NOTAS

[1] Texto da prova pública de erudição para o concurso de Professor Titular - História da Educação, Depto. de Filosofia e Ciências da Educação - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, dezembro de 2000. De acordo com a tradição do Departamento, desde sua fundação, os estudos de História de Educação são integrados aos de Filosofia. Assim, após uma breve exposição e discussão da prática do lúdico na pedagogia medieval, examinamos o pensamento de Tomás de Aquino, que explicita e articula fundamentos filosóficos dessa prática. Naturalmente, o pensamento de Tomás, como aliás é típico do pensamento medieval, não é puramente filosófico, mas sim - em profunda e espontânea interpenetração - filosófico-teológico. Só muito tardiamente surgirá a pretensão de uma filosofia alheia à Teologia. O afã de Voraussetzungslosigkeit, de uma asséptica independência da Teologia, é impensável para pensadores como Tomás. Para o tema da “filosofia cristã”, remetemos a Josef Pieper "O caráter problemático de uma filosofia não-cristã" (in Oriente & Ocidente: Filosofia e Arte, São Paulo, DLOFFLCHUSP, 1994, trad. de Gabriele Greggersen e L. Jean Lauand).

[2] Passe a generalização, afinal “época” é sempre Žpov–, uma suspensão, um subtrair à diferença.

[3] Antecipando pontos que desenvolveremos depois, consideremos que o homem medieval recebe do cristianismo um vivo sentido de mistério, uma humildade anti-racionalista (não anti-racional, anti-racionalista!) que está na própria base do senso de humor. Pois o riso pressupõe o reconhecimento e aceitação da condição de criatura, de que o homem não é Deus, do mistério do ser, da não-pretensão de ter o mundo absoluta e ferreamente compreendido e dominado pela razão humana. O racionalismo, pelo contrário, é sério; leva-se demasiadamente a sério e, por isto mesmo, é tenso e não sabe sorrir. O homem medieval brinca porque acredita vivamente naquela maravilhosa concepção bíblica – que discutiremos detalhadamente - que associa a Sabedoria divina à obra da Criação: quando Deus criou o mundo e fez brotar as águas das fontes, assentou os montes, fez a terra e os campos, traçou o horizonte, firmou as nuvens no alto, impôs regras ao mar e assentou os fundamentos da terra "ali estava eu (a Sabedoria divina) com Ele, brincando (ludens) diante dEle o tempo todo, brincando (ludens) no orbe da terra e as minhas delícias são estar com os filhos dos homens " (Prov. 8, 30-31).

[4] Ele mesmo, aliás, um profundo conhecedor de Tomás: sua laurea em Filosofia foi com a tese: Il problema estetico in Tommaso d'Aquino, Milano, Bompiani, 1970 - English Translation: The Aesthetics of Thomas Aquinas, Cambridge: Harvard U.P., 1988. E em seu mais recente livro, chega a afirmar: “Quando me vejo assim tão perdido diante de questões de doutrina, recorro à única pessoa em quem confio, que é Tomás de Aquino” Eco, Umberto – Martini, Carlo Maria Em que crêem os que não crêem, Rio de Janeiro, Record, 2000, p. 50.

[5] Eco, Umberto O Nome da Rosa, São Paulo, Nova Fronteira, 1983. O livro, como se sabe, teve um destino curioso: foi comprado por todos, lido por alguns, compreendido por muito poucos...

[6] Naturalmente, a preocupação de Eco, não é tanto com a teologia medieval, mas com a cultura e a política contemporâneas.

[7] Para o relativo caráter secundário do lúdico em Aristóteles, veja-se o cap. II.2 “Las indicaciones de Aristóteles” de Yepes, Ricardo La región de lo lúdico - reflexión sobre el fin y la forma del juego; Pamplona, Cuadernos de Anuario Filosófico, 1996.

[8] Limitar-me-ei a citar publicações de obras por mim traduzidas e que discuto em cursos na FEUSP.

[9] Cfr. Nunes, Ruy A. C. História da Educação na Idade Média, São Paulo, EPU-Edusp, pp. 10 e ss. e Pernoud, R. Idade Média - o que não nos ensinaram, Rio de Janeiro, Agir, 1979, pp. 17 e ss.

[10] "Tanto os artesãos como os tocadores de música são pessoas ignaras, operários mecânicos, que não sabem A nem B, e que jamais foram instruídos e, além disto, não têm língua fecunda, nem linguagem própria, nem sequer os acentos da pronúncia decentes... estas pessoas não letradas, de condição infame, como um marceneiro, um sargento, um tapeceiro, um vendedor de peixes, estão a representar os Atos dos Apóstolos..." cit. por Pernoud Idade Média - o que não nos ensinaram, Rio de Janeiro, Agir, 1979, pp. 46-47.

[11] Cit. por Pieper, Scholastik, München, DTV, 1981, p. 20.

[12] Trato desse projeto pedagógico de Boécio, nos capítulos dedicados a esse educador em meus livros: Cultura e Educação na Idade Média (seleção, trad. e estudos introd.), S. Paulo, Martins Fontes, Coleção Clássicos-Educação, 1998; e Educação, Teatro e Matemática Medievais, S. Paulo, Perspectiva, 2a. ed., 1990, ampliada com novos textos e estudos.

[13] Naturalmente, a escolástica, no sentido fundacional boeciano, deve ser entendida como aprendizagem pouco original dos rudimentos de saberes, que só séculos depois terão condições de florescer. É a chama-piloto que, só no séc. XII, receberá combustível para dar lugar a um renascimento: da escola monástica passar-se-á à universidade; dos livros de Sentenças, às Sumas.

[14] Scholastik, cap. V.

[15] Huizinga, J. Homo Ludens, São Paulo, Perspectiva- Edusp, 1971, p. 85.

[16] Epístola 101, in PL 100, 314, C.

[17] Os dois próximos textos citados encontram-se em Lauand (org.) Educação, Teatro e Matemática Medievais, S. Paulo, Perspectiva, 2a. ed., 1990.

[18] Ao próprio Alcuíno é atribuída uma coletânea de divertidos problemas "para aguçar a inteligência dos jovens".

[19] Cito pela tradução das anedotas da Disciplina Clericalis que se encontra em Lauand, L. J. (org.) Cultura e Educação na Idade Média, São Paulo, Martins Fontes, 1998.

[20] O senhor de Maimundo ordenou-lhe, certa noite, que fosse fechar a porta. Maimundo - que, oprimido pela preguiça, nem podia se levantar - respondeu que a porta já estava fechada.

Ao alvorecer, disse-lhe o senhor:

- Maimundo, vai abrir a porta.

- Como eu sabia que o senhor havia de querê-la aberta hoje, nem cheguei a fechá-la ontem.

O senhor, percebendo que, por preguiça, não a tinha fechado, disse-lhe:

- Levanta-te e faz o que tens de fazer, pois é dia e o sol já está a pino.

- Se o sol já está a pino, então dá-me de comer - respondeu Maimundo.

- Servo mau, nem amanheceu e já queres comer?

- Bom, se não amanheceu, então deixa-me continuar dormindo.

(ed. cit. p. 247)

[21] Cito pela tradução que está em Lauand, L. J. “O xadrez na Idade Média”, São Paulo, Perspectiva-Edusp, 1988.

[22] São Paulo, referindo-se à fé, diz: "Presentemente vemos de modo confuso como por um espelho em enigmas (in aenigmate); mas então veremos face a face" (I Cor 13, 12). E na Hierarquia Eclesiástica do Pseudo-Dionísio Areopagita reencontramos a metáfora do enigma: nos mistérios da revelação e da Liturgia - Hierarquia Eclesiástica. 2, 3, 1; 3, 3, 3 e 5, 1, 2.

[23] S. Sticca "Hrotswitha's 'Dulcitius' and Christian Symbolism" Mediaeval Studies 32 (1970), pp. 108-127, cit. por Ferruccio Bertini Il teatro di Rosvita, Genova, Tilgher, 1979, p.62.

[24] Cfr. Lauand (org.) Idade Média: Cultura Popular, São Paulo, FFLCH-Edix, 1995.

[25] “G.K. Chesterton once observed that when a typesetter substitutes 'comic' for 'cosmic' he is not really too much in error” (cit. por Jonathan Williams http://www.%20jargonbooks.com/%20broughton.html”.

[26] Citarei Tomás pelo texto latino da edição eletrônica de Roberto Busa Thomae Aquinatis Opera Omnia cum hypertextibus in CD-ROM. Milano, Editoria Elettronica Editel, 1992.

[27] Nesse sentido, já no marco inicial da cultura da Idade Média - o ano 529 - coincidem dois fatos emblemáticos: o fechamento da Academia de Atenas por decreto imperial (desde então não haverá lugar para a cultura pagã) e a fundação, por Bento de Núrsia, do mosteiro de Monte Cassino (e o período que vai do século VI ao século XI será conhecido como era beneditina).

[28] Cfr. a já citada Scholastik, caps. VII a IX.

[29] Em latim, a palabra iocus tende a ser mais empregada para brincadeiras verbais: piadas, enigmas etc. Ioca monachorum, por exemplo, é o título que designa as coleções de charadas, enigmas e brincadeiras verbais dos monges nos mosteiros medievais. A forma inglesa joke, conserva essa ênfase no verbal. Já ludus - da qual se originaram as nossas: aludir, deludir, desiludir, eludir, iludir, ineludível, interlúdio, ludâmbulo, ludibriar, lúdico, prelúdio etc.- refere-se mais ao brincar não verbal: por ação. No entanto, no século XIII iocus e ludus empregam-se freqüentemente como sinônimas. Assim, por exemplo, diz Tomás: "As palavras ou ações - nas quais se busca só a diversão chamam-se lúdicas ou jocosas", "A diversão acontece por brincadeiras (ludicra) de palavra e de ação (verba et facta)" (II-II, 168, 2, c).

[30] Cfr. p. ex. o Prólogo da parte II da Suma Teológica.

[31] É o que significa por exemplo a caracterização, tantas vezes por ele repetida, da virtude como ultimum potentiae.

[32] É interessante observar que assim como a palavra refeição indica um "re-fazer-se" das forças físicas, assim também pelo recreio, há uma "re-criação" das forças da alma.

[33] Suma Teológica, prólogo.

[34] Diz Tomás: “A largura é uma dimensão da magnitude dos corpos e só metaforicamente se aplica às disposições da alma. ‘Dilatação’ indica uma extensão, uma ampliação de capacidade, e se aplica à ‘deleitação’ (Tomás joga com as palavras dilatatio-delectatio) com relação a dois aspectos. Um provém da capacidade de apreender que se volta para um bem que lhe convém e por tal apreensão o homem percebe que adquiriu uma certa perfeição que é grandeza espiritual: e por isso se diz que pela deleitação sua inteligência cresceu, houve uma dilatação. O segundo aspecto diz respeito à capacidade apetitiva que assente ao objeto desejado e repousa nele como que abrindo-se a ele para captá-lo mais intimamente. E assim se dilata o afeto humano pela deleitação, como que entregando-se para acolher interiormente o que é agradável" (I-II, 33, 1).

[35] ibidem, I-II, 37, 2, ad 2.

[36] Non posset vivere homo in societate… sine delectatione, quia sicut Philosophus dicit, in VIII Ethic.: “Nullus potest per diem morari cum tristi, neque cum non delectabili”. Et ideo homo tenetur ex quodam debito naturali honestatis ut homo aliis delectabiliter convivat... ibidem, II-II, 114, 2 ad 1.

[37] "Aristóteles mostra o que é o termo médio da virtude no brincar. E diz que aqueles que se portam convenientemente no que diz respeito ao brincar são chamados eutrapeli, que significa "os que bem convertem", porque convertem em riso, de modo conveniente e versátil, as coisas que se dizem ou fazem" (854). Cito pela minha tradução em Cultura e Educação na Idade Média, S. Paulo, Martins Fontes, Coleção Clássicos-Educação, 1998, p. 292.

Outra passagem ilustrativa da desorientação de Tomás, suscitada pelas deficiências de tradução é aquela em que Aristóteles para ilustrar a diferença entre a atitude viciosa e a virtuosa contrapõe as antigas às novas comédias. Diz o original aristotélico: "Para os antigos autores cômicos era a obscenidade o que provocava o riso; para os novos, é antes a insinuação, o que constitui um progresso". Já na tradução de que Tomás se vale não há tal contraposição e o Aquinate entende "suspeita" onde o original diz "insinuação". Daí sua afirmação, interessante, mas que nada tem que ver com o texto aristotélico: "E (Aristóteles) diz que tal critério é especialmente manifesto quando consideramos os diálogos tanto nas antigas como nas novas comédias. Porque se em algum lugar nessas narrações ocorria alguma fala torpe, isso gerava em alguns a irrisão enquanto tais torpezas se convertiam em riso. Para outros, porém, gerava a suspeita, enquanto suspeitavam que aqueles que falavam torpezas possuíam algum mal no coração" (859), ed. cit., p. 294.

[38] Se Tomás escrevesse hoje, seguiria a Nova Vulgata, de 1986, que oferece as seguintes versões: "Cum eo eram ut artifex: delectatio eius per singulos dies ludens coram eo omni tempore, ludens in orbe terrarum et deliciae meae esse cum filiis hominum" (Prov. 8, 30-31). E "Praecurre autem prior in domum tuam, et illuc advocare et illic lude, et age conceptiones tuas" (Eclo. 32, 15-16).

Já para este último versículo, a Bíblia de Jerusalém apresenta a tradução: “Corre para casa e não vagueies. Lá diverte-te, faze o que te aprouver, mas não peques falando com insolência”.E para o versículo de Provérbios: “Eu estava junto com ele como o mestre-de-obras, eu era o seu encanto todos os dias, todo o tempo brincava em sua presença: brincava na superfície da terra, e me alegrava com os homens”.

[39] Et ipsa sapientia loquitur, Prov. 8, 30: ‘Cum eo eram cuncta componens...’. Hoc etiam spe-cialiter Filio attributum invenitur, inquantum est imago Dei invisibilis, ad cujus formam omnia formata sunt: unde Col. 1, 15: qui est imago Dei invisibilis, primogenitus omnis creaturae, quoniam in ipso condita sunt universa; et Joan. 1, 3: omnia per Ipsum facta sunt. (In I. Sent.)

[40] Em seu Comentário ao Evangelho de João, Tomás até discute a conveniência de traduzir Logos por Ratio e não por Verbum. Esta última forma parece-lhe melhor, pois se ambas indicam pensamento, Verbum enfatiza a "materialização" do pensamento (em criação/palavra). Sua resposta é: "Ratio propriamente designa o conceito da mente, enfatizando aquilo que está na mente (mesmo que não venha a se materializar), enquanto verbum é o pensamento que faz referência ao exterior. Por isso - como o evangelista ao dizer Logos não só indicava a existência do Filho no Pai, mas também a potência operativa do Filho pela qual 'por Ele todas las coisas foram criadas'- os antigos traduziram Logos por Verbum (que enfatiza a referência ao exterior) e não por ratio, que só sugere o conceito na mente" (Super Io. I,1,32).

[41] Não é por acaso que Tomás considera que "inteligência" é intus-legere ("ler dentro"): a ratio do conceito na mente é a ratio "lida" no íntimo da realidade.

[42] O conceito, a idéia.

[43] Sartre, Jean-Paul O Existencialismo é um Humanismo, in Os Pensadores (vol. XLV Sartre-Heidegger). São Paulo, Abril, 1973, p. 11.

[44] “Deus Pater operatus est creaturam per suum Verbum”, "Deus Pai opera a Criação pelo seu Verbo,...”(I, 45, 6).

[45] “Na recapitulação da obra divina, diz Gn 2,1: ‘Assim perfizeram-se os céus e a terra com todos seus ornamentos’. Nessas palavras, podem-se distinguir três obras: a obra da criação, que produziu os céus e a terra, porém informes; a obra da distinção, que perfez os céus e a terra (...) e a estas duas deve-se ajuntar a obra de ornamento. Ornamento difere de perfazer, pois a perfeição do céu e da terra parece referir-se à sua constituição intrínseca, enquanto o ornamento refere-se a coisas que lhes são distintas: tal como um homem, que se perfaz pelas suas próprias partes e formas e é ornamentado pelas vestes ou coisas do gênero. (...) Assim, é próprio da obra de ornamento a produção de coisas que se movem tanto no céu como na terra” (Summa Th. I, 70, 1). In recapitulatione divinorum operum, Scriptura sic dicit, igitur perfecti sunt caeli et terra, et omnis ornatus eorum. In quibus verbis triplex opus intelligi potest, scilicet opus creationis, per quod caelum et terra producta leguntur, sed informia. Et opus distinctionis, per quod caelum et terra sunt perfecta, sive per formas substantiales attributas materiae omnino informi, ut Augustinus vult; sive quantum ad convenientem decorem et ordinem, ut alii sancti dicunt. Et his duobus operibus additur ornatus. Et differt ornatus a perfectione. nam perfectio caeli et terrae ad ea pertinere videtur quae caelo et terrae sunt intrinseca, ornatus vero ad ea quae sunt a caelo et terra distincta. Sicut homo perficitur per proprias partes et formas, ornatur autem per vestimenta, vel aliquid huiusmodi. Distinctio autem aliquorum maxime manifestatur per motum localem, quo ab invicem separantur. Et ideo ad opus ornatus pertinet productio illarum rerum quae habent motum in caelo et in terra.

[46] Cfr. John F. McCarthy “The First Four Days According To St. Thomas”, Living Tradition, November 1993, No. 49, Ponce, http://www.rtforum.org/lt/lt49.html.

[47] Considerandum est de creatura corporali. In cuius productione tria opera scriptura commemorat, scilicet opus creationis, cum dicitur: “In principio creavit Deus caelum et terram, etc.”; opus distinctionis, cum dicitur: “Divisit lucem a tenebris, et aquas quae sunt supra firmamentum, ab aquis quae sunt sub firmamento”; et opus ornatus, 10 cum dicit: “Fiant luminaria in firmamento etc.” (I, 65, prol.)

[48] “A pessoa do Filho é mencionada tanto na criação das coisas como em sua distinção e ornamento, mas de modos diferentes. A distinção e o ornamento perrtencem à formação das coisas. E tal como a formação das obras de arte dá-se pela forma artística que está na mente do artista, que podemos chamar de verbo inteligível, assim tambéma formação das criaturas dá-se pelo Verbo de Deus. E é por isso que as obras de distinção e de ornamento remetem ao Verbo. Já na obra da criação o Filho é mencionado como princípio, quando se diz (Gn 1, 1): ‘No Princípio, criou Deus...’” (I, 74, 3 ad 1).

[49] No Comentario ao Evangelho de João (cp 1, lc 2), Tomás explica que se trata de ação do Pai pelo Verbum: "Quia enim evangelista dixerat ‘omnia per Ipsum facta sunt’, posset intelligi Patrem excludi ab omni causalitate; ideo consequenter addit ‘et sine ipso factum est nihil’. Quasi dicat: sic per eum facta sunt omnia, ut tamen Pater cum eo omnia fecerit. Nam tantum valet sine eo, ac si dicatur non solus; ut sit sensus: non ipse solus est per quem facta sunt omnia, sed ipse est alius, sine quo factum est nihil. Quasi dicat sine ipso, cum alio operante, scilicet Patre, factum est nihil; iuxta illud prov. viii: cum eo eram cuncta componens".

[50] "Illud quo aliquid cognoscitur quocumque modo, dicitur lux. Unumquodque autem cognoscitur per suam formam, et secundum quod est actu. unde quantum habet de forma et actu, tantum habet de luce (...) est, inquantum habet de entitate et luce". Tomás diz no De veritate (I,2): res naturalis inter duos intellectus constituta est - a realidade natural está situada entre dois cognoscentes: o intellectus divinus - mensurans e non mensuratum - e o intellectus humanus: mensuratum, que recebe sua “medida” das coisas que, por sua vez, receberam sua “medida” do Verbo.

[51] Ave Palavra, 2a. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1978, pp. 94 e ss.

[52] Speculum, cp. 23. Cito pela edição eletrônica da Brepols - Cetedoc Library of Christian Latin Texts, Universitas Catholica Lovaniensis, 1994.

[53] O próprio Tomás só o menciona no comentário a Boécio (exceção feita ao Super Evangelium Matthei cp 13, lc 13, onde considera o fato de que Cristo explica as parábolas reservadamente aos apóstolos e, citando nosso versículo, comenta: “si velimus secreta investigare, debemus in secretum intrare”).

[54] A esse respeito, veja-se o tópico 3.2 “Contemplação” de minha tese de doutoramento O que é uma Universidade, São Paulo, Perspectiva-Edusp, 1987. Cfr. também Rosa, Antonio Donato Paulo O papel da contemplação na educação segundo os escritos filosóficos de Santo Tomás de Aquino; dissertação de mestrado, FEUSP, São Paulo, 1993.

[55] Praecurre prior in domum tuam, et illuc advocare et illic lude, et age conceptiones tuas. (Eccli. 32, 15 - 16). Habet hoc privilegium sapientiae studium, quod operi suo prosequendo magis ipsa sibi sufficiat. In exterioribus enim operibus indiget homo plurimorum auxilio; sed in contemplatione sapientiae tanto aliquis efficacius operatur, quanto magis solitarius secum commoratur. Et ideo sapiens in verbis propositis hominem ad seipsum revocat, dicens: "Praecurre prior in domum tuam", idest ad mentem tuam ab exterioribus sollicite redeas, antequam ab alio occupetur, per cuius sollicitudinem distrahatur: Unde dicitur Sap. 8: "Intrans in domum meam, conquiescam cum illa", idest cum sapientia. Sicut autem requiritur ad contemplationem sapientiae quod mentem suamaliquis praeoccupet, ut totam domum suam contemplatione sapientiae impleat, ita etiam requiritur quod ipse totus per intentionem interius adsit, ne scilicet eius intentio ad diversa trahatur: et ideo subdit: "et illuc advocare", idest totam intentionem tuam ibi congrega. sic igitur interiore domo totaliter evacuata, et homine totaliter per intentionem in ea existente, quid agendum sit exponit subdens, "et illic lude". Ubi considerandum est, quod sapientiae contemplatio convenienter ludo comparatur, propter duo quae est in ludo invenire. primo quidem, quia ludus delectabilis est, et contemplatio sapientiae maximam delectationem habet: unde Eccli. 36 xxiv, dicitur ex ore sapientiae: "Spiritus meus super mel dulcis". Secundo, quia operationes ludi non ordinantur ad aliud, sed propter se quaeruntur. Et hoc idem competit in delectationibus sapientiae. contingit enim quandoque quod aliquis apud seipsum delectatur in consideratione eorum quae concupiscit, vel quae agere proponit. Sed haec delectatio ordinatur ad aliquid exterius, ad quod nititur pervenire; quod si deficiat vel tardetur, delectationi huiusmodi adiungitur non minor afflictio, secundum illud Prov. xiv: "risus dolore miscebitur". Sed delectatio contemplationis sapientiae in seipsa habet delectationis causam: unde nullam anxietatem patitur, quasi expectans aliquid quod desit. propter quod dicitur Sap. viii: "non habet amaritudinem conversatio illius, nec taedium convictus illius", scilicet sapientiae. Et ideo divina sapientia suam delectationem ludo comparat, Prov. viii: "delectabar per singulos dies, ludens coram eo..." ut per diversos dies, diversarum veritatum considerationes intelligantur. Unde et hic subditur: "et illic age conceptiones tuas", per quas scilicet homo cognitionem accipit veritatis. (In Boet. de Hebd. Lc-).

[56] Por exemplo, em II-II, 175, 4, diz que para conhecer as coisas altíssimas de Deus é necessário que tota mentis intentio illuc advocetur.

[57] Certamente, diz Tomás, alguém pode encontrar prazer em atividades que têm fim fora de si mesmas, mas, neste caso, quando esta meta exterior falha ou tarda, ajunta-se a aflição ao prazer, o que nunca ocorre com a contemplação da sabedoria...

[58] Deus é feliz e suas delícias são estar con os filhos dos homens. Isto impede qualquer interpretação do brincar de Deus na Criação como uma piada de mau gosto, no sentido de Macbeth (Ato V): "(Life) it is a tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing". Aliás, num outro comentário importante a Prov. 8, 30-31, “as minhas delícias são estar com os filhos dos homens”, Tomás diz que Deus ama as criaturas, especialmente o homem, a quem comunica o ser e a graça, para fazê-lo partícipe de Sua felicidade (Super Ev. Io. 15, 2).

[59] Domenico de Masi, em entrevista a “Roda Viva”, janeiro de 1999, citado por Gilberto de Mello Kujawski “A sociedade do lazer e seu profeta” O Estado de S. Paulo, 25-2-99, p. 2. A citação vem a propósito do conhecido caso dos prêmios Nobel da Escola de Biologia de Cambridge, que descobriram o DNA. “Os cientistas produziram diversos desenhos da possível estrutura do DNA, a priori, sem base experimental. Na hora de testar aqueles desenhos surgiu a questão: qual deles? A resposta foi: o mais belo. Testou-se o desenho mais formoso e elegante. E não é que deu certo? O esquema do DNA era aquele mesmo” art. cit. Cfr. o cap. “A Escola de Biologia de Cambridge” D. de Masi A Emoção e a Regra, Rio de Janeiro, José Olympio, 1997. Ainda a propósito do Logos Ludens e da ciência, meu amigo (e colega de direção editorial) Dr. Wilson Miguel Salvagnini - professor da EPUSP-Química, que orientou a primeira tese sobre água de coco na USP -, sabendo destas minhas pesquisas, comentou-me o seguinte: “A água de coco como que manifesta uma inteligência e um propósito: trata-se de um liqüído que - além de agradável – é espantosamente isotônico, estéril e contém sais e açúcares, tudo como que ‘sob medida’ para a necessidade humana: a tal ponto que pode ser, por exemplo, até tomada por lactentes e é perfeitamente injetável intravenosamente!” Cfr. P. ex. Dupaigne, P. “Un jus de fruit peu ordinaire: l'eau de coco”. Fruits, v. 26, n. 9, pp. 625 e ss. E poderíamos acrescentar: não haverá algo de lúdico - lembremos do cósmico/cômico de Chesterton - em esconder esse valioso liqüído num coco, no alto de um coqueiro?!

[60] A esse aspecto do pensamento de Tomás, Pieper dedicou sua obra - de tão sugestivo título - Unaustrinkbares Licht. Um parágrafo, a título de resumo: “Temos certamente a potência de conhecimento das coisas, contudo não nos é possível conhecer formalmente a sua verdade; conhecemos a imagem imitativa (Nachbild), mas não a sua correspondência ao arquétipo (Urbild): a relação existente entre o ser-pensado (Erdachtsein) e o seu projeto” Pieper, J. “Luz Inabarcável - o Elemento Negativo na Filosofia de Tomás de Aquino”, cito pela tradução de G. Greggersen em Convenit 1, Salamanca, Ed. Arvo, 2000, http://www.%20hottopos.com/convenit/jp1.htm#(*). Para o tema do mistério, veja-se o capítulo correspondente em Lauand O que é uma Universidade, São Paulo, Perspectiva-Edusp, 1987.

[61] Veja-se também, por exemplo,

“Rebrinco”:
“(...) Ia chamar Letícia pra brincar.
Medo que eu tinha era não ter mistério”.

(p.115)

[62] Cfr. p. ex. Pieper Scholastik, München, DTV, 1978, cap. XI.