|
Seguindo Aristóteles, a filosofia tradicional sempre entendeu por
natureza de uma substância "um princípio intrínseco de movimento".
Portanto, a noção de natureza, segundo essa interpretação, terá
de ser análoga: algumas vezes será a forma da substância, outras a
matéria e, na maioria dos casos, uma vez que princípio e fim se
correspondem, a essência -aquilo que se gera-, por ser esta o fim
dos movimentos naturais de geração. Por esse motivo e de acordo com
esta última acepção, Boécio definia a natureza como "a diferença
específica que informa qualquer coisa"[9].
Mas é preciso ter cautela ao identificar natureza e essência, pois
assim se facilita a confusão entre a ordem real e a ideal. Se por
natureza se entende a substância enquanto principio de operações,
não se deveria identificar natureza com essência, pois esta última
não é um princípio do operar da substância, mas apenas a
explicação do porquê de a substância operar naturalmente de uma
determinada maneira. Tenha-se em conta que a essência expressa, num
ente concreto, as razões do ato de ser desse ente[10] e,
portanto, pertence a uma ordem distinta do ser[11]. A essência
é abstrata; o existente, concreto. Apenas quando se considera que o
ente existente concreto participa do ser na medida indicada pela
essência, é que se pode admitir que essa essência não seja abstrata
mas atual. Desse modo, a essência, nesse ente concreto atual,
distingue-se realmente do ato de ser desse ente. Nesse caso, para
referir-se a ela é melhor utilizar o termo natureza em vez do termo
essência e dizer, com S. Tomás, que "o existente é uma natureza
que participa do ser"[12].
Natureza e substância também não são a mesma coisa. Como se viu,
natureza acrescenta à noção de substância a nota "princípio de
operações". Portanto, se existir uma substância que não seja
causa, isto é, um mero efeito, essa substância não será uma
natureza. Aristóteles não admitia isso porque a sua interpretação
da substância era causal. Na sua opinião, todas as substâncias
reduziam-se a causas[13]. Mais estritamente ainda, a diferença
entre substância e natureza deve ser buscada na relação de ambas com
o ato de ser. E, assim, deve dizer-se que a substância tem, ou
exerce, o ato de ser; ao passo que a natureza segue o ser como algo
resultante dele[14].
Uma vez esclarecida a noção de natureza e comparada com as noções
de substância e essência, pode-se sintetizar a doutrina tradicional
da seguinte maneira: uma substância particular que seja causa, que
opere, sempre existirá numa natureza, isto é, além de ser, terá
naturalmente algumas operações próprias dela; por sua vez, a
operatividade natural dessa substância será delimitada por sua
essência. Com outras palavras, relacionando mais uma vez as três
noções que se acabam de estudar e tendo também presente que sempre se
opera por um fim e que o fim das coisas é dado pelo que elas são,
isto é, pela essência, pode-se dizer que a substância se relaciona
mediante a natureza com o fim que lhe é proposto pela essência.
|
|