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Antes de poder dedicar-se à sabedoria, conforme vimos, o
Comentário à Ética diz que o aluno deve passar pelo aprendizado das
coisas morais. Para que este aprendizado possa constituir-se em um
trânsito para a sabedoria, entretanto, o Comentário acrescenta que
há algumas condições sem as quais seria inútil que o aluno se
dedicasse a elas.
A primeira é que o aluno seja experiente da vida, isto é, que já
não seja jovem de idade:
diz o Comentário,
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"não têm notícia das coisas
que pertencem à ciência moral,
as quais são maximamente
conhecidas por experiência.
São inexperientes das operações da vida humana
por causa da brevidade do tempo e,
por isso, não são ouvintes convenientes
da ciência moral" (4).
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Destas palavras depreende-se que a ciência moral que deve preceder o
exercício da sabedoria não é um simples aprendizado de regras de
comportamento ou a aquisição de bons costumes. Se fosse isto, tal
coisa não necessitaria da experiência da vida como requisito; o
Comentário à Ética, ao contrário, diz que a ciência moral, ao
contrário, não pode ser ensinada convenientemente aos jovens,
justamente pela pouca experiência de vida que eles têm.
Mas, além de não poderem os ouvintes desta ciência ser jovens de
idade, também não podem, continua o Comentário, ser jovens de
costumes, isto é, não podem ser pessoas que sigam suas paixões ou
que, ainda que tenham bons propósitos de não seguir as paixões,
não consigam, todavia, vencê- las (5). Ou seja, devem ser
também pessoas que já possuam os hábitos das virtudes de que trata a
ciência moral.
Desta passagem depreende-se que o fim da ciência moral não é o
estabelecimento dos bons costumes no candidato à sabedoria; ao
contrário, o ouvinte correto da ciência moral já deve chegar a ela
ornado de uma vida virtuosa. O objetivo da ciência moral de que
trataremos a seguir, portanto, não será levar o ouvinte à
aquisição das virtudes, mas levar as virtudes já adquiridas à
perfeição.
A razão pela qual os que seguem suas paixões são ouvintes inúteis
da ciência moral é claramente apontada no Comentário ao I da
Ética: o fim da ciência moral, assim como o de toda ciência
prática, não é somente o conhecimento, ao qual talvez pudesse
chegar o seguidor das paixões, mas os atos humanos. Desta maneira,
diz o Comentário,
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"de nada difere
se o ouvinte desta ciência
for jovem de idade
ou jovem de costumes,
isto é, seguidor das paixões;
a estas pessoas é inútil
o conhecimento desta ciência,
assim como também aos incontinentes,
que não seguem a ciência
que possam ter acerca das coisas morais" (6).
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Desta outra passagem depreende-se que, além de exigir experiência e
bons costumes por parte do aluno, a ciência moral exige ainda um
método diferenciado de ensino; não é algo que possa ser ensinado
através do método expositivo das modernas salas de aula, pois sua
finalidade não é o conhecimento, mas a ação. Tampouco, porém,
pode ser ensinada como se ensinam as artes, em aulas práticas de
laboratório ou de oficina, pois as ações de que trata a ciência
moral não podem ser reproduzidas artificialmente em oficinas e
laboratórios; são ações que só podem ser encontradas no contexto
da vida real. Deve-se concluir daqui que esta ciência moral só pode
ser ensinada de tal modo que em seu ensino se permita que a vida
cotidiana do aluno possa ser submetida a acompanhamento e avaliação.
O Comentário ao II da Ética acrescenta a este respeito uma
significativa observação:
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"Há alguns que acreditam
que raciocinando acerca das virtudes,
sem operar as obras da virtude,
se tornarão virtuosos filosofando.
Estas pessoas se assemelham aos enfermos
que ouvem cuidadosamente aquilo
que lhes dizem os médicos,
sem nada fazer daquilo que lhes é prescrito.
De fato, assim se acha a filosofia
para a cura da alma
como a Medicina
para a cura do corpo.
De onde se conclui que,
assim como aqueles que ouvem
os preceitos dos médicos sem nada fazer
nunca estarão bem dispostos segundo o corpo,
assim nem aqueles que ouvem
o ensino dos filósofos morais
e não fazem o que lhes foi ensinado
terão a alma bem disposta" (7).
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Se isto for considerado como um princípio de onde devem ser tiradas
conclusões na área de educação, deve-se concluir que o ensino da
ciência moral não pode fazer abstração da vida moral do aluno e
limitar-se à exposição teórica desta ciência. Se ela é,
ademais, pré-requisito para outras coisas, o aluno deve estar
disposto a aceitar a interação entre os educadores e sua própria vida
particular. Fazer o contrário seria incongruente; seria a mesma
incongruência, para dar um exemplo hoje facilmente compreensível, de
uma escola de Medicina onde se ministrassem todas as disciplinas
acadêmicas fazendo abstração do aproveitamento do aluno, isto é,
sem avaliar o seu aproveitamento por meio de exames nem oferecer- lhe
estágio supervisionado em hospital escola.
Referências
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(4) In libros Ethicorum Expositio, L. I, l. 3, 38.
(5) Idem, L. I, l. 3, 39. (6) Idem, L. I, l.
3, 40. (7) Idem, L. II, l. 4, 288.
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