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Numa de suas conversas com os seus Apóstolos, depois da Ceia,
Nosso Senhor os adverte das perseguições que sofreriam, para que
não se escandalizassem, quando chegassem os dias difíceis. "Eu vos
disse estas cousas, para que não vos escandalizeis.
Lançar-vos-ão fora das sinagogas... disse-vos estas cousas,
para que, quando chegar o tempo, vos lembreis de que eu vo-las
disse" (S. João XVI, 4).
Outras e semelhantes advertências fêz Cristo a seus apóstolos, e
as encontramos nos Evangelhos: "Por isto, eis que eu vos envio
profetas e sábios e escribas, e matareis e crucificareis uns, e
açoutareis outros nas vossas sinagogas, e os perseguireis de cidade em
cidade" (S. Mat. XXIII, 34).
"Lançar-vos-ão as mãos, e vos perseguirão, entregando-vos nas
sinagogas e nos cárceres, e vos levarão à presença dos reis e
governadores, por causa de meu nome" (Luc. XXI, 12). Se
não fôssem avisados, certamente os apóstolos e cristãos se
escandalizariam diante das perseguições, das grandes heresias e da
aparente inutilidade da Redenção. "Os golpes previstos e
esperados, diz S. Gregório, são mais fáceis de serem
suportados".
Antes de tudo, seriam expulsos das sinagogas, uma das mais infamantes
penas entre os judeus. E os Apóstolos se submeteram a êste
opróbrio pelo nome de Jesus. E os discípulos não seriam mais do
que o Mestre. "'Lembrai-vos daquela palavra que eu vos disse:
Não é o servo maior do que o seu senhor. Se êles me perseguiram a
mim, também vos hão de perseguir a vós" (S. João XV,
20).
E na própria Jerusalém tiveram início as perseguições. A
doutrina cristã se expande e os Apóstolos são levados ao
Sinédrio, arrastados aos tribunais e se realizam as primeiras
perseguições sangrentas. Saulo, zeloso pelas tradições de seus
antepassados, cheio de ódio e ameaças, incentiva aquêles que
apedrejam a Estêvão, e corre a Damasco para prender os fiéis
cristãos. São Tiago é o primeiro Apóstolo a derramar por Cristo
o seu sangue.
Em Roma, capital do Império, onde se firmaria para sempre o
cristianismo, movem os Imperadores terríveis e sangrentas
perseguições aos cristãos. Aos pés de seus ídolos os pagãos
imolam milhares e milhares de mártires, vingando os seus deuses do
ultraje que lhe faziam os servos de Cristo, que se recusavam a
adorá-los, renegando sua pretensa divindade.
Diante das narrativas dos "Acta Martyrum", nos comovemos face à
sublime coragem dos mártires do cristianismo. Para o heroísmo não
há distinções entre os grandes e pequenos, sábios e ignorantes,
nobres e plebeus. A graça a todos fortifica, e a constância,
firmeza e calma, com que enfrentam a morte, causam admiração aos
próprios perseguidores.
Dão os mártires o testemunho de sua fé pela palavra e pelo sangue.
Mártir é aquêle que dá testemunho e que sofre torturas. Gritam
bem alto a sua fé e suas palavras transmitem uma sabedoria sublime:
"Gravai, pois, nos vossos corações o não premeditar como haveis
de responder, porque eu vos darei uma bôca e uma sabedoria, á qual
não poderão resistir, nem contradizer, os vossos inimigos" (Luc.
XXI, 14-15). O destemor e coragem com que enfrentam os seus
algozes, somente se explicam por um auxílio divino. Santo
Estêvão, o protomártir, proclama bem alto a sua fé e desde então
os exemplos se sucedem.
Basta a simples e firme declaração: "Eu sou Cristão", como o
fizeram os mártires africanos. Ou então afirmações explícitas,
como as de S. Justino: "Adoramos o Deus dos cristãos, cremos
que é o único Deus, o Criador de tudo, e cremos no Senhor Jesus
Cristo, o Filho de Deus anunciado pelos profetas e enviado para
salvar o mundo:"
Ao testemunho da palavra, seguia-se o testemunho do sangue, e os
cristãos já compreendiam, por graça de Deus, a sublimidade e
glória do martírio, perder a vida para a salvar. Diante do
testemunho dos mártires, os outros cristãos se entusiasmavam e
criavam novas energias, e assim se estruturava o cristianismo
nascente. Já para os pagãos este heroísmo era motivo de admiração
e até mesmo de compaixão para muitos. E não foram poucos os algozes
que se converteram à vista da convicção e fortaleza dos mártires
cristãos.
O sangue dos mártires, que correu incessante durante as primevas
perseguições, foi um testemunho da Divindade de Cristo, da
poderosa vitalidade da Igreja e ainda "fecunda semente de
cristãos", na exclamação feliz de Tertuliano.
O mártir é o perfeito imitador de Cristo. "'Adoremos Cristo
como Filho de Deus, mas, com justa razão, veneremos os mártires
como discípulos e imitadores do Senhor" - é a bela expressão que
encontramos na narrativa da morte de S. Policarpo.
"A maior prova de amor é dar a vida por aquêles que amamos", disse
Nosso Senhor. Por nós ele deu a sua vida, na prova mais sublime de
seu amor, e os mártires outra cousa não fizeram senão corresponder
à infinita misericórdia de um Deus, que, morrendo por nós,
retribuiu-nos a verdadeira vida da graça.
As perseguições contra os discípulos nunca cessaram. Em todos os
tempos e em todos os povos, de várias e diferentes maneiras, se têm
levantado, evidenciando 0 ódio e o mêdo do mundo pela verdade.
No mundo antigo, foram os cristãos perseguidos, porque sua missão
era libertar os espíritos e as inteligências oprimidas pelo
paganismo. Aí se travaram as grandes perseguições contra o
Império Romano, detentora oficial do culto aos deuses. O
cristianismo venceu pela bravura de seus membros e pela divindade de sua
doutrina.
O Coliseu de Roma, no seu esplendor de ouro e mármore, permanece
em suas ruínas, como lição viva da fidelidade dos cristãos
primitivos. Aí correu o sangue de milhares e milhares de mártires
que consagraram a arena romana pelo vigor sublime de sua fé e amor a
Cristo.
No mundo moderno e atual, continuam os cristãos a serem perseguidos,
pois é a luta do paganismo para readquirir o seu lugar, o que jamais
conseguiu desde que brilhou no mundo a luz da verdade cristã. Vem
êle agora na forma de ideologias atéias e materialistas, procurando a
desordem da sociedade e a desunião entre as várias classes sociais,
para assim abafar o sentimento cristão da humanidade.
E novos coliseus se levantaram pelo mundo, cercados por fortes
cortinas de ferro, atrás das quais geme a Igreja do Silêncio. É o
cristianismo que volta ao silêncio e recolhimento das catacumbas.
São as perseguições previstas e anunciadas pelo Salvador, "não
vos escandalizeis". A verdade, por fim, ficará vitoriosa. Com
todo furor e violência, os perseguidores outra cousa não fazem senão
justificar a palavra de São Paulo: "Nada podemos contra a
verdade, senão pela verdade" (II Cor. XIII, 8).
"Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e
mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim.
Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos
céus, pois também perseguiram os profetas, que existiram antes de
vós" (S. Mat. V, 11-12).
São as célebres palavras que se extraem do extraordinário Sermão
da Montanha, garantia da recompensa para aquêles que perderam a sua
vida para a salvar eternamente.
E no seu discurso aos Apóstolos após a Última Ceia, Nosso
Senhor os advertia P confortava: "Haveis de ter aflições no
mundo, mas tende confiança, eu venci o mundo." (S. João
XVI, 36).
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