2. O aborto na União Soviética.

Os textos fundamentais do Marxismo são hesitantes e ambíguos em relação ao problema do controle populacional. Em seguida, porém, algumas escolas do pensamento marxista se caracterizaram pelo violento repúdio às idéias de Malthus e mais especificamente àquelas dos malthusianos, dos neo malthusianos e outros que se seguiram, sob a alegação de que estas idéias desviavam a atenção do povo do verdadeiro problema que era a luta de classes. Marx havia afirmado que a teoria malthusiana tinha na verdade fornecido argumentos às classes dirigentes inglesas para não se preocuparem com a assistência aos pobres e aos desempregados.

Mas já em 1913 Lenine defendia o direito da mulher em relação a informações sobre métodos anticoncepcionais e aborto. Para ele o planejamento familiar era um fator decisivo na emancipação da mulher, mas ao mesmo tempo insistia que uma distinção deveria ser feita entre "a liberdade de disseminação do conhecimento médico e a defesa dos direitos democráticos dos cidadãos de ambos os sexos", por um lado, e a propaganda neo malthusiana, por outro.

Desta maneira, o aborto provocado foi legalizado e implantado na Rússia sob o amparo do governo comunista logo em seguida à tomada do poder pelos bolcheviques. A legalização desta prática, porém, pelo menos do ponto de vista da intenção da classe dirigente responsável pela medida, não representou nenhuma tentativa de controle da natalidade. Sob este aspecto sua motivação vinculou-se estritamente aos princípios da doutrina marxista leninista, segundo a qual uma das finalidades da Revolução Soviética seria também a emancipação das mulheres. Para os propósitos sociais da revolução as diferenças de sexo deveriam ser desprezadas o mais que fosse possível. A regra era a do igual pagamento para igual trabalho e as mulheres tinham acesso a trabalhos que até então eram apenas reservados aos homens, inclusive o trabalho nas minas. As mulheres também deveriam receber igualdade de educação e igualdade de condições dentro do casamento. O casamento e o divórcio deveriam ser simples em suas formalidades e cada um dos dois cônjuges deveria ter igualdade de direitos para decidir o local de residência do casal e para manter e dispor da propriedade.

Foi neste contexto que ocorreu a legalização do o aborto na União Soviética. A 8 de novembro de 1920 ela se tornou o primeiro país do mundo a legalizar o aborto a pedido, os abortos sendo gratuitos e sem restrições para qualquer mulher que estivesse em seu primeiro trimestre de gravidez. Os hospitais soviéticos instalaram unidades especiais denominadas abortórios, concebidas para realizar as operações em ritmo de produção de massa. Médicos estrangeiros que visitaram a União Soviética neste período para estudar a implantação do aborto referem que em 1930 um abortório com quatro médicos realizava 57 abortos em duas horas e meia.

A União Soviética, quando legislou sobre o aborto, nada mais fêz do que legislar a doutrina marxista. Foi um processo inteiramente diferente do que posteriormente ocorreria no mundo ocidental, embora o primeiro, conforme veremos, tenha exercido considerável influência no desencadeamento do segundo.

Posteriormente o decreto de legalização do aborto na União Soviética veio a ser revogado para depois ser novamente implantado. Para os propósitos deste trabalho, entretanto, é suficiente quanto já foi mencionado.