NÉSTEROS

Já antes dissemos que tais homens só têm uma certa perícia em discorrer, unida a uma feliz elocução, mas que são incapazes de entrar no âmago das Escrituras e no mistério de seus sentidos espirituais. A verdadeira ciência só a possuem os verdadeiros adoradores de Deus, e não aquele povo ao qual se diz:

"Porque rejeitaste a ciência, eu também te rejeito, para que não exerças as funções do meu sacerdócio".

Os. 4, 6

Se está dito que em Cristo

"estão escondidos todos os tesouros da sabedoria",

Col. 2, 3

como se poderá crer que obteve a verdadeira ciência aquele que despreza ir ao encontro de Cristo ou que, tendo-o encontrado, o desonra por obras impuras?

"O Espírito de Deus foge do fingido e não habita num corpo escravo do pecado".

Sab. 1, 4-5

Não se pode, pois, chegar à ciência espiritual senão seguindo a ordem que um dos profetas exprimiu de modo muito feliz:

"Semeai para vós em vista da justiça, colhei a esperança da vida, acendei em vós a luz da ciência".

Os. 10, 12

O salmista também determina que essa ordem deve ser observada:

"Bem aventurados os que são imaculados em seus caminhos, que andam na Lei do Senhor; bem aventurados os que perscrutam os seus tesouros".

Salmo 118, 1-2

Ele não disse primeiro que são bem aventurados os que perscrutam os testemunhos do Senhor, acrescentando depois que são bem aventurados os que são imaculados em seu caminho. Aqueles a quem te referiste, portanto, não podem possuir, dada a sua impureza, esta ciência. Só possuem uma ciência pseudônima, isto é, falsa, que não merece este nome. Desta é que nos fala o bem aventurado Apóstolo:

"Ó Timóteo, guarda o depósito, evitando as novidades profanas em teus discursos e as oposições de uma ciência de falso nome".

Quanto àqueles, pois, que parecem adquirir certa aparência de ciência ou que, entregando-se com ardor a ler os volumes sagrados e a decorá-los de memória sem porém, abandonar os vícios da carne, os Provérbios têm esta expressão feliz:

"Como anéis de ouro no focinho de um porco, assim é a beleza de uma mulher de maus costumes".

Prov. 11, 22

Esta verdadeira ciência espiritual está tão longe da erudição secular manchada pela impureza dos vícios carnais que às vezes, como sabemos, floresceu maravilhosamente até em homens desprovidos do dom da palavra e iletrados. É o que se comprova, do modo mais claro, nos Apóstolos e também nos santos varões. Deles é que está escrito nos Atos dos Apóstolos:

"Vendo a constância de Pedro e João, e verificando que eram homens iletrados e de baixa condição, ficaram cheios de espanto".

Atos 4, 13

Se, pois, te preocupas em chegar a respirar o seu perfume incorruptível, trabalha primeiro, de todas as tuas forças, para obter do Senhor a pureza da castidade. Pois ninguém possui a ciência espiritual enquanto se deixa dominar pelas paixões carnais, e sobretudo pela fornicação.

Quando, portanto, chegares, através desta disciplina e nessa ordem, à ciência espiritual, terás também tu, fora de qualquer dúvida, uma doutrina que não será estéril nem vã, mas cheia de vida e de frutos. Então poderás lançar nos corações dos teus ouvintes a semente da palavra de salvação, que o orvalho abundante do Espírito Santo virá em seguida fecundar. Segundo a promessa do profeta,

"A chuva será dada à tua semente, onde quer que semeares a terra; e o pão dos frutos da tua terra será muito abundante e substancial".

Is. 30, 23

Guarda-te, portanto, quando a tua idade mais madura te puser em condições de ensinar o que aprenderes mais por uma experiência laboriosa do que pela leitura, de te deixares levar pelo amor da vanglória, prodigalizando ao acaso o teu saber a almas impuras. Cairias naquilo que o sapientíssimo Salomão condena, ao dizer:

"Não conduzas o ímpio às pastagens do justo, nem te deixes seduzir pela saciedade".

Prov. 24, 25

Pois, com efeito,

"Não há necessidade de sabedoria onde falta o juízo".

Prov. 18, 3

Evita, pois, com a maior cautela possível, deixar-te levar pelo amor da vanglória, para não dissipar o dinheiro do seu Senhor, para tirar um proveito temporal, em vez de aplicá-lo de maneira que o Senhor, ao voltar, como está escrito,

"recebesse com juros o que lhe pertence".

Mat. 25, 27

Consta serem duas as causas que tornam ineficaz a doutrina espiritual. Ou aquele que ensina não experimentou o que diz, e nesse caso todos os esforços que faz para instruir não passam de ruído vazio de palavras; ou então é o ouvinte que é mau e cheio de vícios, e o seu coração endurecido permanece fechado à santa e salutar doutrina do homem espiritual. Algumas vezes, porém, a providência do nosso Deus,

"que quer salvar todos os homens e conduzí-los ao conhecimento da verdade",

1 Tim. 2, 4

tem concedido, em sua pródiga liberalidade, que aquele que não se mostrou digno da pregação evangélica por uma vida irrepreensível obtenha, entretanto, a graça da ciência espiritual em vista da salvação de muitos.