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Raimundo Lúlio, além de numerosos capítulos contidos em obras mais
gerais e enciclopédicas, escreveu diversos livros dedicados ao ser
humano, seus constitutivos, suas potências e sentidos[46], porém
sempre tendo em vista o homem existente concreto. A sua moral agrada
justamente por isso, pelo sabor e o realismo que reflete.
No proêmio do livro oitavo do Libre de Meravelles, dedicado ao
homem, introduz o tema da moral: "Félix andou longamente por uma
estrada que não o conduziu a lugar algum que o maravilhasse, até que
finalmente encontrou num campo de relva umas ovelhas que estavam sendo
mortas e comidas por lobos. Perto daquele prado, na sua cabana,
havia um pastor deitado na cama. Não queria levantar-se pois o tempo
era ruim; chovia e fazia frio. Perto do local onde o pastor estava um
cachorro lutava com um lobo, e o cão latia fortemente a fim de acordar
o pastor para que o ajudasse contra aquele lobo e contra o outro que
matava as ovelhas
. Maravilhou-se muito Félix com o pastor, tão preguiçoso e
vagabundo, que não ajudava o cachorro nem se incomodava pelas ovelhas
que o outro lobo devorava (...) 'Admira-me esse cachorro, que
não tendo inteligência conhece e cumpre com seu ofício, enquanto
tu, pastor, não cumpres com o que te foi mandado.' Tais palavras e
muitas outras dirigiu Félix ao pastor, o qual desprezava tudo quanto
Félix lhe dizia, e o tinha por louco e o injuriava, até que
começou a ameaçá-lo orgulhosamente de tal modo que Félix teve medo
de que o matasse."[47]
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