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3. Quando já estava iminente para Jesus Cristo o tempo de deixar
este mundo, ele anunciou aos Apóstolos «um outro
Consolador»[16]. O evangelista São João, que estava
presente, escreve que, durante a Ceia pascal no dia anterior à sua
paixão e morte, Jesus se dirigiu a eles com estas palavras: «Tudo
o que pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja
glorificado no Filho ... Eu pedirei ao Pai, e Ele vos dará um
outro Consolador, para estar convosco para sempre, o Espírito da
verdade»[17].
É precisamente a este Espírito da verdade que Jesus chama o
Paráclito — e Parákletos quer dizer «consolador», e também
«intercessor», ou «advogado». E diz que é «um outro»
Consolador, o segundo, porque ele mesmo, Jesus Cristo, é o
primeiro Consolador[18], sendo o primeiro portador e doador da
Boa Nova. O Espírito Santo vem depois dele a graças a ele, para
continuar no mundo, mediante a Igreja, a obra da Boa Nova da
salvação. Desta continuação da sua obra por parte do Espírito
Santo, Jesus fala mais de uma vez durante o mesmo discurso de
despedida, preparando os Apóstolos, reunidos no Cenáculo, para a
sua partida, isto é, para a sua paixão e morte na Cruz.
As palavras, a que faremos aqui referência, encontram-se no
Evangelho de São João. Cada uma delas acrescenta um certo
conteúdo novo ao anúncio e à promessa acima referidos. E, ao mesmo
tempo, elas estão encadeadas intimamente entre si, não só pela
perspectiva dos mesmos acontecimentos, mas também pela perspectiva do
mistério do Pai, do Filho e do Espírito Santo, o qual talvez em
nenhuma outra passagem da Sagrada Escritura tenha uma expressão tão
relevante como aqui.
4. Pouco depois do anúncio acima referido, Jesus acrescenta:
«Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu
nome, ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que eu
vos disse»[19]. O Espírito Santo será o Consolador dos
Apóstolos e da Igreja, sempre presente no meio deles — ainda que
invisível — como mestre da mesma Boa Nova que Cristo anunciou.
Aquele «ensinará» ... e «recordará» significa não só que
Ele, da maneira que lhe é própria, continuará a inspirar a
divulgação do Evangelho da salvação, mas também que ajudará a
compreender o significado exacto do conteúdo da mensagem de Cristo;
que Ele assegurará a continuidade e identidade de compreensão dessa
mensagem, no meio das condições e circunstâncias mutáveis. Por
conseguinte, o Espírito Santo fará com que perdure sempre na
Igreja a mesma verdade, que os Apóstolos ouviram do seu Mestre.
5. Para transmitirem a Boa Nova da salvação, os Apóstolos
estarão associados de uma maneira particular ao Espírito Santo.
Eis como Jesus continua a falar: «Quando vier o Consolador, que
eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade que procede
do Pai, ele dará testemunho de mim. E também vós dareis
testemunho de mim, porque estais comigo desde o
princípio»[20].
Os Apóstolos foram as testemunhas directas, oculares. Eles
«ouviram» e «viram com os próprios olhos», «contemplaram», e
até mesmo «tocaram com as próprias mãos» Cristo, como se exprime
numa outra passagem o mesmo evangelista São João[21]. Este
seu testemunho humano, ocular e «histórico» a respeito de Cristo
andará ligado ao testemunho do Espírito Santo: «Ele dará
testemunho de mim». É no testemunho do Espírito da verdade que o
testemunho humano dos Apóstolos encontrará o seu mais forte
sustentáculo. E, em seguida, encontrará nele também o recôndito
fundamento interior da sua continuação entre as gerações dos
discípulos e dos confessores de Cristo, que se irão sucedendo ao
longo dos séculos.
Sendo o próprio Jesus Cristo a suprema e mais completa revelação
de Deus à humanidade, é o testemunho do Espírito que inspira,
garante e convalida a sua fiel transmissão na pregação e nos escritos
apostólicos[22], enquanto o testemunho dos Apóstolos lhe
proporciona a expressão humana na Igreja e na história da
humanidade.
6. Isto é posto em evidência também pela estreita correlação de
conteúdo e de intenção com o anúncio e a promessa que acabámos de
mencionar, que se encontra nas palavras que vêm a seguir no texto de
São João: «Teria ainda muitas coisas para vos dizer, mas por
agora não estais em condições de as comprender. Quando, porém,
Ele vier, o Espírito da verdade, guiar-vos-á para toda a
verdade; porque Ele não falará por si mesmo, mas de tudo o que
tiver ouvido e anunciar-vos-á as coisas que estão para
vir»[23].
Com as palavras precedentes Jesus apresenta o Consolador, o
Espírito da verdade, como Aquele que «ensinará e recordará»,
como Aquele que «dará testemunho» dele; agora diz: «Ele vos
guiará para toda a verdade». Este «guiar para toda a verdade», em
relação com aquilo que «os Apóstolos por agora não estão em
condições de compreender», está necessariamente em ligação com o
despojamento de Cristo, por meio da sua paixão e morte de Cruz, que
então, quando ele pronunciava estas palavras, já estava iminente.
Mas, em seguida, torna-se bem claro que aquele «guiar para a toda a
verdade» está em ligação não apenas com o «scandalum crucis» [o
escandalo da cruz], mas também com tudo o que Cristo «fez e
ensinou»[24]. Com efeito, o mysterium Christi na sua
globalidade exige a fé, porquanto é ela que introduz o homem
oportunamente na realidade do mistério revelado. O «guiar para toda
a verdade» realiza-se, pois, na fé e mediante a fé: é obra do
Espírito da verdade e é fruto da sua acção no homem. O Espírito
Santo deve ser em tudo isso o guia supremo do homem, a luz do
espírito humano. Isto é válido para os Apóstolos, as testemunhas
oculares que devem levar doravante a todos os homens o anúncio do que
Cristo «fez e ensinou» e, especialmente, da sua Cruz e da sua
Ressurreição. Numa perspectiva mais ampla e distante no tempo,
isto é valido também para todas as gerações dos discípulos e dos
confessores do Mestre, uma vez que deverão aceitar com fé e
confessar com desassombro o mistério de Deus operante na história do
homem, o mistério revelado que explica o sentido dessa mesma
história.
7. Na economia da salvação, portanto, entre o Espírito Santo e
Cristo subsiste uma ligação íntima, em virtude da qual o Espírito
da verdade opera na história do homem como «um outro Consolador»,
assegurando de modo duradouro a transmissão e a irradiação da Boa
Nova revelada por Jesus de Nazaré. Por isso, no Espírito Santo
Paráclito, o qual continua incessantemente no mistério e na
actividade da Igreja a presença histórica do Redentor sobre a terra
e a sua obra salvífica, resplandece a glória de Cristo, como
atestam as palavras de São João que vêm a seguir: «Ele (isto
é, o Espírito) glorificar-me-á, porque receberá do que é meu
para vo-lo anunciar»[25]. Com estas palavras é confirmado,
mais uma vez, tudo o que disseram os enunciados precedentes:
«ensinará ... recordará ..., dará testemunho». A suprema e
completa auto-revelação de Deus, que se realizou em Cristo —
tendo dado testemunho dela a pregação dos Apóstolos — continuará a
ser manifestada na Igreja mediante a missão do Consolador
invisível, o Espírito da verdade. Quanto esta missão (do
Espírito) esteja intimamente ligada com a missão de Cristo e quanto
plenamente ela vá haurir na mesma missão de Cristo — consolidando e
desenvolvendo na história os seus frutos salvíficos — é expresso
pelo verbo «receber»: «receberá do que é meu para vo-lo
anunciar». E Jesus, como que para explicar a palavra «receber»,
pondo em evidência claramente a unidade divina e trinitária da fonte,
acrescenta: «Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso eu disse que
Ele receberá do que é meu para vo-lo anunciar»[26].
Recebendo «do que é meu», Ele vai, por isso mesmo, haurir
«daquilo que é do Pai».
Assim, à luz daquele «receberá» podem ser explicadas ainda as
outras palavras sobre o Espírito Santo, pronunciadas por Jesus no
Cenáculo antes da Páscoa, que são palavras significativas: «É
melhor para vós que eu vá, porque se eu não fôr, o Consolador
não virá a vós; mas, se eu for, ensiar-vo-lo-ei. E quando
Ele tiver vindo convencerá o mundo quanto ao pecado, quanto à
justica e quanto ao juízo»[27]. Será conveniente voltar a
estas palavras, com uma reflexão à parte.
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