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Caríssimos, a Escritura afirma que
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"Israel germinará como o lírio".
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É por isso que cantamos:
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"O justo germinará como o lírio, e florescerá
eternamente diante do Senhor".
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Se houver quem as busque, nas coisas visíveis podem ser
encontradas tantas significações de coisas espirituais e
invisíveis quantas forem as propriedades das coisas
visíveis e corporais, seja interiormente em sua
natureza, seja exteriormente em sua forma. Isto
significa, portanto, que não apenas as próprias
coisas, mas também as suas qualidades e disposições
formais existem para o conhecimento e a busca das diretivas
e das exortações do sumo e eterno bem. O homem a quem o
Senhor ensina a ciência é chamado ao bem verdadeiro e
imutável não apenas interiormente pela razão e pelo
desejo, mas também exteriormente pela Escritura e pela
criatura.
A primeira propriedade do lírio que surge diante de
nossos sentidos é o seu verdor. Observamos também que o
lírio cresce para o alto, sem inclinar-se para um lado
ou para outro. É planta medicinal, possuindo em sua raiz
fibras muito apropriadas para este uso. Seu caule é
revestido pelas suas folhas. Quando alcança a plenitude
de seu crescimento, encontramo-lo orientado para o alto
também pelos seus vários ramos. Possui uma flor branca
fendida em seis partes, no interior da qual encontramos
uma suave fragrância e a cor do açafrão pelos seus
grãos. O lírio, ademais, não só cresce para o
alto, como também é reto em sua estatura.
Todas estas coisas convém espiritualmente ao homem
justo. O homem justo possui o seu verdor e cresce em
direção ao alto, e todas as demais coisas que
encontramos no lírio nele também se encontram
espiritualmente.
O verdor designa a fé porque, conforme já mostramos em
outro sermão, assim como o verdor é a primeira coisa
encontrada no que germina, assim também a fé é a
primeira de todas as virtudes.
O crescimento para o alto significa a esperança, pela
qual nos erguemos do mundo presente ao consórcio dos
espíritos superiores, à plenitude da verdadeira bem
aventurança, à esperança, ao amor, ao desejo, à
busca e ao encontro da contemplação do Deus eterno.
Assim como o lírio, o homem justo também é medicinal
pelo seu ensino. As doenças e as enfermidades do corpo
curam-se com diversos antídotos e medicamentos; do mesmo
modo, as doenças da alma são curadas de muitas maneiras
pelo ensino. Assim como os fármacos e os medicamentos
curam os abcessos, assim também, quando ensinamos, as
palavras expelem o pecado.
O justo possui fibras e raízes interiormente unidas,
pois nele o pensamento concorda com o pensamento, o
sentido concorda com o sentido, a vontade concorda com a
vontade, o afeto concorda com o afeto. O justo concorda
de tal modo consigo mesmo que não muda de uma para outra
coisa, conforme está escrito, bem diversamente, do
insensato. A Escritura, de fato, afirma que
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"o insensato muda como a Lua",
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pois assim como a Lua ora é nova, ora é minguante, ora
é cheia, mudando sem cessar de um estado para outro,
assim também o insensato, dominado pelos desejos
carnais, muda de tal modo que nunca concorda nem consigo
mesmo nem com outrem, estando sempre em discordância.
Deve-se notar que as folhas do lírio crescem para o
alto. Assim também tudo o que o justo faz exteriormente
pela ação é elevado para o alto pela intenção.
Reto, pela justiça tributa a cada um o que é seu; ao
fiel tributa o que é do fiel, ao infiel tributa o que é
do infiel, ao justo tributa o que é do justo, ao injusto
tributa o que é do injusto, ao amigo o que deve ao
amigo, ao inimigo o que deve ao inimigo,
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"a César o que é de César, a Deus o que é de
Deus".
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O justo, ademais, divide-se em muitos ramos pela
multiforme graça do Espírito Santo. Inundado pelos
seus diversos dons, não é inconvenientemente dito
dividido em diversos ramos.
O justo é branco pela pureza. Livre de toda mácula da
mente e do espírito, imita a brancura do lírio pelo
decoro da pureza, fendido em seis partes pela
perfeição. O número senário, pelo que consta,
significa a perfeição, e o justo aperfeiçoa-se pelas
suas partes. As partes do senário são o um, o dois e o
três, que simultaneamente constituem seis, e quer se
diga seis vezes um, três vezes dois ou duas vezes três,
consuma-se o mesmo número senário.
Os grãos, situados na flor, estendidos e da cor do
açafrão, são figura da caridade. Conforme já
demonstramos em outro lugar, a cor do açafrão parece
imitar o rútilo esplendor da chama. Conforme também
dissemos em outros sermões, a fragrância do lírio
designa a boa fama.
O lírio possui ainda outras propriedades, como a sua
natureza frígida, que sugere a extinção dos vícios, e
outras mais que podem figurar as virtudes e as boas obras.
Por ora, porém, seja suficiente termos tratado das que
já falamos.
Devem-se notar também as quatro palavras que foram
ditas:
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"germinará, florescerá, eternamente, diante do
Senhor".
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No lírio, irmãos, primeiro vem o germinar, no fim o
florescer. O germinar designa, portanto, o bom
início; o florescer, a consumação. A palavra
"eternamente" designa a perpétua perseverança do justo
no bem, e a expressão "diante do Senhor" refere-se à
sua boa intenção. O justo, portanto, germina,
iniciando coisas boas; floresce, consumando-as;
eternamente, perseverando; e diante do Senhor,
realizando seus bens pela reta intenção.
Apliquemo-nos, irmãos, portanto, pelos méritos e
pela intercessão do justo cuja solenidade hoje
celebramos, a germinar e a florescer deste modo, para que
mereçamos ser admitidos na glória do reino celeste, para
tanto auxiliando- nos Jesus Cristo, nosso Senhor, que
vive e reina pelos séculos dos séculos.
Amén.
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