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42. Dissémos que, no ponto culminante do mistério pascal, o
Espírito Santo é definitivamente revelado e tornado presente de uma
maneira nova. Cristo ressuscitado diz aos Apóstolos: «Recebei o
Espírito Santo». Deste modo, é revelado o Espírito Santo,
porque as palavras de Cristo constituem a confirmação das promessas e
dos anúncios do discurso do Cenáculo. E por isso mesmo o
Paráclito é tornado presente de uma maneira nova. Ele, na
realidade, actuava já desde o início no mistério da criação e ao
longo de toda a história da Antiga Aliança de Deus com o homem. A
sua acção foi plenamente confirmada pela missão do Filho do homem
como Messias, que veio pelo poder do Espírito Santo. No ápice da
missão messiânica de Jesus, o Espírito Santo torna-Se presente
no mistério pascal em toda a sua subjectividade divina: como Aquele
que deve continuar agora a obra salvífica radicada no sacrifício da
Cruz. Esta obra, sem dúvida, foi confiada por Jesus a homens:
aos Apóstolos e à Igreja. No entanto, nestes homens e por meio
deles, o Espírito Santo permanece o transcendente sujeito
protagonista da realização desta obra, no espírito do homem e na
história do mundo: Ele, o Paráclito invisível e,
simultaneamente, omnipresente! O Espírito que «sopra onde quer».
[159]
As palavras pronunciadas por Cristo ressuscitado, no «primeiro dia
depois do sábado», dão particular relevo à presença do
Paráclito-Consolador, como Aquele que «convence o mundo quanto ao
pecado, quanto à justiça e quanto ao juízo». Só com esta
referência se explicam, efectivamente, as palavras que Jesus põe em
relação directa com o «dom» do Espírito Santo aos Apóstolos.
Ele diz: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes
os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes,
ser-lhes-ão retidos». [160] Jesus assim confere aos
Apóstolos o poder de perdoar os pecados, para que eles o transmitam
aos seus sucessores na Igreja. Todavia, este poder, concedido aos
homens, pressupõe e inclui a acção salvífica do Espírito Santo.
Tornando-Se «luz dos corações» [161] — isto é, das
consciências — o Espírito Santo «convence quanto ao pecado», ou
seja, leva o homem a conhecer o seu mal e, ao mesmo tempo, orienta-o
para o bem. Graças à multiplicidade dos seus dons — pelo que Ele
é invocado como o «septiforme» — o poder salvífico de Deus pode
atingir toda a espécie de pecados do homem. Na realidade, como diz
São Boaventura, «todos os males são destruídos, ao mesmo tempo
que são proporcionados todos os bens». [162]
Sob o influxo do Consolador, realiza-se, portanto, a conversão do
coração humano, que é a condição indispensável para o perdão dos
pecados. Sem uma verdadeira conversão, que implica uma contrição
interior, e sem um sincero e firme propósito de mudança, os pecados
permanecem «não-perdoados» (retidos), como diz Jesus e, com
Ele, toda a Tradição da Antiga e da Nova Aliança. Com
efeito, as primeiras palavras pronunciadas por Jesus no início do
Seu ministério, segundo o Evangelho de São Marcos, são as
seguintes: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho». [163]
Temos uma confirmação desta exortação no «convencer quanto ao
pecado» que o Espírito Santo empreende, de uma maneira nova, em
virtude da Redenção operada pelo Sangue do Filho do homem. Por
esta razão a Epístola aos Hebreus afirma que este «sangue purifica
a consciência». [164] Portanto, este sangue abre ao
Espírito Santo, em certo sentido, o caminho para o íntimo do
homem, isto é, para o santuário das consciências humanas.
43. O Concílio Vaticano II recordou a doutrina católica sobre
a consciência, ao falar da vocação do homem e, em particular, da
dignidade da pessoa humana. É a consciência, precisamente, que
determina de modo específico essa dignidade. Ela, efectivamente, é
«o centro mais secreto do homem, o santuário onde ele se encontra a
sós com Deus, cuja voz ressoa no seu íntimo». Voz que,
claramente ... «ressoa aos ouvidos do coração: faz isto, evita
aquilo». Tal capacidade de ordenar o bem e proibir o mal, inserida
pelo Criador no homem é a propriedade principal do sujeito pessoal.
Mas, ao mesmo tempo, «no fundo da sua consciência o homem descobre
a presença de uma lei, que ele não impôs a si mesmo, mas à qual
deve obedecer». [165] A consciência, portanto, não é uma
fonte autónoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau;
pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de
obediência relacionado com a norma objectiva, que fundamenta e
condiciona a conformidade das suas decisões com os mandamentos e as
proibições que estão na base do comportamento humano, como já
transparece naquela página do Livro do Génesis, a que fizemos
referência. [166] Precisamente neste sentido, a consciência
é o «santuário íntimo» onde «a voz de Deus se faz ouvir». E é
a «voz de Deus» sempre, mesmo quando o homem reconhece
exclusivamente nela o princípio da ordem moral de que humanamente não
se pode duvidar, eventualmente sem referência directa ao Criador: a
consciência encontra sempre o seu fundamento e a sua justificação
nesta referência.
O «convencer quanto ao pecado», sob o influxo do Espírito da
verdade, de que fala o Evangelho, não pode realizar-se no homem por
outro meio que não seja o da consciência. Se a consciência for
recta, ela servirá «para resolver segundo a verdade os problemas
morais, que se apresentam tanto na vida individual, como na vida
social». Então, «as pessoas e os grupos sociais estarão longe da
arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as normas objectivas
da moralidade». [167]
O fruto da consciência recta é, primeiro que tudo, o chamar pelo
seu nome o bem e a mal, como faz, por exemplo, a mesma
Constituição pastoral a que acabámos de aludir: «Tudo aquilo que
se opõe à própria vida, como sejam os homicídios de qualquer
espécie, os genocídios, os abortos, a eutanásia e mesmo o
suicídio voluntário; tudo aquilo que constitui uma violação da
integridade da pessoa humana, como sejam as mutilações, as torturas
morais ou físicas, as pressões psicológicas; tudo aquilo que ofende
a dignidade do homem, como sejam as condições infra-humanas de
vida, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravatura, a
prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, ou ainda as
condições de trabalho degradantes, que reduzem os operários a meros
instrumentos de lucro, sem ter em conta a sua personalidade livre e
responsável». E, depois de ter chamado pelo seu nome os múltiplos
pecados tão frequentes e difundidos no nosso tempo, acrescenta:
«Todas estas coisas e outras semelhantes são, na verdade, uma
infâmia; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana,
desonram mais os que a elas se entregam do que aqueles que sofrem a
injúria; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador».
[168]
Ao chamar pelo nome os pecados que mais desonram o homem, e
demonstrando que eles são um mal moral que influi negativamente sobre
qualquer balanço do progresso da humanidade, o Concílio apresenta
tudo isso como uma etapa «de uma luta dramática entre o bem e o mal,
entre a luz e as trevas», que caracteriza «toda a vida humana, quer
individual quer colectiva». [169] A Assembleia do Sínodo
dos Bispos de 1983, sobre a reconciliação e a penitência,
apresentou ainda em termos mais precisos o significado pessoal e social
do pecado do homem. [170]
44. No Cenáculo, na véspera da sua Paixão, e depois na tarde
da Páscoa, Jesus Cristo apelou para o Espírito Santo como para
Aquele que testemunha que na história da humanidade o pecado continua
a existir. Todavia, o pecado está submetido ao poder salvífico da
Redenção. O «convencer o mundo quanto ao pecado» é algo que não
pára pelo facto de ele ser chamado com o seu nome e identificado por
aquilo que é, em toda extensão da sua natureza. Ao convencer o
mundo quanto ao pecado, o Espírito da verdade encontra-se com a voz
das consciências humanas.
Dessa maneira se chega a por à mostra as raízes do pecado, que se
encontram no íntimo do homem, como também evidencia a Constituição
pastoral já citada: «Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o
mundo contemporâneo estão ligados com un desequilíbrio mais
fundamental, que se enraíza no coração do homem. São muitos os
elementos que se combatem no próprio homem. Por um lado, como
criatura, ele experimenta as suas múltiplas limitações; por outro
lado, sente-se ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida
superior. Atraído por muitas solicitações, ele vê-se a todo o
momento constrangido a escolher entre elas e a renunciar a algumas.
Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes o que não quer e não
faz o que desejaria fazer». [171] O texto conciliar faz aqui
referência às palavras de São Paulo que são bem conhecidas.
[172]
O «convencer quanto ao pecado», que acompanha a consciência humana
todas as vezes que ela reflecte em profundidade sobre si mesma , leva,
pois, à descoberta das raízes do mesmo pecado no homem, como também
dos condicionamentos da própria consciência no curso da história.
Reencontramos assim a realidade originária do pecado, da qual já
falamos. O Espírito Santo «convence quanto ao pecado» em
relação ao mistério do princípio, indicando o facto de que o homem
é um ser-criado e que, portanto, está em total dependência
ontológica e ética do Criador, e recordando, ao mesmo tempo, a
condição pecadora hereditária da natureza humana. Mas o Espírito
Santo-Consolador «convence quanto ao pecado» sempre em relação
com a Cruz de Cristo. Nesta relação, o cristianismo rejeita toda
a «fatalidade» do pecado. «Um duro combate contra os poderes das
trevas atravessa, com efeito, toda a história humana; começado nas
origens do mundo, durará, como diz o Senhor, até ao último
dia», conforme ensina o Concílio. [173] «Mas o Senhor em
pessoa veio para libertar o homem e dar-lhe a força». [174]
O homem, portanto, longe de se deixar «enredar» na sua condição
de pecador, apoiando-se na voz da própria consciência, «deve
combater sem tréguas para aderir ao bem; nem pode conseguir a sua
unidade interior se não a preço de grandes esforços e com a ajuda da
graça de Deus». [175] O Concílio justamente encara o
pecado como factor da ruptura, que pesa tanto sobre a vida pessoal como
sobre a vida social do homem; mas, ao mesmo tempo, recorda
vigorosamente a possibilidade da vitória.
45. O Espírito da verdade, que «convence o mundo quanto ao
pecado», encontra-se com os esforços da consciência humana, de que
falam os textos conciliares de maneira muito sugestiva. Estes
esforços da consciência determinam também os caminhos das conversões
humanas: voltar as costas ao pecado, para reconstruir a verdade e o
amor no próprio coração do homem. Sabe-se que a consciência não
só manda ou proíbe, mas julga à luz das ordens e proibições
interiores. Ela é também a fonte dos remorsos: o homem sofre
interiormente por causa do mal cometido. Não será este sofrimento
como que um eco longínquo daquele «arrependimento por ter criado o
homem», que o Livro Sagrado, com uma linguagem antropomórfica,
atribui a Deus? Um eco daquela «reprovação» que, inscrevendo-se
no «coração» da Santíssima Trindade, se traduz na dor da Cruz,
na obediência de Cristo até à morte, em virtude do amor eterno?
Quando o Espírito da verdade, que «convence o mundo quanto ao
pecado», permite à consciência humana participar naquela dor,
então a dor da consciência torna-se particularmente profunda, mas
também particularmente salvífica. E assim, mediante um acto de
contrição perfeita, opera-se a conversão autêntica do coração:
é a «metánoia» evangélica.
Os esforços do coração humano, os esforços da consciência,
graças aos quais se opera esta «metánoia» ou conversão, são o
reflexo do processo pelo qual a reprovação é transformada em amor
salvífico, que sabe sofrer. O dispensador escondido desta força de
salvação é o Espírito Santo: Ele, que é chamado pela Igreja
«luz das consciências», penetra e enche as «profundezas dos
corações» humanos. [176] Mediante esta conversão no
Espírito Santo, o homem abre-se ao perdão e à remissão dos
pecados, como testemunham as palavras pronunciadas por Jesus na tarde
da Páscoa. E em todo este admirável dinamismo da
conversão-remissão, é comSrmada a verdade daquilo que escreve
Santo Agostinho sobre o mistério do homem, ao comentar as palavras
do Salmo: «Um abismo chama outro abismo». [177] É
exactamente em relação a esta «profundidade abissal» do homem, da
consciência humana, que se cumpre a missão do Filho e do Espírito
Santo. O Espírito Santo «vem» em virtude da «partida» de
Cristo no mistério pascal; vem em cada caso concreto de
conversão-remissão, em virtude do sacrifício da Cruz: nele,
realmente, «o sangue de Cristo... purifica a nossa consciência
das obras mortas, para servir o Deus vivo». [178]
Cumprem-se assim, continuamente, as palavras sobre o Espírito
Santo apresentado como «um outro Consolador», as palavras dirigidas
no Cenáculo aos Apóstolos e indirectamente a todos: «Vós o
conheceis porque Ele habita entre vós e em vós estará».
[179]
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