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67. Queremos concluir estas considerações situando-nos no
coração da Igreja e no coração do homem. O caminho da Igreja
passa através do coração do homem, porque nele está o lugar
recôndito do encontro salvífico com o Espírito Santo, com Deus
escondido, e porque exactamente aí o Espírito Santo se torna
«nascente de água que jorra para a vida eterna». [289] Ele
chega aí, ao coração do homem, como Espírito da verdade e como
Consolador, Intercessor e Advogado — especialmente quando o homem,
ou a humanidade, se encontra diante do juizo de condenação do
«acusador», acerca do qual no Apocalipse se afirma que «acusa os
nossos irmãos na presença do nosso Deus dia e noite». [290]
O Espírito Santo não cessa nunca de ser o guarda da esperança no
coração do homem: da esperança de todas as criaturas humanas, e
especialmente daquelas que «possuem as primícias do Espírito», e
«aguardam a redenção do seu corpo». [291]
O Espírito Santo, na sua misteriosa ligação de divina comunhão
com o Redentor do homem, é Quem dá continuidade à sua obra: Ele
recebe do que é de Cristo e transmite-o a todos, entrando
incessantemente na história do mundo através do coração do homem.
É aí que ele se torna — como proclama a Sequência litúrgica da
Solenidade do Pentecostes — verdadeiro «pai dos pobres,
distribuidor dos dons e luz dos corações»; torna-se: «hóspede
amável das almas», que a Igreja saúda, sem cessar, no limiar da
intimidade de cada homem. Ele, efectivamente, traz «descanso e
refrigério» no meio dos esforços, do trabalho dos braços e das
mentes humanas; traz «descanso» e «alívio» nas horas de calor
ardente do dia, no meio das preocupações, das lutas e dos perigos de
todas as épocas; e traz, por fim, a «consolação», quando o
coração humano chora e é tentado pelo desespero.
Por isso, a mesma Sequência litúrgica exclama: «Sem a tua
potência divina nada há no homem, nada que seja inocente». Só o
Espírito Santo, de facto, «convence do pecado», do mal, com o
objectivo de restabelecer o bem no homem e no mundo humano: para
«renovar a face da terra». Por isso, Ele realiza a purificação
de tudo o que «deturpa» o homem, de «tudo o que é sórdido»; cura
as feridas mesmo as mais profundas da existência humana; transforma a
aridez interior das almas em campos férteis de graça e de santidade.
O que é «duro — abranda-o», o que é «frio — aquece-o», o
que está «desencaminhado - reconduze-o aos caminhos da
salvação». [292]
Rezando assim, a Igreja professa sem cessar a sua fé: há no nosso
mundo criado um Espírito, que é um Dom incriado. É o Espírito
do Pai e do Filho: como o Pai e o Filho, Ele é incriado,
imenso, eterno, omnipotente, Deus e Senhor. [293] Este
Espírito de Deus «enche o universo», e tudo o que é criado
reconhece nele a fonte da própria identidade e nele encontra a própria
expressão trancendente, a ele se dirige e espera-o e invoca-o com
todo o seu ser. Para ele se volta, como Paráclito, Espírito da
verdade e do amor, o homem que vive de verdade e de amor e que, sem a
fonte da verdade e do amor, não pode viver. Para ele se volta a
Igreja, que é o coração da humanidade, a fim de invocar para todos
e a todos dispensar aqueles dons do Amor, que por meio dele «foi
derramado nos nossos corações». [294] Para ele se volta a
Igreja ao longo dos caminhos escarpados da peregrinação do homem
sobre a terra: e pede, pede incessantemente a rectidão dos actos
humanos, como sua obra; pede a alegria e a consolação, que só
ele, verdadeiro consolador, pode trazer descendo ao mais profundo dos
corações humanos; [295] pede a graça das virtudes, que são
merecedoras da glória celeste, pede a salvação eterna, na
comunicação plena da vida divina, à qual o Pai eternamente
«predestinou» os homens, criados por amor à imagem e semelhança da
Santíssima Trindade.
A Igreja, com o seu coração, que inclui em si todos os corações
humanos, pede ao Espírito Santo a felicidade que só em Deus tem a
sua completa realização: a alegria que «ninguém pode tirar»,
[296] a alegria que é fruto do amor e, portanto, de Deus que
«é Amor»; pede «a justiça, a paz e a alegria no Espírito
Santo», nas quais, segundo São Paulo, consiste o «Reino de
Deus». [297]
Também a paz é fruto do amor: a paz interior, que o homem afadigado
procura no íntimo do seu ser; a paz que a humanidade, a família
humana, os povos, as nações, os continentes pedem com trepidante
esperança de obtê-la, na perspectiva da passagem do segundo ao
terceiro Milénio cristão. Uma vez que o caminho da paz passa,
afinal, através do amor, e tende a criar uma civilização do amor,
a Igreja fixa o olhar naquele que é o Amor do Pai e do Filho e,
não obstante as ameaças crescentes, não cessa de ter confiança,
não deixa de invocar e de servir a paz do homem sobre a terra. A sua
confiança fundamenta-se naquele que, sendo o Espírito-Amor, é
também o Espírito da paz, e não cessa de estar presente no nosso
mundo humano, no horizonte das consciências e dos corações humanos,
para «encher o universo» de amor e de paz.
Diante dele ajoelho-me, no final destas considerações, implorando
que, como Espírito do Pai e do Filho, nos conceda a todos a
bênção e a graça, que desejo transmitir, em nome da Santíssima
Trindade, aos filhos e filhas da Igreja e a toda a família humana.
Dado em Roma, junto de São Pedro, a 18 de Maio, Solenidade
do Pentecostes, do ano de 1986, oitavo ano do meu Pontificado.
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