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Penso que seja conveniente apressar a marcha do discurso, pois com as
poucas coisas que já consideramos facilitamos aos amantes do esforço a
reflexão sobre as etapas restantes. Estas etapas podem significar as
virtudes; quem avança ordenadamente seguindo a coluna de nuvem,
acampa e descansa nelas. Passando por alto as etapas intermediárias,
recordarei em meu discurso o prodígio da rocha, cuja natureza dura e
sólida se converteu em bebida para os que tinham sede, dissolvendo-se
sua dureza na brandura da água (Ex 17, 6 e Sal 77, 15 e
1Co 10, 4). Não há nenhuma dificuldade em adaptar a
continuação do relato à consideração espiritual. Aquele que
abandonou na água o egípcio morto, e foi adoçado com o lenho, e
gozou das fontes apostólicas repousando à sombra das palmeiras, esse
também já se fez capaz de receber a Deus. Pois a pedra, como diz o
Apóstolo, é Cristo, seca e resistente para os que não crêem;
porem se alguém aproxima o bastão da fé, se converte em bebida para
os sedentos e flui dentro de quem a recebe. Pois diz: Eu e meu Pai
viremos e faremos nele morada (Jo 14, 23). Tampouco devemos
deixar de considerar isto: depois de atravessar o mar e ter sido
adoçada a água para os caminhantes da virtude; depois daquele
delicioso acampamento junto às fontes e às palmeiras, e depois de
beber da pedra se ter esgotado totalmente as provisões trazidas do
Egito, caiu do alto sobre eles um alimento simples e ao mesmo tempo
variado. De fato, seu aspecto era simples, porem sua qualidade era
variada, acomodando-se convenientemente a cada um segundo a natureza
de seu desejo (Ex 16, 2-16). Que aprendemos com isto?
Aprendemos com que purificação convém que cada um se limpe da vida
egípcia e estrangeira até o ponto de esvaziar totalmente o odre da
própria alma de todo o alimento impuro preparado pelos egípcios, e
receber assim, com alma limpa, em um só, o alimento que vem do
alto: um alimento que não se fez brotar para nós de uma semente
mediante seu cultivo, senão que é um pão preparado, sem semente e
sem cultivo, que, descendo do céu, aparece sobre a terra. Pelo
simbolismo da narração sabes perfeitamente qual é este alimento
verdadeiro. O pão que desce do céu (Jo 6, 51 e 6, 31)
não é uma coisa sem corpo. Pois como poderia uma coisa incorpórea
converter-se em alimento para o corpo? O que não é incorpóreo,
evidentemente, é corpóreo. Pois bem, o corpo deste pão não foi
produzido pela terra, nem pela semente, mas a terra, permanecendo tal
qual é, se encontra cheia deste divino alimento que recebem os que
têm fome, havendo conhecido previamente o mistério da Virgem
através deste prodígio. Este pão, não produzido pelo cultivo da
terra, é também a palavra que, graças à diversidade de suas
qualidades, adapta sua força às capacidades dos que comem (Sb
15, 21).
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