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Pois o erro da idolatria desapareceu completamente da vida, absorvido
pelas bocas piedosas dos que realizaram em si mesmos o aniquilamento da
matéria da impiedade por meio da confissão da fé. Os mistérios
antigamente bem estabelecidos entre os idólatras se converteram em
água que flui sem consistência, água que é bebida pelas mesmas
bocas que em outro tempo eram seguidoras dos deuses. Assim pois,
quando vês que os que antes se ajoelhavam ante esta vacuidade agora
destroem e fazem desaparecer as coisas nas quais haviam posto sua
confiança, não te parece que o relato anuncia abertamente que um dia
todo ídolo será absorvido pelas bocas daqueles que se converteram do
erro à piedade? Moisés arma os levitas contra seus compatriotas. E
percorrendo o acampamento de um extremo ao outro, dão morte de forma
indiscriminada aos que encontram, deixando à ponta da espada a escolha
de quem partir ao meio. Ao causar a morte igualmente a todos os que
encontra, o que decidia sobre a morte dos que eram suprimidos não era
o ser inimigo ou amigo, estrangeiro ou vizinho, parente ou estranho;
a mão acometia da mesma forma e atuava igual mente sobre todos os que
atacava. Talvez a útil lição que nos oferece este relato seja a de
que cai sobre eles um castigo indiscriminado porque todos foram
cúmplices com o povo inteiro no mal, e todo o acampamento se havia
feito um só homem no sentir. Da mesma forma, quem castiga com
açoites alguém surpreendido em um delito golpeia com o chicote a parte
do corpo que se lhe põe diante sabendo que a dor de uma parte se
estende ao todo, assim também, posto que todo o corpo devia se
castigado igualmente por ter estado unido na alma, o chicote atingiu o
todo atuando sobre uma parte. Portanto, se a cólera de Deus, ao
contemplar a mesma maldade em muitos, não atuou contra todos senão
só contra alguns, convém ter em conta que a correção foi feita por
causa do amor ao homem; ainda que nem todos tenham sido castigados,
com os golpes de alguns todos foram corrigidos para que se afastem do
mal. Esta consideração está feita ainda ao fio da literalidade do
relato. O sentido espiritual talvez possamos aproveitar do seguinte
modo. O Legislador disse a todos em uma exortação pública: Quem
estiver a favor do Senhor, que venha a mim (Ex 32, 26). É a
voz da Lei convidando a todos: Se alguém quer ser amigo de Deus,
que se faça meu amigo, da Lei, pois efetivamente, se alguém é
amigo de Deus, se faz também amigo da Lei. A todos os que se
reuniram em torno dele por causa deste chamado, Moisés ordenou tomar
a espada contra o irmão, o amigo e o vizinho (Ex 32, 27). Se
tivermos presente o contexto da consideração espiritual, entenderemos
que todo aquele que presta atenção a Deus e à Lei se purifica com a
morte dos costumes que habitam perversamente nele. Com efeito, as
palavras irmão, amigo ou vizinho nem sempre são usadas pela
Escritura no bom sentido, mas há ocasiões em que o irmão é um
estrangeiro, o amigo um inimigo, o vizinho alguém que se levantou
como adversário. Entendemos por estes, nossos pensamentos íntimos,
cuja vida causa nossa morte, e cuja morte causa nossa vida.
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