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Porém ele estava tão longe de participar da enfermidade que curou a
doença de quem havia adoecido. Não só permaneceu quieto, sem se
deixar levar pela vingança contra os que o haviam ferido, mas aplacou
a Deus em favor deles, mostrando com sua ação - penso - que quem
se encontra bem protegido com o escudo da virtude não é arranhado
pelas pontas dos dardos. Ele, com efeito, engrossa a ponta das
armas, e a solidez da armadura as faz voltar para trás. A armadura
que protege destes dardos é o mesmo Deus, do qual se reveste quem
combate pela virtude. Revesti-vos, diz, de nosso Senhor Jesus
Cristo (Rm 13, 14 e Ef 6, 13), isto é, da armadura
completa, sem fissuras. Moisés, bem protegido por ela, tornou
ineficaz o malvado arqueiro. Com efeito, nem ele foi presa de um
impulso de vingança contra os que o haviam feito dano, nem depois de
eles serem condenados por um juiz irrepreensível, ignorou o que é
justo segundo a natureza, mas se fez suplicante diante de Deus em
favor dos irmãos. Certamente não haveria de ter feito isso se não
tivesse estado atrás de Deus, que lhe havia mostrado suas costas como
guia seguro da virtude. As coisas que seguem são parecidas. Posto
que o inimigo natural dos homens não encontrou nele campo para o dano,
volta a guerra contra os mais fáceis de caçar. E tendo lançado no
povo, como um dardo, a paixão da gula, preparou-os para
comportar-se ao modo egípcio no que concerne ao paladar, fazendo-os
preferir as ansiadas carnes do Egito àquele alimento celestial.
Porem ele, mantendo sua alma no alto, sobrevoava acima de semelhante
paixão e estava todo inteiro pendente da herança futura, prometida
por Deus aos que saíssem do Egito espiritual e marchassem para aquela
terra na qual mana leite misturado com mel. Por esta razão constituiu
exploradores que informassem dos bens daquela terra. Os portadores de
boas esperanças são, a meu ver, as considerações nascidas da fé,
que fortalecem a esperança com os bens que estão preparados; os que
causam a desilusão das melhores esperanças são os pensamentos que
provêm do inimigo, os quais debitam a fé na promessa. Sem levar em
conta nenhuma palavra dos adversários, Moisés julgou digno de fé
quem dava as melhores referências acerca daquela terra. Josué era o
chefe da melhor exploração e o que com sua autoridade dava
credibilidade às notícias. Ao vê-lo, Moisés teve como
indubitáveis as esperanças destes bens futuros, tomando o ramo de
uvas, transportado por ele em varas, como sinal das riquezas dali
(Nm 13, 24). Evidentemente, ao ouvir que Jesus revela aquela
terra e que levanta o ramo de videira no madeiro, entendes que coisa
confirmava Moisés nas esperanças. O ramo de uvas pendurado no
madeiro que outra coisa designa senão o ramo pendente do madeiro nos
últimos dias, cujo sangue se converte em bebida salvadora para os
crentes? Moisés nos anunciou isto como símbolo, dizendo: Bebiam
vinho, sangue da uva (Dt 32, 14), referindo-se por meio disto
à Paixão salvadora. Novamente o caminho através do deserto. O
povo, que havia perdido a esperança nos bens da promessa, se vê
incomodado pela sede.
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