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Assim pois, não pensemos, por nos ater à letra da narração, que
Deus é a causa dos sofrimentos dos que os mereceram, mas que cada um
é autor de suas próprias desditas, ao preparar para si, com uma
escolha adequada um cúmulo de dores, como diz o Apóstolo a um homem
desta classe: Pela dureza e impenitência de teu coração vais
entesourando contra ti ira para o dia da ira e da revelação do justo
juízo de Deus, o qual dará a cada um segundo suas obras (Rm 2,
5-6). De fato, se por um excesso na comida gera-se nos
intestinos um humor bilioso e daninho, e o médico o expulsa provocando
o vômito com sua técnica, não se atribui a ele - senão à desordem
na comida - a causa de introduzir o humor nocivo nos corpos: a
ciência médica só o fez visível. Da mesma forma, quando se diz
que provem de Deus a dolorosa retribuição aos que usaram
perversamente sua liberdade, é bom reconhecer que estes padecimentos
têm sua origem e sua causa em nós. Para quem vive sem pecado não
existem as trevas, nem os vermes, nem a geena, nem o fogo (Mc 9,
43), nem nenhum dos temíveis nomes e realidades. A narração diz
também que os hebreus não padeceram as pragas dos egípcios. Se pois
em um mesmo lugar há mal para um e não para outro, segue-se que a
diferença entre um e outro se encontra na diversidade da escolha, e é
necessário concluir, portanto, que nenhum mal pode ter consistência
fora de nossa livre decisão.
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