, e de outro, o de Santo Antonio de Pádua.

Mas destes dois talvez o que fale mais alto seja o de Santo Antonio de Pádua. Quem conhece um pouco melhor a sua vida não pode deixar de ter a viva impressão de assistir a uma representação literal das palavras de Hugo de São Vítor escritas no fim de sua principal obra pedagógica:

"Olhai, vos peço, o que seja a luz, senão o dia, e o que sejam as trevas, senão a noite. E assim como os olhos do corpo tem o seu dia e a sua noite, assim também os olhos do coração tem o seu dia e a sua noite.

Três são os dias da luz invisível, pelos quais se distingue o curso interior da vida espiritual.

O primeiro é o temor, o segundo é a verdade, o terceiro é o amor".



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