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Destruição de Jerusalém foi um golpe decisivo para os
judeus-cristãos que sonhavam uma igreja nacional judia, com exagerado
culto à tradição legal de Moisés. Triunfara, por fim, o
conceito exato de "Ecclesia”, a sociedade de todos os crentes em
Cristo, sem distinção alguma de nacionalidade ou de condição,
conforme os ensinamentos de S. Paulo: "Já não há gentio, nem
judeu, circuncidado ou incircuncidado, Bárbaro ou Seita, de servo
e livre, mas Cristo é tudo em todos" (Colos. III, 11).
Portanto, "um só Senhor, uma só fé, um só batismo" (Ef.
IV, 5) na Igreja que deve ser santa, porque Cristo morreu para
purificá-la de tôda mancha.
O cristianismo que viera do Oriente, passadas as perseguições
sangrentas, haveria de encontrar na capital do Império ambiente
favorável para a afirmação de sua doutrina e o centro donde se
irradia para o mundo todo.
Roma nos primeiros tempos do cristianismo dominava todos os países do
Mediterrâneo, e seu domínio se estendia por vastas regiões, numa
população superior a 120 milhões de súditos.
Nêste imenso Império havia de ser pregada a religião de Cristo e
estabelecida a sua Igreja.
Ao lado de gigantescos progressos na vida material que levava
prosperidade ao mundo romano, via-se uma decadência acentuada na vida
intelectual e nos costumes A filosofia em crise, quando poucos se
interessavam pelos conceitos de existência e liberdade; a religião
antiga em decadência; as classes altas haviam perdido a noção da
"verdadeira" divindade, e já os deuses não eram cultuados;
prevalecia a superstição, e o povo chegou atributar honras divinas a
homens vivos, como os imperadores.
A grande missão do cristianismo era precisamente libertar aquêles
espíritos oprimidos pelo paganismo e abrir-lhes o caminho para a nova
luz.
As condições romanas eram em parte favoráveis à expansão do
cristianismo, como a paz romana, a língua única, as
comunicações, a superficialidade das religiões orientais até
então, o paganismo desacreditado pelos filósofos.
De outra parte, os novos valores espirituais trazidos pelo
cristianismo, em oposição aos humanos e morais em que se apoiava o
férreo poderio imperial, eram a certeza de tremenda luta sangrenta que
pouco depois se desencadearia.
O cristianismo pregava uma renovação dos costumes que nenhuma
religião pagã jamais havia exigido com tanta energia. O Reino de
Deus deveria se conquistar com violência. A progressiva afirmação
do pensamento cristão preocupou não só os filósofos pelas suas novas
idéias, como também o govêrno obrigado a defender a religião
oficial do Império romano.
Tràgicamente célebres as sangrentas repressões, fruto da luta do
Estado romano que pretendeu destruir com violência e tirania a nova
religião, o que jamais conseguiu, pois Cristo protegeria sempre os
seus: "eis que estarei convosco todos os dias até à consumação dos
séculos".
Apesar da liberdade concedida aos cidadãos romanos de praticar
livremente os cultos de nações extrangeiras, a participação do
culto público oficial, especialmente quando dirigido aos imperadores e
a Roma, era considerada como manifestação expressa de fidelidade ao
Império, e negar-se a isto, era crime contra a divindade e o
Estado.
O cristianismo não admitia equívocos; cuco culto que não fôsse o
seu constituía uma impiedade. Os cristãos jamais cultuariam os
deuses e começaram a ser acusados e em conseqüência perseguidos como
inimigos do Império.
Desde o martírio de S. Pedro e S. Paulo, no reinado de Nero,
até o advento de Constantino a Igreja foi perseguida. Houve anos de
relativa tranqüilidade, mas as lutas eram recrudescidas a cada passo.
O número de perseguições gerais varia segundo os autores, uns
apontando as maiores e que se estenderam a todo Império, outros
apenas as menores e que atingiram algumas partes sómente do vasto
reino.
Das Atas dos Mártires, dos escritos dos Santos Padres e
testemunhos de escritores pagãos, se deduz que o número dos que
sofreram o martírio foi muito elevado.
Nero inaugurou as perseguições contra os cristãos, tomando por base
o grande incêndio que em 64 destruiu boa parte de Roma, e do qual
os cristãos foram injustamente culpados. Provàvelmente esta
perseguição não se, estendeu por todo o Império.
Domiciano foi o segundo perseguidor. Apesar de suas eminentes
qualidades, sua inteligência e amor ao trabalho, era de índole
antipática, orgulhoso, querendo tudo para si, suspeitando de tudo e
de todos. O furor com que se lançou contra a aristocracia romana que
teve alguns elementos sacrificados, por crime de conspiração,
estendeu-se aos filósofos que se permitiam defender os direitos de
liberdade, e chegou até os cristão. A nova fé já se alargara,
subira às altas camadas sociais, e membros de aristocracia,
convertidos ao cristianismo, como Atílio Glabrião, Flávio
Clemente e sua espôsa Flávia Domitila, foram martirizados. A
vítima mais ilustre de Domiciano foi o apóstolo São João,
mergulhado, por ordem do tirano, numa caldeira de óleo a ferver. O
discípulo predileto, saindo daí incólume, foi desterrado para a
ilha de Patmos, onde escreveu o Apocalipse.
Com alguns intervalos que garantiram paz aos cristãos, continuaram a
ser perseguidos no reinado de Trajano, Marco Aurélio, Séptimo
Severo, Maximiano, Décio, Valeriano, Aureliano e finalmente
Diocleciano.
Todos êstes passaram â história manchados pela perfídia e
desprezados pela posteridade.
A mais feroz das perseguições foi a ordenada por Diocleciano, a
última do Império. Havia trinta anos que os cristãos estavam em
paz; suas reuniões eram públicas. Por tôda parte, nos altos
postos, muitos magistrados e funcionários do Império eram conhecidos
como cristãos. Já eram numerosos os que viviam na côrte. Prisca,
mulher de Diocleciano, e Valéria, sua filha, mantinham com os
cristãos estreitas relações. O paganismo se desmoronava e começava
a dominar a nova doutrina do cristianismo. Durante dez anos,
Diocleciano via tudo isto e nada modificou.
Razões obscuras não conseguiram ainda explicar as causas da
perseguição, a mais terrível de tôdas. -
Para o historiador cristão Lactâncio, que freqüentava a casa
imperial, e deveria ser bem informado, Galério, a quem Diocleciano
confiou a Ilíria, na divisão do Império, fôra o grande
responsável pela perseguição. Homem bárbaro, decidiu êle que os
militares cristãos fôssem intimados a sacrificar aos deuses, se
quisessem continuar em seus postos.
Diocleciano, que a princípio hesitava em desencadear a
perseguição, impressionado pela astúcia-de Galério, pelos
arúspices e oráculos que afirmavam que 'a presença de cristãos na
escolta entravava os podêres divinos, prepara o edito e ordena que se
fechem as assembléias cristãs, sejam demolidas as Igrejas,
destruídos os livros sagrados, e os cristãos para desempenharem
funções públicas obrigados a abjurar a fé cristã.
Outros editos se seguiram e desencadeou-se através de todo o império
a perseguição sanguinária.
O Ocidente sofreu menos, porque Constâncio Cloro, que tinha por
espôsa uma cristã, Helena, era simpatizante dos cristãos, e
senhor de grande parte dos territórios, reduziu ao mínimo a opressão
na Gália e Bretanha.
Dolorosa a enumeração de tôdas as crueldades, e narrativas
impressionantes de martírios nos deixou esta perseguição, com as
mais horríveis torturas, especialmente no Oriente, onde Galério
feria sem piedade.
Em Roma, o nobre soldado Sebastião teve seu peito abrasado mais
ainda no amor de Deus pelas setas sangrentas dos carrascos imperiais.
Soldado da Pátria, disposto a defendê-la na paz e na guerra, êle
o era também de Cristo, cuja fé jamais trairia.
Diocleciano afastou-se do govêrno e teve ainda alguns anos para
presenciar o triunfo do cristianismo que êle combatera tão
cruelmente.
Passaram as perseguições! O cristianismo transpôs a todos os
obstáculos, semeando pelo Império romano o sangue dos mártires.
"Semen est sanguinis christianorum", dirá Tertuliano. Semente
que germinou, cresceu e desenvolveu-se por todo 0 mundo.
A cristandade nascente nos faz pensar na comparação evangélica do
pequeno grão de mostarda que é a mais pequena das sementes, mas que
se desenvolve, torna-se árvore, onde as aves do céu fazem o seu
ninho.
Tornava-se presente em tôda a parte, irradiando-se e lançando pelo
mundo as suas sólidas raízes que jamais poderiam ser arrancadas.
Pela história do cristianismo conhecem-se as florescentes comunidades
da Gália, África e Ásia com suas ilhas; outras em Alexandria do
Egito, que se celebrizariam pelos estudos teológicos mais tarde, na
Grécia e pelo Império .todo, onde se encontram as mais belas
ruínas cristãs, monumentos históricos que comprovam a florescência
dos primeiros tempos.
A sementeira cristã que se fizera no espaço, espalhara-se no
coração da gente, e aos poucos a palavra evangélica, antes acolhida
pelo povo humilde sómente, atingiu as classes ricas, as esferas
sociais superiores. E Tertuliano, com razão, chegou a afirmar:
"Os pagãos se imitam ao verem entre os fiéis de Cristo gente de
tôdas as categorias". Não obstante o seu entusiasmo literário ao
dizer: "Somos de ontem e enchemos já as nossas cidades, as nossas
praças, os municípios, os conselhos, os campos, as tribos, as
decúrias, o Palácio, o Sevado", anos mais tarde, Orígenes
dirá que os cristãos são ainda "muito pouco numerosos", entre os
milhões de habitantes do Império, uma minoria no primeiro século,
mas ativa e que crescerá sempre, tornando-se dois séculos depois uma
maioria.
Sepultados na própria monstruosidade de seus crimes, desapareceram os
tiranos perseguidores dos cristãos.
E chegou o momento do triunfo para o cristianismo. A cruz se gravou
luminosa no céu, como aurora refulgente de uma nova era: "Com êste
sinal vencerás!"
E brilhou fulgurante no coração do Imperador Constantino. Era a
vitória final! A Igreja vencera os déspotas com a fôrça e
heroísmo de seus membros.
E a cruz se fincará para sempre na terra remida pelo sangue de
Cristo!
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