19. 2. O Segundo Livro das Crônicas.

O Segundo Livro das Crônicas narra a história de Salomão e dos dezenove reis que o sucederam no trono de Judá. Aparentemente trata-se de uma outra interminável sucessão de guerras. Mas sob a superfície deste enredo a obra utiliza-se precisamente destes fatos como de um instrumento para nos transmitir verdades e ensinamentos mais profundos.

Já mencionamos no início deste livro que Salomão foi figura de Cristo, e que certos fatos narrados pelas Escrituras a seu respeito são na realidade profecias sobre Cristo. Dele Deus havia prometido a Davi:

"Nascer-te-á um filho, que será um homem de paz; edificará uma casa ao meu nome, ele será meu filho, e eu serei seu pai, e firmarei o trono de seu reino sobre Israel para sempre".

I Cron. 22, 10

Ora, logo no início de seu reinado, subindo ao trono de seu pai Davi ainda muito jovem, Salomão dirigiu-se a Deus pedindo-lhe

"sabedoria e entendimento, para saber conduzir-se bem diante do povo".

II Cron. 1, 10

Estes são os principais dons do Espírito Santo, e a Escritura, comentando este pedido de Salomão, afirma que

"agradou ao Senhor esta oração, por ter Salomão pedido tal coisa".

I Reis 3, 10

Tal como fêz Salomão, consta que Jesus exortava aos seus discípulos que, quando orassem, pedissem a Deus a graça do Espírito Santo:

"Se vós, sendo maus",

diz Jesus,

"sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará o Espírito Santo aos que lho pedirem?"

Lc. 11, 13

A oração que o próprio Deus insiste em pedir que lhe façam não pode deixar de ser atendida. Deus, de fato, não tardou em responder à oração de Salomão:

"Visto que foi esta a petição que me fizeste",

disse o Senhor a Salomão,

"visto que não pediste para ti nem longa vida, nem riquezas, nem a morte de teus inimigos, mas pediste a Sabedoria, dou-te um coração tão cheio de sabedoria e de entendimento que ninguém antes de ti foi semelhante, nem se levantará outro depois de ti".

I Reis 3, 10

À semelhança de Salomão, o Novo Testamento também afirma de Cristo Jesus que nele

"estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência".

Col. 2, 3

"Ele (também) edificará uma casa ao meu nome", prometeu o Senhor a Davi. A profecia cumpriu-se; Salomão edificou o templo de Jerusalém, Jesus edificou a sua Igreja. Em uma carta que escreveu ao rei de Tiro, reproduzida no Segundo Livro das Crônicas, Salomão explicou seus objetivos ao empreender a construção do templo:

"A casa que pretendo edificar deve ser grande",

diz Salomão,

"visto que o nosso Deus é grande sobre todos os deuses. Quem poderá ser capaz de lhe edificar uma casa digna dele, se o céu e os céus dos céus não o podem conter? Faço-o, porém, somente para que nele se queime incenso na sua presença".

II Cron. 2, 5-6

Ora, o incenso é uma figura da caridade, aquele fogo que Jesus diz ter vindo espalhar sobre a terra (Lc. 12, 49), e estar na presença de Deus é uma virtude muito próxima da fé. De fato, diz a Escritura, quando Abraão chegou à idade de noventa e nove anos o Senhor apareceu-lhe e lhe disse:

"Eu sou o Deus onipotente, anda na minha presença e sê perfeito".

Gen. 17, 1

Concedia Deus com estas palavras a Abraão a graça de viver na sua presença, uma graça também concedida ao profeta Elias, segundo ele próprio o declara: "Viva o Senhor, em cuja presença eu estou" (I Reis 17,1; 18,15). Da presença de Deus também o salmista se admira:

"Senhor, tu me sondas, me conheces, tu me conheces quando me sento e quando me levanto.

De longe penetras os meus pensamentos, vês claramente quando ando e quando repouso, observas todos os meus caminhos.

Para onde irei a fim de ficar longe de teu espírito?

E para onde fugirei de tua presença?

Se subo aos céus, tu lá estás; se me prostrar nos infernos, neles te encontras presente.

Se eu disser: `Ao menos as trevas me encobrirão, e, em vez de luz, me envolverá a noite',

as mesmas trevas não são escuras para ti, e a densa escuridão é para ti como a luz.

É demasiado admirável para mim esta ciência, é sublime, não posso atingí-la".

Salmo 139

Quando Salomão, pois, declara ter construído o Templo de Jerusalém para que ali se queimasse incenso na presença do Senhor, estava na realidade descrevendo a fé animada pela caridade de que fala São Paulo na Epístola aos Gálatas, aquela virtude que torna os homens justos e faz deles templos do Espírito Santo, motivo pelo qual Jesus também edificou a sua Igreja:

"Aproximai-vos de Cristo",

diz São Pedro,

"pedra viva, eleita e estimada por Deus, também vós, como pedras vivas.

Vinde formar um templo espiritual para um sacerdócio santo, a fim de oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo.

Sois uma estirpe eleita, sacerdócio real, gente santa, povo trazido à salvação, para tornardes conhecidos os prodígios dAquele que vos chamou das trevas para a luz admirável".

I Pe. 2, 4-5