15. A percepção da inteligência por ela mesma, segundo Santo Agostinho.

Mas a inteligência não apenas pode ter uma percepção total de sua própria atividade, como também pode, ao contrário dos sentidos, até conhecer-se a si mesma.

Este é um assunto muito importante, por nele estar envolvida a própria natureza da inteligência e não poucas confusões sobre a contemplação. Merecerá por isto um pouco mais de atenção de nossa parte.

Foi Santo Agostinho quem escreveu algumas das páginas mais admiráveis da literatura de todos os tempos sobre o conhecimento da mente humana por ela mesma quando, no Tratado sobre a Santíssima Trindade, através do conhecimento da alma humana, tentava compreender alguma coisa da vida divina. Não será possível entrar convenientemente em nosso assunto sem primeiro examinar o que Santo Agostinho escreveu a este respeito.

"Para que",

escreve Agostinho,

"se preceitua à alma que se conheça a si mesma?" (59).

"É, creio, para que pense a si mesma e viva segundo a sua natureza, isto é, para que deseje ordenar-se segundo a sua natureza, submetendo-se ao que se deve submeter, e sobrepondo-se ao que se deve sobrepor. Quando se esquece de si mesma, passa a agir diversamente, movida por uma cobiça malsã.

Quando se esquece de si mesma, tanta é a força desta cobiça, que as coisas em que pensou apaixonadamente durante longo tempo são atraídas para dentro de si até mesmo quando tenta se afastar delas para pensar-se a si mesma. Estas coisas são corpos que ela ama fora de si pelos sentidos da carne; ao procurar entrar dentro de si, não podendo levar também estes corpos para uma região de natureza incorpórea, recolhe suas imagens e se assenhora delas, embora tenham sido feitas nela por ela mesma. Dá-lhes, de fato, alguma coisa de sua substância, mas conserva algo pelo qual pode julgar com liberdade sobre estas imagens: é à mente, a inteligência racional, a quem cabe este julgamento" (60).

"A mente erra, porém, quando passa a se unir a estas imagens com amor tão extremado que passa a pensar ser ela própria algo que tenha a mesma natureza delas" (61).

"Quando a mente se julga ser algo assim, pensa ser ela própria um corpo. Foi assim que alguns pensaram que a alma fosse o sangue, outros o cérebro, outros o coração. Outros imaginaram a alma composta de corpúsculos indivisíveis, aos quais chamaram átomos. Por conseqüência, todos estes imaginaram que era mortal, pois não seria possível permanecer imortal sendo corpo ou algo composto com o corpo" (62).

"Mas é uma questão admirável investigar como a alma pode buscar e encontrar a si mesma, de que modo deve proceder para buscar-se e onde chega a encontrar-se.

Que há, de fato, tão presente na alma como a própria alma?

Porém, como se apegou às coisas em que pensa com amor e está familiarizada pelo afeto com as coisas sensíveis e corpóreas, não é capaz de pensar em si mesma sem as imagens de ditos objetos. Daqui tem origem o seu erro, não podendo separar de si mesma os fantasmas que provém dos sentidos e ver-se somente a si mesma. Estas imagens se aglutinaram admiravelmente a ela por obra do amor, e este é a razão pela qual, quando se esforça por pensar a si mesma, supõe ser a imagem sem a qual não pode pensar-se.

Quando se lhe preceitua que se conheça a si mesma, não se busque como se estivesse além de seu próprio ser; ao contrário, despoje-se do que se lhe acrescentou.

A alma é algo mais interior não só do que os sentidos que estão manifestamente fora dela, mas também do que estas imagens que os animais brutos, privados de inteligência, faculdade própria da mente, igualmente possuem. Sendo, pois, a alma algo interior, de certa maneira sai fora de si ao colocar seu amor nestes vestígios de muitas intenções, vestígios que se imprimem na memória sempre que se experimentam as sensações do corpo e do externo com tal intensidade que, mesmo em sua ausência, se oferecem espontaneamente suas imagens aos que pensam neles.

Conheça-se, pois, a alma a si mesma, e não se busque como se busca a um ausente; fixe em si a atenção de sua vontade e pense em si, e verá então como nunca deixou de amar-se e jamais se ignorou, mas que, ao amar consigo estas outras coisas, se confundiu com elas e de certo modo tomou consistência com elas" (63).

"Não trate a alma de ver-se como se estivesse ausente; cuide, isto sim, de discernir sua presença.

Nem deve procurar conhecer-se como se se tivesse ignorado, mas saiba distinguir-se de toda outra coisa que ela conhece. Quando ouve o preceito:

"Conhece-te a ti mesmo",

não deve entendê-lo como quando se diz:

"Conhece a vontade daquele homem",

vontade que não podemos perceber nem compreender se não mediante sinais corporais, e isto mais por fé do que por inteligência.

Quando se diz à mente:

"Conhece-te a ti mesmo",

no momento em que ouvir "a ti mesmo", se o entende, já se conhece, não por outra razão, senão porque está presente a si mesma. E se não entende o que se lhe diz, não se conhece. É-lhe imposto um preceito que, ao compreende-lo, já o cumpriu" (64).

"Não acrescente a alma nada mais àquilo que de si conhece quando se lhe ordena conhecer-se.

Se ela puder despojar-se de todos os pensamentos que ela própria se lhe acrescentou e não crer que ela seja alguma de todas estas coisas, o que sobra dela mesma, isto é ela" (65).

Referências

(59) Santo Agostinho: De Trinitate libri XV, L. X, C. 5; PL 42.
(60) Ibidem, loc. cit.. (61) Ibidem, L. X, C. 6; PL 42. (62) Ibidem; L. X, C. 7; PL 42. (63) Ibidem; L. X, C. 8; PL 42. (64) Ibidem; L. X, C. 9; PL 42. (65) Ibidem; L. X, C. 10; PL 42.