|
Quando, pois, a fé não apenas afirma que Deus existe, mas que nos
ama como um Pai, que nos ouve atenciosamente quando oramos, que se
fêz homem por nosso amor e nos espera após o término desta vida para
nos comunicar a sua própria felicidade, não a maior que seja
possível ao homem segundo a sua natureza, mas aquela mesma felicidade
que há em Deus em virtude da Trindade de suas pessoas, está nos
propondo algo que está além dos sonhos mais extraordinários que o
homem possa conceber.
Não há vontade humana capaz de, sozinha, sem o auxílio da graça
do Espírito Santo, fazer a inteligência assentir a afirmações
desta natureza com a firmeza e a constância que as Sagradas
Escrituras atribuem à fé.
A experiência mostra que quando se propõem estas coisas aos homens,
alguns vêem nas afirmações da fé algo que, corretamente
compreendido, é demasiadamente pretencioso para poder ser verdade.
Quando isto ocorre, na maioria das vezes, embora as pessoas não se
posicionem com esta clareza conceitual, as afirmações da fé
simplesmente não lhes causam nenhum impacto, não lhes chamam a
atenção, assim como não o faria um mendigo que contasse uma
história complicada de se entender, através da qual se entrevisse uma
conclusão de que seus ouvintes poderiam receber uma fortuna
inimaginável em dinheiro, maior do que todas as fortunas existentes
sobre a terra. Esta história não chamaria a atenção porque as
pessoas a interpretariam como algo infundado, desproporcional às
condições do mendigo, que não pareceria passar de uma fábula.
Mas há outras pessoas para as quais, quando se explica o conteúdo da
fé, seus ensinamentos lhes causam um impacto e lhes chamam vivamente a
atenção. Embora elas percebam até bastante bem os fundamentos sobre
os quais se baseiam as apreciações dos primeiros quando julgam os
ensinamentos da fé demasiadamente pretenciosos para poderem ser
verdade, no entanto, sem aparentemente terem nenhum outro novo
argumento os primeiros não pudessem ter, percebem, entretanto, no
seu íntimo, que as afirmações da fé não são fábulas. De alguma
maneira percebem, com uma certa naturalidade, como que levados por uma
certa clara intuição, que as afirmações da fé devem ser
verdadeiras. Elas percebem também claramente que se o que a fé
ensina é verdade, trata-se de algo tão grandioso que seria uma
verdadeira loucura se o homem se fizesse indiferente diante delas. É
isso, no entanto, o que acontece com os primeiros, e parece um
verdadeiro mistério porque alguns percebem isto tão naturalmente tão
logo se lhes exponha claramente o conteúdo da fé enquanto que outros
permanecem na mais tranqüila indiferença por mais que se lhes fale.
Este é o motivo pelo qual, para se crer verdadeiramente nas coisas da
fé, diz Santo Tomás de Aquino, é necessário colocar algo mais
do que a vontade humana; para crer é necessário também a
cooperação da graça, uma luz do alto que vem em auxílio da vontade
para o assentimento da fé:
diz Santo Tomás,
|
"uma outra causa interna,
que move interiormente os homens
a assentir interiormente às coisas
que são da fé.
Esta causa não pode ser apenas
o livre arbítrio do homem,
porque o homem,
assentindo às coisas que são da fé,
se eleva sobre a sua natureza,
e é necessário que isto lhe ocorra
por um princípio sobrenatural
movendo-o interiormente,
que é Deus.
E por isso a fé,
quanto ao assentimento,
que é o principal ato da fé,
provém de Deus
interiormente movendo pela graça".
|
|
Santo Tomás descreve, em outra parte da Summa Theologiae, a
graça necessária para crer como
|
"um instinto interior de Deus
que convida".
|
|
Sem este convite da graça, diz Tomás de Aquino, é impossível
realizar com sinceridade um simples ato de fé. Muito mais ainda a
graça será necessária para aquela vivência contínua da fé que é a
característica dos homens justos, aqueles em cuja alma a graça é uma
luz tão forte que lhes permite superar a natureza animal e deixar de
apreender as coisas no plano dos sentidos e das inclinações das
paixões da carne; aqueles que, despertos pelos acontecimentos da
graça, contemplam constantemente com os olhos da alma aquilo que os
olhos da carne não são capazes de ver.
|
|