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55. O diálogo interreligioso faz parte da missão
evangelizadora da Igreja. Entendido como método e meio
para um conhecimento e enriquecimento recíproco, ele não
está em con traposição com a missão ad gentes; pelo
contrário, tem laços especiais com ela, e constitui uma
sua expressão. Na verdade, a missão tem por
destinatários os homens que não conhecem Cristo e o seu
Evangelho, e pertencem, na sua grande maioria, a outras
religiões. Deus atrai a Si todos os povos, em
Cristo, desejando comunicar-lhes a plenitude da sua
revelação e do seu amor; Ele não deixa de Se tornar
presente de tantos modos, quer aos indivíduos quer aos
povos, através das suas riquezas espirituais, das quais
a principal e essencial expressão são as religiões,
mesmo se contêm também «lacunas, insuficiências e
erros».[97] Tudo isto foi amplamente sublinhado pelo
Concílio e pelo Magistério sucesivo, sem nunca deixar
de afirmar que a salvação vem de Cristo, e o diálogo
não dispensa a evangelização.[98]
À luz do plano de salvação, a Igreja não vê
contraste entre o anúncio de Cristo e o diálogo
interreligioso; sente necessidade, porém, de os
conjugar no âmbito da sua missão ad gentes. De facto,
é necessário que esses dois elementos mantenham o seu
vínculo íntimo e, ao mesmo tempo, a sua distinção,
para que não sejam confundidos, instrumentalizados, nem
considerados equivalentes a ponto de se puderem substituir
entre si.
Recentemente escrevi aos Bispos da Ásia: «mesmo
reconhecendo a Igreja de bom grado o quanto há de
verdadeiro e de santo nas tradições religiosas do
Budismo, do Induismo e do Islão - reflexos daquela
verdade que ilumina todos os homens -, isso não diminui
o seu dever e a sua determinação de proclamar sem
hesitações Jesus Cristo que é 'o Caminho a
Verdade, e a Vida' ( ... ) O facto de os crentes
de outras religiões poderem receber a graça de Deus e
serem salvos por Cristo independentemente dos meios
normais por Ele estabelecidos, não suprime, de facto,
o apelo à fé e ao baptismo que Deus dirige a todos os
povos».[99] Na verdade, o próprio Senhor, «ao
inculcar expressamente a necessidade da fé e do baptismo,
ao mesmo tempo corroborou a necesszdade da Igreja, na
qual os homens entram pela porta do baptismo»,[100] O
diálogo deve ser conduzido e realizado com a convicção
de que a Igreja é o caminho normal de salvação e que
só ela possui a plenitude dos meios de salvação.[101]
56. O diálogo não nasce de tácticas ou de
interesses, mas é uma actividade que apresenta
motivações, exigências, dignidade própria: é
exigído pelo profundo respeito por tudo o que o
Espírito, que sopra onde quer, operou em cada
homem.[102] Por ele, a Igreja pretende descobrir as
«sementes do Verbo»,[103] os «fulgores daquela
verdade que ilumina todos os homens "[104] - sementes e
fulgores que se abrigam nas pessoas e nas tradições
religiosas da humanidade. O diálogo fundamenta-se sobre
a esperança e a caridade, e produzirá frutos, no
Espírito. As outras religiões constituem um desafio
positivo para a Igreja: estimulam-na efectivamente quer
a descobrir e a reconhecer os sinais da presença de
Cristo e da acção do Espírito, quer a aprofundar a
própria identidade e a testemunhar a integridade da
revelação, da qual é depositária para o bem de todos.
Daqui deriva o espírito que deve animar um tal diálogo,
no contexto da missão. O interlocutor deve ser coerente
com as próprias tradições e convicções religiosas, e
disponível para compreender as do outro, sem
dissimulações nem restrições, mas com verdade,
humildade, e lealdade, sabendo que o diálogo pode
enriquecer a ambos. Não deve haver qualquer
abdicação, nem irenismo, mas o testemunho recíproco em
ordem a um progresso comum, no caminho da procura e da
experiência religiosa, e simultameamente em vista do
superamento de preconceitos, intolerâncias e
malentendidos. O diálogo tende à purificação e
conversão interior que, se for realizada na docilidade ao
Espírito, será espiritualmente frutuosa.
57. Ao diálogo, abre-se um vasto campo, podendo ele
assumir múltiplas formas e expressões: desde o
intercâmbio entre os peritos de tradições religiosas ou
com seus representantes oficiais, até à colaboração no
desenvolvimento integral e na salvaguarda dos valores
religiosos; desde a comunicação das respectivas
experiências espirituais, até ao denominado «diálogo
de vida», pelo qual os crentes das diversas religiões
mutuamente testemunham, na existência quotidiana, os
próprios valores humanos e espirituais, ajudando-se a
vivê-los em ordem à edificação de uma sociedade mais
justa e fraterna.
Todos os fiéis e comunidades cristãs são chamadas a
praticar o diálogo, embora não seja no mesmo grau e
forma. Para isso é indispensável o contributo dos
leigos, que «com o exemplo da sua vida e com a própria
acção podem favorecer a melhoria das relações entre os
crentes das diversas religiões» [105] enquanto alguns
deles poderão mesmo oferecer uma ajuda na pesquisa e no
estudo. [106]
Sabendo que bastantes missionários e comunidades cristãs
encontram, no caminho difícil e por vezes incompreendido
do diálogo, a única maneira de prestar um sincero
testemunho de Cristo e um generoso serviço ao homem,
desejo encorajá-los a perseverar con fé e caridade,
mesmo onde os seus esforços não encontrem acolhimento nem
resposta. O diálogo é um caminho que conduz ao Reino e
seguramente dará frutos, mesmo se os tempos e os momentos
estão reservados ao Pai (cf. At 1, 7).
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