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"Quem é esta que surge como a aurora quando se levanta,
formosa como a Lua, brilhante como o Sol, terrível
como um exército em ordem de batalha?"
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Irmãos caríssimos, a bem aventurada Virgem Maria foi
como a aurora, pois surgiu no fim de um tempo que foi como
a noite e brilhou como a estrela matutina que precedeu a
verdadeira luz da graça e do Sol de justiça que dela
teve origem. Todo o tempo que a precedeu, desde Adão
até a sua origem, foi de fato como a noite, uma noite
longa, obscura, fria, ociosa, entorpecida, sonolenta,
silenciosa, ou melhor, muda. Foi noite, pela ausência
da verdadeira luz; longa, pela duração de seu tempo;
obscura, pela tenebrosidade da infidelidade; fria, pelo
defeito da caridade; entorpecida, pela exibição da boa
obra; sonolenta, pelo esquecimento da bem aventurança;
silenciosa, pela voz da verdadeira confissão; muda,
pelo cântico do louvor divino. Com exceção daqueles
poucos justos que durante longo tempo fustigaram de suas
maldades aquele antigo povo e, segundo o costume dos galos
que durante a noite cantam prenunciando o dia, anunciavam
os mistérios do futuro Salvador e da Igreja, quase todo
o mundo estava entorpecido pelo silêncio e pelo sono,
conforme está escrito no Livro da Sabedoria:
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"Quando tudo repousava em um profundo silêncio, e a
noite estava no meio do seu curso, a tua palavra
onipotente, Senhor, desceu do trono real".
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Alguns astros irradiavam sua luz naquele tempo, pois os
santos patriarcas e profetas ilustravam pelas suas virtudes
a ignorância daquele povo. Surgindo, porém, a
aurora, estes raios de certo modo se ofuscaram, pois em
comparação com a bem aventurada Maria os santos profetas
tinham pouca claridade. O que foi, efetivamente, a
inocência de Abel, a justiça de Noé, a fé de
Abraão, a longanimidade de Isaac, a tolerância de
Jacó, a continência de José, a mansidão de
Moisés, a fortaleza de Josué, a caridade de Samuel,
a humildade de Davi, o zelo de Elias, a abstinência de
Daniel, a exímia santidade do bem aventurado João, e
as virtudes dos demais santos, em comparação com a bem
aventurada Maria? A bem aventurada Virgem Maria foi
verdadeiramente uma aurora claríssima que pelo seu
magnífico resplendor diminuiu a claridade dos padres
precedentes. Com razão tudo o que nas Escrituras ou nas
criaturas é louvável, convém ao seu louvor. Assim
como ela é aurora pela antecipação da verdadeira luz,
assim também é flor pela beleza, favo pela doçura,
violeta pela humildade, rosa pela caridade ou compaixão,
lírio pela suavidade, videira pela frutificação,
qualquer aroma pela boa opinião, fortaleza pela
segurança, muro ou torre pela fortaleza, escudo ou
fortaleza pela defesa, coluna pela retidão, esposa pela
fé, amiga pelo amor, mãe pela fecundidade, virgem pela
integridade, senhora pela dignidade, rainha pela
majestade, ovelha pela inocência, cordeira pela pureza,
pomba pela simplicidade, rola pela castidade, qualquer
animal puro e doméstico pela conversação pura e mansa,
nuvem pela proteção, estrela pela incoação de qualquer
virtude ou boa obra, lua pelo seu aumento, sol pela sua
consumação e, finalmente, pureza celeste pela plenitude
do bem celeste.
Mas, para que voltemos àquilo pelo que começamos,
depois da própria bem aventurada Virgem Maria ter
surgido no mundo como aurora resplandecente, imediatamente
após o seu surgimento, dela surgiu o Sol da justiça
Cristo Deus nosso o qual, desfeitas as trevas, iluminou
todo o mundo, tanto que os povos das gentes, que
caminhavam nas trevas,
"Não caminhemos", exorta-nos o Apóstolo na
Epístola aos Romanos, "como nossos pais, os
gentios", sobre os quais nos mostra que
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"tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como
Deus, nem lhe deram graças, mas desvaneceram-se nos
seus pensamentos. Adoraram e serviram a criatura de
preferência ao Criador, que é Deus, bendito por todos
os séculos, por causa do que Deus os entregou a um
sentido depravado, para que fizessem o que não convém,
cheios de toda a iniquidade, de malícia, de fornicação
e avareza",
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e de outros vícios e pecados detestáveis, os quais
enumera nesta mesma passagem. Quanto a nós, porém,
irmãos caríssimos, ele nos convida a que deixemos os
vícios e os pecados, ensinando-nos que são
pedindo-nos que nos
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"revistamos das armas da luz",
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e que, como no dia da graça,
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"caminhemos honestamente".
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Todos os vícios e pecados são carnais ou espirituais, e
o Apóstolo no-los proíbe todos, seja segundo a coisa,
seja segundo a significação, quando nos diz:
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"Não em glutonaria e na embriaguez, não em leitos e
impudicícias, não em contendas e emulações".
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De fato, todos os pecados carnais ou pertencem à gula,
e no-los são proibidos onde se diz: "Não em
glutonaria e na embriaguez"; ou pertencem à luxúria, e
no-los são proibidos onde se acrescenta: "Não em
leitos e impudicícias". Os pecados espirituais ou são
exteriores, e no-los são proibidos onde se diz: "Não
em contendas"; ou são cometidos interiormente, e no-
los são proibidos onde se acrescenta: "Não em
emulações". De fato, a contenda é exterior e pela
boca, enquanto que a emulação é interior e se dá no
coração.
Finalmente, quando se conclui:
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"Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo",
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são nos preceituados todos os bens, sejam espirituais,
sejam corporais, pois revestir-se de Cristo é viver
santa e honestamente em Cristo.
Portanto, irmãos caríssimos, expulsemos o demônio com
suas obras tenebrosas, tendo ódio pelo mal.
Revistamo-nos de Cristo, amando o bem, exercitando as
virtudes, exibindo as boas obras, pois assim como
tivermos caminhado honestamente no dia da graça, assim
também alcançaremos a glória da pátria suprema.
Oremos igualmente para que pelos méritos e pelas preces
da santa Virgem Maria, o Sol da justiça sempre nos
ilumine, sempre permaneça, nunca se ponha. Que a
exemplo de Josué, para quem
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"o Sol não se moveu sobre Gabaon, até que não
tivesse vencido seus inimigos",
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este outro Sol esteja também sempre conosco, como Ele
mesmo o prometeu aos seus fiéis até a consumação dos
séculos, até aquele dia em que também nós, vencidos
os nossos inimigos, sejamos premiados com os tronos
celestes.
E que para tanto se digne vir em nosso auxílio Jesus
Cristo, nosso Senhor, que é Deus, bendito pelos
séculos dos séculos.
Amén.
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