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Esta vista de olhos, necessariamente sumária, da situação do homem
no mundo contemporâneo, faz-nos voltar ainda mais os nossos
pensamentos e corações para Jesus Cristo, para o mistério da
Redenção, no qual o problema do homem se acha inscrito com uma
especial força de verdade e de amor. Se Cristo «se uniu de certo
modo a cada homem», a Igreja, penetrando no íntimo deste
mistério, na sua linguagem rica e universal, está a viver também
mais profundamente a própria natureza e missão. Não é em vão que
o Apóstolo fala do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Se este
Corpo Místico de Cristo, depois, é Povo de Deus — como dirá
por seu turno o II Concílio do Vaticano, baseando-se em toda a
tradição bíblica e patrística — isto quer dizer que todos os homens
nele são penetrados por aquele sopro de vida que provém de Cristo.
Deste modo, o voltar-se para o homem, voltar-se para os seus reais
problemas, para as suas esperanças e sofrimentos, para as suas
conquistas e quedas, também faz com que a mesma Igreja como corpo,
como organismo e como unidade social, perceba os mesmos impulsos
divinos, as luzes e as forças do Espírito que provêm de Cristo
crucificado e ressuscitado; e é por isto precisamente que ela vive a
sua vida. A Igreja não tem outra vida fora daquela que lhe dá o seu
Esposo e Senhor. De facto, precisamente porque Cristo no seu
mistério de Redenção se uniu a ela, a Igreja deve estar fortemente
unida com cada um dos homens.
Uma tal união de Cristo com o homem é em si mesma um mistério, do
qual nasce o «homem novo», chamado a participar na vida de Deus,
criado novamente em Cristo para a plenitude da graça e da verdade. A
união de Cristo com o homem é a força e a nascente da força,
segundo a incisiva expressão de São João no prólogo do seu
Evangelho: «O Verbo deu-lhes o poder de se tornarem filhos de
Deus». É esta força que transforma interiormente o homem, qual
princípio de uma vida nova que não fenece nem passa, mas dura para a
vida eterna. Esta vida, prometida e proporcionada a cada homem pelo
Pai em Jesus Cristo, eterno e unigénito Filho, encarnado e
nascido da Virgem Maria «ao chegar a plenitude dos tempos», é o
complemento final da vocação do homem; é, de alguma maneira, o
cumprir-se daquele «destino» que, desde toda a eternidade, Deus
lhe preparou. Este «destino divino» torna-se via, por sobre todos
os enigmas, as incógnitas, as tortuosidades e as curvas, do
«destino humano» no mundo temporal. Se, de facto, tudo isto, não
obstante toda a riqueza da vida temporal, leva por inevitável
necessidade à fronteira da morte e à meta da destruição do corpo
humano, apresenta-se-nos Cristo para além desta meta: «Eu sou a
ressurreição e a vida. Aquele que crê em Mim ... não morrerá
jamais». Em Jesus Cristo crucificado, deposto no sepulcro e depois
ressuscitado, «brilha para nós a esperança da feliz
ressurreição... a promessa da imortalidade futura», em direcção
à qual o homem caminha, através da morte do corpo, partilhando com
tudo o que é creado e visível esta necessidade a que está sujeita a
matéria. Nós intentamos e procuramos aprofundar cada vez mais a
linguagem desta verdade que o Redentor do homem encerrou na frase:
«O espírito é que vivifica, a carne para nada serve». Estas
palavras, malgrado as aparências, exprimem a mais alta afirmação do
homem: a afirmação do corpo, que o espírito vivifica!
A Igreja vive esta realidade, vive desta verdade sobre o homem, o
que lhe permite transpor as fronteiras da temporaneidade e, ao mesmo
tempo, pensar com particular amor e solicitude em tudo aquilo que, nas
dimensões desta temporaneidade, incide na vida do homem, na vida do
espírito humano, onde se afirma aquela inquietude perene, expressa
nas palavras de Santo Agostinho: «Fizestes-nos, Senhor, para
Vós, e o nosso coração está inquieto, até que não repouse em
Vós». Nesta inquietude criativa bate e pulsa aquilo que é mais
profundamente humano: a busca da verdade, a insaciável necessidade do
bem, a fome da liberdade, a nostalgia do belo e a voz da
consciência. A Igreja, ao procurar ver o homem como que com «os
olhos do próprio Cristo», torna-se cada vez mais cônscia de ser a
guarda de um grande tesouro, que não lhe é lícito dissipar, mas que
deve continuamente aumentar. Com efeito, o Senhor Jesus disse:
«Quem não ajunta comigo, dispersa». Aquele tesouro da
humanidade, enriquecido do inefável mistério da filiação divina,
da graça de «adopção como filhos» no Unigénito Filho de Deus,
mediante a qual dizemos a Deus «Abbá, Pai», é ao mesmo tempo
uma força potente que unifica a Igreja sobretudo por dentro e que dá
sentido a toda a sua actividade. Por tal força a Igreja une-se com
o Espírito de Cristo, com aquele Espírito Santo que o Redentor
havia prometido e que comunica continuamente, e cuja descida, revelada
no dia do Pentecostes, perdura sempre. Assim, no homem revelam-se
as forças do Espírito, os dons do Espírito, os frutos do
Espírito Santo. E a Igreja do nosso tempo parece repetir cada vez
com maior fervor e com santa insistência: «Vinde, Espírito
Santo!». Vinde! Vinde! «Lavai o que se apresenta sórdido!
Regai o que está árido! Sarai o que está ferido! Abrandai o que
é rígido! Aquecei o que está frígido! Guiai o que se acha
transviado!».
Esta oração ao Espírito Santo, elevada precisamente com a
intenção de obter o Espírito, é a resposta a todos os
«materialismos» da nossa época. São estes que fazem nascer tantas
formas de insaciabilidade do coração humano. Esta súplica faz-se
ouvir de diversas partes e parece que frutifica também de modos
diversos. Poder-se-á dizer que, nesta súplica, a Igreja não
está sozinha? Sim, pode-se dizer, porque «a necessidade» daquilo
que é espiritual é exprimida também por pessoas que se encontram fora
dos confins visíveis da Igreja. Ou não será isto mesmo
confirmado, talvez, por aquela verdade sobre a Igreja, posta em
evidência com tanta perspicácia pelo recente Concílio na
Constituição dogmática Lumen Gentium, naquela passagem em que
ensina ser a Igreja «sacramento, ou sinal, e instrumento da íntima
união com Deus e da unidade de todo o género humano?».
Esta invocação ao Espírito e pelo Espírito não é outra coisa
senão um constante introduzir-se na plena dimensão do mistério da
Redenção, no qual Cristo, unido ao Pai e com cada homem, nos
comunica sem cessar esse mesmo Espírito que põe em nós os
sentimentos do Filho e nos orienta para o Pai. É por isso que a
Igreja da nossa época — época particularmente faminta de
Espíríto, porque faminta de justiça, de paz, de amor, de
bondade, de fortaleza, de responsabilidade e de dignidade humana —
deve con centrar-se e reunir-se em torno de tal mistério da
Redenção, encontrando nele a luz e a força indispensáveis para a
própria missão. Com efeito, se o homem — como dizíamos em
precedência — é a via da vida quotidiana da Igreja, é preciso que
a mesma Igreja esteja sempre consciente da dignidade da adopção
divina que o homem alcança, em Cristo, pela graça do Espírito
Santo, e da sua destinação à graça e à glória.
Ao reflectir sempre de modo renovado sobre tudo isto, e aceitando-o
com uma fé cada vez mais consciente e com um amor cada vez mais firme,
a Igreja torna-se simultaneamente mais idónea para aquele serviço do
homem, para o qual a chama Cristo Senhor, quando diz: «O Filho
do homem ... veio não para ser servido, mas para servir». A
Igreja exerce este seu ministério, participando na «tríplice
função» que é própria do seu mesmo Mestre e Redentor. Esta
doutrina, com o seu fundamento bíblico, foi posta em plena luz pelo
II Concílio do Vaticano, com grande vantagem para a vida da
Igreja. Quando, de facto, nos tornamos conscientes dessa
participação na tríplice missão de Cristo, no seu tríplice múnus
— sacerdotal, profético e real — simultânea e paralelamente
tornamo-nos mais conscientes também daquilo que deve servir a Igreja
toda, como sociedade e comunidade do Povo de Deus sobre a terra,
compreendendo, além disso, qual deva ser a participação de cada um
de nós nesta missão e neste serviço.
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