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Assim, à luz da sagrada doutrina do II Concílio do Vaticano, a
Igreja aparece frente a nós como sujeito social da responsabilidade
pela verdade divina. Ouçamos com profunda emoção o mesmo Cristo,
quando diz: " A palavra que vós ouvis não é minha, é do Pai,
que me enviou ". Nesta afirmação do nosso Mestre, não se
adverte, porventura, aquela responsabilidade pela verdade revelada,
que é «propriedade» do mesmo Deus, se até Ele, o «Filho
unigénito» que vive «no seio do Pai», quando a transmite, como
profeta e como mestre, sente necessidade de frisar bem que age em plena
fidelidade à sua divina fonte? A mesma fidelidade deve ser uma
qualidade constitutiva da fé da Igreja, quer quando ela a professa,
quer quando ela a ensina. A fé como específica virtude sobrenatural
infundida no espírito humano, faz-nos participantes no conhecimento
de Deus, em resposta à sua Palavra revelada. Por isso se exige que
a Igreja, quando professa e ensina a Fé esteja estritamente aderente
à verdade divina, e que a mesma Fé se traduza em comportamentos
vividos de obséquio consentâneo à razão. O próprio Cristo,
preocupado com esta fidelidade à verdade divina, prometeu à Igreja a
particular assistência do Espírito da verdade, concedeu o dom da
infalibilidade àqueles a quem confiou o mandato de transmitir tal
verdade e de a ensinar — doutrina esta que já havia sido claramente
definida pelo I Concílio do Vaticano e que, depois, foi repetida
também pelo II Concílio do Vaticano — e dotou ainda todo o Povo
de Deus de um particular sentido da fé.
Por consequência, tornámo-nos participantes de tal missão de
Cristo profeta; e, em virtude da mesma missão e juntamente com
Ele, servimos a verdade divina na Igreja. A responsabilidade por
esta verdade implica também amá-la e procurar obter a sua mais exacta
compreensão, de maneira a torná-la mais próxima de nós mesmos e
dos outros, com toda a sua força salvífica, com o seu esplendor e
com a sua profundidade e simplicidade a um tempo. Este amor e esta
aspiração por compreender a verdade devem andar juntos, como o estão
a confirmar as histórias pessoais dos Santos da Igreja. Eles eram
os mais iluminados pela autêntica luz que esclarece a verdade divina e
que aproxima a mesma realidade de Deus, porque se acercavam desta
verdade com veneração e amor: amor sobretudo para com Cristo,
Palavra viva da verdade divina e, ainda, amor para com a sua
expressão humana no Evangelho, na Tradição e na Teologia. De
igual modo hoje são necessárias, antes de mais, tal compreensão e
tal interpretação da Palavra divina; é necessária tal Teologia.
A Teologia teve sempre e continua a ter uma grande importância, para
que a Igreja, Povo de Deus, possa participar na missão profética
de Cristo de maneira criadora e fecunda. Por isso, os teólogos,
como servidores da verdade divina, dedicando os seus estudos e
trabalhos a uma cada vez mais penetrante compreensão da mesma verdade,
não podem nunca perder de vista o significado do seu serviço na
Igreja, contido no conceito do «intellectus fidei» ou seja, da a
inteligência da fé». Este conceito funciona, por assim dizer, a
um ritmo bilateral, segundo a expressão de Santo Agostinho:
«intellege, ut credas - crede, ut intellegas». Depois, funciona
de maneira correcta quando os mesmos teólogos procuram servir o
Magistério confiado na Igreja aos Bispos, unidos pelo vínculo da
comunhão hierárquica com o Sucessor de Pedro, e, ainda, quando se
põem ao serviço da sua solicitude no ensino e na pastoral, como
também quando se põem ao serviço dos interesses apostólicos de todo
o Povo de Deus.
Como em épocas precedentes, também hoje — e talvez mais ainda — os
teólogos e todos os homens de ciência na Igreja são chamados a
unirem a fé com a ciência e a sapiência, a fim de contribuírem para
uma recíproca compenetração das mesmas, como lemos na oração
litúrgica da memória de Santo Alberto Magno, Doutor da Igreja.
Este interesse ampliou-se enormemente nos dias de hoje, dado o
progresso da ciência humana, dos seus métodos e das suas conquistas
no conhecimento do mundo e do homem. E isto diz respeito tanto às
chamadas ciências exactas, quanto igualmente às ciências humanas,
bem como à Filosofia, cujos ligames estreitos com a Teologia foram
recordados pelo II Concílio doVaticano.
Neste campo do conhecimento humano, que continuamente se alarga e a um
tempo se diferencia, também a fé deve aprofundar-se constantemente,
tornando manifesta a dimensão do mistério revelado e tendendo para a
compreensão da verdade, que tem em Deus a única e suprema fonte.
Se é lícito — e é até mesmo para desejar — que aquele trabalho
imenso que está por fazer neste sentido tome em consideração um certo
pluralismo de métodos, tal trabalho, todavia, não pode afastar-se
da fundamental unidade no ensino da Fé e da Moral, como finalidade
que lhe é própria. É indispensável, portanto, que haja uma
estreita colaboração da Teologia com o Magistério. Todos os
teólogos devem estar particularmente conscientes daquilo que Cristo
exprimiu, quando disse: «A palavra que vós ouvis não é minha, é
do Pai, que me enviou». Ninguém, por conseguinte, pode tratar a
Teologia como que se ela fosse uma simples colectânea dos próprios
conceitos pessoais; mas cada um deve ter a consciência de permanecer
em íntima união com aquela missão de ensinar a verdade, de que é
responsável a Igreja.
A participação no múnus profético do próprio Cristo plasma a vida
de toda a Igreja, na sua dimensão fundamental. Uma participação
particular em tal múnus compete aos Pastores da Igreja, os quais
ensinam e, continuamente e de diversos modos, anunciam e transmitem a
doutrina da Fé e da Moral cristãs. Este ensino, quer sob o
aspecto missionário quer sob o aspecto ordinário, contribui para
congregar o Povo de Deus em torno de Cristo, prepara a
participação na Eucaristia e indica as vias da vida sacramental. O
Sínodo dos Bispos em 1977 dedicou uma atenção especial à
catequese no mundo contemporâneo; e o fruto amadurecido das suas
deliberações, experiências e sugestões encontrará, dentro em
breve, a sua expressão — em conformidade com a proposta dos
participantes no mesmo Sínodo — num apropriado Documento
pontifício. A catequese constitui, certamente, uma perene e ao
mesmo tempo fundamental forma de actividade da Igreja, na qual se
manifesta o seu carisma profético: testemunho e ensino andam juntos.
E se bem que aqui se fale em primeiro lugar dos Sacerdotes, não se
pode deixar de recordar também o grande número de Religiosos e
Religiosas que se dedicam à actividade catequística por amor do
divino Mestre. E seria difícil, por fim, não mencionar tantos e
tantos Leigos que, nesta mesma actividade, encontram a expressão da
sua fé e da sua responsabilidade apostólica.
Além disso, é preciso procurar cada vez mais que as várias formas
de catequese e os seus diversos campos — a começar daquela forma
fundamental que é a catequese «familiar», isto é, a catequese dos
pais em relação aos próprios filhos — atestem a participação
universal de todo o Povo de Deus no múnus profético do mesmo
Cristo. É necessário que, coligada a este facto, a
responsabilidade da Igreja pela verdade divina seja cada vez mais, e
de diversas maneiras, compartilhada por todos. E assim, o que é que
diremos aqui dos especialistas das diversas disciplinas, dos
representantes das ciências naturais e das letras, dos médicos, dos
juristas, dos homens da arte e da técnica, e dos que se dedicam ao
ensino nos vários graus e especializações? Todos eles — como
membros do Povo de Deus — têm a sua parte própria na missão
profética de Cristo, no seu serviço à verdade divina, até só
através do seu modo honesto de comportar-se em relação à verdade,
seja qual for o campo a que ela pertença, ao mesmo tempo que educam os
outros na verdade, ou lhes ensinam a maturar no amor e na justiça.
Deste modo, portanto, o sentido de responsabilidade pela verdade é
um dos fundamentais pontos de encontro da Igreja com todos e cada um
dos homens; e é igualmente uma das fundamentais exigências, que
determinam a vocação do homem na comunidade da Igreja. A Igreja
dos nossos tempos, guiada pelo sentido de responsabilidade pela
verdade, deve perseverar na fidelidade à própria natureza, à qual
pertence a missão profética que provém do mesmo Cristo: «Assim
como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós ... Recebei o
Espírito Santo».
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