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CARIDADE COM OS ENFERMOS
Exercitava sua humildade e caridade com os enfermos, aonde quer que estava, com muito
gosto seu e edificação de todos; assim no tempo que era provincial, como em todo o mais de sua
vida. E neste Colégio da Bahia, era o mais certo e contínuo ajudante que o enfermeiro tinha em
todo o serviço da enfermaria, levantando e deitando os doentes, e se era necessário vigiar sobre
algum, mandava dormir ao enfermeiro e vigiava por ele. Aconteceu-lhe por vezes, estando em
cama, levantar-se de noite a ir à cozinha consertar os xaropes e purgas (que até isso sabia fazer) e
temperar o comer para outros doentes por sua mão, por falta de enfermeiro.
CARIDADE COM OS ÍNDIOS
O mesmo usava com os índios quando com eles se achava, curando-os em suas doenças,
posto que molestas e nojentas, com sangrias e outros remédios, que o tempo e lugar sofriam, e
como era por uma parte muito mavioso e compassivo, e por outra muito animoso, nunca se negava
para os servir no espiritual e temporal, ainda que houvesse de passar fomes, frios e maus caminho,
e todas as mais incomodidades que a terra e o tempo ocasionavam.
ONDE DESEJAVA MORRER
Porque tudo isto ficava muito aquém daquele ânimo com que, indo uma vez com seu
companheiro, ambos a pé e descalços, por um caminho muito fragoso e de muitas lamas, lhe
disse: “Irmão Jerônimo Soares, uns desejam morrer nas casas e outros nos colégios, ajudados de
seus irmãos, ma eu vos digo que não há coisa melhor que morrer em um atoleiro destes, por
obediência e bem das almas”.
COM OS COMPANHEIROS
Trabalhava de não dar moléstias aos companheiros com quem caminhava, antes servia-os em
tudo. Um padre afirma em seu testemunho, que caminhando com o padre, quando vinha a noite,
em lugar de descansar se punha a enxugar o fato do companheiro, e meter-lhe brasas debaixo da
rede em que dormia, e o restante da noite passava em oração, passeando ou de joelhos, ou ao pé
de um pau, de que o companheiro dava fé quando acordava. Até aos índios, caminhando (com
eles), agasalhava de noite, estando eles dormindo em suas redes, atiçando o fogo debaixo delas,
que não tem outros cobertores, nem abrigo. E isto fazia ainda no tempo que era provincial.
Queriam os índios de uma aldeia lançar ao mar uma canoa grande, e não podiam por serem
poucos. Acertou de se achar ali o Padre José, e eles, pela opinião que tinham que Deus tudo fazia
por ele, rogaram-lhe fosse lançar uma benção à canoa, para a poderem lançar ao mar. Respondeu
que além da benção, também os ajudaria; como chegou e pôs as mãos na canoa, logo a levaram
com facilidade, concorrendo a fé dos índios com a oração do padre.
COM POBRES – CRISTÓVÃO PAIS DÁLTERO
A pobres e viúvas e pessoas desamparadas, costumava ajudar, com esmolas que para isso lhe
davam, e mandavam de outras partes pessoas ricas e devotas desta santa obra, entre os quais foi
Cristóvão Pais Dáltero, homem muito principal em Pernambuco, e senhor de três engenhos de
açúcar, ao qual, agradecendo por carta o Padre José, a esmola que lhe mandara para dar aos
pobres, acrescentou o padre que ele Cristóvão Pais era ainda o que ficava devendo, pois que por
meio dos pobres assegurava as riquezas do céu.
O qual movido com estas palavras, beijou a carta, posto de joelhos e abraçando-a e pondo-a
sobre o coração, disse que fazia voto ao Senhor Deus, de nunca em sua vida deixar de fazer
esmola aos pobres, mas antes de lh’a dar dobrada da que até então dava, e assim o cumpriu,
porque costumado antes dar semana, em certo dia, a cada pobre que lhe pedia, um vintém, daí por
diante enquanto viveu dava por sua mão meio tostão, e na quaresma quatro vinténs.
Sendo o Padre José superior na Capitania do Espírito Santo, provia de vinho, azeite, sal e mais
coisas necessárias a um padre que tinha cuidado de uma aldeia. Comprava e pagava por ele, e o
deitava em livro, até que lhe disse uma vez: “V. R. cuida que tudo há de ser levar e nunca pagar;
não haverá assim de ser, façamos conta hoje, que o hei de esfolar”.
Fizeram conta e ficou devendo uma boa soma em cruzados; disse então o Padre José, como
quem conclui contas: “é certo que cuidava V. R. que lhe havia de levar alguma coisa? Não somos
nós irmãos? V. R. não ajuda a manter esta casa? Enfim já tem pago, eu sou o que devo”. E com
esta benignidade, lhe perdoou toda a dívida.
MORTES DESASTRADAS DE PESSOAS
QUE NÃO TOMARAM SEU CONSELHO
Por vezes aconteceu antever o Padre José com espírito mais que humano, os perigos em que
alguns homens andavam de grandes desastres, avisá-los disso, e por eles não quererem tomar seu
conselho, perderem miseravelmente suas vidas. Referirei dois casos.
O primeiro: a Frutuoso da Costa, morador na Vila de São Paulo, disse-lhe o padre que se fosse
para sua casa, porque o haviam de matar. Respondeu que trazia ali negócios. Disse-lhe.
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O segundo: um homem, valente e soberbo, vivia mal com a mulher de outro, desprezível.
Avisou-o, o Padre José que se guardasse que o haviam de matar, o mesmo lhe disseram outros
amigos, ao que ele respondia: “que me há-de a mim agora fazer fulano ?”Contudo o marido
espreitou, e achando-os no malefício, os matou ambos à flechadas, por onde tomou o padre
ocasião de fazer uma cantiga celebrada naquela terra, que começava:
El que muere en el pecado,
Sin arrependirse del,
Deste tal es escuzado
Campanas doblen por el
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