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Foi suficiente que o planejamento familiar fosse
definitivamente reconhecido como um direito humano básico
para que no cenário das discussões a respeito das questões
populacionais surgisse ostensivamente uma nova concepção para
esta problemática. A nova concepção estava amadurecendo desde
1950 nos diversos centros de estudos e pesquisas sobre
demografia e população e no interior das entidades voltadas
para o trabalho com a problemática do planejamento familiar e
da questão populacional. Quando, entre 1967 e 1968, ela
finalmente aflorou no cenário político, já não constituía
algo realmente novo. O que havia de novo era que, devido à
maior radicalidade desta concepção sobre a natureza do
problema populacional e de suas soluções, estava-se
esperando, para que ela pudesse entrar abertamente no cenário
político, que as prevenções contra a idéia do planejamento
familiar estivessem definitivamente superadas.
A primeira manifestação explícita de importância
deste novo enfoque para a questão populacional parece ter
ocorrido com a publicação, a 10 de novembro de 1967, na
revista Science, de um trabalho questionando os programas
então vigentes de política populacional. Seu autor era o
professor Kingsley Davis, diretor do Centro Internacional
de Pesquisas Populacionais e Urbanas da Universidade da
Califórnia em Berkeley. Este artigo era um resumo de um
trabalho apresentado em 14 de março do mesmo ano no encontro
anual do National Research Council.
A publicação deste trabalho foi um marco
importante pela própria qualidade do mesmo, pela importância
da Science em que foi publicado, assim como pela polêmica e
pelas conseqüências que causou. O trabalho foi repetidamente
citado por outros que se lhe seguiram, e marcou o início de
uma série de outros que adotaram a mesma perspectiva. Fêz com
que o presidente do Conselho Populacional dedicasse um número
inteiro de um dos órgãos oficiais daquela entidade apenas
para oferecer uma réplica à sua argumentação; mas o conteúdo
desta réplica é outro indício da importância do trabalho
publicado na Science. Posteriormente o Conselho Populacional
fêz publicar a mesma réplica, já publicada em seus
periódicos, para maior, repercussão, na revista Science.
Também o presidente do Serviço Populacional da USAID publicou
outra réplica oficial ao trabalho, desta vez em nome do
governo federal americano, na mesma revista Science. Esta
réplica tornou a ser republicada posteriormente em outros
periódicos, e novamente o seu conteúdo mostra a importância
que se atribuíu ao trabalho original. Logo em seguida a IPPF
passou a pronunciar-se oficialmente alinhando-se com as
idéias básicas contidas neste trabalho, e mais adiante, a
orientação geral de todas as agências envolvidas com
planejamento familiar, demografia e aborto passaram a seguir
cada vez mais ostensivamente as linhas gerais das
recomendações do seu autor. Isto ocorria porque o que
aflorava neste trabalho não eram idéias pessoais de um autor,
mas uma concepção sobre as questões populacionais já madura
na comunidade científica e que estava apenas esperando o
momento oportuno para se manifestar mais claramente e passar
a exigir uma aceitação mais explícita por parte dos que
detinham o poder político e o controle das agencias
envolvidas com o aborto e planejamento familiar.
Examinaremos, com algum detalhe, neste capítulo, o
conteúdo do trabalho de Kingsley Davis, após o que faremos
alguns breves comentários. No capítulo seguinte examinaremos
algumas das reações que ele provocou.
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