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"Toda formosa és, amiga minha, e em ti não há
mácula".
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Quem é este, irmãos, que fala, e quem é aquela a
quem se dirige? Fala o amigo à amiga, o esposo à
esposa, o imaculado à casta, o incorrupto à íntegra,
Deus à alma, e àquela que assim foi, cuja solenidade
hoje celebramos, cujos exemplos de castidade irradiamos.
Formosa és interiormente, formosa és exteriormente.
Interiormente no coração, exteriormente no corpo.
Interiormente rubra, exteriormente cândida, em ambos
ornamentada. Rubra pela caridade, cândida pela
castidade, ornamentada pela humildade. Portanto,
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"toda formosa és, amiga minha, e em ti não há
mácula".
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Tudo o que há em ti é formoso, e nada há em ti que
seja sórdido. Agradável em tudo, desagradável em
nada, por tudo agradas, em nada desagradas.
Formosa pela natureza, mais formosa pela graça,
formosíssima és pela glória.
Quais, irmãos caríssimos, e de que qualidade
considerais que devem ser os ornamentos com que a esposa de
Deus, a alma do justo, possa aformosear-se, para que o
seu decoro seja assim ornamentado?
Lemos a extrema diligência com que o rei Assuero fêz
preparar as donzelas conduzidas ao seu tálamo,
lavando-as com banhos, ungindo-as com óleo e
adornando-as com tudo o que fosse conveniente ao seu
decoro (Est. 2). Assim também e muito mais Deus
preparará para si a sua esposa, enriquecendo- a com
todas as coisas que pertencem ao decoro da forma
espiritual.
Confere-lhe primeiramente o lavacro pela compunção e
pelo choro dos pecados, para que possa purificar-se,
como que aspergida pelo hissopo, da imundície de seus
crimes e, assim lavada, se torne mais branca do que a
neve. Os óleos são os dons espirituais pelos quais,
após o pranto, já banhada pelas tristezas. é abrandada
pela severidade. Seguem- se-lhes os ornamentos, as
vestes, o cinto, o anel, o colar, o pente, o laço,
os brincos, o diadema, o espelho, os calçados.
As vestes designam a variedade das virtudes e das boas
obras, pelas quais a alma é ornamentada e honrada interna
e externamente diante de Deus e do próximo. Desta
múltipla variedade está escrito:
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"A rainha, de pé, à tua destra. com vestes
douradas, é circundada pela multidão".
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O cinto, pelo qual cingimos os rins, significa a
castidade, pela qual refreia-se o fluxo da luxúria da
carne humana, conforme está escrito:
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"Estejam cingidos os vossos rins".
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O anel significa a fé íntegra, pela qual a esposa ama
ao esposo ausente e aspira, por um contínuo desejo,
chegar à sua presença.
O colar, colocado no peito, para que o adúltero não
lhe ponha a mão, designa o casto amor, que não permite
que por algum mau pensamento seja violado pelo demônio.
O pente, que separa os cabelos entre si, figura a
virtude do discernimento.
O laço, que une os cabelos para que não esvoacem,
sugere a sobriedade e a quietude dos pensamentos.
Os brincos, por serem ornamentos dourados, designam a
obediência.
O diadema figura a glória da consciência, da qual está
escrito:
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"Nossa glória é esta: o testemunho de nossa
consciência".
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O espelho significa o estudo das Escrituras, no qual a
alma contempla o que há em si de bom, de mau, de honesto
e de desonesto.
Os calçados, que são proteção para os pés, pelos
quais nos movemos por diversos lugares, significam o
ensino, levado a todos os lugares.
A todas estas coisas freqüentemente se acrescentam pedras
preciosas as quais, por causa de seu fulgor, designam os
milagres que relampejam longe e largamente.
Ó feliz esposa de Deus, alma do justo, formosa por tais
ornamentos, preparada para o tálamo do rei eterno!
Muito pode, confiadamente, uma tal alma.
Algumas vezes ocorre, todavia, que a alma, enriquecida
pelos dons divinos, ao contemplar os julgamentos de
Deus, seja tomada de grande terror e muito afligida pelo
medo, do que a história de Ester nos fornece um
exemplo. Lemos, de fato, que Ester, encontrando o rei
Assuero sentado em seu trono defronte à câmara real,
empunhando um cetro e com os olhos chamejantes indicando o
furor de seu poder, perdeu os sentidos e só com muita
dificuldade pôde tornar a erguer-se com o auxílio do rei
e de seus ministros que a consolavam (Est. 5; Est.
15).
O que significa, irmãos, nesta história o rei
Assuero, senão Deus? O que significa Ester, senão
a alma? O que é a câmara real, senão a divindade? O
que é o trono, senão a sua majestade? O que é o
cetro, senão o seu poder? O que figura o ardor
chamejante de seus olhos, senão o terror do supremo
julgamento? Ester, vendo o rei deste modo, desmaia
espavorida; e a alma, contemplando a Deus e seus severos
julgamentos, treme diante da divina majestade. Retome,
porém, as forças, os dons que lhe foram concedidos,
considere as consolações que lhe foram feitas, e diga:
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"Mesmo que me mate, nEle esperarei. Bom é o Senhor
para os que nEle esperam, para a alma que O busca",
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o qual vive e reina, pelos séculos dos séculos.
Amén.
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