DEFINIÇÃO LULIANA DE HOMEM

LÚLIO foi um espírito inquieto. Da tradição, não deixou quase nada intocado; queria renovar tudo - a cristandade, a coexistência das religiões, a lógica e a medicina, a filosofia e a teologia; antes de tudo, porém, a linguagem. Procurava a variação; repugnava-lhe a linguagem vulgar das escolas. Sua mania de inovar na terminologia foi criticada já na Idade Média (J. GERSON), ao passo que de CUSA a imitava. Tomemos um simples exemplo: desde a antigüidade, tem-se definido o homem como animal rationale. LÚLIO não se dava por satisfeito com isso. O homem, segundo LÚLIO, deve ser definido como ser vivo humanizante, homificante (animal homificans) [10] . Pode-se objetar, contra isso, que em "homificar" (homificare) já estaria contido "homem" (homo), portanto, justamente o que se queria definir. Em todo caso, trata-se de um incômodo novo vocábulo. Mas esse incômodo foi intencional: o que o homem é, devia ser depreendido de sua atividade, de sua realização integral, do processo humano em seu todo; "ser vivo" e "racionalidade", animalitas e rationalitas, seriam determinações demasiadamente genéricas.

A composição desses termos na definição usual do homem enquanto "ser vivo dotado de razão" (animal rationale) não evita o dualismo, mesmo quando se acentua posteriormente sua unidade. Um leão, segundo LÚLIO, é um "ente leonificante" (ens leonans), Deus um "ente deificante" (ens deificans). A inovação terminológica de LÚLIO não revela apenas obstinação e volubilidade lingüísticas; aponta para uma concepção própria da realidade enquanto atividade, uma concepção que o formalismo lógico tradicional e o dualismo convencional perderam. Quem ouve a definição luliana do homem, não sabe ainda o que significa homificare. Mas aprende a atentar para a atividade vital humana integral; não se dá por satisfeito com uma subsunção exterior; começa a pensar o homem enquanto desconhecida atividade essencial abrangente, para além dos limites tradicionais de animalidade e racionalidade.