CAPÍTULO 57

O norte da Itália, a parte mais rica e importante da região, conforme dissemos, era formado de cidades estado independentes. É importante entender sua organização porque foi justamente ali e nesta época que começou o Renascimento.

Em todas estas cidades estado do norte da Itália o governante, rei, príncipe, duque ou outro dos muitos títulos com que eram designados, detinha o poder absoluto. Era um regime absolutista, mas ao mesmo tempo era um tipo de regime absolutista bastante diverso das monarquias absolutistas que estavam se formando na França, na Espanha e na Inglaterra.

A diferença estava em que na Espanha, na França e na Inglaterra o rei era absolutista mas era um rei legítimo. Todos sabiam quem era o rei e qual era o título legal que lhe dava o direito de ser rei. Não era aquele que o quisesse que poderia ser rei quando bem lhe aprouvesse. Quando o rei falecia, o seu reino era entregue ao seu sucessor de direito.

Já no norte da Itália o poder era absoluto mas quem governava geralmente não era um governante legítimo. Os governantes ali não detinham o poder por algum título que os legitimasse, nem sequer geralmente se davam ao trabalho de tentar forjar um título falso para ostentarem uma aparente legitimidade.

Os que governavam no norte da Itália conseguiam o poder não porque o tivessem herdado ou porque tivessem sido eleitos, mas porque eles ou os seus antecessores próximos tinham por meio de algum golpe derrubado ou assassinado o governante anterior. Eles eram senhores absolutos não porque havia algum direito que de alguma forma poderia ser invocado para que lhes fosse atribuído este poder, mas porque pela força haviam derrubado ou assassinado a quem antes deles estava no poder.

Se, a partir daí, o novo governante conseguisse sobreviver até a sua morte natural, isto não significava necessariamente que o seu herdeiro tomaria o poder. Se o herdeiro tivesse força política e militar suficiente para se manter no poder, continuaria governando. Caso contrário, outro mais forte governaria no seu lugar.

As pessoas tinham consciência de que nenhum daqueles governantes era legítimo, e que eles somente se mantinham no poder porque conseguiam matar quem lhes fazia oposição, e geralmente isto era tão evidente que não se tentava fazer crer que fosse diferente.

A ilegitimidade era tão flagrante que, embora todos os governantes do norte da Itália fossem súditos do Sacro Império Romano Germânico, de fato nenhum deles se comportava como tal, mas também nunca nenhum deles teve a coragem de romper nominalmente com o Imperador e se declarar governante de uma República ou Principado independente. Tratava-se simplesmente do poder do mais forte.

J. A. Symonds, um historiador do século passado, escreveu o seguinte deste período da história:

"Somente gladiadores de comprovada capacidade e nervos de aço, superiores a todos os escrúpulos morais e religiosos, indiferentes ao amor da pátria, mestres na perfídia, científicos no uso da crueldade e do terror, empregando ao máximo todas as potencialidades da inteligência, da vontade e do corpo, colocadas ao serviço de um egoísmo transcendental, somente virtuosos da arte política tal como teorizada por Maquiavel, poderiam sobreviver em uma arena tão perigosa".

Maquiavel, aqui citado por Symonds, foi conselheiro político na cidade de Florença durante este período. Profundo conhecedor, em primeira mão, dos meandros políticos de seu tempo, autor de tratados sobre o assunto que geraram controvérsias sem fim na história subseqüente, ele próprio não tentou disfarçar ou se enganar a respeito da situação do momento em que vivia. Em um de seus livros deixou escrito, sem necessidade de levantar maiores polêmicas, que

"nós, os italianos, somos o mais corrupto de todos os povos".