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"Ide também vós para a vinha, e dar-vos-ei o que for
justo".
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Sobre a vinha do Senhor, irmãos, à qual a palavra
divina nos convida, faremos para vós uma breve
exortação, para não onerar, com palavras mais
prolixas, o vosso amor.
Examinemos primeiro o que é o campo no qual se faz a
plantação, o que é a vinha, o que é o sulco, o que
é a binação, o que é a terciação, o que é a vara,
o que é a poda, o que é a dobradura, o que é a folha,
o que é o fruto, o que é o dinheiro que é prometido.
Este campo é o coração humano, que devemos cavar
continuamente pela enxada das compunções, e nele, pela
graça divina, plantar pelas boas vontades a vinha ou as
videiras, para que cresçam no bem e produzam varas,
folhas, flores e fruto.
Devemos cavar esta vinha pela compunção, que nasce do
exame de nossos pecados; devemos biná-la pela
compunção que nasce da consideração dos dons que nos
foram concedidos do céu; terciá-la pela compunção que
se origina da pregustação dos bens futuros.
As varas são os bons pensamentos multiplamente
procedentes da boa vontade. Podamos esta vinha quando
cortamos os pensamentos menos úteis e nos dedicamos a
dilatar os mais úteis. Dobramos as varas quando
humilhamos os nossos pensamentos e como que fixamos uma
haste na terra ao nos recordarmos de nossa mortalidade e
nos lembrarmos que somos terra e à terra haveremos de
retornar. Assim dobrou Abraão a sua videira quando
disse:
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"Falarei ao meu Senhor, ainda que eu seja pó e
cinza".
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Assim também Jacó, quando disse:
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"Eu sou indigno de todas as tuas misericórdias".
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Davi também disse:
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"Olha para mim, Senhor, e tem piedade de mim, porque
sou sozinho e pobre".
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A bem aventurada Maria dobrou a sua videira, e disse:
O bem aventurado Apóstolo Paulo dobrou a videira quando
dizia:
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"Não sou digno de ser chamado Apóstolo, porque
persegui a Igreja de Deus".
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As folhas designam a boa ação, que nos circundam e nos
ornamentam, assim como em outros sermões freqüentemente
já o dissemos.
As flores, pelo seu perfume e pelo seu odor que se
espalha ao longe, significam a boa fama pela qual, seja
perto, seja longe, somos suave fragrância para nosso
próximo.
O fruto designa a boa consciência, procedente de uma
justiça consumada. Para isto, de fato, trabalhamos,
para que possuamos uma boa consciência, assim como aquele
que derrama o seu suor no cultivo da vinha o faz para que
possa obter o seu fruto.
Deste modo, irmãos, temos um campo dentro de nós, que
é o nosso coração. A videira do Senhor é a boa
vontade e as suas varas são os bons pensamentos.
Cavêmo-la, binêmo-la e terciêmo-la, conforme está
escrito, pela tríplice compunção. Podêmo-la pelo
corte dos pensamentos supérfluos e menos úteis.
Dobrêmo-la pela humilhação da mente, para que produza
folhas pela boa ação, flores pela boa fama, frutos pela
boa consciência.
Se, irmãos caríssimos, assim trabalharmos na vinha do
Senhor, receberemos o dinheiro que nos é prometido. O
que é este dinheiro? Este dinheiro é a vida eterna.
Este dinheiro é
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"O que nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou
no coração do homem o que Deus preparou para os que O
amam".
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Este dinheiro é o sumo bem, no qual consiste todo o bem
e do qual procede todo o bem. Nele consiste todo o bem
pela plenitude, dele procede todo o bem pela
liberalidade. Este dinheiro é ver e saborear a Deus.
Vê-lo pela contemplação, saboreá-lo pelo amor.
Que Jesus Cristo, Nosso Senhor, se digne vir em
auxílio de nosso trabalho nesta vinha e possa
remunerar-nos com este dinheiro, ele, que vive e reina,
pelos séculos dos séculos.
Amén.
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