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Tudo o que foi dito em precedência sobre a dignidade do trabalho e
sobre a dimensão objectiva e subjectiva do trabalho do homem, tem
aplicação directa ao problema do trabalho agrícola e à situação do
homem que cultiva a terra no duro trabalho dos campos. Trata-se,
efectivamente, de um sector muito vasto do âmbito do trabalho do nosso
planeta, não circunscrito a um ou a outro dos continentes e não
limitado àquelas sociedades que já atingiram um certo nível de
desenvolvimento e de progresso. O mundo agrícola, que proporciona à
sociedade os bens necessários para a sua sustentação quotidiana,
reveste-se de uma importância fundamental. As condições do mundo
rural e do trabalho agrícola não são iguais em toda a parte e as
situações sociais dos trabalhadores agrícolas são diferentes nos
diversos países. E isso não depende somente do grau de
desenvolvimento da técnica agrícola, mas também, e talvez mais
ainda, do reconhecimento dos justos direitos dos trabalhadores
agrícolas e, enfim, do nível de consciência daquilo que concerne a
toda a ética social do trabalho.
O trabalho dos campos reveste-se de não leves dificuldades, como
sejam o esforço físico contínuo e por vezes extenuante, o pouco
apreço em que é tido socialmente, a ponto de criar nos homens que se
dedicam à agricultura a sensação de serem socialmente marginalizados
e de incentivar no seu meio o fenómeno da fuga em massa do campo para
as cidades e, infelizmente, para condições de vida ainda mais
desumanizantes. A isto acrescente-se a falta de formação
profissional adequada, a falta de utensílios apropriados, um certo
individualismo rastejante e, ainda situações objectivamente
injustas. Em certos países em vias de desenvolvimento, há milhões
de homens que se vêem obrigados a cultivar as terras de outros e que
são explorados pelos latifundiários, sem esperança de alguma vez
poderem chegar à posse nem sequer de um pedaço mínimo de terra «como
sua propriedade». Não existem formas de protecção legal para a
pessoa do trabalhador agrícola e para a sua família, no caso de
velhice, de doença ou de falta de trabalho. Longas jornadas de duro
trabalho físico são pagadas miseramente. Terras cultiváveis são
deixadas ao abandono pelos proprietários; títulos legais para a posse
de um pequeno pedaço de terra, cultivado por conta própria de há
anos, são preteridos ou ficam sem defesa diante da «fome da terra»
de indivíduos ou de grupos mais potentes. E mesmo nos países
economicamente desenvolvidos, onde a investigação científica, as
conquistas tecnológicas ou a política do Estado levaram a agricultura
a atingir um nível muito avançado, o direito ao trabalho pode ser
lesado quando se nega ao camponês a faculdade de participar nas
opções decisionais respeitantes ao trabalho em que presta os seus
serviços, ou quando é negado o direito à livre associação visando
a justa promoção social, cultural e económica do trabalhador
agrícola.
Em muitas situações, portanto, são necessárias mudanças radicais
e urgentes, para restituir à agricultura — e aos homens dos campos —
o seu justo valor como base de uma sã economia, no conjunto do
desenvolvimento da comunidade social. É por isso que se impõe
proclamar e promover a dignidade do trabalho, de todo o trabalho,
especialmente do trabalho agrícola, no qual o homem de maneira tão
expressiva «submete a terra», recebida de Deus como dom, e afirma o
seu «domínio» no mundo visível.
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