|
"De todas as obras que escrevi até hoje", diz Santo Afonso no
início do Grande Meio da Oração, "creio não ter escrito nenhuma
mais útil do que este pequeno livro em que desejo falar sobre a
oração, porque a oração é um meio necessário e seguro para obter
a salvação e todas as graças que para tanto são necessárias. Eu
não tenho esta possibilidade, mas se eu pudesse, quereria imprimir
tantas cópias deste livro quantos são os cristãos que vivem sobre a
terra e entregá-las a cada um deles, para que eles pudessem ver a
necessidade que todos nós temos da oração para nos salvar.
Se eu falo assim, é porque vejo de um lado a absoluta necessidade da
oração, tanto insistida por todas as Sagradas Escrituras e por
todos os Santos Padres; e de outro, vejo que pouco se preocupam os
cristãos em por em prática este grande meio que têm para se salvar.
E o que mais me aflige é ver que os padres pouco se preocupam em o
explicar aos seus fiéis; e que também os livros de religião que hoje
em dia correm pelas mãos dos cristãos não o explicam
suficientemente; e isto quando na verdade todos os padres e todos os
livros não deveriam falar de nenhuma outra coisa com maior insistência
e calor do que sobre este assunto da oração. É verdade que eles
ensinam às almas muitos meios excelentes para conservarem a graça de
Deus, como fugir das ocasiões, freqüentar os Sacramentos,
resistir às tentações, ouvir a palavra de Deus, meditar nas
verdades eternas, e outros, todos utilíssimos; mas para que
servirão as pregações, as meditações, e todos os outros meios de
que falam os mestres do espírito, sem a oração, se o Senhor já
declarou que não quer conceder a sua graça a não ser aos que oram?
`Pedi e recebereis'. São palavras de Jesus. Sem a oração,
falando do ponto de vista da providência ordinária, serão inúteis
todas as meditações que fizermos, todos os nossos propósitos, todas
as nossas promessas. Se não orarmos seremos sempre infiéis a todas
as luzes que recebermos de Deus e a todas as promessas que fizermos.
E a razão é porque, para fazer o bem de fato, para vencer as
tentações, para por em prática as virtudes, ou seja, em uma
palavra, para observar integralmente os mandamentos de Deus, não
são suficientes as luzes que nós recebemos, nem as considerações e
os propósitos que fazemos, mas além disso é necessária a ajuda
constante de Deus; e Deus esta ajuda não a concede a não ser a quem
ora, e a quem ora perseverantemente. As luzes recebidas, as
considerações e os bons propósitos servem para que nos perigos e nas
tentações de transgredir a lei de Deus nós de fato oremos e com a
oração alcancemos o auxílio divino que nos preserve do pecado; mas
se então não orarmos, estaremos perdidos.
Antes de tudo o que vou escrever eu quis adiantar estes sentimentos
para que o leitor possa agradecer ao Senhor, que por meio deste meu
livro lhe oferece a graça de fazer tudo isto entendendo melhor a
importância do grande meio que é a oração; porque, falando dos
adultos, todos aqueles que se salvam, ordinariamente se salvam apenas
através da oração. E é por isso que eu falei em agradecer ao
Senhor; porque é uma misericórdia muito grande a que Ele faz para
com as pessoas a quem Ele dá a luze a graça para orarem. Espero
daqueles que tiverem lido esta obra que nunca mais desanimem e se
esqueçam de recorrerem sempre a Deus por meio da oração quando se
virem tentados a ofendê-lO. E se algum dia encontrarem suas
consciências pesadas e carregadas com muitos pecados, entendam que foi
este o motivo, o desânimo e o abandono da oração e do buscar junto
de Deus o auxílio para resistirem às tentações que os assaltaram.
Peço-lhes, por favor, que leiam e releiam estas linhas com toda a
atenção, não por ter sido eu quem as escreveu, mas porque elas são
um instrumento que o Senhor lhes oferece para o bem de sua eterna
salvação; e o Senhor com tudo isto lhes dá a entender de um modo
particular que os quer salvar. E depois de as terem lido, peço-lhes
que as façam ler, de todos os modos que puderem, a outros amigos e
colegas com os quais tiverem a oportunidade de tratarem.
É preciso que nos afeiçoemos a este grande meio de nossa salvação
que é a oração; e para isso é preciso antes de mais nada considerar
o quanto ela é importante para nós, e o quanto é importante para
obtermos todas as graças que desejamos de Deus, se as soubermos pedir
como se deve. Portanto, falaremos primeiro sobre a necessidade e a
importância da oração.
São muito claras as Sagradas Escrituras que nos fazem ver a
necessidade que temos da oração se nos quisermos salvar. O próprio
Jesus Cristo o disse:
|
`É necessário orar sempre
sem jamais desanimar';
`Vigiai e orai,
para que não entreis em tentação';
`Pedi e vos será dado'.
|
|
A razão é bastante clara. Sem o auxílio da graça não podemos fazer
nenhum bem. Foi Jesus que o afirmou:
|
`Sem mim nada podeis fazer'.
|
|
Mas esta ajuda da graça o Senhor ordinariamente não a
concede a não ser a quem ora. Portanto, se de um lado, sem a ajuda
da graça, nada podemos, e de outro, esta ajuda ordinariamente não
é dada por Deus a não ser àqueles que oram, quem é que não vê
que temos que concluir que a oração é absolutamente necessária para
a salvação?
O que é a mesma coisa que dizer que ordinariamente é impossível que
qualquer cristão se salve sem confiar-se a Deus por meio da oração
e buscar junto dele as graças necessárias à salvação. A mesma
coisa ensinava Santo Tomás de Aquino quando dizia:
|
'Depois do
Batismo é necessário ao homem
a oração incessante para que entre no céu;
porque ainda que pelo Batismo
lhe sejam perdoados os pecados,
permanece nele, todavia,
a inclinação para o pecado
que o combate interiormente,
e o mundo e o demônio
que o combatem exteriormente'.
|
|
E que a oração é o único meio
ordinário para receber os dons de Deus, o mesmo Santo Tomás o
confirma mais claramente em outra passagem, dizendo que todas as
graças que o Senhor desde toda a eternidade determinou que nos
doaria, não as doaria por nenhum outro meio que não fosse através da
oração. A oração é necessária, diz Santo Tomás, não para
que Deus entenda as nossas necessidades, mas para que nós entendamos
a necessidade que temos de recorrer a Deus para recebermos os auxílios
adequados à salvação, e desta maneira reconhecê-lo como único
autor de todos os nossos bens. Portanto, assim como o Senhor
estabeleceu que nós tenhamos o pão semeando o trigo, o vinho
plantando uva, assim ele quis que alcancemos as graças necessárias à
salvação por meio da oração, dizendo:
|
`Pedi e vos será dado,
buscai e encontrareis'.
|
|
Assim como a água é necessária às plantas
para viverem e não secarem, assim também, diz São João
Crisóstomo, é necessária para nós a oração para nos salvarmos;
e diz ele depois que assim como a alma dá vida ao corpo, assim também
a oração dá vida à alma. A oração também se chama o sustento da
alma, porque assim como sem alimento não pode sustentar-se o corpo,
assim sem a oração a alma não pode conservar-se viva. Todas estas
palavras e comparações que encontramos nos escritos dos Santos
Padres estes as fizeram para mostrar a absoluta necessidade que todos
temos da oração para conseguirmos a salvação.
E, de fato, como poderíamos observar os preceitos de Deus, nós
que somos tão fracos, se não tivéssemos o recurso da oração pelo
qual podemos alcançar do Senhor a luz e a força necessária para
observá-los? A lei não pode ser observada sem a graça, e foi por
isto que Deus deu a lei, para que nós sempre o suplicássemos
pedindo-lhe a graça de observá-la. O uso legítimo da lei de Deus
consiste nisto: conhecermos por meio dela as nossas fraquezas para com
isto buscarmos o seu auxílio para cumprí-la.
Ou seja, resumindo, nunca saberá viver bem quem não sabe orar bem:
não sabe viver corretamente quem não sabe orar corretamente. E a
mesma coisa dizia São Francisco de Assis, ao afirmar que de nenhuma
alma se pode esperar bons frutos sem a oração.
Vamos terminar este primeiro ponto, concluindo de tudo o que dissemos
que quem ora certamente se salva, quem não ora certamente se perde.
Todos os santos, com exceção das crianças, se salvaram pela
oração. Todos os condenados se perderam por não se darem à
oração; se tivessem orado não se teriam perdido. E isto será para
eles no inferno o maior desespero, saberem que teriam podido se salvar
com tanta facilidade apenas pedindo a Deus as graças necessárias, e
agora não estarem mais em condições para pedí-las. Quem se serve
deste grande instrumento da oração não conhece a morte, está acima
das coisas da terra e já convive com Deus. Não cai em pecado,
perde o afeto pelo terreno e já começa nesta vida a gozar da
intimidade de Deus. Ânimo, portanto, desprendam-se de todas as
preocupações que para nada mais servem senão para os tornarem mais
tíbios e preguiçosos na caminhada pela estrada da salvação e orem,
orem sempre, e façam ouvir suas orações a Deus, agradecendo-O
sempre pela promessa que lhes fêz de conceder os dons que buscarem,
desde que os busquem nEle: a graça, a perseverança, e a
salvação.
Nisto deve consistir toda a nossa preocupação, em orar com
confiança, certos de que orando hão de se abrir em nosso favor todos
os tesouros do céu. A oração é um tesouro, e quem mais dela faz
uso, mais recebe; cada vez que o homem se dirige humildemente a Deus
pela oração ganha bens que valem mais do que o mundo todo. Quem
ora, no próprio momento em que ora obtém, porque a própria oração
já é um receber.
Salvar-se, portanto, sem a oração, é dificílimo; aliás,
ordinariamente, é coisa impossível. Mas pela oração é coisa
certa e facílima. O que custa dizer:
|
`Meu Deus, ajudai-me;
Senhor, velai por mim,
tende piedade de mim?'
|
|
Pode existir coisa mais fácil do que isso?
Mas é este pouco que é suficiente para a salvação, se nos dermos
ao trabalho de o fazer".
|
|