14. A alteração do espírito pelo conhecimento.

Assim também deve-se crer Deus ser imutável pelo conhecimento.

O conhecimento humano está submetido à mutabilidade por três modos; por aumento, por diminuição, por sucessão.

Quando aprendemos o que não sabíamos, o conhecimento muda por aumento. Quando esquecemos o que sabíamos, o conhecimento muda por diminuição.

Quanto à mutabilidade por sucessão, pode ocorrer de quatro maneiras: na essência, na forma, no lugar, no tempo.

O conhecimento humano passa por sucessão na essência quando pensamos ora nisto, ora naquilo, porque não podemos abarcar simultaneamente todas as coisas com nossos sentidos; na forma, quando consideramos uma só e mesma coisa ora deste, ora daquele modo, não podendo fazê-lo de ambos simultaneamente; no lugar, quando conduzimos nosso pensamento para este ou para aquele outro lugar, não podendo pelo pensamento estarmos presentes em ambos; no tempo, quando consideramos ora o passado, ora o presente, ora o futuro. O conhecimento também varia no tempo quando interrompemos ou retomamos nossos pensamentos, não os podendo possuir de modo contínuo.

O conhecimento divino, porém, não sofre nenhuma destas mutabilidades.

Não aumenta, porque é pleno. Nada pode desconhecer quem tudo cria, quem tudo governa, quem tudo penetra, quem tudo sustenta. E quem a tudo está presente pela divindade, não pode estar ausente pela visão.

Também não pode diminuir aquele para quem tudo o que é não o é por outro, mas ele próprio tudo o que é o é por si mesmo e cujo um só todo que é o é por um só.

Que direi da mutabilidade por sucessão? Como poderá receber sucessão aquela sabedoria que abarca simultaneamente, de uma só vez e sob um só raio de visão, a todas as coisas? Simultaneamente, porque compreende todas as essências, todas as formas, todos os lugares, todos os tempos. De uma só vez, porque não recebe uma visão intermitente, e não interrompe a visão possuída; mas o que uma vez foi, sempre será, e o que sempre é, o é no seu todo. Vê todas as coisas, e de todas as coisas tudo vê, e vê sempre e em todo lugar. Não lhe advém nada de novo, nem de alheio, nem do seu: quando é futuro, prevê; quando é presente, vê; quando é passado, retém. Nem prevê, vê e retém nada que não esteja nele próprio, pois o que advém no tempo, já lhe era na visão, e o que passou no tempo, permanece-lhe na visão. Da mesma maneira, se todo o teu corpo fosse olho, e para ti não fossem coisas distintas o ser e o ver, qualquer coisa para que ele se voltasse não poderia não estar presente diante de ti, e, permanecendo imóvel, com um só golpe de vista, compreenderias tudo o que tivessses diante da vista, qualquer que fosse a parte de que proviesse; na verdade, verias diante de ti tudo o que de qualquer maneira estivesse situado atrás de ti. A coisa passaria, mas a visão permaneceria, e tudo o que cessasse devido à sua mobilidade, para aquele que permanece não deixaria de estar presente. Porém de fato, porque vês por partes, não vês pelo modo imutável: passando a coisa, esta ou cessará de ser vista, ou levará consigo a sua visão. Não verias deste modo mutável se fosses todo olho. Tudo o que, portanto, é por partes é mutável; e o que não é por partes não é mutável.

Deus, porém, para quem o mesmo é o ser, o viver e o inteligir, não sendo por essência por partes, não poderia sê-lo também em sua sabedoria, e assim como imutável é em sua essência, também imutável será em sua sabedoria.