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Não se contentou a divina bondade, de honrar a seu humilde servo, com
o fazer amadon e respeitado dos homens, como por tantas vias até aqui se tem
mostrado, mas ainda quis que dos mesmos brutos animais tivesse testemunho sua
santidade, fazendo que a seu modo o reverenciassem, não somente as aves, posto
que por natureza são esquivas, mas também as feras, bravas e montezinhas, que a
ninguém guardam cortesia, antes andam buscando ao homem para lhe beberem o
sangue, como se com juízo e discurso souberam fazer diferença, entre este servo
de Deus e o comum dos outros homens.
Porém o certo e verdadeiro é que outro juízo soberano, e braço
poderoso, a que ninguém pode resistir, queria por este modo, tão singular e
sobrenatural, dar a conhecer ao mundo a virtude do santo Padre José, para que,
sendo de muitos invejada e conhecida, pudesse ser de muitos imitada.
DE PASSARINHOS
Disse um padre antigo desta Província, que havia mais de trinta anos
ouvira sempre dizer a padres e irmãos nossos, e a pessoas de crédito, seculares,
que quando o Padre José andava de caminho, algumas vezes chamava com a mão
os passarinhos, dizendo: "põe-te aqui e louva a Deus". Obedeciam de davam sua
música no dedo. E então os despedia, com dizer: "já louvaste a Nosso Senhor, vai-
te embora".
Também na casa do Espírito Santo, comumente se dizia que, estando o
padre à janela do seu cubículo, lhe faziam a mesma festa as andorinhas. Venhamos
agora aos casos e testemunhos particulares.
ROLAS
Estêvão Ribeiro, morador na vila de São Paulo, jura ter ouvido dizer que
andando umas rolas comendo, no refeitório da casa de São Vicente, os moços as
lançaram fora, mas que o padre, pelejando com os moços, as tornara a chamar,
que viessem comer, e que vieram.
CANÁRIO
O Padre Gaspar de São Pérez, valenciano da nação, diz assim no seu
testemunho: "Eu vi com os meus olhos, na Capitania do Espírito Santo, que
pregando o Padre José em dia do Espírito Santo, em a nossa casa, veio voando
um passarinho como canário, e se lhe assentou sobre o ombro esquerdo, e foi-se
depois que o padre o enxotou a segunda vez, mansamente".
"Disse-me também o Padre José (diz este mesmo padre): 'quereis que
vos diga, Gaspar? Nesta terra dizem que eu faço milagres e que chamo os
pássaros e que vêm a mim. E foi que, vindo eu em um navio, voava sobre ele um
pássaro destes do mar. Então estendi o braço e o pássaro pousou nele, fazei de
conta como se houvera de assentar em outra parte. Também dizem que me viram
levantado no ar...'
E não me lembra que saída me deu a isto. Mas não negou o estar
levantado". Até aqui são palavras do Padre Gaspar de São Pérez.
UM PASSARINHO PINTADO
Quando Afonso Sardinha, morador na vila de São Paulo, trata em seu
testemunho do voluntário cativeiro em que Padre José se foi meter, para efeito de
fazer as pazes com os tamoios, diz assim: "ensinava a doutrina aos gentios, e
depois tomava seu breviário e se ia pelos matos, a rezar, e em rezando lhe vinha
um passarinho, muito formoso, pintado de cores, andar por riba dos ombros,
braços e livro".
CORVOS MARINHOS
Quando fazia a pescaria de que em outros lugares tratamos, andavam
corvos marinhos, gaivotas e outras aves, molestando os índios que salgavam o
peixe, com grande sobejidão. O Padre José que ali andava falou com elas na língua
brasílica, dizendo: “ apartai-vos daqui vós outras aves, e não sejais sobejas (1),
que quando nos formos daqui vos deixaremos vosso quinhão”.
Dali por diante não enfadaram mais os moços, mas, afastadas e
quietas, como se foram capazes de obediência, esperavam que acabasse a gente
o serviço, e então acudiam a comer o que achavam.
(1) Sobejas, isto é, “inoportunas”. Sentido obsoleto. Cf. acima:
sobejidão, isto é, “excesso, impertinência”.
GUARAZES FAZEM SOMBRA À CANOA
Ia o padre em uma canoa, atravessando a baía do Rio de Janeiro, para
a cidade; o companheiro que ia detrás do Padre José, queixava-se da grande
calma. Nisto viu o padre uns três ou quatro guarazes, que são aves como frangas
de cor vermelha finíssima, postas em uma árvore, e disse-lhes pela língua: “ide
chamar vossas parentas, e vinde-nos aqui fazer sombra”.
E logo estendendo os pescoços deram um grito, como que diziam que
sim, e foram-se voando; dali a pouco espaço veio um grande bando delas, e
ajuntando-se em uma nuvem, foram fazendo sombra à canoa por obra de uma
légua, enquanto a sombra foi necessária. E em entrando a viração, o padre lhes
disse que bastava, ao que responderam com grande grita, como que se despediam
e se foram.
Em ambos estes casos, foi companheiro do Padre José o Padre Pero
Leitão, que o jurou em seu testemunho, diante do Padre Provincial Fernão Cardim e
de outros padres, dos quais eu era um.
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