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Não é possível que aqueles que desejam imita-los passem pela mesma
materialidade dos feitos. Como, de fato, se poderia encontrar
novamente o povo que se multiplicou depois de sua emigração do
Egito, e como se poderia encontrar também o tirano que o escravizou
comportando-se malvadamente com a descendência masculina e permitindo
à descendência mais branda e fraca aumentar até se converter em
multidão, e assim todas as outras coisas que aparecem na narração?
Uma vez que podemos ver que, na materialidade mesma dos feitos, não
é possível imitar os gestos maravilhosos destes bem aventurados, só
havemos de transferir de seu acontecer material o ensinamento moral
daqueles acontecimentos que assim o admitam, dos que oferecem, para
quem se esforça por conseguir a virtude, algum estímulo até este
gênero de vida. E se, por força, algum dos fatos que contem a
história sai da ordem e da coerência com a interpretação que
propusemos, passaremos por alto como algo inútil e sem proveito para
nossa finalidade. Desta forma conseguiremos não interromper a exegese
relativa à virtude. Digo isto pela interpretação em relação a
Aarão, prevendo uma objeção ao que segue. Com efeito, alguém
dirá que não repele o fato de que o anjo tenha semelhança com a alma
quanto à incorporalidade e à capacidade de entender; que não nega o
fato de que sua criação tenha tido lugar antes da nossa, nem que
assista aos que lutam contra os adversários; porem que não parece bem
entender como imagem sua a Aarão, que conduz os israelitas à
idolatria. Antecipando a ordem do relato, responderemos a isto com o
que já dissemos: que um episódio estranho não desvirtua a coerência
dos demais fatos, e que, se o mesmo nome designa o papel do anjo e do
irmão, se acomoda também a cada um segundo significados contrários.
Com efeito, não só se diz anjo de Deus, mas também de Satanás
(2Co 12, 7), e chamamos irmão não só ao bom, mas também ao
mau. A Escritura fala dos bons quando diz : Os irmãos serão
úteis na necessidade (Pr 17, 17). E dos perversos quando diz
: Todo irmão prepara armadilha (Jr 9, 3). Após dizer isto a
margem da ordem do discurso e deixando para seu lugar adequado uma
consideração mais profunda destas questões, voltemos aos temas que
nos propusemos. Moisés, fortalecido com a luz que o iluminou e tendo
recebido seu irmão como companheiro de luta e como ajuda, fala ao povo
valentemente sobre a liberdade, recordando-lhes a grandeza pátria, e
lhes dá a conhecer como poderão se livrar da fadiga do barro dos
ladrilhos (Ex 4, 29-31). Que nos ensina a história com
estas coisas? Que não se deve atrever a falar ao povo aquele que não
tiver cultivado sua forma de dizer com uma educação adequada para
dirigir-se a muitos. Não vês, de fato, como Moisés, quando
ainda era jovem, antes de crescer em capacidade, não foi aceito como
digno conselheiro de paz por aqueles dois homens que estavam lutando e
agora, ao contrário, fala ao mesmo tempo a milhares de pessoas?
Podemos dizer que a história grita que não te atrevas a propor um
ensinamento ou um conselho aos ouvintes, se antes não tiveres
adquirido autoridade nisto mesmo através de muito estudo. Depois de
pronunciar Moisés as mais valentes palavras e mostrar o caminho da
liberdade excitando nos ouvintes o desejo dela, o inimigo se irrita e
aumenta os sofrimentos dos que dão ouvido a estas palavras (Ex 5,
6-14). Tampouco isto é alheio ao que nos interessa agora.
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