CAPÍTULO 41.

Quem em seu movimento se deixa levar para os lados, ou se coloca olhando o guia de frente, inventa outro caminho para si, e não aquele que lhe mostra o guia. Por esta razão diz Deus ao que é guiado: Meu rosto não será visto por ti (Ex 33, 20), isto é, não te ponhas de frente a quem te guia, pois obviamente o caminho seria em sentido contrário. O bem não olha de forma oposta ao bem, mas o segue. O que conhecemos como contrário ao bem, isto se o põe de frente. O mal olha para a virtude em sentido contrário; ao passo que a virtude não é olhada de forma oposta pela virtude. Por esta razão, Moisés não olha agora a Deus de frente, mas vê o que está atrás dEle. Pois quem olha de frente não viverá, como atesta a palavra divina: Ninguém verá a face do Senhor e viverá (Ex 33, 20). Vês quão importante é aprender a seguir a Deus: aquele que aprendeu a colocar-se às costas de Deus, depois daquelas altas ascensões e daquelas terríveis e maravilhosas teofanías, já quase na consumação de sua vida, apenas se acha digno desta graça. A quem desta forma segue Deus, não detém nenhuma das contradições suscitadas pelo mal. Pois após isto, nasce a inveja dos irmãos. A inveja, a paixão malvada primordial, pai da morte, primeira porta do pecado, raiz do mal, origem da tristeza, mãe das desgraças, fundamento da desobediência, princípio do paraíso convertendo-se em serpente para dano de Eva. A inveja nos separou com um muro da árvore da vida, nos despojou das vestimentas sagradas e, para vergonha, nos revestiu com folhas de figueira. A inveja armou Caím contra sua natureza, e inaugurou a morte castigada sete vezes. A inveja fez escravo José. A inveja é incentivo portador de morte, arma oculta, enfermidade de nossa natureza, veneno bilioso, putrefação voluntária, dardo cruel, loucura da alma, fogo que abrasa o coração, chama que devora as entranhas. Para ele, é uma desgraça não o próprio mal, mas o bem alheio e, vice versa, é um bom sucesso não o bem próprio, mas o mal do próximo. A inveja, que se entristece com os êxitos dos homens e se alegra com suas desgraças. Dizem que os abutres, devoradores de cadáveres, são aniquilados pelo perfume, pois sua natureza se fez afim do insalubre e pútrido. Assim também quem está dominado por esta enfermidade se consome com a boa sorte do próximo como com a presença de um perfume, e ao ver algum sofrimento por alguma desgraça, revoa sobre ele, e mete seu bico torcido, trazendo à luz os aspectos ocultos da desgraça. A inveja atacou a muitos antes de Moisés. Arrojando-se contra este grande homem, se pulveriza como um vaso de argila estraçalhado contra uma pedra. Nisto, sobretudo, se mostrou o prêmio de caminhar atrás de Deus como fez Moisés; ele havia corrido no lugar divino, havia permanecido firme sobre a fenda e, metido em seu vão, havia sido protegido pela mão de Deus, e havia marchado atrás de quem guiava, sem vê- lo face a face mas olhando suas costas. E que ele alcançou por si mesmo a felicidade ao seguir a Deus se demonstra por ter se mostrado mais elevado que um tiro de arco. A inveja, com efeito, enviou seu dardo contra ele, porem o tiro não alcançou a altura em que se encontrava Moisés. A corda do arco da maldade não teve força suficiente para lançar esta paixão tão longe para que o contagiasse esta enfermidade partindo dos que já haviam caído nela. Aarão e Maria, roídos pela paixão da inveja, se converteram em um arco feito de selos de barril lançando contra ele a palavra como um dardo.