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A esperança é uma virtude pela qual o homem, conhecendo através da
fé as promessas que Deus faz àqueles que o buscam, e confiando
nelas, aspira seriamente à santidade e à bem aventurança do céu que
é o próprio Deus, na certeza de que estas coisas, pelo auxílio que
Deus manifesta que nos deseja oferecer, não são mais ideais vagos e
distantes, mas bens efetivamente possíveis de serem alcançados.
A esperança não é uma qualidade da fé, mas uma virtude
inteiramente distinta, que se origina da fé e se acrescenta a ela. A
fé viva de que nos falam as Escrituras, através da qual nos é dada
a graça do Espírito Santo, é uma fé tal que deve dar origem à
virtude da esperança, pois quem crê, através da fé que produz a
esperança, nas coisas que Deus ensina através das Escrituras,
necessariamente tem que se dar conta de que elas nos falam sobre a
existência de um ser que nos ama imensamente. Este ser, embora por
sua natureza divina não possa sofrer, nos ama entretanto como se
sofresse pela loucura a que nos deixamos escravizar e pela ignorância
com que avaliamos nossa condição neste estado. Para poder sofrer por
nós, o que lhe era impossível em sua condição divina, humilhou-se
e tomou a natureza humana. Revestiu-se da imagem de servo,
entregou-se por nossos pecados, ressuscitou para poder-nos distribuir
mais copiosamente a sua graça. Por nos amar não como a estranhos,
quis reconduzir-nos a nosso estado original, que jamais deveria ter
desaparecido. Preparou-nos um caminho não apenas para nos tornar
felizes, mas para nos tornar participantes de sua própria felicidade.
Quando, através da fé, os homens despertam para estas realidades,
encontram-se na situação descrita por Santo Antão:
diz Santo Antão,
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"o mais miserável de todos,
que estou escrevendo esta carta,
desperto de meu sono de morte,
passei o mais luminoso dos dias
que me foram concedidos na terra
a me perguntar,
com pranto e lágrimas,
com que poderia retribuir ao Senhor
por tudo o que Ele me fêz.
Eis, caríssimos,
que agora é nossa vez
de nos dispormos a ir ao nosso Criador
pelo caminho do pureza".
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Nesta carta, quando Santo Antão cita
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"o mais luminoso dos dias
que lhe foram concedidos,
desperto de seu sono de morte",
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está se referindo a um efeito da virtude da fé.
Quando ele menciona ter chegado
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"a nossa vez de nos dispormos
a ir ao nosso Criador",
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está se referindo à virtude da esperança. Junto com a esperança,
de fato, surge com ela, conforme diz a regra de São Bento,
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"com toda a cobiça espiritual,
o desejo da vida eterna".
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A esperança, porém, já estava em preparação como também já
estava contida na fé de que falam as Escrituras. A fé pela qual se
inicia a obra da restauração humana é um conhecimento sobrenatural
que pressupõe a esperança que se origina dela própria; se não fosse
assim, jamais São Paulo teria definido a fé como
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"a substância
das coisas que se esperam",
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colocando a virtude da esperança na própria definição que explica o
que é a fé.
É por isso que também no texto acima de Santo Antão, depois de ter
comentado a respeito de ter chegado
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"a nossa vez de nos dispormos
a ir ao nosso Criador",
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referindo-se à esperança, retorna novamente a falar da fé, ao
dizer que isto se faz através do
como se a fé, o caminho da pureza, necessitasse primeiro da
esperança para poder caminhar. "O caminho da pureza", de fato, é
o caminho pelo qual se vai a Deus, que se inicia pela fé, a virtude
que possui como uma de suas características essenciais a qualidade da
pureza.
No Terceiro Livro das Sentenças de Pedro Lombardo encontra-se a
também a seguinte definição da esperança:
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"É uma virtude pela qual
esperamos confiantemente
os bens espirituais e eternos,
uma expectativa certa
da futura bem aventurança".
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A virtude da esperança, diz Pedro Lombardo, é "uma expectativa
certa", porque a esperança tem sua origem na fé; participa,
portanto, da certeza da fé. Sua certeza, porém, não é a certeza
de que a futura bem aventurança será infalivelmente alcançada, coisa
que Deus não prometeu de antemão a ninguém, mas a certeza de que
Deus nos ama muito e que tem tudo pronto para acolher os que
correspondem à sua graça. Quando, portanto, através da fé,
reluz diante dos homens o amor que Deus nos demonstra, surge neles a
virtude da esperança e os bens eternos despontam como bens certamente
possíveis e ao seu alcance, como se estivessem, apesar de sua
dificuldade, apenas um pouco mais à frente:
diz a Regra de São Bento,
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"o desejo de caminhar para a vida eterna;
por isso lançam-se como de assalto
ao estreito caminho do qual diz o Senhor
que conduz à vida".
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Estas palavras de São Bento podem atribuir-se com razão à virtude
da esperança, a qual, por sua vez, germina da virtude da fé.
Já vimos o Salmo 84 dizer coisas semelhantes a respeito da fé e da
esperança que dela surge, ao reportarmos suas palavras de admiração
sobre os que vivem na casa do Senhor, isto é, os que vivem da
constância da fé:
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"Bem aventurados, Senhor,
os que moram na tua casa.
Caminham com vigor sempre crescente,
verão o Deus dos deuses em Sião".
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Tal é a fé animada pela esperança.
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