Capítulo 17

Ouvimos assim a opinião do homem moderno típico a este respeito. O homem de hoje não pode concordar, do ponto de vista objetivo, com o elevado conceito que os filósofos gregos possuiam a respeito da Educação. O conceito dos filósofos gregos pode ser muito bonito, mas examinado pela avançada mente do homem moderno não passa de romantismo. Se é para fazer poesia, concordamos, dirá o homem moderno. Consideradas, porém, as coisas objetivamente, o homem era um macaco que vivia nas cavernas. A educação é invenção do homem, não uma instituição da natureza e, se o homem moderno for coerente com as suas premissas, outra não pode ser a sua verdadeira opinião a este respeito.

Deveríamos agora perguntar aos antigos filósofos o que eles responderiam ao homem de hoje se pudessem estar hoje conosco ouvindo idéias tão avançadas.

Embora, ao que saibamos, nenhum dos antigos filósofos tivesse respondido a questões como estas colocadas de um modo tão explícito, podemos no entanto, conhecendo o conjunto das suas obras, reconstituir uma provável resposta que eles dariam.

Os antigos filósofos gregos, se aqui hoje estivessem, diriam que os argumentos do homem moderno são convincentes apenas aparentemente. Se nos dias de hoje eles parecem evidentes para muitas pessoas, isto se deve não à própria força dos argumentos, mas ao fato de que as pessoas de hoje não estão habituadas ao exercício da contemplação característico dos filósofos da antigüidade.

As pessoas capazes de julgar como evidentes argumentos como os que foram anteriormente expostos não estão se baseando, ao dizerem tais coisas, em uma observação filosófica da natureza. Elas estarão se baseando, provavelmente, isto sim, em algum filme que viram sobre a vida do homem das cavernas onde o ser humano aparece levando uma vida animalesca tal como a de um macaco.

Mas de onde surgiu esta concepção moderna a respeito do homem das cavernas?

Surgiu devido ao fato de terem sido encontrados em certo número de cavernas esqueletos ou restos de esqueletos que, submetidos ao teste do Carbono 14, mostrou-se datarem de uma época anterior às épocas das quais nos restaram registros históricos. Trata-se, ademais, de um número bastante limitado de esqueletos. Além do fato de terem sido encontrados em cavernas, há indícios de que estes homens caçavam e que alguns deles enterravam seus mortos de um modo que sugere a crença em uma outra vida. Mais do que isso quase nada se sabe sobre eles. Foi baseado neste número tão pequeno de dados que se supôs, para que tivesse sido realizado aquele filme, que toda a humanidade daquela época vivia como animais. Destes filmes e de outros meios de divulgação surgiu a imagem que as pessoas têm do homem tal como ele teria sido concebido pela natureza. Desta imagem, por sua vez, é que as pessoas deduzem como seria a educação enquanto instituição da natureza.

Porém, e isto é importante de se notar, os dados sobre os quais estas pessoas estão se baseando não provém da contemplação da natureza, mas da contemplação de um filme. A resposta que elas deduzem é tão estreita quanto a relação que existe entre a estrutura deste filme e a da natureza em seu conjunto.

Por outro lado, porém, é evidente que estas conclusões estão em contradição com as que a observação da natureza nos oferece.

Se alguma vez um homem viveu em uma caverna levando uma vida animalesca tal como aquela que apareceu naquele filme, este modo de vida não pôde ter sido um fenômeno que fosse uma instituição da natureza. É evidente que a vida do homem das cavernas, tal como a que nos é mostrada ou sugerida por estes filmes e documentários, se ela chegou mesmo a ocorrer, é, filosóficamente falando, não um fenômeno da natureza, mas um fenômeno contra a natureza.

Podemos perceber isto, primeiro, vendo que a inteligência, tal como a que temos hoje e tal como se supõe que muitos destes homens das cavernas deviam ter tido, é ela própria, em primeiro lugar, uma instituição da natureza.

Ademais, é evidente também que, ao contrário de todos os outros animais, a inteligência humana está muito além do que é necessário para a simples sobrevivência. Este não é o caso, porém, que ocorre com qualquer outro animal. Todos os demais animais têm apenas as capacidades necessárias para a sobrevivência compatíveis com a sua espécie. O único animal que tem uma inteligência capaz de muito mais do que a simples sobrevivência é o ser humano. E esta inteligência, assim considerada, é parte da natureza.

Acrescenta-se a isto que em todas as obras da natureza percebemos uma finalidade inteligente, ou pelo menos, uma estrutura que se apresenta tal como se assim o fosse. Nada na natureza está em vão. Este é um fato pode ser constatado não só pelos filósofos, como também por qualquer cientista.

Ora, não parece ser muito razoável supor que a única exceção a esta regra seja justamente a inteligência humana, que é justamente a maior de todas as obras existentes na natureza. Não seria de se supor que depois de todos os componentes de todos os demais seres vivos, sem exceção, não terem sido feitos senão dotados de objetivos específicos, repentinamente houvesse na natureza uma inexplicável lacuna justamente para o mais importante de todos.

Parece, pois, que temos que admitir que é altamente improvável que a inteligência humana tenha surgido na natureza apenas para uma simples sobrevivência animal. Se tivesse sido este o caso, teria sido suficiente muitíssimo menos do que a inteligência humana ou então teremos que admitir que na natureza, abandonando-se subitamente sem aparente motivo seu modo característico de operar, produziu-se alguma coisa que, em sua maior parte, é destituída de qualquer finalidade.

É evidente também que a inteligência humana, esta instituição existente na natureza, necessita do convívio social para poder se desenvolver. O homem que, ao ter nascido, tivesse sido abandonado ao relento em alguma floresta, se conseguisse sobreviver, não desenvolveria, possivelmente, suas qualidades verdadeiramente humanas. Conforme a citação anterior de Aristóteles:

"É evidente que o homem é naturalmente um animal destinado a viver em sociedade, e que aquele que, por instinto, deixa de fazer parte da sociedade, é um ser vil ou superior ao homem".

Este é um motivo pelo qual a sociedade humana faz parte das coisas da natureza e não é uma invenção arbitrária dos homens. É dentro de um contexto social que a inteligência humana naturalmente se desenvolve. E este contexto social em que o homem desenvolve suas qualidades humanas e sua inteligência é também o contexto em que se desenvolve a educação do homem como instituição da natureza. Se a finalidade da inteligência, tal como ela existe na natureza, não pode ser a simples sobrevivência, a finalidade da educação enquanto instituição da natureza também não pode ser a simples sobrevivência. Podemos concluir citando novamente uma outra passagem do livro de Política de Aristóteles. Diz Aristóteles que:

"Não é somente para sobreviver, mas para viver feliz, que se estabeleceu a sociedade.

E viver feliz é, segundo o nosso modo de pensar, o que a observação dos fatos facilmente demonstra, saber moderar-se na aquisição dos bens exteriores e cultivar até à excelência a pureza dos costumes e a força da inteligência.

É preciso, pois, concluir que não apenas a vida em comum, mas a virtude e a inteligência são a finalidade da sociedade política".