SERMO XVII. POR OCASIÃO DA EPIFANIA DO SENHOR.

"Viverá, e ser-lhe-á dado do ouro da Arábia".

Salmo 71, 15

Quem é este que viverá, e ao qual será dado do ouro da Arábia?

"O menino que nasceu para nós, o filho que nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu ombro, cujo nome é Admirável, Conselheiro, Deus, Forte, Pai do Século Futuro, Príncipe da Paz".

Is. 9, 6

Admirável pela glória, Conselheiro pela sabedoria, Deus pela natureza, Forte pelo poder, Pai pela misericórdia, Príncipe pela justiça.

Admirável pela glória, porque também os anjos, pela grande admiração de sua glória, desfalecem ao contemplá-lo e cantam dizendo:

"Os céus e a terra estão cheios da majestade de sua glória".

Conselheiro pela sabedoria, porque é o Anjo do Grande Conselho, que reconduziu o homem que estava perdido no caminho da infidelidade e da iniquidade.

Deus pela natureza, porque possui a divindade pela natureza, e concede aos demais serem deuses pela graça.

Forte pelo poder, porque derrotou o príncipe deste mundo que guardava a sua casa, isto é, o mundo. Arrancou-lhe os seus vasos, as almas em que havia posto a iniquidade, para trazê- las à vida que lhes havia sido predestinada. Derrubou-o e acorrentou-o (Mt. 12, 29), para que não mais dominasse o homem segundo o seu antigo costume, até o tempo do Anticristo em que, por um pouco de tempo, por sua própria permissão, será solto para depois, no dia do juízo, ser lançado ao inferno juntamente com todos os seus.

Pai pela misericórdia, pois vem até nós por paterna piedade para redimir-nos, justificar-nos e beatificar-nos. Veio pela humanidade, redimiu pela paixão, justificou pela graça, beatificou pela glória.

Príncipe pela justiça, porque concedeu a cada um o que é seu, os bens aos bons, os males aos maus, aos bons a glória, aos maus a pena.

Admirável, portanto, pela glória, Conselheiro pela sabedoria, Deus pela natureza, Forte pelo poder, Pai pela misericórdia, Príncipe pela justiça.

"Viverá, e ser-lhe-á dado do ouro da Arábia".

Que lhe será dado? Do ouro da Arábia. Não apenas do ouro, mas também do incenso e da mirra.

O ouro, por causa do fulgor do conhecimento divino, significa o esplendor, isto é, a fé; o incenso, por causa de seu perfume, significa a boa opinião; a mirra, que conserva os corpos da incorrupção, designa a incorrupção da carne.

Da mirra podemos também, por causa de seu amargor, deduzir múltiplas significações. Existe, de fato a mirra da dor, a mirra do temor, a mirra da compunção e a mirra da confissão, a mirra da satisfação, a mirra do exercício, a mirra do trabalho, a mirra da sujeição, a mirra da compaixão, e a mirra também da paixão.

A mirra é da dor quando refletimos nos males já feitos e por eles nos doemos.

A mirra é do temor quando tememos a pena futura pelos males que cometemos.

A mirra é da compunção quando, obrigando-nos a dor e o temor, nos compungimos dos males que perpetramos.

A mirra é da confissão quando pela confissão nos envergonhamos dos males que fizemos.

A mirra é da satisfação quando, depois da confissão da transgressão da lei divina, satisfazemos a Deus, segundo a nossa pequena possibilidade, pela dor do arrependimento.

A mirra é do trabalho quando trabalhamos para exibir ao próximo as seis obras de misericórdia.

A mirra é do exercício quando, expulsos os vícios por um contínuo exercício, alcançamos as virtudes.

A mirra é da sujeição quando, por causa de Deus, nos submetemos ao mais sublime e por este motivo algumas vezes toleramos a amargura.

A mirra é da compaixão quando nos compadecemos dos males alheios.

A mirra, finalmente, é da paixão, quando padecemos os nossos males.

Temos, portanto, dez espécies de mirra. A primeira é pela dor, a segunda pelo temor, a terceira pela compunção, a quarta pela confissão, a quinta pela satisfação, a sexta pelo exercício das virtudes, a sétima pela exibição das boas obras, a oitava pela sujeição, a nona pela compaixão, a décima pela paixão.

Ofereçamo-nos também a nós, irmãos, ao Senhor que nasceu, ouro, incenso e mirra. Ofereçamos-lhe o ouro pela fé, o incenso pela boa opinião, a mirra pela incorrupção de nossa carne e segundo a múltipla divisão que acima fizemos da mirra.

E porque nada podemos sem a divina graça, a esta sempre imploremos, para que por seu auxílio possamos oferecer esta oblação e alcançar a eterna retribuição.

Que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina, pelos séculos dos séculos.

Amén.