|
A Igreja está convencida de que o trabalho constitui uma dimensão
fundamental da existência do homem sobre a terra. E ela radica-se
nesta convicção também ao considerar todo o património das
múltiplas ciências centralizadas no homem: a antropologia, a
paleontologia, a história, a sociologia, a psicologia, etc.:
todas elas parecem testemunhar de modo irrefutável essa realidade. A
Igreja, porém, vai haurir esta sua convicção sobretudo na fonte da
Palavra de Deus revelada e, por conseguinte, aquilo que para ela é
uma convicção da inteligência adquire ao mesmo tempo o carácter de
uma convicção de fé. A razão está em que a Igreja — vale a pena
acentuá-lo desde já — acredita no homem. Ela pensa no homem e
encara-o não apenas à luz da experiência histórica, não apenas
com os subsídios dos multíplices métodos do conhecimento
científico, mas sim e em primeiro lugar à luz da Palavra revelada de
Deus vivo. Ao referir-se ao homem ela procura exprimir aqueles
desígnios eternos e aqueles destinos transcendentes que Deus vivo,
Criador e Redentor, ligou ao homem.
A Igreja vai encontrar logo nas primeiras páginas do Livro do
Génesis a fonte dessa sua convicção, de que o trabalho constitui
uma dimensão fundamental da existência humana sobre a terra. A
análise desses textos torna-nos cônscios deste facto: de neles —
por vezes mediante um modo arcaico de manifestar o pensamento — terem
sido expressas as verdades fundamentais pelo que diz respeito ao homem,
já no contexto do mistério da Criação. Estas verdades são as que
decidem do homem, desde o princípio, e que, ao mesmo tempo, traçam
as grandes linhas da sua existência sobre a terra, quer no estado de
justiça original, quer mesmo depois da ruptura, determinada pelo
pecado, da aliança original do Criador com a criação no homem.
Quando este, criado «à imagem de Deus... varão e mulher»,
ouve as palavras «Prolificai e multiplicai-vos enchei a terra e
submetei-a», mesmo que estas palavras não se refiram directa e
explicitamente ao trabalho, indirectamente já lho indicam, e isso
fora de quaisquer dúvidas, como uma actividade a desempenhar no
mundo. Mais ainda, elas patenteiam a mesma essência mais profunda do
trabalho. O homem é imagem de Deus, além do mais, pelo mandato
recebido do seu Criador de submeter, de dominar a terra. No
desempenho de tal mandato, o homem, todo e qualquer ser humano,
reflecte a própria acção do Criador do universo.
O trabalho entendido como uma actividade «transitiva», quer dizer,
uma actividade de modo tal que, iniciando-se no sujeito humano, se
endereça para um objecto exterior, pressupõe um específico domínio
do homem sobre a «terra»; e, por sua vez, confirma e desenvolve um
tal domínio. É claro que sob a designação «terra», de que fala o
texto bíblico, deve entender-se primeiro que tudo aquela parcela do
universo visível em que o homem habita; por extensão, porém, pode
entender-se todo o mundo visível, na medida em que este se encontra
dentro do raio de influência do homem e da sua procura de prover às
próprias necessidades. A expressão «submeter a terra» tem um
alcance imenso. Ela indica todos os recursos que a mesma terra (e
indirectamente o mundo visível) tem escondidos em si e que, mediante
a actividade consciente do homem, podem ser descobertas e oportunamente
utilizadas por ele. Assim, tais palavras, postas logo ao princípio
da Bíblia, jamais cessam de ter actualidade. Elas abarcam
igualmente todas as épocas passadas da civilização e da economia,
bem como toda a realidade contemporânea, e mesmo as futuras fases do
progresso, as quais, em certa medida, talvez se estejam já a
delinear, mas em grande parte permanecem ainda para o homem algo quase
desconhecido e recôndito.
Se por vezes se fala de períodos de «aceleração» na vida
económica e na civilização da humanidade ou de alguma nação em
particular, coligando tais «acelerações» ao progresso da ciência e
da técnica e, especialmente, às descobertas decisivas para a vida
sócio-económica, pode ao mesmo tempo dizer-se que nenhuma dessas
«acelerações» faz com que fique superado o conteúdo essencial
daquilo que foi dito naquele antiquíssimo texto bíblico. O homem,
ao tornar-se — mediante o seu trabalho — cada vez mais senhor da
terra, e ao consolidar — ainda mediante o trabalho — o seu domínio
sobre o mundo visível, em qualquer hipótese e em todas as fases deste
processo, permanece na linha daquela disposição original do
Criador, a qual se mantém necessária e indissoluvelmente ligada ao
facto de o homem ter sido criado, como varão e mulher, «à imagem de
Deus». E, ao mesmo tempo, tal processo é universal: abrange
todos os homens, todas as gerações, todas as fases do progresso
económico e cultural e, simultâneamente, é um processo que se actua
em todos e cada um dos homens, em todos os sujeitos humanos
conscientes. Todos e cada um são contemporâneamente por ele
abarcados. Todos e cada um, em medida adequada e num número
incalculável de modos, tomam parte em tal processo gigantesco,
mediante o qual o homem «submete a terra» com o seu trabalho.
|
|