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Com base em todos estes direitos, juntamente com a necessidade de os
garantir por parte dos mesmos trabalhadores, surge ainda um outro
direito: o direito de se associar, quer dizer, o direito de formar
associações ou uniões, com a finalidade de defender os interesses
vitais dos homens empregados nas diferentes profissões. Estas uniões
têm o nome de sindicatos. Os interesses vitais dos homens do trabalho
são até certo ponto comuns a todos; ao mesmo tempo, porém, cada
espécie de trabalho, cada profissão, possui uma sua especificidade,
que deveria encontrar nestas organizações de maneira particular o seu
reflexo próprio.
Os sindicatos têm os seus ascendentes, num certo sentido, já nas
corporações artesanais da Idade Média, na medida em que tais
organizações uniam entre si os homens que pertenciam ao mesmo
ofício, isto é, agremiavam-nos em base ao trabalho que eles
faziam. No entanto, os sindicatos também diferem dessas
corporações neste ponto essencial: os modernos sindicatos cresceram a
partir da luta dos trabalhadores, do mundo do trabalho e, sobretudo,
dos trabalhadores da indústria, pela tutela dos seus justos direitos,
em confronto com os empresários e os proprietários dos meios de
produção. Constitui sua tarefa a defesa dos interesses existenciais
dos trabalhadores em todos os sectores em que entram em causa os seus
direitos. A experiência histórica ensina que as organizações deste
tipo são um elemento indispensável da vida social, especialmente nas
modernas sociedades industrializadas. Isto, evidentemente, não
significa que somente os trabalhadores da indústria possam constituir
associações deste género. Os representantes de todas as profissões
podem servir-se delas para garantir os seus respectivos direitos.
Existem, com efeito, os sindicatos dos agricultores e dos
trabalhadores intelectuais; come existem também as organizações dos
dadores de trabalho. Todos, como já foi dito acima, se subdividem
em grupos e subgrupos segundo as particulares especializações
profissionais.
A doutrina social católica não pensa que os sindicatos sejam somente
o reflexo de uma estrutura «de classe» da sociedade, como não pensa
que eles sejam o expoente de uma luta de classe, que inevitavelmente
governe a vida social. Eles são, sim, um expoente da luta pela
justiça social, pelos justos direitos dos homens do trabalho segundo
as suas diversas profissões. No entanto, esta «luta» deve ser
compreendida como um empenhamento normal das pessoas «em prol» do
justo bem: no caso, em prol do bem que corresponde às necessidades e
aos méritos dos homens do trabalho, associados segundo as suas
profissões; mas não é uma luta «contra» os outros.
Se ela assume um carácter de oposição aos outros, nas questões
controvertidas, isso sucede por se ter em consideração o bem que é a
justiça social, e não por se visar a «luta» pela luta, ou então
para eliminar o antagonista. O trabalho tem como sua característica,
antes de mais nada, unir os homens entre si; e nisto consiste a sua
força social: a força para construir uma comunidade. E no fim de
contas, nessa comunidade devem unir-se tanto aqueles que trabalham
como aqueles que dispõem dos meios de produção ou que dos mesmos são
proprietários. A luz desta estrutura fundamental de todo o trabalho
— à luz do facto de que, afinal, o «trabalho» e o «capital» são
as componentes indispensáveis do processo de produção em todo e
qualquer sistema social — a união dos homens para se assegurarem os
direitos que lhes cabem, nascida das exigências do trabalho,
permanece um factor construtivo de ordem social e de solidariedade,
factor do qual não é possível prescindir.
Os justos esforços para garantir os direitos dos trabalhadores, que
se acham unidos pela mesma profissão, devem ter sempre em conta
limitações que impõe a situação económica geral do país. As
exigências sindicais não podem transformar-se numa espécie de
«egoísmo» de grupo ou de classe, embora possam e devam também
tender para corrigir — no que respeita ao bem comum da inteira
sociedade — tudo aquilo que é defeituoso no sistema de propriedade dos
meios de produção, ou no modo de os gerir e de dispor deles. A vida
social e económico-social é certamente como um sistema de «vasos
comunicantes», e todas e cada uma das actividades sociais, que tenham
como finalidade salvaguardar os direitos dos grupos particulares, devem
adaptar-se a tal sistema.
Neste sentido, a actividade dos sindicatos entra indubitavelmente no
campo da «política», entendida como uma prudente solicitude pelo bem
comum. Ao mesmo tempo, porém, o papel dos sindicatos não é o de
«fazer política» no sentido que hoje comummente se vai dando a esta
expressão. Os sindicatos não têm o carácter de «partidos
políticos» que lutam pelo poder, e também não deveriam nunca estar
submetidos às decisões dos partidos políticos, nem manter com eles
ligações muito estreitas. Com efeito, se for esta a situação,
eles perdem facilmente o contacto com aquilo que é o seu papel
específico, que é o de garantirem os justos direitos dos homens do
trabalho no quadro do bem comum de toda a sociedade, e, ao
contrário, tornam-se um instrumento da luta para outros fins.
Ao falar da tutela dos justos direitos dos homens do trabalho segundo
as suas diversas profissões, é preciso naturalmente ter sempre diante
dos olhos aquilo de que depende o carácter subjectivo do trabalho em
cada profissão; mas, ao mesmo tempo, ou primeiro que tudo, aquilo
que condiciona a dignidade própria do sujeito do trabalho. E aqui
apresentam-se múltiplas possibilidades para a acção das
organizações sindicais, inclusive também para um seu empenhamento
por coisas de carácter instrutivo, educativo e de promoção da
auto-educação. A acção das escolas, das chamadas «universidades
operárias» e «populares», dos programas e dos cursos de
formação, que desenvolveram e continuam ainda a desenvolver
actividades neste campo, é uma acção benemérita. Deve sempre
desejar-se que, graças à acção dos seus sindicatos, o trabalhador
não só possa «ter» mais, mas também e sobretudo possa «ser»
mais; o que equivale a dizer, possa realizar mais plenamente a sua
humanidade sob todos os aspectos.
Ao agirem em prol dos justos direitos dos seus membros, os sindicatos
lançam mão também do método da «greve», ou seja, da suspensão
do trabalho, como de uma espécie de «ultimatum» dirigido aos
órgãos competentes e, sobretudo, aos dadores de trabalho. É um
modo de proceder que a doutrina social católica reconhece como
legítimo, observadas as devidas condições e nos justos limites. Em
relação a isto os trabalhadores deveriam ter assegurado o direito à
greve, sem terem de sofrer sanções penais pessoais por nela
participarem. Admitindo que se trata de um meio legítimo, deve
simultaneamente relevar-se que a greve continua a ser, num certo
sentido, um meio extremo. Não se pode abusar dele; e não se pode
abusar dele especialmente para fazer o jôgo da política. Além
disso, não se pode esquecer nunca que, quando se trata de serviços
essenciais para a vida da sociedade, estes devem ficar sempre
assegurados, inclusive, se isso for necessário, mediante apropriadas
medidas legais. O abuso da greve pode conduzir à paralização da
vida sócio-económica; ora isto é contrário às exigências do bem
comum da sociedade, o qual também corresponde à natureza, entendida
rectamente, do mesmo trabalho.
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