IV. INCORRUPÇÃO DO CORPO DO SANTO - CULTO - MAIS MILAGRES

Até então o corpo de S. Francisco Xavier conservava todas as aparências de vida. Tinha a mesma frescura, as mesmas cores, a mesma flexibilidade dum corpo vivo, sendo de admirar aquela maravilha.

D. Dias Carvalho tinha conhecido intimamente o Santo apóstolo e viajado muitas vezes em sua companhia. Vem a Goa para o ver, muitos anos depois da sua morte, e arrebatado de espanto e admiração, exclama:

"Mas ele vive! que frescura! que cores! É ele! ... está, vivo!"

O vigário geral de Goa, D. Ambrósio da Ribeira, aplica um dedo sobre a ferida feita ao santo corpo em Malaca... O sangue corre ao contacto do dedo, e sai também dela água. Este prodígio renova-se ao contacto do dedo de um Irmão da Companhia de Jesus.

Expõe-se um dia o santo corpo à veneração empenhada dos fiéis de Goa. Uma mulher beija-lhe os pés, e esperando não ser vista arranca um fragmento de carne com os dentes e leva-o misteriosamente, considerando-se feliz por possuir aquela preciosa relíquia...

Mas o sangue corre na presença de testemunhas. Era sangue puro, rico e belo!... São chamados os médicos, que certificam o milagre e atestam que é, a seus olhos, o maior dos prodígios.

Em 1812, o Padre Aquaviva, Geral da Companhia de Jesus, pede à casa de Goa que envie a Roma o braço direito de S. Francisco Xavier. Este braço, que havia operado tão grandes prodígios, produziu então um novo e mais admirável ainda.

O corpo foi encontrado com a mesma frescura, a mesma flexibilidade e as mesmas cores, como as de um homem vivo; corta-se o braço pedido pelo superior geral e o sangue corre com tanta abundância como se o corpo estivesse cheio de vida! Embebem-se nele panos que os Padres de Goa enviaram a Filipe IV, rei de Espanha, e recolhe-se em um frasco que se remete com a mão à Casa de Roma. O braço foi dividido entre os colégios de Cochim, de Malaca e de Macau...

O navio que conduzia aquela santa relíquia para a Europa foi encontrado e perseguido pelos corsários; ia ser presa deles quando o capitão exclama:

"Leve-se o braço do santo Padre ao cesto da gávea! Ele porá os piratas em fuga".

A ordem é executada; os piratas viram de bordo, afastam-se a todo o pano e não tornam a aparecer mais.

A corte de Roma, solicitada pelos soberanos do Japão e pelo rei de Portugal, para proceder à canonização de Francisco Xavier, examinou o seu processo, reconheceu vinte e quatro ressurreições juridicamente provadas, e oitenta e oito milagres admiráveis operados durante a vida do ilustre Santo. Uma bula do Papa Paulo V, datada de 25 de Outubro de 1619, declara-o bem-aventurado.

Foi canonizado por Gregório XV, a 12 de Março de 1622, com todas as cerimônias ordinárias, porém a sua morte retardou a publicação da bula, que foi dada por Urbano VIII, seu sucessor, com a data de 6 de Agosto de 1623.

Aquela bula faz menção da maior parte dos milagres que aqui mencionamos, e acrescenta que um cego tendo invocado o apóstolo das Índias, Xavier, aparecendo-lhe, disse-lhe que solicitasse-a cura da sua enfermidade durante nove dias seguidos e prometeu-lhe que a obteria com esta condição. O cego obedeceu e recobrou a vista ao nono dia.

Cita ainda um leproso que tendo-se servido, como de um linimento, do óleo da lâmpada que ardia junto do corpo do Santo, a sua lepra desaparecera.

Finalmente a mesma bula menciona que as lâmpadas colocadas diante da imagem do santo apóstolo em Colate, ardiam muita vezes com água benta tão bem como com óleo; e que aquele milagre convertia um grande número de pagãos.

Em 1670, por um decreto de 14 de junho, o Papa Clemente X fixou a festa de S. Francisco Xavier em 3 de Dezembro, e ordenou, pelo mesmo decreto, que o seu ofício seria do rito duplex para toda a Igreja.

Poucos anos antes, alguns índios tinham feito uma preciosa descoberta: tinham tornado a achar, no alto mar, um caranguejo duma espécie desconhecida, trazendo uma cruz latina sobre a concha, e tendo barbatanas nos pés trazeiros, o que nunca se tinha visto até então. Ficaram admirados do maravilhoso crustáceo, e empenhavam-se em fazê-lo conhecer com o nome de caranguejo de S. Francisco Xavier; porque estes bons índios estavam persuadidos que ele provinha-daquele que a divina Providência se servira para fazer restituir ao santo Apóstolo do Oriente o crucifixo caído no mar das Molucas.

O conhecimento desta descoberta transmitiu-se muito longe, e o sábio Padre Kircher, da Companhia de Jesus, na sua China Ilustrada, publicada em 1667, menciona como novidade, a aparição deste caranguejo, de que, acrescenta ele, não se tinha ouvido falar até ali.

Mais tarde, no começo do século XVIII, um governador, de Pondichéry, pedia a um capitão que se ia fazer à vela para as Molucas, que fosse de Ambóino a Baranura, e que lhe trouxesse alguns caranguejos daquelas paragens a fim de os conservar em memória daquele que havia restituído o crucifixo de S. Francisco Xavier do fundo do mesmo mar.

Não era para si que o governador pedia, mas para um amigo que desejava possuí-lo, o que lhe parecia dever ser uma espécie de relíquia do nosso Santo.

O capitão fez procurar caranguejos desde Ambóino até Baranura, mas em vão; como são, de ordinário, tão comuns em todos os mares, os marinheiros da equipagem não podiam explicar a sua completa ausência em todo o percurso que exploraram com tanta atenção.

Finalmente encontraram um, um só, e este trazia uma cruz sobre a concha! Era o primeiro daquela espécie que se tinha visto naquelas paragens, e foi o único que se pôde levar ao governador porque, não obstante todas as pesquisas, não se puderam encontrar outros de espécie alguma. Este único que foi dado pelo governador ao seu amigo e transmitido aos herdeiros deste, foi levado a França e tivemos ocasião de o ver e admirar. Ele difere daquele que os índios chamam "caranguejo de S. Francisco Xavier".

Neste, cujo desenho vimos, nota-se ao pé da cruz, que parece sair de um pedestal, dois personagens envolvidos em mantos árabes; todas as formas são bem pronunciadas: é um homem de um lado, uma mulher do outro; adivinha-se, sente-se a Santíssima Virgem e São João.

Aquela espécie só se encontra em pleno mar e mui raras vezes; quando o índio tem a felicidade de encontrar um daqueles caranguejos, apossa-se dele e conserva-o com grande respeito, porque é o caranguejo de S. Francisco Xavier.

O único que foi encontrado no mar das Molucas, há-de haver século e meio, traz também a cruz latina perfeitamente formada, porém não tem a figura das personagens à direita e à esquerda. O que o distingue é a forma de três pregos em relevo, por baixo da cruz e veias brancas dos dois lados, cuja disposição sobre o fundo rosado, produz para muitos, à primeira vista, o efeito de três letras I. H. S. formadas pelo fundo e não pelas veias; a cruz parece sair da letra H e esta letra está riscada por uma linha transversal de pontos em relevo.

Como se explica que seja este o único encontrado até hoje com caracteres tão notáveis? Não se pode supor, tendo em vista a longevidade bem conhecida desses crustáceos, que talvez fosse este o próprio instrumento do milagre, instrumento providencialmente encontrado e conservado, e do qual descende a espécie tão rara, à qual os índios deram o nome do ilustre apóstolo do Oriente?

Depois da morte do nosso Santo, o número das ressurreições obtidas pela invocação dos seus méritos, - reconhecidas pela corte de Roma, juntos os processos da canonização, antes e depois da publicação da bula, - elevava-se, em 1715, à enorme cifra de vinte e sete, das quais quatorze haviam sido obtidas pouco antes.

Nesta época, em 1715, o arcebispo de Malaca certificou oitocentos milagres somente na sua diocese. Naquela cidade de Malaca, onde o grande apóstolo operara tantas maravilhas, não restam outras recordações da sua passagem e de seus magníficos trabalhos, senão as ruínas da sua morada!

Próximo do templo dos protestantes, mesmo no meio do seu cemitério, mostra-se ao estrangeiro um montão de pedras, e diz-se-lhe que foi ali a capela onde S. Francisco Xavier celebrava todos os dias os santos mistérios!... Os pastores ingleses obtiveram este resultado!

Mas não tiveram igual sucesso na costa da Pescaria com os Paravás, que consideram ainda como título de glória o descenderem daqueles que foram baptizados ou evangelizados pelo grande Padre Francisco Xavier. Os missionários reconheceram que a fé se conservara entre eles mais pura e mais ardente do que entre os outros povos indianos.

Quando os holandeses se tornaram senhores da costa da Pescaria, apossaram-se das igrejas e os missionários foram obrigados a ocultarem-se nas florestas. Ali continuavam eles a exercer o seu santo ministério, e os bons Paravás iam todos os domingos para junto deles, assistiam ao santo sacrifício da Missa, e recebiam a instrução que os devia fortificar contra a doutrina dos herejes.

Os vencedores, vendo-se repelidos com perda todas as vezes que tentavam ganhar os índios para a sua religião, fizeram vir de Batávia um ministro protestante, bem certos de que os Paravás não resistiriam à sua eloqüência. O ministro provoca à discussão um chefe da casta e esforça-se por lhe fazer compreender e apreciar todas as vantagens da religião protestante. O chefe dos Paravás escuta-o tranqüilamente até ao fim sem lhe opor uma única palavra, e quando o eloqüente ministro, fatigado de falar, terminou o seu discurso e perguntou ao seu ouvinte o que pensava do seu raciocínio, este respondeu-lhe

"A fé que nós professamos foi-nos pregada pelo grande Padre Francisco Xavier que operava tantos milagres quantas palavras proferia. Se vós quereis fazer-nos crer a vossa doutrina, provai-nos que ela é melhor que a sua, fazendo maior número de milagres do que ele fez.

Ele ressuscitou cinco ou seis mortos nesta costa; ressuscitai doze.

Ele curava muitos dos nossos doentes; curai-os todos. Quando tiverdes feito isto, nós nos resolveremos".

O ministro, conhecendo que perdia o seu tempo com tais homens tornou a embarcar a toda a pressa.

Em Cotate, onde os milagres do apóstolo das Índias continuavam na proporção da fé e da confiança dos peregrinos, deu-se um facto bem notável no dia da sua festa, 3 de Dezembro do ano de 1699, e que encontramos numa carta do P. Martin, datada de junho de 1700. Este missionário achava-se em Cotate na ocasião do acontecimento.

Todo o povo da costa da Pescara e da de Travancor tinha concorrido em peregrinação à igreja daquela cidade para a festa do grande Padre. Os idólatras e os maometanos concorriam também com zelo igual ao dos cristãos, porque a devoção pelo apóstolo do Oriente, é comum nas Índias a todas as religiões.

Um pagão, cujo único filho estava ameaçado de perder a vista, havia prometido ao grande Padre, se ele curasse o seu filho, dar oito fanons [94], à sua igreja de Cotate. A criança ficou curada, e o pai reuniu-se à multidão dos peregrinos para agradecer ao Santo e fazer-lhe a sua oferta.

Quando saía da igreja, com seu filho nos braços, nota que seus olhos estão num estado mais perigoso do que antes da cura; a criança nada via! O infeliz pai entra na igreja, grita que pecou, que merece a punição que o grande Padre lhe inflige, porque tendo prometido oito fanons só dera cinco. Apressa-se em juntar três outros, tira óleo da lâmpada do Santo e- fricciona com ele os olhos da criança...

O mal desaparece imediatamente. A multidão imensa que enchia a igreja foi testemunha daquele duplo milagre.

Xavier é olhado pelos pagãos como sua divindade mais propícia, e é incrível quantas graças eles obtêm.

O P. Martin, durante a sua permanência em Cotate, foi testemunha de um outro facto não menos extraordinário que o precedente.

Aqueles povos costumam associar-se em número de quinhentos até mil. Cada um dos associados deposita todos os meses numa bolsa comum um fanon. Quando a soma se eleva a uma cifra conveniente, reúnem-se, cada associado escreve o seu nome num bilhete, os bilhetes são lançados numa uma e depois de contados uma criança mete a mão dentro, tira um deles e aquele cujo nome sai primeiro recebe a soma total.

Num dos primeiros dias de Dezembro de 1699, um pagão entra na igreja de Cotate, e diz em alta voz ao nosso Santo

"Grande Padre, eu estou associado em duas lotarias; se vós me fazeis ganhar a primeira, dar-vos-ei cinco fanas; eu valo-prometo".

Feito isto, o pagão satisfeito com a sua boa idéia e bem certo de ganhar, pois que havia prometido uma parte ao grande Padre, dirige-se à reunião e anuncia antecipadamente que o seu nome sairá... E sai, com efeito, no meio da alegria de todos os associados.

O feliz sorteado corre à igreja, deposita os cinco fanons, agradece ao grande Padre, e lhe promete dobrar aquela soma se lhe faz ganhar a segunda lotaria. Volta para a praça, anuncia que novamente vai ser proclamado, e o seu nome aparece ainda no primeiro bilhete saído da uma, não obstante todos os meios empregados para evitar qualquer trapaça!

A igreja de Cotate está edificada sobre o mesmo terreno da cabana para onde S. Francisco Xavier se retirava, às tardes, depois de ter passado o dia todo a pregar, a confessar e a baptizar.

A tradição do país refere que tendo os pagãos incendiado a cabana uma noite, enquanto ele estava em oração, ficou ela reduzida a cinzas, mas o Santo foi encontrado em êxtase sem a menor queimadura; até os seus vestidos haviam sido respeitados pelas chamas, e ele só teve conhecimento do ocorrido quando viu os estragos do fogo.

Os cristãos, em memória deste milagre erigiram uma cruz no lugar onde ele se havia operado; aquela cruz veio a ser objecto duma peregrinação célebre onde se obtinham tantos favores, que uma igreja foi ali levantada logo depois da canonização do ilustre apóstolo.

Em Negapatão vê-se unia pequena igreja que os habitantes asseguram estar situada no mesmo lugar onde ele pregava.

Em 1832, indo o R. P. Moré a Calcutá, tocou na costa de Comorim; os Paravás, a quem ele disse ser Irmão do seu grande Padre Francisco Xavier, cercam-no imediatamente e lhe suplicaram com lágrimas que ficasse com eles, prometendo respeita-lo e obedecer-lhe. O grande nome de Xavier é ainda tido como todo-poderoso naqueles povos.

Não era só nas Índias e no Japão que este nome se invocava com respeito extraordinário; em todas as partes do mundo o Santo correspondia por meio de graças aos que imploravam a sua proteção.

O Padre de Arce, de origem espanhola, ensinava filosofia havia trinta anos no' colégio de Córdova de Tacamant. Foi atacado de uma moléstia mortal, os progressos são rápidos; resigna-se de todo o coração e faz o sacrifício da sua vida. O mal chegara ao maior perigo, quando, possuído duma grande inspiração para lhes resistir invoca a grande glória da Companhia de Jesus, Francisco Xavier, e lhe promete votar-se de todo à salvação dos índios se a saúde lhe fosse restituída.

No mesmo momento o Padre Arce acha-se livre de todo o sofrimento; estava curado contra toda a esperança, e tão subitamente que reconhecendo o milagre os seus superiores permitiram-lhe deixar o ensino pelas missões. Vai para os ferozes "chiquitos", e aí funda uma missão à qual dá o nome de S. Francisco Xavier, que conserva ainda, e em 1715 encontra no meio de seus trabalhos apostólicos, a palma gloriosa do martírio.

Num dos frequentes tremores de terra de Santiago, capital do Chile, o palácio episcopal foi derrubado. O arcebispo, D. Gaspar de Vilarcelo, ficou envolvido nas ruínas; mas ele tinha invocado o grande apóstolo das Índias Orientais no momento do desmoronamento, prometendo-lhe fazer qualquer coisa por sua glória se o preservasse daquela morte inevitável.

O piedoso prelado foi encontrado cheio de vida debaixo das ruínas; não tinha a menor ferida e nem sequer a mínima contusão!

Em reconhecimento daquele milagre compôs em latim as ladaínhas de S. Francisco Xavier.

Na Itália, correspondia o nosso Santo por meio de maravilhas a todas as orações que lhe eram dirigidas.

Em 1633, o Padre Marcelo Mastrilli, filho do marquês de Saint-Marzan, uma das mais ilustres famílias de Nápoles, achava-se às portas da morte em conseqüência duma ferida grave na cabeça.

Um operário, trabalhando na igreja, deixara cair um martelo, de mais de dez metros de altura, que atingiu na cabeça o Padre Mastrilli. Foi tratado imediatamente mas tendo sido esgotados todos os esforços da ciência, que em vão se tinham administrado ao doente, não se esperava senão a morte. S. Francisco Xavier aparece-lhe e inspira-lhe um ardente desejo de ir para o Japão, para ali trabalhar na glória de Deus, e ali morrer pelo seu nome. Fez-lhe proferir o voto de partir sem demora: pôs-lhe sobre a ferida da cabeça um relicário contendo um fragmento da cruz do Salvador, e fez-lhe pronunciar em latim esta oração que nos tem sido religiosamente conservada

"Ó cruz sagrada! E vós Salvador adorado que a inundastes do vosso sangue, eu me consagro inteiramente a vós para sempre! Suplico-vos que me concedais a graça de derramar todo o meu sangue pelo vosso santo nome! Imploro esta graça que o apóstolo Francisco Xavier não pôde obter!

Eu renuncio à minha pátria, à minha família, aos meus amigos, a tudo o que possa embaraçar ou retardar a minha partida para a missão das Índias, e me dedico sem reserva à salvação dos índios em presencia do meu pai S. Francisco Xavier".

Depois daquele voto, o doente recuperou subitamente a saúde; o grande apóstolo prometeu-lhe a coroa do martírio, e disse-lhe que rogaria junto de Deus por todos aqueles que o invocassem com fé e confiança durante nove dias seguidos; e depois desapareceu.

O Padre Mastrilli levantou-se logo depois daquela visão, nas melhores condições de saúde; disse missa na manhã seguinte o que causou admiração geral.

Toda a cidade de Nápoles sabia que na véspera só se esperava pelo seu último suspiro e todos viam ou ouviam dizer que ele estava perfeitamente curado.

O Papa Urbano VIII e Filipe IV rei de Espanha, quiseram vê-lo e ouvir da sua boca a narração daquele milagre e ele satisfez os seus desejos. Depois embarcou para Goa, e tendo feito ao grande Xavier o presente de um magnífico túmulo em reconhecimento da graça que havia recebido, partiu com a maior satisfação dos seus superiores, para ir conquistar a coroa que lhe havia sido prometida.

Chegado ao Japão, escreveu a seu pai:

"Eu espero que S. Francisco Xavier acabará a sua obra; por um milagre ele me restituiu a vida, por um milagre me conduziu às Filipinas, por um milagre me abriu a entrada deste Japão tão desejado; espero, pois, que por um milagre também me verei um dia no meio dos verdugos".

Teve, com efeito, a felicidade de ser martirizado no Japão a 17 de Outubro de 1637.

A cura tão pronta do Padre Mastrilli, as circunstâncias maravilhosas que a haviam precedido e seguido, causaram mais impressão, porque a família de Saint-Marzan era da mais alta nobreza napolitana.

A novena a S. Francisco Xavier tornou-se em pouco tempo uma devoção popular tão viva, tão ardente, que em 1652 os calabreses fizeram publicar um grosso volume com as graças extraordinárias que tinham obtido pela intercessão do apóstolo das Índias. Este volume contém 142 narrações de factos milagrosos devidos à sua proteção.

O Padre Portier, da Companhia de Jesus, missionário na Grécia, sofria desde muito tempo duma perna, cujas violentas dores a ciência não podia minorar. Declara-se uma chaga, a cárie ataca os ossos, e os cirurgiões anunciam ao doente que é necessário fazer-se a amputação; mas os seus superiores desejam que aquela cruel operação seja feita em França e ordenam-lhe que vá a Paris na esperança de que a ciência reconhecida dos operadores franceses lhe tornarão a amputação menos dolorosa e os tratamentos serão mais cuidados.

O doente embarcou-se em Constantinopla em 1699. Apenas embarcado, sente uma forte inspiração de pedir a S. Francisco Xavier que o cure, que promete fazer em sua honra a devoção de dez sextas-feiras [95], e começa-a na mesma semana.

Desde a terceira sexta-feira as dores cessam; as partes dos ossos que a gangrena havia atingido desligam-se e caem. O doente, querendo auxiliar o Santo na sua obra maravilhosa, lembra-se de pôr sobre aquela chaga, conquanto em via de cura, um aparelho, da sua imaginação que, segundo ele, devia bem depressa acabar o milagre começado.

Mas S. Francisco Xavier não queria meios humanos, não tinha necessidade de ser auxiliado, e provou-o bem depressa, fazendo-lhe voltar imediatamente todas as dores com que havia sido tão cruelmente martirizado durante mais de dois anos.

O Padre Portier, suficientemente advertido, retirou os remédios que o Santo mostrava poder dispensar; os sofrimentos cessaram de novo, e poucos dias depois a chaga estava sarada, a perna perfeitamente curada, e não restava mais do que uma cicatriz, como lembrança da obra divina obtida pela intercessão e pelos méritos do apóstolo do Oriente.

Pelos fins do último século, Roma, a cidade eterna, experimentou a dor de ver a Companhia de Jesus sempre perseguida pelo ódio do vício e da impiedade, despojada, encarcerada, dispersa, suprimida finalmente... O inferno queria absorver a terra. Contudo, os romanos não invocavam com menor confiança os grandes Santos que a ilustre Companhia havia dado ao Céu.

Em 1788, Anunciada Quartieroni via seu filho quase a morrer em conseqüência de bexigas. Gaspar tinha apenas dois anos, era única jóia, a única esperança de seus pais. Anunciada chama em seu auxilio o apóstolo do Oriente, declara-lhe a sua dor de mãe e põe o seu filho sob sua especial proteção.

No mesmo instante vê o filho voltar à saúde: S. Francisco Xavier mostrava-lhe que aquela criança se tornara sua.

Antônio de Buffalo e Anunciada Quartieroni, sua mulher, recordaram muitas vezes a seu filho o milagre que lhe havia restituído a vida; inspiraram-lhe um terno reconhecimento para com seu Santo protetor, porque desde a idade de 5 a 6 anos, o pequeno Gaspar gostava de se recolher a orar na igreja de Gear, diante do altar de S. Francisco Xavier.

Mais tarde, elevado ao sacerdócio, ardendo em zelo pela glória de Deus e péla salvação das almas, fundou muitos estabelecimentos de piedade ou de caridade, entre outros os Irmãos de Elite de S. Francisco Xavier ou Ristretta e a Congregação do Precioso Sangue. Esta congregação quis o cônego Buffalo colocar sob o patrocínio do nosso Santo, em memória do sangue milagroso derramado em cada 6.a-feira do ano 1552 pelo crucifixo do oratório do castelo de Xavier. Entre as práticas de piedade recomendadas pelos estatutos, o fundador indica a novena ao Santo protetor da Congregação do Precioso Sangue,-S. Francisco Xavier.

Em Bolonha, onde o nosso Santo, então no começo do seu apostolado, havia adquirido tanta confiança e tanto amor, a sua memória conservava-se viva em todos os corações e à solicitação dos habitantes, o quarto que ele outrora habitara no presbitério da paróquia de Santa Lúcia, foi transformado em capela onde o povo corria pressuroso a pedir a seu apóstolo querido, com o maior ardor, as graças que desejava. Mais tarde a igreja de Santa Lúcia foi cedida à Companhia de Jesus, assim como o presbitério de sua dependência; e mais tarde, quando foi abatida para se construir uma nova em maiores proporções, o presbitério foi destruído para ceder à igreja o seu terreno, mas a capela de S. Francisco Xavier foi conservada intacta e ficou compreendida na nova igreja.

Em conseqüência de perseguições que têm tantas vezes honrado a Companhia de Jesus, esta capela foi arrebatada repentinamente à devoção do povo, mas não puderam fazer esquecer aos bolonheses que havia ali morado o grande Xavier, o ilustre apóstolo que seus antepassados tinham tão grande glória de haver conhecido, e que manifestara por numerosos prodígios a lembrança que ele conservava no Céu da cidade onde foi ternamente venerado.

A devoção do nosso Santo estendeu-se até à Alemanha; como em outros lugares ela ali obteve maravilhas, e pelos fins do último século publicava-se em Oberbourg um grosso volume com graças assinaladas que ele havia espalhado na alta e baixa Styria.

No castelo de Xavier, os milagres eram inumeráveis: Transformou-se em capela o quarto em que ele nasceu, e os peregrinos aí concorriam em grande número. Navarra escolheu-o para patrono, é ainda hoje quase todos os navarreses dão no batismo o nome de Xavier, a seus filhos e as peregrinações continuam numerosas àquela capela aberta ao público pelos descendentes do nosso Santo. Todos têm conservado com religioso respeito aquele nobre solar, ilustrado por tão gloriosas recordações.

O castelo de Xavier é ainda o que era em 1524, época em que D. Francisco dele se ausentara para sempre... A capela da nobre família conserva-se como no tempo em que a feliz e desolada mãe do grande apóstolo do Oriente ia ali encher-se de forças para agradecer a Deus tantos sofrimentos e felicidade.

O crucifixo milagroso está ainda no lugar em que D. Francisco o deixou; o sangue maravilhoso, coagulado desde o dia em que o apóstolo das Índias subiu ao Céu, vê-se ainda hoje.

No fim do século XVII, tendo alguns peregrinos ousado subtrair pequenas parcelas, o arcebispo de Pamplona, advertido daquela piedosa temeridade, ameaçou com excomunhão a todo aquele que tentasse renova-la. Desde muito tempo o público não tem entrada naquela capela; é necessária uma autorização particular para ser admitido a contemplar o precioso crucifixo.

Em 1744, por ordem do rei D. João IV, o arcebispo de Goa e o marquês de Castelo-Novo, vice-rei das Índias, acompanhados de todos os grandes dignitários, examinaram os restos de S. Francisco Xavier, e declararam, com todas as formalidades exigidas, a perfeita conservação do seu corpo.

O Papa Bento XIV, vendo os milagres sem número que se obtinham constantemente pelos seus merecimentos, declarou-o protetor do Oriente, por um breve de 24 de Fevereiro de 1747.

Em 1728 o Padre Cicala da Congregação dos Lazaristas, assistiu à exposição das relíquias do grande apóstolo, a 10, 11 e 12 de Fevereiro. Escrevia ele que o concurso do povo havia sido tão considerável naquele ano ali que ultrapassava tudo quanto se tinha visto durante mais de trinta anos, no empenho de vir visitar o santo túmulo. Concorrera gente de todas as partes das Índias. O caixão, de oito pés de comprimento, dois de altura e fechado por três chaves, foi aberto em presença do bispa de Cochim, administrador da diocese de Goa, de todo o clero, de todas as ordens religiosas, do vice-rei e de todos os grandes dignitários e magistrados.

O corpo do Santo estava inteiramente coberto por um véu de sêda que se levantou, e todos os assistentes puderam contemplar o que restava do grande apóstolo do Oriente. Estava revestido de hábitos sacerdotais; a casula, presente da rainha de Portugal [96], e bordada por sua mão, estava perfeitamente conservada. O corpo não tinha o menor indício de corrupção; mas não apresentava as aparências de vida que conservara por mais de um século. "A pele e a carne, escrevia o P. Cicala, estão ressequidas e totalmente unidas aos ossos; as faces brancas; não lhe falta senão o braço direito que está em Roma e dois dedos do pé direito, assim como os intestinos. Os pés, sobretudo, conservam-se na maior beleza" [97].

Em 1859, o rei de Portugal D. Pedro V, ordenava uma nova verificação do estado do Santo corpo. Um dos médicos chamados julga aquela ordem temerária porque havia mais de três séculos que aqueles restos preciosos estavam no túmulo. Mas enganava-se; o processo verbal que a seguir reproduzimos, merece fé.