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A Sagrada Escritura, cantando o louvor do justo já no começo de um
livro, diz sobre ele:
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"Será como a árvore plantada
junto às correntes das águas,
que dará fruto ao seu tempo".
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Devemos, pois, perguntarmo-nos, irmãos caríssimos, o que são
estas águas, o que são as suas correntes, o que é a raíz desta
árvore, o que é o seu tronco, o que são os seus ramos, o que é a
sua casca, o que é a sua medula, o que são as suas folhas, as suas
flores e os seus frutos.
As águas de que nos fala o Salmista são os dons da graça, pelos
quais Deus irriga o justo, para que cresça e produza fruto. Suas
correntes são o seu sopro, pois, de fato, está escrito:
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"O Espírito sopra onde quer;
e tu ouves a sua voz,
mas não sabes de onde vem,
nem para onde vai".
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Assim como as águas, o Espírito Santo, aproximando-se e
afastando-se de nós, também flui e reflui. Flui para a nossa
justificação, reflui para a nossa humilhação. Aproxima-se para
que cresçamos, afasta-se para que não nos ensoberbeçamos. Flui
para que cresçamos na virtude e reflui para que não nos
ensoberbeçamos da virtude por causa da abundância da graça. A fonte
destas águas é Cristo, seus rios são os dons pelos quais o justo
germina, cresce e se consuma pela perfeição.
Nesta árvore a raíz é a fé, origem e fundamento de todas as demais
virtudes e a raíz das boas obras. Por esta raíz o justo é plantado
em Deus, e sem ela não se produz nenhum bom fruto, como diz o
Apóstolo:
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"Sem fé é impossível
agradar a Deus".
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Quão boa, pois, é esta raíz! Dela toma início o bem e a vida do
justo.
O tronco designa a esperança dos bens celestes, pela qual nos
elevamos e nos fortificamos, elevando-nos do que é transitório para
o que é eterno.
Os ramos são a caridade, que se eleva para o alto pelo amor de
Deus, e se estende para os lados pelo amor do próximo.
A medula, que interiormente permanece oculta, significa a intenção
do coração; a casca, visível para todos, é a superfície
manifesta da boa conversação. A intenção do coração diz respeito
apenas à consciência, mas a superfície da conversação diz respeito
também à fama. A primeira é julgada somente por Deus; a segunda,
também pelo próximo. Por este motivo a primeira apenas a ti
aproveita, mas a segunda pode aproveitar tanto para ti como para o teu
próximo, se ele quiser te imitar.
As folhas pelas quais a árvore se reveste significam as boas ações,
pelas quais o justo é circundado e ornamentado. A frondosidade da
folhagem exprime a perseverança e a perpetuidade da ação do homem
justo.
As flores, por causa de seu perfume, significam a boa fama. A
árvore frondosa e frutífera levanta a sua folhagem para o céu quando
diz, como São Paulo, que
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"nossa conversação está nos céus",
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e possui flores perfumadas quando diz também:
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"Nós somos diante de Deus
o bom odor de Cristo
em todo o lugar".
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Destas flores está escrito que
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"É melhor o bom nome
do que os bálsamos preciosos".
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Dos maus, porém, está escrito:
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"O nome dos ímpios apodrecerá".
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As árvores possuem frutos exteriores, interiores e superiores. Os
interiores estão na alma, os exteriores junto ao próximo, os
superiores em Deus; estão na alma pela boa consciência, junto ao
próximo pela doutrina, em Deus pela glória.
Assim terá sido, irmãos caríssimos, qualquer um dos justos a quem
possamos nos referir. Bem aventurado aquele cuja festa hoje
celebramos, cujas virtudes enumeramos, cujo sufrágio imploramos, por
cujas palavras somos iluminados, por cujo exemplo somos formados, de
cujo patrocínio nos munimos. Trabalhemos, irmãos, para que também
nós possamos ser como ele o terá sido. Como filhos imitemos o pai,
como discípulos o mestre, como servos o senhor, como soldados o
condutor, como ovelhas o pastor. Jamais, porém, o conseguiremos
com as nossas forças; supliquemos, portanto, ao Senhor,
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"que a todos dá liberalmente
e não lança em rosto".
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para que, pelo rio de sua sabedoria,
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"cujo ímpeto alegra
a sua cidade",
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se digne irrigar a aridez de nosso coração, para que corram do seio
de nossa mente,
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"rios de água viva,
que jorrem para a vida eterna".
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Se esta água, efetivamente, irrigar o jardim de nosso coração,
nascerá em nós a raíz da fé, o tronco da esperança se
fortalecerá, os ramos da caridade se levantarão e se estenderão,
produzir-se-ão as folhas da boa obra, as flores da boa opinião e os
frutos da justificação já durante esta vida e da glorificação na
pátria, em cujo ingresso
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"Deus enxugará
todas as lágrimas
dos olhos"
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de seus santos e dará
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"o que o olho não viu,
nem o ouvido ouviu,
nem jamais passou pelo
coração do homem",
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isto é,
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"o que Deus preparou
para aqueles que o amam",
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Ele que vive e reina por todos os séculos dos séculos.
Amén.
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