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Estas afirmações basilares sobre o trabalho, precisamente,
resultaram sempre das riquezas da verdade cristã, em particular da
mesma mensagem do «evangelho do trabalho», criando o fundamento do
novo modo de pensar, de julgar e de agir dos homens. Na época
moderna, desde os inícios da era industrial, a verdade cristã sobre
o trabalho teve de se contrapor às várias correntes do
pensamentomaterialista e economicista.
Para alguns fautores de tais ideias, o trabalho era entendido e
tratado como uma espécie de «mercadoria», que o trabalhador —
especialmente o operário da indústria — vendia ao dador de trabalho,
que era ao mesmo tempo possessor do capital, isto é, do conjunto dos
instrumentos de trabalho e dos meios que tornam possível a produção.
Este modo de conceber o trabalho encontrava-se especialmente difundido
na primeira metade do século XIX. Em seguida, as formulações
explícitas deste género quase desapareceram, cedendo o lugar a um
modo mais humano de pensar e de avaliar o trabalho. A interacção do
homem do trabalho e do conjunto dos instrumentos e dos meios de
produção deu azo a desenvolverem-se diversas formas de capitalismo —
paralelamente a diversas formas de colectivismo — nas quais se
inseriram outros elementos, na sequência de novas circunstâncias
concretas, da acção das associações de trabalhadores e dos poderes
públicos, e da aparição de grandes empresas transnacionais. Apesar
disso, o perigo de tratar o trabalho como uma «mercadoria sui
generis» ou como uma «força» anónima necessária para a produção
(fala-se mesmo de «força-trabalho») continua a existir ainda nos
dias de hoje, especialmente quando a maneira de encarar a problemática
económica é caracterizada pela adesão às premissas do «economismo»
materialista.
Para este modo de pensar e de julgar há uma ocasião sistemática e,
num certo sentido, até mesmo um estímulo, que são constituídos
pelo acelerado processo de desenvolvimento da civilização
unilateralmente materialista, na qual se dá importância primeiro que
tudo à dimensão objectiva do trabalho, enquanto a dimensão
subjectiva — tudo aquilo que está em relação indirecta ou directa
com o próprio sujeito do trabalho — fica num plano secundário. Em
todos os casos deste género, em todas as situações sociais deste
tipo, gera-se uma confusão, ou até mesmo uma inversão, daquela
ordem estabelecida desde o princípio pelas palavras do Livro do
Génesis: o homem passa então a ser tratado como instrumento de
produção; enquanto que ele — ele só por si, independentemente do
trabalho que realiza — deveria ser tratado como seu sujeito eficiente,
como seu verdadeiro artífice e criador. É precisamente esta inversão
da ordem, prescindindo do programa ou da denominação sob cujos
auspícios ela se gera, que mereceria — no sentido indicado mais
amplamente em seguida — o nome de «capitalismo». Como é sabido, o
capitalismo tem o seu significado histórico bem definido, enquanto
sistema, e sistema económico-social, em contraposição ao
«socialismo» ou «comunismo». No entento, à luz da análise da
realidade fundamental de todo o processo económico e, primeiro que
tudo, das estruturas de produção — qual é, justamente, o trabalho
— importa reconhecer que o erro do primitivo capitalismo pode
repetir-se onde quer que o homem seja tratado, de alguma forma, da
mesma maneira que todo o conjunto dos meios materiais de produção,
como um instrumento e não segundo a verdadeira dignidade do seu
trabalho — ou seja, como sujeito e autor e, por isso mesmo, como
verdadeira finalidade de todo o processo de produção.
Sendo assim, compreende-se que a análise do trabalho humano feita à
luz daquelas palavras que dizem respeito ao «domínio» do homem sobre
a terra, se insira mesmo ao centro da problemática ético-social.
Uma tal concepção deveria também ter um lugar central em toda a
esfera da política social e económica, quer à escala dos diversos
países, quer a uma escala mais ampla, das relações internacionais e
intercontinentais, com referência em particular às tensões que se
esboçam no mundo, não só centradas no eixo Oriente-Ocidente, mas
também no outro eixo Norte-Sul. O Papa João XXIII, num
primeiro momento, com a sua Encíclica Mater et Magistra, e o Papa
Paulo VI, depois, com a Encíclica Populorum Progressio,
dedicaram uma decidida atenção a tais dimensões dos problemas éticos
e sociais contemporâneos.
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