DEUS, A FORMA PERFEITA DE SER.

Tomás de Aquino identifica o puro esse com o próprio Deus. "Divina essentia est ipsum esse[31]". Dado que é a essência dos entes a que dá a medida em que o ente tem o ser, em Deus sua essência não pode ser distinta do seu ser. Sem nenhuma composição com a potência, como ato puro de ser, Deus, na concepção tomista, é a forma perfeita de uma atividade infinita de conhecimento e de amor, subsistente em si mesma.

O movimento circular de conhecimento e de amor, próprio da atualidade do ser, em Deus fecha-se em si mesmo, pois Deus conhece e ama tudo entendendo-Se e amando-Se a si mesmo[32]. Só o Ser puro pode explicar o ser das criaturas[33], que flui, na Criação, como um efeito conjunto do pensamento e da livre vontade divina.

Tomás, neste ponto, serviu-se de Avicena, não só ao conceber Deus como um ato puro de conhecimento e de amor que dá o ser à criatura[34], mas também para deixar bem claro que a Criação não significa apenas dar o ser à criatura, mas mantê-la no ser. Essa Criação, que em Deus é uma ação instantânea, imóvel e eterna, nos entes finitos realiza-se no tempo; por isso, enquanto a criatura estiver no ser isto significa que Deus está pensando nela, embora o tempo só transcorra para a criatura.

É justamente por provir do Deus-eterno que o esse é algo estável no ente. E essa estabilidade no ser é o fundamento da verdade da coisa, na clássica definição de Avicena: "A verdade de uma coisa é a característica própria do seu ser, que lhe foi dada como propriedade constante.[35]" Trata-se da verdade transcendental da coisa, que surge da comparação da realidade com o pensamento divino.

Deus é, portanto, a causa exemplar, isto é, o princípio mensurante ou formal da realidade criada. Esta, por sua vez, pelo seu ser e na medida do mesmo, é semelhante à bondade divina. Todo aperfeiçoamento que os entes puderem realizar em seu ser, terá a sua explicação na mente divina.

Mas Deus é também causa eficiente da criatura, não só porque fundamenta, ao pensá-los, as essências dos seres finitos, mas também porque os cria ao amá-los, ou querê-los, fazendo-os participar do seu ser. Os diversos atos de ser que procedem do Ato Primeiro infinito são, diz Tomás, como que uma participação sua, e são recebidos em diversas potências ou essências proporcionadas a eles[36]. Só um ato de ser assim concebido pode explicar a autêntica autonomia das realidades temporais.

Deus é, portanto, o Ser primeiro, Perfeição infinita, princípio de todas as coisas, "esse primum est et quase principium aliorum, praebens in se omnia[37]". Por outro lado, não é necessário ao ente finito possuir o ser com todas as dimensões de sua perfeição.