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"Quem são estes que voam como nuvens, e como pombas nas
janelas?"
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Caríssimos, hoje celebramos a solenidade dos bem
aventurados apóstolos. O profeta, admirado pela sua
dignidade e excelência, proclamou, divinamente
inspirado, este oráculo em sua recomendação, louvor e
admiração:
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"Quem são estes que voam como nuvens, e como pombas nas
janelas?"
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Movidos por uma pronta devoção, passaremos a expor, na
medida em que Deus, o Senhor das ciências, no-lo
conceder, as palavras deste oráculo, tão brilhantes e
tão divinas. Sejam estas não apenas para a honra e
louvor daqueles de quem foram ditas, como também para a
vossa utilidade, para quem foram ditas e por quem
ansiamos, na esperança, pela sua consumação.
diz o profeta,
Bela e convenientemente, irmãos caríssimos, os santos
apóstolos são comparados e significados pelas nuvens.
Sabemos não apenas pelos nossos sentidos, como também
pelas palavras dos santos, que as nuvens possuem quatro
propriedades, as quais designam as quatro principais
virtudes dos bem aventurados apóstolos. As nuvens fazem
chover, protegem, relampejam e voam; assim também os
apóstolos fazem chover, protegem, relampejam e voam.
Os apóstolos fizeram chover quando
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"o seu som estendeu-se por toda a terra, e as suas
palavras até as extremidades do mundo".
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Fizeram chover pelo ensino, protegeram pela
intercessão, relampejaram pelos milagres, voaram pela
contemplação.
Cada um deles fêz chover onde ensinou. Tomé fêz
chover na Índia maior, Bartolomeu na Índia menor,
Simão e Judas na Pérsia, Filipe na Scítia,
Mateus na Etiópia, Marcos em Alexandria, João na
Ásia, André na Acaia, Pedro na Capadócia, Paulo
na Grécia, Pedro e Paulo, finalmente, na Itália.
Foi assim que, no princípio da graça, pelo muito soar
de seu ensino, derramaram a chuva das palavras da
salvação. Esta era a chuva a que o salmista se referia
quando exclamava:
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"Minha alma tem sede de ti, ó Senhor, como terra
sequiosa".
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A terra, isto é, o gênero humano, voltado para as
coisas terrenas, recebeu sobre si esta forte chuva a qual
produziu o seu fruto, fruto do qual está escrito:
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"Levantai vossos olhos e vêde os campos já branquejando
para a ceifa; aquele que sega junta frutos de vida
eterna".
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Quão grande é a excelência destas nuvens para que a sua
chuva forte tanto inebrie a terra que a faça produzir tais
frutos! Ainda hoje, para a nossa salvação, todas as
vezes que lemos ou meditamos em seus escritos, somos
irrigados pelas gotas desta chuva.
Os apóstolos protegem pela intercessão todas as vezes
que se colocam entre nós e Deus, para que Deus em sua
ira não veja nossos crimes e nos puna pelo fervor com um
julgamento rigoroso. Quando dava graças e orava sem
cessar pelos que havia convertido, Paulo era nuvem,
protegendo aos que lhe haviam sido confiados. Ele e
outros nos protegem ainda quando, diante de Deus,
derramam preces pela nossa salvação.
Os apóstolos relampejam pelos milagres, ressuscitando os
mortos, purificando os leprosos, iluminando os cegos e
curando outros enfermos não apenas enquanto viviam na
carne, mas também agora, que reinam com Cristo.
Seu vôo significa a contemplação. Não voava,
porventura, aquele que dizia:
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"Nossa conversação está nos céus"?
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Verdadeiramente voaram todos eles, quando subiram até o
palácio do céu para reinarem com Cristo.
Os apóstolos, portanto, são nuvens, fazendo chover
pelo ensino, protegendo pela oração, relampejando pela
virtude, voando pela contemplação.
O profeta, porém, continua, dizendo que eles também
são
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"como pombas nas janelas".
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A pomba é uma ave simples, que nem possui interiormente
a ira do fel, nem exteriormente a simulação da obra.
Ela significa, portanto, a verdadeira simplicidade. As
janelas são os sentidos corporais, pelas quais saem as
coisas interiores e entram as coisas exteriores. Os
santos apóstolos, deste modo, são ditos serem como
pombas nas janelas porque são reconhecidos pela
simplicidade colombina que possuem.
Às palavras do salmista podemos acrescentar este outro
verso, também em seu louvor:
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"Eram mais brancos do que a neve, mais claros do que o
leite, mais rubros do que o marfim antigo, mais formosos
do que a safira".
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Pela neve, que procede do céu e é mais branca do que
qualquer outra brancura, podemos entender a virgindade;
pelo leite, que nasce da fecundidade da carne, os
cônjuges do Novo Testamento; pelo marfim antigo, por
ser o elefante um animal castíssimo, os continentes do
Velho Testamento; pela safira, finalmente, por trazer
a cor do céu, os homens espirituais deste mesmo
Testamento.
Os santos apóstolos são mais brancos do que a neve,
mais claros do que o leite, mais rubros do que o marfim
antigo, mais formosos do que a safira porque sobrepujam
por uma admirável dignidade as virgens do Novo
Testamento, as quais imitam a vida angélica pela
honestidade da castidade; porque sobrepujam também os
cônjuges que convivem legitimamente e transcendem por uma
singular excelência os continentes do Velho Testamento,
também eles rubros pelo martírio, e seus homens
espirituais, ou profetas. De fato, diz a Escritura,
muitos profetas e justos do Velho Testamento
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"quiseram ver o que eles viram, e não viram, e ouvir o
que eles ouviram, e não ouviram".
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Isaías manifestou este desejo quando, contemplando em
espírito a Cristo coberto de bofetadas, coroado de
espinhos e suspenso na cruz, disse a seu respeito:
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"Nós o vimos; não tinha aparência, e o desejamos.
Era desprezado e o último dos homens, homem de dores e
conhecedor da fraqueza".
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E não apenas ele, mas também no Novo Testamento os
mártires, os confessores, as virgens e todos os demais
santos de boa vontade teriam visto Cristo na carne e
teriam ouvido sua salutar doutrina se o tivessem podido.
Este privilégio, porém, foi concedido à dignidade
apostólica. Os bem aventurados apóstolos, portanto,
precedem todos os santos, eles que viram Cristo na carne
e receberam as primícias do Espírito Santo enviado do
céu.
Procuremos, irmãos caríssimos, venerá-los por um
digno louvor. Procuremos imitá-los também pelas boas
obras. Roguemos para que sejamos governados pelo seu
regime e patrocinados pela sua intercessão. Desejemos,
finalmente, unirmo-nos ao seu consórcio e fruir de sua
felicidade.
Que para tanto venha em nosso auxílio Jesus Cristo,
nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo reina
pelos séculos dos séculos.
Amén.
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