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61. Aproximando-se o final do segundo Milénio, que deve recordar
a todos e como que tornar de novo presente o advento do Verbo quando
chegou a «plenitude dos tempos», a Igreja, uma vez mais, deseja
penetrar na própria essência da sua constituição divino-humana e da
sua missão, que lhe permite participar na missão messiânica de
Cristo, conforme o ensino e o projecto, que permanecem válidos, do
Concílio Vaticano II. Nesta mesma linha, podemos remontar até
ao Cenáculo, onde Jesus Cristo revela o Espírito Santo como
Paráclito, como Espírito da verdade, e fala da sua própria
«partida», mediante a Cruz, como condição necessária para a
«vinda» do mesmo Espírito. «É melhor para vós que eu vá,
porque se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu
partir, enviar-vo-lo-ei». [267] Vimos que este anúncio
teve a sua primeira realização já na tarde do dia de Páscoa e, em
seguida, durante a celebração do Pentecostes em Jerusalém: desde
então para cá, ele continua a realizar-se mediante a Igreja, na
história da humanidade.
A luz deste anúncio adquire pleno significado também o que Jesus
disse, ainda no decorrer da última Ceia, a propósito da sua nova
«vinda». É significativo, de facto, que Ele anuncie, no mesmo
discurso do adeus, não só a sua partida, mas também a sua nova
vinda. Diz exactamente: «Não vos deixarei órfãos; voltarei para
junto de vós». [268] E no momento da despedida definitiva,
antes de subir ao céu, repetirá, de uma forma ainda mais
explícita: «E eis que eu estou convosco»; e estou «todos os
dias, até ao fim do mundo». [269] Esta nova «vinda» de
Cristo — este seu vir continuamente para estar com os Apóstolos,
com a Igreja, este seu «estou convosco até ao fim do mundo» — não
modifica, certamente, o facto da sua «partida»; segue-se a ela,
depois de concluída a missão messiânica do mesmo Cristo na terra; e
dá-se no âmbito do preanunciado envio do Espírito Santo e
inscreve-se, por assim dizer, no íntimo da sua própria missão.
No entanto, realiza-se por obra do Espírito Santo, o qual faz com
que Cristo, que partiu, venha agora e sempre de uma maneira nova.
Este voltar de Cristo, por obra do Espírito Santo, e a sua
constante presença e acção na vida espiritual actualizam-se na
realidade sacramental. Nesta realidade, Cristo, que partiu na sua
humanidade visível, vem, está presente e actua na Igreja de uma
forma tão íntima, que faz dela o seu Corpo. E como tal, a Igreja
vive, opera e cresce «até ao fim do mundo». E tudo isto se realiza
por obra do Espírito Santo.
62. A expressão sacramental mais completa da «partida» de
Cristo, por meio do mistério da Cruz e da Ressurreição, é a
Eucaristia. Nela, todas as vezes que é celebrada, realiza-se
sacramentalmente, a sua vinda, a sua presença salvífica: no
Sacrifício e na Comunhão. Realiza-se por obra do Espírito
Santo e no ambito da sua própria missão. [270] Mediante a
Eucaristia, o Espírito Santo leva a efeito aquele «fortalecimento
do homem interior», de que fala a Epístola aos Efésios.
[271] Mediante a Eucaristia, as pessoas e as comunidades, sob
a acção do Paráclito-Consolador, aprendem a descobrir o sentido
divino da vida humana, lembrado pelo Concílio Vaticano II: aquele
sentido, pelo qual Jesus Cristo «revela plenamente o homem ao
próprio homem», sugerindo «uma certa semelhança entre a união das
pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na verdade e na
caridade». [272] Tal união exprime-se e realiza-se, de
modo particular, mediante a Eucaristia, na qual o homem,
participando no sacrifício de Cristo, que a celebração actualiza,
aprende também a «encontrar-se ... no dom ... de si»,
[273] na comunhão com Deus e com os outros homens, seus
irmãos.
Por isso, os primeiros cristãos, desde aqueles dias que se seguiram
à descida do Espírito Santo, «eram assíduos à fracção do pão
e à oração», formando assim uma comunidade unida no ensino dos
Apóstolos.[274] «Reconheciam», desse modo, que o seu
Senhor Ressuscitado, que já subira aos céus, voltava ao meio
deles, na comunidade eucarística da Igreja e por meio dela..
Guiada pelo Espírito Santo, a Igreja, desde os inícios,
exprimiu-se e confirmou-se a si mesma mediante a Eucaristia. E
assim foi sempre, em todas as gerações cristãs, até aos nossos
dias, até a esta vigília do completamento do segundo Milénio
cristão. É certo que temos de verificar, infelizmente, que este
último Milénio decorrido foi o Milénio das grandes separações
entre os cristãos. Por isso, todos aqueles que crêem em Cristo, a
exemplo dos Apóstolos, deverão pôr todo o empenho em conformar o
pensamento e as obras à vontade do Espírito Santo, «princípio de
unidade da Igreja», [275] a fim de que todos os baptizados num
só Espírito para constituir um só corpo se redescubram irmãos,
unidos na celebração da mesma Eucaristia, «sacramento de piedade,
sinal de unidade, vínculo de caridade». [276]
63. A presença eucarística de Cristo — o seu sacramental «eu
estou convosco» — permite à Igreja descobrir, cada vez mais
profundamente o próprio mistério, como atesta toda a eclesiologia do
Concílio Vaticano II, segundo o qual «a Igreja é em Cristo
como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com
Deus e da unidade de todo o género humano». [277] Como
sacramento, a Igreja desenvolve-se sobre o fundamento do mistério
pascal da «partida» de Cristo, vivendo da sua «vinda» sempre nova
por obra do Espírito Santo, que vai realizando a sua missão de
Paráclito-Espírito da verdade. É este precisamente o mistério
essencial da Igreja, como professa o Concílio.
Se em virtude da criação, Deus é Aquele em que todos nós
«vivemos, nos movemos e existimos», [278] o poder da
Redenção, por sua vez, perdura e desenvolve-se na história do
homem e do mundo como que num duplo ritmo, cuja fonte se encontra no
Pai eterno. Por um lado, é o «ritmo» da missão do Filho, que
veio ao mundo, nascendo de Maria Virgem por obra do Espírito
Santo; por outro lado, é também o «ritmo» da missão do
Espírito Santo, tal como foi revelado definitivamente por Cristo.
Por causa da «partida» do Filho, o Espírito Santo veio e vem
continuamente como Consolador e Espírito da verdade. No âmbito da
sua missão, como que no íntimo da presença invisível do
Espírito, o Filho, que «partira» no mistério pascal, «vem» e
está continuamente presente no mistério da Igreja; e ora se oculta,
ora se manifesta na sua história, mas sem deixar de conduzir sempre o
seu curso. Tudo isto acontece, de maneira sacramental, por obra do
Espírito Santo, o qual, indo haurir das riquezas da Redenção de
Cristo, continuamente dá a vida. Tomando consciência cada vez mais
viva deste mistério, a Igreja apreende melhor a sua identidade,
sobretudo como sacramento.
Assim acontece também porque, por vontade do seu Senhor, a Igreja
desempenha o seu ministério salvífico para com o homem por meio dos
diversos Sacramentos. O ministério sacramental, todas as vezes que
é realizado, comporta em si o mistério da «partida» de Cristo
mediante a Cruz e a Ressurreição, em virtude da qu al vem o
Espírito Santo. Vem e actua: «dá a vida». Os Sacramentos,
de facto, significam a graça e conferem a graça: exprimem a vida e
dão a vida. A Igreja é a dispensadora visível dos sinais
sagrados, enquanto o Espírito Santo age nos mesmos como o
dispensador invisível da vida que eles significam. Em união com o
Espírito está presente e age Cristo Jesus.
64. Se a Igreja é «o sacramento da íntima união com Deus»,
ela é tal em Jesus Cristo, em quem esta mesma união se actua como
realidade salvífica. Ela é tal em Jesus Cristo, por obra do
Espírito Santo. A plenitude da realidade salvífica, que é
Cristo na história, difunde-se, de modo sacramental, pelo poder do
Espírito Paráclito. Neste sentido o Espírito Santo é o «outro
Consolador», o novo Consolador, uma vez que, pela sua acção, a
Boa Nova toma corpo nas consciências e nos corações humanos e
expande-se na história. Em tudo isto, é o Espírito Santo que
dá a vida.
Quando empregamos a palavra «sacramento» em referência à Igreja,
devemos ter presente que a sacramentalidade da Igreja, no texto
conciliar, aparece distinta daquela que é própria dos Sacramentos em
sentido estrito. Lemos, efectivamente: «A Igreja é ... como
que um sacramento, ou sinal, e instrumento da íntima união com
Deus». Mas o que conta e emerge do sentido analógico em que a
palavra é empregada nos dois casos é a relação que a Igreja tem com
o poder do Espírito Santo, que é o único que dá a vida: a
Igreja é sinal e instrumento da presença e da acção do Espírito
vivificante.
O Vaticano II acrescenta que a Igreja é «um sacramento ... da
unidade de todo o género humano». Trata-se, evidentemente, da
unidade que o género humano — em si mesmo diferenciado de muitos modos
— tem de Deus e em Deus. Ela radica-se no mistério da criação e
adquire uma dimensão nova no mistério da Redenção, em ordem à
salvação universal. Dado que Deus quer «que todos os homens se
salvem e cheguem ao conhecimento da verdade», [279] a
Redenção compreende todos os homens e, de certo modo, toda a
criação. Nesta mesma dimensão universal da salvação, o
Espírito Santo actua, em virtude da «partida» de Cristo. Por
isso, a Igreja, radicada mediante o seu próprio mistério na
economia trinitária da salvação, com toda a razão se compreende a
si mesma como «sacramento da unidade de todo o género humano». Ela
tem consciência de o ser pelo poder do Espírito Santo, de que ela
é sinal e instrumento na actuação do plano salvífico de Deus.
Deste modo se realiza a «condescendência» do Amor infinito da
Santíssima Trindade: Deus, Espírito invisível, aproxima-se do
mundo visível. Deus uno e trino comunica-se ao homem no Espírito
Santo, desde o princípio, graças à sua «imagem e semelhança».
Sob a acção do mesmo Espírito, o homem e, por intermédio dele,
o mundo criado, redimido por Cristo, aproximam-se dos seus destinos
definitivos em Deus. A Igreja é «o sacramento, ou sinal, e o
instrumento» desta aproximação dos dois pólos da criação e da
Redenção, Deus e o homem. A mesma Igreja opera nos entido de
restabelecer e fortalecer a unidade do género humano nas próprias
raízes: na relação de comunhão que o homem tem com Deus, como seu
Criador, seu Senhor e seu Redentor. É uma verdade fundada no
ensino do Concílio, que podemos meditar, explicar e aplicar, em
toda a amplitude do seu significado , neste período da passagem do
segundo para o terceiro Milénio cristão. É grato para nós tomar
consciência cada vez mais viva do facto de que, dentro da acção
desenvolvida pela Igreja na história da salvação, inscrita na
história da humanidade, está presente e a agir o Espírito Santo,
Aquele que anima com o sopro da vida divina, a peregrinação terrena
do homem e faz convergir toda a criação, toda a história, para o
seu termo último, no oceano infinito de Deus.
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