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A partir destas três características gerais que deverá ter a
felicidade humana pode-se determinar um pouco melhor o que ela seja.
Não se declarará ainda o que seja em especial a natureza da
felicidade, mas pelo menos circunscreveremos qual seja o bem final do
homem (20).
A. Deve ser contínua e perpétua.
A felicidade humana deverá ter, tanto quanto possível, continuidade
e perpetuidade (21).
Por que razão?
Porque a felicidade é o fim último da vontade humana.
Ora, a vontade no homem sempre segue uma apreensão da inteligência.
Porém, ao contrário dos sentidos, que apreendem as coisas em sua
individualidade segundo o aqui e agora, a inteligência apreende as
essências, isto é, o que as coisas são em suas próprias
naturezas, o que já não se refere somente ao momento presente.
Daí que sem a característica da continuidade e perpetuidade o fim
último não seria apetecido não só como algo último, isto é,
perfeitíssimo, como nem sequer num sentido menos amplo de bem
perfeito.
B. Deve ser a perfeição última do homem.
Ademais, a felicidade terá que ser a perfeição última do homem
(22).
A razão é que a perfeição última de cada ser é naturalmente
desejável por este ser.
Isto ocorre, no caso de um ser inteligente, como é o caso do homem,
porque esta perfeição última será apreendida sob a forma de bem, e
o bem é o objeto próprio da vontade.
Portanto, a perfeição última do homem é naturalmente desejável
pelo homem.
Ora, se é assim, se a felicidade não for a felicidade última do
homem, o homem continuará desejando esta perfeição última e, por
conseguinte, a suposta felicidade não será o bem suficiente de que se
falou acima.
C. Deve ser operação própria do homem.
Acabamos de dizer que a felicidade deve ser a perfeição última do
homem.
Ora, a perfeição última de cada ser é a forma deste ser (23).
(Sobre o significado preciso do termo forma e causalidade formal,
pode-se consultar o Apêndice ao presente capítulo).
Toda forma, porém, tende por natureza a uma operação.
Portanto, o bem final do homem exige a operação própria de sua
forma.
De onde que a felicidade terá que ser também a operação própria do
homem (24).
D. Deve ser a operação própria do homem aperfeiçoada pela
virtude.
Vimos, pois, que a felicidade deve ser a operação própria do
homem.
Ocorre, porém, que uma mesma operação do homem pode se dar em
diferentes graus de perfeição: qualquer um pode correr, mas um
atleta correrá de modo excelente; qualquer um pode pintar uma tela,
mas um artista o fará com perfeição.
De modo geral, chamam-se hábitos as qualidades que dispõem as
operações próprias de um sujeito de um modo determinado, não
importando se bem ou mal; mas quando o hábito determina o sujeito de
acordo com o que é bom e perfeito segundo a sua natureza, este hábito
é chamado de virtude (25).
Se a felicidade é, portanto, a operação própria do homem, e,
ademais, conforme vimos, tem que ser um bem perfeito, segue-se disto
que ela terá que ser a operação própria do homem aperfeiçoada pelo
hábito da virtude.
E. Primeira determinação da felicidade humana.
Juntando-se todos estes elementos segue-se uma primeira
determinação do que seja a felicidade humana.
Segundo Tomás de Aquino a felicidade humana é
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"uma operação própria do homem
segundo a virtude
em uma vida perfeita,
isto é, contínua e perpétua,
tanto quanto possível" (26).
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Isto já é uma determinação mais clara da natureza do fim último do
homem. Chegamos primeiramente à conclusão de que este fim último é
a felicidade; agora determinamos diversas características que deve
possuir o bem a que chamamos de felicidade. Ainda, porém, não
declaramos em especial a natureza da felicidade humana, apenas
circunscrevemos qual seja o bem final do homem (27).
Entretanto, conforme veremos a seguir, estas determinações já
serão suficientes para mostrar muita coisa que a felicidade humana não
pode ser.
Referências
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(20) In libros Ethicorum Expositio, L. I, l. 11,
131. (21) Idem, loc. cit.. (22) Idem, L. I, l.
10, 119. (23) Idem, loc. cit.; (24) Idem, loc. cit..
(25) Summa Theologiae, Ia IIae, Q.55.
(26) In libros Ethicorum Expositio, L. I, l. 10,
129-30. (27) Idem, L. I, l. 11, 131.
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