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"Prepara-te, Israel, para o encontro do Senhor".
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Irmãos caríssimos, assim como todo lugar, enquanto
lugar, é sagrado, assim também é sagrado todo o
tempo, enquanto tempo. Todavia, às vezes dizemos, em
relação a outro lugar, que este ou aquele lugar é bom
ou mau e, em relação a outro tempo, que este ou aquele
tempo é bom ou mau, embora não o digamos propriamente
por causa do lugar e do tempo, mas por causa das
circunstâncias que se acrescentam ao lugar e ao tempo.
Um determinado lugar pode ser dito menos sagrado por causa
da culpa nele cometido, enquanto que outro pode ser dito
mais sagrado por causa da graça nele operante; assim
também certos tempos podem ser ditos menos sagrados pelas
iniquidades que neles foram cometidas, enquanto que outros
podem ser ditos mais sagrados por causa do fervor da
religião que neles se exercita. Todavia, todo tempo,
na medida em que é tempo, é sagrado, e todo lugar, na
medida em que é lugar, é sagrado.
Irmãos caríssimos, estamos agora no tempo do advento do
Senhor, um tempo em que devemos preparar-nos por uma
religião espiritual. Este é o tempo em que o Deus
homem vem ao homem para redimir, libertar, justificar e
beatificar o homem: redimí-lo da culpa, libertá-lo da
pena, justificá-lo pela graça, beatificá-lo pela
glória. Por isso, neste tempo tão sagrado, devemos
exercitar-nos no bem com uma maior disposição, para que
mereçamos ser visitados com maior abundância pela sua
graça. Se um rei se dignasse vir até nós e em nós
estabelecer a sua morada, certamente nos prepararíamos
com diligência para recebê-lo, e não somente a nós,
como também às nossas coisas.
Talvez haja entre nós, irmãos, quem ainda se dedique
exteriormente a obras servis. Apliquemo-nos, portanto,
a entrar na casa de nosso coração: abramos as suas
janelas e examinemos, do que encontrarmos, o que convém
e não convém. Retiremos as teias de aranha. Tomemos a
vassoura para varrer o piso, deitemos fora o lodo e a
palha. Limpa a casa, cubramo-la com junco ainda verde,
com ervas aromáticas e flores perfumosas. Ornamentemos
suas paredes com cortinas variadas, vistamo-nos com
trajes festivos, preparemos um banquete solene e então,
exultando com cânticos de alegria, dirijamo-nos ao
encontro do Senhor. Se estivermos fora de nós mesmos
pelas obras servis e mergulhados no pecado, retornemos ao
nosso coração, assim como o profeta nos ensina,
dizendo:
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"Voltai, prevaricadores, ao coração".
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Nesta casa as janelas são os sentidos espirituais, pelos
quais se difunde em nós o conhecimento divino, iluminando
os recantos de nossa mente. Estas janelas se abrem pela
diligente investigação, através da qual distingüimos o
que ali existe de bom e de mau. Conservemos o bom e
desfaçamo-nos do mau.
As teias de aranha, em sua tenuidade e pendentes do
alto, significam a elevação da mente humana. Há quem
se eleve por causa da nobreza de sua linhagem, outros pela
beleza, pela força, pelo acumulação das riquezas,
pelo fastígio do poder, ou ainda por algum maior
privilégio da graça celeste que lhe foi concedido. Quem
quer que, porém, se ensoberbeça, é como se tecesse
inúteis teias de aranha no alto. Deponhamos,
caríssimos, estas teias, diminuindo nossa elevação,
como nos ensina o Apóstolo, dizendo:
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"Não queiras saber o que está no alto, teme apenas".
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Limpemos também o piso de nosso coração,
retirando-lhe o lodo e a palha. O lodo suja, a palha
voa. O lodo, por isso, significa a imundície; a
palha, a vanglória. Fora com ambas pela compunção do
coração e pela confissão da boca.
Finalmente, cubramos com junco o piso de nosso coração
pela satisfação do arrependimento, para que, removendo
toda a carnalidade, mais nada possa em nós ser visto de
nossa vida anterior, conforme diz Davi:
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"Bem aventurado aquele cuja iniquidade foi perdoada, e
cujos pecados são apagados".
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As ervas aromáticas e as flores perfumosas são obtidas
pela boa opinião, para que possamos dizer, juntamente
com o Apóstolo:
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"Em todo lugar nós somos o bom odor de Cristo diante de
Deus".
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As cortinas variadas são as diversas virtudes, as quais
devem ser estendidas pelo seu exercício. Temos cortinas
verdes, cor de jacinto, cor de açafrão, negras,
vermelhas e brancas.
A cortina verde significa a fé, pois assim como nas
coisas que nascem da terra o verde é o primeiro que se
manifesta aos sentidos, assim a fé é a primeira de todas
as virtudes. Refiro-me, porém, ao primeiro lugar na
ordem, não na dignidade, pois pela dignidade é a
caridade a virtude que precede todas as demais virtudes, e
sem a qual todas as outras para nada aproveitam. A
cortina cor de jacinto designa a esperança das coisas
celestes, pois nela se manifesta a cor do céu e do ar
mais puro, e a cortina cor de açafrão figura a
caridade, pois o açafrão imita a cor da chama.
A cortina negra sugere a humildade, pois esta virtude
representa constantemente diante de si a negritude de seus
pecados. A cortina vermelha é a paciência, a qual
algumas vezes torna-se vermelha pelo sangue da paixão, e
a branca é a pureza, a qual resplandece sempre sem
mancha.
Os vestidos mais ornados, caríssimos, representam as
boas obras. Assim como os homens se ornamentam
externamente diante dos outros homens pelas belas
vestimentas, assim também são as boas obras que anunciam
e recomendam o homem santo e justo. Nada há de mais
glorioso, mais precioso, mais louvável, mais útil para
nós do que estas vestes. Revistamo-nos, pois,
diligentemente com elas, se quisermos encontrar-nos com o
Senhor em sua glória.
Devemos também preparar nosso alimento por uma mais
freqüente e aplicada leitura e meditação das Sagradas
Escrituras. Com este alimento a alma cresce, torna-se
robusta, adquire forças para a boa obra e as conduz, sem
desfalecimento, à perfeição. Pelo canto, porém,
demonstraremos a alegria de nosso coração pela vinda do
Senhor, conforme está escrito:
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"Bendizei, nações, o nosso Deus, e propagai o seu
louvor".
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Eis, irmãos caríssimos, como nos devemos preparar para
a vinda do Senhor, para que mereçamos ser visitados por
Ele, Deus que vive e reina.
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