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Vamos examinar com um pouco mais de atenção as últimas afirmações
que Santo Afonso fêz em seus textos sobre a oração. Disse ele que
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"Quem ora,
certamente se salva;
quem não ora
certamente se perde.
Todos os santos se salvaram
pela oração;
todos os condenados se perderam
por não se terem dado à oração".
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Será em vão que procuraremos afirmações como estas nas Sagradas
Escrituras. Será inútil provavelmente também procurá-las nos
escritos dos Santos Padres, pois ao que tudo indica, Santo Afonso
não parece tê-las copiado dali. Foi ele mesmo que, refletindo
sobre a doutrina contida nas Escrituras, nos escritos dos Santos
Padres, especialmente nos de Santo Agostinho, e na obra de Santa
Teresa, a qual tanto fala sobre a oração, que as deduziu como uma
conclusão claríssima e certa. Mais ainda, em outro de seus livros
Santo Afonso ainda escreveu:
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"Foi através da oração
que todos os santos
não somente se salvaram,
mas também se tornaram santos".
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Tanto quanto sabemos, também não há nas Sagradas Escrituras
nenhuma afirmação como esta.
Santo Afonso afirma:
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"Quem ora,
certamente se salva;
quem não ora
certamente se perde".
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As Escrituras, porém, fazem afirmações um pouco diversas. Nas
palavras de Jesus, de fato,
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"Aquele que crer,
será salvo;
aquele que não crer
será condenado".
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Santo Afonso também diz:
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"Foi através da oração
que os santos
se tornaram santos";
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as Escrituras, porém, dizem:
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"O homem se justifica pela fé".
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"A justiça de Deus é infundida
pela fé em Jesus Cristo
em todos e sobre todos
os que crêem nEle".
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"Àqueles que crêem no seu nome,
Jesus lhes deu o poder
de se tornarem filhos de Deus".
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Santo Afonso declara:
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"Quereria imprimir tantas cópias
deste livro quantos são
os cristãos que vivem sobre a terra
e entregá-las a cada um deles,
para que eles pudessem ver
a necessidade que todos nós temos
da oração para nos salvar".
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Já nas Escrituras encontramos uma declaração ligeiramente
diferente:
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"Muitas coisas há que fêz Jesus;
as que foram escritas neste livro, porém,
foram escritas para que vós creiais
que Jesus é o Cristo, Filho de Deus,
e para que, crendo,
tenhais a vida eterna em seu nome".
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A diferença entre as afirmativas dos escritos de Santo Afonso e das
Sagradas Escrituras é evidente. Para Santo Afonso, quem ora se
salva, quem não ora se condena; para as Escrituras, quem crê se
salva, quem não crê será condenado. Para Santo Afonso o que
santifica é a oração; para as Escrituras o que justifica é a fé.
Para Santo Afonso, o principal objetivo de seu livro é conduzir as
pessoas à oração; para São João, o principal objetivo de seu
Evangelho é conduzir as pessoas à fé.
Sob a aparência destas diferenças, porém, é fácil perceber que
tanto Santo Afonso como as Escrituras estão na realidade expondo os
mesmos ensinamentos. Segundo mostramos ao longo deste livro, de
fato, a fé é impossível sem a graça, a graça não vem senão
através da oração, a Escritura ensina que o principal objetivo da
oração é a aquisição da graça do Espírito Santo e a primeira
manifestação do Espírito Santo no homem é a fé.
Não sabemos se Santo Afonso chegou a perceber o paralelismo entre as
suas afirmações sobre a oração e as da Escritura sobre a fé do
modo tão explícito como o estamos fazendo neste livro, mas o que é
certo é que ele pôde se permitir expor os mesmos ensinamentos contidos
nas Sagradas Escrituras utilizando-se de uma linguagem aparentemente
diversa porque ele já os havia vivido tão profundamente que, ao
ensiná-las, não estava mais apenas repetindo as palavras da
Escritura, mas manifestando-lhes um conteúdo que ele conhecia por
intimidade. Ele podia repetir aquelas mesmas palavras que São Paulo
havia dito aos Coríntios:
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"A nossa carta de recomendação
foi escrita pelo nosso ministério,
não com tinta,
mas com o Espírito do Deus vivo,
não em tábuas de pedra,
mas nas tábuas de carne do coração.
Deus nos fêz idôneos ministros
do Novo Testamento,
não pela letra,
mas pelo Espírito,
porque a letra mata,
mas o Espírito vivifica".
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Já havíamos visto acontecer algo semelhante com Hugo de São
Vítor. Nas cartas de São Paulo encontramos a afirmação segundo
a qual
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"São filhos de Deus
todos aqueles que são conduzidos
pelo Espírito de Deus".
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Nos escritos de Hugo de São Vítor, porém, encontramos uma
afirmação um pouco diversa:
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"os que são filhos de Deus",
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diz Hugo,
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"nada mais pedem na oração
do que o Espírito Santo".
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Esta sentença, que surge tão espontaneamente nos escritos de Hugo
de São Vítor quanto as afirmações de Santo Afonso nos seus,
difere também da de São Paulo apenas na aparência. Não sabemos
se algum dia Hugo terá percebido o paralelo existente entre ela e a
Epístola aos Romanos, mas o fato é que ninguém pode reconhecer
sincera e verdadeiramente que a única coisa importante e de valor nesta
vida é a graça do Espírito Santo e passar a pedir incessantemente a
Deus nada mais senão isto se não estiver sendo conduzido pelo
próprio Espírito Santo.
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