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A narração conduz nossa consideração, uma vez mais, ao mais alto
da virtude em uma contínua subida. Aquele que foi fortalecido pelo
alimento, e mostrou sua força na luta corpo a corpo com os inimigos,
e venceu seus oponentes, é levado agora àquele inefável conhecimento
de Deus, àquela teognosia. A narração nos ensina com isto, quais
e quantas coisas é necessário ter chegado a bom termo na vida para nos
atrevermos a nos aproximar, com o pensamento, da montanha da
teognosia, suportar o fragor das trombetas, penetrar nas trevas onde
está Deus, gravar nas tábuas os divinos mandamentos e se, por causa
do pecado, se quebrarem aquelas tábuas, apresentar de novo a Deus as
tábuas polidas a mão, para que os caracteres que foram destruídos
nas primeiras sejam desenhados novamente pelo dedo divino. Talvez seja
melhor adaptar nosso conhecimento à interpretação espiritual,
seguindo passo a passo a ordem da narração. Quem segue Moisés e a
nuvem, pois ambos servem de guia aos que avançam na virtude, Moisés
representaria aqui os preceitos da Lei, e a nuvem a interpretação
espiritual da Lei que nos serve de guia, quem com mente purificada na
passagem da água depois de haver matado e apartado de si o que era
estrangeiro experimentou a água de Mara, isto é, a água da vida
afastada dos prazeres, a qual primeiro parece amarga e sem sabor aos
que a experimentam, porem regala com uma sensação doce a quem aceitou
o lenho; quem depois disto se deleitou com a beleza das palmeiras e das
fontes evangélicas e da água viva (Jo 4, 11) que é a pedra;
quem foi saciado recebendo em si mesmo o pão do céu (Jo 6, 32)
e lutou valentemente contra os estrangeiros, cuja vitória foi causada
pelas mãos levantadas do Legislador que prefiguram o mistério da
cruz, este é levado à contemplação da natureza que tudo
transcende. O caminho que o conduz a este conhecimento é a limpeza,
não só do corpo, purificado com algumas aspersões, mas também a
das vestes, lavadas de toda mancha com água. Isto significa que é
necessário que quem está a ponto de ascender à contemplação dos
seres esteja completamente limpo, de forma que seja puro e sem mancha
na alma e no corpo, havendo lavado as manchas igualmente de uma e de
outro. Assim apareceremos puros a quem vê o secréto (Mt 6, 4)
e o decoro exterior estará de acordo com a disposição interna da
alma. Por ordem de Deus, as vestes são lavadas antes de subir a
montanha (Ex 19, 10), indicando-nos com o simbolismo das
vestimentas o decoro exterior da vida. Com efeito, ninguém diria que
uma mancha exterior do vestido se converte em obstáculo para a subida
de quem se aproxima de Deus, a menos que com vestido se aluda
convenientemente - penso - ao exterior das ocupações desta vida.
Feito isto, e havendo afastado da montanha o mais possível o rebanho
dos irracionais, Moisés empreende a ascensão aos mais altos
conhecimentos (Ex 19, 13). O não ter permitido a nenhum ser
irracional aparecer na montanha significa, a meu ver, que na
contemplação das realidades espirituais se transcende o conhecimento
que provem da sensibilidade. De fato, é próprio dos seres
irracionais deixar-se guiar pelos sentidos sem refletir. O sentido da
visão é o guia dos sentidos; muitas vezes o ouvido desperta o impulso
para alguma coisa. Todas as coisas através das quais se ativa a
sensibilidade, têm um amplo espaço nos irracionais. Ao contrário,
a contemplação de Deus não tem lugar nem no âmbito do que se vê,
nem no âmbito do que se ouve. Não se prende e nenhum dos conceitos
habituais. Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu. Não consiste em
nenhuma das coisas que ordinariamente sobem até o coração do homem
(1Co 2, 9). Quem tenta ascender ao conhecimento das coisas do
alto, deve limpar previamente seus costumes de todo impulso sensível e
irracional, purificar qualquer opinião proveniente de um preconceito
anterior ao pensamento, e afastar-se da relação ordinária com a
própria companheira, isto é, com a sensibilidade que, de certa
forma, está unida a nossa natureza como esposa e companheira. E
purificado dela, enfrentar assim a montanha.
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