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Quem em seu movimento se deixa levar para os lados, ou se coloca
olhando o guia de frente, inventa outro caminho para si, e não aquele
que lhe mostra o guia. Por esta razão diz Deus ao que é guiado:
Meu rosto não será visto por ti (Ex 33, 20), isto é, não
te ponhas de frente a quem te guia, pois obviamente o caminho seria em
sentido contrário. O bem não olha de forma oposta ao bem, mas o
segue. O que conhecemos como contrário ao bem, isto se o põe de
frente. O mal olha para a virtude em sentido contrário; ao passo que
a virtude não é olhada de forma oposta pela virtude. Por esta
razão, Moisés não olha agora a Deus de frente, mas vê o que
está atrás dEle. Pois quem olha de frente não viverá, como
atesta a palavra divina: Ninguém verá a face do Senhor e viverá
(Ex 33, 20). Vês quão importante é aprender a seguir a
Deus: aquele que aprendeu a colocar-se às costas de Deus, depois
daquelas altas ascensões e daquelas terríveis e maravilhosas
teofanías, já quase na consumação de sua vida, apenas se acha
digno desta graça. A quem desta forma segue Deus, não detém
nenhuma das contradições suscitadas pelo mal. Pois após isto,
nasce a inveja dos irmãos. A inveja, a paixão malvada primordial,
pai da morte, primeira porta do pecado, raiz do mal, origem da
tristeza, mãe das desgraças, fundamento da desobediência,
princípio do paraíso convertendo-se em serpente para dano de Eva.
A inveja nos separou com um muro da árvore da vida, nos despojou das
vestimentas sagradas e, para vergonha, nos revestiu com folhas de
figueira. A inveja armou Caím contra sua natureza, e inaugurou a
morte castigada sete vezes. A inveja fez escravo José. A inveja é
incentivo portador de morte, arma oculta, enfermidade de nossa
natureza, veneno bilioso, putrefação voluntária, dardo cruel,
loucura da alma, fogo que abrasa o coração, chama que devora as
entranhas. Para ele, é uma desgraça não o próprio mal, mas o bem
alheio e, vice versa, é um bom sucesso não o bem próprio, mas o
mal do próximo. A inveja, que se entristece com os êxitos dos
homens e se alegra com suas desgraças. Dizem que os abutres,
devoradores de cadáveres, são aniquilados pelo perfume, pois sua
natureza se fez afim do insalubre e pútrido. Assim também quem está
dominado por esta enfermidade se consome com a boa sorte do próximo
como com a presença de um perfume, e ao ver algum sofrimento por
alguma desgraça, revoa sobre ele, e mete seu bico torcido, trazendo
à luz os aspectos ocultos da desgraça. A inveja atacou a muitos
antes de Moisés. Arrojando-se contra este grande homem, se
pulveriza como um vaso de argila estraçalhado contra uma pedra.
Nisto, sobretudo, se mostrou o prêmio de caminhar atrás de Deus
como fez Moisés; ele havia corrido no lugar divino, havia
permanecido firme sobre a fenda e, metido em seu vão, havia sido
protegido pela mão de Deus, e havia marchado atrás de quem guiava,
sem vê- lo face a face mas olhando suas costas. E que ele alcançou
por si mesmo a felicidade ao seguir a Deus se demonstra por ter se
mostrado mais elevado que um tiro de arco. A inveja, com efeito,
enviou seu dardo contra ele, porem o tiro não alcançou a altura em
que se encontrava Moisés. A corda do arco da maldade não teve
força suficiente para lançar esta paixão tão longe para que o
contagiasse esta enfermidade partindo dos que já haviam caído nela.
Aarão e Maria, roídos pela paixão da inveja, se converteram em um
arco feito de selos de barril lançando contra ele a palavra como um
dardo.
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