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Vejamos, em primeiro lugar, como concebe Lúlio a estrutura
metafísica do ente concreto.
Segundo o maiorquino constitui-se um ente qualquer a partir de uns
princípios generalíssimos, ativos —as chamadas Dignidades—, que
se contraem naturalmente, segundo a própria essência[6], a ser
aquele ente concreto. Por conseguinte, também em Lúlio encontramos
a distinção real entre essência e ser; todavia o beato esclarece em
que consiste essa perfeição do ato de ser, ao indicar as Dignidades
como princípios do ente.
Estes princípios generalíssimos se encontram em Deus numa modalidade
divina, infinita, constituindo o Ser divino. Em Deus, cada
princípio é conversível com a essência divina, a qual por sua vez
é conversível com o Ato puro de Ser. Nos entes criados já não
ocorre assim, pois neles o ser não se identifica com a essência, por
estar contraído em seus princípios segundo a positividade da própria
essência.
A novidade dessa explicação radica em que se apresenta o ser como uma
atividade formalizada. De fato, parece que tem de ser assim, pois os
atos sempre decorrem diferenciados internamente. Se pensar, ouvir, e
ver, são atos, o são pelo ato de ser, e é este, o ser, o ato
primariamente diferenciado. É incorreto pensar o ser como uma energia
absolutamente indeterminada. O ser é um oceano de perfeição porque
engloba todas as perfeições[7], engloba as Dignidades.
Com a exceção de Deus, todos os outros entes o são porque estão
constituídos por combinações finitas das Dignidades.
Lúlio ainda enriquecerá mais sua noção de ato de ser através de
sua teoria dos correlativos. Pode-se resumir assim: qualquer ato é
ato porque une uma potência e um objeto. Lúlio apresenta assim uma
visão tridimensional do ato de ser. Nenhum ato seria, sem os três
correlativos: ato, potência e objeto. Não existe o bonificar sem o
bonificável e o bonificado. E assim ocorre com todos os atos, quer
os atos constitutivos das diferentes substâncias, quer os atos
realizados por essas substâncias uma vez já constituídas como tais,
desde a substância divina até a ínfima substância do universo.
Da mesma maneira explica-se o ser humano. O homem é um todo
constituído por três partes: a primeira é formada pelos correlativos
ativos da alma e do corpo, que se reagrupam ajustando-se uns com os
outros, para constituir a forma comum do homem; a segunda é formada
pelos correlativos passivos da alma e do corpo que, reagrupando-se e
ajustando-se, constituirão a matéria comum do homem; finalmente,
do ajustamento dos atos da alma e os atos do corpo resulta a terceira
parte, um ato comum, pelo qual e no qual e com o qual a forma e a
matéria se conectam resultando da união dos três —ato, matéria e
forma— o homem. Sem esse ato, não haveria nem matéria nem forma.
Desta maneira o homem surge pelo ato de ser, está no “sou”, diz o
maiorquino[8].
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