|
FRANCISCO XAVIER devia experimentar, na sua vida
apostólica, todo o gênero de sofrimentos, de privações e de
perigos. Deus queria satisfazer plenamente o ardente desejo que lhe
havia criado no coração, de sofrer muito, de sofrer sempre, por seu
amor e pela sua glória. Ele mesmo vai contar-nos, num fragmento
duma das suas cartas dirigida aos seus irmãos de Roma, a sua perigosa
viagem de Malaca à costa do Malabar.
|
Cochim, 20 de janeiro de 1548.
"...A minha volta de Malaca às Índias foi acompanhada dos
maiores perigos. Durante três dias e três noites esteve o nosso
navio envolvido na mais violenta e perigosa tempestade. Não me
recordo de ter jamais visto outra tão horrorosa.
A maior parte dos passageiros, aterrados de medo perante a morte que
se apresentava a cada instante sob as mais horríveis formas, juravam
que se não exporiam nunca mais aos caprichos do pérfido elemento, se
escapassem àquele perigo.
Os mercadores viram-se obrigados a deitarem ao mar todas as suas
riquezas.
No meio de toda esta desesperadora vozearia.eu estava em oração,
implorando a Deus a intercessão da Igreja militante, de todos os
religiosos e familiares da nossa Companhia e de todos os cristãos;
invocava o amor de Jesus Cristo pela Igreja; implorava os
merecimentos de todos os bem-aventurados, e nomeadamente do Padre
Pedro Fabro [51] e dos outros santos da nossa Companhia, para
aplacar a cólera do Pai Celeste.
Depois, para encarecer, por assim dizer, o perdão dos meus
inumeráveis pecados, dirigia-me à Santíssima Mãe de Deus, que
obtém do seu divino Filho tudo quanto ela pede e depositando toda a
minha esperança nos merecimentos infinitos de Jesus Cristo, nosso
Redentor, nosso Salvador, gozava, assim sustentado durante aquela
horrorosa tormenta, duma paz como não gozo hoje que o perigo passou.
Vejo-me verdadeiramente confundido, quando penso que eu, o mais vil
dos homens, tenho sido cumulado de delicias tais, que derramava
lágrimas de felicidade, enquanto o perigo que corríamos fazia com que
uns gritassem de dor, e outros soltassem rugidos de desespero.
Pedia a Nosso Senhor que me não livrasse daquele perigo, se ele me
não reservava para outros semelhantes ou ainda piores, se possível
fosse, na vida a que me entregara para a glória do seu santo nome!
Deus me fez conhecer que devo às orações e aos santos sacrifícios
dos nossos Padres que lutam neste mundo, ou triunfam já no Céu, o
ter-me livrado de muitos pesares que cercavam o meu espírito e de
outros tantos perigos que ameaçavam o meu corpo. Digo-vos isto para
render a Deus e a vós, meus amados irmãos, o tributo de ação de
graças que vos devo e para vos suplicar que unais as vossas às
minhas, porque nunca dissimulo a minha insuficiência!
Quando o meu pensamento se dirige para vós, para a minha Companhia,
que é a minha mãe, não me desanimo, prossigo no meu caminho! Mas
a partida dos navios me obriga a ser lacônico e me força a concluir a
minha carta. Quero, pois, terminá-la por este protesto:
"Se algum dia eu te olvidar, oh! Companhia de Jesus, oh! minha
mãe! que eu me esqueça da minha mão direita e que perca o uso da
razão!"
|
|
O perigo que produziu no nosso grande apóstolo tão sensíveis
consolações, manifestara-se no estreito de Ceylão; o capitão
nunca se vira tão desesperado.
Xavier, como fazia sempre nas proximidades de qualquer tempestade,
ouviu as confissões e preparou a equipagem para a morte; depois,
retirara-se para uma câmara, tendo só Deus por testemunha, para
ali gozar de todas as consolações celestes, quando Francisco
Pereira, vendo aumentar o perigo, veio procurá-lo para recolher
ainda uma das suas santas palavras e receber a sua última bênção.
Ele vê o Santo Padre de joelhos, com a vista fixa no seu
crucifixo, e tão longe deste mundo, que parece nada ver, nada ouvir
e nem temer que o navio fosse levado naquele momento para cima de um
banco de areia, onde a sua perda era inevitável, assim como a da
equipagem. Pereira não se atreve a dirigir-lhe a palavra e
retira-se respeitosamente.
Um instante depois, Xavier, saindo da sua contemplação veio pedir
ao piloto a corda e o chumbo da sondagem: fez descer o chumbo até ao
fundo, dizendo:
"Grande Deus! Pai, Filho e Espírito Santo, tende piedade de
nós!"
No mesmo momento o navio detém-se, o mar acalma-se, toma-se ao
largo, e ganha-se a salvamento o porto de Cochim.
Pouco depois da sua chegada àquela cidade, recebe o grande Xavier a
visita de muitos capitães que, prestes a fazerem-se à vela para
Lisboa, vinham pôr à sua disposição os seus navios; ele aproveita
o oferecimento para escrever para a Europa.
|
S. FRANCISCO XAVIER AO REI DE PORTUGAL
|
|
|
"Cochim, 20 de Janeiro de 1548.
Senhor
As cartas dirigidas à nossa Companhia na Europa, e pelas quais dou
conta do estado da religião nas terras de Malaca e nas Molucas, vos
terão sido comunicadas, sem dúvida, e terão satisfeito os vossos
desejos de conhecer estes pormenores. O mesmo navio levava a minha
resposta às cartas com que vos dignastes honrar-nos, vós, Senhor,
que pela afeição e benefícios que nos prodigalizais, tendes
adquirido o título de principal protetor da nossa Companhia sobre a
terra.
Deixo àqueles, cujo zelo pela religião, os leva daqui aos pés do
vosso trono, o encargo de satisfazer Vossa Alteza sobre o que diz
respeito a cristandade nas Índias, em geral.
Além das informações que eles vos darão, receberá Vossa
Alteza, a respeito da ilha de Ceylão, uma memória de Pedro João
da Vila do Conde, fiel ministro do Evangelho, que conhece
perfeitamente aquela ilha. Ele redigiu aquela memória com a clareza,
exactidão e desenvolvimento necessários para o descargo da sua
consciência e da vossa, por que é tão importante para ele
expôr-vos a verdade, como é importante para vós conhecê-la. A
memória vai acompanhada duma carta dirigida a Vossa Alteza e de
vários documentos de que eu tenho roteiro conhecimento.
Vossa Alteza procederá segundo a habitual prudência, se, nas
ordens que expedir, e na distribuição dos empregos que vai fazer,
puder aproveitar-se daqueles documentos que são verdadeiros e fiéis.
Julgo que os nossos irmãos terão informado com exactidão e
pormenorizadamente a Vossa Alteza acerca da situação das Igrejas de
Comorim, de Goa e de outras partes espalhadas pelas Índias, e que
cada dia se multiplicam.
Quanto a mim pessoalmente, depois de haver pensado e examinado
maduramente sobre o estado destes negócios, pergunto a mim mesmo se
deverei expor a Vossa Alteza o que me parece indispensável para a
propagação da fé.
O meu ardor pela glória e serviço de Deus fazia-me todos os dias
pegar na pena, e o desânimo fazia-ma cair das mãos todas as vezes.
"Ah! dizia eu a mim próprio para quê? Jamais, sim, jamais os
meus projetos serão acolhidos! ..."
Senhor, a este triste pensamento se revoltava imediatamente a minha
consciência; ela me arguia se era sem fundamento que o Céu me
inspirava aquele intento e me levava para ele todos os dias?
Convencia-me então que era em resultado da sua vontade. "Mas,
dizia eu ainda a mim mesmo, se deposito aos pés de Sua Alteza a
causa das minhas dores, a minha carta não será um ato de acusação
contra o meu príncipe na hora da sua morte? e não irá ela agravar
mais o rigor daquele último julgamento, tirando-lhe o pretexto da
ignorância?"
Ah! Senhor, crêde-me, eu vos suplico! a minha perplexidade tem
sido bem grande! porque a minha consciência me diz que se desejo
morrer aqui sob o rigor do clima e do calor, é unicamente com o fim de
aliviar a Vossa Alteza, tanto quanto me é possível, do opressivo
fardo que sobre vós pesa e de vos minorar algum tanto as desgraças
terríveis do julgamento final.
A afeição que consagrais à nossa Companhia é, a meus olhos, dum
tão grande valor, que não julgo comprar muito cara a vossa felicidade
futura, sofrendo toda a espécie de tribulações e de contrariedades.
Entre o meu dever e o perigo que correis, Senhor, são horríveis os
tormentos que tem dilacerado a minha alma até ao momento em que tomei o
partido de cumprir o dever que me impõe a minha consciência,
expondo-vos com sinceridade os sentimentos por longo tempo reprimidos.
Eis aqui, Senhor, o que me faz abrir o coração e enxugar a dor:
Todos os vossos oficiais, todos aqueles que estão à testa dos
negócios, se acham expostos a torpes invejas, mui ordinariamente
dissimuladas por exterioridades de bondade, e sempre culpáveis,
sempre perniciosas, elas os trazem em contínua oposição; eis a
razão por que muitas coisas essenciais ao serviço de Deus são
desprezadas.
Um diz: O meu direito é fazer isto, eu não deixarei a glória a um
tal; um segundo: Isto que eu não feto, não consentirei que outros
o façam; e um terceiro se queixa de que os outros nada fazem enquanto
ele se acha sobrecarregado de trabalhos.
Em meio destas altercações, fomentam-se as paixões; cada um
escreve segundo o seu interesse, não tendo por mira mais do que o seu
engrandecimento; o egoísmo domina; o tempo foge e ninguém se ocupa
dos interesses da religião.
As mesmas causas produzem os mesmos efeitos no serviço de Vossa
Alteza: tudo quanto deveria concorrer para a vossa glória e para os
vossos interesses é um acessório de somenos importância.
Para este mal eu não vejo mais que um remédio. Se se aplicasse
este, o Evangelho faria bem depressa imensos progressos; os cristãos
indígenas, hoje desprezados, seriam protegidos; nenhum índio nenhum
português se atreveria a persegui-los nem a despojá-los dos seus
bens.
Seria necessário que Vossa Alteza fizesse saber por cartas de
ordem, ao vice-rei, aos governadores que servem nas Índias, e de
viva voz àquelas que enviais para os comandos aqui, que a vossa
expressa vontade é que se procure por todos os meios possíveis a
consolidação e a propagação do Evangelho; que fareis responsáveis
e tomareis severas contas desta parte essencial dos seus deveres, e que
serão punidos ou remunerados aqueles que bem ou mal os cumprirem.
Seria para desejar que as cartas de ordens viessem explicitas e claras
para evitarem comentários e más interpretações; que sempre que se
fizesse nelas menção de nós nominalmente, Vossa Alteza declarasse
que não é em nenhum de nós em particular, nem em todos nós em geral
que descansais a vossa consciência, mas sim naqueles que investis de
autoridade em qualquer lugar que seja, e que todos os magistrados ficam
na rigorosa obrigação de fazer instruir nos elementos da religião
todos os infiéis submetidos ao seu domínio.
Seria necessário que o vice-rei e cada governador em particular,
quando dessem contas da sua administração, vos expusessem com
minuciosidade a situação da religião, cada um nos limites da sua
jurisdição.
Vós deveríeis-lhes declarar que não daríeis fé senão e
unicamente às suas informações. Comprometeríeis a vossa palavra
real, nos alvarás que lhes são entregues para entrar em função, a
punir severamente aqueles que não apresentassem senão um pequeno
número de neófitos durante o seu governo, pois que o seu número pode
crescer por toda a parte, e em cada dia, se os funcionários tomarem
este negócio entre mãos.
Eu quereria que estas determinações consignassem o juramento solene
de se punir na sua pessoa e nos seus bens, no seu regresso a
Portugal, todo o funcionário que tivesse posto obstáculos à
propagação do Evangelho; a sua fortuna deveria ser confiscada em
benefício da confraria da Misericórdia, e a sua pessoa deveria
sofrer alguns anos de prisão. Para evitar todo o pretexto de erro e
não deixar a nenhum a idéia de poder subtrair-se à severidade da
lei, delararíeis em termos positivos, que não seria admitida escusa
alguma de qualquer natureza que ela fosse.
Eu poderia tornar palpável a Vossa Alteza a necessidade desta medida
pelos factos que se dão de contínuo, mas isto seria fatigar-vos e
apresentar, sem motivo, a história das minhas dores mais cruciantes.
Dir-vos-ei, tão somente, que se o vice-rei eu os magistrados
convencidos da vontade de Vossa Alteza, em um ano, sim, Senhor,
em um ano a ilha de Ceylão toda inteira, todos os reis da Costa do
Malabar, todo o vasto promontório de Comorim se lançariam nós
braços da santa Igreja.
Mas tenho tão pouca esperança de ver jamais em vigor uma tal medida,
que me arrependo, quase, de a haver proposto a Vossa Alteza, tanto
mais porque tremo pelo receio de que esta carta e as advertências que
ela contém tornem um dia mais inexorável o tribunal do Deus vivo!
Senhor, eu ignoro se podereis alegar então que não quisestes dar fé
às minhas cartas; o que eu sei, o que protesto, é que eu teria
guardado silêncio se tivesse podido fazer isto sem cume.
Não tenho determinado definitivamente a minha viagem para o Japão,
mas um dos motivos que me fazem decidir por esta partida é porque me
desespero de obter jamais dos vossos funcionários o apoio necessário
para a propagação e conservação da fé.
Conjuro-vós, Senhor, pelo amor que tendes a Deus Nosso Senhor,
pelo zelo que vos anima para a sua glória, que venhais em auxílio dos
vossos fiéis vassalos que habitam nas Índias, e ao meu
especialmente, enviando-nos muitos pregadores da nossa Companhia!
Posso atestar a Vossa Alteza que todas as vossas cidades e as vossas
fortalezas das Índias têm uma extrema necessidade deste socorro.
Durante a minha permanência em Maloca e nas Molucas, eu pregava
duas vezes todos domingos e dias de guarda, e muito me constrangia
vendo quanto disso carecia o povo e a guarnição. Fazia a pregação
à missa para os portugueses; depois do meio dia instruía seus
filhos, seus escravos e os cristãos indígenas; explicava-lhes o
catecismo, capítulo por capítulo.
Uma vez na semana reunia todas as mulheres e explicava-lhes os artigos
do Credo ou os sacramentos da Penitência e da Eucaristia. A obra
de Deus lançaria profundas raízes nestas terras se se observasse por
toda a parte e sempre este método.
Nas cidades de guarnição, ensinava todos os dias catecismo aos
filhos dos portugueses, aos domésticos, aos escravos e aos cristãos
indígenas. O efeito destas instruções tem sido fazer desaparecer as
superstições pagãs, às quais se entregavam os neófitos
ignorantes.
Desço a estas minudências para com Vossa Alteza, afim de que
possais julgar, pelo vosso discernimento, da necessidade de nos mandar
pregadores, e eu vos suplico que os mandeis em grande número. Sem
isto os cristãos, forçadamente abandonados a si mesmos, voltariam
aos seus ídolos, e a maior parte dos portugueses esqueceriam as
práticas do Cristianismo, e não seriam, para o futuro, mais que
cristãos de nome.
Na minha volta de Maloca, cheguei a Cochim a 13 de Janeiro [52]
deste ano, e ali encontrei o senhor arcebispo. Gozei de grandes
consolações nas minhas conversações com ele; admirava a paciência
com que suporta as maiores fadigas, visitando todas as cidades de
guerra e todos os cristãos das circunvizinhanças de Meliapor, e
cumprindo todos os deveres dum verdadeiro e bom pastor.
Por tantos e tão penosos trabalhos, ele não terá nesta vida outra
recompensa mais que a que o mundo concede de ordinário aos Santos; ao
menos é a única que lhe agouram certas pessoas desta terra. A sua
paciência, passada por cruéis provas, que eu conheço, faz, no meu
entender, da sua grandeza de alma, um objecto de admiração e de
respeito.
Sei que algumas pessoas têm procurado denegrir a sua reputação com
respeito à morte de D. Miguel Vás [53], e não duvido que
tenham feito chegar a sua calúnia até junto do trono. Sobre isto, a
minha consciência deve ao senhor arcebispo um testemunho verdadeiro e
sincero. Posso afirmar, - com quanto não possa dizer nem escrever o
que sei e donde o soube - posso afirmar, que ele é tão estranho
àquele facto como eu que me achava nas Molucas quando se passou.
Ah! Senhor, eu vos conjuro pelo vosso amor a 'Deus, pelo temor
que tendes de macular a vossa consciência, que nada decidais sobre
este assunto que possa fazer doei o menos possível este venerável
prelado: Se Vossa Alteza mostrasse dar fé a esta acusação, seria
para aumentar a coragem de todos os caluniadores da Índia.
A generosidade de D. Pedro Gonçalves, vigário geral de Cochim,
com respeito à nossa Companhia, é tal, que eu considero como um
benefício feito a mim próprio a sua promoção ao cargo de reitor da
vossa real capela, e a admissão de seu sobrinho no número dos vossas
pagens.
Nossos irmãos, e eu especialmente, vos dirigimos sinceros
agradecimentos. Vós compreendereis o nosso reconhecimento, quando
souberdes que a casa do vigário geral é o hospício da Companhia de
Jesus; que ele nos prodigaliza testemunhos de uma amizade pouco
comum, que a sua hospitalidade excede os limites da caridade vulgar, a
ponto de, não contente de nos dar tudo quanto tem, pôr os seus
amigos em contribuição para prover ás nossas necessidades.
Rogo a Vossa Alteza, em nome da nossa Companhia, que lhe faça
expedir, assim como a seu irmão, os alvarás necessários para eles
receberem aqui os seus honorários. Um e outro são dignos deste
favor. O primeiro recomenda-se pelo seu zelo infatigável na
salvação das almas dos vossos vassalos, e o segundo pela exactidão e
atividade de seu filho no serviço de Vossa Alteza.
Senhor, eu rogo a Deus que se digne penetrar-vos dos deveres
inerentes à vossa dignidade, e que nos dê forças para os cumprir
como desejaríeis ter feito na hora da vossa morte.
De Vossa Alteza, o servo,
Francisco Xavier."
|
|
O nosso admirável Santo devia ter uma elevada opinião do príncipe a
quem escrevia assim; por que se esta carta é digna do grande Xavier,
ela honra também o soberano que sabia acolher com reconhecimento aquela
linguagem da liberdade apostólica, e dar direito a todos os pedidos
que o zelo de Xavier lhe dirigia com tanta nobreza e dignidade.
O mesmo navio que levava quela carta ao rei, levava também uma para
Santo Inácio, na qual encontramos o máximo da humildade tão
profunda do nosso Santo, e os ternos sentimentos que conservava para
com o seu amado Pai, não obstante a grande distância que os
separava:
|
"...Deus conhece, escrevia ele, meu muito querido Pai, o desejo
em que ardo de vos ver ainda uma vez nesta vida, para submeter á vossa
sabedoria mil coisas que têm necessidade da vossa penetração e do
vosso conselho. De mais, a obediência não conhece distâncias...
Eu vejo já, nas Índias, muitos membros da nossa Companhia
dispersos; mas não vejo entre eles nenhum médico para os nossos males
espirituais!
Conjuro-vos, meu bom Pai, pela vossa amizade paternal,
suplico-vos por Jesus Cristo vosso Senhor e meu, que lanceis uma
visita de piedade sobre aqueles dos vossos filhos que a Providência
chamou para as extremidades da terral Eu vos peço que nos envieis um
homem de alta virtude e de raia santidade, cuja vigilância e vigor
animem meu espírito que se deixa algumas vezes enfraquecer!
Espero que o Espírito de Deus que vos manifesta o nosso interior e
vos descobre as posições dos nossos corações, vos sugerirá os
meios de reavivar a nossa virtude entanguecida..."
|
|
Xavier escreveu ainda no mesmo dia ao Padre Simão Rodrigues, para
Lisboa, pedindo-lhe pregadores da Companhia, e empenhando-se para
que ele apoiasse pelo seu valimento os pedidos que dirigia ao rei:
|
"...É chegado o tempo, lhe mandava ele dizer, de desvendar os
olhos a Sua Alteza, por que ele está mais próximo do que pensa do
momento em que o Rei dos reis o citára para o seu tribunal e lhe fará
ouvir estas aterradoras palavras: Dai-me contar da vossa
administração [54]. Fazei, pois, de moda que ele nos envie
socorros para propagar a fé enquanto é tempo..."
|
|
O grande apóstolo das Índias, como já dissemos, não conhecia o
repouso. Depois de ter escrito todas aquelas cartas, embarcou para
Comorim, a fim de visitar de novo os seus queridos Paravás, seus
primeiros filhos em Jesus Cristo, que ele amava com verdadeira
ternura paternal.
|
|