NA CORTE DO GRÃO-MOGOL

Se no sul da Índia tratou-se de contrabandear a doutrina de Cristo, cautelosa e disfarçadamente, como uma espécie de bramanismo melhorado, em compensação no norte, na corte do Grão-mogol Akbar, o cristianismo teve de ser defendido em discussões públicas contra os adeptos dos mais diversos credos religiosos. Pois o imperador Akbar, o tetraneto do terrível Tamerlão, havia andado em busca, ininterruptamente, desde a idade de treze anos, da verdadeira religião; pretendia ele mesmo adotá-la e introduzi-la em seu império, afim de que o seu povo se tornasse o mais perfeito de todos os povos. Educado nas doutrinas do Islão, nunca pudera ele encontrar nesse credo uma verdadeira satisfação; de igual modo repugnava-lhe o adotar a religião dos hindus subjugados, pois tanto numa como noutra, acreditava ele ter diante de si obras humanas arbitrárias. Durante longos anos meditou ele, em seu magnífico palácio de Fatpursikri sobre a maneira pela qual poderia chegar ao conhecimento da verdadeira religião, a uma crença divina irradiante de primitiva pureza, isenta de toda e qualquer influência exterior.

Durante algum tempo acreditou ele que a verdadeira religião primitiva pudesse ser achada, tão somente, por criança sem educação alguma, e, baseado em tais ponderações, organizou uma estranha experiência: trinta crianças foram por sua ordem conduzidas a um recinto completamente isolado do mundo exterior, antes ainda de que tivessem aprendido a falar, e ali foram educadas, sendo que as amas não podiam nunca trocar com elas uma palavra sequer. Debalde esperou Akbar pela língua e pela religião que haveriam de ser criadas, espontaneamente, por essas crianças.

Depois quis o imperador tentar uma nova experiência: convidou adeptos de todas as religiões conhecidas à sua corte e fez com que os mesmos discutissem uns com os outros em sua presença. Esperava poder concluir, dessa disputa oratória dos sacerdotes sobre qual era a verdadeira religião. Assim foi que surgiram em Fatpur-Sikri esses originais diálogos religiosos: brahmanes, budistas, maometanos e parsis reuniram-se ali para desenvolver diante do imperador todas as vantagens do seu próprio credo e todas as falhas das demais doutrinas religiosas.

Quando Akbar, um dia, foi informado de que havia nas costas índicas uma outra religião ainda com sacerdotes muito inteligentes, enviou ele, de imediato, um emissário a Goa e convidou os jesuítas, solenemente, a que participassem na disputa religiosa. Os padres reconheceram a inortância enorme desse acontecimento: se lograssem convencer Akbar da superioridade da doutrina cristã, então, todo o poderoso império do Mogol estaria em condições de ser conquistado, por esse meio, de um golpe, para o catolicismo. Já sonhavam os jesuítas com a possibilidade de fazer de Akbar um segundo imperador Constantino e, assim, enviaram eles os seus mais hábeis dialéticos e teólogos, Rodolfo Aquaviva, Jeronymo Xavier, sobrinho do grande apóstolo, Manoel Pinheiro e Benedicto Góis, à corte de Akbar.

Já nas primeiras discussões os jesuítas mostraram a sua superioridade sobre brahmanes, budistas, maometanos e parsis, pois eram versados, excelentemente, tanto nos Vedas como também na doutrina de Buda, no Corão e nas legendárias máximas de Zoroastro. Eles souberam sempre dispor as coisas de tal maneira que, quando discutiam com os parsis, por exemplo, esses, de início, faziam-lhes acenos amigáveis; pois tudo quanto os missionários cristãos diziam, soava como uma verdadeira confirmação da doutrina parsi. Se a alocução dos jesuítas se dirigia aos maometanos, então as suas explicações se encontravam em absoluta consonância com as doutrinas do profeta, e os moslims sorriam satisfeitos. Até mesmo os brahmanes tinham impressão de que ninguém ainda expusera o conteúdo dos seus livros sagrados de maneira tão clara e elegante como esses sacerdotes brancos. Mas os jesuítas acabaram concluindo com a afirmação de que as doutrinas da Igreja católica continham as mesmas verdades que os credos dos maometanos, hindus e parsis, apenas com a diferença de que essas verdades haviam encontrado no cristianismo a sua expressão mais pura. Então os parsis, brahmanes e maometanos começaram a sacudir a cabeça, pois nunca tinham imaginado uma tal conclusão. O imperador Akbar, porém, ficou inclinado a se decidir pelo cristianismo. Outorgou ele aos missionários o direito ilimitado de pregar e batizar, permitiu aos seus súditos se convertessem ao catolicismo e consentiu na edificação de uma igreja e de um colégio jesuíta em Agra. O que o inedia, pessoalmente de adotar o cristianismo eram somente os dogmas da Santíssima Trindade e da encarnação do Criador na pessoa de Cristo; também a humildade pregada por Jesus pareceu ao soberano indigna de um Filho de Deus, e provocou o seu desagrado. Durante dias e noites a fio entreteve-se Akbar com os jesuítas a respeito dessas questões e pediu-lhes encarecidamente que o libertassem de suas dúvidas com explicações satisfatórias.

A explosão de uma guerra chamou o imperador ao cano de batalha. Mas tão grande era o seu zelo em penetrar a fundo os mistérios dos dogmas cristãos, não compreensíveis de todo para ele, que resolveu levar consigo na expedição os padres missionários. Cavalgaram eles a seu lado por através das estepes do Indostão, e nas noites consteladas junto ao fogo dos acampamentos ele dirigia-lhes, a todo o instante, milhares de perguntas. Nunca Deus havia inosto aos seus fiéis missionários a carga de uma responsabilidade tão pesada: existia aí a possibilidade de conquistar para a única e verdadeira doutrina um soberano poderoso e nobre, e, nesse caso, havia mister, talvez, de uma só palavra que teria franqueado ao imperador a significação dos dogmas. Mas o encontrar essa palavra eqüivalia a poder se tornar Akbar um segundo Constantino o Grande! Com todo o zelo, concentrando todos os esforços de sua erudição e eloqüência, respondiam os jesuítas às incessantes perguntas do imperador; no entretanto, não conseguiam eles encontrar uma palavra que tivesse força para destruir os escrúpulos do Grão-Mogol. E assim foi que o imperador Akbar morreu inconverso, e com a sua morte soçobrou uma das grandes esperanças da missão índica jesuítica.

De Agra foram também os missionários jesuítas os primeiros europeus que penetraram na Ásia Central e no Tibete; na corte do Grão-Mogol haviam eles recebido notícias de um maravilhoso império de Catai, cuja religião parecia ser estreitamente aparentada com o cristianismo. O irmão leigo Góis resolveu ir em busca dessa Catai e incorporou-se a uma das caravanas que marchavam em direção ao norte e, passando por Cabul, pelo planalto de Pamir, pelo Turkestão e o deserto de Gohi, chegaram até as fronteiras ocidentais da China. A essa primeira expedição seguiu-se uma outra viagem de exploração em 1624, organizada pelo padre Antônio de Andrade. Por através do vale do Ganges superior, Andrade foi penetrando e transpôs o Himalaia na passagem Mana, galgando uma altitude de mais de cinco mil metros, e, por fim, alcançou a cidade de Tchaprang no Tibete ocidental, onde permaneceu durante os nove anos que se seguiram. Dois outros jesuítas dirigiram-se, mais tarde, de Bengala para a parte oriental do Tibete, passando por Nepal. Suas informações e as de Andrade foram as primeiras comunicações, e, durante muito tempo, as últimas dignas de fé que a Europa ficou conhecendo desses países.