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A montanha verdadeiramente escarpada e de difícil acesso designa o
conhecimento de Deus: a teologia. A turba apenas alcança chegar
trabalhosamente até sua base. Porem, se se trata de algum Moisés,
talvez suba um grande trecho, suportando no ouvido o fragor das
trombetas que, como diz o texto da narração, se faz mais forte
quanto mais se avança (Ex 19, 19). Efetivamente, a
pregação em torno da natureza divina é trombeta que golpeia o
ouvido; parece já forte no começo, se faz maior e mais forte para o
ouvido nas etapas finais. A Lei e os profetas proclamaram o mistério
divino da Encarnação, porem as primeiras vozes eram muito débeis
para alcançar os ouvidos dos indóceis. Por esta razão, a dureza de
ouvidos dos judeus não percebeu o som das trombetas. Ao avançar, as
trombetas, como diz o relato, se fazem mais fortes. Os últimos
sons, emitidos através das pregações evangélicas, golpeiam os
ouvidos pois, através destes instrumentos, o Espírito ressoou com
maior clareza para aqueles que vieram depois, e produziram um ruído
mais vigoroso. Os instrumentos que clamam no Espírito são os
profetas e os apóstolos. Como diz a salmodia, seu clamor chegou a
toda a terra e suas palavras aos confins do mundo (Sal 18, 5).
Que a multidão não tenha podido suportar a voz que vinha do alto e
tenha encarregado Moisés de conhecer por si mesmo os mistérios
ocultos e comunicar ao povo a doutrina que houvesse aprendido através
do ensinamento divino (Ex 19, 23-24), também isto está
entre as coisas praticadas na Igreja: nem todos se lançam à
compreensão dos mistérios mas elegem entre eles quem possa perceber as
coisas divinas, prestam-lhe ouvidos confiantemente e tomam como digno
de fé tudo quanto ouçam aqueles que tiverem sido iniciados nos
mistérios divinos. Não todos - diz - são apóstolos, nem todos
profetas (1Co 12, 29). Isto não está sendo observado muito
hoje nas igrejas. Muitos que têm necessidade de se purificar de
ações passadas, sem lavar-se e ainda com manchas em torno de suas
vidas, colocando ante si mesmos a irracionalidade do sensível,
cometem a ousadia de tentar a divina ascensão. Daí serem apedrejados
por seus próprios raciocínios. Com efeito, as opiniões heréticas
são realmente pedras que matam o próprio inventor de doutrinas
perversas. Que significa o fato de Moisés penetrar as trevas e nelas
ver Deus? O que se narra aqui parece contrário à primeira teofania
(Ex 20, 21). Pois então a divindade foi vista na luz;
agora, nas trevas. Não pensemos que isto destoa quanto à coerência
com o que consideramos em nossa interpretação espiritual. Através
disto, o texto nos ensina que o conhecimento da piedade, no começo,
se faz luz em quem o recebe. De fato, concebemos como trevas o
contrário da piedade, e o afastamento das trevas é produzido pela
participação na luz. Mas a seguir a mente, avançando na
compreensão do conhecimento dos seres mediante uma atenção sempre
maior e mais perfeita, quanto mais avança na contemplação, tanto
mais percebe que a natureza divina é invisível. Em conseqüência,
abandonando tudo o que é visível, não só tudo o que está no campo
da sensibilidade, mas também tudo quanto a inteligência parece ver,
marcha sempre para o que está mais oculto, até penetrar, com o
trabalho intenso da inteligência, no invisível e incompreensível, e
ali vê Deus. Nisto consiste o verdadeiro conhecimento do que
buscamos, em ver no não ver, pois o que buscamos transcende todo o
conhecimento, totalmente circundado pela incompreensibilidade como por
trevas. Por esta razão disse o elevado João que esteve nas trevas
luminosas: A Deus nunca ninguém viu (Jo 1, 18), definindo
com esta negação que o conhecimento da essência divina é
inacessível não só aos homens, senão também a toda natureza
intelectual.
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