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A primeira impressão que temos ao analisar as obras pedagógicas de
Hugo de São Vítor é o fato de todas elas se dirigirem, na
íntegra, ao aluno; não ao professor, para quem nada têm a dizer
sobre organização escolar; não a mais ninguém, senão unicamente
ao aluno, não obstante a tarefa de Hugo fosse a de organizar a escola
em todos os seus aspectos.
Esta aparente enorme lacuna se explica pelo fato de que a pedagogia no
século XII era manifestamente centrada no aluno e não no
professor.
Em dois textos do século XIII, geralmente mais conhecidos entre
os estudiosos modernos do que as obras de Hugo de S. Vítor, São
Tomás de Aquino (1) afirma que no ensino o professor não pode,
por necessidade ontológica, ser a causa principal do conhecimento.
Esta causa é a atividade do aluno; o papel do mestre não é o de
infundir a ciência, mas a de auxiliar o discípulo. "Assim como o
médico é dito causar a saúde no enfermo através das operações da
natureza, assim também o mestre", diz Tomás de Aquino, "é dito
causar a ciência no discípulo através da operação da razão natural
do discípulo, e isto é ensinar"(2) . Se o mestre tentar seguir
uma conduta diversa, diz ainda Tomás, o resultado será que ele
"não produzirá no discípulo a ciência, mas apenas a opinião ou a
fé"(3).
Nos textos de São Tomás de Aquino estas conclusões são deduzidas
a partir de princípios da filosofia aristotélica; como, porém,
quando muito, dificilmente se conhece atualmente da pedagogia desta
época alguma coisa além destes dois textos, torna-se difícil ao
homem de hoje imaginar ao que S. Tomás de Aquino estava se
referindo na prática.
Os textos de Hugo de S. Vítor fornecem em parte uma ilustração
para tais princípios. Ao redigir uma série de textos para organizar
os métodos educacionais que seriam usados em sua escola, Hugo não
dirigiu quase uma única palavra aos professores, e sim aos alunos. É
exatamente o contrário do que vemos na literatura pedagógica do
século XX: toda a literatura sobre metodologia é escrita para a
leitura do professor, não do aluno. Aquele era um ensino centrado no
aluno; este, embora às vezes se diga o contrário, é um ensino
centrado no mestre.
Os resultados destes modos diversos de encarar a pedagogia são também
diversos. O primeiro, encontrado no mestre, tende a tornar-se uma
transferência mecânica de conhecimento do professor para o aluno; o
segundo, centrado no aluno, tende a tornar-se uma aventura do
espírito. A escola centrada no mestre só irá produzir um discípulo
melhor do que o mestre por acaso, quando o discípulo, apesar do
método utilizado, puder fugir espontaneamente às regras desta
pedagogia; a escola centrada no aluno tende a produzir por sua natureza
um certo número de alunos melhores do que o mestre. Consequência
destes fatos é que os professores da escola centrada no mestre são,
no que depende da escola, a cada geração possuidores de um nível
cada vez mais baixo, enquanto que na escola centrada no aluno a
tendência é a oposta.
É um fato conhecido na história da educação que desde a
renascença, quando o centro de gravidade do ensino passou a
deslocar-se, todas as gerações sempre têm reclamado que o nível do
ensino estava caindo, e que o ensino na geração anterior era melhor
do que o então ministrado. Tal constatação pode parecer à primeira
vista paradoxal, porque, pensamos nós, se isto fosse realmente
verdade, após tanto tempo, há muito que o ensino teria sido
totalmente pulverizado. A explicação para este fenômeno é que
realmente houve muitos momentos históricos desde então em que o ensino
não só não decaiu, como inclusive subiu de nível, e às vezes
acentuadamente. Mas, se isto aconteceu, não se deveu a fatores
internos à pedagogia, e sim a contingências externas ao método
educacional: a fundação, por exemplo, de uma nova ordem religiosa;
uma reforma educacional; os decretos de algum príncipe. Nestes
momentos dava-se uma melhora da qualidade de ensino para, a partir
daí, entregue às suas forças intrínsecas, cair gradualmente sem
perspectiva aparente de reversão, senão por uma nova interferência
externa.
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