CAPÍTULO 44.

Que a serpente levantada no deserto é símbolo do mistério da cruz o ensina abertamente a palavra do Senhor quando diz: Da mesma forma que Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do homem (Jo 3, 14). Novamente marcha o pecado por seu caminho habitual, avançando regularmente em uma concatenação malvada, com uma lógica perversa. E o Legislador, como um médico, amplia a cura conforme o progresso do mal. Posto que a mordida das serpentes se havia tornado ineficaz para os que olhavam para a figura da serpente, pelo já explicado entendes bem o simbolismo, aquele que maquina enganos tão diversos contra nós inventa outro caminho para o pecado. Também agora podemos observar que isto mesmo sucede a muitos. Com efeito, muitos que reprimem a paixão da concupiscência por meio de uma vida mais sensata, cheios de soberba, se lançam ao sacerdócio contra o plano de Deus, por esforços humanos e intrigas para ser escolhidos. Aquele a quem o relato acusa de fazer o mal aos homens é o que empurra a esta perversa cadeia de pecados. Com efeito, depois que, por causa da fé naquele que está elevado sobre o madeiro, cessou a terra de dar a luz serpentes contra os que estavam cheios de concupiscência, e eles se acreditaram mais fortes que as mordidas venenosas, então, quando se ultrapassa a paixão relativa à concupiscência, se apresenta a enfermidade do orgulho. Julgando que é pouco estar no lugar em que foram colocados, se lançam à dignidade do sacerdócio, intrigando para afastar aqueles que receberam por sorte esta função sagrada da parte de Deus. Estes desaparecem deglutidos pelo abismo. Os que haviam de seu grupo sobre a terra foram abrasados por raios (Nm 16, 31-35). Penso que com este relato a palavra ensina que o final da exaltação própria do orgulho é a descida para debaixo da terra. Talvez alguém, inspirando-se nestas coisas defina a soberba, não sem razão, como uma subida para baixo. Não estranhes se este pensamento está em contradição com o sentir de muitos. As pessoas pensam que com o nome soberba se designa o estar acima dos demais. A verdade do que foi aqui narrado confirma nossa definição. Com efeito, se os que se elevaram a si mesmos acima dos demais se afundaram no abismo da terra aberta debaixo deles, talvez ninguém repudie a descrição que define o orgulho como uma caída ao mais baixo. Moisés ensina a quem contempla estas coisas a ser comedidos e a não envaidecer-se com os êxitos, mas a administrar sempre bem o presente. Pois ainda que hajas sido mais forte que os prazeres, não por isso estás isento de ser preso por outra forma de paixão. Toda paixão é uma caída enquanto é paixão. Não há nenhuma diferença de caída na diversidade de paixões: quem resvalou na suavidade do prazer, caiu; e quem foi derrubado pelo orgulho, caiu. Para quem tem inteligência não é desejável nenhuma forma de caída, pois toda caída, enquanto caída, deve ser igualmente evitada. Por esta razão, se agora vês em algum lugar alguém que se purificou da debilidade dos prazeres, porem que se lança de novo com afã ao sacerdócio por julgar que está acima dos demais, pensa que, na mesma elevação do orgulho, o vês cair terra abaixo. No que segue a continuação, a Lei ensina que o sacerdócio é um assunto divino, não humano. O ensina desta forma: Havendo marcado as varas de cada tribo com o nome dos que as haviam oferecido, Moisés as colocou sobre o altar de Deus, de forma que a vara distinguida das outras por um prodígio divino fosse o testemunho da eleição do céu (Nm 17, 6 -11). Feito isto, as varas dos demais permaneceram como estavam, porem a vara do sacerdote, que havia lançado raízes em si mesma não por uma umidade vinda de fora, mas pela força metida por Deus dentro dela, germinou ramos e frutos, e o fruto, - era uma amêndoa-, chegou a amadurecer. Este acontecimento ensinou a todo o povo a permanecer submisso em boa ordem. No fruto que produziu a vara de Aarão, podemos ver como a vida no sacerdócio deve ser continente, severa e dura na manifestação externa da conduta, porem levando por dentro, no oculto e invisível, o fruto que se come, o qual se mostra quando, com o tempo, amadurece o comestível, parte-se a casca rugosa e se abre a envoltura lenhosa do fruto.