CAPÍTULO 17.

Todas estas coisas e quantas lhes são afins, precipitam-se na água perseguindo os israelitas junto com o promotor do perverso ataque. Porem a água, posto que o bastão da fé e a nuvem luminosa usam como guia, se converte em fonte de vida para os que se refugiam nela e em destruição dos perseguidores. A história nos ensina através disto, como convém que sejam os que atravessam a água. Quando alguém emerge da água não deve conservar consigo nada do exército inimigo. Se o inimigo emergisse juntamente com ele, este permaneceria em escravidão ainda depois da água, ao haver feito emergir vivo consigo o tirano, ao que não afogou no abismo. Isto quer dizer, se explicarmos abertamente o simbolismo aproximando-o de um significado mais claro, que é necessário que quantos, no batismo, passam através da água sacramental, façam morrer na água todo o exército do vício: a avareza, o desejo impuro, o espírito de rapina, a tendência à soberba e à prepotência, o impulso à violência, a ira, o rancor, a inveja, os ciúmes e todas essas coisas. Posto que, de alguma forma, as paixões seguem a natureza humana, devemos afogar na água inclusive os maus movimentos da alma e suas seqüelas. No mistério da Páscoa, este é o nome da vítima cujo sangue preserva da morte quem se vale dela, sucede o mesmo. Recomenda-se que coma pão ázimo na Páscoa. Ázimo é o que não está misturado com o fermento do dia anterior (Ex 13, 6 e 1Co 5, 7-8). Através disto a Lei nos dá a entender que não se deve misturar nenhum resíduo de maldade com a vida nova, mas que comecemos a vida nova com um começo novo, rompendo a cadeia dos pecados com a conversão ao bem. Por esta razão quer que afoguemos no batismo salvador - como no batismo do mar - toda pessoa egípcia, isto é, toda forma de maldade, e que devemos emergir sós, sem arrastar conosco em nossa vida nenhum estrangeiro. Isto é o que aprendemos com a história quando diz que na mesma água se distingue o inimigo e o amigo com a morte e com a vida: o inimigo é destruído, o amigo é vivificado (Ex 14, 27-30). Muitos dos que receberam o sacramento do batismo, por desconhecimento dos preceitos da lei, misturaram a levedura do vício, já abandonada, à vida nova, e, depois de ter atravessado a água, em sua forma de viver levam consigo, vivo, o exército egípcio. Com efeito, quem antes do dom do batismo se havia enriquecido com a injustiça ou a rapina, ou adquiriu alguma terra com perjúrio, ou coabitava com uma mulher em adultério, ou qualquer das demais coisas proibidas, pensa que mesmo que depois do batismo continue a gozar das coisas que adquiriu perversamente, permanece livre da escravidão dos pecados, sem perceber que se encontra escravizado por perversos senhores. Pois a luxuria é um dano cruel e furioso, que atormenta a alma submetida a sua escravidão com os prazeres como se fossem látegos. Um tirano semelhante é a avareza, que não permite nenhum descanso a seu escravo, senão que por muito que trabalhe obedecendo as ordens de seu dono e ganhando para ele o que ambiciona, sempre o incita a mais. E todas as outras coisas que se fazem impulsionados pela maldade constituem uma serie de tiranos e donos. Se alguém lhes obedece, ainda que haja passado através da água, apesar disso - é meu parecer -, não tocou na água sacramental cuja obra é a destruição dos perversos tiranos.