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A um homem que ia do Colégio do Rio de Janeiro para Pernambuco,
mandou o padre fazer a matalotagem, de depois de feita chamou o irmão
dispenseiro, e lhe mandou que lh’a desse dobrada, dando por razão que aquele
homem tinha dobrada jornada para andar do que cuidava. E assim foi, porque
arribou às Antilhas, e não tomou Pernambuco.
DO PADRE MANUEL DO COUTO
Sendo provincial, mandava, ao Padre Manuel Couto, que era ainda irmão,
do Colégio da Bahia para o do Rio de Janeiro, o qual perguntou ao padre
quanto havia lá de estar. O Padre José olhando para outro padre que já estivera
no Rio, lhe perguntou: “quantos foram os anos de sua estada”? Disse que três e
meio. Respondeu então o padre ao irmão Manuel do Couto, que outro tanto
estaria no Rio. Notou o padre o dia e a palavra do Padre José. E quando tornou
para a Bahia, achou que se cumpriu pontualmente o dito tempo, sem o padre
intervir na tomada do Rio, porque já não era provincial.
DE UM PELOURO
O amigo do Padre José, Aires Fernandes trazia, metido em uma perna, um
pelouro de espingarda das guerras passadas, e estando um dia falando com o
padre, lhe disse o mesmo padre que o pelouro lhe havia de cair em uma laje,
que está na barra do Rio de Janeiro.
Foi assim que, andando folgando, em uma canoa, daí a muito tempo, por
aquele lugar, veio um mar que o botou sobre a pedra. E com este movimento e
força achou que lhe caíra o pelouro, de que deu muitas graças a Deus, assim
por cumpiri a palavra de seu servo, como pelo benefício que recebeu de sua
divina mão.
DO PADRE JOÃO FERNANDES
Em uma aldeia da Capitania do Espírito Santo, estava o padre João
Fernandes, a quem o superior da casa mandou chamar, somente por ida e
vinda. Mas o Padre José que também se achou na aldeia, lhe disse que não
tornaria senão dali a quatro meses, e assim sucedeu sem nenhum deles o
pretender nem intervir nisso.
Este mesmo padre quando começou a aprender a língua da terra, andava
enfadado por se ver com poucas esperanças de sair com a empresa, e
significando ao Padre José este seu desgosto, o padre o consolou, dizendo que
antes de muitos meses seria língua, e saberia bastantemente para confessar e
pregar nela. E assim foi, de que se infere que o ajudou com santas orações para
alcançar seu santo intento.
Manuel do quintal, filho de Camila Pereira, dona viúva, moradora no
Espírito Santo, sendo noviço no Colégio da Bahia, contava aos irmãos algumas
coisas que lhe aconteceram com o Padre José, sendo o padre ali superior, e ele
trazendo as chaves da portaria; das quais me contou e deu por escrito o Padre
Manuel Cardoso estas duas.
A primeira: chamou-o o padre com muita pressa, ao seu cubículo, e
mandou-lhe fosse à torre a repicar os sinos. Acudiu a gente da vila ao sinal do
rebate, e perguntando a causa do repique, respondeu o padre que se pusessem
em armas, e aparelhassem a defender a terra, porque ao dia seguinte haviam de
vir à barra inimigos corsários. Como de fato aconteceu, mas vendo a gente
postas em armas não ousaram acometer a terra.
A segunda: estando o padre em seu cubículo, recolhido, abriu a porta e
chamando depressa por Manuel, lhe mandou fosse correndo abrir a porta, para
entrar um homiziado que vinha fugindo à Justiça. Foi, e achando o homiziado
à porta, o recolheu.
DOS FILHOS QUE HAVIA DE TER IRIA BARBOSA
Sendo o Padre José provincial, e querendo-se partir do Colégio da Bahia,
para visitar as casas do Sul, foi em romaria a Nossa Senhora da Vila Velha,
que está desta cidade obra de uma légua, em dia de Nossa Senhora da Vitória,
orago da Igreja Matriz. Ali lhe falou Iria Barbosa, mulher de André Rodrigues,
que por ter muito conceito da santidade do padre, lhe pediu que rogasse a
Deus, lhe desse fruto de bênção.
Respondeu o padre: “eu vou agora para baixo, e quando embora tornar, hei
de ouvir dizer que vão batizar um filho, ou filha vossa, e o mais certo é que
será filha, e chamar-se-á Ana; lográ-la-eis pouco tempo, mas Deus vos dará
depois outros”.
Chegando o padre de baixo, chegou o navio por perto da Vila Velha; saiu
um barco, e perguntaram que navio era, responderam: “é dos padres”. Acudiu
então o Padre José: “que gente é aquela que vai por aquele outeiro arriba?”
- “É Isabel de Ávila, filha de Garcia de Ávila, pessoa principal nesta terra,
que vai com aquele acompanhamento, a ser madrinha de uma criança, que
nasceu, a Iria Barbosa”.
Disse então o padre que lhe lembrassem que assim lh’o tinha dito, o dia de
Nossa Senhora passado. A menina viveu doze anos, e tudo o mais sucedeu
assim como o padre tinha dito.
Isto me contou uma pessoa digna de fé, diante do Padre Manuel de Sá e de
outras pessoas na Pitinga, pelo natal de seiscentos e cinco.
PROMETE AOS BÁRBAROS QUE VIRIA AO DIA SEGUINTE, A TAIS HORAS
No tempo que a perseguição dos tamoios andava acesa contra os moradores
de São Vicente e o Padre José estava entre eles; tratou do resgate de certos
homens que tinham cativos. Afligiam-se daí a dias os presos, e os inimigos
também, por lhes parecer que tardava o resgate; e falavam já em os matar.
Acudir a isto o padre, e disse aos bárbaros: “esperai até amanhã até o sol ir
aqui – apontando com a mão -, e se até não vier aqui Ter fulano, com tal e tal
resgate – nomeando as peças, e pessoas que vinham com o resgate – matai-me
logo a mim”.
Aquietaram-se com a resposta, e muito mais quando ao outro dia, às horas
assinaladas, viram cumprida a promessa e profecia, com as pessoas e peças do
resgate, assim como o padre profetizara. Ficaram todos espantados, dando
graças a Deus, e os portugueses com vida e liberdade.
DO VINHO
Também saiu verdade, o que o padre disse haver de acontecer, em outra
matéria ainda que menos lustrosa. Um dia, véspera de São Francisco, se
queixou ao Padre José um homem honrado que tinha a cargo o engenho dos
Erasmos, em São Vicente, que não tinha vida, sem uma gota de vinho, e que
havia mais de um ano que não viera navio do Reino, e tanto que se lhe
acabasse um pouco que tinha, logo era morto. Respondeu o padre como por
desdém: “não vos agasteis que ainda o dia de São Francisco não é passado”.
E logo no dia seguinte do seráfico São Francisco veio um navio do Reino,
dirigido ao mesmo João Batista Málio, morador na Capitania de Santos, no
qual vinha muitas fazenda e também a droga que ele desejava.
Notaram o caso todos os que estavam no engenho, e disseram: aquele padre
não podia deixar de ter espírito de Deus, dado por sua boa vida e costumes,
conforme a outras coisas que lhe viram fazer e dizer, que todas saíam
verdadeiras, pelo que era tido em muita reputação, de todas as pessoas que
dele tinham notícia, assim em toda a costa do Brasil, como em Portugal.
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