CAPÍTULO 35.

Porém depois de aparecer o ruído do pecado, ao que o começo da Escritura chama voz da serpente (Gn 3, 4) e o relato das tábuas chama voz dos que começam um canto na embriaguez (Ex 32, 18), então, as tábuas se quebram ao cair na terra. E o verdadeiro Legislador, aquele de quem Moisés era figura, novamente lavrou para si, de nossa terra, as tábuas da natureza. Pois sua carne, que contem Deus, não foi feita por obra do matrimônio, mas ele mesmo é o escultor da própria carne gravada pelo dedo de Deus. Com efeito, o Espírito Santo desceu sobre a Virgem e a força do Altíssimo a cobriu com sua sombra (Lc 1, 35). Depois deste acontecimento, a natureza foi feita de novo inquebrável, feita imortal pelos caracteres gravados pelo dedo. Dedo é o nome dado muitas vezes pela Escritura ao Espírito Santo (Ex 8, 19 e Dt 9, 10 e Lc 11, 20). Desta forma acontece uma tal transformação de Moisés, tão grande e de tanta glória, que os olhos daqui de baixo não podiam suportar a manifestação daquela glória (2Co 3, 12-4, 6). Quem tiver sido bem instruído no divino mistério de nossa fé não desconhecerá como a interpretação espiritual concorda com o relato. Com efeito, aquele que restaurou nossa natureza destroçada - pelo já dito, sabes bem quem é aquele que curou nossas roturas -, depois de haver elevado novamente a tábua quebrada de nossa natureza a sua primitiva beleza, havendo embelezado com o dedo de Deus, como dissemos, não é já suportável à vista dos indignos, pois pela super abundância de sua glória é já inacessível a quem o olha. Em verdade, quando vier em sua glória, como diz o Evangelho, e todos os anjos com Ele (Mc 8, 38), a duras penas os justos poderão contemplar seu aspecto. Quanto ao que é injusto e ao que pertence à seita judia, como diz Isaías, permanecerá incapaz desta visão. Que desapareça o ímpio - diz - para que não veja a glória do Senhor (Is 26, 11). Seguindo a concatenação das coisas que examinamos, nos deixamos levar à formulação de uma hipótese de interpretação espiritual desta passagem. Voltemos à questão que havíamos proposto: como aquele que viu Deus claramente nestas teofanías, o atestam a palavra divina, quando diz face a face, como quem fala a um amigo (Ex 33, 11 e 1Co 13, 12), ao chegar aqui, como se nunca tivesse alcançado o que cremos que alcançou pelo testemunho da Escritura, pede a Deus que lhe apareça, como se nunca tivesse visto Aquele que lhe tem aparecido continuamente. A voz do alto acede agora ao desejo do que pede e não lhe recusa a entrega desta graça, porem novamente o leva à desesperança, ao deixar claro que o que ele busca é inalcançável à natureza humana. Apesar disto, Deus diz que há um lugar junto a ele, e nesse lugar uma pedra, e na pedra, uma fenda (Ex 33, 21-23) na qual manda que Moisés se coloque. Depois Deus põe a mão na boca daquela fenda e, passando adiante, o chama. Ao ser chamado, Moisés sai fora da fenda, vê as costas de quem o chamou, e assim parece que viu o procurado, pois se cumpre a promessa da voz divina.