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Aprendemos, pelo que já foi exposto, que no sumo e plenamente
perfeito bem encontra-se a plenitude e a perfeição de toda a
bondade. Onde, porém, encontra-se a plenitude de toda a bondade,
não pode faltar a verdadeira e suma caridade. Nada, efetivamente,
é melhor do que a caridade, nada mais perfeito do que a caridade.
Ninguém, porém, é dito propriamente possuir caridade pelo amor
particular e próprio de si mesmo. É necessário, portanto, que o
amor se estenda a outro, para que possa ser caridade. Onde,
portanto, falta a pluralidade das pessoas, a caridade não pode
existir de nenhum modo.
Mas dirás, talvez, que ainda que existisse uma única pessoa naquela
verdadeira divindade, esta poderia, não obstante, possuir alguma
caridade para com a sua criatura, ou melhor, a possuiria com certeza,
porém também com certeza não poderia possuir a suma caridade para com
uma pessoa criada. Seria, de fato, uma caridade desordenada. Ora,
é impossível que na bondade da suma sabedoria exista a caridade
desordenada. A pessoa divina, portanto, não poderia possuir a suma
caridade para com outra pessoa que não fosse digna do sumo amor. Para
que, porém, a caridade possa ser suma e sumamente perfeita, é
necessário que seja tanta que não possa ser maior, é necessário que
seja tal que não possa ser melhor. Ora, na medida em que alguém
não ama mais ninguém do que a si mesmo, este que possui para consigo
mesmo um amor particular tem em si mesmo a prova de que ainda não
apreendeu o sumo grau da caridade. A pessoa divina, porém, com
certeza não teria ninguém que pudesse amar dignamente como a si mesmo
se de nenhum modo tivesse outra pessoa condigna de si. Nenhuma
pessoa, entretanto, seria condigna da pessoa divina se ela também
não fosse Deus. Para que, portanto, naquela verdadeira divindade a
plenitude da caridade possa ter lugar, é necessário além da pessoa
divina outra pessoa condigna de modo que não lhe falte o divino
consórcio.
Vês, portanto, quão facilmente a razão nos convence que na
verdadeira divindade não pode faltar a pluralidade das pessoas.
Certamente somente Deus é sumamente bom. Somente Deus, portanto,
é sumamente amável. A divina pessoa não poderia, por conseguinte,
exibir o sumo amor a uma pessoa que carecesse de divindade. A
plenitude da divindade, porém, não pode existir sem a plenitude da
bondade. A plenitude da bondade, entretanto, não pode existir sem a
plenitude da caridade, nem a plenitude da caridade sem a pluralidade
das pessoas divinas.
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