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Um dia caiu nas mãos do Filho do Sol um desenho, no qual
estava representado um chafariz, e ele quis, de imediato, que
os missionários aprontassem um igual para o jardim do seu
palácio de recreio. Debalde os padres pintavam, agora, um
retrato depois do outro, debalde inventavam os jardineiros
combinações sempre novas ; Kien-long não tinha mais interesse
por nada e queria apenas um “ Choui-fa” , um chafariz.
Os jesuítas não tinham a menor idéia de como poderia ser
fabricada uma obra dessas; se bem que houvesse entre eles
sábios relojoeiros e habilidosos mecânicos, entretanto nenhum
entendia de hidráulica, de jactos de bombas e condutos de
água. Como, porém, Kien-long se obstinasse no seu “ Choui-
fa”, o padre Benoit, por fim, consagrou-se ao estudo de
livros sobre o assunto e, dia e noite, torturou-se com eles,
até que, no fim de contas, penetrou nas idéias fundamentais
da hidráulica.
Um ano mais tarde erguia-se nos jardins do imperador a
primeira coluna dágua. Kien-long ficou, de fato, satisfeito
com isso, mas imediatamente ordenou a construção de outros
chafarizes, os quais deveriam ser aprontados com mais arte
ainda do que o primeiro.
Depois de decorrido o tempo exigível, o imperador
sentado no trono, pode admirar no seu palácio de verão Y’oen-
ming-yoen, duas grandes colunas dágua à direita e à esquerda
e à sua frente, um artístico grupo de peixes, pássaros e
outros animais, que cuspinhavam água. Em Pequim, por sua vez,
tinham os jesuítas construído uma grande bacia com doze
figuras de animais mitológicos, em um dos parques do palácio
imperial, conjunto esse que servia de relógio; cada duas
horas uma dessas figuras cuspia um jacto dágua de sua
garganta.
Já o imperador estava pensando em que os padres, que
tudo sabiam, bem podiam ser capazes de fabricar animais
artificiais. Mas, antes ainda de que ele tivesse manifestado
o seu desejo, já o padre Tibault estava dedicado a fabricar
um leão automático que, em tamanho e aspecto, se assemelhava
exatamente a um leão verdadeiro. Haviam ocultado ao imperador
que estava sendo construído um autômato assim, e, um belo
dia, quando ele andava passeando no jardim, os missionários
puseram o mecanismo de relojoaria em movimento. O leão
avançou para o imperador pela aléa do jardim; a princípio,
ele recuou assustado, até que, satisfeito, reconheceu que os
padres tinham adivinhado e realizado o seu mais secreto
desejo.
“É na verdade admirável” , escreveu nessa ocasião o
padre Amyot, de Pequim para o seu irmão de ordem Latour em
Paris, “ a maneira pela qual o nosso amado irmão Tibault
soube construir um autômato valendo-se de princípios
simplicíssimos da arte de relojoaria, autômato esse que
representa uma realização poderosa da mecânica. Falo como
testemunha ocular, pois eu em pessoa vi o animal artificial
correndo.”
Em seguida sucedeu ao leão um tigre e, quando os animais
automáticos já estavam começando a entediar o imperador, o
padre Sigmund dedicou-se ao fabrico de um homem mecânico.
Enquanto ele estava trabalhando nessa obra de relojoaria, o
imperador em pessoa ficava sentado na oficina do padre, desde
manhã até à noite, e se informava com a maior exatidão
possível de todas as particularidades do mecanismo.
“Se o padre conseguir essa obra de arte” , disse Amyot,
nessa ocasião, em uma de suas cartas, “ então o imperador
terá a lembrança de lhe dizer depois: “ Tu o fizeste andar,
fazes agora também com que ele fale!” Eu mesmo recebi dele a
incumbência de fabricar dois homens que carregavam um vaso de
flores e caminhavam com ele. Trabalho nisso desde há sete
meses e ainda gastarei bem um ano até a terminação dessa obra
de arte. Mas com isso tenho tido também, muitas vezes,
oportunidade para entrar em contato íntimo com o imperador.”
Entretanto sua obra prima realizaram-na os padres na
ocasião em que deveria ser festejado com pompa toda especial
o sexagésimo aniversario da imperatriz mãe. Durante meses
inteiros todos os pintores, escultores, construtores e
marceneiros de Pequim ficaram ocupados com os preparativos
dessa festa, pois tratava-se de ornamentar a estrada toda,
que ia de Yoen-ming-yoen até a capital, com edificações
suntuosas. Por toda a parte foram erigidos templos e
estabelecimentos de diversão, nos quais se instalariam
orquestras, companhias de atores e vendas de refrescos. Em
Pequim mesmo, a rua que ia do portão da cidade até a porta do
palácio foi enfeitada, com peristilos de madeira, pavilhões e
galerias, com guirlandas e outros ornamentos de seda, ouro e
espelhos. De espaço a espaço erguiam-se no caminho colunas
artificiais, às quais estavam amarrados veados e corças; em
outros lugares haviam sido colocados meninos fantasiados de
macacos, e em muitas colunas recobertas de seda, estavam
crianças metidas em roupas de pena, e que imitavam com seus
gestos o vôo dos pássaros.
Os padres haviam se proposto, nessa ocasião, a
sobrepujar ainda todas as suas realizações anteriores, e, com
um trabalho de conjunto, conseguiram eles, finalmente,
preparar uma obra de arte mecânica originalíssima. No caminho
que o cortejo deveria percorrer, colocaram um palco, o qual o
missionário descreve em sua informação: “ Tinha ele de cada
lado três cenários em desenho de perspectiva; no fundo da
cena havia uma figura vestida à chinesa, a qual sustinha em
suas mãos uma felicitação escrita para o imperador. Também
diante de cada cenário encontravam-se pequenas estátuas
chinesas, que seguravam na mão direita um gongo de cobre, na
esquerda um pequeno martelo... Diante do palco encontrava-se
uma piscina fingida, feita de espelhos, em cuja margem se
podia ver um mostrador de relógio com sinais europeus e
chineses. ‘ Na água movia-se um ganso artificial...”
“ Tudo isso era posto em movimento mediante molas
ocultas, e um ímã que caminhava em redor do mostrador, atraía
o ganso, de sorte que ele indicava sempre a hora. Se se
tratava de uma hora completa, então a estátua que tinha a
inscrição nas mãos, surgia do fundo da cena e se inclinava;
em seguida a isso as outras seis estátuas tocavam juntas um
pequena canção, batendo, uma depois da outra, com o martelo
no seu gongo de cobre. Quando a musica terminava, então a
figura portadora da inscrição retornava com passo solene à
sua posição primitiva.”
“Assim” , é o que consta, por fim, na carta do
missionário, “ nós nos esforçamos, por amor da religião, para
conquistar a benevolência do imperador, mediante serviços
úteis e necessários. Se não pudemos induzi-lo a que se mostre
favorável aos cristãos, pelo menos conseguimos que ele não os
persiga e permita aos ministros do Senhor a liberdade de
pregar o Evangelho.”
Pois o imperador sabia, perfeitamente, que os padres só
permaneceriam em sua corte, enquanto vissem qualquer
perspectiva favorável à sua obra de catequese. Assim é que as
igrejas cristãs de Pequim puderam ser conservadas abertas, e
os cristãos chineses, em número de mais ou menos nove mil,
não foram incomodados, de maneira alguma. Um dos padres
informou nessa ocasião: “ Há em Pequim um grande número de
cristãos, que podem freqüentar a igreja com absoluta
liberdade... Mesmo nas províncias os nossos padres não se
conservam assim tão cuidadosamente escondidos, que não se os
possa descobrir, quando se o queira fazer. Mas os mandarins
fazem vista grossa, pois eles sabem o pé de relações em que
estamos aqui com o imperador.”
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