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Permanecendo ainda na perspectiva do homem como sujeito do trabalho,
é conveniente tocar, ao menos de maneira sintética, alguns problemas
quedefinem mais de perto a dignidade do trabalho humano, porque isso
irá permitir caracterizar mais plenamente o seu valor moral
específico. E importa fazê-lo tendo sempre diante dos olhos a
sobredita vocação bíblica para «submeter a terra», na qual se
expressou a vontade do Criador, querendo que o trabalho tornasse
possível ao homem alcançar um tal «domínio» que lhe é próprio no
mundo visível.
A intenção fundamental e primordial de Deus quanto ao homem, que
Ele «criou ... à Sua semelhança, à Sua imagem», não foi
retratada nem cancelada, mesmo quando o homem, depois de ter
infringido a aliança original com Deus, ouviu estas palavras:
«Comerás o pão com o suor da tua fronte». Tais palavras
referem-se àquela fadiga, por vezes pesada, que a partir de então
passou a acompanhar o trabalho humano; no entanto, elas não mudam o
facto de o mesmo trabalho ser a via pela qual o homem chegará a
realizar o «domínio» que lhe é próprio no mundo visível,
«submetendo» a terra. Esta fadiga é um facto universalmente
conhecido, porque universalmente experimentado. Sabem-no os homens
que fazem um trabalho braçal, executado por vezes em condições
excepcionalmente difíceis; sabem-no os que labutam na agricultura,
os quais empregam longas jornadas no cultivar a terra, que por vezes
apenas «produz espinhos e abrolhos»; como o sabem também aqueles que
trabalham nas minas e nas pedreiras, e igualmente os operários
siderúrgicos junto dos seus altos-fornos, e os homens que exercem a
actividade no sector da construção civil e em obras de construção em
geral, frequentemente em perigo de vida ou de invalidez. Sabem-no
bem, ainda, os homens que trabalham agarrados ao «banco» do trabalho
intelectual, sabem-no os cientistas, sabem-no os homens sobre cujos
ombros pesa a grave responsabilidade de decisões destinadas a ter vasta
ressonância no plano social. Sabem-no os médicos e os enfermeiros
que velam de dia e de noite junto dos doentes. Sabem-no as mulheres
que, por vezes sem um devido reconhecimento por parte da sociedade e
até mesmo nalguns casos dos próprios familiares, suportam dia-a-dia
as canseiras e a responsabilidade do arranjo da casa e da educação dos
filhos. Sim, sabem-no bem todos os homens do trabalho e, uma vez
que o trabalho é verdadeiramente uma vocação universal, sabem-no
todos os homens sem excepção.
E no entanto, com toda esta fadiga — e talvez, num certo sentido,
por causa dela — o trabalho é um bem do homem. E se este bem traz em
si a marca de um bonum arduum — «bem árduo» — para usar a
terminologia de Santo Tomás de Aquino, isso não impede que, como
tal ele seja um bem do homem. E mais, é não só um bem «útil» ou
de que se pode usufruir, mas é um bem «digno», ou seja, que
corresponde à dignidade do homem, um bem que exprime esta dignidade e
que a aumenta. Querendo determinar melhor o sentido ético do
trabalho, é indispensável ter diante dos olhos antes de mais nada
esta verdade. O trabalho é um bem do homem — é um bem da sua
humanidade — porque, mediante o trabalho, o homem não somente
transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades,
mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo
sentido, «se torna mais homem».
Sem esta consideração, não se pode compreender o significado da
virtude da laboriosidade, mais exactamente não se pode compreender por
que é que a laboriosidade haveria de ser uma virtude; efectivamente,
a virtude, como aptidão moral, é algo que faculta ao homem
tornar-se bom como homem. Este facto não muda em nada a nossa justa
preocupação por evitar que no trabalho, mediante o qual a matéria é
nobilitada, o próprio homem não venha a sofrer uma diminuição da
sua dignidade. É sabido, ainda, que é possível usar de muitas
maneiras do trabalho contra o homem, que se pode mesmo punir o homem
com o recurso ao sistema dos trabalhos forçados nos lager (campos de
concentração), que se pode fazer do trabalho um meio para a
opressão do homem e que, enfim, se pode explorar, de diferentes
maneiras, o trabalho humano, ou seja o homem do trabalho. Tudo isto
depõe a favor da obrigação moral de unir a laboriosidade como virtude
com a ordem social do trabalho, o que há-de permitir ao homem
«tornar-se mais homem» no trabalho, e não já degradar-se por
causa do trabalho, desgastando não apenas as forças físicas (o
que, pelo menos até certo ponto, é inevitável), mas sobretudo
menoscabando a dignidade e subjectividade que lhe são próprias.
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