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Encontramos no Evangelho apenas uma passagem que nos afirma que Jesus
escreveu. E o fêz sôbre a areia, censurando aquêles que condenavam
a mulher adúltera: "O que de vós está em pecado, seja o primeiro
que lhe atire a pedra" (João VIII, 7).
No entanto, já no fim do primeiro século, encontramos a mensagem de
Cristo traduzida em livros, o início de uma verdadeira literatura
cristã que aos poucos se foi aperfeiçoando. A Igreja nascente que
era santa em seus membros, heróica em seus mártires, era também
sábia em seus escritores.
Costume era em Israel os alunos escutarem os seus mestres e repetirem
suas máximas com exatidão. Os apóstolos ouviram a Nosso Senhor
que falava sempre de maneira extraordinária. Embora nada escrevesse,
suas palavras eram simples, ao alcance de todos, eloqüentes e
completas.
Para bem se fazer compreender, falava por alegorias e comparações,
e as parábolas do Evangelho encantam pela beleza e eloqüência.
Os apóstolos, na primeira catequese, procuravam transmitir de
maneira perfeita tudo aquilo que receberam de Jesus.
Era a pregação oral, simples, resumindo de forma completa a
doutrina cristã. A vida de Nosso Senhor era demonstrada na sua fase
oculta, que fôra preparação para o seu ministério, a grande
atividade dos três anus de vida pública, na Galiléia e na
Judéia, culminando com a Paixão e Ressurreição.
Conhecemos o grande amor que tinham os antigos pela tradição oral.
Os ensinamentos eram transmitidos de homem para homem, através das
gerações. A missão dos apóstolos era transmitir a mensagem de
Cristo aos seus discípulos que por sua vez a passariam à
posteridade.
Entretanto, com o grande crescimento da Igreja, temia-se pela
integridade e fidelidade da transmissão. Surgiram, então, os
primeiros livros, pequenos, redigidos em grego e autenticados pelos
apóstolos, e que continham os ensinamentos de Cristo.
Pouco depois encontramos os ensinos e vida de Jesus em um único livro
- o Evangelho - que contém os quatro evangelhos.
A finalidade dos evangelistas não é de ordem literária, mas a
fidelidade em transmitir os ensinamentos de Jesus, dando cada um
dêles o seu próprio testemunho. Estão de acôrdo quanto às
substância da doutrina, mas variam na forma e no estilo. Os três
primeiros são chamados sinópticos, pela disposição dos
parágrafos, permitindo uma leitura simultânea.
O historiador Pápias, em 130, afirma que "Mateus pôs em ordem
os ditos de Jesus em arameu". Escreveu na Palestina o seu
Evangelho e o fêz de acôrdo com o meio e o pensar do povo judaico,
sem se preocupar com dados biográficos, mas referindo tudo aquilo que
ouviu de Jesus. Sua obra se baseia nos grandes discursos do Mestre.
Marcos se preocupou em escrever o que ouvia de Pedro, que em suas
catequeses se referia à vida de Cristo e á sua doutrina. Não há
arte, nem ordem em seu evangelho, pois se limitava em redigir o que
ouvia de Pedro, cuja pregação atendia às necessidades e
circunstâncias:
Já o Evangelho d.e S. Lucas é obra prima, a primeira do
cristianismo, redigida em elegante grego e de forma artística e
inteligente. Lucas era de fato um homem de ciência, "o médico
querido", de que S. Paulo fala várias vêzes em suas cartas, o
companheiro de viagens do Apóstolo das Gentes. Iniciado o seu
trabalho, não apenas se baseou nos escritos de Mateus e Marcos, mas
procurou ouvir testemunhas, quando de sua estadia na Palestina.
É possível que a própria Virgem Santíssima lhe tenha dado
preciosos informes dos primeiros tempos de Jesus.
O quarto evangelho é o de São João, o discípulo do Senhor,
aquêle que repousou sôbre o seu peito. Sempre acompanhando 0
Divino Mestre em sua vida pública, João pôde descrever de maneira
mais precisa as caminhadas feitas por Cristo, e os locais exatos de
seus discursos e de seus milagres. E escrevendo em um tempo onde já
apareciam as heresias, João procurou dar resposta a todos os erros,
e não se contentou apenas em narrar fatos materiais, mas tornou o seu
evangelho espiritual, no dizer de S. Clemente de Alexandria. Em
cada um dos milagres realizados por Cristo, descreve êle a
preparação para os grandes milagres de ordem espiritual. Assim, a
multiplicação dos pães prefigura a Santíssima Eucaristia; a
ressurreição de Lázaro, a vida eterna que Cristo nos promete; o
Bom Pastor, o próprio Cristo a vigiar e conduzir as suas ovelhas.
Novos escritos vieram juntar-se à literatura cristã iniciada nos
Evangelhos: os Atos dos Apóstolos, as Epístolas e o
Apocalipse.
Os Atos, recolheram as primeiras atividades dos apóstolos, e são
um documento valiosíssimo para a história do Cristianismo, que aí
encontra os seus primeiros dias, as primeiras conversões, a vida de
comunidade dos fiéis em Jerusalém. a evangelização da Judéia e
S amaria, bem como o início das pregações em terras pagãs.
Descrevem-nos também a conversão de São Paulo e as suas longas
viagens de evangelização.
São os Atos atribuídos a S. Lucas, pela semelhança de estilo
com o seu evangelho, e apresentados de forma inteligente, bem estudada
e documentada.
S. Lucas, que era um homem de ciência, não apresentou um trabalho
teológico. Preocupou-se em narrar a missão apostólica e o
desenvolvimento da Igreja nascente.
Seu trabalho se completou pelas famosas Epístolas dos Apóstolos,
especialmente as de S. Paulo, conjunto de textos morais,
espirituais e teológicos, enviados às comunidades que surgiam,
garantindo a sua fidelidade e amor á doutrina nova do Evangelho.
As Epístolas de S. Paulo são extraordinárias pela segurança de
suas normas, plenamente de acôrdo com a sua própria vida de um
convertido que se santificava cada dia.
São a interpretação admirável da mensagem de Cristo, adaptada
não apenas ao seu tempo, mas aos tempos todos, que aí encontram a
verdadeira fonte da grandeza, unidade e refulgência da doutrina e
moral cristãs.
Os grandes autores da Teologia e Filosofia cristãs sempre se
fundamentam nas citações do grande Apóstolo, autenticando suas
monumentais obras com o sêlo do pensamento paulino que de forma
admirável e incomparável interpretou a mensagem do Rendentor da
humanidade.
As demais Epístolas, embora destituídas da profundidade e
inteligência das precedentes, são obras preciosas pelos ensinamentos
morais, como a de São Tiago, pela documentação histórica, como
as de São Pedro, e pela fortaleza nos perigas e perseguições,
como as de S. Judas Tadeu.
A elas se reunem as de S. João, escritas aos fiéis para combater
os herejes que negavam a divindade de Jesus, a necessidade das boas
obras, e salientando em suas cartas o amor fraterno que deve unir todos
os cristãos.
A estas obras tôdas da literatura cristã dos apóstolos,
acrescente-se o Apocalipse, que foi escrito por S. João, quando
desterrado se encontrava em Patmos. Chamou-se Apocalipse, teto
é, revelação, pois trata de cousas futuras. A Igreja o considera
como livro profético. Foi escrito em uma época em que a Igreja se
encontrava perseguida em Roma. O próprio João fôra testemunha
destas calamitosas opressões, e escapara miraculosamente do
martírio. Foi a reação do apóstolo que através das inúmeras
imagens, das visões selvagens, da besta apocalíptica, e de
brilhantes símbolos, demonstra a segunda vinda de Cristo no juízo
final para julgar os vivos e os mortos, como Rei de justiça.
Era um facho de esperança em meio às perseguições. A certeza de
que não prevaleceriam as fôrças do mal, e que a vitória no fim dos
tempos seria de Cristo e da Igreja, fortaleceria os fiéis. "Eu
sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o último, o Princípio e o
Fim" (Apoc. 22, 13).
Com os textos de S. João, encerra-se a lista dos livros
inspirados que formam o Nôvo Testamento. Aí o resumo da
grandiosidade da doutrina e moral cristãs,o compêndio da mensagem de
Cristo Salvador ao mundo!
São os primeiros textos cristãos fonte inesgotável de ensinamentos,
que jorram abundantes do Coração de Cristo e que transmitidos pela
eloqüência e vigor dos Apóstolos, se espalharam pelos séculos,
constituindo a famosa literatura cristã, que proclama a grandeza e a
glória da mensagem salvadora de Cristo à humanidade.
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