|
30. Na Rerum novarum, Leão XIII, com diversos
argumentos, insistia fortemente, contra o socialismo do
seu tempo, no carácter natural do direito de propriedade
privada. Este direito, fundamental para a
autonomia e o desenvolvimento da pessoa, foi sempre
defendido pela Igreja até aos nossos dias. De igual
modo a Igreja ensina que a propriedade dos bens não é um
direito absoluto, mas, na sua natureza de direito
humano, traz inscritos os próprios limites.
O Pontífice ao proclamar o direito de propriedade
privada, afirmava com igual clareza que o «uso» das
coisas, confiado à liberdade, está subordinado ao seu
originário destino comum de bens criados e ainda à
vontade de Jesus Cristo manifestada no Evangelho. Com
efeito, escrevia: «os abastados, portanto, são
advertidos (...); os ricos devem tremer, pensando
nas ameaças de Jesus Cristo (...); do uso dos seus
bens deverão um dia prestar rigorosíssimas contas a Deus
Juiz»; e, citando S. Tomás de Aquino,
acrescentava: «Mas se se perguntar qual deve ser o uso
desses bens, a Igreja (...) não hesita em responder
que, a este propósito, o homem não deve possuir os bens
externos como próprios, mas como comuns», porque
«acima das leis e juízos dos homens está a lei, o
juízo de Cristo».
Os sucessores de Leão XIII repetiram a dupla
afirmação: a necessidade e, por conseguinte, a
liceidade da propriedade privada e conjuntamente os limites
que pesam sobre ela. Também o Concílio
Vaticano II repropôs a doutrina tradicional com
palavras que merecem ser textualmente referidas: «o
homem, usando destes bens, não deve considerar as coisas
exteriores que legitimamente possui só como próprias,
mas também como comuns, no sentido de que podem
beneficiar não apenas a si, mas também aos outros». E
pouco depois: «A propriedade privada ou um certo
domínio sobre os bens externos asseguram a cada um a
indispensável esfera de autonomia pessoal e familiar, e
devem ser considerados como que uma extensão da liberdade
humana (...). A própria propriedade privada é,
por sua natureza, de índole social, fundada na lei do
destino comum dos bens». Retomei a mesma
doutrina, primeiramente no discurso à III
Conferência do Episcopado latino-americano, em
Puebla, e depois nas Encíclicas Laborem exercens e
Sollicitudo rei socialis.
31. Relendo esse ensinamento relativo ao direito de
propriedade e ao destino comum dos bens, no horizonte do
nosso tempo, pode-se colocar a questão acerca da origem
dos bens que sustentam a vida do homem, satisfazem as suas
carências e são objecto dos seus direitos.
A origem primeira de tudo o que é bem é o próprio acto
de Deus que criou a terra e o homem, e ao homem deu a
terra para que a domine com o seu tabalho e goze dos seus
frutos (cf. Gen 1, 28-29). Deus deu a terra a
todo o género humano, para que ela sustente todos os seus
membros sem excluir nem privilegiar ninguém. Está aqui
a raiz do destino universal dos bens da terra. Esta,
pela sua própria fecundidade e capacidade de satisfazer as
necessidades do homem, constitui o primeiro dom de Deus
para o sustento da vida humana. Ora, a terra não dá os
seus frutos, sem uma peculiar resposta do homem ao dom de
Deus, isto é, sem o trabalho: é mediante o trabalho
que o homem, usando da sua inteligência e liberdade,
consegue dominá-la e estabelecer nela a sua digna
morada. Deste modo, ele apropria-se de uma parte da
terra, adquirida precisamente com o trabalho. Está aqui
a origem da propriedade individual. Obviamente ele tem
também a responsabilidade de não impedir que os outros
homens tenham igualmente a sua parte no dom de Deus, pelo
contrário, deve cooperar com eles para conjuntamente
dominarem toda a terra.
Ao longo da história, sempre se encontram estes dois
factores — o trabalho e a terra —, no princípio de cada
sociedade humana; nem sempre, porém, guardam a mesma
relação entre si. Outrora a fecundidade natural da
terra revelava-se e, de facto, era o principal factor de
riqueza, sendo o trabalho uma espécie de ajuda e apoio a
tal fecundidade. No nosso tempo, torna-se cada vez mais
relevante o papel do trabalho humano, como factor
produtivo das riquezas espirituais e materiais; aparece,
além disso, evidente como o trabalho de um homem se cruza
naturalmente com o de outros homens. Hoje mais do que
nunca, trabalhar é um trabalhar com os outros e um
trabalhar para os outros: torna-se cada vez mais um fazer
qualquer coisa para alguém. O trabalho é tanto mais
fecundo e produtivo, quanto mais o homem é capaz de
conhecer as potencialidades criativas da terra e de ler
profundamente as necessidades do outro homem, para o qual
é feito o trabalho.
32. Mas existe, em particular no nosso tempo, uma
outra forma de propriedade, que reveste uma importância
nada inferior à da terra: é a propriedade do
conhecimento, da técnica e do saber. A riqueza das
Nações industrializadas funda-se muito mais sobre este
tipo de propriedade, do que sobre a dos recursos
naturais.
Acenou-se pouco antes ao facto de que o homem trabalha
com os outros homens, participando num «trabalho social»
que engloba progressivamente círculos cada vez mais
amplos. Quem produz um objecto, para além do uso
pessoal, fá-lo em geral para que outros o possam usar
também, depois de ter pago o preço justo, estabelecido
de comum acordo, mediante uma livre negociação. Ora,
precisamente a capacidade de conhecer a tempo as carências
dos outros homens e as combinações dos factores
produtivos mais idóneos para as satisfazer, é outra
importante fonte de riqueza na sociedade moderna.
Aliás, muitos bens não podem ser adequadamente
produzidos através de um único indivíduo, mas requerem
a colaboração de muitos para o mesmo fim. Organizar um
tal esforço produtivo, planear a sua duração no tempo,
procurar que corresponda positivamente às necessidades que
deve satisfazer, assumindo os riscos necessários:
também esta é uma fonte de riqueza na sociedade actual.
Assim aparece cada vez mais evidente e determinante o
papel do trabalho humano disciplinado e criativo e —
enquanto parte essencial desse trabalho — das capacidades
de iniciativa empresarial.
Um tal processo, que faz concretamente ressaltar uma
verdade da pessoa, afirmada incessantemente pelo
cristianismo, deve ser visto com atenção e favor.
Efectivamente, a riqueza principal do homem é, em
conjunto com a terra, o próprio homem. É a sua
inteligência que o leva a descobrir as potencialidades
produtivas da terra e as múltiplas modalidades através
das quais podem ser satisfeitas as necessidades humanas.
É o seu trabalho disciplinado, em colaboração
solidária, que permite a criação de comunidades de
trabalho cada vez mais amplas e eficientes para operar a
transformação do ambiente natural e do próprio ambiente
humano. Para este processo, concorrem importantes
virtudes, tais como a diligência, a laboriosidade, a
prudência em assumir riscos razoáveis, a confiança e
fidelidade nas relações interpessoais, a coragem na
execução de decisões difíceis e dolorosas, mas
necessárias para o trabalho comum da empresa, e para
enfrentar os eventuais reveses da vida.
A moderna economia de empresa comporta aspectos
positivos, cuja raiz é a liberdade da pessoa, que se
exprime no campo económico e em muitos outros campos. A
economia, de facto, é apenas um sector da multiforme
actividade humana, e nela, como em qualquer outro campo,
vale o direito à liberdade, da mesma forma que o dever de
a usar responsavelmente. Mas é importante notar a
existência de diferenças específicas entre essas
tendências da sociedade actual, e as do passado, mesmo
se recente. Se outrora o factor decisivo da produção
era a terra e mais tarde o capital, visto como o conjunto
de maquinaria e de bens instrumentais, hoje o factor
decisivo é cada vez mais o próprio homem, isto é, a
sua capacidade de conhecimento que se revela no saber
científico, a sua capacidade de organização
solidária, a sua capacidade de intuir e satisfazer a
necessidade do outro.
33. Contudo não se podem deixar de denunciar os riscos
e os problemas conexos com este tipo de processo. De
facto, hoje muitos homens, talvez a maioria, não
dispõem de instrumentos que consintam entrar, de modo
efectivo e humanamente digno, dentro de um sistema de
empresa, no qual o trabalho ocupa uma posição
verdadeiramente central. Não têm a possibilidade de
adquirir os conhecimentos de base que permitam exprimir a
sua criatividade e desenvolver as suas potencialidades,
nem de penetrar na rede de conhecimentos e
intercomunicações, que lhes consentiria ver apreciadas e
utilizadas as suas qualidades. Em suma, eles, se não
são propriamente explorados, vêem-se amplamente
marginalizados, e o progresso económico desenvolve-se,
por assim dizer, por cima das suas cabeças, quando não
restringe ainda mais os espaços já estreitos das suas
economias tradicionais de subsistência. Incapazes de
resistir à concorrência de mercadorias produzidas em
moldes novos e adequados às necessidades — que antes eles
costumavam resolver através das formas organizativas
tradicionais —, aliciados pelo esplendor de uma
opulência ostensiva, mas para eles inacessível, e ao
mesmo tempo constrangidos pela necessidade, estes homens
aglomeram- -se nas cidades do Terceiro Mundo, onde com
frequência aparecem culturalmente desenraizados e
encontram-se em situações de precariedade violenta, sem
possibilidade de integração. Não se lhes reconhece,
de facto, dignidade, e procura-se às vezes eliminá-
-los da história por meio de formas coercivas de controle
demográfico, contrárias à dignidade humana.
Muitos outros, embora não estando totalmente
marginalizados, vivem inseridos em ambientes onde a luta
pelo necessário é absolutamente primária, e vigoram
ainda as regras do capitalismo original, na «crueldade»
de uma situação que nada fica a dever à dos momentos
mais negros da primeira fase da industrialização.
Noutros casos, a terra é ainda o elemento central do
processo económico, e aqueles que a cultivam, excluídos
da sua posse, estão reduzidos a condições de
semi-escravatura. Nestas situações pode-se
ainda hoje, como no tempo da Rerum novarum, falar de
exploração desumana. Apesar das grandes mudanças
verificadas nas sociedades mais avançadas, as carências
humanas do capitalismo, com o consequente domínio das
coisas sobre os homens, ainda não desapareceram; pelo
contrário, para os pobres à carência dos bens materiais
juntou-se a do conhecimento e da ciência, que lhes
impede de sair do estado de humilhante subordinação.
Infelizmente a grande maioria dos habitantes do Terceiro
Mundo vive ainda nestas condições. Seria errado,
porém, imaginar este Mundo, num sentido somente
geográfico. Em algumas regiões e em alguns sectores
sociais, foram activados processos de desenvolvimento
centrados na valorização não tanto dos recursos
materiais, mas dos «recursos humanos».
Há relativamente poucos anos, afirmou-se que o
desenvolvimento dos Países mais pobres dependeria do seu
isolamento do mercado mundial, e da confiança apenas nas
próprias forças. A recente experiência demonstrou que
os Países que foram excluídos registaram estagnação e
recessão, enquanto conheceram o desenvolvimento aqueles
que conseguiram entrar na corrente geral de interligação
das actividades económicas a nível internacional. O
maior problema, portanto, parece ser a obtenção de um
acesso equitativo ao mercado internacional, não fundado
sobre o princípio unilateral do aproveitamento dos
recursos naturais, mas sobre a valorização dos recursos
humanos.
Aspectos típicos do Terceiro Mundo emergem também nos
Países desenvolvidos, onde a transformação incessante
das modalidades de produção e consumo desvaloriza certos
conhecimentos já adquiridos e capacidades profissionais
consolidadas, exigindo um esforço contínuo de
requalificação e actualização. Aqueles que não
conseguem acompanhar os tempos podem facilmente ser
marginalizados; juntamente com eles são-no os anciãos,
os jovens incapazes de se inserirem na vida social e, de
um modo geral, os sujeitos mais débeis e o denominado
Quarto Mundo. Nestas condições, também a situação
da mulher se apresenta muito difícil.
34. Tanto a nível da cada Nação, como no das
relações internacionais, o livre mercado parece ser o
instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e
corresponder eficazmente às necessidades. Isto,
contudo, vale apenas para as necessidades «solvíveis»,
que gozam da possibilidade de aquisição, e para os
recursos que são «comercializavéis», isto é, capazes
de obter um preço adequado. Mas existem numerosas
carências humanas, sem acesso ao mercado. É estrito
dever de justiça e verdade impedir que as necessidades
humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que
pereçam os homens por elas oprimidos. Além disso, é
necessário que estes homens carenciados sejam ajudados a
adquirir os conhecimentos, a entrar no círculo de
relações, a desenvolver as suas aptidões, para melhor
valorizar as suas capacidades e recursos. Ainda antes da
lógica da comercialização dos valores equivalentes e das
formas de justiça, que lhe são próprias, existe algo
que é devido ao homem porque é homem, com base na sua
eminente dignidade. Esse algo que é devido comporta
inseparavelmente a possibilidade de sobreviver e de dar um
contributo activo para o bem comum da humanidade.
No contexto do Terceiro Mundo, conservam a sua validade
(em certos casos é ainda uma meta a ser alcançada),
aqueles mesmos objectivos indicados pela Rerum novarum
para evitar a redução do trabalho humano e do próprio
homem ao nível de simples mercadoria: o salário
suficiente para a vida da família, seguros sociais para a
ancianidade e o desemprego, a tutela adequada das
condições de trabalho.
35. Abre-se aqui um grande e fecundo campo de
empenhamento e luta, em nome da justiça, para os
sindicatos e outras organizações dos trabalhadores que
defendem direitos e tutelam o indivíduo, realizando
simultaneamente uma função essencial de carácter
cultural, com a finalidade de os fazer participar de modo
mais pleno e digno na vida da Nação, e de os ajudar ao
longo do caminho do progresso.
Neste sentido, é correcto falar de luta contra um
sistema económico, visto como método que assegura a
prevalência absoluta do capital, da posse dos meios de
produção e da terra, relativamente à livre
subjectividade do trabalho do homem. Nesta luta
contra um tal sistema, não se veja, como modelo
alternativo, o sistema socialista, que, de facto, não
passa de um capitalismo de estado, mas uma sociedade do
trabalho livre, da empresa e da participação. Esta
não se contrapõe ao livre mercado, mas requer que ele
seja oportunamente controlado pelas forças sociais e
estatais, de modo a garantir a satisfação das
exigências fundamentais de toda a sociedade.
A Igreja reconhece a justa função do lucro, como
indicador do bom funcionamento da empresa: quando esta dá
lucro, isso significa que os factores produtivos foram
adequadamente usados e as correlativas necessidades humanas
devidamente satisfeitas. Todavia o lucro não é o único
indicador das condições da empresa. Pode acontecer que
a contabilidade esteja em ordem e simultaneamente os
homens, que constituem o património mais precioso da
empresa, sejam humilhados e ofendidos na sua dignidade.
Além de ser moralmente inadmissível, isso não pode
deixar de se reflectir futuramente de modo negativo na
própria eficiência económica da empresa. Com efeito,
o objectivo desta não é simplemente o lucro, mas sim a
própria existência da empresa como comunidade de homens
que, de diverso modo, procuram a satisfação das suas
necessidades fundamentais e constituem um grupo especial ao
serviço de toda a sociedade. O lucro é um regulador da
vida da empresa, mas não o único; a ele se deve
associar a consideração de outros factores humanos e
morais que, a longo prazo, são igualmente essenciais
para a vida da empresa.
Como vimos lá atrás, é inaceitável a afirmação de
que a derrocada do denominado «socialismo real» deixe o
capitalismo como único modelo de organização
económica. Torna-se necessário quebrar as barreiras e
os monopólios que deixam tantos povos à margem do
progresso, e garantir, a todos os indivíduos e
Nações, as condições basilares que lhes permitam
participar no desenvolvimento. Tal objectivo requer
esforços programados e responsáveis por parte de toda a
comunidade internacional. É necessário que as Nações
mais fortes saibam oferecer às mais débeis, ocasiões de
inserção na vida internacional e que as mais débeis
saibam aproveitar essas ocasiões, realizando os esforços
e sacrifícios necessários, assegurando a estabilidade do
quadro político e económico, a certeza de perspectivas
para o futuro, o crescimento da capacidade dos próprios
trabalhadores, a formação de empresários eficientes e
conscientes das suas responsabilidades.
Actualmente, sobre os esforços positivos realizados com
tal finalidade, pesa o problema, em grande medida ainda
por resolver, da dívida externa dos Países mais
pobres. Com certeza que é justo o princípio de que as
dívidas devem ser pagas; não é lícito, porém, pedir
ou pretender um pagamento, quando esse levaria de facto a
impor opções políticas tais que condenariam à fome e ao
desespero populações inteiras. Não se pode pretender
que as dívidas contraídas sejam pagas com sacríficios
insuportáveis. Nestes casos, é necessário — como,
de resto, está sucedendo em certa medida — encontrar
modalidades para mitigar, reescalonar ou até cancelar a
dívida, compatíveis com o direito fundamental dos povos
à subsistência e ao progresso.
36. Convém agora prestar atenção aos problemas
específicos e às ameaças, que se levantam no interior
das economias mais avançadas e que estão conexas com as
suas características peculiares. Nas fases precedentes
do desenvolvimento, o homem sempre viveu sob o peso da
necessidade. As suas carências eram poucas, de algum
modo já fixadas nas estruturas objectivas da sua
constituição corpórea, e a actividade económica estava
orientada à sua satisfação. Hoje é claro que o
problema não é só oferecer-lhes uma quantidade
suficiente de bens, mas de responder a uma exigência de
qualidade: qualidade das mercadorias a produzir e a
consumir, qualidade dos serviços a ser utilizados,
qualidade do ambiente e da vida em geral.
O pedido de uma existência qualitativamente mais
satisfatória e mais rica é, em si mesmo, legítimo;
mas devemos sublinhar as novas responsabilidades e os
perigos conexos com esta fase histórica. No mundo onde
surgem e se definem as novas necessidades, está sempre
subjacente uma concepção mais ou menos adequada do homem
e do seu verdadeiro bem: através das opções de
produção e de consumo, manifesta-se uma determinada
cultura, como concepção global da vida. É aqui que
surge o fenómeno do consumismo. Individuando novas
necessidades e novas modalidades para a sua satisfação,
é necessário deixar-se guiar por uma imagem integral do
homem, que respeite todas as dimensões do seu ser e
subordine as necessidades materiais e instintivas às
interiores e espirituais. Caso contrário, explorando
directamente os seus instintos e prescindindo, de diversos
modos, da sua realidade pessoal consciente e livre,
podem-se criar hábitos de consumo e estilos de vida
objectivamente ilícitos, e frequentemente prejudiciais à
sua saúde física e espiritual. O sistema económico,
em si mesmo, não possui critérios que permitam
distinguir correctamente as formas novas e mais elevadas de
satisfação das necessidades humanas, das necessidades
artificialmente criadas que se opõem à formação de uma
personalidade madura. Torna-se por isso necessária e
urgente, uma grande obra educativa e cultural, que
abranja a educação dos consumidores para um uso
responsável do seu poder de escolha, a formação de um
alto sentido de responsabilidade nos produtores, e,
sobretudo, nos profissionais dos mass-media, além da
necessária intervenção das Autoridades públicas.
Um exemplo flagrante de consumo artificial, contrário à
saúde e à dignidade do homem, certamente difícil de ser
controlado, é o da droga. A sua difusão é índice de
uma grave disfunção do sistema social, e subentende
igualmente uma «leitura» materialista, em certo
sentido, destrutiva das necessidades humanas. Deste modo
a capacidade de inovação da livre economia termina
actuando-se de modo unilateral e inadequado. A droga,
como também a pornografia e outras formas de consumismo,
explorando a fragilidade dos débeis, tentam preencher o
vazio espiritual que se veio a criar.
Não é mal desejar uma vida melhor, mas é errado o
estilo de vida que se presume ser melhor, quando ela é
orientada ao ter e não ao ser, e deseja ter mais não
para ser mais, mas para consumir a existência no prazer,
visto como fim em si próprio. É necessário,
por isso, esforçar-se por construir estilos de vida,
nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom, e a
comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento
comum, sejam os elementos que determinam as opções do
consumo, da poupança e do investimento. A propósito
disto, não posso limitar-me a recordar o dever da
caridade, isto é, o dever de acorrer com o
«supérfluo», e às vezes até com o «necessário»
para garantir o indispensável à vida do pobre. Mas
aludo também ao facto de que a opção de investir num
lugar em vez de outro, neste sector produtivo e não
naquele, é sempre uma escolha moral e cultural. Postas
certas condições económicas e de estabilidade política
absolutamente imprescindíveis, a decisão de investir,
isto é, de oferecer a um povo a ocasião de valorizar o
próprio trabalho, é determinada também por uma atitude
de solidariedade e pela confiança na Providência
divina, que revela a qualidade humana daquele que decide.
37. Igualmente preocupante, ao lado do problema do
consumismo e com ele estritamente ligada, é a questão
ecológica. O homem, tomado mais pelo desejo do ter e do
prazer, do que pelo de ser e de crescer, consome de
maneira excessiva e desordenada os recursos da terra e da
sua própria vida. Na raiz da destruição insensata do
ambiente natural, há um erro antropológico,
infelizmente muito espalhado no nosso tempo. O homem,
que descobre a sua capacidade de transformar e, de certo
modo, criar o mundo com o próprio trabalho, esquece que
este se desenrola sempre sobre a base da doação
originária das coisas por parte de Deus. Pensa que pode
dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem
reservas à sua vontade, como se ela não possuísse uma
forma própria e um destino anterior que Deus lhe deu, e
que o homem pode, sim, desenvolver, mas não deve
trair. Em vez de realizar o seu papel de colaborador de
Deus na obra da criação, o homem substitui-se a
Deus, e deste modo acaba por provocar a revolta da
natureza, mais tiranizada que governada por ele.
Nota-se aqui, antes de mais, uma pobreza ou mesquinhez
da visão humana, mais animada pelo desejo de possuir as
coisas do que relacioná-las com a verdade, privado do
comportamento desinteressado, gratuito, estético que
brota do assombro diante do ser e da beleza, que leva a
ler, nas coisas visíveis, a mensagem do Deus invisível
que as criou. A respeito disso, a humanidade de hoje
deve estar consciente dos seus deveres e tarefas, em vista
das gerações futuras.
38. Além da destruição irracional do ambiente
natural, é de recordar aqui outra ainda mais grave, qual
é a do ambiente humano, a que se está ainda longe de
prestar a necessária atenção. Enquanto justamente nos
preocupamos, apesar de bem menos do que o necessário, em
preservar o «habitat» natural das diversas espécies
animais ameaçadas de extinção, porque nos damos conta
da particular contribuição que cada uma delas dá ao
equilíbrio geral da terra, empenhamo-nos demasiado pouco
em salvaguardar as condições morais de uma autêntica
«ecologia humana». Não só a terra foi dada por Deus
ao homem, que a deve usar respeitando a intenção
originária de bem, segundo a qual lhe foi entregue; mas
o homem é doado a si mesmo por Deus, devendo por isso
respeitar a estrutura natural e moral, de que foi dotado.
Neste contexto, são de mencionar os graves problemas da
moderna urbanização, a necessidade de um urbanismo
preocupado com a vida das pessoas, bem como a devida
atenção a uma «ecologia social» do trabalho.
O homem recebe de Deus a sua dignidade essencial e com
ela a capacidade de transcender todo o regime da
sociedade, rumo à verdade e ao bem. Contudo está
fortemente condicionado também pela estrutura social em
que vive, pela educação recebida e pelo ambiente.
Estes elementos tanto podem facilitar como dificultar o
seu viver conforme à verdade. As decisões, graças às
quais se constitui um ambiente humano, podem criar
estruturas específicas de pecado, impedindo a plena
realização daqueles que vivem de diversos modos oprimidos
por elas. Destruir tais estruturas, substituindo-as por
formas de convivência mais autênticas é uma tarefa que
exige coragem e paciência.
39. A primeira e fundamental estrutura a favor da
«ecologia humana» é a família, no seio da qual o homem
recebe as primeiras e determinantes noções acerca da
verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado
e, consequentemente, o que quer dizer, em concreto, ser
uma pessoa. Pensa-se aqui na família fundada sobre o
matrimónio, onde a doação recíproca de si mesmo, por
parte do homem e da mulher, cria um ambiente vital onde a
criança pode nascer e desenvolver as suas
potencialidades, tornar-se consciente da sua dignidade e
preparar-se para enfrentar o seu único e irrepetível
destino. Muitas vezes dá- -se o inverso; o homem é
desencorajado de realizar as autênticas condições da
geração humana, e aliciado a considerar-se a si
próprio e à sua vida mais como um conjunto de sensações
a ser experimentadas do que como uma obra a realizar.
Daqui nasce uma carência de liberdade que o leva a
renunciar ao compromisso de se ligar estavelmente com outra
pessoa e de gerar filhos, ou que o induz a considerar
estes últimos como uma de tantas «coisas» que é
possível ter ou não ter, segundo os próprios gostos, e
que entram em concorrência com outras possibilidades.
É necessário voltar a considerar a família como o
santuário da vida. De facto, ela é sagrada: é o
lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser
convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos
ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se
segundo as exigências de um crescimento humano
autêntico. Contra a denominada cultura da morte, a
família constitui a sede da cultura da vida.
O engenho humano parece orientar-se, nesse campo, mais
para limitar, suprimir ou anular as fontes da vida,
chegando até ao recurso do aborto, infelizmente tão
espalhado pelo mundo, do que para defender e criar
possibilidades à mesma vida. Na Encíclica Sollicitudo
rei socialis, foram denunciadas as campanhas sistemáticas
contra a natalidade, que, baseadas numa concepção
distorcida do problema demográfico e num clima de
«absoluta falta de respeito pela liberdade de decisão das
pessoas interessadas», as submetem muitas vezes «a
pressões intoleráveis (...) a fim de cederem a esta
nova forma de opressão». Trata-se de
políticas que, com novas técnicas, estendem o seu raio
de acção até ao ponto de chegarem, como numa «guerra
química», a envenenar a vida de milhões de seres
humanos indefesos.
Estas críticas, são dirigidas não tanto contra um
sistema económico, quanto contra um sistema
ético-cultural. De facto, a economia é apenas um
aspecto e uma dimensão da complexa actividade humana. Se
ela for absolutizada, se a produção e o consumo das
coisas acabar por ocupar o centro da vida social,
tornando-se o único valor verdadeiro da sociedade, não
subordinado a nenhum outro, a causa terá de ser procurada
não tanto no próprio sistema económico, quanto no facto
de que todo o sistema socio-cultural, ignorando a
dimensão ética e religiosa, ficou debilitado,
limitando-se apenas à produção dos bens e dos serviços.
Tudo isto se pode resumir afirmando mais uma vez que a
liberdade económica é apenas um elemento da liberdade
humana. Quando aquela se torna autónoma, isto é,
quando o homem é visto mais como um produtor ou um
consumidor de bens do que como um sujeito que produz e
consome para viver, então ela perde a sua necessária
relação com a pessoa humana e acaba por a alienar e
oprimir.
40. É tarefa do Estado prover à defesa e tutela de
certos bens colectivos como o ambiente natural e o ambiente
humano, cuja salvaguarda não pode ser garantida pos
simples mecanismos de mercado. Como nos tempos do antigo
capitalismo, o Estado tinha o dever de defender os
direitos fundamentais do trabalho, assim diante do novo
capitalismo, ele e toda sociedade têm a obrigação de
defender os bens colectivos que, entre outras coisas,
constituem o enquadramento dentro do qual cada um poderá
conseguir legitimamente os seus fins individuais.
Acha-se aqui um novo limite do mercado: há necessidades
colectivas e qualitativas, que não podem ser satisfeitas
através dos seus mecanismos; existem exigências humanas
importantes, que escapam à sua lógica; há bens que,
devido à sua natureza, não se podem nem se devem vender
e comprar. Certamente os mecanismos de mercado oferecem
seguras vantagens: ajudam, entre outras coisas, a
utilizar melhor os recursos, favorecem o intercâmbio dos
produtos e, sobretudo, põem no centro a vontade e as
preferências da pessoa que, no contrato, se encontram
com as de outrem. Todavia eles comportam o risco de uma
«idolatria» do mercado, que ignora a existência de bens
que, pela sua natureza, não são nem podem ser simples
mercadoria.
41. O marxismo criticou as sociedades burguesas
capitalistas, censurando-as pela «coisificação» e
alienação da existência humana. Certamente esta
censura baseia-se numa concepção errada e inadequada da
alienação, porque restringe a sua causa apenas à esfera
das relações de produção e propriedade, isto é,
atribuindo-lhe um fundamento materialista e, além
disso, negando a legitimidade e a positividade das
relações de mercado, inclusive no âmbito que lhes é
próprio. Acaba assim por afirmar que a alienação só
poderia ser eliminada numa sociedade de tipo colectivista.
Ora a experiência história dos Países socialistas
demonstrou tristemente que o colectivismo não suprime a
alienação, antes a aumenta, enquanto a ela junta ainda
a carência das coisas necessárias e a ineficácia
económica.
A experiência histórica do Ocidente, por sua vez,
demonstra que, embora sejam falsas a análise e a
fundamentação marxista da alienação, todavia esta,
com a perda do sentido autêntico da existência, é
também uma experiência real nas sociedades ocidentais.
Ela verifica-se no consumo, quando o homem se vê
implicado numa rede de falsas e superficiais
satisfações, em vez de ser ajudado a fazer a autêntica
e concreta experiência da sua personalidade. A
alienação verifica-se também no trabalho, quando é
organizado de modo a «maximizar» apenas os seus frutos e
rendimentos, não se preocupando de que o trabalhador,
por meio de seu trabalho, se realize mais ou menos como
homem, conforme cresça a sua participação numa
autêntica comunidade humana solidária, ou então cresça
o seu isolamento num complexo de relações de exacerbada
competição e de recíproco alheamento, no qual ele
aparece considerado apenas como um meio, e não como um
fim.
É necessário reconduzir o conceito de alienação à
perspectiva cristã, reconhecendo-a como a inversão dos
meios pelos fins: quando o homem não reconhece o valor e
a grandeza da pessoa em si próprio e no outro, de facto
priva-se da possibilidade de usufruir da própria
humanidade e de entrar na relação de solidariedade e de
comunhão com os outros homens para a qual Deus o criou.
Com efeito, é mediante o livre dom de si que o homem se
torna autenticamente ele próprio, e este dom é
possível graças à essencial «capacidade de
transcendência» da pessoa humana. O homem não se pode
doar a um projecto somente humano da realidade, nem a um
ideal abstracto ou a falsas utopias. Ele, enquanto
pessoa, consegue doar-se a uma outra pessoa ou outras
pessoas e, enfim, a Deus, que é o autor do seu ser e o
único que pode acolher plenamente o seu dom.
Alienado é o homem que recusa transcender-se a si
próprio e viver a experiência do dom de si e da
formação de uma autêntica comunidade humana, orientada
para o seu destino último, que é Deus. Alienada é a
sociedade que, nas suas formas de organização social,
de produção e de consumo, torna mais difícil a
realização deste dom e a constituição dessa
solidariedade inter-humana.
Na sociedade ocidental foi superada a exploração, pelo
menos nas formas analisadas e descritas por Karl Marx.
Pelo contrário, não foi superada a alienação nas
várias formas de exploração quando os homens se
instrumentalizam mutuamente e, na satisfação cada vez
mais refinada das suas necessidades particulares e
secundárias, se tornam surdos às suas carências
verdadeiras e autênticas, que devem regular as
modalidades de satisfação das outras necessidades.
O homem que se preocupa só ou prevalentemente
do ter e do prazer, incapaz já de dominar os seus
instintos e paixões e de subordiná-los pela obediência
à verdade, não pode ser livre: a obediência à verdade
sobre Deus e o homem é a primeira condição da
liberdade, permitindo-lhe ordenar as próprias
necessidades, os próprios desejos e as modalidades da sua
satisfação, segundo uma justa hierarquia, de modo que a
posse das coisas seja para ele um meio de crescimento. Um
obstáculo a tal crescimento pode vir da manipulação
realizada por alguns meios de comunicação social que
impõem, pela força de uma bem orquestrada insistência,
modos e movimentos de opinião, sem ser possível submeter
a um exame crítico as premissas sobre as quais se
fundamentam.
42. Voltando agora à questão inicial, pode-se
porventura dizer que, após a falência do comunismo, o
sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se
devem encaminhar os esforços dos Países que procuram
reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É,
porventura, este o modelo que se deve propor aos Países
do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro
progresso económico e civil?
A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por
«capitalismo» se indica um sistema económico que
reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do
mercado, da propriedade privada e da consequente
responsabilidade pelos meios de produção, da livre
criatividade humana no sector da economia, a resposta é
certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado
falar de «economia de empresa», ou de «economia de
mercado», ou simplesmente de «economia livre». Mas se
por «capitalismo» se entende um sistema onde a liberdade
no sector da economia não está enquadrada num sólido
contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade
humana integral e a considere como uma particular dimensão
desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso,
então a resposta é sem dúvida negativa.
A solução marxista faliu, mas permanecem no mundo
fenómenos de marginalização e de exploração,
especialmente no Terceiro Mundo, e fenómenos de
alienação humana, especialmente nos Países mais
avançados, contra os quais se levanta com firmeza a voz
da Igreja. Tantas multidões vivem ainda agora em
condições de grande miséria material e moral. A queda
do sistema comunista, em tantos países, elimina
certamente um obstáculo para enfrentar de modo adequado e
realístico estes problemas, mas não basta para
resolvê-los. Existe até o risco de se difundir uma
ideologia radical de tipo capitalista, que se recusa mesmo
a tomá-los em conta, considerando a priori condenada ao
fracasso toda a tentativa de os encarar e confia
fideisticamente a sua solução ao livre desenvolvimento
das forças de mercado.
43. A Igreja não tem modelos a propor. Os modelos
reais e eficazes poderão nascer apenas no quadro das
diversas situações históricas, graças ao esforço dos
responsáveis que enfrentam os problemas concretos em todos
os seus aspectos sociais, económicos, políticos e
culturais que se entrelaçam mutuamente. A esse
empenhamento, a Igreja oferece, como orientação ideal
indispensável, a própria doutrina social que — como se
disse — reconhece o valor positivo do mercado e da
empresa, mas indica ao mesmo tempo a necessidade de que
estes sejam orientados para o bem comum. Ela reconhece
também a legitimidade dos esforços dos trabalhadores para
conseguirem o pleno respeito da sua dignidade e espaços
maiores de participação na vida da empresa, de modo que
eles, embora trabalhando em conjunto com outros e sob a
direcção de outros, possam em certo sentido «trabalhar
por conta própria» exercitando a sua
inteligência e liberdade.
O desenvolvimento integral da pessoa humana no trabalho
não contradiz, antes favorece a maior produtividade e
eficácia do próprio trabalho, embora isso possa
enfraquecer estruturas consolidadas de poder. A empresa
não pode ser considerada apenas como uma «sociedade de
capitais»; é simultaneamente uma «sociedade de
pessoas», da qual fazem parte, de modo diverso e com
específicas responsabilidades, quer aqueles que fornecem
o capital necessário para a sua actividade, quer aqueles
que à colaboram com o seu trabalho. Para conseguir este
fim, é ainda necessário um grande movimento associado
dos trabalhadores, cujo objectivo é a libertação e a
promoção integral da pessoa.
À luz das «coisas novas» de hoje, foi relida a
relação entre a propriedade individual, ou privada, e o
destino universal dos bens. O homem realiza-se através
da sua inteligência e da sua liberdade e, ao fazê-lo,
assume como objecto e instrumento as coisas do mundo e
delas se apropria. Neste seu agir, está o fundamento do
direito à iniciativa e à propriedade individual.
Mediante o seu trabalho, o homem empenha-se não só
para proveito próprio, mas também para os outros e com
os outros: cada um colabora para o trabalho e o bem dos
outros. O homem trabalha para acorrer às necessidades da
sua família, da comunidade de que faz parte, da Nação
e, em definitivo, da humanidade inteira. Além
disso, colabora para o trabalho dos outros, que operam na
mesma empresa, como também para o trabalho dos
fornecedores ou para o consumo dos clientes, numa cadeia
de solidariedade que se alarga progressivamente. A posse
dos meios de produção, tanto no campo industrial como no
agrícola, é justa e legítima, se serve para um
trabalho útil; pelo contrário, torna-se ilegítima,
quando não é valorizada ou serve para impedir o trabalho
dos outros, para obter um ganho que não provém da
expansão global do trabalho humano e da riqueza social,
mas antes da sua repressão, da ilícita exploração, da
especulação, e da ruptura da solidariedade no mundo do
trabalho. Semelhante propriedade não tem
qualquer justificação, e constitui um abuso diante de
Deus e dos homens.
A obrigação de ganhar o pão com o suor do próprio
rosto supõe, ao mesmo tempo, um direito. Uma sociedade
onde este direito seja sistematicamente negado, onde as
medidas de política económica não consintam aos
trabalhadores alcançarem níveis satisfatórios de
ocupação, não pode conseguir nem a sua legitimação
ética nem a paz social. Tal como a pessoa se
realiza plenamente na livre doação de si própria, assim
a propriedade se justifica moralmente na criação, em
moldes e tempos devidos, de ocasiões de trabalho e
crescimento humano para todos.
|
|