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Temos na Regra de São Bento um exemplo bastante claro de uma forma
de ascese que reconhece ela própria ordenar-se a algo que lhe é
posterior, ao qual estamos chamando nestas notas de contemplação.
No início de sua regra São Bento nos afirma que teve a intenção
de, com ela, constituir
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"uma escola do serviço do Senhor".
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Ele afirma que há algumas coisas nela que podem parecer para alguns um
pouco rigorosas, mas recomenda para o monge que assim isto lhe parecer
que não se assuste e não julgue segundo as aparências. Na realidade
a intenção de São Bento, conforme ele mesmo no-lo diz, não foi
a de estabelecer
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"coisas ásperas ou pesadas",
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mas a de dispor tudo com eqüidade. O que haja que possa parecer
áspero na regra se deve ao fato de que ela foi concebida para produzir
a "emenda dos vícios" e "a conservação da caridade". Estas
expressões significam que a regra de São Bento, segundo as suas
próprias palavras, corresponde àquilo a que chamamos de ascese, cujo
objetivo é o cultivo das virtudes; de fato, dizer que uma regra foi
concebida para produzir a emenda dos vícios e dizer que ela foi
concebida para o florescimento da vida das virtudes é a mesma coisa,
pois o único modo alguém pode ter para se emendar dos vícios é o
cultivo das virtudes que lhes são opostas. A expressão
"conservação da caridade" deve ser entendida como enquadrada neste
mesmo contexto, pois na vida da graça a caridade é o vínculo que une
entre si todas as demais virtudes.
Porém, logo a seguir, o próprio São Bento nos diz que todo o
aparente rigor de sua regra é provisório, pois ele se ordena a uma
vivência mais profunda da vida da fé, à qual porém ele acena em
termos genéricos e que corresponde, no que vimos descrevendo nestas
notas, à vida em que a realidade a que chamamos de contemplação cai
se tornando sempre mais dominante:
diz São Bento,
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"constituir uma escola
de serviço do Senhor.
Nesta instituição esperamos
nada estabelecer de áspero ou de pesado.
Mas se aparecer alguma coisa
um pouco mais rigorosa,
ditada por motivo de eqüidade,
para emenda dos vícios
ou conservação da caridade,
não fujas logo,
tomado de pavor,
do caminho da salvação,
que nunca se abre
senão por um estreito início.
Mas, com o progresso da vida monástica e da fé,
dilata-se o coração
e com inenarrável doçura de amor
é percorrido o caminho dos mandamentos de Deus".
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Da mesma forma, no último capítulo de sua regra, São Bento nos
avisa de novo que através dela ele se preocupou principalmente em
legislar sobre o princípio da vida monástica, isto é, sobre o
início da própria vida cristã vivida no contexto de um mosteiro.
Porém, ao mesmo tempo ele nos dá muitas vezes a entender que o fêz
de tal modo que aquele que a tiver realizado acabará por encontrar,
através dela mesma, alguma coisa de maior sobre o que São Bento
não quis legislar mas para o qual ele quis ordenar a sua legislação e
que ele tinha em vista quando escreveu a sua regra. Neste último
capítulo ele fornece algumas indicações sobre onde o monge que
estiver se aproximando disto a que se ordena a sua regra poderá
encontrar uma orientação mais explícita; inútil dizer que esta
orientação lhe será de pouca utilidade prática se antes ele não
tivesse se conformado ao modo de vida prescrito pela regra, pois se
assim não o fosse, São Bento certamente já teria orientado seus
monges a procuraram estas outras fontes em vez de convidá-los
primeiramente à observância de sua regra. Mas àqueles que já
observam a sua regra e
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"se apressam para a pátria celeste",
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ele recomenda em especial as Conferências de João Cassiano e as
Vidas dos Padres do deserto; ora, as Conferências de Cassiano
são um texto que se abre, em sua primeira conferência, com uma
dissertação explícita sobre a contemplação como fim do monge.
diz São Bento,
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"para demonstrar que os que
a observamos nos mosteiros
temos alguma honestidade de costumes
ou algum início de vida monástica.
Além disso, para aquele que se apressa
para a perfeição da vida monástica,
há as doutrinas dos Santos Padres,
cuja observância conduz o homem
ao cume da perfeição.
Que página, com efeito,
ou que palavra de autoridade divina
no Antigo e Novo Testamento
não é uma norma retíssima de vida humana?
Ou que livros dos Santos Padres católicos
ressoam outra coisa senão
o que nos faça chegar,
por caminho direito,
ao nosso Criador?
E também as Conferências dos Padres,
(escritas por Cassiano),
as Instituições (dos Cenobitas,
também escritas por ele),
as suas vidas
(as vidas dos Padres do deserto),
e também a regra de nosso santo pai Basílio,
que outra coisa são senão
instrumentos das virtudes dos monges
que vivem bem e são obedientes?
Tu, pois, quem quer que sejas,
que te apressas para a pátria celeste,
realiza com o auxílio de Cristo
esta mínima regra de iniciação
aqui escrita e então, por fim,
chegarás, com a proteção de Deus,
aos maiores cumes da doutrina
e das virtudes de que falamos acima".
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