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O Libro del Orden de Caballería
Os fundamentos da cavalaria
O ofício do cavaleiro
O exame para o escudeiro ingressar na ordem
O ensino para o recebimento da ordem
O significado das armas
Os costumes dos cavaleiros
A honra que convêm tributar ao cavaleiro
Parte integrante da primeira fase literária de Ramón Llull, o
Libro del Orden de Caballería é, antes de tudo, uma obra com
propósitos artísticos, isto é, uma aplicação prática de sua
Arte. Apologética e doutrinária, seu conteúdo é de forte
tendência missional[29]. O livro pretende ocupar um espaço vazio
na formação dos novos pretendentes à qualquer ordem de cavalaria,
tentando dar a estes noviços um caminho que os ilumine numa série de
preceitos e valores espirituais, morais e éticos. Aproximando-se da
arte da astronomia, Llull divide sua obra em sete partes, "a
semejanza de los siete planetas que son los celestiales Corsos que
gobiernan y ordenan las cosas terrenales" [30].
Para explicar o surgimento e o propósito da obra, Llull fez um
pequeno prólogo, no qual conta uma história. Nela, um velho
cavaleiro escolheu a vida eremita da floresta e um dia encontrou um
escudeiro desejoso de ser feito cavaleiro. Este viajava para cortes
reunidas por um grande rei. Eles então conversaram, maravilhados um
com o outro[31]. Quando o escudeiro disse não conhecer as regras
da cavalaria, o velho eremita repreendeu-o e deu-lhe um livro escrito
para restaurar a honra, a lealdade e a ordem que o cavaleiro deveria
ter. O jovem, agradecido, disse: "Ah, Señor Dios! Bendito
seáis, porque me habéis guiado a un lugar y a tiempo para que pueda
tener el conocimiento de caballería" [32]. Quando chegou à
corte do prestigioso rei, o escudeiro presenteou-o com o livro dado
pelo eremita, para que todos pudessem lê-lo com freqüência e
tivessem sempre presente em suas almas os ideais da cavalaria.
Neste prólogo encontramos os propósitos da obra. Como a cavalaria e
o povo cristão se perderam, cabe à Igreja trazer seu rebanho de
volta, iluminando o caminho com os beatos letrados como Llull. O
autor chega a enumerar os pecados nos quais a cristandade caiu:
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"Disminuyeron la caridad, la lealdad, la justicia y la verdad en el
mundo. Y comenzaron la enemistad, la deslealdad, la injuria y la
falsedad; y por esto cundió el terror y la perturbación en el pueblo
de Dios..." (os grifos são meus) [33].
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Os pecados do povo cristão são expiados com a praga de Deus. Se
não, como explicar a permanência do Islã por tanto tempo na
Península? A obra possui, portanto, um sentimento de nostalgia de
tempos gloriosos. Para trazer esse tempo de volta, segundo Llull,
seria necessário fazer-se o soerguimento da instituição da
cavalaria. Quais seriam os sentimentos que preencheriam este retorno?
Primeiro, a volta da justiça através do temor. Com ele, o
cavaleiro exerceria sua autoridade, para que fosse "amado e temido
pelas gentes" e com isso, desse "verdade e justiça" [34].
Para que exercesse a justiça, o cavaleiro deveria possuir sete
virtudes que o destacassem dentre os demais: 1-) amabilidade,
2-) sabedoria, 3-) lealdade, 4-) força, 5-) nobre
ånimo, 6-) melhor instrução e 7-) melhores costumes. Estas
qualidades mostram a visão do clérigo catalão acerca da cavalaria.
Roubo, destruição, violência contra pobres, estupro de viúvas,
tudo isso está presente nas críticas de Ramón Llull[35].
O quadro é absolutamente decadente: cavaleiros que cometiam
perjúrio, luxúria - o vício mais abominável -, ladrões e
traidores de sua causa, reis e príncipes malvados. Na verdade, para
Llull, as duas maiores missões do cavaleiro são: pacificar os
homens (leia-se cristãos), manter e defender o cristianismo,
vencendo os infiéis que a cada dia "se afanan em destruir la Santa
Iglesia" [36]. Portanto, sua perspectiva é cruzadística,
expansionista e guerreira. A cavalaria deveria estar a serviço da fé
cristã, para se impor perante o Islã. Para isso, o cavaleiro
deveria estar imbuído dos mais nobres ideais, pois esta era uma
missão divina, e só os puros de coração deveriam ter acesso a ela.
Assim, para que a cavalaria tivesse a elite dos homens, de onde ela
deveria tirar seus combatentes? Ramón Llull é bastante claro:
entre os nobres. O autor chega a propor uma hierarquia idealizada para
a cristandade (ver quadro seguinte).
Na primeira linha, e acima de todos, o imperador. Este título
povoou o imaginário nobiliárquico ibérico praticamente desde que
Afonso X, o Sábio, de Leão e Castela, pleiteou-o para si
(Sacro Império Romano Germånico), nos anos 1256 -
1275, sem sucesso[37]. Colocando o imperador acima dos reis,
Llull estabelece para toda a cristandade européia uma conexão com o
distante passado de Carlos Magno (742 - 814), paradigma e
mito do monarca guerreiro, unificador. Mais uma vez, a glória de
tempos idos é idealizada como um lugar-em-si cavaleiresco.
Para auxiliar o imperador luliano, que o ajudassem reis-cavaleiros a
manter a ordem de cavalaria, base de seu poder. Esta é uma
concepção tipicamente feudal de divisão
administrativa-governamental. Abaixo do imperador e dos reis, todo o
corpo da nobreza, auxiliado por seus cavaleiros e diversas ordens de
cavalaria. Provavelmente pela ascensão das camadas não nobres da
população ibérica aos postos da cavalaria (em Portugal, os
chamados cavaleiros-vilãos), Ramón Llull afirma ser necessário
converter todos os cavaleiros em senhores de gentes (nobres), que
devem trabalhar (arar, limar e cavar a terra) para que o cavaleiro
possa guardar os caminhos, defender os lavradores e "reger as gentes"
[38].
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A hierarquia social luliana
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Imperador
Reis-cavaleiros
Nobres
Condes - Comodoros - "Varvesores"
Cavaleiros de um escudo (ordem)
O autor limita o número de cavaleiros ("caballería no aprecia
multitud de número") e afirma que os pretendentes devem ser ricos,
para poderem possuir todo o armamento necessário ao seu
ofício[39]. Isto fica ainda mais claro quando da festa que
acontece após a sagração do cavaleiro: o nobre que irá armar o
cavaleiro noviço deve dar presentes aos convidados, e o novo cavaleiro
também[40].
Na concepção cavaleiresca luliana, estas obrigações materiais
restringem consideravelmente os nobres que desejam ingressar na
cavalaria, tornando-a quase que um corpo de elite. A Igreja deve
cercar a cavalaria com seus ideais para que não se perca nos pecados
mundanos. Isto está bem claro quando Llull afirma que a maior
amizade existente deve se dar entre clérigos e cavaleiros[41].
Isso é um forte elo de ligação entre a filosofia luliana e a
concepção das ordens militares da guerra como missão.
Na filosofia luliana, o monge guerreiro pode ser visto como um trio
unitário, que abrange os três ideais em uma só pessoa[42]. O
monge cavaleiro reza, trabalha em seus senhorios e combate o inimigo de
sua fé. Assim, a trifuncionalidade é projetada idealmente nas
instituições monástico-militares, transportando a simbologia
católica do número três (Pai, Filho e Espírito Santo -
começo, meio e fim), e compactando o triångulo para harmonizar a
irracionalidade do mundo carnal - os que rezam, os que combatem e os
que trabalham - como um microcosmo da sociedade feudal em forma de
combate ao infiel[43]. Este é um ponto crucial para se entender a
concepção cruzadística e sua difusão na Península realizada pelas
ordens militares.
O cerimonial antecedente à sagração do noviço é outro ponto que
une as duas instituições. A confissão e a data para a
entronização (qualquer festa honrada do ano cristão) do cavaleiro
indicam que se trata de uma cerimônia de ordem religiosa. O jejum em
honra do santo do dia, a observåncia de não participar da festa em si
(o cavaleiro não deve ouvir jograis, considerados transmissores do
pecado), são sinais do sagrado totalmente inserido neste universo
bélico:
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"Si escucha a juglares que cantan o hablan de cosas descompuestas,
indecencias o pecado, ya en el principio y en el primer momento en que
ingresa en caballería comienza a deshonrarla y a menospreciar este
orden (os grifos são meus)." [44].
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As ordens militares seriam a perfeita conjugação desta concepção
guerreira-cristã. O ideal cavaleiresco luliano, que une Igreja e
Cavalaria num só corpo, também estava claro na concepção
litúrgica que envolve o noviço. Após a missa solene, este deveria
então estar em afinidade com catorze artigos proferidos pelo padre num
sermão que fundamenta a fé que o cavaleiro levaria consigo para os
campos de batalha. Divididos em dois grupos (sete artigos para a
deidade e sete para a humanidade que Jesus tomou em Nossa Senhora),
são eles:
Artigos para a Deidade:
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1- Crer em um Deus;
2- Crer no Pai;
3- Crer no Filho;
4- Crer no Espírito Santo; que Pai, Filho e Espírito Santo
são eternamente um Deus, sem fim nem princípio;
5- Crer que Deus é o Criador de tudo;
6- Crer que Deus redimiu o homem do Pecado Original;
7- Crer que Deus dá a glória aos que estão no paraíso;
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Artigos para a Humanidade:
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1- Crer que Jesus foi concebido do Espírito Santo;
2- Crer que Jesus nasceu;
3- Crer que Jesus foi crucificado e morto para nos salvar;
4- Crer que Jesus baixou ao inferno para libertar Adão, Abraão
e os demais profetas que creram Nele antes de morrer;
5- Crer que Jesus ressuscitou;
6- Crer que Jesus subiu aos céus, no dia da Ascensão;
7- Crer que chegará o dia do Juízo Final, quando todos serão
julgados[45]
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Com os dez mandamentos e os sete sacramentos da Igreja, todos eles
jurados pelo cavaleiro na missa solene da sagração[46], a Igreja
reveste o cerimonial militar de uma auréola sagrada indissolúvel. O
ideal cavaleiresco luliano - quase sempre quebrado na prática - tinha
assim um propósito firme de entrelaçar a filosofia da Igreja com a
prática guerreira das ordens de cavalaria. Tal meta visava, como
vimos, ao restabelecimento de um passado mítico glorioso, ligado
diretamente aos maiores reis guerreiros "alargadores do espaço
cristão" [47].
Para nossa perspectiva da mentalidade de cruzada presente na cavalaria
ibérica, os artigos do Libro de Ramón Llull que mais nos
interessam dizem respeito ao significado das armas do cavaleiro.
Portanto, descreveremos e analisaremos sua simbologia ligada às
armas. Consideramos este o melhor exemplo da mentalidade cruzadística
inserida no pensamento do autor catalão, que à sua época traduzia a
ortodoxia da Igreja neste terreno filosófico.
A corrente mais conservadora liga-se diretamente à concepção
belicista e dicotômica das ordens militares, entendidas como o braço
armado da Igreja. Como nos outros artigos lulianos, o elo de
ligação que estabelece a simbologia das armas procede da relação
direta entre clérigos e cavaleiros ("Y como el oficio de clérigo y
el oficio de caballero se convienen...") [48]. Ramón Llull
trata de dezoito objetos materiais que nas mãos do cavaleiro cristão
se tornam símbolos da cruzada contra o inimigo. São eles, em
ordem:
Simbologia cristã-cruzada luliana das armas do cavaleiro
Espada
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Feita à semelhança da cruz, para manter a justiça e a cavalaria
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Lança
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Verdade, apoio da esperança; força sobre a falsidade
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Elmo
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Vergonha, para que o cavaleiro não faça coisas vis
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Loriga
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Castelo e muro contra os vícios e faltas
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Calças de ferro
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Com suas armas, o cavaleiro deve manter os caminho seguros
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Esporas
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Cuidado para não ser surpreendido
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Gorjal
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Obediência; proteção contra os vícios
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Maça
Punhal
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O golpe de misericórdia; a esperança em Deus
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Escudo
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O seu próprio ofício; como o escudo, o cavaleiro se interpõe entre
o rei e seu povo
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Sela
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Seguridade de ånimo que menospreza a covardia
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Cavalo
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A nobreza de seu valor; para que cavalgue mais alto que os demais
homens
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Freio (para o cavalo)
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O cavaleiro deve frear sua boca de palavras mentirosas e suas mãos de
gestos vis; deve deixar levar-se a todos os reinos
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Testeira (para o cavalo)
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Não deve fazer uso de suas armas sem motivo; a razão defende o
cavaleiro de vitupérios e vergonha
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Guarnimientos (proteção para o cavalo)
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O cavaleiro deve guardar seus bens para que mantenha a honra da
cavalaria
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Túnica
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Os grandes trabalhos que sofrerá em nome da cavalaria
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Divisa
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Para que seja reconhecido e lembrado por seus feitos
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Estandarte (para rei e nobres)
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Para significar que os cavaleiros estão com o dever de manter a honra
e a herdade de seu senhor[49]
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Esta lista idealizada pelo autor inclui uma série de acessórios que
até meados do século XIV eram inacessíveis economicamente para boa
parte dos cavaleiros nobres portugueses (por exemplo as calças de
ferro e a proteção para o cavalo), mais pobres do que seus colegas
armados de além-Pireneus[50]. Conjeturamos, portanto, que sua
preocupação foi a de acrescentar todo o conjunto de armas já
inventado até então, independentemente de sua acessibilidade
material.
De nosso especial interesse é o grupo de armas que mais significado
tiveram para a cavalaria portuguesa: a espada e o escudo. Desde a
segunda metade do século XI, a função guerreira era atributo e
fundamento da realeza peninsular. Ao falarem da nobreza real, os
cronistas ressaltavam sua strenuitas (valentia, sucessos guerreiros)
[51]. Especificamente no caso português, a espada e o escudo
revestiram-se da mesma importåncia que a coroa em outras regiões da
Europa.
A espada é o símbolo da força e do sol[52]. Na tradição
cristã, representa o momento da decisão. Quando Adão e Eva foram
expulsos do Paraíso, Deus colocou em sua entrada querubins com uma
espada flamejante: "Ele baniu o homem e colocou, diante do jardim do
Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o
caminho da árvore da vida." (Gn,3,24) [53] No ideal
cavaleiresco luliano, ela é o símbolo da luta contra os inimigos da
cruz. Neste imaginário, ela é forjada à semelhança da cruz, e
significa que "...así como nuestro Señor Jesucristo venció a la
muerte en la cruz (...) de esta manera el caballero debe vencer con
la espada, y destruir los enemigos de la Cruz." [54]
A concepção simbólica luliana da espada, como um paradigma da luta
contra as forças inimigas da cruz, apóia-se numa antiga tradição
medieval que remonta à La Chanson de Roland. Nele, um anjo do
Senhor presenteia Carlos Magno com uma espada. O rei então a
entrega a Rolando, para combater os muçulmanos. Portanto, o
cavaleiro portava um símbolo cruzado de força e decisão. A imagem
da cruz estava dimensionada na forma da espada. Segundo os próprios
cruzados, ela é um fragmento da Cruz de Luz[55]. Seu duplo fio
corresponde à justiça e à cavalaria: "Y como la espada que se
entrega al nuevo caballero tiene filo en cada parte (...) significa
que el caballero debe mantener con la espada a la caballería y a la
justicia." [56].
No caso real ibérico, estas duas concepções estão bem definidas.
Na realeza ibérica, a espada real representa a justiça régia
(Iustitia Regis) e o Propugnator Ecclesiae, a missão de proteger
a Igreja e a humanidade - leia-se cristandade - ameaçada pelas
forças do mal - leia-se islamismo[57]. Em Portugal, a espada
revestiu-se de um caráter mágico e simbólico enquanto insígnia
régia desde Afonso Henriques. Isto indica que a monarquia
borgonhesa recebeu o direito real através da "guerra contra os
inimigos da fé" [58]. Fica claro que a espada na Península
teve papel fundamental no imaginário cavaleiresco e real, como
símbolo da Reconquista, sinal de que seu portador era dotado de um
conceito de missão divina.
O escudo possui caráter distinto da espada[59]. Ele é colocado
entre o cavaleiro e seu inimigo, "de la misma manera el caballero se
interpone entre el rey y su pueblo" [60]. Sua utilização como
símbolo de proteção e defesa é atributo sobretudo dos santos
soldados, por exemplo, S. Adriano, S. Floriano, S. Jorge,
S. Longino e S. Teodoro[61]. Neste aspecto, associa-se ao
passivo, defensivo, protetor, embora também mortal. Numa
perspectiva universal, o escudo é uma representação do universo; o
guerreiro portador dele opõe forças cósmicas ao adversário[62].
Este sentido não deixa de ser um complemento da idéia de cruzada,
que é em si dicotômica. A tradição cristã pauliniana associa o
escudo à própria fé; ele deve ser usado contra as tentações da
heresia (outra associação com a cruzada). "A fé (escudo)
extinguirá os dardos inflamados do Maligno" [63].
Em contrapartida, a cultura medieval européia igualmente associou o
escudo às forças maléficas. Em La Chanson de Roland, um anjo do
Senhor presenteia Carlos Magno com uma espada; em contrapartida, um
demônio dá ao emir muçulmano um escudo ornado de pedras
preciosas[64]. Também na realeza ibérica, o escudo possui valor
semåntico diferente da espada, representa o monarca em sua dimensão
mais humana, contrapondo a figura real à instituição monárquica,
simbolizada pelos pendões. O escudo tem reduzida utilização
cerimonial, e em Castela está presente nas exéquias reais, como
manifestação do rei-morto, passageiro e transitório[65].
Em Portugal, o escudo real identifica-se com os feitos guerreiros e
a glória do combate, além de possuir origem divina[66]. Desde a
década de 1190, o uso das armas régias esteve presente nos sinais
de validação (selos e moedas). Os motivos que ilustram a
representação do escudo português[67] provavelmente sugerem
motivos militares, tais como a formação do exército e a
participação dos chefes e cavaleiros, "ao mesmo tempo que apontavam
o motivo religioso impulsionador da luta contra os Mouros" [68].
A importåncia do escudo em Portugal remonta também ao primeiro rei,
Afonso Henriques. Seu epitáfio (hoje desaparecido) dizia que
"Quod crucis hic tutor fuerit, necnon cruce tutus. Ipsi clipeo crux
clipeata docet. (bem mostra que foi defensor da cruz de Cristo
defendida por ele o seu escudo real, no qual se vê a mesma cruz
repartida em escudos menores - ML, III, f. 267)" [69]
Como em Castela, também em Portugal encontramos vestígios da
associação entre o escudo e a manifestação de luto. Além disso,
existe a hipótese de a veneração ao escudo de Afonso Henriques
estar ligada a uma cerimônia de aclamação, "de pé sobre o pavês,
levantado aos ombros de seus homens." [70]
Através da obra Libro del Orden de Caballería, procuramos
estabelecer os vínculos mentais existentes entre o modelo cruzadístico
propagado pelas ordens militares e a simbologia cavaleiresca contida na
obra de Ramón Llull. O imaginário cavaleiresco descrito no ritual
iniciático do noviço pretendente e na sociedade idealizada por Llull
moldaram as articulações mentais entre mundo real e imaginário.
Ajudaram a definir mais claramente as relações sociais medievais
peninsulares, isto é, como e por que as "gentes" submetiam-se a
uma ordem militar cavaleiresca preestabelecida. Portanto, fazem parte
da ideologia cavaleiresca e cruzada difundida na Península pelas
ordens militares e apoiada por Ramón Llull no final de sua vida.
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