A MISSÃO AD GENTES CONSERVA O SEU VALOR

33. As diferenças de actividade, no âmbito da única missão da Igreja, nascem não de motivações intrínsecas à própria missão, mas das diversas circunstancias onde ela se exerce.[51] Olhando o mundo de hoje, do ponto de vista da evangelização, podemos distinguir três situações distintas.

Antes de mais, temos aquela a que se dirige a actividade missionária da Igreja: povos, grupos humanos, contextos socio-culturais onde Cristo e o Seu Evangelho não é conhecido, onde faltam comunidades cristãs suficientemente amadurecidas para poderem encarnar a fé no próprio ambiente e anunciá-la a outros grupos. Esta é propriamente a missão ad gentes.[52]

Aparecem depois as comunidades cristãs que possuem sólidas e adequadas estruturas eclesiais, são fermento de fé e de vida, irradiando o testemunho do Evangelho no seu ambiente, e sentindo o compromisso da missão universal. Nelas se desenvolve a actividade ou cuidado pastoral da Igreja.

Finalmente, existe a situação intermédia, especialmente nos países de antiga tradição cristã, mas, por vezes, também nas Igrejas mais jovens, onde grupos inteiros de baptizados perderam o sentido vivo da fé, não se reconhecendo já como membros da Igreja e conduzindo uma vida distante de Cristo e do Seu Evangelho. Neste caso, torna-se necessária uma «nova evangelização», ou «re-evangelização».

34. A actividade missionária específica, ou missão ad gentes, tem como destinatários «os povos ou grupos que ainda não crêem em Cristo», «aqueles que estão longe de Cristo», entre os quais a Igreja «não está ainda radicada»,[53] e cuja cultura ainda não foi influenciada pelo Evangelho.[54] Distingue-se das outras actividades eclesiais por se dirigir a grupos e ambientes não cristãos, caracterizados pela ausência ou insuficiência ao anúncio evang*lico e da presença eclesial. Vem a ser, portanto, a obra do anúncio de Cristo e do seu Evangelho, da edificação da Igreja local, da promoção dos valores do Reino. A peculiariedade da missão ad gentes deriva do facto de se orientar para os «não cristãos». É preciso evitar, por isso, que esta «tarefa especificamente missionária, que Jesus confiou e continua quotidianamente a confiar à Sua Igreja»,[55] se torne numa realidade diluída na missão global de todo o Povo de Deus, ficando desse modo descurada ou esquecida.

De resto, os confins entre o cuidado pastoral dos fieis, a nova evangelização e a actividade missionária específica não são facilmente identificáveis, e não se deve pensar em criar entre esses ambitos barreiras ou compartimentos estanques. Não se pode, no entanto, perder a tensão para o anúncio e para a fundação de novas Igrejas entre povos ou grupos humanos, onde elas ainda não existem, porque esta é a tarefa primária da Igreja, que é enviada a todos os povos, até aos confins da terra. Sem a missão ad gentes, a propria dimensão missionária da Igreja ficaria privada do seu significado fundamental e do seu exemplo de actuação.

Registe-se também uma real e crescente interdependência entre as diversas actividades salvíficas da Igreja: cada uma influi sobre a outra, estimula e ajuda-a. O dinamismo missionário permite uma troca de valores entre as Igrejas, e projecta para o mundo exterior influência positiva em todos os sentidos. As Igrejas de antiga tradição cristã, por exemplo, preocupadas com a dramática tarefa da nova evangelização, estão mais conscientes de que não podem ser missionárias dos não cristãos de outros países e continentes, se não se preocuparem seriamente comos não cristãos da própria casa: a actividade missionária ad intra é sinal de autenticidade e de estímulo para realizar a outra ad extra, e vice-versa.