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Nesta união na missão, da qual decide sobretudo o mesmo Cristo,
todos os cristãos devem descobrir aquilo que os une, ainda antes de se
realizar a sua plena comunhão. Esta é a união apostólica e
missionária, missionária e apostólica. Graças a esta união,
podemos juntos aproximar-nos do magnífico património do espírito
humano, que se manifestou em todas as religiões, como diz a
Declaração do II Concílio do Vaticano Nostra Aetate. E
graças à mesma união, abeirar-nos-emos também de todas as
culturas, de todas as concepções ideológicas e de todos os homens de
boa vontade. E aproximar-nos-emos com aquela estima, respeito e
discernimento que, já desde os tempos apostólicos, distinguiam a
atitude missionária e do missionário. Basta-nos recordar São
Paulo e, por exemplo, o seu discurso no Areópago de Atenas. A
atitude missionária começa sempre por um sentimento de profunda estima
para com aquilo «que há no homem», por aquilo que ele, no íntimo
do seu espírito, elaborou quanto aos problemas mais profundos e mais
importantes; trata-se de respeito para com aquilo que nele operou o
Espírito, que «sopra onde quer». A missão não é nunca uma
destruição, mas uma reassunção de valores e uma nova construção,
ainda que na prática nem sempre tenha havido plena correspondência com
um ideal assim tão elevado. A conversão, que da missão deve tomar
início, sabemos bem que é obra da graça, na qual o homem há-de
encontrar-se plenamente a si mesmo.
Por tudo isto, a Igreja do nosso tempo dá grande importância a tudo
aquilo que o II Concílio do Vaticano expôs na Declaração sobre
a Liberdade Religiosa, tanto na primeira como na segunda parte do
Documento. Sentimos profundamente o carácter compromissivo da
verdade que Deus nos revelou. Damo-nos conta, em particular, do
grande sentido de responsabilidade por esta verdade. A Igreja, por
instituição de Cristo, dela é guarda e mestra, sendo precisamente
para isso dotada de uma singular assistência do Espírito Santo, a
fim de poder guardá-la fielmente e ensiná-la na sua mais exacta
integridade.
No desempenho desta missão, olhemos para o próprio Cristo, Aquele
que é o primeiro evangelizador, e olhemos também para os seus
Apóstolos, Mártires e Confessores. A Declaração sobre a
Liberdade Religiosa põe a claro, de modo bem convincente, como
Cristo e, em seguida, os seus Apóstolos, ao anunciarem a verdade
que não provém dos homens, mas sim de Deus — «a minha doutrina
não é tão minha como daquele que me enviou», ou seja, o Pai —
embora agindo com todo o vigor do espírito, conservam uma profunda
estima pelo homem, pela sua inteligência, pela sua vontade, pela sua
consciência e pela sua liberdade. De tal modo, a própria dignidade
da pessoa humana torna-se conteúdo daquele anúncio, mesmo sem
palavras, mas simplesmente através do comportamento em relação à
mesma pessoa livre. Um comportamento assim parece corresponder às
necessidades particulares do nosso tempo. Uma vez que nem em tudo
aquilo que os vários sistemas e também homens singulares vêem e
propagam como liberdade está de facto a verdadeira liberdade do homem,
mais a Igreja, por força da sua divina missão, se torna guarda
desta liberdade, a qual é condição e base da verdadeira dignidade da
pessoa humana.
Jesus Cristo vai ao encontro do homem de todas as épocas, também do
da nossa época, com as mesmas palavras que disse alguma vez:
«conhecereis a verdade, e a verdade torna-vos-á livres». Estas
palavras encerram em si uma exigência fundamental e, ao mesmo tempo,
uma advertência: a exigência de uma relação honesta para com a
verdade, como condição de uma autêntica liberdade; e a
advertência, ademais, para que seja evitada qualquer verdade
aparente, toda a liberdade superficial e unilateral, toda a liberdade
que não compreenda cabalmente a verdade sobre o homem e sobre o mundo.
Ainda hoje, depois de dois mil anos, Cristo continua a aparecer-nos
como Aquele que traz ao homem a liberdade baseada na verdade, como
Aquele que liberta o homem daquilo que limita, diminui e como que
espedaça essa liberdade nas próprias raízes, na alma do homem, no
seu coração e na sua consciência. Que confirmação estupenda disto
mesmo deram e não cessam de dar aqueles que, graças a Cristo e em
Cristo, alcançaram a verdadeira liberdade e a manifestaram até em
condições de constrangimento exterior!
E o próprio Jesus Cristo, quando compareceu prisioniero diante do
tribunal de Pilatos e por ele foi interrogado acerca das acusações
que Lhe tinham sido feitas pelos representantes do Sinédrio,
porventura não respondeu Ele: «Para isto é que eu nasci e para
isto é que eu vim ao mundo: para dar testemunho da verdade» ? Com
tais palavras pronunciadas diante do juiz, no momento decisivo, foi
como se quisesse confirmar, uma vez mais ainda, o que já havia dito
em precedência: «Conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á
livres». No decorrer de tantos séculos e de tantas gerações, a
começar dos tempos dos Apóstolos, não foi acaso o mesmo Jesus
Cristo que tantas vezes compareceu ao lado dos homens julgados por
causa da verdade, e não foi Ele para a morte, talvez, conjuntamente
com homens condenados por causa da verdade? Cessa Ele, porventura,
de continuamente ser o porta-voz e advogado do homem que vive «em
espírito e em verdade»? Do mesmo modo que não cessa de sê-lo
diante do Pai, assim também continua a sê-lo em relação à
história do homem. E a Igreja, por sua vez, apesar de todas as
fraquezas que fazem parte da história humana, não cessa de seguir
Aquele que proclamou: «Aproxima-se a hora, ou melhor, já estamos
nela, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e
em verdade, porque é assim que o Pai quer os seus adoradores. Deus
é espírito, e os que o adoram em espírito e verdade é que o devem
adorar».
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