CAPÍTULO 12.

Assim pois, não pensemos, por nos ater à letra da narração, que Deus é a causa dos sofrimentos dos que os mereceram, mas que cada um é autor de suas próprias desditas, ao preparar para si, com uma escolha adequada um cúmulo de dores, como diz o Apóstolo a um homem desta classe: Pela dureza e impenitência de teu coração vais entesourando contra ti ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, o qual dará a cada um segundo suas obras (Rm 2, 5-6). De fato, se por um excesso na comida gera-se nos intestinos um humor bilioso e daninho, e o médico o expulsa provocando o vômito com sua técnica, não se atribui a ele - senão à desordem na comida - a causa de introduzir o humor nocivo nos corpos: a ciência médica só o fez visível. Da mesma forma, quando se diz que provem de Deus a dolorosa retribuição aos que usaram perversamente sua liberdade, é bom reconhecer que estes padecimentos têm sua origem e sua causa em nós. Para quem vive sem pecado não existem as trevas, nem os vermes, nem a geena, nem o fogo (Mc 9, 43), nem nenhum dos temíveis nomes e realidades. A narração diz também que os hebreus não padeceram as pragas dos egípcios. Se pois em um mesmo lugar há mal para um e não para outro, segue-se que a diferença entre um e outro se encontra na diversidade da escolha, e é necessário concluir, portanto, que nenhum mal pode ter consistência fora de nossa livre decisão.