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Diz-se que Moisés viu a luz quando a lei do tirano proibia manter
vivos os varões que nascessem (Ex 1, 16) e que com sua graça
pressagiava já toda a graça que com o tempo haveria de reunir.
Parecia tão belo já em fraldas (Ex 2, 2), que seus pais
resistiram a destrui-lo com a morte. Depois, quando a ameaça do
tirano se fez mais forte, não o atiraram sem mais à corrente do
Nilo, mas o colocaram em uma cesta cujas junções haviam sido
calafetadas com breu e piche, e desta forma o entregaram à corrente.
Assim o explicam aqueles que refizeram cuidadosamente a história que a
ele se refere. Guiada por uma força divina, a cesta arribou a uma
encosta transversal, levada a este lugar pelo próprio movimento das
águas. A filha do rei veio à região da praia onde se encontrava a
cesta e, sendo alertada pelos vagidos que vinham da caixa,
converteu-o em achado da rainha. Imediatamente, a princesa, vendo a
beleza que resplandecia dele, encheu-se de benevolência e o adotou
como filho. E posto que ele rechaçasse instintivamente um peito
estranho, foi alimentado com o peito materno graças a um ardil de
parentes (Ex 2, 1-9). Durante sua educação de príncipe,
instruído nas ciências estrangeiras, ao sair da infância não
escolheu as coisas que eram tidas em grande apreço pelos estrangeiros,
nem deixou ver que confessava como mãe àquela mãe inventada que o
havia feito filho adotivo, mas retornou à sua mãe natural e se
misturou com os que eram de sua estirpe. Tendo-se originado uma briga
entre um hebreu e um egípcio, tomou o partido do compatriota e matou o
egípcio (Ex 2, 11–13). Pouco depois, quando brigavam dois
hebreus, tentou acalmar a querela fazendo-os notar que, entre
irmãos, é bom tomar como árbitro das divergências a natureza e não
a ira (Ex 2, 13–15). Rechaçado por aquele que se inclinava
à injustiça (Ex 2, 16-21) (At 7, 23-28), fez
desta afronta o ponto de partida para uma filosofia mais alta: depois
disto, tendo se afastado da convivência com a multidão (Ex 2,
15), passa a vida na solidão e contrai parentesco com um
estrangeiro sagaz para discernir o melhor e acostumado a julgar os
costumes e a vida dos homens. Bastou a este uma única ação –
refiro-me ao ataque dos pastores – para descobrir a virtude do jovem:
como havia lutado pela justiça sem pensar em seu próprio proveito,
mas por achar que o justo é valioso por sua própria natureza, e como
castigara a injustiça dos pastores, que não haviam feito nenhum dano
a ele. Tendo admirado o jovem por estas coisas, e estimando que,
apesar de sua manifesta pobreza, sua virtude era mais valiosa que uma
grande riqueza, entrega-lhe sua filha por esposa, e permite-lhe
levar uma vida segundo seus desejos.
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