Tradução de: FLASCH, Kurt, Das philosophische Denken im Mittelalter. Von Augustin zu Machiavelli. [O pensamento filosófico na Idade Média. De Agostinho a Maquiavel.] Philipp Reclam jun., Stuttgart, 1988, p. 381-394.

Tradutor: Edson Dognaldo Gil


RAIMUNDO LÚLIO

Enquanto OLIVI censurava aos filósofos seu saber praticamente sem utilidade, Roger BACON (+ 1292) punha mãos à obra para reformar a ciência, a fim de que ela, finalmente, viesse a ser útil. Raimundo LÚLIO (+ 1316) seguiu-o. Mas tudo o que fez foi original. Carl PRANTL denominava-o "talentoso cabeça-dura" [1] ou, mais brevemente, "semilouco"[2] ; o próprio LÚLIO denominava-se o "louco": "Jo sóc Ramon lo foll" (Blanquerna c. 79). Caracterizava-se como "vir phantasticus" para demonstrar, então, que a verdadeira compreensão é considerada fantasia. LÚLIO foi um outsider; sua obra demonstra a riqueza da paisagem histórica no começo do século XIV. Os juízos sobre ele estendem-se do "semilouco" de PRANTL ao elogio segundo o qual LÚLIO seria o mais conseqüente e homogêneo de todos os filósofos cristãos (E. W. PLATZECK). Em muitas exposições do pensamento medieval - p. ex., no opúsculo de Josef PIEPER sobre a escolástica [3] - procura-se em vão pelo nome de LÚLIO. Esse silêncio é, em todo caso, injustificado, quando se fez uma avaliação histórica ou de examinar a conexão entre as Idades Média e Moderna: LÚLIO foi uma fonte essencial para Giordano BRUNO; Nicolau de CUSA não possuía tantos textos de nenhum outro pensador quanto de LÚLIO; DESCARTES polemizava contra ele; LEIBNIZ e LESSING estudaram-no. Não se pode prescindir do Lulismo nas discussões sobre o método científico do início da Idade Moderna. No século XIV ele foi ao encontro dos movimentos de reforma joaquimitas. A ciência escolástica de Paris encarava-o de modo preconceituoso, se bem tenha havido lá tentativas regulares de elucidar de forma sistemática a doutrina de LÚLIO. Em 1376, chegou-se a uma condenação papal de teses lulianas que, porém, seria suspensa em 1419. A repercussão de LÚLIO associou-se, freqüentemente, a experimentos de alquimia. Contudo, ele próprio nada tinha que ver com isso, sim, porém, com a astrologia e uma reforma da medicina.

Na investigação científica, a imagem de LÚLIO é oscilante, e é difícil informar-se sobre ele com base nas próprias fontes - a envergadura de seus escritos já assusta: o catálogo de suas obras conta, segundo PLATZECK, 292 títulos. Foram escritas parte em latim, parte em catalão. LÚLIO também escreveu em árabe, mas esses textos se perderam ou foram preservados apenas em traduções. Essa massa enorme é difícil de dominar; ajuizá-la exigiria a competência não apenas de um historiador da filosofia, mas também a de um romanista - LÚLIO é tido como o pai da literatura catalã - e a de um historiador da ciência. Vários textos ainda não foram editados. Mas o estudo de LÚLIO tem-se tornado mais fácil nos últimos decênios: a grande edição de Mogúncia,[4] que era rara, está novamente disponível desde 1965, numa reimpressão em 8 volumes. As obras tardias de LÚLIO aparecem, ininterruptamente, nos marcos da Opera Latina,[5] e também seus escritos catalães podem ser estudados.[6] Uma introdução à vida e ao pensamento de LÚLIO encontra-se no esboço de autobiografia (Vita coetanea), publicado em alemão, em 1964, em Düsseldorf (E. W. PLATZECK), e cujo texto crítico em latim está disponível, desde 1980[7] . Quem quiser iniciar-se no pensamento de LÚLIO, pode agora utilizar os excertos de seus escritos que Nicolau de CUSA compilou para si mesmo[8] . A elucidação do conteúdo do pensamento de LÚLIO também fez alguns progressos[9] .