5. A ordenação da caridade.

Ouvi, se talvez o pudermos explicar, pelo que deve correr o nosso amor, ou em que deve repousar.

Três coisas há que podem ser amadas bem ou mal, isto é, Deus, o próximo e o mundo.

Deus está acima de nós, o próximo está junto a nós, e o mundo está abaixo de nós.

Ordenai, portanto, a caridade. Se corre, que corra bem; se repousa, que repouse bem. O desejo corre, o gozo repousa. Por este motivo o gozo é uniforme, porque sempre está em um só, nem pode variar pela vicissitude; o desejo, porém, recebe a mutabilidade do movimento e, portanto, não se contém em um só, mas apresenta várias espécies.

Toda corrida é ou daquilo que é, ou com ele ou para ele. Como, portanto, deve correr o nosso desejo?

Existem três coisas, Deus, o próximo e o mundo. Deus pode ter três coisas na corrida de nosso desejo, o próximo pode ter duas e o mundo apenas uma. Deste modo pode haver caridade ordenada no desejo.

O amor pode correr ordenadamente pelo desejo de Deus, com Deus e a Deus. Corre pelo desejo de Deus, quando dEle recebe de onde o ame. Corre com Deus, quando em nada contradiz à sua vontade. Corre a Deus quando apetece nEle repousar. Estas são as três coisas que pertencem a Deus.

Já duas são do próximo. A caridade pode correr pelo desejo do próximo e com o próximo, mas não o pode ao próximo. Corre pelo desejo do próximo quando se alegra de sua salvação e de seu aproveitamento. Corre com o próximo quando na via de Deus o deseja como companheiro de caminho e como sócio em seu encontro. Mas não pode correr ao próximo, para que constitua no homem a sua esperança e confiança. Estas são as coisas que pertencem ao próximo; isto é, dele e com ele, mas não a ele.

Uma só coisa pertence ao mundo, que é correr recebendo dele; não com ele, nem a ele. O desejo, de fato, corre recebendo do mundo quando este, examinado como obra de Deus, pela admiração e pelo louvor nos converte mais ardentemente a Deus. O desejo correria com o mundo se o mundo, por causa da mutabilidade das coisas temporais, nos conformasse a si pelo desânimo na adversidade e pela elevação na prosperidade, e deste modo a ele nos tornássemos semelhantes. O desejo correria ao mundo se quisesse sempre repousar em seus prazeres.

Ordenai, portanto, a caridade, para que ela corra pelo desejo de Deus, com Deus e para Deus; pelo desejo do próximo, com o próximo mas não ao próximo; recebendo do mundo, mas não com ele e nem para ele, para que assim somente em Deus repouse pelo gozo.

Esta é a ordenada caridade, e fora dela tudo o que se faz não é caridade ordenada, mas cobiça desordenada.