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Nesses torneios oratórios que se seguiram então, por
toda a parte, os bonzos apresentavam muitas vezes um
argumento, que deixava a Francisco Xavier embaraçado. Era
impossível, diziam eles, que a doutrina do “ Deus Cristão”
seja a verdadeira, dado que os chineses não tinham
conhecimento dela; isso não deixou de causar certa impressão
nos ouvintes japoneses; assim é que Xavier, agora, reconheceu
o quanto aqui se estava, em todas as opiniões e julgamentos,
na dependência do modelo chinês; pois o Japão havia tomado a
sua religião, sua escrita e quase toda sua cultura
espiritual, da China. Pouco a pouco foi surgindo em Xavier,
sob a impressão dessas discussões, o pensamento de que a
tentativa de uma conquista do Japão deveria ser empreendida
por meio da China. Se ele conseguisse converter os chineses,
o Japão, que imitava a China em tudo e por tudo, seguiria,
automaticamente, o seu exemplo.
À vista disso procurou ele agora reunir de maneira
sempre mais sôfrega, informações sobre as condições
dominantes no Império do Meio, e aquilo que os mercadores
portugueses, com os quais ele falava a respeito disso, soiam
narrar, tinha aspecto bastante sedutor. A China, ouvia ele
dizer, era o país modelar de justiça e, sob este aspecto, era
superior a toda a cristandade. A religião dos chineses era,
propriamente, uma doutrina moral tida em alta conta desde
havia muito tempo, ao passo que os deuses ali desfrutavam de
prestígio muito escasso. À diferença do que se passava no
Japão, havia na China um imperador que detinha, realmente, em
suas mãos o poderio sobre todo o império; o povo era pacífico
e invulgarmente inclinado às ciências, especialmente ao
direito e à astronomia.
“Creio” , escreveu Xavier, nessa ocasião, para a pátria,
“ que posso viajar ainda este ano para a capital do rei da
China. É esse um país onde a religião de Jesus Cristo pode se
difundir em larga escala. Se os chineses adotarem algum dia o
cristianismo, então isso será também de grande vantagem para
a destruição das seitas japonesas... A China deve ser
conquistada como outrora o império romano: com a conversão do
rei, o povo o acompanhará também.”
Na viagem de regresso do Japão para a Índia, Xavier
encontrou-se com um mercador português chamado Pereira e
relatou-lhe o quanto ansiava por chegar à China. O português
ouviu-o com a máxima atenção e expôs-lhe o plano de organizar
uma embaixada oficial portuguesa junto ao imperador chinês e,
dessa maneira, penetrar no império rigorosamente fechado a
todos os estrangeiros. Pereira mesmo ter-se-ia visto, de bom
grado, desenenhando o papel de embaixador português, por
isso, estava pronto a custear do seu próprio bolso todas as
despesas ligadas a essa embaixada. Ele julgava que Xavier se
encontrasse em excelente pé de relações com o vice-rei em Goa
e, seguramente, estaria em condições de conseguir junto a
esse as necessárias cartas credenciais para ele e Pereira. Se
obtivesse isso, Xavier poderia acompanhá-lo em sua viagem
para Pequim e ali pregar o evangelho ao imperador da China.
Xavier entregou-se com ardor a essa proposta. Logo depois de
seu regresso a Goa visitou o vice-rei e convenceu-a também a
dar o seu beneplácito à enresa; depois viajou de nova para
Malaca, onde Pereira já estava à sua espera, afim de
empreender com ele a travessia para a China. Em Malaca,
porém, surgiu uma dificuldade absolutamente inesperada: o
comandante do porto ali tinha seus próprios planos no sentido
de iniciar lucrativo intercâmbio comercial com a China e, por
isso, estava resolvido a inedir, a toda custa, a partida de
um concorrente. Debalde apelou Xavier para a sua dignidade de
núncio papal, coisa que ele até então ainda não fizera, e,
ameaçou-o com a excomunhão. O comandante, mais cúpido do que
piedoso, não se deixou atemorizar e declarou, rotundamente,
que ele mandava para o diabo a patente do papa ; e no que
dizia respeito a Pereira, enquanto ele fosse comandante em
Malaca, não haveria de partir. Xavier não estava de nenhuma
maneira disposto a consentir que o seu grande projeto de
conquistar a China para o cristianismo, viesse fracassar em
conseqüência das pequenas ciumeiras entre um comandante de
porto e um mercador. Se o negócio não fosse avante com
Pereira, então era necessário que alcançasse a China mesmo
sem Pereira. Viajou ele em um navio mercante português,
primeiro para a ilha de San-Choan, situada à frente do porto
de Cantão, ilha essa em que desde havia muito tempo se
estabelecera um intercâmbio clandestino de mercadorias entre
comerciantes portugueses e chineses.
Logo depois de sua chegada ali, entabulou ele
negociações com os patrões de um navio chinês e procurou uma
possibilidade para se deixar transportar para Cantão; os
mercadores chineses, no entretanto, começaram a apresentar
uma série de evasivas, pois eles arriscavam a cabeça se
ousassem contrabandear um estrangeiro no Império do Meio,
apesar da rigorosa proibição nesse sentido.
Xavier então começou a esperar bem junto à porta da
China, em uma miserável cabana de junco, dia pós dia, uma
possibilidade para meter o pé na terra da promissão. Nesses
dias escreveu ele a Pereira, o qual continuava sempre na
expectativa de poder realizar no ano seguinte o seu plano
fracassado: “ Se o senhor entrar na China, irá me encontrar
ou em Cantão metido no cárcere ou em Pequim na corte
imperial.”
Por fim conseguiu ele conquistar um contrabandista
chinês em troca de uma paga de vinte quintais de pimenta. O
chinês se declarou disposto a conduzi-lo secretamente a
Cantão, durante a noite em uma pequena barca, e ali albergá-
lo em sua cabana durante os primeiros dias. Em um dia
combinado viria ele para buscar o missionário. Mas, o
contrabandista não reapareceu; passou-se um mês de temerosa
espera, e mais um segundo. Outubro já havia chegado, os
comerciantes portugueses haviam liquidado os seus negócios na
ilha e um navio depois do outro içou as velas, indo
desaparecer nas bandas do sul. Por fim permaneceu Xavier
sozinho na ilha solitária, cuidado apenas pelo seu criado.
Diariamente ia ele para a praia e ali permanecia sentado
horas a fio, silenciosamente, com o olhar melancólico voltado
para o oeste, onde estava situado o grande império pagão, que
deveria ser conquistado para Cristo.
A estação tornou-se fria e hostil, e um dia Xavier
adoeceu. Acometido de tremores de frio e vômitos, dentro em
breve já não pôde mais tomar nenhum alimento; seu estado
piorava dia a dia; em sua enxerga continuava ele esperando,
por entre calafrios de febre, a embarcação chinesa que viria
buscá-lo afim de conduzi-lo a Cantão por sobre o mar açoitado
pelas tenestades do outono. Uma manhã entrou ele a delirar;
de repente começou a levantar os olhos para o céu e, com o
semblante alegre, a pregar alto em muitas línguas: podia ser
que fosse tamil, malaio, japonês ou vascongo. Ao cabo do
oitavo dia de sua enfermidade, perdeu ele a fala e já não
reconheceu mais também o seu criado. Na madrugada de 1º de
Dezembro de 1552 morreu ele.
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