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A Igreja não pode abandonar o homem, cuja «sorte», ou seja, a
escolha, o chamamento, o nascimento e a morte, a salvação ou a
perdição, estão de maneira tão íntima e indissolúvel unidos a
Cristo. E trata-se aqui precisamente de todos e cada um dos homens
sobre este planeta, nesta terra que o Criador deu ao primeiro homem,
dizendo ao mesmo tempo ao homem e à mulher: «submetei-a (a terra)
e dominai-a». Cada homem, pois, em toda a sua singular realidade
do ser e do agir, da inteligência e da vontade, da consciência e do
coração. O homem nessa sua singular realidade (porque é
«pessoa») tem uma própria história da sua vida e, sobretudo, uma
própria história da sua alma. O homem que, segundo a interior
abertura do seu espírito, e conjuntamente a tantas e tão diversas
necessidades do seu corpo e da sua existência temporal, escreve esta
sua história pessoal, fá-lo através de numerosos ligames,
contactos, situações e estruturas sociais, que o unem a outros
homens; e faz isso a partir do primeiro momento da sua existência
sobre a terra, desde o momento da sua concepção e do seu nascimento.
O homem, na plena verdade da sua existência, do seu ser pessoal e,
ao mesmo tempo, do seu ser comunitário e social — no âmbito da
própria família, no âmbito de sociedades e de contextos bem
diversos, no âmbito da própria nação, ou povo (e, talvez, ainda
somente do clã ou da tribo), enfim no âmbito de toda a humanidade —
este homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no
cumprimento da sua missão: ele é a primeira e fundamental via da
Igreja, via traçada pelo próprio Cristo e via que imutavelmente
conduz através do mistério da Encarnação e da Redenção.
Este homem assim precisamente, em toda a verdade da sua vida, com a
sua consciência, com a sua contínua inclinação para o pecado e, ao
mesmo tempo, com a sua contínua aspiração pela verdade, pelo bem,
pelo belo, pela justiça e pelo amor, precisamente um tal homem tinha
diante dos olhos o II Concílio do Vaticano, quando, ao delinear a
sua situação no mundo contemporâneo, se transferia sempre das
componentes externas desta situação para a verdade imanente da
humanidade: «É no íntimo do homem precisamente que muitos elementos
se combatem entre si. Enquanto, por uma parte, ele se experimenta,
como criatura que é, multiplamente limitado, por outra, sente-se
ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida superior. Atraído por
muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher entre elas e a
renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes
aquilo que não quer e não realiza o que desejaria fazer. Sofre assim
em si mesmo a divisão, da qual tantas e tão graves discórdias se
originam para a sociedade».
É este homem assim que é a via da Igreja; via que se encontra, de
certo modo, na base de todas aquelas vias pelas quais a Igreja deve
caminhar: porque o homem — todos e cada um dos homens, sem excepção
alguma — foi remido por Cristo; e porque com o homem — cada homem,
sem excepção alguma — Cristo de algum modo se uniu, mesmo quando
tal homem disso não se acha consciente: «Cristo, morto e
ressuscitado por todos os homens, a estes — a todos e a cada um dos
homens — oferece sempre... a luz e a força para poderem
corresponder à sua altíssima vocação».
Sendo portanto este homem a via da Igreja, via da sua vida e
experiência quotidianas, da sua missão e actividade, a Igreja do
nosso tempo tem de estar, de maneira sempre renovada, bem ciente da
«situação» de tal homem. E mais: a Igreja deve estar bem ciente
das suas possibilidades, que tomam sempre nova orientação e assim se
manifestam; ela tem de estar bem ciente, ao mesmo tempo ainda, das
ameaças que se apresentam contra o homem. Ela deve estar cônscia,
outrossim, de tudo aquilo que parece ser contrário ao esforço para
que «a vida humana se torne cada vez mais humana» 97 e para que tudo
aquilo que compõe esta mesma vida corresponda à verdadeira dignidade
do homem. Numa palavra, a Igreja deve estar bem cônscia de tudo
aquilo que é contrário a um tal processo de nobilitação da vida
humana.
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