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30. No dia de Pentecostes, teve a sua mais exacta e directa
confirmação aquilo que fora anunciado por Cristo no discurso da
despedida; em particular, o anúncio de que estamos a tratar «O
Consolador ... convencerá o mundo quanto ao pecado». Nesse dia,
sobre os Apóstolos congregados no mesmo Cenáculo em oração,
juntamente com Maria, Mãe de Jesus, desceu o Espírito Santo
prometido, como lemos nos Actos dos Apóstolos: «Todos ficaram
cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas,
segundo o Espírito lhes concedia que se exprimissem» [109]
«reconduzindo desse modo à unidade as raças dispersas e oferecendo ao
Pai as primícias de todas as nações». [110]
Aparece clara, aqui, a relação entre o anúncio feito por Cristo e
este acontecimento. Entrevemos nele o primeiro e fundamental
cumprimento da promessa do Paráclito. Este, enviado pelo Pai, vem
«depois» da partida de Cristo, «à custa» da mesma. Trata-se de
uma partida, primeiro, mediante a morte de Cruz; e depois, passados
quarenta dias após a ressurreição, mediante a ascenção ao Céu.
Nesse momento da ascensão, Jesus deu ainda aos Apóstolos ordem
«de não se afastarem de Jerusalém, mas de esperarem lá a
realização da promessa do Pai»; «sereis baptizados no Espírito
Santo, dentro de não muitos dias»; «recebereis uma força do
Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas
testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos
confins da terra». [111]
Estas últimas palavras condensam um eco, ou uma recordação, do
anúncio feito no Cenáculo. E no dia de Pentecostes esse anúncio
realiza-se com toda a exactidão. Agindo sob o influxo do Espírito
Santo, recebido pelos Apóstolos quando estavam em oração no
Cenáculo, São Pedro apresenta-se e fala diante de uma multidão
de pessoas de diferentes línguas, reunidas para a festa. Proclama
aquilo que, de certeza, não teria tido a coragem de dizer
anteriormente: «Homens de Israel,... Jesus de Nazaré — homem
acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e
sinais, que Deus realizou no meio de vós por seu intermédio...
depois de vos ser entregue, segundo o desígnio determinado e a
presciência de Deus, vós o pregastes na Cruz, por mão de ímpios
e o matastes. Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o das angústias
da morte, pois não era possível que Ele ficasse sob o seu
domínio». [112]
Jesus tinha predito e prometido: «Ele (o Espírito Santo)...
dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho de mim».
No primeiro discurso de São Pedro em Jerusalém, de forma bem
clara tem o seu início esse testemunho: o testemunho a respeito de
Cristo, crucificado e ressuscitado. O testemunho do Espírito
Paráclito e dos Apóstolos. E no próprio conteúdo desse primeiro
testemunho, o Espírito da verdade, pela boca de São Pedro,
«convence o mundo quanto ao pecado»: convence-o, antes de mais,
quanto àquele pecado que é a rejeição de Cristo, até à sua
condenação à morte, até à Cruz no Gólgota. Repetir-se-ão
as proclamações de conteúdo análogo, segundo o texto dos Actos dos
Apóstolos, noutras ocasiões e em diversos lugares. [113]
31. A partir deste primeiro testemunho do Pentecostes, a acção
do Espírito da verdade, que «convence o mundo quanto ao pecado» da
rejeição de Cristo, anda ligada de modo orgânico com o testemunho
que deve ser dado do mistério pascal: do mistério do Crucificado e
do Ressuscitado. E nesta conexão o mesmo «convencer quanto ao
pecado» revela a própria dimensão salvífica. Trata-se, de
facto, de um «convencimento» que tem como finalidade não a mera
acusação do mundo nem, menos ainda, apenas a sua condenação;
Jesus Cristo veio ao mundo não para o julgar e condenar, mas sim
para o salvar. [114] Isto é bem salientado já neste primeiro
discurso, quando São Pedro exclama: «Saiba toda a casa de
Israel, com absoluta certeza, que Deus constituiu como Senhor e
Messias, esse Jesus que vós crucificastes». [115] E, em
seguida, quando as pessoas presentes perguntaram a São Pedro e aos
Apóstolos: «que havemos de fazer, irmãos?», o mesmo São
Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e peça cada um o Baptismo
em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados;
recebereis, então, o dom do Espírito Santo». [116]
Deste modo, o «convencer quanto ao pecado» torna-se conjuntamente
um convencer quanto à remissão dos pecados, pelo poder do Espírito
Santo. São Pedro, no seu discurso em Jerusalém, exorta à
conversão, como Jesus exortava os seus ouvintes no início da sua
actividade messiânica. [117] A conversão exige a convicção
do pecado e contém em si o juízo interior da consciência; e este,
sendo uma comprovação da acção do Espírito da verdade no íntimo
do homem, torna-se ao mesmo tempo o novo princípio da generosa
dádiva da graça e do Amor: «Recebei o Espírito Santo».
[118] Assim, neste «convencer quanto ao pecado», descobrimos
uma dupla dádiva: o dom da verdade da consciência, com o dom da
certeza da redenção. O Espírito da Verdade é o Consolador.
O convencer quanto ao pecado, mediante o ministério do anúncio
apostólico na Igreja nascente, é referido — sob o impulso do
Espírito derramado no Pentecostes — ao poder redentor de Cristo
crucificado e ressuscitado. Assim se verifica a promessa relativa ao
Espírito Santo, feita antes da Páscoa: «Ele receberá do que é
meu, para vo-lo anunciar». Por conseguinte, durante o evento do
Pentecostes, quando São Pedro fala do pecado daqueles que «não
acreditaram» [119] e entregaram a uma morte ignominiosa Jesus
de Nazaré, ele dá testemunho da vitória sobre o pecado; uma
vitória que se consumou, em certo sentido, mediante o maior pecado
que o homem podia cometer: a morte de Jesus, Filho de Deus,
consubstancial ao Pai! De modo análogo, pois, como a morte do
Filho de Deus vence a morte humana: «Ero mors tua, o mors» [ó
morte, eu hei-de ser a tua morte], [120] assim o pecado de
ter crucificado o Filho de Deus «vence» o pecado humano! Vence
aquele pecado que se consumou em Jerusalém, na Sexta-feira Santa,
como também cada pecado do homem. Com efeito, ao maior pecado da
parte do homem corresponde, no coração do Redentor, a oblação do
supremo amor, que supera o mal de todos os pecados dos homens. Com
base nesta certeza, a Igreja, na Liturgia romana, não hesita em
repetir todos os anos, durante a Vigília pascal, «O felix
culpa!» [Ó ditosa culpa!], no anúncio da Ressurreição que o
diácono faz com o canto do «Exultet».
32. Ninguém pode, todavia, «convencer o mundo», o homem e a
consciência humana quanto a esta verdade inefável a não ser Ele
mesmo, o Espírito da Verdade. Ele é o Espírito, que
«perscruta as profundezas de Deus». [121] Diante do
mistério do pecado, é preciso perscrutar «as profundezas de Deus»
até onde for possível. Não basta perscrutar a consciência humana,
como mistério íntimo do homem; mas é imprescindível penetrar no
mistério íntimo de Deus, naquelas «profundezas de Deus» que se
resumem na síntese: «ao Pai — no Filho — por meio do Espírito
Santo». É exactamente o Espírito Santo que as «perscruta»; e a
elas vai buscar a resposta de Deus ao pecado do homem. Com essa
resposta encerra-se o processo de «convencer quanto ao pecado», como
o acontecimento do Pentecostes põe em evidência.
Convencendo o «mundo» do pecado do Gólgota, da morte do Cordeiro
inocente, como aconteceu no dia do Pentecostes, o Espírito Santo
convence também de todos os pecados cometidos em qualquer lugar e em
qualquer momento na história do homem: Ele, com efeito, fez ver a
sua conexão com a Cruz de Cristo. O «convencer» é a
demonstração do mal do pecado, de qualquer pecado, em relação com
a Cruz de Cristo. O pecado, quando mostrado com esta relação, é
reconhecido em toda dimensão do mal que lhe é própria, como
«mysterium iniquitatis» [o mistério da iniquidade] [122] que
em si mesmo contém e esconde. O homem não conhece esta dimensão —
não a pode conhecer absolutamente, separando-a da Cruz de Cristo.
Por isso, não pode ser «convencido» quanto a ela se não pelo
Espírito Santo: Espírito da verdade, mas também Consolador.
O pecado, de facto, mostrado em relação com a Cruz de Cristo, é
identificado simultaneamente na plena dimensão do «mysterium
pietatis» [mistério da piedade], [123] como foi indicado na
Exortação Apostólica pós-sinodal Reconciliatio et Paenitentia.
[124] O homem também não conhece, de maneira nenhuma, esta
dimensão do pecado fora da Cruz de Cristo. E também não pode ser
dela «convencido» se não pelo Espírito Santo: por Aquele que
«perscruta as profundezas de Deus».
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