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92. No seio do «povo da vida e pela vida», resulta
decisiva a responsabilidade da família: é uma
responsabilidade que brota da própria natureza dela — uma
comunidade de vida e de amor, fundada sobre o matrimónio
— e da sua missão que é «guardar, revelar e comunicar
o amor». Em causa está o próprio amor de
Deus, do qual os pais são constituídos colaboradores e
como que intérpretes na transmissão da vida e na
educação da mesma segundo o seu projecto de Pai.
É, por conseguinte, o amor que se faz generosidade,
acolhimento, doação: na família, cada um é
reconhecido, respeitado e honrado porque pessoa, e se
alguém está mais necessitado, maior e mais diligente é
o cuidado por ele.
A família tem a ver com os seus membros durante toda a
existência de cada um, desde o nascimento até à morte.
Ela é verdadeiramente «o santuário da vida
(...), o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser
convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos
ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se
segundo as exigências de um crescimento humano autêntico».
Por isso, o papel da família é determinante
e insubstituível na construção da cultura da vida.
Como igreja doméstica, a família é chamada a
anunciar, celebrar e servir o Evangelho da vida. Esta
tríplice função compete primariamente aos cônjuges,
chamados a serem transmissores da vida, apoiados numa
consciência sempre renovada do sentido da geração,
enquanto acontecimento onde, de modo privilegiado, se
manifesta que a vida humana é um dom recebido a fim de,
por sua vez, ser dado. Na geração de uma nova vida,
eles tomam consciência de que o filho «se é fruto da
recíproca doação de amor dos pais, é, por sua vez,
um dom para ambos: um dom que promana do dom».
A família cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho
da vida, principalmente através da educação dos
filhos. Pela palavra e pelo exemplo, no relacionamento
mútuo e nas opções quotidianas, e mediante gestos e
sinais concretos, os pais iniciam os seus filhos na
liberdade autêntica, que se realiza no dom sincero de
si, e cultivam neles o respeito do outro, o sentido da
justiça, o acolhimento cordial, o diálogo, o serviço
generoso, a solidariedade e os demais valores que ajudam a
viver a existência como um dom. A obra educadora dos
pais cristãos deve constituir um serviço à fé dos
filhos e prestar uma ajuda para eles cumprirem a vocação
recebida de Deus. Entra na missão educadora dos pais
ensinar e testemunhar aos filhos o verdadeiro sentido do
sofrimento e da morte: podê-lo-ão fazer se souberem
estar atentos a todo o sofrimento existente ao seu redor
e, antes ainda, se souberem desenvolver atitudes de
solidariedade, assistência e partilha com doentes e
idosos no âmbito familiar.
93. Além disso, a família celebra o Evangelho da
vida com a oração diária, individual e familiar:
nela, agradece e louva o Senhor pelo dom da vida e invoca
luz e força para enfrentar os momentos de dificuldade e
sofrimento, sem nunca perder a esperança. Mas a
celebração que dá significado a qualquer outra forma de
oração e de culto é a que se exprime na existência
quotidiana da família, quando esta é uma existência
feita de amor e doação.
A celebração transforma-se assim num serviço ao
Evangelho da vida, que se exprime através da
solidariedade, vivida no seio e ao redor da família como
atenção carinhosa, vigilante e cordial nas acções
pequenas e humildes de cada dia. Uma expressão
particularmente significativa de solidariedade entre as
famílias é a disponibilidade para a adopção ou para o
acolhimento das crianças abandonadas pelos seus pais ou,
de qualquer modo, em situação de grave dificuldade. O
verdadeiro amor paterno e materno sabe ir além dos laços
da carne e do sangue para acolher também crianças de
outras famílias, oferecendo-lhes quanto seja necessário
para a sua vida e o seu pleno desenvolvimento. Entre as
formas de adopção, merece ser assinalada a adopção à
distância, que se há-de preferir sempre que o abandono
tenha por único motivo as condições de grave pobreza da
família. Na realidade, com esta espécie de adopção
é oferecida aos pais a ajuda necessária para manter e
educar os próprios filhos, sem ter de os desarraigar do
seu ambiente natural.
Concebida como «determinação firme e perseverante de
se empenhar pelo bem comum», a solidariedade
requer ser também concretizada mediante formas de
participação social e política. Consequentemente,
servir o Evangelho da vida implica que as famílias,
nomeadamente tomando parte em apropriadas associações,
se empenhem por que as leis e as instituições do Estado
não lesem de modo algum o direito à vida, desde a sua
concepção até à morte natural, mas o defendam e
promovam.
94. Um lugar especial há-de ser reconhecido aos
idosos. Enquanto, nalgumas culturas, a pessoa de mais
idade permanece inserida na família com um papel activo
importante, noutras, ao contrário, quem chegou à
velhice é sentido como um peso inútil e fica abandonado a
si mesmo: em tal contexto, pode mais facilmente surgir a
tentação de recorrer à eutanásia.
A marginalização ou mesmo a rejeição dos idosos é
intolerável. A sua presença na família ou, pelo
menos, a estreita solidariedade desta com eles quando,
pelo reduzido espaço da habitação ou outros motivos,
essa presença não fosse possível, é de importância
fundamental para criar um clima de intercâmbio recíproco
e de comunicação enriquecedora entre as várias idades da
vida. Por isso, é importante que se conserve, ou se
restabeleça onde tal se perdeu, uma espécie de «pacto»
entre as gerações, de modo que os pais idosos,
chegados ao termo da sua caminhada, possam encontrar nos
filhos aquele acolhimento e solidariedade que lhes tinham
oferecido quando estes estavam a desabrochar para a vida:
exige-o a obediência ao mandamento divino que ordena
honrar o pai e a mãe (cf. Ex 20, 12; Lv 19,
3). Mas há mais... O idoso não há-de ser
considerado apenas objecto de atenção, solidariedade e
serviço. Também ele tem um valioso contributo a prestar
ao Evangelho da vida. Graças ao rico património de
experiência adquirido ao longo dos anos, o idoso pode e
deve ser transmissor de sabedoria, testemunha de
esperança e de caridade.
Se é verdade que «o futuro da humanidade
passa pela família», tem-se de reconhecer que as
actuais condições sociais, económicas e culturais
frequentemente tornam mais árdua e penosa a tarefa da
família ao serviço da vida. Para poder realizar a sua
vocação de «santuário da vida», enquanto célula de
uma sociedade que ama e acolhe a vida, é necessário e
urgente que a família como tal seja ajudada e apoiada.
As sociedades e os Estados devem assegurar todo o apoio
necessário, mesmo económico, para que as famílias
possam responder de forma mais humana aos próprios
problemas. Por seu lado, a Igreja deve promover
incansavelmente uma pastoral familiar capaz de ajudar cada
família a redescobrir, com alegria e coragem, a sua
missão no que diz respeito ao Evangelho da vida.
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