|
65. O sopro da vida divina, o Espírito Santo, exprime-se e
faz-se ouvir, da forma mais simples e comum, na oração. É belo e
salutar pensar que, onde quer que no mundo se reze, aí está presente
o Espírito Santo sopro vital da oração. É belo e salutar
reconhecer que, se a oração se encontra difundida por todo o
universo, igualmente difundida é a presença e a acção do Espírito
Santo, que «insufla» a oração no coração do homem em toda a gama
incomensurável das mais diversas situações e das condições, umas
vezes favoráveis, outras vezes contrárias à vida espiritual e
religiosa. Em muitos casos, sob a acção do Espírito, a oração
sobe do coração do homem, apesar das proibições e das
perseguições, e mesmo malgrado as proclamações oficiais, afirmando
o carácter a-religioso ou até ateu na vida pública! A oração
continua a ser sempre a voz de todos os que aparentemente não têm
voz; e nesta voz ecoa, sem cessar, aquele «forte clamor» atribuído
a Cristo pela Epístola aos Hebreus. [280] A oração é
também a revelação do abismo que é o coração do homem: uma
profundidade que vem de Deus e que somente Deus pode preencher,
precisamente pelo Espírito Santo! Lemos em São Lucas: «Se
vós, portanto, embora sendo maus, sabeis oferecer coisas boas aos
vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celeste dará o Espírito
Santo àqueles que lho pedirem!». [281]
O Espírito Santo é o Dom, que vem ao coração do homem ao mesmo
tempo que a oração. Na oração Ele manifesta-se, antes de mais e
acima de tudo, como o Dom, que «vem em auxílio da nossa
fraqueza». É o magnífico pensamento desenvolvido por São Paulo na
Epístola aos Romanos, quando escreve: «Nós nem sequer sabemos o
que devemos pedir como nos convém; mas o próprio Espírito Santo
intercede por nós, com gemidos inexprimíveis». [282] Assim
o mesmo Espírito Santo não só nos leva a rezar, mas também nos
guia «de dentro» na oração, suprindo à nossa insuficiência e
remediando a nossa incapacidade de rezar: está presente na nossa
oração e confere-lhe a dimensão divina. [283] «Aquele que
perscruta os corações (Deus) sabe quais são os desejos do
Espírito, porque Ele intercede pelos santos em conformidade com
Deus». [284] A oração, por obra do Espírito Santo,
torna-se a expressão cada vez mais amadurecida do homem novo que,
através dela, participa na vida divina.
A nossa época difícil tem particular necessidade da oração. Se no
decorrer da história, ontem como hoje, homens e mulheres em grande
número deram testemunho da importancia da oração — consagrando-se
ao louvor de Deus e à vida de oração, sobretudo nos mosteiros, com
grande proveito para a Igreja — nestes últimos anos vai crescendo
também o número das pessoas que, em movimentos e grupos cada vez mais
desenvolvidos, põem a oração em primeiro lugar e nela procuram a
renovação da vida espiritual. Trata-se de um sintoma significativo
e consolador, uma vez que desta experiência tem derivado uma
contribuição real para a retomada da oração entre os fiéis, os
quais, desse modo, foram ajudados a melhor considerarem o Espírito
Santo como Aquele que suscita nos corações uma profunda aspiração
à santidade.
Em muitas pessoas e em muitas comunidades amadurece a consciência de
que, mesmo com todo o progresso vertiginoso da civilização
técnico-científica e não obstante as reais conquistas e as metas
alcançadas, o homem está ameaçado, a humanidade está ameaçada.
Diante deste perigo, e mais ainda ao experimentar a inquietude perante
uma real decadência espiritual do homem, pessoas individualmente e
comunidades inteiras, como que guiados por um sentido interior da fé,
buscam a força capaz de erguer de novo o homem, de o salvar de si
mesmo, dos seus próprios erros e das ilusões que tornam nocivas,
muitas vezes, as suas próprias conquistas. E assim descobrem a
oração, na qual se manifesta o «Espírito que vem em auxílio da
nossa fraqueza». Deste modo, os tempos em que vivemos aproximam do
Espírito Santo muitas pessoas, que retornam à oração. E eu
confio que todas possam encontrar no ensino da presente Encíclica
alimento para a sua vida interior e consigam fortalecer, sob a acção
do Espírito Santo, o seu empenho dé oração, em consonancia com a
Igreja e com o seu Magistério.
66. No meio dos problemas, das desilusões e das esperanças, das
deserções e dos retornos desta nossa época, a Igreja continua fiel
ao mistério do seu nascimento. Se é um facto histórico que a
Igreja saiu do Cenáculo no dia do Pentecostes, também pode
dizer-se que, em certo sentido, ela nunca o abandonou.
Espiritualmente, o acontecimento do Pentecostes não pertence só ao
passado: a Igreja está sempre no Cenáculo, que traz no seu
coração. A Igreja persevera na oração, como os Apóstolos,
juntamente com Maria, Mãe de Cristo, e com aqueles que, em
Jerusalém, constituíam o primeiro núcleo da comunidade cristã e
aguardavam, orando, a vinda do Espírito Santo.
A Igreja persevera na oração com Maria. Esta união da Igreja
orante com a Mãe de Cristo faz parte do mistério da mesma Igreja,
desde os seus inícios: nós vemos Maria presente neste mistério,
como está presente no mistério do seu Filho. O Concílio no-lo
diz: «A Santíssima Virgem... envolvida pela sombra do poder do
Espírito Santo ... deu à luz o Filho, que Deus estabeleceu
como primogénito entre muitos irmãos» (cf. Rom 8, 29), isto
é, entre os fiéis, em cuja regeneração e formação ela coopera
com amor materno». Ela, pelas suas «graças e funções
singulares... está intimamente unida à Igreja: é figura da
Igreja». [285] «A Igreja, contemplando a sua misteriosa
santidade e imitando a sua caridade, ... torna-se também ela
mãe»; e «à imitação da Mãe do seu Senhor, conserva, pela
graça do Espírito Santo, virginalmente íntegra a fé, sólida a
esperança, sincera a caridade: também ela (isto é, a Igreja) é
virgem que guarda... a fé jurada ao Esposo». [286]
Compreende-se, assim, o sentido profundo do motivo pelo qual a
Igreja, em união com a Virgem Maria, se volta continuamente como
Esposa para o seu divino Esposo, conforme atestam as palavras do
Apocalipse, citadas pelo Concílio: «O Espírito Santo e a
Esposa dizem ao Senhor Jesus: Vem!». [287] A oração da
Igreja é esta invocação incessante, na qual o Espírito intercede
por nós: de certo modo, Ele próprio pronuncia essa invocação com
a Igreja e na Igreja. O Espírito, de facto, é dado à Igreja,
a fim de que, pelo seu poder, toda a comunidade do Povo de Deus,
por mais ramificada que seja na sua diversidade, se mantenha na
esperança: naquela esperança em que já «fomos salvos».
[288] É a esperança escatológica, a esperança da
realização definitiva em Deus, a esperança do Reino eterno, que
se actua pela participação na vida trinitária. O Espírito
Santo, concedido aos Apóstolos como Consolador, é o guarda e o
animador desta esperanca no coração da Igreja.
Na perspectiva do terceiro Milénio depois de Cristo, quando «o
Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: Vem!», esta sua
oração, como sempre, reveste-se de um denso alcance escatológico,
destinado a dar também plenitude de sentido à celebração do grande
Jubileu. É uma oração voltada para os destinos salvíficos, para
os quais o Espírito Santo abre os corações com a sua acção, ao
longo de toda a história do homem sobre a terra. Ao mesmo tempo,
porém, esta oração orienta-se para um preciso momento da
história, em que é posta em relevo a nova «plenitude dos tempos»,
momento que soará no ano 2000. A Igreja tenciona preparar-se
para esse Jubileu no Espírito Santo, tal como, pelo Espírito
Santo foi preparada a Virgem de Nazaré, em quem o Verbo se fez
carne.
|
|