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Há ainda um outro aspecto do trabalho humano, uma sua dimensão
essencial, em que a espiritualidade fundada no Evangelho penetra
profundamente. Todo o trabalho, seja ele manual ou intelectual, anda
inevitavelmente conjunto à fadiga. O Livro do Génesis exprime isto
mesmo de maneira verdadeiramente penetrante, ao contrapor àquela
benção original do trabalho, contida no próprio mistério da
Criação e ligada à elevação do homem como imagem de Deus, a
maldição que o pecado trouxe consigo: «Maldita seja a terra por tua
causa! Com trabalho penoso tirarás dela o alimento todos os dias da
tua vida», Esta pena ligada ao trabalho indica o caminho da vida do
homem sobre a terra e constitui o anúncio da morte: «Comerás o pão
com o suor da fronte, até que voltes à terra da qual foste
tirado...». Como que fazendo-se eco destas palavras, assim se
exprime o autor de um dos Livros sapienciais: «Reflecti em todas as
obras realizadas por minhas mãos e em todas as fadigas a que me submeti
...». Não há homem algum sobre a terra que não possa fazer suas
estas palavras.
O Evangelho profere, em certo sentido, a sua última palavra a
propósito disto ainda, no mistério pascal de Jesus Cristo. E é
aqui que é preciso ir procurar a resposta para estes problemas tão
importantes para a espiritualidade do trabalho humano. No mistério
pascal está contida a Cruz de Cristo, a sua obediência até à
morte, que o Apóstolo contrapõe àquela desobediência que pesou
desde o princípio na história do homem sobre a terra. Aí está
contida também a elevação de Cristo que, passando pela morte de
cruz, retorna para junto dos seus discípulos com a potência do
Espírito Santo pela Ressurreição.
O suor e a fadiga, que o trabalho comporta necessariamente na presente
condição da humanidade, proporcionam aos cristãos e a todo o homem,
dado que todos são chamados para seguir a Cristo, a possibilidade de
participar no amor à obra que o mesmo Cristo veio realizar. Esta
obra de salvação foi realizada por meio do sofrimento e da morte de
cruz. Suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo
crucificado por nós, o homem colabora, de algum modo, com o Filho
de Deus na redenção da humanidade. Mostrar-se-á como verdadeiro
discípulo de Jesus, levando também ele a cruz de cada dia nas
actividades que é chamado a realizar.
Cristo, «suportando a morte por todos nós, pecadores, ensina-nos
com o seu exemplo ser necessário que também nós levemos a cruz que a
carne e o mundo fazem pesar sobre os ombros daqueles que buscam a paz e
a justiça»; ao mesmo tempo, porém, «constituído Senhor pela sua
Ressurreição, Ele, Cristo, a quem foi dado todo o poder no céu
e na terra, opera já pela virtude do Espírito Santo, nos
corações dos homens . .. purificando e robustecendo aquelas
generosas aspirações que levam a família dos homens a tentar tornar a
sua vida mais humana e a submeter para esse fim toda a terra».
No trabalho humano, o cristão encontra uma pequena parcela da cruz de
Cristo e aceita-a com o mesmo espírito de redenção com que Cristo
aceitou por nós a sua Cruz. E, graças à luz que, emanando da
Ressurreição do mesmo Cristo, penetra dentro de nós, descobrimos
sempre no trabalho um vislumbre da vida nova, do novo bem, um como que
anúncio dos «céus novos e da nova terra», os quais são
participados pelo homem e pelo mundo precisamente mediante o que há de
penoso no trabalho. Mediante a fadiga e nunca sem ela. Ora tudo
isto, por um lado, confirma ser indispensável a cruz numa
espiritualidade do trabalho humano; por outro lado, porém,
patenteia-se nesta cruz, no que nele há de penoso, um bem novo, o
qual tem o seu princípio no mesmo trabalho: no trabalho entendido em
profundidade e sob todos os aspectos, e jamais sem ele.
E será já este novo bem — fruto do trabalho humano — uma pequena
parcela daquela «nova terra» onde habita a justiça? E em que
relação permanecerá ele com a Ressurreição de Cristo, se é
verdade ser aquilo que multiformemente é penoso no trabalho do homem
uma pequena parcela da Cruz de Cristo? O Concílio procura
responder também a esta pergunta, indo haurir luz nas mesmas fontes da
Palavra revelada: «É certo que nos é lembrado que nada aproveita ao
homem ganhar o mundo inteiro, se se perde a si mesmo (cf. Lc. 9,
25). A expectativa da nova terra, porém, não deve enfraquecer,
mas antes estimular a solicitude por cultivar esta terra, onde cresce
aquele corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma
certa prefiguração em que se vislumbra o mundo novo. Por
conseguinte, embora se deva distinguir cuidadosamente o progresso
terreno do crescimento do reino de Cristo, todavia, na medida em que
tal progresso pode contribuir para a melhor organização da sociedade
humana, tem muita importância para o reino de Deus».
Procurámos, ao longo das presentes reflexões dedicadas ao trabalho
humano, pôr em realce tudo aquilo que parecia indispensável, dado
que é mediante ele que devem multiplicar-se sobre a face da terra não
só «os frutos da nossa actividade», mas também «a dignidade do
homem, a comunhão fraterna e a liberdade». O cristão que está
atento em ouvir a Palavra de Deus vivo, unindo o trabalho à
oração, procure saber que lugar ocupa o seu trabalho não somente no
progresso terreno, mas também no desenvolvimento do Reino de Deus,
para o qual todos somos chamados pela potência do Espírito Santo e
pela palavra do Evangelho.
Ao concluir estas minhas reflexões, é-me grato dar-vos, a todos
vós, veneráveis Irmãos e caríssimos Filhos e Filhas, de todo o
coração, uma propiciadora Bênção Apostólica.
Este documento, que eu havia preparado para que fosse publicado a 15
de Maio passado, no 90° aniversário da Encíclica Rerum
Novarum, só pôde ser revisto definitivamente por mim depois da minha
permanência por enfermidade no hospital.
Dado em Castel Gandolfo, no dia 14 de Setembro, Festa da
Exaltação da Santa Cruz, do ano de 1981, terceiro do meu
Pontificado.
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