|
Esta verdade, segundo a qual o homem mediante o trabalho participa na
obra do próprio Deus, seu Criador, foi particularmente posta em
relevo por Jesus Cristo, aquele Jesus de quem muitos dos seus
primeiros ouvintes em Nazaré «ficavam admirados e exclamavam: "
Donde lhe veio tudo isso? E que sabedoria é essa que lhe foi dada?
... Porventura não é este o carpinteiro " . ..?». Com
efeito, Jesus não só proclamava, mas sobretudo punha em prática
com as obras o «Evangelho» que lhe tinha sido confiado, a Palavra
da Sabedoria eterna. Por esta razão, tratava-se verdadeiramente do
«evangelho do trabalho», pois Aquele que o proclamava era Ele
próprio homem do trabalho, do trabalho artesanal como José de
Nazaré. E ainda que não encontremos nas suas palavras o preceito
especial de trabalhar — até mesmo, uma vez, a proibição de se
preocupar de uma maneira excessiva com o trabalho e com os meios para
viver — contudo, ao mesmo tempo, a eloquência da vida de Cristo é
inequívoca: Ele pertence ao «mundo do trabalho» e tem apreço e
respeito pelo trabalho humano; pode-se mesmo dizer mais: Ele encara
com amor este trabalho, bem como as suas diversas expressões, vendo
em cada uma delas uma linha particular da semelhança do homem com
Deus, Criador e Pai. Não foi Ele, porventura, que disse «Meu
Pai é o agricultor ...», transpondo de diversas maneiras para o
seu ensino aquela verdade fundamental sobre o trabalho que já se
encontra expressa em toda a tradição do Antigo Testamento, a
começar pelo Livro do Génesis?
Nos Livros do Antigo Testamento não faltam frequentes referências
ao trabalho humano, assim como às diversas profissões exercidas pelo
homem; assim, por exemplo: ao médico, ao farmacêutico, ao
artesão-artista, ao artífice do ferro — esta expressão
poder-se-ia referir ao trabalho do operário siderúrgico de hoje —
ao oleiro, ao agricultor, ao estudioso, ao navegador, ao trabalhador
da construção, ao músico, ao pastor e ao pescador. E são
conhecidas as belas palavras dedicadas ao trabalho das mulheres. O
próprio Jesus, nas suas parábolas sobre o Reino de Deus,
refere-se constantemente ao trabalho humano: ao trabalho do pastor,
do agricultor, do médico, do semeador, do amo, do servo, do
feitor, do pescador, do comerciante e do operário. E fala também
das diversas actividades das mulheres. Apresenta o apostolado sob a
imagem do trabalho braçal dos ceifeiros ou dos pescadores. E,
enfim, refere-se também ao trabalho dos estudiosos.
Este ensino de Cristo sobre o trabalho, baseado no exemplo da
própria vida vivida durante os anos de Nazaré, encontra um eco bem
forte no ensino do Apóstolo São Paulo. Dedicando-se
provavelmente à confecção de tendas, São Paulo sentia-se ufano
de trabalhar no seu ofício, graças ao qual podia, muito embora sendo
apóstolo, ganhar por si mesmo o seu pão de cada dia: «Trabalhamos
noite e dia, entre fadigas e privações, para não sermos pesados a
nenhum de vós». Daqui derivam as suas instruções a respeito do
trabalho, que têm um carácter de exortação e de preceito: «A
esses tais ordenamos e incitamos, no Senhor Jesus Cristo, que
trabalhem em paz, para poderem assim comer o pão ganho por eles
próprios», são palavras suas, escritas aos Tessalonicenses. Com
efeito, notando que alguns «levam uma vida preguiçosa, em lugar de
trabalharem», o Apóstolo, no mesmo contexto, não hesita em
dizer: «Se alguém não quer trabalhar, abstenha-se também de
comer». E numa outra passagem, ao contrário, ele estimula:
«Qualquer coisa que fizerdes, fazei-a com todo o coração, como se
fora para o Senhor, e não para os homens, sabendo que do Senhor
recebereis como recompensa a herança».
Os ensinamentos do Apóstolo das Gentes, como se vê, têm uma
importância-chave para a moral e para a espiritualidade do trabalho
humano. Eles são complemento importante para aquele grande, se bem
que discreto, «evangelho do trabalho» que nós encontramos na vida de
Cristo, nas suas parábolas e em «tudo quanto Jesus foi fazendo e
ensinando».
Com base nestas luzes, que emanam da própria Fonte, a Igreja
proclamou sempre o que segue e cuja expressão contemporânea
encontramos no ensino do II Concílio do Vaticano: «A actividade
humana, do mesmo modo que procede do homem, assim também para ele se
ordena. De facto, quando trabalha o homem não transforma apenas as
coisas materiais e a sociedade, mas realiza-se a si mesmo. Aprende
muitas coisas, desenvolve as próprias faculdades, sai de si e
supera-se a si mesmo. Este desenvolvimento, se for bem
compreendido, vale mais do que os bens exteriores que se possam
acumular... É a seguinte, pois, a norma para a actividade humana:
segundo o plano e a vontade de Deus, ser conforme com o verdadeiro bem
da humanidade e tornar possível ao homem, individualmente considerado
ou como membro da sociedade, cultivar e realizar a sua vocação
integral».
No contexto de tal visão dos valores do trabalho humano, ou seja, de
uma tal espiritualidade do trabalho, explica-se perfeitamente aquilo
que no mesmo ponto da Constituição pastoral do Concílio se lê
sobre o justo significado do progresso: «O homem vale mais por aquilo
que é do que por aquilo que tem. Do mesmo modo tudo o que o homem faz
para conseguir mais justiça, uma fraternidade mais difundida e uma
ordem mais humana nas relações sociais, excede em valor os progressos
técnicos. Com efeito, tais progressos podem proporcionar a base
material para a promoção humana, mas, por si sós, de modo nenhum
são capazes de a realizar».
Esta doutrina sobre o problema do progresso e do desenvolvimento —
tema tão dominante na mentalidade contemporânea — poderá ser
entendida somente como fruto de uma espiritualidade do trabalho já
provada, e somente sobre a base de uma tal espiritualidade é que ela
pode ser realizada e posta em prática. Esta é a doutrina e ao mesmo
tempo o programa que lançam as raízes no «evangelho do trabalho».
|
|