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Ao atualizar a essência, realmente distinta dele, e originar deste
modo o ente, ou a substância, a ação infinita que é própria ao
ser permanece assim como que limitada pela essência que o recebe e,
por este motivo, denomina-se essa ação finita de operatividade,
isto é, o conjunto de capacidades, faculdades ou potências
operativas, não identificadas com a substância.
Por conseguinte, a operatividade da substância -o conjunto de
potências operativas-, realmente distinta dela, é causada por ela.
Nem a potência operativa, nem sua operação, são propriamente
criadas -pois não são algo subsistente-, são obra da substância.
É a própria atualidade do ato de ser que constitui as potências
operativas, como acidentes, na linha da essência. Por isso, embora
sejam também distintas da essência, admite-se dizer que fluem dos
princípios da essência, isto é, da atualidade do ser.
Aplicando ambos aspectos desta doutrina para o caso concreto do ser
humano, dir-se-á em primeiro lugar que suas características
próprias -o viver, o entender, o amar, etc.- lhe advém de seu
ser espiritual. É por esse motivo que o ente humano é denominado de
pessoa. Em segundo lugar, suas potências operativas, não possuindo
ser próprio -têm apenas o ser do sujeito ou pessoa-, apenas
pertencem[3]à pessoa humana, e por isto esta deve assumir a
responsabilidade de seus atos livres.
A oporatividade pressupõe, pois, a atualidade da substância ou
ente. Há operação na medida em que, pela atualidade do ato de
ser, a essência é. Mas as potências operativas comportam também
um certo grau de passividade -potência passiva, capacidade de ser
movido ou alterado por outro- na medida em que essa atualidade estiver
limitada pela essência. As potências operativas, por conseguinte,
têm necessidade de serem atuadas pelo sujeito. A pessoa, pelo seu
ato de ser, é pois a causa eficiente de todo o seu operar.
Recorrendo-se a uma tosca analogia, pode-se dizer que as potências
operativas são como as velas de um veleiro. Na medida em que
existam, o barco tem capacidade de ser movido por um fator externo: o
vento. Além do mais, a forma, o tamanho, a posição de cada vela
delimitarão essa influência do vento. Contudo, o patrão da barca
terá sempre necessidade de estender as velas. Da mesma maneira, na
medida em que a riqueza do ser estiver limitada pela essência, haverá
possibilidade de receber influência externa; mas essa influência
será limitada às características das potências passivas. E sempre
o sujeito assumirá a responsabilidade de seus atos.
Continuando a descrever a completa plenificação do ente realizada
pelo ato de ser, deve-se avançar agora um pouco mais e dizer que não
basta afirmar que o ato de ser é o primeiro de todos os atos do ente e
o princípio de toda a sua operação. Dele provém também a
atualidade de todos os outros atos. É o ser-ato de todos os atos
postos pelo ente. Um ato de pensar ou de querer serão atos da pessoa
na medida em que neles se expresse o seu ser. O ato de ser é,
portanto, a fonte da mudança do ente, isto é, a causa eficiente
intrínseca de todos os seus atos.
Uma vez já considerado o ser dos atos humanos, resta agora examinar
sua explicação, e esta vem dada pela causa final. Note-se que o
fim da operação só pode ser o ato primeiro do ente, isto é, o ato
de ser, porque a operação se realiza por ele. Fim significa
perfeição e término intencional. Toda ação parece ordenar-se de
algum modo ao ser; quer para conservá-lo, quer para adquiri-lo de
novo[4]. Se é verdade que a operação aperfeiçoa o sujeito, então
o conteúdo do que se aperfeiçoa será mais perfeito e mais próprio
depois da operação do que antes; portanto, é o próprio ato de
ser, que dá forças e energia ao ente para operar, que se completa e
aperfeiçoa com a operação. Daí que nada possa aperfeiçoar-se por
algo completamente distinto de si.
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