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"Louva, ó Jerusalém, ao Senhor; Louva, ó
Sião, ao teu Deus".
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Jerusalém, a cidade santa e a cidade do Santo, é a
santa Igreja, que se edifica assim como se edifica uma
cidade, e, já edificada, adorna-se com diversos
ornamentos. Esta cidade santa, isto é, a Igreja,
possui as suas paredes, o seus muro, as suas torres, os
seus edifícios, as suas portas. Possui as suas pedras,
que são os fiéis, os quais estão unidos entre si pela
caridade assim como pelo cimento uma pedra está unida à
outra. Possui o seu muro pela fortificação das
virtudes, pelas quais permanece firme contra os vícios,
para que estes não a assaltem e a despojem de seus bens
espirituais. Possui suas torres naqueles que são
sublimes pela contemplação, pois qualquer homem perfeito
se ergue como uma torre na santa Igreja quando,
abandonando as coisas da terra, se eleva pela
contemplação às celestes. Possui edifícios menores,
maiores e máximos; possui edifícios menores pela vida
dos casados, edifícios maiores pela vida dos
continentes, edifícios máximos pela vida das virgens.
A vida dos casados, de fato, pelas obras terrenas e pelo
prazer da geração gira em torno das coisas inferiores; a
vida dos continentes, pelo exercício das virtudes e pelo
oferecimento das boas obras se dirige para algo mais alto e
a vida dos que guardam a virgindade, pela pureza do
coração e pela integridade da carne se ergue até o que
é celeste. Possui edifícios de pedra e edifícios de
marfim. Possui edifícios de pedra naqueles que são
resplandecentes pela castidade; a pedra, de fato, pela
sua firmeza significa a fé, e o marfim, pela sua
natureza fria, significa a castidade. Possui portas
diversas, pelas quais entram homens de diversas nações e
costumes; outrora distantes entre si, tornam-se agora
seus cidadãos e membros de uma só família.
Possui também as suas portas, a porta do rebanho, a
porta dos peixes, a porta antiga, a porta do vale, a
porta do esterco, a porta da fonte, a porta das águas,
a porta dos cavalos, a porta judicial, cuja
significação mística, tanto quanto Deus o conceder,
vo-la darei a conhecer rapidamente.
A porta do rebanho era aquela onde estava a piscina
probática, isto é, a piscina das ovelhas, pois ali se
lavavam as carnes das ovelhas que eram oferecidas em
sacrifício. A porta do rebanho, pois, pelo fato da
ovelha ser um animal inocente, significa a inocência.
Por esta porta entram os culpados e se tornam inocentes:
réus de culpa, tornam-se inocentes pela justiça.
Estavam fora pela culpa, agora estão dentro pela
justiça: fora como lobos, pela rapacidade; dentro como
ovelhas, pela simplicidade. Excelente esta porta, em
que tais coisas obrou a destra do Altíssimo.
Chamava-se porta dos peixes aquela porta pela qual eram
trazidos os peixes provenientes do mar. Esta porta
significa o arrependimento, que possui uma de suas colunas
na compunção do coração e outra na confissão da boca.
Por esta porta são trazidos os homens agiotados pelas
inquietudes do mundo presente, amargosos pelo sal,
corrompidos pelo fedor, ensoberbecidos pela elevação das
ondas, ásperos pelas escamas do homem velho,
conspurcados pela lama dos prazeres carnais, alheios à
luz do verdadeiro Sol. Caídos na rede do bem aventurado
Pedro, ou daqueles que fazem as suas vezes, removidos
das flutuações do mundo, são conduzidos para
Jerusalém, isto é, à Igreja, onde se lhes retiram
as escamas dos pecados. Há, todavia, alguns que, à
semelhança das enguias, agarram-se à pele do homem
velho e aderem ao lodaçal dos vícios, freqüentemente ou
sempre fugindo da rede do Senhor, nunca vindo para cima
para a luz da verdade, onde morreriam para si, mas
ganhariam vida nova e viveriam para Deus.
A porta antiga é a caridade, conforme está escrito:
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"Caríssimos, não vos escrevi um mandamento novo, mas
um mandamento velho, que vós recebestes desde o
princípio".
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Entram por esta porta aqueles que passam do amor do mundo
para o amor de Deus. Por esta porta entrou Maria
Madalena a qual, depois de tantos e tão grandes
escândalos carnais, de vaso de ignomínia transformou-se
em vaso de glória.
A porta do vale, que estava diante do Vale de Josafá,
significa a humildade. Por esta porta entram aqueles que
da soberba do demônio se voltam para a humildade de
Cristo. Fora se consideravam sublimes, dentro se tornam
humildes. Fora, pelo seu orgulho, se assemelhavam ao
cedro; dentro, pela humildade, se assemelham ao
hissopo. Afastados de Deus pelo orgulho, convertidos a
Ele pela humildade, esta porta produz uma profunda
conversão.
A porta do esterco, que estava na parte inferior da
cidade, pela qual eliminavam-se os detritos, significa a
excomunhão. Por esta porta não entram, antes são
expulsos, aqueles que pelas suas culpas se tornaram a si
mesmos próprios como o esterco. Não convém, de fato,
que habitem juntos o cabrito e o cordeiro, o pecador e o
justo, o puro com o imundo, o adúltero com Cristo,
para que não aconteça que o justo, incentivado pelo
exemplo do pecador, estenda as suas mãos à iniqüidade.
A porta da fonte era assim chamada porque estava diante da
fonte de Siloé. Siloé significa Enviado, e significa
Cristo, a quem o Pai enviou para a salvação do gênero
humano. Esta fonte é o próprio Verbo de Deus, em
cuja corrente bebem os sedentos, saciam-se os famintos,
são chamados de volta os antes desprezados, recobram a
saúde os doentes, reconciliam-se os inimigos,
libertam-se os cativos, justificam-se os ímpios,
alcançam a bem aventurança os pobres. A porta de
Siloé é, portanto, a fé em Cristo. Fora dela
estão aqueles que não alcançaram a fé; dentro dela
estão os fiéis, membros de Cristo, unidos a Cristo
pela fé, enquanto vivem na esperança de serem bem
aventurados com Ele na glória.
A porta das águas significa a compunção. Aqueles que
por ela entram nela são lavados. Sórdidos quando
estavam fora, aqui tornam-se limpos; de negros que
eram, tornam-se alvos. Antes cabritos, agora
cordeiros.
A porta dos cavalos significa a vitória sobre os
vícios. Os que ingressam por ela vencem, pelo freio da
temperança, o ímpeto da ira, a cobiça da avareza, a
voracidade da gula, o fluxo da luxúria.
A porta judicial significa o discernimento. Aqueles que
passam por ela distingüem entre o sagrado e o profano,
entre o puro e o imundo, entre o verdadeiro e o falso,
entre o bem e o mal, entre a justiça e a culpa, entre a
verdade e a mentira, entre o honesto e o desonesto.
Bem aventurado o que entra por estas portas.
Esforcemo-nos, irmãos caríssimos, esforcemo-nos para
sermos cidadãos de tão gloriosa cidade, e nela imolar a
Deus nosso Senhor um sacrifício de louvor,
oferecendo-lhe o novilho de nossos lábios, a Ele, que
vive e reina pelos séculos.
Amén.
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