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Este dia é esta vida na qual nos preparamos as coisas da vida futura.
Nela, nenhum dos trabalhos que realizamos agora é factível: nem a
agricultura, nem o comércio, nem a milícia, nem nenhum outro
trabalho no qual agora nos afanamos, senão que vivendo em um total
repouso destes trabalhos, recolheremos os frutos das sementes que
tivermos semeado durante esta vida. Frutos incorruptíveis, se eram
boas as sementes desta vida; corruptíveis e funestos, se assim
no-las houver produzido a lavoura da vida. O que semeia para o
espírito - diz - do espírito recolherá vida eterna; o que semeia
para a carne, da carne recolherá corrupção (Ga 6, 8). Por
esta razão, a Lei chama parasceve com propriedade e só considera
como tal a preparação para melhor, desde que o que ela entesoura é
incorrupção; seu oposto não é parasceve e nem recebe este nome.
Com efeito, ninguém chamaria com propriedade preparação à
privação do bem, senão falta de preparação. Por esta razão, a
história prescreve aos homens só a preparação endereçada ao
melhor, dando a entender com seu silêncio aos discretos, em que
consiste o contrário. Da mesma forma que nos alistamentos militares,
o chefe da expedição entrega primeiro as provisões e depois dá o
sinal de guerra, assim também os soldados da virtude, depois de
haverem recebido a provisão mística, marcham para a guerra contra os
estrangeiros, dirigindo a batalha Josué, sucessor de Moisés.
Vês com que coerência prossegue a narração? Enquanto o homem
está muito debilitado, maltratado pela perversa tirania, não afasta
por si mesmo o inimigo. Tampouco pode. Outro é que se faz
companheiro de combate dos fracos, o que fere o inimigo com sucessivos
golpes. Porem, uma vez que tenha sido libertado da escravidão dos
opressores, e tenha sido adoçado com o lenho, e tenha descansado da
fadiga no acampamento das palmeiras, e tenha reconhecido o mistério da
pedra, e tenha participado do alimento do céu, então não afasta o
inimigo pelas mãos de outro, mas como quem abandonou o tempo da
infância e alcançou a altura da juventude, ele mesmo luta corpo a
corpo contra os adversários, sem ter já como general Moisés, o
servo de Deus, mas o próprio Deus do qual é servo Moisés (Dt
34, 5 e Ex 14, 31). Com efeito, a Lei, dada como sombra
e figura dos bens que estavam por vir (Hb 8, 5), é inadequada
para as verdadeiras batalhas. Aquele que é a plenitude da Lei e
sucessor de Moisés, que foi prenunciado na igualdade de nome de quem
então mandava, esse dirige agora a batalha. O povo, quando vê
levantadas as mãos do Legislador, avantaja-se sobre o inimigo no
combate; se as vê caídas, cede (Ex 8, 5). Ter Moisés as
mãos elevadas significa a contemplação da Lei através do sentido
espiritual; o deixa-las cair para a terra, a pobre exegese presa ao
solo, e a observação da Lei segundo a letra. O sacerdote sustenta
as mãos de Moisés que se tornaram pesadas, ajudado neste trabalho
por um membro da família. Nem mesmo isto é alheio à coerência das
coisas que estamos contemplando. De fato, o sacerdote verdadeiro,
graças à palavra de Deus que está unida a ele, conduz novamente
para o alto as energias da Lei, caídas à terra pelo peso da
interpretação judía, e apoia na pedra - como em um fundamento -,
a Lei que cai, de forma que esta, como sugere a figura formada pelas
mãos estendidas, mostra a quem as vê qual é seu sentido.
Efetivamente, para aqueles que sabem ver, o mistério da cruz aparece
constantemente na Lei. Por esta razão diz o Evangelho em algum
lugar que não passará um jota ou um til da lei (Mt 5, 18),
significando com isto o traço horizontal e o acento perpendicular com
que se desenha a figura da cruz. Essa mesma cruz, mostrada então em
Moisés - que é figura da Lei -, se erguia como bandeira e causa
de vitória para os que a olhavam.
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