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Já foi dito, inumeráveis vezes, que a Ars luliana é um eficiente
sistema de apoio ao pensamento humano em sua incansável procura pela
verdade. Felizmente, a verdade que interessa a Lúlio — e,
também, a todos nós — é a que manifesta o ser da coisa. Em outras
palavras, todos queremos conhecer as coisas tal como se encontram na
ordem do real, não nos satisfazendo apenas com o que encontramos em
nossas idéias[1]. O artista — como é chamado quem se serve da
Ars — busca a verdade real das coisas e, em decorrência disso,
verá sempre os entes na perspectiva do ato de ser deles. A Ars
permite-lhe formular inúmeras questões sobre os temas investigados,
assim como verificar as possíveis respostas.
Conforme o mestre maiorquino, o artista, ao servir-se da Ars,
combina princípios e regras e aplica os resultados assim obtidos na
solução de questões. Desse modo, ele sempre obtém como conclusão
uma proposição afirmativa e outra negativa, fornecendo-lhe também a
Ars os meios para averiguar a verdade ou falsidade de ambas[2]. A
Ars é, pois, um artifício geral para resolver questões.
Não é este o momento para tratar do funcionamento da Ars[3];
nesta breve Nota, interessa-nos apenas desentranhar o sentido de uma
das regras do sistema luliano, a conhecida como “regra B”, muito
usada nas diversas aplicações da Ars.
Lúlio estabelece dez regras em forma de perguntas que, por sua vez,
resumiriam todas as perguntas que se podem fazer sobre qualquer tema.
Por isso, são chamadas de regras gerais do perguntar. Lúlio
simboliza-as por meio das dez letras B, C, D, E, F, G, H,
I, K e L.
Quando se pergunta, por exemplo, “se existe algum entendimento”,
Lúlio, apoiando-se na regra B, responde que sim, e explica que o
fato de existir um entendimento é algo mais passível de ser lembrado,
é mais inteligível e mais amável que o de não existir[4]. Em
outra ocasião, Lúlio perguntará “se em Deus há atos próprios,
intrínsecos de entender, pelo entendimento, e de ‘bonificar’, pela
bondade”; e responde afirmativamente, sempre examinando o próprio
ato de entender humano, pois, ao afirmar a existência em Deus desses
atos intrínsecos, o entendimento, dirá o mestre maiorquino, se
encontra em maior grandeza de bondade, mais concorde com a vontade e a
memória, mais prático e, portanto, mais distante da ignorância e
mais possuidor do hábito da ciência[5]. E, assim, em muitos
lugares ao longo de sua vasta obra.
O leitor não deixa de ficar surpreso ao constatar que a verdade ou
falsidade de uma proposição é decidida, em parte, pelas condições
subjetivas de quem a formula. Qual será, afinal, o conceito luliano
de verdade? Melhor ainda, o que entende Lúlio por conhecimento?
Estas linhas tentarão explicitar o que há por trás da regra B;
mas, para tanto, seremos obrigados a dar um rápido mergulho na
metafísica luliana.
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