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9. No cântico pascal da Igreja repercutem, com a
plenitude do seu conteúdo profético, as palavras que
Maria pronunciou durante a visita que fez a Isabel,
esposa de Zacarias: «A sua misericórdia estende-se de
geração em geração» [101]. Tais palavras, já
desde o momento da Encarnação, abrem nova perspectiva
da história da Salvação. Após a ressurreição de
Cristo, esta nova perspectiva passa para o plano
histórico e, ao mesmo tempo, reveste-se de sentido
escatológico novo. Desde então sucedem-se sempre novas
gerações de homens na imensa família humana, em
dimensões sempres crescentes; sucedem-se também novas
gerações do Povo de Deus, assinaladas pelo sinal da
Cruz e da Ressurreição e «seladas» [102] com o
sinal do mistério pascal de Cristo, revelação absoluta
daquela misericórdia que Maria proclamou à entrada da
casa da sua parente: «A sua misericórdia estende-se de
geração em geração» [103].
Maria é, pois, aquela que, de modo particular e
excepcional — como ninguém mais —, experimentou a
misericórdia e, também de modo excepcional, tornou
possível com o sacrifício do coração a sua
participação na revelação da misericórdia divina.
Este seu sacrifício está intimamente ligado à cruz do
seu Filho, aos pés da qual ela haveria de encontrar-se
no Calvário. Tal sacrifício de Maria é uma singular
participação na revelação da misericórdia, isto é,
da fidelidade absoluta de Deus ao próprio amor, à
Aliança que ele quis desde toda a eternidade e que no
tempo realizou com o homem, com o seu Povo e com a
humanidade. É a participação na revelação que se
realizou definitivamente mediante a Cruz. Ninguém
jamais experimentou, como a Mãe do Crucificado, o
mistério da Cruz, o impressionante encontro da
transcendente justiça divina com o amor, o «ósculo»
dado pela misericórdia à justiça [104]. Ninguém
como Maria acolheu tão profundamente no seu coração tal
mistério, no qual se verifica a dimensão verdadeiramente
divina da Redenção, que se realizou no Calvário
mediante a morte do seu Filho, acompanhada com o
sacrifício do seu coração de mãe, com o seu «fiat»
definitivo.
Maria, portanto, é aquela que conhece mais
profundamente o mistério da misericórdia divina.
Conhece o seu preço e sabe quanto é elevado. Neste
sentido chamamos-lhe Mãe da misericórdia, Nossa
Senhora da Misericórdia, ou Mãe da divina
misericórdia. Em cada um destes títulos há um profundo
significado teológico, porque exprimem a particular
preparação da sua alma e de toda a sua pessoa, para
torná-la capaz de descobrir, primeiro, através dos
complexos acontecimentos de Israel e, depois, daqueles
que dizem respeito a cada um dos homens e à humanidade
inteira, a misericórdia da qual todos se tornam
participantes, segundo o eterno desígnio da Santíssima
Trindade, «de geração em geração» [105].
Estes títulos que atribuímos à Mãe de Deus falam
dela sobretudo como Mãe do Crucificado e do
Ressuscitado, d'Aquela que, tendo experimentado a
misericórdia de um modo excepcional, «merece»
igualmente tal misericórdia durante toda a sua vida
terrena e, de modo particular, aos pés da cruz do
Filho. Tais títulos dizem-nos também que Ela,
através da participação escondida e, ao mesmo tempo,
incomparável na missão messiânica de seu Filho, foi
chamada de modo especial para tornar próximo dos homens o
amor que o Filho tinha vindo revelar: amor que encontra a
sua mais concreta manifestação para com os que sofrem,
os pobres, os que estão privados de liberdade os cegos,
os oprimidos e os pecadores, conforme Cristo explicou
referindo-se à profecia de Isaías, ao falar na
sinagoga de Nazaré [106] e, depois, ao responder
à pergunta dos enviados de João Baptista [107].
Precisamente deste amor «misericordioso», que se
manifesta sobretudo em contacto com o mal moral e físico,
participava de modo singular e excepcional o coração
daquela que foi a Mãe do Crucificado e do
Ressuscitado. Nela e por meio dela o mesmo amor não
cessa de revelar-se na história da Igreja e da
humanidade. Esta revelação é particularmente
frutuosa, porque se funda, tratando-se da Mãe de
Deus, no singular tacto do seu coração materno, na sua
sensibilidade particular, na sua especial capacidade para
atingir todos aqueles que aceitam mais facilmente o amor
misericordioso da parte de uma mãe. É este um dos
grandes e vivificantes mistérios do Cristianismo,
mistério muito intimamente ligado ao mistério da
Encarnação.
«Esta maternidade de Maria na economia da graça — como
se exprime o Concílio Vaticano II — perdura sem
interrupção, a partir do consentimento que fielmente deu
na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz,
ate à consumação eterna de todos os eleitos. De
facto, depois de elevada ao céu, não abandonou esta
missão salvadora, mas, com a sua multiforme
intercessão, continua a alcançar-nos os dons da
salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos
de seu Filho que entre perigos e angústias, caminham
ainda na terra até chégarem à Pátria bem-aventurada»
[108].
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