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10. Temos todo o direito de acreditar que também a
nossa geração foi abrangida pelas palavras da Mãe de
Deus, quando glorificava a misericórdia de que
participam, «de geração em geração», aqueles que se
deixam guiar pelo temor de Deus. As palavras do
Magnificat de Maria têm conteúdo profético, que diz
respeito não só ao passado de Israel, mas também a
todo o futuro do Povo de Deus sobre a terra. Com
efeito, todos nós que vivemos actualmente na terra somos
a geração que está consciente da aproximação do
terceiro Milénio e que sente profundamente a viragem que
hoje se está a venficar na história.
A geração contemporânea tem consciência de ser uma
geração privilegiada, porque o progresso lhe proporciona
imensas possibilidades, insuspeitadas há apenas alguns
decénios. A actividade criadora do homem, a sua
inteligência e o seu trabalho provocaram mudanças
profundas, quer no campo da ciência e da técnica, quer
no plano da vida social e cultural. O homem, de facto,
estendeu o seu domínio sobre a natureza e adquiriu
conhecimento mais aprofundado das leis do seu próprio
comportamento social. Verificou que caíram ou se
tornaram menores os obstáculos e as distâncias que
separam os homens e as nações: graças ao vivo sentido
do que é universal e à consciência mais nítida da
unidade do género humano, aceitando a dependência
recíproca numa solidariedade autêntica; e em virtude,
ainda, do desejo — e também da possibilidade — de
entrar em contacto com os seus irmãos e irmãs,
ultrapassando as divisões artificialmente criadas pela
geografia, ou pelas fronteiras nacionais ou raciais. Os
jovens de hoje, sobretudo, sabem que o progresso da
ciência e da técnica é capaz de produzir não somente
novos bens materiais, mas também participação mais
ampla no comum património do saber.
O desenvolvimento da informática, por exemplo,
multiplicará as capacidades criadoras do homem e
permitir-lhe-á o acesso aos bens de ordem intelectual e
cultural dos outros povos. As novas técnicas da
comunicação favorecerão maior participação nos
acontecimentos e intercâmbio crescente de ideias. As
conquistas das ciências biológicas, psicológicas e
sociais ajudarão o homem a penetrar na riqueza do seu
próprio ser. Se é verdade que tal progresso continua a
ser, muitas vezes apanágio dos países industrializados,
não se pode negar, contudo que a perspectiva de se
conseguir que todos os povos e todas as nações dele
usufruam, já não irá permanecer por muito tempo mera
utopia, dado que existe real vontade política, a este
respeito.
Mas, a par de tudo isso — ou melhor talvez, em tudo
isso — existem dificuldades que se vão avolumando.
Existem inquietudes e impotências a exigirem que se lhes
dê a resposta profunda que o homem sabe que tem de dar.
O quadro do mundo contemporâneo apresenta também sombras
e desequilíbrios que nem sempre são superficiais. A
Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio
Vaticano II não é certamente o único documento que
trata da vida da geração contemporânea, mas é um
documento de importância singular. Nela se diz: «Na
verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo actual
estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se
radica no coração do homem. Porque, no íntimo do
próprio homem muitos elementos se combatem. Enquanto,
por uma parte, ele se experimenta como criatura que é,
multiplamente limitado, por outra, sente-se ilimitado
nos seus desejos e chamado a uma vida superior. Atraído
por muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher
entre elas, e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco
e pecador, faz muitas vezes aquilo que não quer e não
realiza o que deseja fazer. Sofre assim em si mesmo a
divisão, da qual tantas e tão grandes discórdias se
originam para a sociedade» [109].
Quase ao fim da introdução da mesma Constituição
pastoral lemos: «... Perante a actual evolução do
mundo, cada dia são mais numerosos aqueles que põem ou
sentem com maior acuidade, as questões fundamentais:
Que é o homem? Qual é o sentido da dor, do mal e da
morte que, apesar do enorme progresso alcançado,
continuam a existir? Para que servem essas vitórias
ganhas a tão grande preço?» [110].
Decorridos quase quinze anos após o encerramento do
Concílio Vaticano II, ter-se-á tornado menos
inquietante este quadro de tensões e de ameças,
próprias da nossa época? Parece que não. Ao
contrário, as tensões e as ameaças que no Documento
conciliar pareciam apenas esboçar-se e não manifestar
inteiramente todo o perigo que em si encerravam, no
decurso destes anos revelaram-se mais claramente,
confirmaram de várias maneiras o perigo e não permitem
acalentar as ilusões de outrora.
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