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O Senhor no Evangelho, com sua própria voz, para que nos
mantivéssemos afastados deste mal, cortou o caminho, como raiz da
paixão, da concupiscência que nasce do olhar, quando ensina que quem
admite a paixão com a vista, abre, contra si mesmo, a porta da
enfermidade (Mt 5, 28). As paixões perversas, como a peste,
uma vez que tiverem dominado os pontos chaves, só cessam com a morte.
Penso que não é necessário alargar o discurso apresentando ao leitor
toda a vida de Moisés como exemplo de virtude. Com efeito, para
quem se esforça por uma vida mais elevada, as coisas que já foram
ditas servirão de não pequeno alimento para a verdadeira filosofia,
enquanto que quem se encontra sem forças para os trabalhos da virtude
não obteriam maior proveito com um escrito mais prolixo. Sem
dúvida, para que não se esqueça a definição dada no começo na
qual se baseava nosso discurso - que a vida perfeita é aquela à qual
nenhum limite impede avançar, e que o constante progresso da vida ao
melhor é para a alma o caminho para a perfeição - talvez seja bom
que, levando o discurso até o final da vida de Moisés, se demonstre
que a definição de perfeição que foi dada está certa. Com
efeito, Moisés havendo se elevado durante toda a vida com estas
ascensões, não duvidou em elevar-se sempre sobre si mesmo, de forma
- penso - que sua vida perece em todas as coisas com a da águia,
mais celestial e elevada que as nuvens, voando em círculos na abóbada
celeste da ascensão espiritual. Nasceu quando entre os egípcios se
tinha como um delito que nascesse um hebreu. Como o tirano castigasse
então com a lei, ele foi superior à lei que dava morte, pois foi
salvo primeiro por seus progenitores e, depois, pelos que haviam
estabelecido a lei. E aqueles que haviam procurado sua morte com a
lei, esses não só tomaram sobre si o cuidado de sua vida mas também
o de uma educação bem planejada, conduzindo o menino através de toda
a sabedoria. Depois disto, faz-se superior à honra humana e mais
elevado que a dignidade régia, julgando que era mais forte e mais
régio ter, em vez de servidores e da pompa real, a guarda da virtude
e adornar-se com sua beleza. Depois disto, salva seu compatriota e
fere com um golpe o egípcio, os quais, considerando-os à luz da
interpretação espiritual, entendemos como o inimigo e o amigo da
alma. Imediatamente faz do silêncio mestre de elevados ensinamentos,
e desta forma ilumina seu espírito com a luz que resplandece da
sarça. E então se apressa por fazer seus compatriotas partícipes
dos bens que lhe foram dados por Deus. Com isto deu uma mostra dupla
de sua virtude: com golpes variados e sucessivos mostrou, frente aos
inimigos, sua força defensiva e, a seus compatriotas, sua força
benfazeja. Conduz a pé através do mar este povo, sem haver
preparado para si uma frota de navios, mas aprovisionando-os para a
navegação com a fé como se fosse um navio; faz do abismo terra firme
para os hebreus, e da terra firme, mar para os egípcios. Então os
cantos de vitória. É guiado pela coluna de nuvem. É iluminado pelo
fogo do céu. Prepara uma mesa com alimentos do alto. Sacia a sede
com água da rocha. Eleva as mãos para a destruição dos
amalecitas. Sobe à montanha. Entra nas trevas. Ouve a trombeta.
Aproxima-se da natureza divina. Entra dentro do tabernáculo
divino. Organiza o sacerdócio. Constrói a tenda. Regula a vida
com leis. Leva a bom termo as últimas lutas da forma que explicamos.
Para culminar suas obras retas, castigou a impureza por meio do
sacerdócio: isto é o que significa a cólera que, através de
Finéias, se levantou contra a paixão. Depois destas coisas, se
aproxima da montanha do descanso. Não caminha da terra daqui de baixo
até a que, em razão da promessa, olha todo o povo. Ele, que se
esforçou por viver do alimento que mana do céu, não experimenta mais
um alimento terreno, mas elevado ao alto, acima mesmo da montanha,
como um hábil escultor que trabalha a estátua inteira de sua vida, ao
término de seu trabalho, pôs fim, sem coroa, à obra. Que diz o
relato sobre isto? Que Moisés morreu, servo do Senhor segundo a
palavra de Deus, e que ninguém conheceu seu sepulcro; que seus olhos
não se apagaram, nem seu rosto se corrompeu (Dt 34, 5-7).
Aprendemos que, depois de haver passado por tantos trabalhos, é
considerado digno deste nome sublime, a ponto de ser chamado servidor
de Deus, que é o mesmo que dizer que foi superior a tudo. Com
efeito, nada serviria a Deus se não houvesse chegado a ser superior a
tudo o que está no mundo. Para ele, este é o final da vida virtuosa
dirigida pela palavra de Deus. A história a chama morte, morte
vivente, que o sepulcro não é capaz de conter, sobre a qual não se
levanta um túmulo, que não leva a cegueira aos olhos, nem a
corrupção ao rosto.
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