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O espetáculo não só produzia espanto na alma através dos olhos,
mas também infundia terror através dos ouvidos, pois um ruído
estrondoso se difundia do alto para todos os que estavam abaixo. Sua
primeira escuta já era penosa e insuportável para todo ouvido, pois
parecia o troar das trombetas, porem superava toda comparação pela
intensidade e pelo terrível ruído; ao aproximar-se tornava-se ainda
mais espantoso a aumentar sempre seu ruído. Tratava-se de um ruído
articulado: o ar, pelo poder divino articulava a palavra sem órgãos
vocais. Esta palavra não era pronunciada sem substância, mas
promulgava mandatos divinos. A palavra crescia em intensidade na
medida em que alguém avançava, e a trombeta ultrapassava a si mesma,
superando sempre os sons já emitidos com os que se seguiam (Ex 19,
19). Todo o povo era incapaz de suportar o que via e ouvia. Por
esta razão apresentaram todos uma súplica a Moisés: que fosse
mediador da lei, pois o povo não se negaria a crer que era mandato
divino tudo o que ele lhes mandasse conforme a instrução recebida do
alto. Havendo todos descido novamente ao pé da montanha, Moisés
foi deixado só e mostrou em si mesmo o contrario do que poderia parecer
natural. De fato, enquanto os demais suportam melhor as situações
temíveis se estão todos juntos, este se fez mais animado quando se
afastou dos que o acompanhavam, manifestando assim que o medo que
experimentara no início não era próprio dele, mas que o havia
padecido por padecer juntamente com aqueles que estavam assustados.
Moisés, livre da covardia do povo como de uma carga, fica só
consigo mesmo. È então que enfrenta as trevas e penetra dentro das
realidades invisíveis, desaparecendo da vista dos que olhavam. Com
efeito, havendo entrado no santuário do mistério divino, ali, sem
ser visto, entra em contato com o invisível, penso que ensinando com
isto que quem quiser se aproximar de Deus deve afastar-se de todo o
visível e como quem está sobre um monte, levantando sua mente para o
invisível e incompreensível, crer que a divindade está ali onde a
inteligência não alcança. Chegando ali, recebe os mandamentos
divinos (Ex 20, 1-17). Estes consistiam em um ensinamento
sobre a virtude, cujo ponto principal é a piedade e ter uma
concepção acertada sobre a natureza divina, isto é, que esta
transcende todo o conceito e toda a representação, sem que possa ser
comparada com nenhuma das coisas conhecidas. De fato, ele recebe a
ordem de não considerar em sua reflexão sobre a Divindade nenhuma das
coisas compreensíveis, e de não comparar a natureza que a tudo
transcende a nenhuma das coisas conhecidas por meio de conceitos, mas
apenas crer que existe e deixar sem investigar, como algo
inacessível, como é, quão grande seja, onde está, qual é sua
origem. A palavra divina acrescenta a isto as orientações que
concernem aos costumes, finalizando seus ensinamentos com preceitos
gerais e particulares. È geral a lei que proíbe toda a injustiça
quando diz que é necessário comportar-se em relação ao próximo com
amor, pois, ao observá-la, resultará como conseqüência que
ninguém causará nenhum mal a seu próximo. Entre as leis
particulares, está prescrito o honrar os progenitores, e se encontra
enumerado o catálogo das faltas condenadas (Ex 21-23). Como
se sua inteligência tivesse sido purificada com estes preceitos,
Moisés avança a uma mistagogia ao lhe mostrar o poder divino, o
conjunto de uma tenda de campanha. Esta tenda era um santuário cuja
beleza era de uma variedade impossível de explicar: os vestíbulos,
as colunas, os tapetes, a mesa, as lâmpadas, o altar dos perfumes,
o altar dos holocaustos e o propiciatório; e, no interior do Santo,
o impenetrável e inacessível. Para que a beleza e a disposição de
todas estas coisas não fugissem de sua memória, e para que esta
maravilha fosse mostrada também aos que estavam no pé do monte, ele
recebe a ordem de não confia-lo à simples escritura, mas de imitar
em uma construção material aquela obra imaterial, utilizando nela os
materiais mais preciosos e esplêndidos que se encontram sobre a terra.
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