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Bernardo adquiriu um profundo gosto pela salmodia que lhe ocupava seis
ou sete horas de cada dia. O tempo do ofício nunca lhe parecia
suficientemente prolongado para a sua devoção. No capítulo do jejum
e abstinência ultrapassava de longe as prescrições da regra,
indubitavelmente com a aprovação dos superiores. Em conseqüência
deste excesso contraíu, ainda como noviço, o cruel desarranjo
gástrico que o atormentou toda a vida e o levou finalmente à
sepultura. A tal ponto mortificou o seu paladar que pareceu ter
perdido o sentido do gosto. Assim, conta-se que uma vez ingeriu por
engano azeite em lugar de água sem que tivesse notado a diferença. O
sentido da audição foi igualmente submetido a penitência. Escutou
com excessiva atenção as notícias que vinham a comunicar-lhe a ponto
de, ao chegar ao coro para o Ofício da Nona, descobrir a ausência
de devoção e o seu espírito presa de distrações. O fato
simplesmente decidiu-o a não voltar a prestar atenção a qualquer
conversa. Posteriormente, outras pessoas que o visitaram notaram que
ele tapara os ouvidos com algodão. Com isso conseguiu um duplo
propósito, o de não escutar as notícias que o distraíssem e o de
adquirir a fama de estúpido. Com a vista podemos avaliar a que ponto
ele acautelava os olhos pelo fato de que, no final de seu ano de
noviciado ele ainda ignorava se o teto de seus aposentos era plano ou
abobadado e de que forma era iluminada a igreja. Anos mais tarde ele
percorreria um dia inteiro de viagem às margens do belíssimo lago
Leman sem ter erguido a vista uma única vez.
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