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Mas é importante, para entender o que vem mais adiante, ouvir uma parte destes fatos
tais como foram relatados pelo próprio Platão. Ele as relata em uma longa carta que
escreveu de Atenas a alguns amigos de Siracusa na Sicília, carta essa que ficou
conhecida como a Carta Sétima. Nesta carta, assim Platão fala de si próprio:
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"Na minha juventude
passei pelas mesmas experiências
pelas quais passaram muitos outros.
Eu imaginava que se quisesse tornar-me
cedo na vida senhor de mim mesmo,
deveria entrar imediatamente na carreira política.
Nela, porém, vi-me diante dos seguintes fatos
que dizem respeito aos negócios públicos
da cidade onde vivia.
A constituição (democrática)
existente (durante a Guerra do Peloponeso)
era condenada por muitos,
em conseqüência do que fêz-se uma revolução
e foram apontados trinta governantes
com plenos poderes
sobre os problemas públicos em geral.
Alguns destes governantes
eram meus parentes,
outros meus amigos,
em vista do que me convidaram imediatamente
para participar de seus afazeres
como algo a que eu tivesse direito.
O efeito (deste convite)
não foi surpreendente
em se considerando o caso de um homem
ainda jovem (que na época eu era).
Eu imaginava que eles iriam, de fato,
administrar a cidade de tal maneira
que tirariam os homens de uma vida péssima
para uma vida boa.
Assim eu os observava muito atentamente
para ver o que eles iriam fazer.
No entanto o que eu vi foi que,
em um espaço muito curto de tempo,
eles fizeram o governo anterior parecer,
por comparação ao deles,
uma coisa mais preciosa do que o ouro.
Dentre muitas outras coisas,
eles tentaram fazer com que um meu amigo,
o velho Sócrates,
a quem sem escrúpulo algum
eu não tenho receio de descrever
como o homem mais correto do seu tempo,
juntamente com outras pessoas,
trouxesse à força um dos cidadãos de Atenas
para ser executado
para que, com isto,
o velho Sócrates,
querendo ou não querendo,
tivesse que participar
da culpa de suas condutas.
Ele, entretanto, não os obedeceu,
assumindo todas as conseqüências deste ato
em vez de preferir tornar-se seu cúmplice
dos seus atos iníquos.
Vendo eu todas estas coisas
e outras do mesmo tipo
em considerável quantidade,
discordei destes procedimentos
e me desliguei de qualquer vínculo
com os abusos daquele tempo.
Não muito tempo depois
uma revolução acabou com o poder dos trinta
e com a forma de governo
que havia com eles.
Uma vez mais,
embora mais hesitante,
comecei a nutrir o desejo
de participar dos problemas políticos
e dos negócios públicos.
Ora, mesmo neste governo,
que mal tinha acabado de se estabelecer,
começaram a ocorrer eventos
que ninguém naturalmente poderá deixar
de desaprová-los.
Não era de se surpreender
que em um período de revolução
tivessem se inflingido castigos exagerados
por parte de alguns aos seus oponentes políticos;
mas uma vez mais aconteceu
que alguns daqueles que estavam no poder
levaram meu amigo Sócrates,
a quem mencionei acima,
a julgamento diante do tribunal,
acusando-o muito injustamente
de algo até muito desapropriado à sua pessoa,
pois foi com uma acusação de impiedade
que alguns deles processaram
e outros condenaram o próprio homem
que não participou do aprisionamento injusto
de um dos amigos do partido
que estava então no exílio,
no tempo em que eles próprios
estavam no exílio e na desgraça.
À medida em que eu observava estes incidentes
e os homens engajados nos negócios públicos,
as leis e os costumes,
e quanto mais eu os examinava de perto
e mais avançava em idade,
mais difícil me parecia
lidar com os negócios públicos corretamente.
Pois não era possível ser ativo na política
sem amigos e pessoas influentes de valor;
e achar a estes não era uma coisa simples,
já que os negócios públicos em Atenas
não estavam mais sendo conduzidos
conforme as maneiras
e as práticas de nossos pais.
Quanto às leis,
tanto as escritas como as não escritas,
iam se alterando para pior,
e o mal crescendo
com uma estonteante rapidez.
O resultado foi que,
embora no começo eu tivesse tido
um forte impulso para a vida política,
na medida em que eu me dava conta
do curso dos acontecimentos
e percebia que eles eram arrastados
em todas as direções
por facções em luta umas contra as outras,
minha cabeça começou a ter vertigens.
Por causa disso,
embora não tivesse parado para ver
se havia alguma probabilidade de melhora
nestes sintomas e no curso geral da vida pública,
eu adiei a ação
até que uma oportunidade adequada
pudesse surgir.
Finalmente, ficou claro para mim,
em relação a todas as comunidades existentes,
que elas eram uma só e todas mal governadas,
porque suas leis geraram uma cidade
quase incurável,
a não ser por alguma reforma
com uma certa quantidade de boa sorte
para sustentá-la.
Fui assim forçado a dizer,
ao elogiar a verdadeira filosofia,
que é por meio dela
que os homens se tornam capazes
de enxergar o que a justiça
nos negócios públicos e particulares
realmente é.
Portanto, concluí,
não haverá término para os males humanos
até que aqueles que estão buscando
a reta e verdadeira filosofia
recebam o poder soberano nas cidades,
ou aqueles que estão no poder nas cidades,
por alguma disposição da providência,
se tornem verdadeiros filósofos".
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