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38. A Igreja sabe e ensina, com São Paulo, que um só é o
nosso mediador: «Não há senão um só Deus e um só é também o
mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que se
entregou a si mesmo como resgate por todos» (1 Tim 2, 5-6).
«A função maternal de Maria para com os homens de modo nenhum
obscurece ou diminui esta única mediação de Cristo; mas até
manifesta qual a sua eficácia» é uma mediação em Cristo.
A Igreja sabe e ensina que «todo o influxo salutar da Santíssima
Virgem em favor dos homens se deve ao beneplácito divino e ...
dimana da superabundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua
mediação, dela depende absolutamente, haurindo aí toda a sua
eficácia; de modo que não impede o contacto imediato dos fiéis com
Cristo, antes o facilita». Este influxo salutar é apoiado pelo
Espírito Santo, que, assim como estendeu a sua sombra sobre a
Virgem Maria, dando na sua pessoa início à maternidade divina,
assim também continuamente sustenta a sua solicitude para com os
irmãos do seu Filho.
Efectivamente, a mediação de Maria está intimamente ligada à sua
maternidade e possui um carácter especificamente maternal, que a
distingue da mediação das outras criaturas que, de diferentes modos e
sempre subordinados, participam na única mediação de Cristo;
também a mediação de Maria permanece subordinada. Se, na
realidade, «nenhuma criatura pode jamais colocar-se no mesmo plano
que o Verbo Incarnado e Redentor», também é verdade que «a
mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas
uma cooperação multiforme, participada duma única fonte»; e
assim, «a bondade de Deus, única, difunde-se realmente, de
diferentes modos, nas criaturas».
O ensino do Concílio Vaticano II apresenta a verdade da mediação
de Maria como «participação nesta única fonte, que é a mediação
do próprio Cristo». Com efeito, lemos: «A Igreja não hesita
em reconhecer abertamente essa função assim, subordinada; sente-a
continuamente e recomenda-a ao amor dos fiéis, para que, apoiados
nesta ajuda materna, eles estejam mais intimamente unidos ao Mediador
e Salvador». Tal função é, ao mesmo tempo, especial e
extraordinária. Ela promana da sua maternidade divina e pode ser
comprendida e vivida na fé somente se nos basearmos na plena verdade
desta maternidade. Sendo Maria, em virtude da eleição divina, a
Mãe do Filho consubstancial ao Pai e «cooperadora generosa» na
obra da Redenção, ela tornou-se para nós «mãe na ordem da
graça». Esta função constitui uma dimensão real da sua presença
no mistério salvífico de Cristo e da Igreja.
39. Sob este ponto de vista, temos necessidade de voltar, mais uma
vez, à consideração do acontecimento fundamental na economia da
salvação, ou seja, a Incarnação do Verbo de Deus, no momento
da Anunciação. É significativo que Maria, reconhecendo nas
palavras do mensageiro divino a vontade do Altíssimo e submetendo-se
ao seu poder, diga: «Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim
segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). O primeiro momento da
submissão à única mediação «entre Deus e os homens» - a
mediação de Jesus Cristo - é a aceitação da maternidade por
parte da Virgem de Nazaré. Maria consente na escolha divina para se
tornar, por obra do Espírito Santo, a Mãe do Filho de Deus.
Pode dizer-se que este consentimento que ela dá à maternidade é
fruto sobretudo da doção total a Deus na virgindade. Maria aceitou
a eleição para ser mãe do Filho de Deus, guiada pelo amor
esponsal, o amor que «consagra» totalmente a Deus uma pessoa
humana. Em virtude desse amor, Maria desejava estar sempre e em tudo
«doada a Deus», vivendo na virgindade. As palavras: «Eis a
serva do Senhor!» comprovam o facto de ela desde o princípio ter
aceitado e entendido a própria maternidade como dom total de si, da
sua pessoa, ao serviço dos desígnios salvíficos do Altíssimo. E
toda a participação materna na vida de Jesus Cristo, seu Filho,
ela viveu-a até ao fim de um modo correspondente à sua vocação para
a virgindade.
A maternidade de Maria, profundamente impregnada da atitude esponsal
de «serva do Senhor», constitui a dimensão primária e fundamental
daquela sua mediação que a Igreja Ihe reconhece, proclama e
continuamente «recomenda ao amor dos fiéis» porque confia muito
nela. Com efeito, importa reconhecer que, primeiro do que quaisquer
outros, o próprio Deus, o Pai eterno, se confiou à Virgem de
Nazaré, dando-lhe o próprio Filho no mistério da Incarnação.
Esta sua eleição para a sublime tarefa e suprema dignidade de Mãe
do Filho de Deus, no plano ontológico, tem relação com a própria
realidade da união das duas naturezas na Pessoa do Verbo (união
hipostática). Este facto fundamental de ser Mãe do Filho de
Deus, é desde o princípio uma abertura total à pessoa de Cristo,
a toda a sua obra e a toda a sua missão. As palavras: «Eis a serva
do Senhor!» testemunham esta abertura de espírito em Maria, que
une em si, de maneira perfeita, o amor próprio da virgindade e o amor
característico da maternidade, conjuntos e como que fundidos num só
amor.
Por isso, Maria tornou-se não só a «mãe-nutriz» do Filho do
homem, mas também a «cooperadora generosa, de modo absolutamente
singular», do Messias e Redentor. Ela — como já foi dito —
avançava na peregrinação da fé e, nessa sua peregrinação até aos
pés da Cruz, foi-se realizando, ao mesmo tempo, com as suas
acções e os seus sofrimentos, a sua cooperação materna e esponsal
em toda a missão do Salvador. Ao longo do caminho de tal
colaboração com a obra do Filho-Redentor, a própria maternidade
de Maria veio a conhecer uma transformação singular, sendo cada vez
mais cumulada de «caridade ardente» para com todos aqueles a quem se
destinava a missão de Cristo. Mediante essa «caridade ardente»,
visando cooperar, em união com Cristo, na restauração «da vida
sobrenatural nas almas», Maria entrava de modo absolutamente pessoal
na única mediação «entre Deus e os homens», que é a mediação
do homem Cristo Jesus. Se ela mesma foi quem primeiro experimentou
em si os efeitos sobrenaturais desta mediação única - já aquando da
Anunciação ela tinha sido saudada como «cheia de graça» - então
tem de se dizer que, em virtude desta plenitude da graça e de vida
sobrenatural, ela estava particularmente predisposta para a
«cooperação» com Cristo, único mediador da salvação humana. E
tal cooperação é precisamente esta mediação subordinada à
mediação de Cristo.
No caso de Maria trata-se de uma mediação especial e excepcional,
fundada na sua «plenitude de graça», que se traduzia na total
disponibilidade da «serva do Senhor». Em correspondência com essa
disponibilidade interior da sua Mãe, Jesus Cristo preparava-a cada
vez mais para ela se tornar para os homens «mãe na ordem da graça».
Isto acha-se indicado, pelo menos de maneira indirecta, em certos
pormenores registados pelos Sinópticos (cf. Lc 11, 28; 8,
20-21; Mc 3, 32-35; Mt 12, 47-50) e, mais
ainda, pelo Evangelho de São João (cf. 2, 1-12; 19,
25-27), como já procurei pôr em evidência. A este
propósito, são particularmente eloquentes as palavras pronunciadas
por Jesus do alto da Cruz, referindo-se a Maria e a João.
40. Depois dos acontecimentos da Ressurreição e da Ascensão,
Maria, entrando com os Apóstolos no Cenáculo enquanto esperavam o
Pentecostes, estava aí presente como Mãe do Senhor glorificado.
Era não só aquela que «avançou na peregrinação da fé» e
conservou fielmente a sua união com o Filho «até à Cruz», mas
também a «serva do Senhor» deixada por seu Filho como mãe no seio
da Igreja nascente: «Eis a tua mãe». Assim começou a
estabelecer-se um vínculo especial entre esta Mãe e a Igreja. Com
efeito, a Igreja nascente era fruto da Cruz e da Ressurreição do
seu Filho. Maria, que desde o princípio se tinha entregado sem
reservas à pessoa e à obra do Filho, não podia deixar de derramar
sobre a Igreja, desde os inícios, esta sua doação materna.
Depois da «partida» do Filho a sua maternidade permanece na
Igreja, como mediação materna: intercedendo por todos os seus
filhos, a Mãe coopera na obra salvífica do Filho-Redentor do
mundo. De facto, o Concílio ensina: «a maternidade de Maria na
economia da graça perdura sem interrupção... até à consumação
perpétua de todos os eleitos». Com a morte redentora do seu Filho,
a mediação materna da serva do Senhor revestiu-se de uma dimensão
universal, porque a obra da Redenção abrange todos os homens.
Assim se manifesta, de modo singular, a eficácia da única e
universal mediação de Cristo «entre Deus e os homens». A
cooperação de Maria participa, com o seu carácter subordinado, na
universalidade da mediação do Redentor, único Mediador. Isto é
claramente indicado pelo Concílio com as palavras acima citadas.
De facto — lemos ainda — depois de elevada ao céu, Maria não
abandonou este papel de salvação, mas com a sua múltipla
intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação
eterna». Com este carácter de a intercessão», que se manifestou
pela primeira vez em Caná da Galileia, a mediação de Maria
continua na história da Igreja e do mundo. Lemos que Maria, «com
a sua caridade materna, cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda
peregrinam e se debatem entre perigos e angústias, até que sejam
conduzidos à pátria bem-aventurada». Deste modo, a maternidade de
Maria perdura incessantemente na Igreja, como mediação que
intercede; e a Igreja exprime a sua fé nesta verdade invocando-a sob
os títulos de Advogada, Auxiliadora, (Perpétuo) Socorro e
Medianeira.
41. Pela sua mediação, subordinada à mediação do Redentor,
Maria contribui de maneira especial para a união da Igreja peregrina
na terra com a realidade escatológica e celeste da comunhão dos
santos, tendo já sido «elevada ao Céu». A verdade da
Assunção, definida por Pio XII, é reafirmada pelo Vaticano
II, que exprime a fé da Igreja nestes termos: «Finalmente, a
Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa
original, terminado o curso da sua vida terrena, foi assumida à
glória celeste em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como Rainha do
universo, para que se conformasse mais plenamente com o seu Filho,
Senhor dos senhores (cf. Apoc 19, 16) e vencedor do pecado e
da morte», Com esta doutrina, Pio XII situava-se na
continuidade da Tradição, que ao longo da história da Igreja teve
expressões múltiplas, tanto no Oriente como no Ocidente.
Com o mistério da Assunção ao Céu, actuaram-se em Maria
definitivamente todos os efeitos da única mediação de Cristo,
Redentor do mundo e Senhor ressuscitado: «Todos receberão a vida
em Cristo. Cada um, porém, na sua ordem: primeiro Cristo, que
é a primícia; depois, à sua vinda, aqueles que pertencem a
Cristo» (1 Cor 15, 22-23). No mistério da Assunção
exprime-se a fé da Igreja, segundo a qual Maria está «unida por
um vínculo estreito e indissolúvel a Cristo», pois, se já como
mãe-virgem estava a Ele unida singulamente na sua primeira vinda,
pela sua contínua cooperação com Ele o estará também na
expectativa da segunda: «Remida dum modo mais sublime, em atenção
aos méritos de seu Filho», ela tem também aquele papel, próprio
da Mãe, de medianeira de clemência, na vinda definitiva, quando
todos os que são de Cristo forem vivificados e quando «o último
inimigo a ser destruído será a morte» (1 Cor 15, 26).
Com tal exaltação da «excelsa Filha de Sião» mediante a
Assunção ao Céu, está conexo o mistério da sua glória eterna.
A Mãe de Cristo, efectivamente, foi glorificada como «Rainha do
universo». Ela, que na altura da Anunciação se definiu «serva do
Senhor», permaneceu fiel ao que este nome exprime durante toda a vida
terrena, confirmando desse modo ser uma verdadeira «discípula» de
Cristo, que teve ocasião de acentuar fortemente o carácter de
serviço da sua missão: o Filho do homem «não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate de muitos»
(Mt 20, 28). Por isso, Maria tornou-se a primeira entre
aqueles que, «servindo a Cristo também nos outros, conduzem os seus
irmãos, com humildade e paciência, àquele Rei, servir ao qual é
reinar»; e alcançou plenamente aquele «estado de liberdade real»
que é proprio dos discípulos de Cristo: servir quer dizer reinar!
«Cristo, tendo-se feito obediente até à morte, foi por isso mesmo
exaltado pelo Pai (cf. Flp 2, 8-9) e entrou na glória do seu
Reino; a ele estão submetidas todas as coisas, até que ele se
sujeite a si mesmo e consigo todas as criaturas ao Pai, a fim de que
Deus seja tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 27-28)». Maria,
serva do Senhor, tem parte neste Reino do Filho. A glória de
servir não cessa de ser a sua exaltação real: elevada ao céu, não
suspende aquele seu serviço salvífico em que se exprime a mediação
materna, «até à consumação perpétua de todos os eleitos».
Assim, aquela que, aqui na terra, «conservou fielmente a sua união
com o Filho até à Cruz», permanece ainda unida a ele, uma vez que
«tudo lhe está submetido, até que ele sujeite ao Pai a sua pessoa e
todas as criaturas». Mais, com a sua Assunção ao Céu, Maria
está como que envolvida por toda a realidade da comunhão dos santos;
e a sua própria união com o Filho na glória está toda propendente
para a plenitude definitiva do Reino, quando a Deus for tudo em
todos».
Também nesta fase a mediação materna de Maria não deixa de estar
subordinada àquele que é o único Mediador, até à definitiva
actuação «da plenitude dos tempos»: «a de em Cristo recapitular
todas as coisas» (Ef 1, 10).
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