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Assim pois, quando Moisés cresce em conhecimento, confessa que vê
Deus nas trevas, isto é, que agora sabe que a Divindade, por sua
própria natureza, é algo que supera todo conhecimento e toda
compreenção. Moisés - disse - entrou nas trevas, onde estava
Deus (Ex 20, 21). Que Deus? Aquele que fez das trevas seu
esconderijo (Sal 17, 12), como disse Davi, o qual foi
iniciado nos mistérios secretos no mesmo santuário. Chegando ali,
Moisés recebe de novo por meio da palavra os mandamentos que recebeu
por meio das trevas, para que - assim creio -, nos confirmasse os
ensinamentos sobre estas coisas com o testemunho da palavra divina.
Pois em primeiro lugar, a palavra divina proíbe que os homens
comparem a Divindade com alguma das coisas conhecidas, porque todo
conceito, elaborado pelo entendimento com uma imagem sensível para
conhecer e alcançar a natureza divina, dá uma imagem falsa de Deus,
e não dá a conhecer o próprio Deus. A virtude da piedade tem dois
aspectos: o que concerne a Deus e o que concerne à retidão dos
costumes, pois a pureza de vida é uma parte da piedade. Moisés, ao
aprender em primeiro lugar o que é necessário saber a respeito de
Deus, que conhecê-lo consiste em não formar nenhuma idéia dEle a
partir das coisas conhecidas segundo a forma humana de conhecer,
entende também a outra face da virtude, ao aprender com que modo de
viver se conduz retamente a vida virtuosa. Depois disto Moisés chega
à tenda não feita por mão de homem. Quem o seguirá em seu caminhar
através destas realidades e em seu elevar-se a tal altura com a
mente, a ele, que subindo mais e mais, se eleva constantemente acima
de si mesmo em ascensão às coisas mais altas? Primeiro abandonou a
base da montanha, separando-se daqueles que careciam de forças para a
ascensão. Depois, tendo chegado ao alto da subida, agüenta nos
ouvidos o fragor das trombetas. Depois destas coisas, penetra no
santuário secreto da teognose. Porem tampouco aqui permanece quieto,
mas ascende até a tenda não feita por mão de homem (Hb 9,
11). Pois quem se elevou com tais ascensões encontra aqui o
término. Parece-me que a trombeta celeste, interpretada de outra
forma, se converte, para quem a ouve, em guia do caminhar até o que
não está feito por mão de homem. Pois a harmonia das maravilhas
existentes no céu grita a sabedoria divina que resplandece no universo
e proclama por meio das coisas visíveis a grande glória de Deus,
conforme o que foi dito: os céus proclamam a glória de Deus (Sal
18, 2). Esta, com a claridade e sonoridade de seu ensinamento,
se converte em trombeta de grande voz, como disse um dos profetas: o
céu fez soar a trombeta no alto (Eclo 45, 20). Quem purificou
o ouvido do coração e o tornou sensível, depois de acolher este som
- refiro-me ao que se origina da contemplação dos seres e que leva
ao conhecimento do poder divino -, é guiado por ele até penetrar
com o pensamento ali onde está Deus. Isto é chamado trevas pela
Escritura, para indicar, como dissemos, o incognoscível e o
invisível; tendo chegado ali vê aquela tenda não feita por mão de
homem e mediante uma imitação material a dá a conhecer aos que estão
abaixo.
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