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Em tudo quanto dissemos até o momento, afirmamos a impossibilidade de
se viver a vida cristã, uma vida que tem como ideais supremos o amor a
Deus e ao próximo, sem a graça do Espírito Santo. Ensinamos,
ademais, com base nas Sagradas Escrituras, que a graça do
Espírito Santo nos vem através da fé e que, para alcançá-la,
é necessário viver da fé; aquela fé, conforme ensina São
Paulo, que opera pela caridade.
Temos que considerar agora, porém, o lado reverso desta questão.
Veremos que o mesmo Evangelho que afirma que a graça do Espírito
Santo é recebida pela fé, ensina também que sem a graça do
Espírito Santo a fé é impossível.
O que isto significa, como ambas estas coisas podem ser verdade ao
mesmo tempo e quais as conseqüências que isto implica é o que vamos
tratar a seguir.
A fé, conforme vimos, é um assentimento da inteligência, dotado
de pureza, firmeza e constância, a certas verdades ensinadas por
Deus através da revelação. Vimos, ademais, que este assentimento
não é movido pela evidência da verdade revelada, mas pela vontade
que aceita a autoridade divina de quem a ensina. Aparentemente,
portanto, tudo o que seria necessário para causar a fé seria somente
um ato da vontade e, se fosse apenas isso, a fé dependeria somente de
nós mesmos, de uma livre decisão de nossa vontade.
Seria, efetivamente, assim, se não fosse a natureza das coisas que
Deus nos pede para crer através da fé. O conteúdo das verdades da
fé que nos são transmitidas pela revelação está situado num plano
tão acima do senso comum dos homens que, examinado mais atentamente,
não há vontade humana capaz de assentir seriamente a elas, com aquela
naturalidade característica da fé, sem o auxílio da graça. As
ações que derivam do senso comum dos homens possuem uma naturalidade
própria porque o senso comum é ele próprio um prolongamento da
natureza humana; as coisas, porém, que Deus nos pede para crer pela
fé excedem tanto a medida deste senso comum que aceitá-las com
naturalidade, supondo que lhes tivéssemos entendido o significado,
exigiria no homem uma outra forma de senso comum, um senso comum mais
do que humano, o senso comum que seria próprio das criaturas
celestes.
Examinemos, em primeiro lugar, o que a fé nos propõe a respeito de
Deus e de sua existência. Uma coisa é a firme certeza de que existe
um ser inteligente e imaterial que é a causa do ser de todas as
coisas; esta afirmação, ao contrário do que poderia se supor, não
está muito longe do senso comum. Quase todos os homens, em todas as
épocas, observando os movimentos regulares do Universo, a beleza e a
perfeição do conjunto das coisas criadas, foram levados a admitir a
existência de uma causa que supera em si mesma a perfeição observada
nas coisas de que ela é causa. A fé, porém, nos ensina muito mais
a respeito deste ser que é a causa primeira de tudo quanto existe.
Ela nos ensina que esta causa primeira nos ama como se fossemos seus
filhos; que quando nós oramos não estamos falando com as paredes,
antes, a causa primeira está atenta ao que dizemos e nos ouve como um
Pai; e que ela nos espera após o término desta vida como a um ente
querido para nos fazer felizes por toda a eternidade. Se o homem fosse
um Deus, e não apenas um minúsculo grão de poeira perdido na
imensidão do cosmos, afirmações deste tipo poderiam ser coerentes
com alguma forma de senso comum que derivasse de sua natureza. Mas,
se não fosse a revelação, afirmações como estas contém
pretensões tão desproporcionais à natureza humana que sequer nos
dicionários há palavras suficientemente fortes para qualifica-las.
Que é, de fato, o homem diante da imensidão do Universo? É menos
do que um grão de poeira. E o que é o Universo diante da
perfeição que deve existir no próprio Criador? É menos do que o
homem diante do Universo. Certamente a causa primeira sustenta todas
as coisas no seu ser e sabe que existem as coisas de que ela é causa;
mas daí para a afirmação de que quando oramos a causa primeira nos
ouve como a um Pai vai uma diferença descomunal.
As afirmações da fé, porém, vão mais longe do que estas. Ela
nos diz que a causa primeira, na realidade, se preocupa tanto com os
homens e os quer tão bem que ela própria se fêz homem, habitou entre
nós, tomou o nome de Jesus e se deixou crucificar na época do
Império Romano por ordem de Pôncio Pilatos. Mais ainda, a fé
ensina que o amor da causa primeira por estas criaturas tão
insignificantes alcançou estes extremos porque ela não os deseja
sequer tratar como servos, mas como amigos que comungam a mesma
natureza, e por isso não deseja apenas a nossa felicidade, mas nos
quer tornar participantes de sua própria felicidade, aquela que ela
possui em si mesma antes e independentemente da criação do Cosmos.
Todas estas são afirmações que, bem pensadas, ultrapassam o limite
de tudo quanto a mente humana possa imaginar de mais fantástico e
extraordinário, mais ainda abrirmos um parênteses e considerarmos o
que significa a expressão segundo a qual Deus nos quer tornar
participantes de sua própria felicidade. Para isto, porém, teremos
que discorrer primeiro brevemente sobre o mistério da Santíssima
Trindade.
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