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O navio em que o nosso Santo embarcou, escapou felizmente aos
perigos da pirataria, mas sofreu violenta tempestade, que
obrigou o capitão a lançar carga ao mar. No meio dos gritos
de desespero dos passageiros e da triste desanimação dos
marinheiros, Inácio de Loiola conservava a sua tranquilidade
habitual, e procurava no fundo da sua consciência as faltas
que podia ter que censurar-se. Julgou reconhecer então que
não tinha correspondido suficientemente às graças e aos
favores extraordinários com que havia sido cumulado. E mais
nada; mas isto foi o bastante para o penetrar duma tão viva
dor que ele nunca mais a esqueceu; muito tempo depois falava
disso, vertendo lágrimas, aos seus mais íntimos confidentes.
Entretanto Deus salvou o navio que levava o seu eleito, a
tempestade cessou e foi possível abordar a Génova sem outro
acidente.
O nosso peregrino dirigiu-se a Bolonha, sempre a pé, sempre
mendigando, e meteu-se nas montanhas. Cheio de coragem e de
confiança em Deus, ia e trepava sempre, sem saber onde iria
dar, quando de repente se encontrou às bordas dum espantoso
abismo, do fundo do qual sé fazia ouvir o ruído surdo duma
torrente impetuosa.
O Santo não tinha outra resolução a tomar, e assim o
compreendeu, senão a de arrepiar caminho. Orou durante alguns
instantes e em seguida quis retomar o caminho por onde veio.
Volta-se e vê-se numa grande elevação que causava vertigens.
É certo que tinha chegado ali auxiliando-se das, mãos e dos
joelhos, agarrando-se a tudo que podia; mas, completamente
ocupado de Deus, cuja glória lhe fazia afrontar tantas
dificuldades e arcar com tantos perigos, subiu, subiu,
sempre, continuou a subir, não pensando que seria obrigado a
descer a montanha que subia a tanto custo. Agora, só via
abismos e precipícios em volta de si!
Pedia a Deus que viesse em seu auxílio, porque os socorros
humanos não podiam chegar aonde ele se encontrava. Depois de
ter orado um momento, abandonou-se à Providência e tentou a
terrorífica e impossível descida, que devia levá-lo ao ponto
de onde partira algum tempo antes. Arrasta-se, apoia-se nas
saliências das rochas, às sarças, aos arbustos, a tudo o que
encontra, fere as mãos e os joelhos, fica com a roupa em
pedaços e não cessa de ver o perigo iminente com que cada um
dos seus movimentos lhe ameaçava a vida...
A sua coragem não enfraquece, a sua confiança mantém-se, é
por Deus que ele sofre, é por Ele que vai por esse caminho
impraticável, semeado de tantos escolhos, eriçado de tantas
dificuldades, e que parecia a imagem daquele que teria a
percorrer, através dos séculos, a santa Companhia, de que era
fundador.
Enfim, encontra-se no fundo da montanha, agradece à divina
Providência, que o preservou de todos os perigos, e pede-lhe
que o guie nesses lugares desconhecidos. Deus ouve-o e
ajudá-lo-á.
Lembrando-se depois dos perigos que correu naquela ocasião e
das fadigas por que passou, Inácio dizia que nunca tinha
experimentado ao mesmo tempo tantos sofrimentos de espírito e
de corpo, e que nunca se vira em semelhantes perigos.
O Santo estava enfim na estrada de Bolonha, e sentiu
necessidade de passar alguns dias nesta cidade para tomar um
descanso indispensável depois de tantas fadigas. Mas esta
viagem devia ser dolorosa até ao fim. Tendo as chuvas
enxarcado os caminhos, o santo peregrino tinha constantemente
os pés na água, enterrava-se na lama até aos tornozelos e
andava muito vagarosamente.
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