|
Realizado o milagre da conversão de Saulo, vai êle iniciar a sua
missão, anunciando a Cristo e sua doutrina.
Quis, porém, preparar-se na solidão e no retiro para a importante
tarefa que lhe era destinada e retira-se para a Arábia, onde
permanece algum tempo o nôvo cristão, esforçando-se por harmonizar
o velho homem com aquêle em que se transformara há pouco. Sua estada
aí foi importante para a evolução interior e o amadurecimento da
teologia paulina que êle chama o "seu Evangelho", que foi fruto da
iluminação interior, da meditação unida à prece e ao profundo
estudo da Bíblia. À luz do Evangelho lhe são aclarados os seus
estudos do Antigo Testamento.
Regressando a Damasco, recomeçou Saulo a falar do Messias e da sua
fé, e isto o fazia nas próprias sinagogas em que tinha acesso.
Sobe depois a Jerusalém para encontrar-se com os apóstolos e com os
fiéis que ali se reuniam. Se em Damasco se surpreendem com sua
atitude e o têm como um renegado, em Jerusalém os cristãos não
podem compreender sua transformação e dêle desconfiam. Um
helenista, recém-convertido, de nome Barnabé, o conhecia bem,
fôra seu colega de estudos e o apresentou aos Apóstolos,
responsabilizando-se por êle.
"Então Barnabé, tomando-o consigo, o levou aos Apóstolos"
(Atos IX, 27).
Em seu contato com Pedro durante 15 dias, Saulo lhe conta e aos
discípulos o mistério da graça que em sua alma se operou, e suas
primeiras pregações em Damasco. Por sua vez, Pedro lhe narra a
história dos três anos passados em companhia de Cristo, a sua
mensagem e os fatos maravilhosos de sua vida.
Barnabé, que fôra enviado pelos Apóstolos à Antioquia, volta á
procura de Saulo na Cilicia e o leva consigo para os grandes trabalhos
na cidade de Oronte, onde grande multidão foi instruída no espaço
de um ano, aí recebendo os discípulos pela primeira vez o nome de
cristãos.
Estava por assim dizer terminado o aprendizado de Saulo, a sua
formação de apóstolo sob a orientação competente de Barnabé.
Agora, ei-lo pronto, disposto ao trabalho, na conquista do mundo
para a cruz.
Verdadeiro apóstolo da causa de Cristo, sua vida se confunde com a
doutrina que propaga. Seus dias se enchem no esfôrço e no trabalho,
irradiando o Evangelho aos Gentios, levantando novas Igrejas por
tôda parte e traçando para as suas comunidades orientações e
conselhos através de suas famosas epístolas, em que resume de maneira
perfeita e admirável tôda a doutrina e moral cristãs, hoje, como
ontem, constituindo a fonte abundante da fecunda ação da Igreja de
Cristo. Obras primas do pensamento cristão, elas nos transmitem com
inteira fidelidade muitas palavras de Jesus; narram com tôda
exatidão a instituição da Eucaristia, e ainda a doutrina de Cristo
sôbre a indissolubilidade do casamento.
A conversão do governador romano Sérgio Paulo foi o primeiro
triunfo do cristianismo nas classes elevadas da sociedade romana. A
partir daí a personagem principal deixa de ser Barnabé que foi se
recuando para um plano secundário. E São, Lucas, daí para
frente passa a designar o Apóstolo unicamente pelo seu nome de
cidadão romano: Paulo.
A ação de S. Paulo se desenvolve em dois grandes períodos:
primeiramente na região oriental: Ásia Menor, Grécia, e bacia do
Mar Egeu, no meio de grande inquietação religiosa. Depois as
circunstâncias o removem para Roma, a cidade que centraliza, os
poderes. Em ambos os casos, sua ação se desenvolve longe do Templo
e da Palestina, diante das nações às quais Jesus ordenara fosse
levado o seu Evangelho - "gentes", no latim, donde a tradição
derivou gentios.
Nada poderia deter sua missão. Os obstáculos eram removidos pela
sua firmeza e constante fortaleza; nem as chicotadas, as bastonadas,
o mêdo da morte, perigos do mar, do deserto, as ameaças, fome,
sêde, frio, tempestades, afrontas são capazes de o prostrar. Tudo
suporta por amor de Cristo (II Cor. XII-10).
Apontam-se três grandes viagens do Apóstolo, portanto três
grandes missões em seu Apostolado. Chipre, Ásia Menor, os
elevados planaltos da Panfília, Psídias, Licaônia, Derbe,
Antioquia de Psídias, Icônio, Listra e Antioquia, constituem a
primeira missão. Após o Concílio de Jerusalém, realiza a sua
2.a missão, voltando à Ásia Menor, afim de visitar as
comunidades já criadas, dirigindo-se depois à Galácia e mais tarde
à Macedônia. Em Éfeso inicia a terceira grande missão,
continuando-a na Grécia, nas Ilhas da Ásia, pouco depois pela
Síria e Palestina, regressando finalmente, a Jerusalém.
Ao lado de sua inteligência, colocada ao serviço do bem,
confundindo os seus adversários com argumentos exatos e fortes,
admiramos o heroísmo e a perseverança do Apóstolo, jamais recuando
diante dos difíceis obstáculos que a cada passo transpõe com coragem
e fé.
Foi fiel à sua missão, apóstolo no sentido mais completo da
palavra, vida verdadeiramente santa, homem de virtudes,
submetendo-se às mais duras penitências, para que o espírito nêle
triunfasse sôbre a carne: “castigo o meu corpo e o reduzo à
escravidão, para que não suceda, que tendo pregado aos outros, eu
mesmo venha a ser réprobo" (Cor. IX, 27).
Foi em Jerusalém, no Templo, que os formalistas judeus se atiraram
contra êle, e arrastando-o para fora, o acusaram de sacrilégio, de
ter introduzido no lugar santo, onde apenas os israelitas de boa raça
têm acesso, um incircunciso, Trofimo de Éfeso, que fora visto com
êle na cidade.
Em meio à fúria da multidão prestes a devorá-lo, tamanho é o seu
ódio contra o apóstolo, pede a palavra e em hebraico, com voz firme
e persuasiva, narra a sua história, a sua conversão maravilhosa, a
sua cidadania romana. Conduzido a Cesaréia ao Presidente Félix,
êste o deixou na prisão para ser agradável aos judeus. Diante de
Festo, sucessor de Félix, Paulo apela para César e exige que o
mandem para Roma.
Assim, na primavera de 60, do navio que o conduzia, Paulo vê
surgir ao longe a baía napolitana, o Vesúvio que fumegava e chegava
à Itália, onde sabia que daria o supremo testemunho. .. Embora
colocado "sob vigilância militar", - "custodia militaris" -
Paulo gozava de uma certa liberdade, o que lhe permitia desenvolver o
seu apostolado, quer entre os romanos, quer através das muitas cartas
que enviava às comunidades por êle fundadas.
Colocado em liberdade, aproveita o tempo que êle sabia ser breve, e
realiza novas viagens de apostolado, sendo pouco depois conduzido
novamente prêso a Roma. Aí, os cristãos sofriam a terrível
perseguição que lhes era movida por Nero que os acusara injusta e
covardemente do incêndio de Roma.
Cumprida a sua missão, aguardava a esperança da morte, que seria
para êle a plenitude de sua fidelidade. "Aproxima-se o instante de
minha partida. Combati o bom combate e a minha carreira está no fim.
Defendi a fé. Espero apenas receber a coroa que me está reservada e
que me dará o Senhor, o juiz justo" (II Tim. IV, 6-8).
Os textos nada nos dizem de sua condenação e morte, se houve ou não
algum processo e se as garantias de cidadão romano lhe foram dadas.
Uma antiga tradição da Igreja afirma que êle foi executado na Via
Óstia, sendo-lhe decepada a cabeça, conforme o privilégio que o
direito de cidadania lhe concedia. A mesma tradição associa a morte
de S. Pedro, Príncipe dos Apóstolos, à do Apóstolo das
Gentes.
Diz a lenda que da cabeça decepada manava leite e sangue, ao passo
que a boca abençoada proferia o nome de Jesus e que a cabeça sagrada
saltou três vêzes por terra, fazendo brotar três nascentes de
água, conhecidas pelas três fontes de S. Paulo e onde se ergue
hoje o convento dos trapistas, que silenciosamente velam o lugar
sagrado do martírio de S. Paulo.
A maravilhosa Basílica de S. Paulo extramuros conserva a
lembrança da "deposição"' do Apóstolo. Sôbre o seu túmulo
então apenas estas simples palavras: "A Paulo Apóstolo e
Mártir". Aí uma multidão imensa vai se prostrar em prece,
peregrinos que acorrem constantemente à cidade eterna, honrando
aquêle que foi escolhido por Cristo para ser o seu vaso de eleição e
que se denomina "'O apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de
Deus, para anunciar a promessa de vida."
"Apóstolo das Nações", "São Paulo tem-se conservado acima
do decorrer dos séculos e do desenrolar dos acontecimentos,
trazendo-nos a sua mensagem que o tempo não consegue fazer
desaparecer, e cujas lições são, de permanente atualidade", como
escreve Daniel-Rops.
Seus ensinamentos continuam refulgentes na Igreja de Cristo, como
resposta viva á negação do sobrenatural, às infidelidades, ao
absurdo de teorias e sistemas, demonstrando que nada poderá destruir o
Evangelho de Cristo, luz sôbre as trevas do mundo, brilhando nos
corações de todos os fiéis e nêles marcando as promessas de gloriosa
vida futura.
A História de S. Paulo, o convertido de Damasco, é uma das
mais belas que o cristianismo nos legou, em seus primeiros tempos, e
que aponta aos séculos o Apóstolo perseverante, o Mártir
valoroso, cujo sangue derramado pela Revolução da Cruz se
transformou em semente de um cristianismo esplendoroso que continua na
terra sua ascensão de paz, justiça e caridade.
|
|