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A Escritura afirma claramente que todos aqueles que creem são
justificados pela fé a exemplo de Abraão, a quem ela chama de o pai
de todos aqueles que crêem:
diz a Escritura,
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"e isto lhe foi tido em conta para a justiça.
Portanto, ao que crê,
a sua fé lhe é imputada como justiça,
segundo o decreto da graça de Deus.
A Escritura diz que a fé foi imputada
a Abraão como justiça
para que fosse o pai de todos aqueles que creem,
a quem a fé também lhes será imputada como justiça,
se seguirem as pisadas da fé
que teve nosso pai Abraão,
que não hesitou com desconfiança
perante a promessa de Deus,
mas foi fortificado pela fé,
plenamente convencido de que Deus
é poderoso para cumprir tudo o que prometeu.
Não foi escrito somente por causa dele
que a fé lhe foi imputada como justiça,
mas também por nós,
a quem será imputada,
se crermos naquele que ressuscitou dos mortos
Jesus Cristo Nosso Senhor,
o qual foi entregue pelos nossos pecados
e ressuscitou para nossa justificação.
Justificados, pois, pela fé,
tenhamos paz com Deus
por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pelo qual temos acesso pela fé à sua graça
e nos gloriamos na esperança da glória dos filhos de Deus".
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Diante de tudo quanto expusemos até o momento, estamos em condições
de compreender de que modo se dá a justificação do pecador pela fé.
A graça primeiramente dispõe o homem à justificação
auxiliando-o, através da fé, a dirigir-se livremente a Deus,
crendo ser verdade as coisas que Ele nos revelou e prometeu. Estes
primeiros movimentos produzidos em nós pela graça através da fé não
são ainda a justificação de que fala a Epístola aos Romanos, mas
uma disposição inicial à mesma. A graça que a produz não é ainda
uma qualidade estável infundida por Deus na própria alma, mas apenas
um auxílio através do qual Deus convida e conforta interiormente o
homem em seus movimentos da inteligência e da vontade. Através
destes o homem passa a confiar na misericórdia divina e nos méritos da
Redenção operada por Cristo e deste modo une-se a esta fé inicial
a esperança dos bens celestes e o amor de caridade para com Deus.
Quando surge no homem a verdadeira caridade a graça se torna algo mais
profundo do que a graça apenas suficiente para crer. Ela não é mais
somente um auxílio ou um convite pelo qual o homem é confortado em
seus movimentos da inteligência e vontade, mas uma qualidade estável
infundida por Deus na alma daqueles a quem Ele ama. A justificação
de que fala a Epístola aos Romanos só ocorre propriamente com o
surgimento da caridade, pois a fé que justifica, diz o próprio São
Paulo na Epístola aos Gálatas, é a fé que opera pela caridade
(Gal. 5, 6), e naqueles em que a fé se une à caridade a
graça, diz Tomás de Aquino, não é mais apenas um "instinto
interior de Deus que convida", mas
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"uma qualidade sobrenatural
infundida por Deus na essência da alma
daqueles a quem Ele ama,
uma participação da natureza divina
que passa a ser para o homem
um princípio interno
através do qual ele se move
à consecução do bem eterno
de modo fácil e conatural,
uma luz e um esplendor da alma
que é para ela uma qualidade própria,
assim como a beleza o é para o corpo".
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Junto com a caridade o homem é necessariamente movido ao
arrependimento de seus pecados passados e deles é perdoado por Deus,
mas o que chamamos de justificação não consiste apenas no perdão dos
pecados, este perdão sendo conseqüência de uma verdadeira
santificação e renovação do homem interior pelo recebimento
voluntário da graça que move o homem à caridade, tornando-o amigo
de Deus, participante de sua natureza, e co herdeiro de Cristo da
vida eterna. Tal é a graça que habita na alma do homem justo.
A justificação, portanto, inicia-se por um movimento da
inteligência e da vontade, inspirado pela graça divina, às vezes
tão delicadamente que sequer nos damos conta do caráter sobrenatural
deste fato. Sobrevindo a caridade, as graça se torna, além de uma
luz que ilumina o homem, também uma luz própria da alma, e passa a
manifestar-se em seu início predominantemente através do dom de temor
do Senhor. Ao desenvolvimento da caridade estará ligado o
desenvolvimento de todas as demais virtudes, mas ela própria, a
caridade, necessitará, no início da vida espiritual, para o seu
desenvolvimento, da condução da fé. A fé, portanto, no
princípio, freqüentemente muito longo, da vida espiritual, não é
apenas um pressuposto lógico para a vida da caridade que possa ser
esquecido uma vez possuído; ao contrário, é uma virtude que deve
desenvolver-se paralelamente à caridade e alimentá-la:
diz o livro de Provérbios,
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"há uma confiança cheia de fortaleza";
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com o que a Escritura testemunha que se a fé não se desenvolve, o
temor do Senhor não amadurece e não será possível ao homem passar
aos dons que a disposição divina determinou que lhe devessem suceder.
Esta afirmação de Provérbios, porém, não vale apenas para o dom
de temor do Senhor, mas também para os outros dons que se seguem a
ele. Próximo do fim do desenvolvimento da vida espiritual, quando o
exercício da fé se torna cada vez mais constante, a caridade, sem
que por isso deixe de existir a fé e a esperança, passará a assumir
mais completamente o papel de condutora da vida espiritual. Será
então que os justos se dirigirão a Deus e lhe dirão:
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"Põe-nos como um selo
sobre o teu coração,
porque o amor é forte como a morte,
as suas lâmpadas
são lâmpadas de fogo e de chamas.
As muitas águas não poderão
extinguir o amor,
nem os rios terão força
para o submergir.
Ainda que o homem dê todas as riquezas
de sua casa pelo amor,
ele as desprezará como um nada".
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E também, como São Paulo:
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"Quem nos separará, pois,
do amor de Cristo?
Nem a tribulação, nem a angústia,
nem a fome, nem a nudez,
nem o perigo, nem a perseguição,
nem a espada.
De todas estas coisas
somos mais do que vencedores
por aquele que nos amou.
Nem a morte, nem a vida,
nem os anjos, nem os principados,
nem as virtudes, nem as coisas presentes,
nem as futuras, nem a força,
nem a altura, nem a profundidade,
nem nenhuma outra criatura
nos poderá separar do amor de Deus
que está em Jesus Cristo nosso Senhor".
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