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PESCARIAS – PROFECIAS DAS PESCARIAS
Houve um dia neste Colégio da Bahia falta de peixe, e os pescadores da rede
vieram sem nada. O Padre José chamou ao moço que era mestre da rede, e
levou-o a uma janela do Colégio, e dali lhe mostrou certo lugar em distância de
légua, na barra chamada Pirajá, dizendo que fosse lá lançar a rede e trouxesse
peixe para os padres.
Assim o fez e tomou grande soma de tainhas, e trouxe para casa.
E era comum prática entre os índios, que quando o padre se achava nas
aldeias, quando queriam fazer boa pescaria, perguntassem primeiro ao padre
onde a iriam fazer, porque no lugar onde o padre apontava, ali lhe sucedia
bem, ainda que fora da conjunção da maré e tempo.
Um homem português indo deitar uma rede, pediu a bênção ao Padre José,
que acertou de encontrar no caminho; e com ele fez um laço extraordinário, o
que atribuiu às orações ao Padre.
1. Na cópia do Poema De Beata Virgine Dei Notre Maria, rubricada pelo
visitador Padre Cristóvão de Gouveia, que em Portugal teve em seu poder o
Padre George Cardoso, liam-se, ‘no fim dela duas quintilhas da letra do Santo
Padre, que devia fazer no remate da vida”. São as que acima se lêem.
Agiológio Lusitano, t. III, Lisboa, 1666, p.
DIZ OS LANÇOS AOS PESCADORES – PROFECIA – AIRES FERNANDES
O padre reitor do Rio de Janeiro, mandou um irmão com índios a fazer uma
pescaria, para provimento do Colégio, a uma lagoa chamada de Maricá, aos
quais acompanhou o Padre José, assim para se dar mais a Deus, desocupado
de negócios, como para lhes dizer cada dia missa.
Perguntava aos índios pescadores que casta de peixe queriam tomar, e
respondendo eles tal ou tal casta, ele os encaminhava a certos postos, aonde
tomavam aquela sorte de peixe, e às vezes em tanta quantidade, que
levantavam a rede para que se não rompesse com o grande peso dos peixes; e
isto sem nunca até então ter ido àquela lagoa, nem Ter notícias de tais postos.
Estando o padre nesta pescaria, um grande amigo seu lhe escreveu, quisesse
ir ver a outro seu amigo, por nome Aires Fernandes, que estava muito mal.
Esta carta trazia um preto de Guiné, escravo daquele homem, e no caminho
correu muito risco de vida, por causa das muitas onças que há naquela
paragem.
Antes que o preto chegasse com a carta, estando o padre ceando com seu
companheiro, guardou uma posta do peixe que ceavam; pediu-lh’a o
companheiro, respondeu:
“Deixai-a guardar para quem o há mister mais que vós”.
E pondo-se em oração, disse:
“Encomendemos a Deus, um pobre que está em perigo”.
E daí a duas horas chega o escravo com a carta, fazendo grande escuro, com
muito frio e chuva. O padre lhe deu o peixe que guardara, e sem ler a carta,
fazendo grande escuro, com muito frio e chuva. O padre lhe deu o peixe que
guardara, e sem ler a carta, nem o preto ter falado, disse o que nela vinha.
Acudiu então o irmão:
“Pois, padre, vamos”.
Respondeu o padre:
“Mais o hei-de ajudar de cá que de lá”.
No dia seguinte disse missa pelo doente, a qual acabada perguntou o irmão:
“Aires Fernandes, morre ou vive?”
E respondeu o padre:
“Mal há de passar, mas escapa desta”.
E assim foi que viveu depois muitos anos.
MANDA PESCAR FORA DE TEMPO
Achando-se o padre um dia na aldeia do Espírito Santo, distrito da Bahia,
disse aos índios:
“Como está tão calada e triste esta aldeia?”
Responderam:
“Porque não há que comer”.
A que o padre acudiu:
“Pois vamos todos à praia, a buscá-lo”.
Disseram eles:
“Não é agora conjunção de tempo, nem de maré”.
“Contudo (disse o padre) vamos todos, e não fique ninguém, porque todos
virão contentes”.
Foi o padre com toda a aldeia, e saindo à praia, acharam a maré quase cheia;
disseram então os índios:
“Vedes, padre, que não é conjunção para pescar”.
Disse então o padre:
“Que peixe quereis tomar?”
Responderam:
“Garamirim”. Xaréos pequenos, que são pouco mais de palmo. E isto diziam
zombando, porque este peixe não corre naquele tempo, senão dali alguns
meses.
Apontou o padre pela praia, adiante, que fossem dali quase a um quarto de
légua, e tomassem quanto quisessem; foram, e com suas redinhas e à mão,
tomaram com muita facilidade daquela casta de paixe, quanto quiseram; e
espantados do caso, deram muitos louvores a Deus.
OS ÍNDIOS SE ENCOMENDAVAM EM SUAS ORAÇÕES
Por esta e outras maravilhas, que Nosso Senhor obrava pelo Padre José até
os índios lhe tinham tal respeito, que quando falavam nele, falavam como de
homem que tinha poder sobrenatural. E assim diziam: “aquele padre que nos
dava o peixe que nós queríamos, e nos livrara da morte e dos perigos quando
lh’o íamos pedir”.
Porque, quando o padre estava em alguma aldeia, os índios havendo de ir à
caça, ou a outra parte, primeiro iam ter com ele e lhe diziam: “Padre, eu vou a
tal parte, dize que não morra eu lá, e que ache o que vou buscar, e que torne
com bem para minha casa, e que me não morda alguma cobra”. E com a
resposta do padre iam muito contentes, e se davam por seguros de todo o
perigo, e certos de todo bom sucesso.
PROFECIAS – Pe. MANUEL DE COUTO – QUE HAVIA DE CHOVER
Acerca de chuva referirei duas profecias, encontradas no efeito de chover, e
não chover, que bem mostram como suas palavras de coisas futuras, não eram
singelas profecias, mas efeito das eficazes orações do Padre José. Juram em
seus testemunhos estes casos, cada um o seu, o Padre Manuel de Couto, e o
Padre Pero Leitão.
O primeiro: na Capitania do Espírito Santo, onde estão estava o santo Padre
José, não choveu um ano, da quaresma até o fim do mês de agosto; deu ordem
o padre de como se fizesse uma procissão, que se fez um Sábado, véspera de
Santo Agostinho, fazendo boa calma.
Estava na vila uma bandeira nova da misericórdia, que um homem levava
para a Capitania de São Vicente; pediram-lh’a para ir na procissão, e dando-se
por seguro que se não molharia, a deu. A que o Padre José disse, como por
graça: “vá ela, que boa há de vir!”. Começou a procissão com tempo sereno, e
quando chegou à Igreja matriz começou a chover; e, à volta para a nossa casa,
foi tanta a chuva que não podiam vir pela rua com água, e a bandeira vinha
toda molhada, como o Padre José tinha profetizado.
DO CAMINHO ENXUTO, CHOVENDO
A Segunda profecia ou milagre. No ano de mil quinhentos e oitenta e
quatro, 1 acabada aquela pescaria de que neste capítulo fiz menção, e ainda em
outros faremos, era tempo de se recolherem para o Colégio; mas primeiro
haviam de ir à aldeia de São Barnabé que estava dali três léguas; mandou o
Padre José se fizessem prestes para o dia seguinte.
E vendo seu companheiro que toda aquela tarde chovera muito, e continua
por toda a noite, disse ao Padre José:
- “Bom tempo escolheu V. R. para a jornada”.
Respondeu:
- “Assim fôssemos nós bons como Deus tem cuidado de nós, porque
não somente nos não há de chover amanhã, mas nem agora chove no caminho
por onde havemos de caminhar amanhã”.
Partiram ao dia seguinte para a aldeia, e acharam todo o caminho de três
léguas, enxuto, sem lhe chegar água em distância de quinze passos por uma
banda outros quinze por outra, da qual maravilha deram a Deus muitas graças,
com admiração do seu servo.
A este lugar pertencia aquela grande maravilha da nuvem carregada de água,
que esteve em cima do teatro por espaço de três horas, sem a deitar, enquanto
se representava uma obra tão devota que durou mais de três horas; mas já fica
escrita no livro primeiro, no fim do capítulo nove.
1. Ano de 1583, pelo testemunho do companheiro, Irmão Pero Leitão.
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