CAPÍTULO 21.

Este dia é esta vida na qual nos preparamos as coisas da vida futura. Nela, nenhum dos trabalhos que realizamos agora é factível: nem a agricultura, nem o comércio, nem a milícia, nem nenhum outro trabalho no qual agora nos afanamos, senão que vivendo em um total repouso destes trabalhos, recolheremos os frutos das sementes que tivermos semeado durante esta vida. Frutos incorruptíveis, se eram boas as sementes desta vida; corruptíveis e funestos, se assim no-las houver produzido a lavoura da vida. O que semeia para o espírito - diz - do espírito recolherá vida eterna; o que semeia para a carne, da carne recolherá corrupção (Ga 6, 8). Por esta razão, a Lei chama parasceve com propriedade e só considera como tal a preparação para melhor, desde que o que ela entesoura é incorrupção; seu oposto não é parasceve e nem recebe este nome. Com efeito, ninguém chamaria com propriedade preparação à privação do bem, senão falta de preparação. Por esta razão, a história prescreve aos homens só a preparação endereçada ao melhor, dando a entender com seu silêncio aos discretos, em que consiste o contrário. Da mesma forma que nos alistamentos militares, o chefe da expedição entrega primeiro as provisões e depois dá o sinal de guerra, assim também os soldados da virtude, depois de haverem recebido a provisão mística, marcham para a guerra contra os estrangeiros, dirigindo a batalha Josué, sucessor de Moisés. Vês com que coerência prossegue a narração? Enquanto o homem está muito debilitado, maltratado pela perversa tirania, não afasta por si mesmo o inimigo. Tampouco pode. Outro é que se faz companheiro de combate dos fracos, o que fere o inimigo com sucessivos golpes. Porem, uma vez que tenha sido libertado da escravidão dos opressores, e tenha sido adoçado com o lenho, e tenha descansado da fadiga no acampamento das palmeiras, e tenha reconhecido o mistério da pedra, e tenha participado do alimento do céu, então não afasta o inimigo pelas mãos de outro, mas como quem abandonou o tempo da infância e alcançou a altura da juventude, ele mesmo luta corpo a corpo contra os adversários, sem ter já como general Moisés, o servo de Deus, mas o próprio Deus do qual é servo Moisés (Dt 34, 5 e Ex 14, 31). Com efeito, a Lei, dada como sombra e figura dos bens que estavam por vir (Hb 8, 5), é inadequada para as verdadeiras batalhas. Aquele que é a plenitude da Lei e sucessor de Moisés, que foi prenunciado na igualdade de nome de quem então mandava, esse dirige agora a batalha. O povo, quando vê levantadas as mãos do Legislador, avantaja-se sobre o inimigo no combate; se as vê caídas, cede (Ex 8, 5). Ter Moisés as mãos elevadas significa a contemplação da Lei através do sentido espiritual; o deixa-las cair para a terra, a pobre exegese presa ao solo, e a observação da Lei segundo a letra. O sacerdote sustenta as mãos de Moisés que se tornaram pesadas, ajudado neste trabalho por um membro da família. Nem mesmo isto é alheio à coerência das coisas que estamos contemplando. De fato, o sacerdote verdadeiro, graças à palavra de Deus que está unida a ele, conduz novamente para o alto as energias da Lei, caídas à terra pelo peso da interpretação judía, e apoia na pedra - como em um fundamento -, a Lei que cai, de forma que esta, como sugere a figura formada pelas mãos estendidas, mostra a quem as vê qual é seu sentido. Efetivamente, para aqueles que sabem ver, o mistério da cruz aparece constantemente na Lei. Por esta razão diz o Evangelho em algum lugar que não passará um jota ou um til da lei (Mt 5, 18), significando com isto o traço horizontal e o acento perpendicular com que se desenha a figura da cruz. Essa mesma cruz, mostrada então em Moisés - que é figura da Lei -, se erguia como bandeira e causa de vitória para os que a olhavam.