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Ao reflectirmos novamente sobre este texto admirável do Magistério
conciliar, não esqueçamos, nem sequer por um momento, que Jesus
Cristo, Filho de Deus vivo, se tornou a nossa reconciliação junto
do Pai. Ele precisamente e só Ele satisfez ao eterno amor do Pai,
àquela paternidade que desde o princípio se expressou na criação do
mundo, na doação ao homem de toda a riqueza do que foi criado, ao
fazê-lo «pouco inferior aos anjos», enquanto criado «à imagem e
à semelhança de Deus»; e, igualmente satisfez àquela paternidade
de Deus e àquele amor, de um certo modo rejeitado pelo homem, com a
ruptura da primeira Aliança e das alianças posteriores que Deus
«repetidas vezes ofereceu aos homens». A redenção do mundo —
aquele tremendo mistério do amor em que a criação foi renovada —
é, na sua raiz mais profunda, a plenitude da justiça num Coração
humano: no Coração do Filho Primogénito, a fim de que ela possa
tornar-se justiça dos corações de muitos homens, os quais,
precisamente no Filho Primogénito, foram predestinados desde toda a
eternidade para se tornarem filhos de Deus e chamados para a graça,
chamados para o amor. A cruz no Calvário, mediante a qual Jesus
Cristo — Homem, Filho de Maria Virgem, filho putativo de José
de Nazaré — «deixa» este mundo, é ao mesmo tempo uma nova
manifestação da eterna paternidade de Deus, o Qual por Ele
(Cristo) de novo se aproxima da humanidade, de cada um dos homens,
dando-lhes o três vezes santo «Espírito da verdade».
Com esta revelação do Pai e efusão do Espírito Santo, que
imprimem um sigilo indelével no mistério da Redenção, se explica o
sentido da cruz e da morte de Cristo. O Deus da criação revela-se
como Deus da redenção, como Deus «fiel a si próprio», fiel ao
seu amor para com o homem e para com o mundo, que já se revelara no
dia da criação. E este seu amor é amor que não retrocede diante de
nada daquilo que nele mesmo exige a justiça. E por isto o Filho
«que não conhecera o pecado, Deus tratou-o, por nós, como
pecado». E se «tratou como pecado» Aquele que era absolutamente
isento de qualquer pecado, fê-lo para revelar o amor que é sempre
maior do que tudo o que é criado, o amor que é Ele próprio, porque
«Deus é amor». E sobretudo o amor é maior do que o pecado, do
que a fraqueza e do que «a caducidade do que foi criado», mais forte
do que a morte; é amor sempre pronto a erguer e a perdoar, sempre
pronto para ir ao encontro do filho pródigo, sempre em busca da
«revelação dos filhos de Deus», que são chamados para a glória
futura. Esta revelação do amor é definida também misericórdia; e
tal revelação do amor e da misericórdia tem na história do homem uma
forma e um nome: chama-se Jesus Cristo.
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