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O homem é dito livre quando ele é causa de si próprio sob a razão
de causa movente e de causa final.
Ele é causa de si mesmo sob a razão de causa movente quando,
mediante aquilo pelo qual ele possui natureza humana e é principal
nele, isto é, a inteligência, é movido julgando e ordenando o modo
e a razão do agir.
É causa de si mesmo sob a razão de causa final quando é movido ao bem
e ao seu fim próprio segundo aquilo que há de principal nele, isto
é, a inteligência; e tanto mais livre será segundo a natureza
quanto mais for capaz de ser movido por aquilo que é principalíssimo
nele e em direção ao seu fim e bem seguindo este mesmo
principalíssimo (24).
Já o homem é dito servo quando não é capaz, por causa da
indisposição da matéria, de mover-se pela inteligência própria,
devendo por isso ser movido pela de outro; e quando nem também age por
causa dela, mas por causa daquela de outro (25).
Neste sentido uma ciência era chamada liberal pelos antigos quando,
por meio dela, o homem se dispunha segundo a inteligência ao seu fim
próprio. E, entre as ciências liberais, aquela que é maximamente
livre é aquela que dispõe de modo imediato a inteligência ao fim
ótimo, isto é, aquela em cuja operação consiste a felicidade.
Aquelas que dispõem a inteligência ao fim ótimo do homem de modo
mediato são menos livres, como o são as ciênciaxs posteriores nas
quais o conhecimento que delas advém se ordena ao conhecimento das que
lhe são superiores, embora estes conhecimentos já sejam tais que
possam ser buscados por si mesmos.
Será minimamente liberal entre as ciências especulativas aquela em
que minimamente se buscar o conhecimento por causa dela mesma e que se
ordenar apenas através de muitos meios ao bem último do homem
(26).
Embora a ciência maximamente liberal não possa ser mal usada quanto
ao seu uso em si mesmo considerado, as ciências posteriores menos
liberais podem ser mal usadas mesmo quando consideradas em si mesmas.
De fato, se considerarmos esta questão não segundo determinado
aspecto, mas em relação ao próprio fim último do homem considerado
em si mesmo, não é possível fazer mau uso deste fim último. Nas
coisas que são meios para se alcançar um fim, mesmo consideradas em
si mesmas e não segundo algum determinado aspecto, pode ocorrer que
sejam mal usadas. Isto ocorre quando pela consideração ou pelo
exercício das mesmas alguém se afasta seja do próprio fim, seja das
coisas que são mais próximas àquele fim; é o que acontece quando,
pela consideração de alguma ciência posterior que trata de um
conhecimento menos nobre alguém se afasta da consideração da ciência
primeira que trata do conhecimento maximamente elevado (27).
É freqüente que isto ocorra com a música, porque muitos há que
acabam por colocar nela o seu fim último. Mas a música não é o fim
último do homem, este fato só vindo a ocorrer porque são poucos os
homens que alcançam o fim último da vida, efetivamente uma coisa
rara. Os homens encontram para isto muitos impedimentos, por parte da
natureza, por parte do costume, por causas externas, ou mesmo porque
fogem do trabalho necessário para alcançá-lo. Quando isto acontece
muitos acabam por colocar seu fim último na música apenas por causa da
deleitação que ela proporciona; pelo fato de não poderem alcançar a
felicidade que reside no fim último do homem, acabam por buscar na
música a deleitação por si mesma. A razão disto é que o fim
último da vida humana possui deleitação, não qualquer
deleitação, mas a deleitação máxima; a música, de modo
semelhante, possui deleitação; por isso, os que buscavam a primeira
que está no fim último, não a alcançando, tomam aquela que está
na música por aquela que lhe é mais nobre, pela semelhança que nesta
segunda encontram com a do fim último (28).
Referências
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(24) In libros Politicorum Expositio, L. VIII, l. 1, 1266.
(25) Idem, loc. cit.. (26) Idem, L. VIII, l. 1,
1267. (27) Idem, L. VIII, l. 1, 1268. (28)
Idem, L. VIII, l. 2, 1299-1300.
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