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Mas a atitude de contemplar a natureza não é algo que surge no homem já em sua forma
mais plena e acabada. Ao contrário, é algo que pode ser aprendido, cultivado,
disciplinado, aperfeiçoado ou, em outras palavras, pode ser objeto de educação. De
fato, era objeto de educação entre os filósofos entre si.
E com esta afirmação temos um elemento importantíssimo para tentarmos compreender
o desenvolvimento da filosofia e da filosofia da educação que está implícita em toda a
filosofia. A contemplação da natureza, no sentido em que tentamos apresentá-la,
apareceu como o primeiro grande objeto de educação entre os filósofos. Por que
motivo? Por que este e não outro?
A resposta a esta pergunta obrigaria possivelmente muitos educadores a rever todas as
suas concepções educacionais.
Porque, diriam os filósofos pré socráticos, ao contrário de tantas outras, esta é uma
qualidade caracteristicamente humana. E nós, diriam, queremos desenvolver no homem
as características que ele tem enquanto homem, e não apenas enquanto animal.
De fato, tomemos alguns exemplos. Educar o homem para a vida militar, como era a
essência da educação em Esparta, não é desenvolver no homem uma qualidade
caracteristicamente humana. A vida militar é para o homem um modo de defender a sua
integridade corporal. Qualquer animal faz isto; a vida militar apenas faz o mesmo de
um modo mais sofisticado.
Educar o homem para uma determinada profissão como a engenharia, a agricultura, a
medicina, e outras mais, também não é desenvolver no homem uma qualidade
caracteristicamente humana no sentido em que explicamos anteriormente. Os animais
também fazem as suas tocas, procuram alimentos, tomam suas rudimentares
providências quando estão doentes ou feridos. Através da construção, do plantio, dos
remédios, o homem não faz algo essencialmente diverso; mudou apenas o grau de
sofisticação no que é comum a todos os animais. A educação para o mercado de
trabalho, que visa principalmente através do labor a obtenção de casa, alimento e
remédios, não difere essencialmente no homem da vida animal em geral, mas apenas
circunstancialmente pelo grau de perfeição.
Educar o homem nas boas maneiras, na educação e no trato social também não é
desenvolver no homem uma qualidade essencialmente humana. Grande parte dos
animais vive em bandos ou em sociedades primitivas, como as alcatéias de lobos, os
bandos de elefantes, as colônias das formigas e as sociedades das abelhas, e tantos
outros.
Mas ser capaz de compreender o espetáculo impressionante da natureza, contemplá-lo
em toda a sua profundidade, estar consciente dele a todo momento e perceber a sua
prodigiosa complexidade e quão inabarcável é em sua globalidade para um ato da
inteligência humana, isto está acima da capacidade de qualquer outro ser natural,
exceção feita ao homem. Ademais, tudo na natureza parece ter um sentido; pareceria
conseqüente que houvesse também um sentido na sua obra mais perfeita, que é o
homem; deveria haver, então, algum motivo natural para que a natureza tenha dotado o
homem de alguma qualidade especificamente apenas a ele pertencente. É neste sentido,
portanto, que nós, filósofos, queremos educar o ser humano. Senão, por mais que
trabalhemos, nada mais estaremos fazendo do que educar um animal, apenas mais
domesticável do que os demais.
É uma crítica terrível à maioria dos sistemas educacionais modernos. Os sistemas
educacionais modernos vieram muitas vezes mais condicionados por pressões sociais
do que por uma reflexão sobre a natureza humana. Esta reflexão dos filósofos coloca
portanto, pela primeira vez, o problema de se questionar qual o fim a ser alcançado
pela educação do homem, não restringindo, portanto, a pedagogia a um simples estudo
de métodos cuja finalidade última é implicitamente imposta por forças históricas e
sociais geralmente não conscientes.
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