CAPÍTULO 7.

Não é possível que aqueles que desejam imita-los passem pela mesma materialidade dos feitos. Como, de fato, se poderia encontrar novamente o povo que se multiplicou depois de sua emigração do Egito, e como se poderia encontrar também o tirano que o escravizou comportando-se malvadamente com a descendência masculina e permitindo à descendência mais branda e fraca aumentar até se converter em multidão, e assim todas as outras coisas que aparecem na narração? Uma vez que podemos ver que, na materialidade mesma dos feitos, não é possível imitar os gestos maravilhosos destes bem aventurados, só havemos de transferir de seu acontecer material o ensinamento moral daqueles acontecimentos que assim o admitam, dos que oferecem, para quem se esforça por conseguir a virtude, algum estímulo até este gênero de vida. E se, por força, algum dos fatos que contem a história sai da ordem e da coerência com a interpretação que propusemos, passaremos por alto como algo inútil e sem proveito para nossa finalidade. Desta forma conseguiremos não interromper a exegese relativa à virtude. Digo isto pela interpretação em relação a Aarão, prevendo uma objeção ao que segue. Com efeito, alguém dirá que não repele o fato de que o anjo tenha semelhança com a alma quanto à incorporalidade e à capacidade de entender; que não nega o fato de que sua criação tenha tido lugar antes da nossa, nem que assista aos que lutam contra os adversários; porem que não parece bem entender como imagem sua a Aarão, que conduz os israelitas à idolatria. Antecipando a ordem do relato, responderemos a isto com o que já dissemos: que um episódio estranho não desvirtua a coerência dos demais fatos, e que, se o mesmo nome designa o papel do anjo e do irmão, se acomoda também a cada um segundo significados contrários. Com efeito, não só se diz anjo de Deus, mas também de Satanás (2Co 12, 7), e chamamos irmão não só ao bom, mas também ao mau. A Escritura fala dos bons quando diz : Os irmãos serão úteis na necessidade (Pr 17, 17). E dos perversos quando diz : Todo irmão prepara armadilha (Jr 9, 3). Após dizer isto a margem da ordem do discurso e deixando para seu lugar adequado uma consideração mais profunda destas questões, voltemos aos temas que nos propusemos. Moisés, fortalecido com a luz que o iluminou e tendo recebido seu irmão como companheiro de luta e como ajuda, fala ao povo valentemente sobre a liberdade, recordando-lhes a grandeza pátria, e lhes dá a conhecer como poderão se livrar da fadiga do barro dos ladrilhos (Ex 4, 29-31). Que nos ensina a história com estas coisas? Que não se deve atrever a falar ao povo aquele que não tiver cultivado sua forma de dizer com uma educação adequada para dirigir-se a muitos. Não vês, de fato, como Moisés, quando ainda era jovem, antes de crescer em capacidade, não foi aceito como digno conselheiro de paz por aqueles dois homens que estavam lutando e agora, ao contrário, fala ao mesmo tempo a milhares de pessoas? Podemos dizer que a história grita que não te atrevas a propor um ensinamento ou um conselho aos ouvintes, se antes não tiveres adquirido autoridade nisto mesmo através de muito estudo. Depois de pronunciar Moisés as mais valentes palavras e mostrar o caminho da liberdade excitando nos ouvintes o desejo dela, o inimigo se irrita e aumenta os sofrimentos dos que dão ouvido a estas palavras (Ex 5, 6-14). Tampouco isto é alheio ao que nos interessa agora.