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48. O vínculo especial da humanidade com esta Mãe foi
precisamente o que me levou a proclamar na Igreja, no período que
antecede a conclusão do Segundo Milénio do nascimento de Cristo,
um Ano Mariano. Uma iniciativa semelhante a esta já se verificou no
passado, quando o Papa Pio XII proclamou o ano de 1954 como
Ano Mariano, para dar realce à excepcional santidade da Mãe de
Cristo, expressa nos mistérios da sua Imaculada Conceição
(definida exactamente um século antes) e da sua Assunção ao
Céu.
Seguindo a linha do Concílio Vaticano II, anima-me o desejo de
pôr em relevo a presença especial da Mãe de Deus no mistério de
Cristo e da sua Igreja. Esta é uma dimensão fundamental que dimana
da Mariologia do Concílio, de cujo encerramento já nos separam mais
de vinte anos. O Sínodo extraordinário dos Bispos, que se
realizou em 1985, exortou a todos a seguirem fielmente o
magistério e as indicações do Concílio. Pode dizer-se que em
ambos - . no Concílio e no Sínodo - está contido aquilo que o
Espírito Santo deseja «dizer à Igreja» (cf. Apoc 2,
7.17.29; 3, 6.13.22) na fase presente da história.
Neste contexto, o Ano Mariano deverá promover também uma leitura
nova e aprofundada daquilo que o Concílio disse sobre a
Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de
Cristo e da Igreja, a que se referem as considerações contidas na
presente Encíclica. Com esta perspectiva, trata-se não só da
doutrina da fé, mas também da vida de fé; e, portanto, da
autêntica «espiritualidade mariana», vista à luz da Tradição e,
especialmente, daquela espiritualidade a que nos exorta o Concílio.
Além disso, a espiritualidade mariana, assim como a devoção
correspondente, tem uma riquíssima fonte na experiência histórica
das pessoas e das diversas comunidades cristãs, que vivem no seio dos
vários povos e nações, sobre toda a face da terra. A este
propósito, é-me grato recordar, dentre as muitas testemunhas e
mestres de tal espiritualidade, a figura de São Luís Maria
Grignion de Montfort, o qual propõe aos cristãos a consagração a
Cristo pelas mãos de Maria, como meio eficaz para viverem fielmente
os compromissos baptismais. E registo ainda aqui, de bom grado, que
também nos nossos dias não faltam novas manifestações desta
espiritualidade e devoção.
Há, portanto, pontos de referência seguros para os quais olhar e
aos quais ater-se, no contexto deste Ano Mariano.
49. A celebração do mesmo Ano Mariano terá início na
Solenidade do Pentecostes no dia 7 de Junho próximo. Trata-se,
efectivamente, não apenas de recordar que Maria «precedeu» o
ingresso de Cristo Senhor na história da humanidade, mas também de
salientar, à luz de Maria, que, desde que se realizou o mistério
da Incarnação, a história da humanidade entrou «na plenitude dos
tempos» e que a Igreja é o sinal desta plenitude. Como Povo de
Deus, a Igreja vai fazendo, mediante a fé, a peregrinação no
sentido da eternidade no meio de todos os povos e nações,
peregrinação que começou no dia do Pentecostes. A Mãe de
Cristo, que esteve presente no princípio do «tempo da Igreja»
quando, durante os dias de espera do Espírito Santo, era assídua
na oração no meio dos Apóstolos e dos discípulos do seu Filho,
«precede» constantemente a Igreja nesta sua caminhada através da
história da humanidade. Ela é também aquela que, precisamente como
serva do Senhor, coopera sem cessar na obra da salvação realizada
por Cristo, seu Filho.
Assim, por meio deste Ano Mariano, a Igreja é chamada não só a
recordar tudo o que no seu passado testemunha a especial cooperação
materna da Mãe de Deus na obra da salvação em Cristo Senhor, mas
também a preparar para o futuro, na parte que lhe toca, os caminhos
desta cooperação salvífica, dado que, com o final do Segundo
Milénio cristão, se abre como que uma nova perspectiva.
50. Como já tivemos ocasião de recordar, também entre os irmãos
desunidos muitos honram e celebram a Mãe do Senhor, especialmente
entre os Orientais. É uma luz mariana projectada sobre o
Ecumenismo. Mas desejaria aqui recordar ainda, em particular, que
durante o Ano Mariano ocorrerá o Milénio do Baptismo de São
Vladimiro, Grão-Príncipe de Kiev (a. 988), que deu
início ao Cristianismo nos territórios da «Rus'» de então e, em
seguida, em todos os territórios da Europa oriental; e que, por
esta via, mediante a obra de evangelização, o Cristianismo se
estendeu também para além da Europa, até aos territórios
setentrionais do Continente asiático. Desejaríamos, portanto,
especialmente durante este Ano, unir-nos na oração com todos
aqueles que celebram o Milénio desse Baptismo, ortodoxos e
católicos, renovando e confirmando com o Concílio, a vivência de
sentimentos de alegria e consolação, pelo facto de que «os
Orientais ... acorrem a venerar a Mãe de Deus, sempre Virgem,
com fervor ardente e ânimo devoto». Embora experimentemos ainda os
efeitos dolorosos da separação, que se deu alguns decénios depois
(a. 1054), podemos dizer que diante da Mãe de Cristo nos
sentimos verdadeiros irmãos e irmãs no âmbito daquele Povo
messiânico chamado a ser uma única família de Deus sobre a face da
terra, como já tive ocasião de anunciar no passado dia de Ano
Novo: «Desejamos reconfirmar esta herança universal de todos os
filhos e filhas desta terra».
Ao anunciar o Ano de Maria, eu precisava ainda que o seu
encerramento será no ano seguinte, na solenidade da Assuncão de
Nossa Senhora ao Céu, querendo realçar «o sinal grandioso no
céu» de que fala o Apocalipse. Deste modo, queremos também pôr
em prática a exortação do Concílio, que olha para Maria como um
«sinal de esperança segura e de consolação para o Povo de Deus
peregrino». E essa exortação foi espressa pelo Concílio com as
seguintes palavras: «Dirijam todos os fiés súplicas instantes à
Mãe de Deus e Mãe dos homens, para que ela, que assistiu com suas
orações aos começos da Igreja, também agora, no Céu, exaltada
acima de todos os bem-aventurados e dos anjos, interceda junto de seu
Filho, na comunhão de todos os santos, até que todas as famílias
dos povos, quer as que ostentam o nome cristão, quer as que ignoram
ainda o seu Salvador, se reúnam felizmente, em paz e concórdia, no
único Povo de Deus, para glória da santíssima e indivisa
Trindade».
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