XIV. A GLORIFICAÇÃO

No 1º. de Agosto, enquanto se celebrava o ofício fúnebre para a inumação dos venerados restos de Inácio de Loiola, na igreja dos jesuítas, Bernardina de Nurecci, dama romana, tentava em vão aproximar-se do caixão. A multidão era tão compacta, que o jovem Fabrício de Massini não pôde chegar até lá; foi necessário colocar guardas ao redor do santo corpo para impedir que o despojassem dos pobres vestidos que o cobriam, porque todos pediam um fragmento. Bernardina de Nurecci tinha levado consigo a filha, de catorze anos de idade, cujo rosto, desfigurado por um tumor escrofuloso, causava repugnância. Quatro dos mais célebres médicos tinham-na declarado incurável, e a pobre mãe, tendo só esperança em Deus, persuadia-se de que sua filha recobraria a saúde se a pudesse aproximar do cadáver do Padre Inácio. Não podendo conseguir tão desejado fim, mandou participar o seu pesar a um dos Padres e pedir-lhe que pusesse em sua filha um objecto que tivesse tocado o santo corpo. O Padre Cornélio Vichafon tocou a jovem com um pedaço de pano duma sotaina do Santo, e no mesmo instante, em presença daquela imensa multidão, as chagas desapareceram a menina ficou curada e os assistentes deram ações de graças a Deus por esta brilhante maravilha.

Inácio de Loiola, quando abandonou Barcelona, havia predito a João Pascoal uma série de provações que, por graça de Deus, se tornaram em proveito da sua alma.

João Pascoal casara-se, efetivamente; sua esposa era das mais virtuosas; teve sete filhos, três filhos e quatro filhas. O seu filho mais velho era surdo-mudo de nascença, o segundo estava louco, o terceiro morreu subitamente depois de ter causado os maiores desgostos a seu pai pela sua má vida. Das quatro filhas, uma só se casara, porque Pascoal tinha perdido toda a fortuna e estava reduzido à maior miséria.

Todas estas provações, anunciadas pelo nosso Santo, tornaram-se, como ele havia predito, em maior . glória de Deus e santificação de João. Este suportava-as com perfeita resignação e dizia muitas vezes: "É necessário que a profecia do Santo se cumpra; só peço a Deus paciência". Inácio de Loiola tinha-o sustentado pelas suas cartas durante a vida e não o abandonou ao entrar no céu. Apareceu um dia ao seu antigo amigo na igreja catedral, perto do túmulo de Santa Eulália, às quatro horas da manhã, quando João o invocava com fervor; esperando que o cabido viesse cantar matinas. Esta aparição foi uma consolarão e uma fonte de coragem para o resto da sua vida.

Tiago Tírio, jovem Escocês, entrara cheio de zelo e de fervor na Companhia de Jesus, em 1564, e depois das primeiras provas do noviciado, passou ao Colégio Romano. O gosto do estudo fez-lhe em breve perder o da piedade. A sua vontade conservava-se inteira, só o seu gosto ia de dia para dia enfraquecendo, e Tiago não dava por isso. Destinava ao estudo o tempo que devia consagrar a exercícios de piedade, persuadido de que, sendo o seu trabalho destinado a torná-lo mais apto para exercer o santo ministério, devia ser tão agradável a Deus como a oração, as leituras piedosas e o exame da consciência. Vendo o demônio o noviço desarmado, atacou-o com violentas tentações; Tiago quer defender-se e resistir-lhe... Somente então conhece que não pode, porque perdeu os meios, e, muito admirado da sua fraqueza, chama Deus em seu auxílio com tanta força e confiança, que Deus tem piedade dele. Num momento em que Tiago não ousava quase esperar o auxílio que havia pedido, Santo Inácio aparece diante dele, olha-o com a mais comovente expressão de bondade, e diz-lhe:

- Tiago, porque procurou aperfeiçoar-se mais nas letras do que na virtude? Quando Nosso Senhor o retirou do mundo e o chamou à Companhia, era para que desse este resultado? Tiago, menos ciência e mais piedade!

O santo fundador desapareceu ao pronunciar estas últimas palavras e deixou Tiago Tírio livre de tentações e cheio de confiança ria misericórdia infinita de Deus. Tiago foi um dos membros mais distintos e mais exemplares da Companhia, e morreu, em 1597, sendo assistente na Alemanha.

Apesar das multiplicadas maravilhas, que atestavam em toda a parte a santidade de Inácio de Loiola e a glória de que ele gozava no céu, não era permitido a ninguém, mesmo aos jesuítas, dar-lhe o menor testemunho exterior de veneração. O Padre Aquaviva era inflexível neste ponto. Um dia encontraram-se sete lâmpadas a arder no túmulo do Santo; o Padre Geral foi prevenido e deu ordem para que se retirassem imediatamente. Perante este obstáculo às suas manifestações, o reconhecimento dos fiéis queixava-se altamente.

No decorrer do ano de 1594, Guilherme Guardford, sacerdote inglês, foi a Roma, apresentou-se em casa dos Jesuítas e pediu para entrar na Companhia. No dia seguinte, uma febre ardente, uma prostração geral e alguns acidentes alarmantes puseram a sua vida em perigo. O Padre compreende-o, sente morrer antes de ter feito os votos, e, erguendo-se, fixa os olhos num ponto do quarto, sem se aperceber porquê; invoca Santo Inácio, pede-lhe que não permita que ele morra sem ser membro da santa Companhia de Jesus e que deixe tempo de gozar a felicidade, que veio procurar de tão longe. Na noite seguinte o doente vê, no mesmo sitio do quarto para onde tinha lanceado os olhos, Santo Inácio, acompanhado dalguns outros Padres. Estava vestido como durante a vida e apoiava-se a um bordão. Aproxima-se do leito, faz, com o bordão, alguns movimentos que parecem afastar um objecto invisível e retira-se olhando o doente com uma ternura paternal.

Um dos Padres que acompanhavam o Santo, veio em seguida junto de Guilherme, e este pergunta-lhe se ele e os que com ele estão podem fazer tais milagres, porque se sente curado. O Padre faz-lhe sinal para que durma e a visão desaparece: Guilherme Guardford dorme logo um longo e benéfico sono e acorda de perfeita saúde. Mas, apesar de habitar na casa, não lhe foi permitido testemunhar exteriormente ao santo fundador o reconhecimento que lhe enchia o coração.

Deus encarregou-se daí a pouco de afastar todas as dificuldades à piedade pública.

O Cardeal Belarmino, que Clemente VIII arrancara à Companhia de Jesus, obrigando-o, sob pena de pecado, a aceitar o cardinalato, tinha deixado o coração e todos os seus afetos na Ordem onde nunca havia cessado de querer viver, a fim de ter a felicidade de nela morrer. Em 1599, pediu para fazer o sermão costumado por ocasião do aniversário da morte de Inácio de Loiola, na igreja de Gesú, o Cardeal Barónio quis assistir.

No sermão, Belarmino provou claramente que as eminentes virtudes do santo fundador durante a sua vida, e os numerosos milagres que não cessava de operar depois da morte, eram mais que suficientes para pedir a sua canonização.

Depois do sermão, o Cardeal Barónio foi prostrar-se no túmulo de Inácio; beijou por várias vezes a pedra que o cobria, e, erguendo-se, dirigiu-se ao orador e disse-lhe:

- As palavras de Vossa Eminência foram para mim semelhantes à água de um rio que, batendo nas pesadas e imóveis rodas de um moinho, lhe imprimem um movimento a que não podem subtrair-se. Eu vim para ouvir, e sou arrastado a falar.

E fez o panegírico do santo fundador.

Depois, dirigindo-se aos Padres, disse-lhes

- Qual a razão porque não está aqui a imagem do vosso Pai? Só posso atribuí-lo à vossa modéstia e à vossa humildade, pois que não pode ser efeito de indiferença. Ponha-se, pois, aqui um retrato do vosso ilustre fundador.

O retrato foi apresentado ao Cardeal Barónio, que o colocou por suas próprias mãos sobre o túmulo, juntando-lhe ex-votos, que alguns fiéis solicitaram a permissão de oferecer ao Santo. Os dois Cardeais prostraram-se em seguida diante da veneranda imagem, e os Padres da Companhia foram, depois deles, render a mesma homenagem ao seu santo fundador; as lágrimas de alegria corriam de todos os olhos.

Os fiéis, autorizados desde então a dar livre curso á sua piedade, afluíam ao túmulo de Santo Inácio e expunham as suas ofertas. Dai a pouco, viam-se por toda a parte imagens suas, e por toda a parte operavam alguns prodígios, principalmente em Espanha.

No fim desse mesmo ano de 1599, uma piedosa jovem da vila de Cazorla, na diocese de Toledo, orava, todos os dias, diante duma imagem do nosso Santo, que invocava com filial confiança. Um dia procura em vão a chave dum cofrezinho em que tinha guardado o dinheiro, e pede-a com toda a simplicidade a Santo Inácio. Acabada a oração, procura-a de novo e não a encontra. Não estava acostumada a ver recusar o que pedia ao seu protetor e o seu coração entristece-se; mas era preciso submeter-se, e assim fez. Resolve mandar arrombar o cofre no dia seguinte e deita-se.

Durante a noite, foi desertada por uma voz que a chama pelo seu nome; abre os olhos e vê Santo Inácio, que lhe aponta com o dedo o sítio onde encontrará a chave. E encontrou-a, com efeito.

Três anos depois, a pobre menina ficou surda a ponto de não ouvir nada, por forte que fosse a voz que lhe falasse. Afligia-se com isso por causa dos seus interesses espirituais porque não ouvia o seu confessor e não aproveitava os seus conselhos. Vendo que o seu estado não melhorava, toma a imagem de Santo Inácio, diz-lhe que aceita de todo o coração todas as enfermidades que apraza a Deus enviar-lhe, mas pede-lhe que lhe obtenha somente a faculdade de ouvir o preciso para bem da sua alma. Depois desta prece, aplica a imagem a cada um dos ouvidos e dirige-se à igreja. Ao entrar ouve os cânticos do Oficio; o pregador sobe ao púlpito e ela ouve distintamente todas as suas palavras; depois do Ofício, confessa-se e ouve o que lhe diz o Padre em voz baixa. Saindo da igreja, perde o ouvido! No dia imediato e nos seguintes, o mesmo prodígio: readquiria o ouvido na igreja e perdia-o quando saia. Esta maravilha renovava-se todos os dias havia um ano quando foi certificada em Roma, em 1603

Santo Inácio aprazia-se em testemunhar à sua pátria a lembrança que dela tinha no céu; os milagres eram ali tão numerosos, e multiplicavam-se igualmente em Roma de tal sorte, que o Papa Paulo V resolveu-se a ordenar que se fizessem as informações jurídicas para a canonização; começaram em 1605 e terminaram em 1609 Então, por solicitação de alguns soberanos, Paulo V declarou Inácio de Loiola bem-aventurado e permitiu que se celebrasse a Missa e o Ofício em sua honra. Continuando sempre os milagres e renovando os soberanos as suas instâncias, Gregório XV celebrava a festa da canonização no dia 12 de Março de 1622, e Urbano VIII, seu sucessor, publicou a 6 de Agosto de 1623 a bula que declara o bem-aventurado fundador da Companhia de Jesus no número dos Santos. Esta bula menciona duzentos milagres; citaremos apenas dois que nos parecem graciosos como uma e que por certo serão lidos com interesse.

Era em 1618, no bairro de Loano, no Piemonte. Maria Nateri dizia a sua mãe alguns dias antes da festa de Pentecostes:

- Mãe, sonhei a noite passada que tinha caído ao mar e que a Senhora do Carmo e o bem-aventurado Inácio de Loiola me tiraram das águas e me salvaram a vida.

- Isso é muito natural, minha filha; recebeste há dias o hábito de Nossa Senhora do Carmo e ouves falar muitas vezes dos milagres do bem-aventurado Padre Inácio; é muito natural que tenhas sonhado. Estavas preocupada com a peregrinação que devemos fazer na segunda-feira.

- Não dou nenhuma importância a isso, minha mãe; contei-lhe o sonho, porque me apraz recordar-me dessas duas figuras que me encheram de consolação nele. Além disso, acredito pouco neste sonho porque estou persuadida, como sabe, que a Santíssima Virgem me não protege na proporção da minha devoção por ela. E sinto grande pesar.

- Já te tenho dito, minha filha, que fazes mal em pensar assim.

- Que quer, minha boa mãe? É um pensamento que, contra minha vontade, me vem.

Na segunda-feira de Pentescostes, a mãe e a filha partiram a pé para a peregrinação projectada; iam a um santuário da vila de Arassio, dedicado a Nossa Senhora do Carmo, e muito venerado no país. Arassio é afastado de Loano doze milhas aproximadamente. Quando chegaram, o tempo mudou bruscamente, a chuva caiu a torrentes e durou todo o dia e toda a noite seguinte; quarta-feira de manhã, tendo reaparecido o sol, as peregrinas puseram-se em marcha para regressar a casa; mas enterravam-se na lama, a estrada estava intransitável e era prudente voltar atrás, seguir a praia do mar e costeá-lo até ao fim. As viajantes tomaram este caminho.

A pouca distância de Loano, Maria caminhava só, adiante de sua mãe, e, ou por distração, ou por preocupação, não se afastou o bastante ao aproximar-se duma pequena torrente que se passava de ordinário sem dificuldade, quando o leito estava calmo. A Sra. Nateri achava-se naquele momento a vinte passos distante de sua filha e tremeu vendo-a caminhar para diante como cega:

- Maria ! - exclamou ela - não avances ! A torrente trasbordou, Maria !

O ruído das vagas impede Maria de ouvir a voz de sua mãe, e, antes que esta tenha podido aproximar-se dela, Maria cai na água; a torrente arrasta-a, e ei-la em pleno mar! A mãe e a filha invocam ao mesmo tempo Nossa Senhora do Carmo. A primeira chamava-a em grandes gritos, quando vê sua filha aparecer à superfície do mar, estendida na água como uma prancha, os olhos abertos, o olhar elevado para o céu e os pés juntos como se estivessem ligados. Vendo-a assim tranqüila e sobrenadando, mas podendo ser submergida dum momento para outro, corre loucamente em busca de socorros, soltando altos gritos. Aparece gente dos arredores, mas não se encontra nadador que se exponha num tal momento, porque o mar está agitado, perigoso...

A jovem continuava na mesma posição. Uma das testemunhas, Pedro Torre de Albenga, exclama:

- Aquela menina está rodeada de luz! Vejo brilhantes estrelas sobre ela!... Deus quer certamente salvá-la, porque ela devia ter morrido no primeiro momento. Tomasco, -acrescenta, dirigindo-se a um jovem que estava a alguns passos de distância-, vai buscar Rinaldi !

Rinaldi era o mais intrépido nadador daqueles sítios, mas estava a duas milhas de distância e era mister esperar muito tempo naquela cruel ansiedade. O número dos espectadores continuava a aumentar.

Enfim, Tomás Moreno volta com Rinaldi. Este lança-se ao mar e deita a mão a Maria... Ambos desaparecem! Maria volta à tona de água, na mesma posição que antes, e o nadador aparece em seguida; mas achando pouco natural que ela sobrenadasse sempre assim, abandona o seu sistema de salvamento e limita-se a empurrá-la diante dele, até à margem, como se fora uma prancha.

Apenas a jovem chegou à margem, lança-se de joelhos e pede a todos os assistentes que agradeçam com ela à doce Virgem do Monte Carmelo e ao bem-aventurado Padre Inácio, a quem deve a vida. Levanta-se depois, perguntam-lhe a significação da luz e das estrelas que apareceram sobre ela; Maria não responde e procura sua mãe. Dizem-lhe que ela se retirou à igreja dos Padres de S. Francisco de Paulo para implorar a misericórdia divina. Maria dirige-se imediatamente para ali. Havia mais de quatro horas que ela tinha caído ao mar!

Julgue-se da comoção de sua mãe vendo-a aparecer sã e salva.

- Mãe, - diz-lhe Maria - recorda-se do meu sonho? Pois bem, realizou-se: devo a vida a Nossa Senhora do Carmo e ao bom Padre Inácio.

As duas estavam a certa distância da sua habitação. Apenas entraram em casa, a mãe interroga a filha acerca do prodígio que a salvou:

- Vou dizer-lhe tudo, minha boa mãe; mas há coisas que quero conservar secretas; não as comunique a ninguém. Basta que se saiba que é a Nossa Senhora do Carmo e ao bom Padre Inácio que devo a vida.

A feliz mãe prometeu segredo e Maria narrou:

- Quando caí ao mar e me senti, no mesmo instante, arrebatada pelas vagas, chamei em meu auxilio a Mãe do Carmelo e pedi-lhe perdão de ter dito que ela me não protegia na. proporção da minha devoção; depois invoquei o- bem-aventurado Padre Inácio e disse-lhe: "Meu Padre, tenho os meus dois irmãos na vossa Companhia; são vossos filhos, vinde em meu auxílio, salvai-me." Conheci então que estava a mais duma milha da margem; e, no mesmo instante, perdi os sentidos, não vendo o mar nem a terra, não ouvindo O ruído das vagas, não me sentindo sobre a água, tudo tinha desaparecido, e via-me numa nuvem branca e luminosa, que me parecia elevar-se até ao céu. Esta nuvem formava uma. espécie de círculo, no qual eu via uma multidão de anjos brilhantes de luz, mas dum brilho tão agradável que o encarava sem fadiga. Um deles tinha uma roupagem de cor áurea, outro de cor branca; compreendi que a primeira era a do Carmelo, que eu tinha recebido alguns dias antes. No alto da nuvem vi uma senhora que me parecia mui bela; mas saía-lhe do coração uma luz tão viva e tão abundante, que me ocultava o seu rosto. Pedi então ao bem-aventurado Inácio que me obtivesse o favor de ver aquela a quem as torrentes de luz me ocultavam o rosto. No mesmo instante, vi o bem-aventurado Padre por sobre os anjos vir até mim, olhando-me sem me falar e deixando-me o tempo suficiente para distinguir todos os seus traços. Naquele momento, a minha consciência censurou-me uma falta e exclamei: "Ó bem-aventurado Padre Inácio, perdoai-mel Recordo-me de ter duvidado da vossa santidade e de haver censurado meu irmão Antônio por entrar numa Ordem cujo fundador não era canonizado!" Imediatamente ouvi a voz da doce Senhora, que me disse: "Vês agora que ele é Santo e que veio em teu auxílio apenas o invocaste; deves-lhe a salvação". Compreendi que a Senhora falava da salvação da minha alma para a eternidade, e da do meu corpo naquele momento. Quando Rinaldi me pegou no braço tive medo, julguei que um demônio procurava arrastar-me e a visão desapareceu; senti-me cair no mar, experimentei a frescura da água e invoquei a grandes gritos o bem-aventurado Inácio e a boa Senhora, para que me livrassem das mãos do demônio. Só dei acordo de mim quando me vi na margem.

Tendo os religiosos carmelitas de Loano sabido, pelas. testemunhas do facto, a maneira miraculosa como Maria Nateri havia permanecido sobre as ondas do mar durante. quatro horas, interrogaram-na juridicamente; mas limitou-se a responder que tinha invocado a Santíssima. Virgem e Santa Inácio, e que estava certa de ter sido salva pela sua proteção. Confessou somente a alguns religiosos toda a verdade, pedindo não ousava falar publicamente da -lhes segredo, porque ela visão que tinha tido.

Alguns dias depois, tendo-se Maria levantado no meio da noite para orar, agradecia à Santíssima Virgem e a Santa Inácio o favor que lhe tinham concedido, quando de repente vê diante a Senhora da nuvem; mas o seu olhar é severo e parece lançai sobre ela um castigo do céu.

Maria cai com a face em terra e verte abundantes lágrimas, suplicando à sua divina protetora que lhe faça conhecer a falta que lhe merece tal castigo... A Virgem tinha desaparecido.

Durante mais de três horas, a pobre menina pede a Nosso Senhor a graça de a esclarecer. Enfim, acabrunhada peia fadiga e pela dor, apóia a cabeça nas mãos e pede a Deus que lhe conceda um pouco de repouso. No mesmo instante sente o coração dilatar-se-lhe com inefável doçura e ouve uma voz que lhe diz com infinita bondade: "Minha filha, conta toda a verdade do que minha Mãe fez por ti e tudo o que viste". Maria compreende então que deve reconhecimento por tão grande favor, e confessa minuciosamente, e sob a fé do juramento, os factos que acabam de ler-se.

Relataremos apenas mais um dos numerosos milagres que encontramos em Bartoli.

No dia 30 de julho de 1629, na cidade de Ferrara, pela tarde, sopra um vento violento anunciando tempestade formidável. Paula Sbarbagli tinha nos braços um menino de sete meses, filho de seu cunhado João Oltramari. A chuva batia furiosamente nos vidros do rés-do-chão, e Paula, recordando-se de que as janelas do primeiro andar estavam abertas, sobe para fechar as portas, porque está só em casa e já as ouve bater violentamente. Não pode deixar só o menino e leva-o; e julgando prudente fechar as janelas exteriores que podiam ser arrancadas pela tempestade, sobe ao peitoril. Incomodada pelo menino que lhe dificulta os movimentos e pelo vento que agita as janelas à medida que ela as quer fechar, é obrigada a voltar-se fora do peitoril... Neste momento o menino, que apenas estava envolvido num lençol, faz um movimento tão brusco e tão súbito que escapa dos braços da infeliz Paula e cai à rua !

Paula solta um grito, deixa-se cair sobre uma caixa colocada perto da janela e desmaia invocando Santo Inácio, ao qual tinha desde muito tempo grande devoção.

Quando volta a si, o menino está nos seus braços, sorri-lhe, responde às suas caricias... Paula não se admira: quando estava desmaiada, viu Santo Inácio apresentar-lhe o menino e pôr-lho nos braços!

"E como as forças me faltavam, - acrescentou ela na sua declaração -, para o tornar e estreitar ao coração, o bom Santo Inácio sustentou-o nos meus braços até que recobrei os sentidos! Estava vestido como os Padres da Companhia; o seu rosto brilhava, mas não se parecia com nenhum dos retratos dele que vi em Ferrara".

O lençol do menino, que ficou na rua, trouxeram-no os vizinhos, que tinham ouvido o grito, a Paula. Tê-lo-ia o Santo deixado como prova do prodígio?

Em toda a parte a piedade dos fiéis elevava santuários ou monumentos em honra do ilustre fundador da Companhia de Jesus.

Em Manresa, o hospital de Santa Lúcia, onde ele havia estado, foi dado à Companhia de Jesus, que ali estabeleceu um colégio; os doentes foram transferidos para novo local. O quarto, em que Santo Inácio tivera o êxtase que durou oito dias, foi transformado em capela. A gruta, a que se retirava para se entregar às suas longas orações e espantosas austeridades, empedrada e adornada tanto quanto possível sem lhe prejudicar a rusticidade natural. Colocou-se nesta gruta um quadro representando o Santo tal como ele andava em Manresa: os cabelos compridos e descuidados, o rosto pálido e emagrecido pelas austeridades, o corpo vestido duma túnica. de pano cinzento, os rins cingidos por uma cadeia de ferro, os olhos fixos numa imagem da Santíssima Virgem, com o Menino Jesus nos joelhos; e o Santo, ajoelhado, com a mão direita apoiada numa saliência do rochedo, parecendo escrever sob o ditado de Jesus Menino o livro dos Exercícios Espirituais.

O castelo de Loiola foi comprado pela rainha Ana de Áustria, que o deu à Companhia de Jesus para se estabelecer nele um colégio. O quarto onde Santo Inácio se converteu durante a convalescença transformou-se em capela cujo pavimento é composto de belos mármores; os muros são adornados de belíssimas pinturas. Todos os anos os peregrinos afluem a Loiola para assistir à festa de Santo Inácio, não só no dia 31 de julho, mas durante toda a oitava.

Não terminaremos sem falar dum facto mui recente, que prova o reconhecimento do santo fundador da Companhia de Jesus.

Há pouco tempo, apresentou-se na casa dos jesuítas, numa cidade de Itália, um estrangeiro e pediu para falar ao superior. Depois das primeiras palavras trocadas entre pessoas que se vêem pela vez primeira, o estrangeiro pediu ao superior -que fizesse o favor de lhe dar um dos seus Padres para educador de seu filho.

O superior, admirado do pedido, responde que as constituições da sua Ordem se opõem em absoluto a isso.

- Reverendo Padre, - replica o estrangeiro - tenho grande empenho nisso e peço-lhe que mo conceda.

- Mas, senhor, não posso; é proibido.

- Faça uma exceção para mim.

- É impossível, senhor.

- Vossa Reverência nega-se então em absoluto?

- Nego, porque não posso.

- E se eu o forçar?

- Não julgo que o possa fazer; porque para nós a primeira autoridade é a nossa regra e ela proíbe-nos esse ministério particular.

- Pois bem, reverendo Padre, vamos a ver se tenho algum meio de o fazer mudar de opinião.

- Duvido, senhor.

- Um instante, meu Padre.

E o nobre estrangeiro, que não tinha deixado de sorrir um pouco maliciosamente, meteu a mão no bolso; desse bolso tirou uma carteira; dessa carteira um papel... O Padre superior observava todos os movimentos, perguntando-se como podia sair daquele bolso, daquela carteira e daquele papel um argumento assaz forte para provar que ele podia fazer uma exceção em favor do estrangeiro, qualquer que fosse o seu nascimento.

- Leia, reverendo Padre, disse-lhe tranqüilamente o desconhecido.

O superior tomou o papel, leu e inclinou-se:

- Senhor, confesso-me vencido. Um dos nossos Padres fica à sua disposição para professor de seu filho.

Este estrangeiro era um descendente de D. André de Amigante, em casa de quem Inácio de Loiola, mendigo em Manresa, tinha sido recolhido duas vezes durante duas gravíssimas doenças, e de quem ele havia recebido cuidados tão desvelados e respeitosos, que nunca os esqueceu.

Na sua velhice, quis deixar a esta família um testemunho do seu reconhecimento, que perpetuasse, para os descendentes de D. André, a recordação dos benefícios que dele tinha recebido.

Este testemunho de reconhecimento era um escrito da mão do mesmo Santo Inácio, atestando que concedia, perpetuamente, aos descendentes diretos de D. André de Amigante o favor de terem um Padre da Companhia para a educação de seus filhos, em qualquer lugar que estivessem. O Padre Polanco foi encarregado de fazer uma cópia deste privilégio para ser guardada nos arquivos da casa de Roma.

Ao terminar este pobre trabalho, que éramos indignos de empreender, e que, todavia, nos foi muito agradável e consolador, ousamos pedir humildemente a Santo Inácio de Loiola abençoe abundantemente estas páginas e faça descer sobre nós todas as bênçãos do céu.

Glória a Deus!

Glória ao santo fundador da Companhia de Jesus!