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58. O mistério da Ressurreição e do Pentecostes é anunciado e
vivido pela Igreja, herdeira e continuadora do testemunho dos
Apóstolos acerca da Ressurreição de Jesus Cristo. Ela é a
testemunha permanente desta vitória sobre a morte, que revelou o poder
do Espírito Santo e determinou a sua nova vinda, a sua nova
presença nos homens e no mundo. Com efeito, na Ressurreição de
Cristo, o Espírito Santo-Paráclito revelou-se sobretudo como
aquele que dá a vida: «Aquele que ressuscitou Cristo dos mortos
vivificará também os vossos corpos mortais, por meio do seu
Espírito, que habita em vós». [247] Em nome da
Ressurreição de Cristo, a Igreja anuncia a vida, que se
manifestou para além das fronteiras da morte, a vida que é mais forte
que a morte. Ao mesmo tempo, ela anuncia aquele que dá esta vida: o
Espírito vivificante; anuncia-o e coopera com ele para dar a vida.
Na verdade, «embora o... corpo esteja morto por causa do
pecado.... o espírito está vivo por causa da justificação»,
[248] operada por Cristo Crucificado e Ressuscitado. Em nome
da Ressurreição de Cristo, a Igreja põe-se ao serviço da vida
que provém do próprio Deus, em estreita união com o Espírito e em
humilde cooperação com Ele.
Em razão precisamente desse serviço o homem torna-se de maneira
sempre nova o «caminho da Igreja», como já tive ocasião de dizer
na Encíclica sobre Cristo Redentor [249] e repito agora nesta
sobre o Espírito Santo. A Igreja, unida ao Espírito Santo,
está cônscia, mais do que ninguém, do homem interior, dos traços
que no homem são mais profundos e essenciais, porque espirituais e
incorruptíveis. É a este nível que o Espírito enxerta a «raiz da
imortalidade», [250] da qual desponta a vida nova, ou seja, a
vida do homem em Deus, que, como fruto da divina autocomunicação
salvífica no Espírito Santo, só pode desenvolver-se e
consolidar-se sob a acção do mesmo Espírito. Por isso, o
Apóstolo dirige-se a Deus em favor dos fiéis, a quem declara:
«Do bro os joelhos diante do Pai ... que Ele vos conceda...
que sejais poderosamente corroborados, pelo seu Espírito, na
vitalidade do homem interior». [251]
Sob a influência do Espírito Santo, este homem interior, quer
dizer «espiritual», amadurece e fortalece-se. Graças à
comunicação divina, o espírito humano que «conhece os segredos do
homem» encontra-se com o «Espírito que perscruta as profundezas do
próprio Deus». [252] E neste Espírito, que é o Dom
eterno, Deus uno e trino abre-se ao homem, ao espírito humano. O
sopro recôndito do Espírito divino faz com que o espírito humano,
por sua vez se abra, diante de Deus que se abre para ele, com
desígnio salvífico e santificante. Pelo dom da graça, que vem do
Espírito Santo, o homem entra «numa vida nova», é introduzido na
realidade sobrenatural da própria vida divina e torna-se «habitação
do Espírito Santo», «templo vivo de Deus». [253] Com
efeito, pelo Espírito Santo, o Pai e o Filho vêm a ele e fazem
nele a sua morada. [254] Na comunhão de graça com a
Santíssíma Trindade dilata-se «o espaço vital» do homem,
elevado ao nível sobrenatural da vida divina. O homem vive em Deus e
de Deus, vive «segundo o Espírito» e «ocupa-se das coisas do
Espírito».
59. A íntima relação com Deus, no Espírito Santo, faz com
que o homem também se compreenda de uma maneira nova a si mesmo a à
sua própria humanidade. É realizada, assim, plenamente, aquela
imagem e semelhança de Deus, que o homem é desde o princípio.
[255] Esta verdade íntima do homem deve ser continuamente
redescoberta à luz de Cristo, que é o protótipo da relação com
Deus; e, na mesma verdade, deve ser igualmente redescoberta a razão
de o homem não poder «encontrar-se plenamente a não ser no dom
sincero de si mesmo», ao conviver com os outros homens, como escreve
o Concílio Vaticano II; isso acontece justamente por motivo da
semelhança com Deus, a qual «torna manifesto que o homem, é a
única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma»,
com a sua dignidade de pessoa, mas também com a sua abertura à
integração e à comunhão com os outros. [256] O conhecimento
efectivo e a realização plena desta verdade do ser dão-se só por
obra do Espírito Santo. O homem aprende esta verdade de Jesus
Cristo e põe-na em prática na própria vida por obra do Espírito
Santo, que Ele nos deu.
Neste caminho — no caminho de um am adurecimento interior assim, que
inclui a descoberta plena do sentido da humanidade — Deus torna-se
íntimo ao homem e penetra, cada vez mais profundamente, em todo o
mundo humano. Deus uno e trino, que «existe» em si mesmo como
realidade transcendente de Dom interpessoal, ao comunicar-se no
Espírito Santo como dom ao homem, transforma o mundo humano, a
partir de dentro, a partir do interior dos corações e das
consciências. Neste caminho, o mundo, participante do Dom divino,
torna-se — como ensina o Concílio — «cada vez mais humano, cada
vez mais profundamente humano», [257] ao mesmo tempo que,
nele, vai amadurecendo, através dos corações e das consciências
dos homens, o Reino no qual Deus será definitivamente «tudo em
todos», [258] como Dom e como Amor. Dom e Amor: é esta a
eterna potência do abrir-se de Deus uno e trino ao homem e ao mundo,
no Espírito Santo.
Na perspectiva do ano 2000 depois do nascimento de Cristo,
importa conseguir que um número cada vez maior de homens «possam
encontrar-se plenamente... através do dom sincero de si».
Trata-se, pois, de fazer com que, sob a acção do
Espírito-Paráclito, se realize, no nosso mundo, um processo de
verdadeiro amadurecimento na humanidade, na vida individual e na vida
comunitária; foi em ordem a isso que o próprio Jesus, «quando
pedia ao Pai "que todos sejam um, como eu e tu somos um" (Jo
17, 21-22) ... nos sugeriu que existe uma certa semelhança
entre a união das pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na
verdade e na carídade». [259] O Concílio insiste nesta
verdade sobre o homem; e a Igreja vê nela uma indicação
particularmente vigorosa e determinante das próprias tarefas
apostólicas. Sendo o homem, de facto, «o caminho da Igreja»,
este caminho passa através de todo o mistério de Cristo, modelo
divino do homem. Neste caminho, o Espírito Santo, consolidando em
cada um de nós «o homem interior», faz com que o homem cada vez mais
«se encontre plenamente através do dom sincero de si». Pode
afirmar-se que nestas palavras da Constituição pastoral do
Concílio está resumida toda a antropologia cristã: a teoria e a
prática fundamentadas no Evangelho, onde o homem, descobrindo em si
mesmo a pertença a Cristo e, n'Ele, a própria elevação à
dignidade de «filho de Deus», compreende melhor também a sua
dignidade de homem, precisamente porque é o sujeito da aproximação e
da presença de Deus, o sujeito da condescendência divina, na qual
está incluída a perspectiva e até mesmo a própria raiz da
glorificação definitiva. Então pode repetir-se, com verdade, que
é «glória de Deus o homem que vive, mas a vida do homem é a visão
de Deus»: [260] o homem, ao viver uma vida divina, é a
glória de Deus; e o dispensador escondido desta vida e desta glória
é o Espírito Santo. Ele — afirma o grande Basílio — «simples
na sua essência, mas manifestando multiformemente a sua virtude...
difunde-se, sem sofrer diminuição alguma, e está presente a cada
um daqueles que o podem receber, como se existisse só ele, ao mesmo
tempo que infunde em todos a graça em plenitude». [261]
60. Quando os homens descobrem, sob a influência do Paráclito,
esta dimensão divina do seu ser e da sua vida, quer como pessoas quer
como comunidades, estão em condições de libertar-se dos diversos
determinismos, que resultam principalmente das bases materialistas do
pensamento, da práxis e da sua relativa metodologia. Na nossa
época, estes factores conseguiram penetrar até ao mais íntimo do
homem, naquele santuário da consciência, onde o Espírito Santo
continuamente faz entrar a luz e a força da vida nova segundo a
«liberdade dos filhos de Deus». O amadurecimento do homem nesta
vida nova é impedido pelos condicionamentos e pressões, que exercem
sobre ele as estruturas e os mecanismos dominantes nos diversos sectores
da sociedade. Pode dizer-se que, em muitos casos, os factores
sociais, em vez de favorecerem o desenvolvimento e a expansão do
espírito humano, acabam por arrancá-lo à genuína verdade do seu
ser e da sua vida — sobre a qual vela o Espírito Santo — para o
sujeitar ao «príncipe deste mundo».
O grande Jubileu do ano 2000 contém, pois, uma mensagem de
libertação por obra do Espírito Santo, o único que pode ajudar as
pessoas e as comunidades a libertarem-se dos antigos e dos novos
determinismos — guiando-as com a «lei do Espírito que dá a vida em
Cristo Jesus» [262] — descobrindo e actuando, deste modo, a
medida plena da verdadeira liberdade do homem. Com efeito, — como
escreve São Paulo — «onde está o espírito do Senhor, aí há
liberdade». [263] Esta revelação da liberdade e, por
conseguinte, da verdadeira dignidade do homem, adquire uma particular
eloquência para os cristãos e para a Igreja em situações de
perseguição — quer em tempos passados quer actualmente: porque as
testemunhas da Verdade divina, neste caso, tornam-se uma
comprovação viva da acção do Espírito da verdade, presente no
coração e na consciência dos fiéis; e, não poucas vezes, selam
com o próprio martírio a suprema glorificação da dignidade humana.
Mesmo nas condições normais da sociedade, os cristãos, quando
testemunhas da autêntica dignidade do homem, contribuem, pela sua
obediência ao Espírito Santo para a multiforme «renovação da face
da terra», colaborando com os seus irmãos em ordem à realização e
valorização de tudo o que é bom, nobre e belo [264] no
progresso actual da civilização, da cultura, da ciência, da
técnica e dos outros sectores do pensamento e da actividade humana. E
fazem-no como discípulos de Cristo, o qual — escreve ainda o
Concílio — «constituído Senhor pel a sua ressurreição...
actua no coração dos homens pela virtude do seu Espírito, não só
suscitando neles o desejo do mundo futuro, mas, por isso mesmo,
inspirando, purificando e fortalecendo também as generosas
aspirações com as quais a família humana procura tornar mais humana a
própria vida e, para esse fim, submeter toda a terra». [265]
Assim, eles afirmam ainda mais a grandeza do homem, criado à imagem
e semelhança de Deus, grandeza que é iluminada pelo mistério da
Incarnação do Filho de Deus; este, na «plenitude dos tempos»,
por obra do Espírito Santo, entrou na história e manifestou-se
verdadeiro homem: Ele, «gerado antes de toda a criatura» e «por
meio do qual existem todas as coisas e nós igualmente
existimos».[266]
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