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[1] Entre o enunciado e os fatos, houve sempre dissonâncias.
Estudos atuais mostram que os renascentistas, mesmo os mais
críticos, como Rabelais, abeberavam-se em fontes que lhes eram bem
conhecidas (Cf. F. Bottin. “Il riso degli umanisti e le chimere
dei medievali” - manuscrito). No caso da Reforma, onde, aliás,
a posição de Melanchton divergia da de Lutero, convém observar que
os primeiros historiadores da Filosofia Medieval foram exatamente
alemães luteranos dos séculos XVII e XVIII; em sua
oposição à Igreja Católica acusavam os medievais tanto de
servilismo ao papa como de racionalismo (como se uma coisa não
excluísse a outra); tanto de estar a serviço de Aristóteles como
do papado (como se o papado tivesse sido promotor da leitura de
Aristóteles nas universidades do século XIII), como observa
F. van Steenberghen. (Introduction à l’étude de la Philosophie
Médiévale. Louvain, 1974. p. 38). Quanto aos
iluministas, sabe-se hoje, por exemplo, que, ao escrever alguns
artigos de cunho filosófico em seu Dictionnaire historique et
critique, Pierre Bayle, através dos jesuítas da Segunda
Escolástica, seguia esquemas e tomava idéias de pensadores medievais
que, logicamente, não eram citados, como também não eram citados
os jesuítas. É o caso, por exemplo, do verbete Pyrrhon, que L.
M. De Rijk (La philosophie au moyen âge. p. 206-209)
mostra provir de Roderigo Arriaga (1592-1667), jesuíta
neo-escolástico espanhol. Quanto mais se estuda o pensamento
filosófico que medeia entre os séculos XIV e XVIII, mais se
confirma o que observam M. F. B. Brocchieri e M. Parodi
(Storia della filosofia medievale. p. VIII): “[...] si
dimentica troppo spesso che, passata l’irritazione umanistica per le
‘inutile sottilezze logiche”, ghi intellettuali del Rinascimento,
della Riforma e del Seicento possedevano nella loro biblioteca,
leggevano e annotavano i libri di Ockham, di Tommaso d’Aquino, di
Duns Scoto, di Durando di San Porziano, di Giovanni di
Salisbury e persino di un enciclopedista mediocre come Alessandro
Neckham”. Sobre o que os iluministas sabiam de Duns Scotus, a
quem tanto criticavam, cf. G. Piaia. “Immagini di Duns Scoto
nel secolo dei lumi”. In: Veritas 39 (1994) vol. 155,
p. 461-480.
[2] Pela pena de alguns de seus autores mais representativos, a
Filosofia Moderna dizia desconhecer ou desprezar o que anteriormente
fora escrito, por parecer-lhe inócuo. Dois deles mereceram estudos
especiais, com resultados surpreendentes. Como se sabe, E. Gilson
voltou-se para a Filosofia Medieval ao escrever sua tese de doutorado
sobre Descartes, quando então constatou como este ex-aluno dos
jesuítas devia aos medievais muito mais do que admitia e do que
afirmavam até seus críticos (Cf. E. Gilson. La liberté chez
Descartes et la théologie. Paris, 1913. Id. Étude sur la
rôle de la pensée médiévale dans la formation du système
cartèsien. Paris, 1930. Id. Index scolastico-cartèsien.
Paris, 2. ed. 1970). O segundo pensador é Hobbes. Ele
também refere que perdeu tempo com a leitura dos medievais, com os
quais quase nada apreendeu (Vitae Hobbianae Auctarium. Opera
Latina. London, 1839 – reimpressão Aalen, 1966 – vol.
I, p. LXXXI s.). Entretanto, há anos, os especialistas
afirmam que ele conhecia muito bem a obra de Scotus e Ockham, aos
quais deve algumas das idéias mestras em que se fundamenta sua obra
política (Cf. J. H. J. Schneider. Thomas Hobbes und die
Spätscholastik. Tese. Bonn, 1986).
[3] Trabalho modelar é, por exemplo, o de L. Honnefelder.
Scientia transcendens. Die formale Bestimmung der Seiendheit und
Realität in der Metaphysik des Mit- telalters und der Neuzeit.
Duns Scotus – Suárez – Wolff – Kant – Peirce (Hamburg,
1987), onde é demonstrado que a leitura metafísica da
realidade, feita por Duns Scotus, foi assumida por Suárez.
Esse, graças principalmente às Disputationes metaphysicae, que no
século XVIII tiveram dezenas de edições na Alemanha,
tornou-se a leitura principal e mais importante de um mundo, onde
rareavam exatamente os gênios especulativos. Sua influência sobre
Wolff e, através deste, sobre Kant, fez com que uma forma
alternativa de leitura da Metafísica aristotélica, proposta por
Duns Scotus, chegasse aos tempos modernos.
[4] Recherches critiques sur l’âge et l’origine des traductions
latines d’Aristote (1819).
[5] Dante et la philosophie catholique (1838).
[6] Études sur la philosophie dans le moyen âge (3 vol.,
1840-42).
[7] Abélard (2 vol., 1845); Saint Anselme
(1853).
[8] La Philosophie de Saint Thomas d’Aquin (1858).
[9] Ibid., p. 48
[10] Revue de métaphysique et de morale. Abr-jun 1931. p.
133-162.
[11] A respeito do debate sobre a existência ou não de uma
Filosofia cristã, E. Gilson recenseou os principais textos em
L’esprit de la philosophie médiévale. Paris, 2a ed. 1948.
p. 411-440.
[12] A respeito das condenações de pensadores católicos no
século XIX, cf. P. J. Fitzpatrick. “Neoscholasticism”.
In: The Cambridge History of Later Medieval Philosophy. p.
838-852; E. Coreth et alii. Filosofía cristiana en el
pensamiento católico de los siglos XIX y XX. Madrid, 1994,
2 vol. (original alemão, 1988). De H. F. Lamennais foi
traduzido há pouco o livro Paroles d’un croyant (Palavras de um
crente. São Paulo, 1999), obra publicada em 1834, com
28 edições em poucos meses e tradução em várias línguas.
[13] Sobre J. Kleutgen, e sobre a Neo-escolástica alemã e
austríaca, cf. P. Walter. “La filosofía escolástica en el
mundo de lengua alemana”. In: E. Coreth et alii. op. cit. p.
123-180. Nesta obra, aliás, encontram-se estudos
monográficos importantes sobre os demais medievalistas aqui
enumerados, como H. Denifle, F. Ehrle, M. De Wulf, P.
Mandonnet, M. Grabmann, E. Gilson e outros.
[14] As histórias da Filosofia, de autores católicos, ao
tratarem da Neo-escolástica, apresentam maiores detalhes. Cf.
para uma visão panorâmica, além da obra citada na nota anterior,
L. Franca. Noções de História da Filosofia. Rio de
Janeiro, 17. ed. 1957. p. 250-258; T. Urdanoz.
Historia de la Filosofía. vol. V, Madrid, 1975. p.
599-646.
[15] A defasagem da pesquisa brasileira, quando comparada com a de
outros países, como não podia deixar de ser, manifesta-se também
na área de Filosofia Medieval. Dois acontecimentos são
significativos: Em 1981 houve o primeiro encontro de medievalistas
do país; e só na década seguinte foi fundada a Comissão de
Filosofia Medieval.
[16] A Opera politica deste autor foi publicada na Inglaterra por
R. F. Bennett, H. S. Hoffler e J. G. Sikes
(Manchester, 1940-1997), em 4 volumes, faltando ainda a
edição crítica do Dialogus, em andamento.
[17] Em 1944 está obra terá um edição totalmente
modificada, chamando-se: La philosophie au moyen âge. Dès
origines patristiques à la fin du XIV.me siècle. Encontra-se
traduzida para o português: A Filosofia na Idade Média (São
Paulo, 1995). Infelizmente, a editora não manteve as
importantíssimas notas ao texto, o que em muito desmerece a edição.
[18] Para mencionar tão somente alguns dos mais importantes, cabe
citar os 10 congressos da SIEPM e os 31 Mediaevistentagungen
promovidos pelo Thomas-Institut de Köln. Dentre os encontros
voltados ao estudo de um autor, os quatro congressos realizados em
1979, comemorando os 900 anos do nascimento de Pedro
Abelardo, são imprescindíveis para estudo do pensamento do Mestre
Palatino; já os volumes dos sete congressos scotistas são o que de
melhor existe sobre Duns Scotus.
[19] As palavras são de M. Grabmann. Cf. W. Kluxen.
“La investigación histórica de la filosofía medieval y
neoescolástica”. In: E. Coreth et alii (org.) op. cit.,
p. 336.
[20] Id. p. 334.
[21] W. Kluxen. op. cit., p. 337.
[22] R. Pouivet. Après Wittgenstein, saint Thomas.
Paris, 1997.
[23] Mental Acts. London, 1957.
[24] Intentions. Oxford, 1957.
[25] Action, Emotion and Will. London, 1963; Aquinas on
Mind. London, 1993.
[26] Cf. a respeito as colocações de J. C. d’A.
Araújo. “Pela delimitação cronológico-conceptual de filosofia
medieval”. In: Estudos de Filosofia Medieval (Leopoldianum,
XI – 1984 – n. 32), p. 9-22). O autor, embora
concluindo pelo específico filosófico, fundamenta sua delimitação
em fatos exteriores à Filosofia.
[27] L. A. De Boni: “As origens do pensamento medieval”.
In: Univerta. Uma História da Filosofia – Verdade,
Conhecimento e Poder. Rio de Janeiro, 1988. p. 57-85.
[28] Scholastik. München, 2. ed. 1981. p. 15-23.
[29] O declínio da Idade Média. Lisboa-Rio s/d (or.
holandês, 1924).
[30] Die Legitimität der Neuzeit. Frankfurt, 1966.
[31] Nominalismus und Moderne. Freiburg i. Br./München,
1998.
[32] O problema da delimitação dos períodos da História da
Filosofia, embora pouco debatido no Brasil, possui interessantes
trabalhos em outros países. Cf. a respeito L. M. De Rijk. La
philosophie au moyen age. p. 1-64.
[33] A. De Libera, op. cit., 1993. p. XIV.
[34] E. Bloch. Erbschaft diseser Zeit. Frankfurt, 2a ed.
1962, p. 110-126; 1. ed., 1935.
[35] Op. cit., p. 22-24.
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