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Há algo em comum nessas destacadas figuras medievais; cada um deles
situa-se como um dos mestres mais eruditos de seu tempo (e com uma
pedagogia de caráter acentuadamente popular). Além do mais, são
pioneiros: Alcuíno é quem inicia a escola palatina; Petrus
Alfonsus introduz a fábula na literatura medieval; Rosvita,
reimplanta o teatro; e é de D. Alfonso o primeiro tratado de xadrez
no Ocidente. Todos eles estão pagando um tributo a Boécio, mas,
além disso, estão afirmando o lúdico - em charadas, teatro,
anedotas ou jogos - como necessário para a educação. Coincidem
também - e com isto tocamos um segundo elemento essencial da Idade
Média - em convocar a religião como fundamento, uma espécie de
“tema transversal” (diríamos hoje), onipresente no ensino
medieval.
No diálogo de Alcuíno e Pepino, a seqüência de adivinhas começa
quando o menino pergunta: "O que é a fé?" (fala 165). Ao
que o mestre responde: "A certeza das coisas não sabidas e
admiráveis". Ora, admirável (mirum) é precisamente um termo
para designar adivinha: as adivinhas servem de modelo para a fé.
Tanto num como noutro caso, temos já uma revelação mas não ainda a
luz total, que só vem quando o enigma é resolvido e, no caso da
fé, com a visio beatifica (a ligação dos enigmas com a fé remonta
ao apóstolo Paulo, ao Pseudo-Dionísio Areopagita etc.)
[22] .
Petrus Alfonsus usa suas anedotas para a formação do clero e tira
conseqüências espirituais delas. Assim, a anedota da venda das
ovelhas, é utilizada para ilustrar a máxima religiosa: "As
riquezas deste mundo são transitórias como os sonhos de um homem que
dorme e que, ao despertar, perde, irremediavelmente, tudo quanto
tinha... " (op. cit. p. 250).
Também Rosvita apresenta suas peças com explícitos objetivos
religiosos. Na seqüência que selecionamos, pode-se empreender -
como o fazem críticos como Sticca e Bertini - também uma
interpretação alegórica - sempre tão presente na Idade Média e
em Rosvita [23] : a noite, a dispensa, as panelas, a fuligem,
o próprio Dulcício são projeções simbólicas do Inferno e do
demônio. Nessa linha, o imperador Diocleciano, Dulcício e seu
assistente Sisínio representam respectivamente os clássicos inimigos
do cristão: o mundo, o demônio e a carne; epicamente vencidos pelas
virtudes (alegorizadas nos nomes das virgens mártires) da caridade
(Ágape), pureza (Quiônia - nívea) e da paz (Irene).
Finalmente, D. Alfonso atribui o xadrez e os jogos à vontade de
Deus.
Se a cultura erudita medieval tem já esse cunho popular e lúdico, o
que não dizer das manifestações culturais espontâneas do povo: o
teatro anônimo, os cantadores de feiras etc.? [24]
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