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Assim pois Deus, ao mostrar a Moisés o lugar, o excita à corrida.
Ao prometer-lhe estabilidade sobre a pedra, mostra-lhe a forma de
correr este certame divino. Quanto ao espaço que há na fenda, ao
que o relato chama buraco, formosamente o interpretou o divino
Apóstolo com suas próprias palavras, dizendo que uma morada
celestial não feita por mão de homem está preparada, na esperança,
para aqueles cuja tenda terrena tenha sido desfeita (2Co 5, 1).
Aquele que na verdade tiver consumado a corrida, como diz o Apóstolo
(2Tm 4, 7), naquele estádio amplo e espaçoso a que a palavra
divina chama lugar, e tiver guardado efetivamente a fé, como diz o
símbolo, este, tendo assentado seus pés sobre a fenda, será
recompensado com a coroa da justiça pelas mãos do presidente do
certame. Este prêmio é chamado pela Escritura de diversas formas.
O mesmo que é chamado aqui cavidade da fenda, em outros lugares é
chamado jardim de felicidade, tenda eterna, morada junto do Pai,
seio do patriarca, terra dos viventes, água do descanso, Jerusalém
celestial, reino dos céus, prêmio dos eleitos, coroa de graças,
coroa de felicidade, coroa de formosura, torre de poder, banquete de
festa, estar sentado junto de Deus, trono para julgar, lugar
ilustre, tenda escondida (Gn 3, 23; Lc 16, 9; Jo 14,
2; Lc 16, 22; Is 38, 11; Sal 23, 2; Ga 4,
26; Mt 3, 2; Flp 3, 14; Pr 1, 9 e 4, 9; Is 62,
3; Sal 61, 4; Ap 3, 21; Sal 89, 15; Is 56, 5;
Sal 27, 5). Assim pois, dizemos que a entrada de Moisés na
fenda designa a mesma realidade que todas estas expressões. Posto que
a fenda é interpretada por Paulo como Cristo (1Co 10, 4), e
cremos que em Cristo está a esperança de todos os bens, e sabemos,
com efeito, que nEle estão todos os tesouros dos bens (Col 2,
3), quem alcançou algum bem, esse certamente está em Cristo, o
qual contem todo bem. Quem avançou até este ponto e esteve protegido
pela mão de Deus, como pôs em relevo o relato, a mão talvez seja a
força de Deus, criadora dos seres, o Unigênito de Deus por meio
do qual foram feitas todas as coisas (Jo 1, 3), o qual é também
lugar para quem corre; é, segundo sua própria expressão (Jo
14, 6 e 1Tm 4, 7), caminho dos que correm, e é também
rocha para quem está firme, e casa para os que alcançaram o repouso,
esse se sentirá chamar, e verá as costas do que chama, isto é:
marchará atrás do Senhor Deus (Dt 13, 5), conforme prescreve
a Lei. Também o grande Davi, ao ouvir isto, o entendeu, quando
diz a quem habita sob a proteção do Altíssimo: Ele cobrirá com
suas asas (Sal 91, 4), que é o mesmo que encontrar-se atrás
de Deus, pois as asas se encontram nas costas, e grita com relação
a si mesmo: minha alma aderiu a Ti, tua direita me sustentou (Sal
53, 9). Vês como concorda o salmo com o relato? Da mesma forma
que este diz que a direita protegeu a quem estava aderido a Deus,
assim também ali a mão toca em quem espera na fenda a palavra divina,
e lhe pede que o siga. Também o Senhor que, ao converter-se em
plenitude da própria Lei, recebia a riqueza de Moisés, dirige-se
de forma parecida a seus discípulos, e revela claramente as coisas que
haviam sido ditas em figuras, quando diz se alguém quer vir atrás de
Mim (Lc 9, 23). Não diz: "Se alguém quer ir adiante de
Mim". E dirigiu o mesmo convite a quem suplicava pela vida eterna:
Vem e segue-me (Lc 18, 22). Pois bem, quem segue vê as
costas. Portanto, Moisés, que anseia por ver Deus, recebe o
ensinamento de como é possível ver Deus: seguir a Deus aonde quer
que Ele conduza, isto é ver Deus. Sua passagem indica que guia a
quem o segue. Para quem ignora o caminho, não é possível
percorre-lo com segurança senão seguindo atrás de quem guia. Por
esta razão aquele que guia, indo adiante, mostra o caminho a quem o
segue, e quem segue não se separará do bom caminho se olhar
continuamente para as costas de quem conduz.
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