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No mistério da Redenção, isto é, da obra salvífica realizada
por Jesus Cristo, a Igreja participa no Evangelho do seu Mestre,
não apenas mediante a fidelidade à Palavra e através do serviço à
verdade, mas igualmente mediante a submissão, cheia de esperança e
de amor, ela participa na força da sua acção redentora, que Ele
expressou e encerrou, de forma sacramental, sobretudo na Eucaristia.
Esta é o centro e o vértice de toda a vida sacramental, por meio da
qual todos os cristãos recebem a força salvífica da Redenção, a
começar do mistério do Baptismo, no qual somos imergidos na morte de
Cristo, para nos tornarmos participantes da sua Ressurreição, como
ensina o Apóstolo. A luz desta doutrina, torna-se ainda mais clara
a razão pela qual toda a vida sacramental da Igreja e de cada cristão
alcança o seu vértice e a sua plenitude precisamente na Eucaristia.
Neste Sacramento, de facto, renova-se continuamente, por vontade
de Cristo, o mistério do sacrifício que Ele fez de si mesmo ao Pai
sobre o altar da Cruz; sacrifício que o Pai aceitou, retribuindo
esta doação total de seu Filho, que se tornou «obediente até à
morte», com a sua doação paterna; ou seja, com o dom da vida nova
imortal na ressurreição, porque o Pai é a primeira fonte e o doador
da vida desde o princípio. Essa vida nova, que implica a
glorificação corporal de Cristo crucificado, tornou-se sinal eficaz
do novo dom outorgado à humanidade, dom que é o Espírito Santo,
mediante o qual a vida divina, que o Pai tem em si e concede ao Filho
ter em si mesmo, é comunicada a todos os homens que estão unidos com
Cristo.
A Eucaristia é o Sacramento mais perfeito desta união. Ao
celebrarmos e conjuntamente ao participarmos na Eucaristia, nós
unimo-nos a Cristo terrestre e celeste, que intercede por nós junto
do Pai; mas unimo-nos sempre através do acto redentor do seu
sacrifício, por meio do qual Ele nos remiu, de modo que fomos
«comprados por um preço elevado». O «preço elevado» da nossa
redenção comprova também ele o valor que o mesmo Deus atribui ao
homem, comprova a nossa dignidade em Cristo. Realmente,
tornando-nos «filhos de Deus», filhos de adopção, à sua
semelhança nós tornamo-nos ao mesmo tempo «reino de sacerdotes»,
alcançamos o «sacerdócio real», isto é, participamos naquela
restituição única e irreversível do homem e do mundo ao Pai, que
Ele, Filho eterno e ao mesmo tempo verdadeiro Homem, operou de uma
vez para sempre. A Eucaristia é o Sacramento no qual se exprime
mais cabalmente o nosso novo ser, e no qual o mesmo Cristo,
incessantemente e sempre de maneira nova, «dá testemunho» no
Espírito Santo ao nosso espírito de que cada um de nós, enquanto
participante no mistério da Redenção, tem acesso aos frutos da
filial reconciliação com Deus, tal como Ele mesmo a actuou e
continua sempre a actuar no meio de nós, mediante o ministério da
Igreja.
É uma verdade essencial, não só doutrinal mas também existencial,
que a Eucaristia constrói a Igreja; e constrói-a como autêntica
comunidade do Povo de Deus, como assembleia dos féis, assinalada
pelo mesmo carácter de unidade de que foram participantes os
Apóstolos e os primeiros discípulos do Senhor. A Eucaristia
constrói renovando-a sempre esta comunidade e unidade; constrói-a
sempre e regenera-a sobre a base do sacrifício do mesmo Cristo,
porque comemora a sua morte na cruz, com o preço da qual fomos por
Ele remidos. Por isso, na Eucaristia nós tocamos de certo modo o
próprio mistério do Corpo e do Sangue do Senhor, como atestam as
suas mesmas palavras no momento da instituição, em virtude da qual
tais palavras se tornaram as palavras da perene celebração da
Eucaristia, por parte dos chamados a este ministério na Igreja.
A Igreja vive da Eucaristia, vive da plenitude deste Sacramento,
cujo maravilhoso conteúdo e significado tiveram a sua expressão no
Magistério da Igreja, desde os tempos mais remotos até aos nossos
dias. Contudo, podemos dizer com certeza que este ensino —
sustentado pela perspicácia dos teólogos, pelos homens de profunda
fé e de oração e pelos ascetas e místicos, com toda a sua
fidelidade ao mistério eucarístico — permanece como que no limiar,
sendo incapaz de captar e de traduzir em palavras aquilo que é a
Eucaristia em toda a sua plenitude, aquilo que ela exprime e aquilo
que nela se actua. Ela é, de facto, o Sacramento inefável! O
empenho essencial e, sobretudo, a graça visível e fonte da força
sobrenatural da Igreja como Povo de Deus é o perseverar e o
progredir constantemente na vida eucarística e na piedade
eucarística, é o desenvolvimento espiritual no clima da Eucaristia.
Com maior razão, portanto, não é lícito nem no pensamento, nem
na vida, nem na acção tirar a este Sacramento, verdadeiramente
santíssimo, a sua plena dimensão e o seu significado essencial. Ele
é ao mesmo tempo Sacramento-Sacrifício, Sacramento-Comunhão e
Sacramento-Presença. Se bem que seja verdade que a Eucaristia foi
sempre e deve ser ainda agora a mais profunda revelação e celebração
da fraternidade humana dos discípulos e confessores de Cristo, ela
não pode ser considerada simplesmente como uma «ocasião» para se
manifestar uma tal fraternidade. No celebrar o Sacramento do Corpo e
do Sangue do Senhor, é necessário respeitar a plena dimensão do
mistério divino, o pleno sentido deste sinal sacramental, em que
Cristo, realmente presente, é recebido, a alma é repleta de graça
e é dado o penhor da glória futura. Daqui deriva o dever de uma
rigorosa observância das normas litúrgicas e de tudo aquilo que
testemunha o culto comunitário rendido ao mesmo Deus, tanto mais que
Ele, neste sinal sacramental, Se nos entrega com confiança
ilimitada, como se não tivesse em consideração a nossa fraqueza
humana, a nossa indignidade, os nossos hábitos, a rotina, ou até
mesmo a possibilidade de ultraje. Todos na Igreja, mas
principalmente os Bispos e os Sacerdotes, devem vigiar por que este
Sacramento de amor esteja no centro da vida do Povo de Deus e por
que, através de todas as manifestações do culto devido, se proceda
de molde a pagar «amor com amor» e a fazer com que Ele se torne
verdadeiramente «a vida das nossas almas». Nem poderemos, ainda,
esquecer nunca as seguintes palavras de São Paulo: «Examine-se,
pois, cada qual a si mesmo e, assim, coma deste pão e beba deste
cálice».
Esta exortação do Apóstolo indica, pelo menos indirectamente, o
estreito ligame existente entre a Eucaristia e a Penitência. Com
efeito, se a primeira palavra do ensino de Cristo, a primeira frase
do Evangelho-Boa Nova, foi «fazei penitência e acreditai na
Boa-Nova» (metanoèite), o Sacramento da Paixão, da Cruz e
Ressurreição parece reforçar e consolidar, de modo absolutamente
especial, um tal convite às nossas almas. A Eucaristia e a
Penitência tornam-se assim, num certo sentido, uma dimensão
dúplice e, a um tempo, intimamente conexa, da autêntica vida
segundo o espírito do Evangelho, da vida verdadeiramente cristã.
Cristo, que convida para o banquete eucarístico, é sempre o mesmo
Cristo que exorta à penitência, que repete o «convertei-vos».
Sem este constante e sempre renovado esforço pela conversão, a
participação na Eucaristia ficaria privada da sua plena eficácia
redentora, falharia ou, de qualquer modo, ficaria enfraquecida nela
aquela particular disponibilidade para oferecer a Deus o sacrifício
espiritual, no qual se exprime de modo essencial e universal a nossa
participação no sacerdócio de Cristo. Em Cristo, de facto o
sacerdócio está unido com o próprio sacrifício, com a sua entrega
ao Pai; e uma tal entrega, precisamente porque é ilimitada, faz
nascer em nós — homens sujeitos a multíplices limitações — a
necessidade de nos voltarmos para Deus, de uma forma cada vez mais
amadurecida e com uma constante conversão, cada vez mais profunda.
Nos últimos anos muito se fez para pôr em realce — em conformidade,
aliás, com a mais antiga tradição da Igreja — o aspecto
comunitário da penitência e, sobretudo, do sacramento da
Penitência na prática da Igreja. Estas iniciativas são úteis e
servirão certamente para enriquecer a prática penitencial da Igreja
contemporânea. Não podemos esquecer, no entanto, que a conversão
é um acto interior de uma profundidade particular, no qual o homem
não pode ser substituído pelos outros, não pode fazer-se
«substituir» pela comunidade. Muito embora a comunidade fraterna dos
fiéis, participantes na celebração penitencial, seja muito útil
para o acto da conversão pessoal, todavia, definitivamente é
necessário que neste acto se pronuncie o próprio indivíduo, com toda
a profundidade da sua consciência, com todo o sentido da sua
culpabilidade e da sua confiança em Deus, pondo-se diante d'Ele,
à semelhança do Salmista, para confessar: «Pequei contra
vós!». A Igreja, pois, ao observar fielmente a plurissecular
práctica do Sacramento da Penitência — a prática da confissão
individual, unida ao acto pessoal de arrependimento e ao propósito de
se corrigir e de satisfazer — defende o direito particular da alma
humana. É o direito a um encontro mais pessoal do homem com Cristo
crucificado que perdoa, com Cristo que diz, por meio do ministro do
sacramento da Reconciliação: «São-te perdoados os teus
pecados»; «Vai e doravante não tornes a pecar». Como é
evidente, isto é ao mesmo tempo o direito do próprio Cristo em
relação a todos e a cada um dos homens por Ele remidos. É o direito
de encontrar-se com cada um de nós naquele momento-chave da vida
humana, que é o momento da conversão e do perdão. A Igreja, ao
manter o sacramento da Penitência, afirma expressamente a sua fé no
mistério da Redenção, como realidade viva e vivificante, que
corresponde à verdade interior do homem, corresponde à humana
culpabilidade e também aos desejos da consciência humana.
«Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão
saciados» . O sacramento da Penitência é o meio para saciar o
homem com aquela justiça que provém do mesmo Redentor.
Na Igreja que, sobretudo nos nossos tempos, se reune especialmente
em torno da Eucaristia e deseja que a autêntica comunidade
eucarística se torne sinal da unidade de todos os cristãos, unidade
esta que vai maturando gradualmente, deve estar viva a necessidade da
penitência, quer no seu aspecto sacramental, quer também no que
respeita à penitência como virtude. Este segundo aspecto foi
expresso por Paulo VI na Constituição Apostólica Paenitemini.
Uma das obrigações da Igreja é o pôr em prática a doutrina que
aí se contém. Trata-se de matéria que deverá, certamente, ser
ainda mais aprofundada por nós, em comum reflexão, e tornada objecto
de muitas decisões ulteriores, em espírito de colegialidade
pastoral, com respeito pelas diversas tradições relacionadas com este
ponto e pelas diversas circunstâncias da vida dos homens do nosso
tempo. Todavia, é certo que a Igreja do novo Advento, a Igreja
que se prepara continuamente para a nova vinda do Senhor, tem de ser a
Igreja da Eucaristia e da Penitência. Somente com este perfil
espiritual da sua vitalidade e actividade, ela é a Igreja da missão
divina, a Igreja in statu missionis (em estado de missão),
conforme nos foi revelado o rosto da mesma pelo II Concílio do
Vaticano.
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