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Nossa exposição sobre a natureza da fé baseou-se, até aqui, nas
três definições de fé encontradas no décimo primeiro capítulo da
Epístola aos Hebreus (Heb. 11, 6; Heb. 11, 3; Heb.
11, 1). Mas o estudante das Sagradas Escrituras perceberá
facilmente, percorrendo as páginas do Novo Testamento, onde se fala
superabundantemente da virtude da fé, que na maioria das passagens em
que o texto sagrado fala a este respeito, está se referindo à fé em
Cristo e não, pelo menos diretamente, à fé em Deus ou na vida
eterna, como o fêz o décimo primeiro de Hebreus. A grande
insistência do Novo Testamento é, de fato, e se trata de uma coisa
facilmente constatável, a fé em Cristo.
No Evangelho de São João, Jesus coloca a fé em Deus de que
fala o décimo primeiro de Hebreus lado a lado com a fé nEle mesmo:
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"Não se turbe o vosso coração",
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diz Jesus.
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"Credes em Deus,
credes também em mim".
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Três capítulos mais adiante, ainda no Evangelho de São João,
Jesus faz uma afirmação muito semelhante:
diz Jesus orando ao Pai,
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"que te conheçam a ti,
o único Deus verdadeiro,
e a Jesus Cristo,
aquele a quem enviaste".
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Nestas duas passagens a fé e o conhecimento de Deus são colocados
lado a lado com a fé e o conhecimento de Cristo. Mas na maioria das
restantes e muitíssimo numerosas passagens em que se fala da fé, o
Novo Testamento fala apenas da fé em Cristo, como se o objeto da
fé não fosse mais do que a pessoa de Cristo. Assim é que, ainda
no Evangelho de São João, Jesus diz:
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"Deus amou de tal modo o mundo,
que lhe deu o seu Filho unigênito,
para que todo aquele que nEle crê,
não pereça,
mas tenha a vida eterna.
Porque Deus não enviou o seu Filho
ao mundo para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Quem nEle crê,
não é condenado,
mas quem não crê,
já está condenado,
porque não crê no nome do Filho
unigênito de Deus".
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Nesta passagem, Jesus não fala mais do que na fé nEle próprio.
Nos Atos dos Apóstolos, igualmente, lemos que, após um terremoto
que abriu as portas do cárcere em que São Paulo estava sendo mantido
preso, um soldado lançou-se aos seus pés e lhe perguntou:
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"Senhor,
que é necessário que eu faça
para me salvar?"
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Paulo respondeu:
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"Crê no Senhor Jesus
e serás salvo,
tu e tua família".
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Mais significativo ainda é que, no final de seu Evangelho, São
João explica o motivo que o levou a escrevê-lo e a narrar nele
tantos detalhes das coisas que Jesus havia feito e ensinado. Ao
declarar o objetivo de sua obra, João diz apenas:
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"Muitas outras coisas fêz ainda
Jesus na presença de seus discípulos
que não foram escritas neste livro.
Estas, porém,
foram escritas para que vós acrediteis
que Jesus é o Cristo,
Filho de Deus,
e para que, crendo,
tenhais a vida eterna em seu nome".
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Muitíssimas outras passagens, na verdade quase o Novo Testamento
inteiro, poderia ser citado para mostrar que a Sagrada Escritura, ao
tratar da fé, insiste de maneira muito especial na fé em Cristo.
Ora, o estudante das Escrituras já deve ter percebido a seriedade e
a sublimidade da doutrina contida no texto sagrado, cuja profundidade
se manifesta em toda a parte, inclusive em seus detalhes aparentemente
mais insignificantes. Se estas mesmas Escrituras insistem tanto,
tão explícita, repetida e copiosamente na fé em Cristo, certamente
isto não deve ter sido causado por alguma circunstancialidade ou por
uma questão de gosto ou preferência pessoal dos seus autores. Deve
haver para tanto motivos objetivamente muito importantes, proporcionais
à insistência com que este assunto é tão repetidamente mencionado.
Trata-se, na verdade, de algo tão importante, que será ele
sozinho o tema do livro que virá a seguir, em que trataremos apenas da
fé enquanto fé em Cristo, continuando neste a falar da virtude da
fé no seu sentido geral. Deve-se notar, entretanto, que não há
duas fés, a geral e a fé em Cristo; ambas são uma mesma virtude,
a mesma fé, através da qual se recebe a graça do Espírito Santo,
e se iremos tratar da fé em Cristo em um livro à parte, será apenas
para que a explicação fique mais clara, e não porque uma coisa possa
ser separada da outra.
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