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Pedro de Zarate e Bermeo, comendador da ordem dos cavaleiros
do Santo Sepulcro, de Jerusalém, via com profunda dor o
estado de degradação em que os povos sírios tinham caído.
Todas as heresias, todas as seitas pareciam ter-se reunido
naquele desgraçado país aos muçulmanos; os judeus afluíam ah
e só os católicos pareciam estar excluídos.
O cavaleiro Zarate veio a Roma e solicitou do Papa o
estabelecimento de três colégios da Companhia de Jesus:o
primeiro em Jerusalém, onde todos os hereges e cismáticos iam
freqüentemente em peregrinação; o segundo em Constantinopla,
para a conversão dos muçulmanos senhores da Síria; o terceiro
para a ilha de Chipre, centro do cisma grego. Júlio III
concede imediatamente tudo o que lhe é pedido para a glória
de Deus. A bula que autorizava os três colégios erige uma
arquiconfraria do Santo Sepulcro em Jerusalém.
Inácio de Loiola não havia abandonado o projecto que tão
vivamente enchera o seu coração no começo da sua conversão.
Sabia que, se a Providência lhe tinha fechado aquele caminho,
depois de lho ter mostrado, um dia viria em que se abriria
para a sua Companhia. Sabia que os obstáculos se aplanariam
cedo ou tarde, e que os seus filhos penetrariam, no momento
indicado pelo dedo de Deus, nesse solo tão abundantemente
abençoado e tão indignamente profanado !... Não se poupou a
esforços para secundar o zelo do cavaleiro Zarate; escreveu
aos soberanos, aos príncipes, a alguns fidalgos ricos e
poderosos; pediu o auxilio de todos para a obra de que a sua
grande alma apreciava todo o alcance, mas não obteve os
resultados que esperava. O negócio correu morosamente, os
conselheiros dos soberanos eram de opinião que o dinheiro
fosse gasto em multiplicar os estabelecimentos dos jesuítas
nos seus próprios Estados, para bem espiritual dos seus
súbditos, de que eram responsáveis, e os mesmos príncipes
compreendiam pouco a grandeza e a necessidade duma obra cujo
teatro estava tão distante.
Entretanto, tendo uma pessoa rica e zelosa confiança numa
empresa tão desejada por Inácio de Loiola, deixou, no
testamento, quinhentos ducados para a fundação do colégio de
Jerusalém. Mas logo se levantou a oposição duma ordem
religiosa que estando já estabelecida em Jerusalém, receou
que faltassem os recursos necessários para viver se outros
religiosos os fossem diminuir, partilhando as esmolas que a
sustentavam. Quis pois obter de Inácio uma renúncia jurídica
ao direito, que lhe conferia a bula de Júlio III, de fundar
um colégio em Jerusalém. O nosso Santo recusou-se
energicamente a fazer esta renúncia. Escreveu ao comendador
Zarate, então junto de Filipe II, nos Países Baixos
"Ninguém sabe o que quer fazer o Senhor Nosso Deus pelos
inúteis instrumentos da nossa mínima Companhia. Não me
parece, pois, conforme à razão e ao espirito de Deus Nosso
Senhor fechar a porta da Terra Santa a um colégio da nossa
Sociedade. E quando eu renunciasse a isso pessoalmente, não
-vejo que este ato fosse válido para o future e pudesse ligar
a Companhia. Além disso, não creio poder, em consciência,
prestar-me a tal renúncia. É verdade que não vejo as coisas
dispostas de maneira a prever que possa ser fundado um
colégio ali durante a minha vida, mas é mais fácil nunca
fundar o colégio do que ligar a Companhia para o futuro".
O nosso Santo não viu, com efeito, a Companhia penetrar na
Palestina, e os seus sucessores não foram mais felizes. Deus
reservava esta obra de salvação para o nosso século. Somente
hoje é que a Companhia de Jesus viu abrir-se para ela uma
porta da Síria; a de Jerusalém está-lhe ainda fechada, mas
misericórdia de Deus é infinita e acabará a obra começada.
Não está talvez longe o dia em que Santo Inácio de Loiola se
regozije no céu de ver os filhos da sua grande família
realizarem os projetos da sua juventude e cumprirem o
primeiro voto que ele fez na sua Vigília das armas em
Monserrate, que renovou tantas vezes na sua gruta de Manresa
e de que não cessou de falar aos seus primeiros discípulos
durante alguns. anos.
Os colégios de Constantinopla e de Chipre, autorizados pela
mesma bula, em 15 5 q., ficaram igualmente em projecto. A
Companhia só se podia dar a si mesma; não tendo outros
recursos senão as esmolas, estava na impossibilidade de
fundar e não podia senão aceitar as fundações que lhe
propunham. Teve que renunciar por então à Grécia e à Turquia,
como tinha renunciado à Palestina, e esperar a hora da
Providência. O Padre Laynez, aflito com este insucesso, disse
ao nosso Santo:
- Agora que toda a esperança para a Terra Santa está perdida,
dar-me-ia por feliz em ir às Índias trabalhar na conversão
dos infiéis.
- Quanto a mim, - disse Inácio - não tenho esse desejo, e, se
o tivesse, repeli-lo-ia.
- Porquê, meu Padre? - perguntou-lhe o seu amigo
surpreendido.
- Não estamos comprometidos por voto, - acrescentou o Santo -
a irmos aonde apraza ao Soberano Pontífice mandar-nos? Devo,
pois, estar disposto a ir para qualquer parte, e o Oriente
não me deve atrair mais que o Ocidente. Se eu tivesse, como
Vossa Reverência, qualquer preferência, combatê-la-ia, e
trataria de me pôr numa perfeita indiferença a respeito de
tudo o que possa ser-me ordenado. Asseguro que, velho e
enfermo, como estou, não hesitaria, ao primeiro sinal de Sua
Santidade, em partir a pé, de bordão na mão, para me dirigir
a Espanha ou a outra qualquer parte, ou embarcar, sem a menor
provisão, num navio qualquer, mesmo sem velas e sem governo.
Neste estado de obediência, não terei nenhuma repugnância que
vencer; julgar-me-ia até muito feliz.
- Mas, Padre, - lhe disse um dos seus religiosos - que faria
Vossa Reverência então da sua prudência?
- A prudência, - replicou o nosso Santo - não é a virtude que
obedece; é a virtude daquele que manda. A prudência daquele
que obedece é sacrificar a prudência à obediência.
Numa doença grave, em 1550, foi tratado por um jovem médico
que, atribuindo os seus sofrimentos a um resfriado; o fez
calafetar no quarto de maneira a não deixar penetrar nele o
ar exterior, receitou-lhe tisanas a ferver, mandou-o cobrir
de cobertores, isto durante os mais fortes calores do verão.
O Santo, devorado pela febre, sentiu que este tratamento lhe
era nocivo, mas obedeceu, e dando-se por feliz por encontrar
uma ocasião de obedecer, mesmo com perigo de vida,
submeteu-se sem se queixar e sem dar mostras de desejai o
menor alívio.
Entretanto, os religiosos aterrorizavam-se com os progressos
da doença, com a incessante transpiração que esgotava as
forças do doente, com os frequentes desmaios, que lhes faziam
recear que o não pudessem chamar à vida, com tudo isso,
enfim, que parecia anunciar-lhes o fim próximo daquele que
amavam. Chamaram o dr. Alexandre Petrônio, um dos mais
célebres médicos de Roma, muito dedicado ao santo doente.
Petrônio indignou-se contra um tratamento tão oposto àquele
que se devia ter prescrito, mandou arejar o quarto, tirar os
cobertores e refrescar o paciente.
Receando os Padres as conseqüências desta brusca mudança,
disseram a Inácio que pedisse a Deus a sua cura:
- É inútil, - respondeu ele.
- Mas, Padre, peça-a, não por si nem por nós, mas somente no
interesse da Companhia.
- É inútil, - replicou o santo fundador. Pela graça de Deus
Nosso Senhor, os nossos primeiros Padres são bons, os
segundos serão melhores, e, a estes, sucederão outros
melhores ainda, porque aos trabalhos interiores, juntarão a
disciplina interior, sendo então observadas todas as partes
dela.
O dr. Petrônio recomendou-lhe que pusesse de parte qualquer
preocupação que o pudesse comover, porque a sua fraqueza era
tal que se não podia ainda responder pela sua cura. Inácio,
desejando obedecer em tudo, reflecte, procura, pergunta-se o
que poderia comovê-lo e não encontra nada. Alguns momentos
depois:
- Encontrei; - disse ele - o que me poderia comover era a
destruição da Companhia; mas se a culpa não fosse minha,
vê-la-ia dissolver como um grão de sal num copo de água, e
bastar-me-ia um quarto de hora passado aos pés de Nosso
Senhor para reconquistar toda a minha tranquilidade e
liberdade de espirito.
Os colégios de Roma tinham muita necessidade de socorros;
porque Inácio, confiando sempre na terna solicitude da
Providência, não cessava de aumentar o número dos alunos, e
por conseqüência o dos Padres. Ainda que não houvesse cinco
réis na casa professa ou nos colégios, o santo fundador não
rejeitava um noviço ou um aluno
- Aquele que quer fazer grandes coisas por Deus, - dizia ele
- não deve consultar só a sua cabeça e os seus braços; a sua
inteligência é fraca e o seu poder limitado.
- Meu Padre, - dizia-lhe um dos seus religiosos, aterrorizado
com o aumento do Colégio Romano - como é que Vossa
Reverência, com a prudência que o caracteriza em todas as
coisas, recebe tantos súbditos? É um aumento de despesa que
nos pode ser fatal?
- Quando se trabalha pela maior glória de Deus, - respondeu o
santo fundador - é mister lutar contra ventos e marés, e,
quando a situação parece mais desesperada, confiar mais ainda
em Deus.
Via-se que os presentes e as esmolas eram sempre em proporção
das necessidades. A confiança de Inácio foi constantemente
justificada, muitas vezes miraculosa, sempre providencial. O
Padre Bobadilha perguntou-lhe um dia, em que haviam chegado
alguns Padres, chamados pelo seu Geral, onde contava ir
buscar o preciso para alimentar tanta gente. O Santo enumera
as esmolas habituais que recebe.
- Isso não chega para acudir a metade das despesas
indispensáveis, - replicou Bobadilha.
Inácio encara-o surpreendido e responde-lhe:
- Pois não devemos nós ter confiança na Providência? Não
teremos confiança em Deus, que tanto como a piedosa
liberalidade dos fiéis, nos tem sempre animado? Quanto a mim,
tenho a certeza de encontrar na mão do Pai celeste o que me
faltasse na dos fiéis, e quando mesmo essa mão divina me não
fornecesse nada, estaria ainda certo de encontrar nela o
necessário.
O Colégio Romano continha vinte e oito religiosos; querendo o
santo fundador elevar este número até cem, e não contando com
os recursos habituais ou prováveis, mas somente com os fundos
da Providência, ordenou ao Padre Olivier Manare, reitor do
Colégio, que arranjasse as coisas convenientemente para este
aumento.
Uma ordem de Inácio era uma ordem do céu para todos os seus
religiosos. O Padre Olivier, que dá estas informações nas
memórias que deixou, não respondeu que não havia dinheiro;
que na casa professa e no Colégio havia apenas cinco ducados;
que o Padre João de Polanco la contraíra um empréstimo para a
construção destinada ao aumento do Colégio; enfim, que não
tendo o preciso para acudir às necessidades actuais, não vê
onde possa ir buscar o necessário para mais setenta e dois
religiosos. Bastou ao Padre reitor que o seu santo Padre
Geral tivesse ordenado, para que ele se preparasse para
obedecer. Procurou o Padre Polanco que lhe entregou os cinco
ducados, único recurso no momento
- Não os quero, - lhe disse Olivier - guarde-os Vossa
Reverência para os seus operários.
- Procurarei esmolas, - respondeu João de Polanco e
contrairei novo empréstimo, que por certo a Providência se
encarregará de pagar, porque o nosso Padre Inácio ordenou que
gastássemos. Tenhamos confiança.
Convencionado isto os dois religiosos procederam em
conformidade com a vontade do seu superior. Um dia, Inácio
foi ver os aposentos destinados a alojar todos os Padres, que
breve chegariam. O Padre Polanco e o reitor do Colégio
acompanham-no. Mostra-se satisfeito, mas, chegando ao último
andar, abrem-lhe as portas das águas-furtadas, onde vê camas,
cadeiras, mesas para escrever, e dizem-lhe:
- Eis os quartos dos nossos Padres.
- Oh ! - diz o Santo ao Padre Polanco - aqui é que hão-de
dormir os nossos irmãos? É aqui que eles hão-de viver? Mas o
inverno aproxima-se! Onde está o tecto de estuque? Os nossos
irmãos hão-de habitar sob estas telhas, a contemplarem
constantemente os astros?
- Padre, não temos mais dinheiro nem há a quem pedi-lo
emprestado.
- É preciso estucar o tecto, Padre Polanco; -respondeu
tranqüilamente o Santo - não devemos deixar os nossos irmãos
dormir aqui; Deus fará o resto. A pobreza é um muro e apoio
duma Ordem religiosa; Deus quer, pois, que os seus servos
vivam de pobreza, mas não exige deles a miséria a que Vossa
Reverência os condena.
O Padre Polanco saiu no dia seguinte para arranjar dinheiro
emprestado; porque o Padre Geral dera uma ordem e era
necessário executá-la, apesar de todas as impossibilidades
aparentes. O santo religioso encontrou a alguns passos de
casa, um Navarro, o Arcediago Mondragone.
- Padre Polanco - lhe diz ele - faça o favor de me guardar
cinquenta escudos de ouro; estarão mais seguros na sua mão do
que na minha; pedir-lhos-ei à medida que me forem
necessários, e se Vossa Reverência tiver necessidade deles,
pode gastá-los e restituir-mos mais tarde.
No mesmo dia, um português deu-lhe a guardar uma soma ainda
mais considerável, e com a mesma faculdade de se servir dela.
Pouco depois vendo os benfeitores da Companhia os trabalhos
que se faziam, e sabendo que o santo fundador era muito sábio
e muito prudente para os ter empreendido sem necessidade,
enviaram esmolas em tal abundância, que chegaram para pagar
as dívidas e para prover às exigências do momento.
O Colégio Germânico achou-se, por seu turno, tão desprovido,
que o reitor, Guido Roilitz, procurou o Padre Geral e
disse-lhe que lhe faltava o necessário. Inácio ouviu-o,
pareceu compartilhar do seu embaraço, e disse-lhe, sorrindo:
- Padre Guido, que acepipes tenciona Vossa Reverência dar aos
alunos durante as festas do Natal?
- Oh! meu Padre, - respondeu o reitor - nem sequer têm pão,
porque o padeiro não quer fiar mais.
- Então, - respondeu o Santo - Deus lho dará; tenha
confiança. Entretanto, compre alguns cabritos e qualquer
outra coisa para recrear esses jovens e deixe a Deus Nosso
Senhor o cuidado do resto.
No dia seguinte, o Papa Júlio III enviava quinhentos ducados
a Santo Inácio. O bom Padre Geral dividiu imediatamente
aquela quantia entre os dois colégios. Pouco depois, Júlio
III passava a melhor vida.
Inácio tinha calculado que, compondo-se o Colégio Romano de
duzentas pessoas, religiosos e alunos, era bom ter facilidade
de fazer tomar o ar e o repouso do campo àqueles que tivessem
necessidade disso, e havia comprado, para este fim, no ano
precedente, um terreno junto de Santa Balbina, no local dos
banhos de Antonino. Não hesitou, apesar da carência de
recursos motivada pelos flagelos que assolavam os Estados
romanos, em prosseguir a empresa começada. Fez construir uma
casa assaz vasta e muito bem dividida para ser habitada por
todos os enfermos das casas de Roma e receber os jovens que
quisessem ali enviar a tomar um pouco de descanso. Alguns
Padres disseram-lhe a propósito disto
- Como é que Vossa Reverência, dispende tanto dinheiro em
construções, quando o que temos mal nos chega para viver? Não
seria melhor reservar alguns recursos para a ocasião em que o
necessário possa faltar?
- Prefiro a saúde do menor dos nossos irmãos, - respondeu ele
- a todos os tesouros da -terra.
Alguns dias depois, o Padre Polanco vinha dizer-lhe que era
necessário pagar aos operários do Colégio Romano e que só
tinha uns poucos de vinténs:
- Vou falar nisso a Nosso Senhor, - disse-lhe o Santo.
E encerrou-se para ficar só com Deus. Quando acabou a sua
oração, mandou chamar os Padres Laynez, Cristóvão de Madrid,
e João de Polanco e olhando-os com a expressão duma doce
alegria:
- Não sou profeta nem filho de profeta, - lhes disse mas
posso assegurar-lhes uma coisa: é que Nosso Senhor nos não
abandonará. Padre Polanco, faça subsistir o Colégio somente
mais seis meses, que eu cuidarei dele depois.
No mesmo instante, dois ricos personagens enviaram uma soma
considerável de dinheiro; nos dias seguintes vieram novas
esmolas.
- É realmente um milagre de cada dia, - dizia o Padre
Gonçalves da Câmara, então em Roma. Num tempo em que todos
são forçados a restringir-se, é um milagre da Providência a
existência das nossas casas vivendo unicamente dos recursos
da caridade.
- O contrário é que seria um milagre, - respondeu o Padre
Inácio. Sim, se Deus deixasse sem socorros aqueles que só
nele confiam, seria um milagre. Chegou Vossa Reverência até
hoje, Padre Gonçalves, sem notar que os nossos recursos são
sempre proporcionados às nossas necessidades?
Sirvamos Nosso Senhor, e Ele nos proverá do necessário.
Quanto a mim, receberia tão facilmente mil novos discípulos
como recebi cem ultimamente, porque ao Senhor Nosso Deus não
é mais difícil fazer viver mil do que cem.
Algumas vezes sucedeu que, no momento em que se tocava para a
refeição, não havia um só pedaço de pão em casa. Dirigiam-se
todavia ao refeitório, e todas as vezes, no último momento,
apareciam abundantes provisões.
Um dia encontrou-se a casa desprovida ao mesmo tempo de pão,
de vinho, de lenha e de dinheiro. Nesse mesmo dia, uma pessoa
piedosa enviou um carro de lenha. O porteiro manda entrar o
carro, e fecha a porta: volta-se para entrar... e vê no
corredor alguns sacos de arroz e algumas pipas de vinho! Por
onde tinham entrado aquelas provisões? Quem as tinha mandado?
Nunca se soube... O santo fundador conhecia talvez o segredo,
mas a sua humildade soube guardá-lo.
Num momento, em que os socorros com que ele podia contar lhe
faltaram totalmente, apresentaram-se-lhe alguns alunos e
grande número de noviços. A prudência humana aconselhava que
lhes fechasse a porca; mas a confiança de Inácio ordenou que
a abrissem. No dia seguinte, à noite o Irmão João Croce,
ecônomo da casa, voltava de S. João de Latrão, quando, perto
do Coliseu, um desconhecido se aproxima, mete-lhe um rolo na
mão e desaparece. Este rolo continha cem escudos de ouro.
Alguns dias depois, o mesmo Irmão sai ao romper do dia para
ir fazer as compras; aproxima-se-lhe um homem, e, sem lhe
dizer uma só palavra, mete-lhe uma bolsa na pião e afasta-se.
O irmão sente que a bolsa é pesada; não teve tempo de ver o
desconhecido, e, mesmo que tivesse, não lhe veria os traços
fisionômicos, porque mal se via ainda. "Se fosse um mau
espírito"? disse consigo o Irmão. O bom Irmão perturba-se com
este pensamento, treme de medo, e diz que aquele mau espírito
esteve a zombar dele e lhe deu talvez dinheiro falso para o
comprometer. A dois passos está uma igreja aberta, e o Irmão
entra para se tranqüilizar pela oração. Pede a Deus que
primeiro o acalme, porque lhe parece ter ainda junto de si o
espírito maligno encarregado de o perder pelo dinheiro falso
e depois pede-lhe que não permita tal desgraça. Acabada a
oração, quis examinai o conteúdo da bolsa antes de sair da
igreja e vê que são peças de ouro, que julga serem de boa
lei! Não se enganava. Quanto ao doador ficou desconhecido,
como o do Coliseu e como tantos outros.
O Padre Polanco, procurando um dia papéis numa grande mala
que deixava sempre aberta, encontra um rolo que não
suspeitava estaria lá e cujo peso o admira; sente que é
dinheiro, que precisamente naquele momento lhe faltava. Abre
o rolo e vê que continha escudos de ouro tão brilhantes como
se acabassem de ser cunhados. O Padre leva-os ao nosso Santo,
que agradece à Providência, e diz em seguida ao bom Padre
- Padre Polanco, nunca se deve desconfiar daquele a quem é
tão fácil executar como querer.
Por isso João Polanco dizia muitas vezes aos seus irmãos:
- Não me inquieto nunca de saber se tenho dinheiro, mas
somente se o Padre Inácio ordena, porque a sua palavra é de
ouro.
O Padre Martinho Olave escrevia a Ribadeneira, então em
Flandres
"Para estar convencido da eminente santidade do nosso Padre
Inácio, não tenho necessidade de ver doentes curados ou
mortos ressuscitados por ele; o que se passa diariamente em
Roma em favor das nossas casas, desde que eu aqui estou, é
mais que suficiente para me provar que ele é um Santo".
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