|
Quando no início do novo Pontificado dirijo para o Redentor do mundo
o meu pensamento e o meu coração, desejo deste modo entrar e penetrar
no ritmo mais profundo da vida da Igreja. Com efeito, se a Igreja
vive a sua própria vida, isso acontece porque ela a vai haurir em
Cristo, o qual deseja sempre uma só coisa, isto é, que nós
tenhamos a vida e a tenhamos abundantemente. Aquela plenitude de vida
que está n'Ele é ao mesmo tempo destinada para o homem. Por isso,
a Igreja, ao unir-se a toda a riqueza do mistério da Redenção,
torna-se Igreja dos homens que vivem; e vivem, porque vivificados do
interior pela acção do «Espírito da Verdade», e porque
assistidos pelo amor que o Espírito Santo difunde nos nossos
corações. Assim, o objectivo de qualquer serviço na Igreja, seja
ele apostólico, pastoral, sacerdotal ou episcopal, é o de manter
este ligame dinâmico do mistério da Redenção com todos e cada um
dos homens.
Se estamos conscientes deste intento a realizar, então parece-nos
compreender melhor o que significa dizer que a Igreja é mãe; e,
ainda, o que significa que a Igreja, sempre, mas de modo particular
nos nossos tempos, tem necessidade de uma Mãe. Devemos uma
gratidão especial aos Padres do II Concílio do Vaticano, por
terem expresso esta verdade na Constituição Lumen Gentium, com a
rica doutrina mariológica que nela se encerra. E dado que Paulo
VI, inspirado por esta doutrina, proclamou a Mãe de Cristo
«Mãe da Igreja», e que tal denominação teve uma ampla
ressonância, seja permitido também ao seu indigno Sucessor
dirigir-se a Maria como Mãe da Igreja, no final das presentes
considerações, que era oportuno desenvolver no início do seu
serviço pontifical.
Maria é a Mãe da Igreja, porque, em virtude da inefável
eleição do mesmo Pai Eterno e sob a particular acção do Espírito
de Amor, Ela deu a vida humana ao Filho de Deus, «do qual
procedem todas as coisas e para o qual vão todas as coisas» , e do
qual assume a graça e a dignidade da eleição todo o Povo de Deus.
O seu próprio Filho quis explicitamente estender a maternidade de sua
Mãe — e estendê-la de um modo facilmente acessível a todas as
almas e a todas os corações — apontando-lhe do alto da Cruz como
filho o seu discípulo predilecto. E o Espírito Santo sugeriu-lhe
que parmanecesse no Cenáculo, após a Ascensão do Senhor, também
Ela, recolhida na oração e na expectativa, juntamente com os
Apóstolos, até ao dia do Pentecostes, quando devia visivelmente
nascer a Igreja, saindo da obscuridade.
E em seguida, todas as gerações de discípulos e de quantos
confessam e amam Cristo — à semelhança do Apóstolo João —
acolheram espiritualmente em sua casa esta Mãe, que assim, desde os
mesmos primórdios, isto é, a partir do momento da Anunciação,
foi inserida na história da Salvação e na missão da Igreja. Nós
todos, portanto, os que formamos a geração hodierna dos discípulos
de Cristo, desejamos unir-nos a Ela de modo particular. E
fazêmo-lo com total aderência à tradição antiga e, ao mesmo
tempo, com pleno respeito e amor pelos membros de todas as Comunidades
cristãs.
Fazemo-lo, depois, impelidos por profunda ncessidade da fé, da
esperança e da caridade. Se, efectivamente, nesta fase difícil e
cheia de responsabilidade da história da Igreja e da humanidade nós
advertimos uma especial necessidade de nos dirigir a Cristo, que é o
Senhor da sua Igreja e o Senhor da história do homem, em virtude do
mistério da Redenção, estamos convencidos de que ninguém mais como
Maria poderá introduzir-nos na dimensão divina e humana deste
mistério. Ninguém como Maria foi introduzido nele pelo próprio
Deus. Nisto consiste o carácter excepcional da graça da
Maternidade divina. Não somente é única e algo que se não pode
repetir a dignidade desta Maternidade na história do género humano,
mas única também pela profundidade e raio de acção é a
participação de Maria no plano divino da salvação do homem,
através do mistério da Redenção.
Este mistério formou-se, podemos dizer, sob o coração da Virgem
de Nazaré, quando Ela pronunciou o seu «fiat» (faça-se). A
partir daquele momento esse coração virginal e ao mesmo tempo
materno, sob a particular acção do Espírito Santo, acompanha
sempre a obra do seu Filho e palpita na direcção de todos aqueles que
Cristo abraçou e abraça continuamente com o seu inexaurível amor.
E, por isso mesmo, este coração deve ser também maternalmente
inexaurível. A característica deste amor materno, que a Mãe de
Deus insere no mistério da Redenção e na vida da Igreja, encontra
a sua expressão na sua singular proximidade em relação ao homem e a
todos as suas vicissitudes. Nisto consiste o mistério da Mãe. A
Igreja, que A olha com amor e esperança muito particular, deseja
apropriar-se deste mistério de maneira cada vez mais profunda.
Nisto, de facto, a mesma Igreja reconhece também a via da sua vida
quotidiana, que é todo o homem, todos e cada um dos homens.
O eterno amor do Pai, manifestando-se na história da humanidade
através do Filho que o mesmo Pai deu «para que todo aquele que crê
n'Ele não pereça mas tenha a vida eterna», esse amor aproxima-se
de cada um de nós por meio desta Mãe e, de tal modo, adquire sinais
compreensíveis e acessíveis para cada homem. Por conseguinte,
Maria deve encontrar-se em todas as vias da vida quotidiana da
Igreja. Mediante a sua maternal presença, a Igreja ganha certeza
de que vive verdadeiramente a vida do seu Mestre e Senhor, de que
vive o mistério da Redenção em toda a sua vivificante profundidade e
plenitude. De igual modo, a mesma Igreja, que tem as suas raízes
em numerosos e variados campos da vida de toda a humanidade
contemporânea, adquire também a certeza e, dir-se-ia, a
experiência de estar bem próxima do homem, de todos e de cada um dos
homens, de que é a sua Igreja: Igreja do Povo de Deus.
Perante tais tarefas, que surgem ao longo das vias da Igreja, ao
longo daquelas vias que o Papa Paulo VI nos indicou claramente na
primeira Encíclica do seu Pontificado, nós, cônscios da absoluta
necessidade de todas estas vias e, ao mesmo tempo, das dificuldade que
sobre elas se amontoam, sentimos ainda mais ser-nos indispensável uma
profunda ligação com Cristo. Ressoam em nós, como um eco sonoro,
as palavras que Ele disse: «Sem mim, nada podeis fazer». E não
só sentimos esta necessidade, mas ainda um imperativo categórico para
uma grande, intensa e crescente oração de toda a Igreja. Somente a
oração pode fazer com que estas grandes tarefas e dificuldades que se
lhes seguem não se tornem fonte de crise, mas ocasião e como que
fundamento para conquistas cada vez mais maturadas na caminhada do Povo
de Deus em direcção à Terra Prometida, nesta etapa da história
que se vai aproximando do final do segundo Milénio.
Portanto, ao terminar esta meditação, com uma calorosa e humilde
exortação à oração, desejo que se persevere nesta oração unidos
com Maria, Mãe de Jesus, assim como perseveraram os Apóstolos e
discípulos do Senhor, após a Ascensão, no Cenáculo de
Jerusalém. E suplico a Maria, celeste Mãe da Igreja,
sobretudo, que nesta oração do novo Advento da humanidade, Ela se
digne de perseverar connosco, que formamos a Igreja, isto é, o
Corpo Místico do Seu Filho unigénito. Eu espero que, graças a
tal oração, nós possamos receber o Espírito Santo que desce sobre
nós; e, deste modo, tornar-nos testemunhas de Cristo «até às
extremidades da terra», como aqueles que sairam do Cenáculo de
Jerusalém no dia do Pentecostes.
Com a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 4 de Março, primeiro
Domingo da Quaresma, do ano de 1979, primeiro do meu
Pontificado.
|
|