SERMO XVIII. SOBRE A ANUNCIAÇÃO DO SENHOR.

"Eis que conceberás, e darás à luz um filho".

Luc. 1, 31

Irmãos caríssimos, vamos falar sobre a anunciação do Senhor.

Far-vos-emos um sermão compendioso, para não onerar o vosso amor. Muitas Escrituras, de fato, expõem o modo da sacratíssima concepção, as quais, sendo já de vosso conhecimento, farão que seja de nosso agrado preterir a exposição de seu modo ilibado e, em seu lugar, proferir algo que possa edificar os vossos costumes.

Nós mesmos, irmãos, devemos ser mãe de Cristo, se quisermos ser justos, se quisermos ser bem aventurados; se quisermos ser justos pela graça, se quisermos ser bem aventurados pela glória.

Nós mesmos devemos conceber a Cristo, gestar a Cristo, dar a luz a Cristo e possuir a Cristo nascido.

Na geração carnal a primeira coisa é a concepção, a segunda a gestação, a terceira o parto, a quarta a posse do nascido, em que há alegria, pois quando

"nasce um homem no mundo, a mãe já não se lembra de sua aflição".

Jo. 16, 21

Já na geração espiritual a primeira é a fé, a segunda a boa vontade, a terceira a boa ação, a quarta a eterna bem aventurança.

Na geração carnal a primeira coisa é a união do homem e da mulher em que esta é fecundada ao receber o sêmen. Depois vem a gestação, que é a preparação para o parto. Na gestação se dá o crescimento do feto concebido, a sua vegetação, a formação e a disposição de seus membros, a sua sensificação e o tornar-se o homem realidade perfeita. Segue-se finalmente o parto, isto é, o nascimento do menino, no qual a dor, a angústia, o trabalho e o clamor da mãe são máximos. Ao parto se segue, por último, a posse do filho nascido, quando a mãe, pela grande alegria de ter nascido um homem no mundo, já não mais se lembra da aflição passada.

Assim também ocorre na geração espiritual, em que Deus é o homem e a alma é a mulher.

Quando o próprio Deus se une à alma, a alma concebe a Cristo pela fé. A fé, de fato, é o primeiro de todos os bens,

"sem a qual é impossível agradar a Deus",

Heb. 11, 6

assim como também é impossível para a natureza gerar um homem sem o sêmen. Segue-se-lhe a gestação, quando o conhecimento do bem concebido cresce pela boa vontade, adquire sentidos pelo afeto e como que adquire a disposição dos membros pelo desejo de operar. Segue-se-lhe ainda o parto, quando o bem, que antes estava contido interiormente na boa vontade, se manifesta exteriormente pela ação, em que encontramos o trabalho e o clamor da mãe, pois a alma é então afligida pela enfermidade e pela murmuração da carne. Mas enquanto dura este parto, enquanto se vive, sempre este feto está nascendo, pois enquanto for tempo de viver, sempre será tempo de bem agir. Quando, porém, o homem morre, a criança nasce perfeitamente, porque somente no dia da morte é perfeitamente declarada a virtude e o mérito da obra.

A posse do filho nascido é a eterna bem aventurança, na qual veremos e saborearemos a Cristo. Ve-lo-emos pela contemplação, saborearemo-lo pelo amor. Sobre a alegria e o fruto deste nascimento está escrito:

"Quando tiver dado o sono aos seus amados, eis a herança do Senhor, os filhos; a recompensa, o fruto do ventre".

Salmo 126, 2-3

Concebemos, portanto, a Cristo pela fé, gestamo-lo pela boa vontade, damo-lo à luz pela boa ação, alegramo-nos com o filho nascido pela eterna retribuição.

Deve-se saber, porém, que a alma carnal não pode receber a Cristo, assim como a janela de madeira não pode receber em si o raio do Sol. E assim como a janela de vidro recebe em si o raio do Sol, e este mesmo raio nela entra e nela penetra, assim também a alma espiritual, purificada da sordidez dos vícios e clarificada pelo Sol das virtudes, concebe a Cristo.

O que é a madeira da janela, senão o corpo? E o que é o seu vidro, senão o espírito?

O ferro que liga as partes da janela significa o rigor da severidade, pois todas as coisas são domadas pelo ferro. O chumbo, por causa de seu peso, significa a virtude da gravidade. As diversas lâminas são os diversos sentidos da alma, dos quais alguns são dispostos para cima pela contemplação de Deus, outros para baixo pelo cuidado de si, outros para a direita pelo amor dos amigos, outros para a esquerda pelo amor dos inimigos, outros ao redor pela circunspecção dos movimentos.

A pureza natural do vidro significa as virtudes que nos foram dadas pela natureza; a cor que se lhe é acrescentada, as virtudes que nos foram concedidas pela graça. As pinturas das imagens significam os exemplos dos santos, que nós devemos diligentemente pintar em nós mesmos, refletindo sobre suas virtudes: a inocência de Abel, a justiça de Noé, a fé de Abraão, a perseverança de Isaac, a paciência de Jacó, a castidade de José, a mansidão de Moisés, a constância de Josué, a caridade de Samuel, a humildade de Davi, o zelo de Elias, a abstinência de Daniel, a singular humildade de São João Batista e a castidade da bem aventurada Maria. Pintemos também em nós a cruz, refletindo continuamente sobre a paixão que o Senhor padeceu por nós, assim como as imagens dos outros santos, refletindo e imitando suas virtudes e seus exemplos.

Deste modo, irmãos, nesta mística significação da janela de vidro a madeira é o corpo, o vidro é o espírito. O ferro é a severidade, o chumbo a gravidade, e cada uma das lâminas os vários sentidos da alma. A pureza do vidro são as virtudes que nos são dadas pela natureza, as cores acrescentadas as virtudes que nos são concedidas pela graça e as pinturas das imagens os exemplos dos santos.

Sejamos, portanto, irmãos caríssimos, espirituais para que irradiemos pelo raio do Sol da justiça e para que espiritualmente concebamos e demos à luz a Cristo, o filho da virgem Maria.

Que Ele mesmo, vindo em nosso auxílio, nos conceda alcançar a alegria da retribuição eterna, Ele que vive e reina pelos séculos dos séculos.

Amén.