II.5. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS COMUNS AOS EDUCADORES MEDIEVAIS

Há algo em comum nessas destacadas figuras medievais; cada um deles situa-se como um dos mestres mais eruditos de seu tempo (e com uma pedagogia de caráter acentuadamente popular). Além do mais, são pioneiros: Alcuíno é quem inicia a escola palatina; Petrus Alfonsus introduz a fábula na literatura medieval; Rosvita, reimplanta o teatro; e é de D. Alfonso o primeiro tratado de xadrez no Ocidente. Todos eles estão pagando um tributo a Boécio, mas, além disso, estão afirmando o lúdico - em charadas, teatro, anedotas ou jogos - como necessário para a educação. Coincidem também - e com isto tocamos um segundo elemento essencial da Idade Média - em convocar a religião como fundamento, uma espécie de “tema transversal” (diríamos hoje), onipresente no ensino medieval.

No diálogo de Alcuíno e Pepino, a seqüência de adivinhas começa quando o menino pergunta: "O que é a fé?" (fala 165). Ao que o mestre responde: "A certeza das coisas não sabidas e admiráveis". Ora, admirável (mirum) é precisamente um termo para designar adivinha: as adivinhas servem de modelo para a fé. Tanto num como noutro caso, temos já uma revelação mas não ainda a luz total, que só vem quando o enigma é resolvido e, no caso da fé, com a visio beatifica (a ligação dos enigmas com a fé remonta ao apóstolo Paulo, ao Pseudo-Dionísio Areopagita etc.) [22] .

Petrus Alfonsus usa suas anedotas para a formação do clero e tira conseqüências espirituais delas. Assim, a anedota da venda das ovelhas, é utilizada para ilustrar a máxima religiosa: "As riquezas deste mundo são transitórias como os sonhos de um homem que dorme e que, ao despertar, perde, irremediavelmente, tudo quanto tinha... " (op. cit. p. 250).

Também Rosvita apresenta suas peças com explícitos objetivos religiosos. Na seqüência que selecionamos, pode-se empreender - como o fazem críticos como Sticca e Bertini - também uma interpretação alegórica - sempre tão presente na Idade Média e em Rosvita [23] : a noite, a dispensa, as panelas, a fuligem, o próprio Dulcício são projeções simbólicas do Inferno e do demônio. Nessa linha, o imperador Diocleciano, Dulcício e seu assistente Sisínio representam respectivamente os clássicos inimigos do cristão: o mundo, o demônio e a carne; epicamente vencidos pelas virtudes (alegorizadas nos nomes das virgens mártires) da caridade (Ágape), pureza (Quiônia - nívea) e da paz (Irene).

Finalmente, D. Alfonso atribui o xadrez e os jogos à vontade de Deus.

Se a cultura erudita medieval tem já esse cunho popular e lúdico, o que não dizer das manifestações culturais espontâneas do povo: o teatro anônimo, os cantadores de feiras etc.? [24]