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Constantino, jovem príncipe, filho do Augusto Constâncio Clero,
já se tornara conhecido pelo seu garbo e valentia, grangeando a
afeição e estima de Diocleciano. Proclamado Augusto pelas legiões
da Bretanha, após a morte de seu pai, Constantino teve que
desbaratar os exércitos daqueles que pleiteavam o título de
Imperador.
Enquanto Licínio, que no Oriente substituira o perverso Galério,
liqüidava o exército de Maximino, Constantino marchava para
derrubar o usurpador Maxêncio, que estava senhor de Roma.
Isto aconteceu em 312, após um encontro entre Constantino e
Licínio.
Seguindo os passos de seus pais, Constantino se mostrava favorável
aos cristãos e aguardava oportunidade para lhes conceder a liberdade de
culto, quando um fato milagroso veio apressar o seu desejo.
Ao aproximar-se do rio Tibre, no avanço contra as tropas de M
axêncio, divisou no céu uma luminosa cruz e em caracteres brilhantes
as palavras: "In hoc signo vinces - por êste sinal vencerás".
Historiadores como Eusébio e Lactâncio nos trazem alguns
esclarecimentos que são de grande importância para o julgamento da
posteridade. Eusébio declara formalmente que na luta contra
Maxêncio, "Constantino invocou a Cristo e lhe ficou devendo a
vitória". Continua a sua versão, afirmando que Constantino, no
momento da luta, apelou para o Deus dos cristãos e em pleno dia viu
no céu uma cruz luminosa com estas palavras: "'Com êste sinal
vencerás". Depois, Cristo lhe apareceu, mostrando-lhe a sua cruz
e ordenando ao Imperador que fizesse uma insígnia que a
representasse.
Lactêncio se refere a um êxtase que teve Constantino pouco antes da
batalha, durante a qual recebeu de Cristo ordem para colocar sôbre o
escudo de suas tropas um sinal formado pelas duas letras gregas CH e
R, o monograma que se encontra nas moedas e inscrições
constantinianas.
A frente dos exércitos de Constantino apareceu desde êste momento o
Lábaro, estandarte em forma de cruz. O monograma de Cristo e a
cruz fulguravam nos capacetes de seus soldados. gravou-se luta renhida
e Constantino derrotou o seu opositor que se afogou nas águas do
Tibre.
Como triunfador, Constantino entra em Roma sob o delírio e
aclamações de todos, especialmente dos cristãos que saudavam ju
bilosos e reconhecidos uma nova era de paz e tranqüilidade após três
séculos de perseguições e opressões cruentas.
Pouco depois em Milão, de acôrdo com Licínio, promulgou o famoso
Edito de Milão que concedia a liberdade absoluta dos cultos e
restituia á Igreja todos os bens que lhe foram confiscados durante as
perseguições. Dava-lhe o direito de ser ajudada a reconstruir e
reerguer as suas ruínas.
Era o início de uma era auspiciosa para a Igreja, que alicerçada no
heroísmo de seus mártires e na fidelidade de seus membros, iria
ressurgir gloriosa, mostrando ao mundo o valor e fôrça com que
vencera as perseguições.
O Edito de Milão era o triunfo oficial do cristianismo.
A igualdade de condições entre o cristianismo e o paganismo, outra
cousa não era senão o reconhecimento do Império de que se enganara
ao tentar destruir a Igreja, e significava o declínio das antigas
crendices do paganismo e a ascensão definitiva do cristianismo.
Os cristãos sabiam que não poderiam ser superiores a Cristo que
afirmou: "O discípulo não é mais que o mestre."
Se Cristo foi perseguido, também êles seriam alvo de ódio e de
opressões. O drama do Calvário fôra antes o início de uma luta
constante que se desenvolveria nos séculos, cujo desfêcho seria o
triunfo de Cristo.
Assim, a Igreja, fortalecida pelas palavras de Jesus - "nada
temais, eu venci o mundo", aparecia gloriosa após as lutas e
perseguições, desdobrando, orgulhosa, perante a posteridade, os
nomes gloriosos ele seus mártires, cujo sangue profusamente derramado
fôra na verdade semente abençoada de cristãos.
A Constantino, sem dúvida, a Igreja deve a consolidação de suas
posições e o seu fortalecimento que a tornou inexpugnável diante cias
outras lutas que se seguiram.
Os historiadores cristãos traçam os maiores encômios e elogios à
figura de Constantino que, não obstante admirar e proteger muito os
cristãos, e tudo fazer para extinguir o paganismo, teve que
suportá-lo num Império onde os cristãos ainda eram a minoria, e
destruir de vez o paganismo lhe teria sido muito difícil.
Não poderia a história deixar de mencionar também os desmandos
praticados pelo grande Imperador e que no entanto vivia em uma época
em que a vida humana tinha valor relativo: Dêste modo, ainda um
pouco submisso às tendências pagãs, torturou os seus adversários
vencidos, mandou estrangular a Licínio, seu cunhado e aliado, com
quem se desentendeu, e não poupou à sua fúria violenta o seu
próprio filho Crispo e sua espôsa Fausta.
Constantino procurou estabelecer uma política cristã, reconhecendo a
sua missão de representante de Deus, e afastando do Imperador o
título "divino", usurpado pelos seus predecessores.
Uma grande transformação se operou no Império pela ação salvadora
do Imperador Constantino. Ao lado do único poder universal que era
o Império Romano, o reconhecimento de um só Deus verdadeiro. Era
a doutrina cristã que se espalhava, afastando os ódios de entre os
povos, e levando a paz ao mundo. A doutrina cristã do amor foi
substituindo 0 ódio do paganismo. A humanidade começava a se
cristianizar. Privilégios se concederam à Igreja e ao Clero.
Editos se promulgaram condenando os suplícios, reorganizando a
família, dando melhoria de condição aos escravos. Leis morais
foram assinadas, para que a sociedade fosse construída no respeito e
na dignidade. É a sociedade pagã que cedia o lugar à sociedade
cristã.
O domingo e as grandes festas litúrgicas - Páscoa, Natal,
Pentecostes - são colocadas no calendário, aos poucos abafando as
tradicionais festas pagãs. Por tôda parte no Império se erguem as
Igrejas cristãs e se constroem as famosas basílicas constantinianas
para o culto do verdadeiro Deus. As divindades pagãs e os velhos
deuses desaparecem e em seus lugares surgem as imagens dos santos.
O princípio de unidade e de ordem, que centralizava a política de
Constantino, será perfeitamente encontrado no cristianismo que fazia
da unidade a sua perfeição, e da ordem a firmeza de sua disciplina
pela hierarquia da Igreja. Os cristãos já eram, aceitos como
funcionários públicos e os princípios evangélicos eram colocados em
prática sob a proteção do Império.
Estas e muitas e grandes vantagens usufruídas pela Igreja na grande
transformação que Constantino realizou, tornando um Império pagão
em um Império cristão.
Mas a Igreja que saíra vitoriosa das perseguições, onde a fé e o
heroísmo de seus mártires foram postos à prova, iria reiniciar um
nova luta: a pouca fé, a ignorância e fraqueza de muitos daqueles
convertidos que estavam longe de representar os que tombaram corajosa e
galhardamente na arena das opressões. Os domínios temporal e
espiritual acabaram se confundindo, e a Igreja, que gozava de
ilimitada proteção do Estado, deveria se submeter ás muitas
intromissões do poder temporal. Dificilmente poderia ser posta em
prática, nestas circunstâncias, a grande sabedoria do preceito de
Cristo: "Dai a César o que fôr de César e a Deus o que fôr de
Deus."
Foram estas dificuldades que levaram Renan a exclamar, embora com
exagêro: "O cristianismo soçobrou na vitória."
Jacques Zeiller, historiador católico, foi mais sereno ao
referir-se á situação: "Apenas libertada da opressão, a Igreja
ia conhecer uma prova talvez mais terrível ainda que a hostilidade: a
proteção tão fàcilmente onerosa do Estado." Felizmente, a
gravidade da situação que ia tomando proporções de caráter
prejudicial aos interêsses da própria doutrina cristã do amor, foi
pressentida por inteligentes e serenas figuras da Igreja, que se
opuseram anos mais tarde aos excessos de influência oficial.
Foi o início dos sérios conflitos entre a Igreja e os poderes
temporais, conflitos que se salientaram séculos depois na Idade
Média.
Em 330 Constantino iniciou a construção da nova Roma, mais no
centro do Império, na margem européia do Bósforo, a cidade do
esplendor e do fausto que a voz popular chamou Constantinopla, em
homenagem ao seu fundador, cidade resplandecente do ouro e do
mármore, protegida pelas mais fortes muralhas do mundo.
A Igreja que se estabelecera na antiga capital preferiu aí
permanecer, mesmo para que mais fàcilmente se afastasse da sujeição
do poder temporal, tornando-se independente.
"Qualquer mão oculta”, disse Joseph de Maistre, “expulsava os
imperadores da Cidade Eterna, para a dar ao Chefe da Igreja
Universal”.
Constantino já havia dividido todo Império entre os seus filhos e
sobrinhos e pressentira a sua morte, atacado por incurável doença.
Fêz-se transportar para a sua modesta casa de campo perto de
Nicomedia, sempre acompanhado do Bispo Eusébio. Foi aí que pediu
o batismo, cousa que jamais o fizera, não obstante sua afeição para
com o cristianismo. Prevalecia na época a idéia de se diferir o
batismo para o momento da morte, quando então se teria a garantia
absoluta do perdão de todos os pecados e crimes e a certeza de
salvação. Talvez Constantino se deixasse levar por estas
tendências da época.
Despindo-se das púrpuras imperiais e com a veste branca dos neófitos
fêz-se cristão, recebendo o batismo, no leito de morte. Pôde
exclamar com emoção: "Chegou o dia de que eu tinha sêde há muito
tempo, a hora da salvação que eu esperava de Deus; nêste dia sou
verdadeiramente feliz!"
Morreu Constantino no dia 22 de maio, festa de Pentecostes.
A Igreja preza a sua memória e a história perdoa os seus erros e os
seus crimes, pois Constantino fêz com que sôbre o mundo brilhasse a
cruz que não foi apenas o símbolo de sua vitória às margens do
Tibre, mas que em seu Império resplandeceu no coração da Roma
pagã para a vitória decisiva do cristianismo no mundo!
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