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Aterrorizados pelo martírio de Santo Estêvão, os cristãos
começaram a se espalhar, fugindo para as regiões vizinhas.
Damasco, cidade da Síria, notável pelo desenvolvimento comercial,
de há muito conhecida pela indústria de finíssimos tecidos que lhe
tomaram o nome de damasco, foi uma das preferidas pelos cristãos.
Estes estavam em condições de se desenvolverem, a experiência de
Jerusalém já o demonstrara através da facilidade de atração dos
apóstolos, e era preciso tolher os passos de uma seita que pregava o
cumprimento de todos os anúncios que foram preditos pelos profetas e
publicamente reconheciam como Messias Salvador o galileu que poucos
anos antes fôra crucificado na montanha do Calvário.
E Saulo, um dos mais influenciados na luta pela destruição daquela
nova doutrina, com os documentos assinados pelos príncipes dos
sacerdotes, parte para Damasco, afim de aniquilar os cristãos.
Um semana era o suficiente para a viagem que deveria cobrir uns 250
quilômetros de estrada arenosa, tanta era a distância de Jerusalém
a Damasco.
Estavam Saulo e os companheiros já próximos de Damasco. O sol
abrazador, que os torturava nos dias da jornada, parecia mais ainda
inflamá-los na voragem conquistadora de suas pretensões. Dentro em
pouco estariam em Damasco, deliciando os seus olhares com a
contemplação de suas encantadoras paisagens, seus jardins floridos e
seus vergéis bem irrigados; apresentar-seiam às sinagogas,
iniciando a missão que ali os levava.
"Subitamente os cercou uma luz vinda do céu" (Atos IV, 3).
Mais resplandecente do que o sol, esta luz os atordoou, ofuscou
seus olhos e os prostrou por terra. Esta luz de propriedade tão
intensa interceptava os caminhos do homem para aclarar os caminhos da
graça.
A visão de um "homem celestial" confundiu o coração de Saulo que
ainda pôde ouvir estas palavras, cujo significado ainda não
compreendia: "Saulo, Saulo, porque me persegues? No seu
espanto, interroga: "'E quem és tu, Senhor?"
- "Eu sou Jesus, a quem persegues!"
Os companheiros continuavam aturdidos por terra, nada viam, apenas
ouviam a voz, e Saulo, perplexo, começara a compreender tôda a
verdade. Perseguindo os cristãos, perseguia a Cristo! Cada
cristão um complemento do Cristo. Êste pensamento que lhe fora
inspirado neste instante em que as luzes sufocavam as trevas, ele o
desenvolverá notavelmente, depois, em suas epístolas, na doutrina
do Corpo Místico de Cristo!"
Compreendera a censura da voz: "Eu sou Jesus, a quem persegues'.
Seu coração endurecido e apegado às falsas teorias do judaísmo que
se desenvolvera no abandono da religião pregada pelos profetas, se
quebrara, se despedaçara diante daquela voz que o transformava no
homem espiritual, cheio de disposições para uma completa submissão
à vontade de Cristo, e de zêlo para o novo apostolado pela causa
cristã. Isto ele o manifesta pelas suas palavras:
"Senhor, que queres que eu faça?" A ordem de perseguição é
rasgada, significando que abandonava a causa de sua missão, para se
colocar à disposição daquêle a quem até então perseguia.
Levanta-te, e entra na cidade, e ai te será dito o que deves
fazer". Nada mais era preciso que Jesus dissesse. A
transformação se ralizara. Continua Saulo a sua caminhada até
Damasco, meta de sua viagem, conduzido pelos companheiros a quem até
aqui guiara. Nada podia ver, pois seus olhos se ofuscaram,
roubando-lhe os encantos das primeiras avenidas de Damasco, que,
enfeitadas de frutos, ofereciam prazer e bem estar aos transeuntes. É
levado à casa de um tal Judas, onde seriam executados os planos de
combate aos sequazes do Nazareno, e onde o irá encontrar Ananias, a
quem o Senhor confiara o complemento de sua graça.
A conversão de Saulo é um fato admirável e da maneira como se deu,
sómente se pode atribuir á intervenção divina.
Os nacionalistas procuram em vão reduzi-Ia a um fato natural. Sua
existência perfeitamente equilibrada e unida, a convicção do
judaísmo que professava, ao lado da fé inabalável com que de
Damasco em diante pregará a doutrina de Cristo, afastam todas as
fantasias de críticos que supõem em S. Paulo uma mentalidade
imbuída de escrúpulos e dúvidas, ou então um complexo
psicológico. Baur, embora adversário, chegou à conclusão de que
o fato de Damasco resiste a todo ataque, às análises históricas,
lógica e psicológica. Além disto, em suas epístolas, por
diversas vezes, alude S. Paulo à sua conversão e à visão que
teve com precisão objetiva.
Em Damasco, Ananias, um dos primeiros membros do pequeno núcleo
cristão que ali existia, recebe uma ordem do alto: -
"Levanta-te, vai à rua Direita e procura em casa de Judas um
homem chamado Saulo. Êle espera por ti, porque te viu em sonhos
impor-lhe as mãos para que recupere a luz" (Atos IX,
10-13). Mas Ananias, cuja fama de Saulo já conhecia e o
sabia perseguidor, ousou responder: "Senhor, ouvi dizer a várias
pessoas que êste homem tem perseguido muito os teus santos em
Jerusalém, e aqui ele tem poder dos príncipes dos sacerdotes para
prender todos aquêles que invocam o teu nome". Mas o Senhor lhe
disse: "'Vai porque êste homem é o instrumento que escolhi para
mim, para levar o meu nome aos gentios, aos reis e filhos de
Israel."
Cumpriu Ananias a determinação do Senhor. Impôs-lhe as mãos
sôbre a cabeça, dizendo:
- "Saulo, irmão meu, o Senhor Jesus que te apareceu na estrada,
enquanto vinhas a Damasco, mandou-me a ti, para restituir-te a
vista e para que desça sôbre ti o Espírito Santo." E Saulo
viu. Seus olhos se desprenderam para a visão material, mas aquela
luz que o cegara fisicamente, já lhe havia curado espiritualmente, e
Saulo na estrada de Damasco já começara a enxergar a verdade de que
sua inteligência se saciou.
A conversão de Saulo foi o mistério impenetrável da graça e da
liberdade. Santo Agostinho alude nestes têrmos ao duelo entre Paulo
e a graça: "A graça deitou-o por terra e depois o ergueu
novamente."
Acontecimento importantíssimo e dos mais belos na história do
cristianismo, a conversão de Paulo foi um fato decisivo no
desenvolvimento do Reino de Deus sôbre a terra. Graças a ele a
Igreja se liberta do judaísmo e se volta para os gentios,
tornando-se uma Igreja Universal, uma Igreja Católica, como
Cristo a queria.
A conversão de S. Paulo é o triunfo da graça sôbre a natureza e
a vontade humana. E S. Paulo pôde exclamar: "A graça de Deus
não foi estéril em mim." (I Cor. XV, 10) .
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