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DO BARRIL DE AZEITE
Coisa muito celebrada foi, nesta Província do Brasil, o barril de azeite da
casa de São Vicente, o qual por mais vezes que o esgotavam, sempre achavam
que tirar, como fonte de pouca água que, em tempo de grande seca, o povo à noite
a deixa sem água, e quando vem pela manhã sempre lhe acham alguma.
O caso foi este. Sendo o Padre José superior das casas de São Paulo e
de São Vicente, na qual residia, sucedeu haver em toda a Capitania falta de azeite,
de modo que somente havia um pouco na casa de São Vicente, em um barril ou
quarto de dois em pipa. Do qual se provia a casa para comer, e as lâmpadas das
Igrejas de ambas as casas, para se alumiar o Santíssimo Sacramento, e além disto
os pobres que o vinham pedir para suas necessidades.
O azeite ia minguando, e o Irmão Antônio Ribeiro, que era dispenseiro,
ia cada vez empinando mais o quarto até que de todo o deu por acabado, e pedia
ao Padre José lh'o deixasse tirar dali para servir de outra coisa. Mas o padre lhe
disse que não tirasse do lugar onde estava empinado, antes gastasse dele, e
desse aos pobres, porque Deus era pai de misericórdia e o acrescentaria.
O irmão assim o fez, por todo aquele tempo que foi um ano ou dois, que
não houve azeite na terra, provendo dele as lâmpadas e pobres de toda a
Capitania; e cuidando muitas vezes o irmão que o deixava sem gota de azeite,
contudo quando tornava, sempre achava quanto bastava para aquela presente
necessidade, entendendo todos os que sabiam do caso, que Deus o acrescentava,
por orações do Padre José, como se via claramente.
Estando a terra neste aperto de falta de azeite, chegou a nau dos
Erasmos, senhores do engenho de São Jorge, situado na dita Capitania, dos quais
em outro lugar se tocou, e nela vinha uma pipa de azeite, que aqueles senhores
mandavam de esmola aos padres. E tanto que a pipa entrou na dispensa, logo se
acabou de todo o azeite do quarto. Do que todo o povo deu muitas graças a Deus,
assim por durar o azeite tanto tempo, como por se acabar naquela conjunção.
DE UMA TORMENTA
Vindo uma vez o Padre José da Vila de São Paulo, para a de São
Vicente, estando no alto da serra para a começar de descer, deixa-se vir uma tão
escura cerração, que sendo de dia se não viam uns aos outros, e se armou
juntamente tão espantoso chuveiro que, se lhes chegara, corriam todos risco das
vidas.
Rogou então o padre a Nossa senhora, que lhes valesse em tão grande
perigo, e logo de improviso se lhes abriu a cerração pelo meio, e se lhes descobriu
um caminho por onde desceram abaixo, e se agasalharam em uma choupana.
Nisto sucedeu outro perigo da chuva, o restante daquele dia e noite
seguinte, e ao outro dia, que foi necessário ao padre valer-se outra vez da gloriosa
Virgem, e pedir-lhe desse tempo para poder chegar a São Vicente, como de feito
lh'o alcançou a Mãe de Misericórdia e piedade.
OUTRA TORMENTA
No ano de mil quinhentos e oitenta e cinco, vindo do Rio de Janeiro para
a Bahia o padre Cristóvão de Gouveia, segundo visitador geral desta Província, e
com ele o Padre José e outros religiosos, lhes deu uma tão grande tormenta, que
os ia lançar à costa nos arrecifes, e todos, até a gente do mar, se davam já por
perdidos, e assim deixavam de marear o navio.
Os padres debaixo da tolda, se estavam aparelhando para bem morrer,
confessando-se uns aos outros. Porém o Padre José estava em cima da coberta,
em pé, pegado às cordas do navio, com os olhos no céu, fazendo seu ofício de
rogar a Deus pelo remédio e vidas de todos.
Neste comenos chegou a ele um irmão, pedindo-lhe o ouvisse de
confissão. Respondeu-lhe: "não é agora necessário". Acudiu o irmão: "Por quê?
Não se há de perder o navio?" Respondeu o padre: "Não". Secundou o irmão, para
se afirmar mais na resposta: "Havemo-nos de afogar, havemos de morrer?" Aqui o
padre então, como agastado, levantou algum tanto a voz, dizendo que não. Ao que
o irmão disse: "Pois vou lá abaixo, a dizer isso aos padres, que estão mui
atribulados" - "Deixai, não vades; que se perde em chamarem a Deus?"
Aquietou-se então o irmão e se foi deitar sobre um caixão, bem seguro e
descansado pelo que ouvira ao Padre José. E de fato, quebrou a fúria da tormenta
e o mar sossegou, e deram todos graças a Deus, por se verem livres da fúria do
mar e da garganta da morte.
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