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Esta universalidade e, ao mesmo tempo, esta multiplicidade de tal
processo de «submeter a terra», projectam luz sobre o trabalho
humano, uma vez que o domínio do homem sobre a terra se realiza no
trabalho e mediante o trabalho. Assim, vem ao de cima o significado
do mesmo trabalho em sentido objectivo, o qual tem depois a sua
expressão nas várias épocas da cultura e da civilização. O homem
domina a terra quer pelo facto de domesticar os animais e tratar deles,
granjeando assim o alimento e o vestuário de que precisa, quer pelo
facto de poder extrair da terra e dos mares diversos recursos naturais.
Mas o homem, além disso, «submete a terra» muito mais quando
começa por cultivá-la e, sucessivamente, reelabora os produtos da
mesma, adaptando-os às suas próprias necessidades. A agricultura
constitui assim um campo primário da actividade económica e, mediante
o trabalho humano, um factor indispensável da produção. A
indústria, por sua vez, consistirá sempre no conjugar as riquezas da
terra — quer se trate dos recursos vivos da natureza, quer dos
produtos da agricultura, quer, ainda, dos recursos minerais ou
químicos — com o trabalho do homem, tanto o trabalho físico como o
intelectual. Isto é válido, num certo sentido, também no campo da
chamada indústria dos serviços e no campo da investigação pura ou
aplicada.
Hoje em dia na indústria e na agricultura a actividade do homem, em
muitos casos, deixou de ser um trabalho prevalentemente manual, uma
vez que os esforços das mãos e dos músculos passaram a ser ajudados
pela acção de máquinas e de mecanismos cada vez mais aperfeiçoados.
Não somente na indústria, mas também na agricultura, nós somos
testemunhas das transformações que foram possibilitadas pelo gradual e
contínuo progresso da ciência e da técnica. E isto, no seu
conjunto, tornou-se historicamente causa também de grandes viragens
da civilização, a partir das origens da «era industrial», passando
pelas sucessivas fases de desenvolvimento graças às novas técnicas,
até se chegar às da electrónica ou dos «microprocessores» nos
últimos anos.
Se pode parecer que no processo industrial é a máquina que
«trabalha», enquanto o homem só cuida nela, tornando possível e
mantendo de diversas maneiras o seu funcionamento, também é verdade
que, precisamente por isso, o desenvolvimento industrial serve de base
para se repropor de um modo novo o problema do trabalho humano. Tanto
a primeira industrialização, que fez com que surgisse a chamada
questão operária, como as sucessivas mudanças industriais e
pós-industriais demonstram claramente que, mesmo na época do
«trabalho» cada dia mais mecanizado, o sujeito próprio do trabalho
continua a ser o homem.
O desenvolvimento da indústria e dos diversos sectores com ela
ligados, até se chegar às mais modernas tecnologias da electrónica,
especialmente no campo da miniaturização, da informática, da
telemática e outros, indica o papel imenso que, na interacção do
sujeito e do objecto do trabalho (no sentido mais amplo desta
palavra), assume precisamente aquela aliada do mesmo trabalho gerada
pelo pensamento humano, que é a técnica. Neste caso, entendida
não como uma capacidade ou aptidão para o trabalho, mas sim como um
conjunto de meios de que o homem se serve no próprio trabalho, a
técnica é indubitavelmente uma aliada do homem. Ela facilita-lhe o
trabalho, aperfeiçoa-o, acelera-o e multiplica-o; favorece o
progresso em função de um aumento da quantidade dos produtos do
trabalho e aperfeiçoa mesmo a qualidade de muitos deles. Mas é um
facto, por outro lado, que nalguns casos a técnica de aliada pode
também transformar-se quase em adversária do homem, como sucede:
quando a mecanização do trabalho «suplanta» o mesmo homem,
tirando-lhe todo o gosto pessoal e o estímulo para a criatividade e
para a responsabilidade; igualmente, quando tira o emprego a muitos
trabalhadores que antes estavam empregados; ou ainda quando, mediante
a exaltação da máquina, reduz o homem a ser escravo da mesma.
Assim, se as palavras bíblicas «submetei a terra», dirigidas ao
homem desde o princípio, forem entendidas no contexto de toda a época
moderna, industrial e pós-industrial, elas encerram em si
indubitavelmente também uma relação com a técnica, com aquele mundo
de mecanismos e de máquinas, que é fruto de um trabalho da
inteligência humana e a confirmação histórica do domínio do homem
sobre a natureza.
A época recente da história da humanidade, e especialmente a de
algumas sociedades, trouxe consigo uma justa afirmação da técnica
como um coeficiente fundamental de progresso económico; ao mesmo
tempo, porém, juntamente com tal afirmação surgiram e continuamente
estão a surgir as interrogações essenciais respeitantes ao trabalho
humano em relação com o seu sujeito, que é precisamente o homem.
Tais interrogações contêm em si uma carga particular de conteúdos e
de tensões de carácter ético e ético-social. E por isso elas
constituem um desafio contínuo para muitas e diversas instituições,
para os Estados e os Governos, bem como para os sistemas e as
organizações internacionais; e constituem um desafio também para a
Igreja.
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