IV. EM ADÉM - CONVERSÃO DE FERNANDO ÁLVARES - MORTE DE D. JOÃO DE CASTRO - VOLTA AO CABO COMORIM

A cidade de Adém, constantemente invadida pelos Turcos, acabava de se recolher sob a proteção dos portugueses que desde muito ambicionavam aquele porto vizinho do Mar Vermelho. O vice-rei fazia aprestar e equipar em Baçaim uma esquadra, cujo comando confiara a seu filho Álvaro de Castro, e dera ordens ao governador de Goa para lhe enviar oito navios armados e equipados, que deviam reunir-se à esquadra em Baçaim, a fim de tomar parte na expedição.

Quando os oito navios de Goa iam levantar ferro, Francisco Xavier sabe que Fernando Alvarez, oficial cujo valor e brilhantes feitos de armas haviam merecido sempre os maiores elogios, fazia parte da expedição e que acabava de embarcar na nau Santa-Fé.

No mesmo instante toma o santo apóstolo o seu breviário, corre ao porto, mete-se num barco, faz-se conduzir a bordo da Santa-Fé e nela embarca exactamente quando se fazia ouvir a voz do comando. Levanta-se ferro, e eis o nosso Santo ganhando o alto mar com a serenidade de um passageiro que empreende uma viagem maduramente reflectida e de há muito preparada.

- Meu caro Padre, diz-lhe o capitão, quando o viu, que grande fortuna para nós! Eu ignorava que acompanharíeis a esquadra, e além disso que teria a felicidade de vos possuir a bordo!

- Eu também o ignorava, ainda há poucos instantes, respondeu-lhe Xavier sorrindo.

Depois de alguns momentos de conversação com o capitão, o nosso Santo foi reunir-se a Fernando, que não podia fugir-lhe como até então.

Fernando Alvarez era o homem mais irascível e cheio de vícios. Os seus talentos militares e o seu grande valor eram conhecidos, é verdade, mas era tudo quanto nele se podia apreciar. Já Francisco Xavier tentara muitas vezes aproximar-se daquele pecador endurecido; porém sempre fora repelido com uma violência que tinha algum tanto de brutalidade.

O zelo do apóstolo, que por coisa alguma desanimava, satisfazia-se então com a oração, esperando sempre uma ocasião nova. Aquela que se apresentava, parecendo-lhe de todo providencial, dava-lhe inteiras esperanças de bom resultado convencendo-se de que chegara o momento da graça e que dali a pouco faria a difícil conquista que tanto ambicionava.

Conhecemos a abundância de recursos que Francisco Xavier possuía para subjugar os espíritos e atrair os corações; ele pô-los todos em campo, evitando contudo atacar a praça abertamente, antes de enfraquecer os seus meios de defesa. Mostrou-se satisfeito na convivência de Fernando, a ponto de os fanáticos da equipagem se olharem com admiração, e dizerem entre si:

"É incrível que o santo Padre, que é profeta e que tudo adivinha, não saiba o que é Fernando Álvarez. Se ele o soubesse não o veríamos, por certo, em uma tal intimidade com aquele homem de quem todo o mundo foge como de um empestado".

O santo Padre conhecia perfeitamente a admiração que causava; mas persistia, apesar disso, no plano que tinha em vista e do qual esperava colher um bom êxito porque Fernando já procurava o santo e parecia preferir a sua companhia a qualquer outra

- Nunca supus, dizia ele ao capitão, que o Padre Francisco fosse tão amável. É, na realidade, o mais encantador gentil-homem que tenho conhecido! É para lastimar que ele seja padre.

Fernando era um jogador desenfreado. Xavier mostrava interessar-se muito nos seus jogos, e, ouvindo-o jurar e blasfemar, um dia em que perdia consideravelmente, disse-lhe com a mais agradável expressão

- O jogo exige presença de espírito, senhor Alvarez; tende confiança, que não perdereis até ao fim se vos portardes bem.

- Que quereis, meu Padre, eu não sou senhor de mim, respondeu o fogoso soldado, cuja brutalidade se tornara proverbial.

Na manhã seguinte, reconhecendo o nosso Santo a estima que Fernando Alvarez já sentia por ele, julgou chegado o momento. Passou o seu braço pelo daquele homem de guerra, e no tom mais insinuante, disse-lhe em voz baixa, arrastando-o para a ponte.

- Senhor Fernando, eu sou muito curioso e desejo muito saber uma coisa que somente vós me podeis dizer.

- Falai, meu Padre.

- Pois bem! dizei-me se vos confessastes antes de partir.

- Oh! há já muito tempo que me não ocupo disso, meu Padre.

- Como! bravo como sois, o primeiro sempre na brecha, sempre exposto a ser o primeiro morto, quereis comparecer na presença de Deus com uma consciência tão pesada? Qual é o vosso pensamento?

- Meu caro Padre, julgo que não sou uma boa presa, porque quis confessar-me uma vez, antes de partir para o inimigo, e o vigário rejeitou-me sob pretexto de que me não achava preparado; creio que ele teve repugnância de mim.

- Ora bem! mas eu, que não tenho tal repugnância, quero confessar-vos, Senhor Fernando; não quero que um turco vos mate e lance a vossa alma ao inferno.

- Vós não sabeis a que vos comprometeis, meu Padre !... O negócio é de muita dificuldade...

- Não obstante isso, senhor, deixai-me preparar-vos para fazer uma boa confissão, e vereis que não será mais difícil para vós do que tem sido para tantos outros.

- Fernando não resistiu mais; ouviu o nosso apóstolo, deixou-se subjugar pela sua meiga e poderosa palavra, e prometeu-lhe confessar-seno porto de Coulão, dó qual se achavam próximos. Logo que ali chegaram, Francisco Xavier desembarcou com ele e confessou-o numa floresta que bordava o litoral.

- Meu Padre, disse Fernando, inspiraste-me um tão grande remorso pelo minha desregrada vida, que podeis impôr-me a mais rigorosa penitência; prometo-vos fazer tudo que quiserdes para expiação dos meus pecados.

Mas o santo apóstolo impôs-lhe somente a recitação de um Padre Nosso e duma Ave Maria e tão grande foi a admiração de Fernando, que exclamou:

- Pois quê, um Padre Nosso e uma Ave-Maria por esta confissão de soldado? E que quereis, pois, que eu espere depois de ter ofendido tanto a Deus, sem que me seja imposta, e eu cumpra, uma penitência proporcionada, quanto possível, à gravidade dos meus pecados?

- A misericórdia de Deus é infinita, meu amigo, tende confiança; quanto à sua justiça, nós a aplicaremos, eu o espero, respondeu-lhe Xavier com aquela inefável doçura coxas que tanto se fazia amar.

Depois, internou-se na floresta, enquanto Fernando cumpria asna penitência, e ali, como em Cranganor, martiriza-se àsperamente com a disciplina que trazia sempre consigo. Fernando ouve e adivinha o seu pensamento; corre para ele, arranca a disciplina de suas mãos, despe-se até à cintura e bate em si até fazer sangue, porque vira correr também o sangue do santo Padre.

- Meu Padre, meu caro Padre, fui eu que pequei e vós castigais-vos! disse ele em lágrimas.

Francisco Xavier abraça-o muitas vezes, feliz por o ver numa disposição cuja perseverança previa.

- Agora vos confesso, lhe diz ele, que embarquei somente por vossa causa. Quis dar a vossa alma a Deus e tive esta consolação; deixo-vos com a esperança de que sereis fiel à graça que acabais de receber. Prossegui na vossa viagem; eu volto a Goa e não vos esquecerei diante de Nosso Senhor!

Depois da expedição de Adém, Fernando entrou numa Ordem religiosa onde viveu e morreu santamente.

De volta a Goa, entregou-se o nosso Santo com maior ardor do que nunca a todos os exercícios espirituais, e às austeridades mais penosas, a fim de renovar as suas forças, e de atrair as bênçãos celestes à nova conquista que premeditava. Contudo não descuidou em coisa alguma os seus trabalhos exteriores.

Devorado sempre de zelo e sempre infatigável, voltou às pregações, às confissões, à instrução das crianças e dos escravos, ao cuidado dos presos e dos doentes nos hospitais; parecia multiplicar-se.

Dirigindo e administrando todos os negócios da Companhia de Jesus nas Índias, assim como dos colégios que se achavam ali fundados, ele velava por tudo e tudo precavia, superando todas as dificuldades sem recuar diante de nenhum obstáculo.

Cada um dizia consigo que era impossível, sem milagre, satisfazer ele a tantos e tão penosos trabalhos.

Existia um colégio em Goa, um outro em Cranganor; era necessário estabelecer um terceiro em Malaca e um quarto nas Molucas. Para isto era preciso corresponder-se coxas Roma e Lisboa, na Europa; com Malaca, distante de Goa setecentas léguas, e com as Molucas que se acham afastadas pròximamente mil.

Naquele século a navegação estava longe de adquirir os meios de rapidez e as probabilidades de segurança que a ciência lhe proporcionou mais tarde. A correspondência era, além disto, de muito grande trabalho para o nosso santo apóstolo.

Se muitas embarcações partiam ao mesmo tempo, ou coxas curtos intervalos uma da outra para aqueles variados destinos, ele escrevia e repetia três vezes as mesmas cartas, prevenindo o caso de que se um navio se perdesse no mar, outro pudesse suprir.

Quando se considera os imensos e magníficos trabalhos do seu admirável apostolado, não se pode compreender como ele pudesse manter aquela volumosa correspondência. É um prodígio dos mais admiráveis, especialmente quando se analisa o cuidado e a minuciosidade das suas cartas a todos os missionários seus subordinados e a todos os Padres encarregados dos colégios que ele havia solidamente estabelecido a despeito de tantos obstáculos e dificuldades.

Todos aqueles afazeres não lhe impediam de consagrar cada dia duas horas, depois do jantar, à oração. Retirava-se para a torre do campanário a fim de não ser perturbado, e um jovem seminarista, chamado André, era incumbido de o advertir quando expirassem as duas horas; durante este tempo 0 nosso Santo absorvia-se em Deus.

Um dia, André foi adverti-lo, com escrupulosa pontualidade, que o vice-rei lhe concedera uma entrevista, mas Francisco Xavier não o ouve; achava-se sentado em um banco de madeira, com as mãos cruzadas sobre o peito, os olhos fixos no céu e completamente imóvel. André contempla-o por um instante com admiração; nunca vira coisa que se pudesse comparar com aquela bela e estática figura. Saltam-lhe lágrimas dos olhos, o seu desejo é conservar-se ali de joelhos junto do santo Padre, que lhe parece uma visão celeste; porém Xavier era esperado pelo vice-rei, e tendo-lhe ordenado que o interrompesse naquela contemplação, forçoso era obedecer-lhe:

- Meu Padre! disse ele finalmente, meu Padre! vós tendes de ir ao palácio do vice-rei, que vos espera.

Francisco Xavier não se move; seu olhar conserva-se na mesma fixidez, na mesma expressão de santidade; só o seu corpo toca a terra, toda a sua alma está com Deus! André não ousa insistir e retira-se respeitosamente, penetrado de venerarão.

Duas horas depois, volta para junto do santo apóstolo, que encontra na. mesma posição e na mesma contemplação. André vê-se forçado desta vez a chamá-lo para terra, e depois de o ter despertado em vão, muitas vezes, toma a liberdade de tocar no seu braço e de o sacudir fortemente!

Como, disse-lhe docemente Xavier, passaram já as duas horas ?

- Quatro, meu Padre.

- Vamos, pois, imediatamente, ao palácio do vice-rei.

E sai logo levando André consigo, mas à porta do colégio de novo arrebatado e impelido a voltar, diz-lhe

- Deus quer que este dia seja somente para ele; iremos amanhã a casa do vice-rei.

Vimos já no decurso desta história que semelhantes arrebatamentos se repetiam várias vezes no ilustre apóstolo das Índias, e que as mais violentas tempestades e os gritos de desesperação dos passageiros não o distraíam, por um instante sequer, das suas comunicações com Deus, e eles diziam então

"É certo que a tormenta cessará, porque o Padre Francisco está com Deus!"

Durante a sua residência em Goa, retirava-se o nosso Santo, de ordinário, para um pequeno oratório ou capela colocada no fundo do jardim do Colégio [57] e, ali, Deus o cumulava de tais delícias, que muitas vezes o ouviam pedir que moderasse os seus favores

- É demais! Senhor, é demais! exclamava ele.

E entreabria a batina, saía da capela, passeava no jardim e procurava refrescar o peito incendiado pelo fogo divino que o abrasava! Julgava-se só, ou antes, esquecia a terra a ponto de supor que o não viam e deixava escapar do seu coração aquele grito de amor que lhe era habitual e que repetia até durante o curto sono:

"Oh! Jesus! amor do meu coração!"

O grande Xavier, já o dissemos, queria conquistar o Japão, queria conquistar a China e teria querido conquistar o mundo inteiro para o dar à Igreja de Jesus Cristo, e por isso carecia de estar constantemente com Deus para haver, às mãos cheias, os tesoiros da sua misericórdia, todas as bênçãos que desejava para as suas magníficas empresas. Carecia também de estar continuamente com ele, a fim de lhe testemunhar o seu ardente amor e o seu imenso reconhecimento pelos favores tão extraordinários com que o havia beneficiado.

Assim, parecendo-lhe insuficiente o dia, quando chegava a noite, que era para todos a hora do repouso, Xavier, que não queria para si outro descanso que o do Céu, e a quem Deus concedia forças sobre-humanas, saía furtivamente do seu quarto, descia à igreja, e ali ficava absorto, algumas vezes até à manhã do dia seguinte.

Acontecia outras vezes, que a natureza reclamando os seus direitos, uma imperiosa necessidade de dormir se apoderava do santo apóstolo; mas sempre que isto lhe acontecesse, retirava-se triste, lamentando a sua fraqueza; muitas vezes, porém, não se podia resignar a afastar-se da doce presença do divino Salvador. Então, com o amor e o abandono dum filho querido que dorme nos braços maternos, deixava-se dormir sobre os degraus do altar e o mais próximo possível d'Aquele a quem amava.

Depois de alguns momentos de sono, voltava de novo às suas orações, e várias vezes, quando de manhã os Padres entravam na igreja o encontravam em êxtase, com o rosto iluminado, o corpo elevado acima do solo, e sustentando-se, por virtude divina, a uma grande altura.

Todas as vezes que administrava a sagrada comunhão dobrava os joelhos e muitas vezes o viram comungar assim os fiéis, com os joelhos dobrados, mas não tocando a terra; conservava-se em bastante elevação acima do solo para que o prodígio não pudesse ser constatado por algum dos assistentes; então o seu semblante irradiava uma luz deslumbrante. Este duplo prodígio foi em Goa conhecido do público muitas vezes.

Compreende-se, por isso, o empenho que cada um teria em assistir à missa do santo Padre, e a consolação que se gozava em receber dele a sagrada comunhão; compreende-se a confiança e a veneração que ele inspirava; a sua chegada era sempre uma festa; a sua partida causava sempre dilacerante dor.

Um dia, viram-no aparecer à entrada duma rua no momento em que todos fugiam da presença dum elefante demente e furioso

- Meu Deus! o santo Padre! gritam de todos os lados a uma voz: salvai o santo Padre! Padre Francisco! escondei-vos!... meu Padre! santo Padre! ...

O elefante está já longe, o querido Padre é cercado, inquirido, instado com ansiedade de corações assustados... E ele nada compreende

- Como! meu Padre, ele não vos fez nenhum mal?

-Quem, meus filhos?

- O elefante

- O elefante? Eu não vi nenhum elefante!

- É isso possível? Que milagre, meu Padre? Ele ia sobre vós, Antônio e Rafael corriam a salvar-vos, com risco de se deixarem matar, quando ele se lançou entre vós e eles, e fugiu por ali...

- Eu não o vi e ele não me fez mal algum, replicou o humilde Padre.

E acompanhou aquelas palavras com um tão terno olhar que todos que cercavam diziam uns aos outros, quando ele se afastava:

- Como o seu olhar de anjo nos agradecia os nossos cuidados! Como se vê que este santo Padre sabe que nós o amamos!

No entanto, D. João de Castro, que viera reunir-se ao nosso Santo em Goa, como se achava combinado, perigava cada dia de saúde e preparava-se, sob a sua direção, para uma morte que previa muito próxima.

Entregara a administração da província a um dos seus ministros, D. Garcia de Sá, esperando a chegada de D. João de Mascarenhas, o novo vice-rei, e não se ocupando mais do que dos seus interesses espirituais, não recebia senão o Padre Xavier. Bem cedo lhe deu ele a consolação de morrer nos seus braços com os sentimentos duma tão ardente fé e tão inteira confiança em Deus, que Francisco Xavier dizia a propósito:

- Eu tive para consolação de ver morrer um grande da terra como morrem os santos religiosos.

Livre, dali em diante, para deixar Goa, onde o vice-rei já não o detinha, resolvera-se o ilustre apóstolo a embarcar para o cabo Comorim, a fim de tornar a ver os seus queridos Paravás uma vez ainda antes de partir para o Japão; mas a chegada de um navio português que conduzia cinco missionários da sua Companhia, vindos da Europa, deteve-o.

Este reforço de obreiros evangélicos encheu o seu coração de uma grande alegria, e fez-lhe adiar a viagem para as costas da Pescaria.

Fez logo pregar o Padre Gaspar Barzeu, que sabia que era célebre na Europa pela sua eloqüência, e de quem toda á tripulação do navio em que viera fazia o mais completo elogio. Depois dele o ter ouvido, destinou-o para o ponto que exigia maior talento.

A chegada dos Padres ruão foi a única alegria que consolou o nosso Santo.

Muitos fidalgos portugueses, passageiros do navio que acabava de conduzir os missionários, profundamente impressionados pelo exemplo de suas virtudes e pela eloqüente palavra do Padre Barzeu, solicitaram de Xavier que os admitisse na Companhia de Jesus. O capitão do navio e o governador de uma das mais importantes praças entravam no número dos pretendentes.

O nosso Santo recebeu-os com afabilidade no colégio; encarregou um dos Padres de os instruir nos Exercícios espirituais de Santo Inácio; deu graças a Deus por todas aquelas consolações, e embarcou em 2 de Setembro para o cabo Comorim.

Os cristãos das costas eram de contínuo perseguidos pelos Badegás; Francisco Xavier consolou-os, fortificou-os e animou os missionários encarregados daquelas cristandades, que se viam também muitas vezes expostos à morte.

Depois desta laboriosa digressão, voltou ao mar a 22 de Outubro, com direção a Cochim, donde escreveu a Santo Inácio e ao Padre Simão Rodrigues, pedindo-lhes instantemente que lhe enviassem obreiros para cultivar as suas queridas e numerosas cristandades das Índias, que se multiplicavam tão ràpidamente.

Escreveu também ao rei de Portugal pedindo-lhe providências próprias para fazer cessar os tributos com que as autoridades do Governo oprimiam os cristãos da Pescaria; e tendo conseguido que o arcebispo de Goa enviasse D. João da Vila do Conde, seu vigário geral, a fim de levar junto do trono as queixas da sua alma, redigiu a memória que devia ser apresentada ao soberano e que a sua carta apoiava e recomendava à atenção do monarca.

Adicionou também o nosso Santo, no mesmo papel do memorial, recomendações e instruções dirigidas ao vigário geral, relativas à missão que ele ia cumprir em Portugal [58].

Passou o santo apóstolo dois meses em Cochim, trabalhando sem descanso, não tendo um só instante de repouso, passando grande parte da noite em oração, e, como sempre, alimentando-se apenas com o absolutamente necessário para viver.

De Cochim foi para Maçaim e pediu a D. Garcia de Sá uma carta para o governador de Malaca, a fim de que ele lhe facilitasse a viagem para o Japão; depois tornou a Goa, a dispor-se para a mesma viagem pela qual tão ardentemente suspirava.

A cidade de Ormuz, habitada de gente de todos os países e de todas as religiões, carecia de um missionário tão sábio como virtuoso.

Xavier não mandava, de ordinário, os Padres da Companhia senão para os lugares já evangelizados por ele próprio, e com conhecimento das disposições e recursos para o bom êxito da religião; mas não podendo ir a Ormuz, sem adiar para o ano seguinte a sua viagem para o Japão, indicou o Padre Barzeu para aquela espinhosa missão, e associou-lhe o irmão Ramon Pereira que não era ainda padre.

Mandou os Padres Lancilotti para Coulão, Gonzales para Baçaim, e Cipriano para Socotorá; finalmente nomeou Paulo Camerini superior geral da Companhia nas Índias, na sua ausência, e Antônio Gomes reitor do colégio de Goa.

Deu a Gaspar Barzeu instruções por escrito, tão notáveis, que não podemos omiti-Ias aqui; por elas se pode apreciar 'cabalmente a sabedoria e a prudência do nosso Santo, assim como o profundo e detido estudo que ele tinha feito do coração humano e dos países que tão ràpidamente percorrera. Era necessário um tal gênio para atingir tão prontamente tais resultados.

Julgámos dever resumir as instruções que fazem objecto da secção seguinte, pela sua grande extensão. Elas encontram-se completas no segundo volume das admiráveis cartas do nosso Santo.