CAPÍTULO 47.

O Senhor no Evangelho, com sua própria voz, para que nos mantivéssemos afastados deste mal, cortou o caminho, como raiz da paixão, da concupiscência que nasce do olhar, quando ensina que quem admite a paixão com a vista, abre, contra si mesmo, a porta da enfermidade (Mt 5, 28). As paixões perversas, como a peste, uma vez que tiverem dominado os pontos chaves, só cessam com a morte. Penso que não é necessário alargar o discurso apresentando ao leitor toda a vida de Moisés como exemplo de virtude. Com efeito, para quem se esforça por uma vida mais elevada, as coisas que já foram ditas servirão de não pequeno alimento para a verdadeira filosofia, enquanto que quem se encontra sem forças para os trabalhos da virtude não obteriam maior proveito com um escrito mais prolixo. Sem dúvida, para que não se esqueça a definição dada no começo na qual se baseava nosso discurso - que a vida perfeita é aquela à qual nenhum limite impede avançar, e que o constante progresso da vida ao melhor é para a alma o caminho para a perfeição - talvez seja bom que, levando o discurso até o final da vida de Moisés, se demonstre que a definição de perfeição que foi dada está certa. Com efeito, Moisés havendo se elevado durante toda a vida com estas ascensões, não duvidou em elevar-se sempre sobre si mesmo, de forma - penso - que sua vida perece em todas as coisas com a da águia, mais celestial e elevada que as nuvens, voando em círculos na abóbada celeste da ascensão espiritual. Nasceu quando entre os egípcios se tinha como um delito que nascesse um hebreu. Como o tirano castigasse então com a lei, ele foi superior à lei que dava morte, pois foi salvo primeiro por seus progenitores e, depois, pelos que haviam estabelecido a lei. E aqueles que haviam procurado sua morte com a lei, esses não só tomaram sobre si o cuidado de sua vida mas também o de uma educação bem planejada, conduzindo o menino através de toda a sabedoria. Depois disto, faz-se superior à honra humana e mais elevado que a dignidade régia, julgando que era mais forte e mais régio ter, em vez de servidores e da pompa real, a guarda da virtude e adornar-se com sua beleza. Depois disto, salva seu compatriota e fere com um golpe o egípcio, os quais, considerando-os à luz da interpretação espiritual, entendemos como o inimigo e o amigo da alma. Imediatamente faz do silêncio mestre de elevados ensinamentos, e desta forma ilumina seu espírito com a luz que resplandece da sarça. E então se apressa por fazer seus compatriotas partícipes dos bens que lhe foram dados por Deus. Com isto deu uma mostra dupla de sua virtude: com golpes variados e sucessivos mostrou, frente aos inimigos, sua força defensiva e, a seus compatriotas, sua força benfazeja. Conduz a pé através do mar este povo, sem haver preparado para si uma frota de navios, mas aprovisionando-os para a navegação com a fé como se fosse um navio; faz do abismo terra firme para os hebreus, e da terra firme, mar para os egípcios. Então os cantos de vitória. É guiado pela coluna de nuvem. É iluminado pelo fogo do céu. Prepara uma mesa com alimentos do alto. Sacia a sede com água da rocha. Eleva as mãos para a destruição dos amalecitas. Sobe à montanha. Entra nas trevas. Ouve a trombeta. Aproxima-se da natureza divina. Entra dentro do tabernáculo divino. Organiza o sacerdócio. Constrói a tenda. Regula a vida com leis. Leva a bom termo as últimas lutas da forma que explicamos. Para culminar suas obras retas, castigou a impureza por meio do sacerdócio: isto é o que significa a cólera que, através de Finéias, se levantou contra a paixão. Depois destas coisas, se aproxima da montanha do descanso. Não caminha da terra daqui de baixo até a que, em razão da promessa, olha todo o povo. Ele, que se esforçou por viver do alimento que mana do céu, não experimenta mais um alimento terreno, mas elevado ao alto, acima mesmo da montanha, como um hábil escultor que trabalha a estátua inteira de sua vida, ao término de seu trabalho, pôs fim, sem coroa, à obra. Que diz o relato sobre isto? Que Moisés morreu, servo do Senhor segundo a palavra de Deus, e que ninguém conheceu seu sepulcro; que seus olhos não se apagaram, nem seu rosto se corrompeu (Dt 34, 5-7). Aprendemos que, depois de haver passado por tantos trabalhos, é considerado digno deste nome sublime, a ponto de ser chamado servidor de Deus, que é o mesmo que dizer que foi superior a tudo. Com efeito, nada serviria a Deus se não houvesse chegado a ser superior a tudo o que está no mundo. Para ele, este é o final da vida virtuosa dirigida pela palavra de Deus. A história a chama morte, morte vivente, que o sepulcro não é capaz de conter, sobre a qual não se levanta um túmulo, que não leva a cegueira aos olhos, nem a corrupção ao rosto.