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Respondo dizendo que a causa da produção do ser das coisas é a
divina bondade, conforme dizem S. Dionísio Areopagita e S.
Agostinho. Quiz Deus, de fato, comunicar a outros a perfeição da
sua bondade, na medida em que isto fosse possível à criatura.
Ora, a divina bondade possui uma dupla perfeição. Uma segundo si
mesma, contendo em si supereminentemente toda perfeição; outra na
medida em que influi nas coisas, segundo a qual é causa das coisas.
Congruía, portanto, à divina bondade que ambas comunicasse à
criatura, isto é, que pela divina bondade a coisa criada não somente
fosse e fosse boa, mas que também doasse a outros ser e bondade. É
assim que o Sol, pela difusão de seus raios, não somente ilumina os
corpos, mas também torna-os iluminantes, observada a ordem segundo a
qual o que é mais conforme ao Sol mais recebe de sua luz, não a
recebendo apenas suficientemente para si, mas também para com ela
influir em outros.
Na ordem do universo, por conseguinte, por influência da bondade
divina as criaturas superiores não somente têm que sejam boas em si
mesmas, mas também que sejam causa da bondade de outras, as quais por
sua vez possuem o modo extremo de participação da divina bondade,
dela participando somente para que sejam e não para que causem a
outras. Vem daqui que o agente sempre seja mais honorável do que o
paciente, conforme diz S. Agostinho e também o Filósofo no III
De Anima.
Ora, entre as criaturas superiores são maximamente próximas a Deus
as criaturas racionais as quais, à semelhança de Deus, são, vivem
e inteligem. A estas não somente a divina bondade lhes confere que
influam sobre as outras, mas também que tenham o mesmo modo de influir
pelo qual Deus influi, isto é, pela vontade e não pela necessidade
da natureza. De onde que Deus governa todas as criaturas inferiores
pelas criaturas espirituais e pelas criaturas corporais mais dignas.
Pelas criaturas corporais, porém, Deus provê de modo que não as
torna providentes, mas somente agentes, enquanto que pelas espirituais
de modo que as torna também providentes.
Mas também nas criaturas racionais encontra-se uma ordem.
De fato, entre elas a alma humana possui o último grau, e a sua luz
é obnubilada em relação à luz que há nos anjos. Possuindo um
conhecimento particular, conforme diz S. Dionísio Areopagita, sua
providência por este motivo se limita a poucas coisas, às coisas
humanas e às coisas que podem vir ao uso da vida humana.
A providência dos anjos, porém, é universal e se estende sobre
todas as criaturas corporais. Tanto os santos como os filósofos
disseram, por isso, que todos os seres corporais são regidos ou
governados pela divina providência mediante os anjos. Nós,
todavia, diferimos dos filósofos por alguns deles terem colocado que
os seres corporais não são apenas administrados pela providência dos
anjos, mas que também teriam sido por ele criados, o que é alheio à
fé.
De onde que importa colocar, segundo a sentença dos santos, que tais
criaturas corporais são admnistradas por meio dos anjos apenas por modo
de movimento, isto é, segundo que eles movam os corpos superiores,
pelo movimento dos quais são causados os movimentos dos corpos
inferiores.
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