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E PARECE QUE NÃO EXISTE, POIS,
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Em primeiro, a potência é princípio de operação. Mas a
operação de Deus, que é a sua essência, não possui princípio,
porque nem é gerada, nem procedente. Portanto, em Deus não há
potência.
Ademais, em quinto, nada deve ser significado em Deus pelo qual seu
primado ou sua simplicidade sejam derrogados. Mas Deus, na medida em
que é simples e primeiro agente, age pela sua essência. Portanto,
não se deve colocar que age pela potência a qual, pelo menos,
acrescenta à essência um segundo modo de significação.
Ademais, em sétimo, assim como a matéria primeira é pura
potência, assim Deus é ato puro. Mas a matéria primeira,
considerada segundo a sua essência, é despojada de todo ato.
Portanto Deus, considerado em sua essência, é inteiramente sem
potência.
Ademais, em nono, quando algo é suficiente para que algo aja, é
supérfluo que outro se lhe sobre acrescente. Mas a essência de Deus
é suficiente para que Deus por meio dela aja algo. Portanto, é
supérfluo que se coloque nela uma potência pela qual agiria.
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PORÉM, AO CONTRÁRIO,
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Em terceiro , toda operação procede de alguma potência. Ora, a
Deus procede de alguma potência. Ora, a Deus maximamente convém
operar. Portanto, a potência convém maximamente a Deus.
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RESPONDO, DIZENDO QUE,
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para que se faça evidência nesta questão, deve-se saber que a
potência é dita a partir do ato. O ato, porém, o é de duas
maneiras, isto é, o primeiro, que é a forma, e o segundo, que é
a operação. O nome ato, conforme aparece à comum compreensão dos
homens, foi primeiro atribuído à operação. é assim que, de
fato, quase todos inteligem ato, sendo daqui depois transposto para
que significasse a forma, na medida em que a forma é princípio de
operação e fim.
De onde que, de modo semelhante, a potência o é de duas maneiras.
Uma, a potência ativa, à qual corresponde o ato que é operação,
e a esta é que parece ter sido primeiramente atribuída nome de
potência. A outra é a potência passiva, à qual corresponde o ato
primeiro, que é forma, à qual, de modo semelhante, secundariamente
foi-lhe dada o nome de potência, pois assim como nada padece a não
ser em razão da potência passiva, assim também nada age a não ser
em razão do ato primeiro, que é forma. Diz-se, de fato, que ao
nome de ato se chegou por primeiro a partir do nome de ação.
A Deus, porém, convém ser ato puro e primeiro, de onde que ao
mesmo tempo convém maximamente agir e difundir sua semelhança em
outros, e por isso a ele maximamente convém a potência ativa, já
que a potência ativa é dita na medida em que é princípio de ação.
Entretanto, o nosso intelecto se esforça por exprimir a Deus como
algo perfeitíssimo. E porque em Deus o tornar-se não pode se dar a
não ser por semelhança, e nem nas criaturas encontra-se algo
sumamente perfeito que careça inteiramente de imperfeições, por isso
nosso intelecto tenta atribuir a Deus as diversas perfeições
encontradas nas criaturas, ainda que qualquer uma destas perfeições
careça de algo, mas de tal modo que qualquer imperfeição que se
acrescente a alguma destas perfeições seja totalmente removida de
Deus.
Por exemplo, o ser significa algo completo e simples, mas não
subsistente. A substância, porém, significa algo subsistente mas
sujeito de outros. Colocamos, portanto, em Deus a substância e o
ser, mas a substância em razão da subsistência e não em razão de
ser sujeito de outros, enquanto que o ser em razão da simplicidade e
plenitude, e não em razão de sua inerência, pela qual é inerente a
outro.
E de modo semelhante atribuímos a Deus a operação em razão [do
término último], e não em razão [de que a operação nele
transita]. Atribuimos-lhe a potência, porém, em razão [de sua
permanência e de ser princípio], e não em razão [dele alcançar
um término pela operação].
À primeira, portanto, deve-se dizer que a potência não somente é
princípio da operação, mas também de efeito. De onde que se
colocamos em Deus uma potência que seja princípio de efeito, daí
não se seguirá que haja algum princípio da essência divina que é
operação.
Ou pode-se dizer, e melhor, que em Deus encontramos dois modos de
relação. O primeiro é o das relações reais pelas quais as pessoas
se distinguem entre si, como a paternidade e a filiação, [que devem
ser reais] porque senão as demais pessoas divinas não se
distinguiriam de modo real, mas pela razão, como afirmou Sabélio.
O segundo é o das relações somente de razão, que são aquelas das
quais nos referimos quando dizemos que a operação divina provém da
essência divina, ou que Deus opera pela sua essência. De fato, as
proposições designam certas relações. E isto acontece porque ao
atribuirmos a Deus uma operação, que segundo a sua razão requer
algum princípio, atribui-se também a ele a relação de existente a
partir de um princípio, de onde que esta relação não é somente de
razão.
De fato, é da razão de operação possuir princípio, mas não da
razão de essência. De onde ainda que a essência divina não tenha
princípio nem segundo a coisa nem segundo a razão, todavia a
operação divina possui algum princípio segundo a razão.
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À QUINTA
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deve-se dizer que é impossível colocar que Deus aja pela
sua essência, e que não haja potência em Deus. De fato, aquilo
que é princípio de ação é potência, de onde que pelo próprio
fato que colocamos Deus agir pela essência divina, colocamo-la ser
potência. E assim a razão de potência em Deus não derroga nem sua
simplicidade, nem seu primado, porque não é colocada como algo
acrescentado à essência.
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À SÉTIMA
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deve-se dizer que esta razão prova que em Deus não existe
potência passiva, e isto nós o concedemos.
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À NONA
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deve-se dizer que embora a essência divina seja suficiente
para que por ela Deus aja, nem por isto, todavia, a potência se
torna supérflua, porque a potência é entendida como alguma coisa
acrescentada à essência, mas que lhe acrescenta segundo o intelecto
somente uma relação de princípio; é a própria essência, na
medida em que é princípio do agir, que possui razão de potência.
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