|
46. Tendo em conta tudo o que temos vindo a dizer até agora,
tornam-se mais compreensíveis algumas outras palavras impressionantes
e surpreendentes de Jesus. Poderemos designá-las como as palavras
do «não-perdão». São-nos referidas pelos Sinópticos, a
propósito de um pecado particular, que é chamado «blasfêmia contra
o Espírito Santo». Elas foram expressas na tríplice redacção
dos Evangelistas do seguinte modo:
São Mateus: «Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos
homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será
perdoada. E àquele que falar contra o Filho do homem, ser-lhe-á
perdoado; mas, a quem falar contra o Espírito Santo, não lhe
será perdoado, nem neste mundo nem no futuro». [180]
São Marcos: «Aos filhos dos homens serão perdoados todos os
pecados e todas as blasfêmias que proferirem; todavia, quem blasfemar
contra o Espírito Santo, jamais terá perdão, mas será réu de
pecado eterno». [181]
São Lucas: «E a todo aquele que disser uma palavra contra o Filho
do homem, perdoar-se-á; mas a quem tiver blasfemado contra o
Espírito Santo, não lhe será perdoado». [182]
Porquê a «blasfêmia» contra o Espírito Santo é imperdoável?
Em que sentido entender esta «blasfemia»? Santo Tomás de Aquino
responde que se trata da um pecado «imperdoável por sua própria
natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é
concedida a remissão dos pecados». [183]
Segundo uma tal exegese, a «blasfêmia» não consiste propriamente
em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na
recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o
mesmo Espírito Santo agindo em virtude do sacrifício da Cruz. Se
o homem rejeita o deixar-se «convencer quanto ao pecado», que
provém do Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita
contemporaneamente a «vinda» do Consolador: aquela «vinda» que se
efectuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do
Sangue de Cristo: o Sangue que «purifica a consciência das obras
mortas».
Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados.
Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o Sangue permanece nas
«obras mortas», no pecado. E a «blasfêmia contra o Espírito
Santo» consiste exactamente na recusa radical de aceitar esta
remissão, de que Ele é o dispensador íntimo e que pressupõe a
conversão verdadeira, por Ele operada na consciência. Se Jesus
diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem
nesta vida nem na futura, é porque esta «não-remissão» está
ligada, como à sua causa, à «não-penitência», isto é, à
recusa radical a converter-se. Isto equivale a uma recusa radical de
ir até às fontes da Redenção; estas, porém, permanecem
«sempre» abertas na economia da salvação, na qual se realiza a
missão do Espírito Santo. Este tem o poder infinito de haurir
destas fontes: «receberá do que é meu», disse Jesus. Deste
modo, Ele completa nas almas humanas a obra da Redenção, operada
por Cristo, distribuindo os seus frutos. Ora a blasfêmia contra o
Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu
pretenso «direito» de perseverar no mal — em qualquer pecado — e
recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado,
tornando impossível da sua parte a própria conversão e também,
consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não
essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de
ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não
permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou e
abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da
remissão dos pecados.
47. A acção do Espírito da verdade, que tende ao salvífico
«convencer quanto ao pecado», encontra no homem que esteja em tal
situação uma resistência interior, uma espécie de impermeabilidade
da consciência. um estado de alma que se diria endurecido em razão de
uma escolha livre: é aquilo que a Sagrada Escritura repetidamente
designa como «dureza de coração». [184] Na nossa época, a
esta atitude da mente e do coração corresponde talvez a perda do
sentido do pecado, à qual dedica muitas páginas a Exortação
Apostólica Reconciliatio et Paenitentia. [185] Já o Papa
Pio XII tinha afirmado que «o pecado do século é a perda do
sentido do pecado». [186] E esta perda vai de par com a
«perda do sentido de Deus». Na Exortação acima citada, lemos:
«Na realidade, Deus é a origem e o fim supremo do homem, e este
leva consigo um gérmen divino. Por isso, é a realidade de Deus que
desvenda e ilumina o mistério do homem. É inútil, pois, esperar
que ganhe consistência um sentido do pecado no que respeita ao homem e
aos valores humanos, quando falta o sentido da ofensa cometida contra
Deus, isto é, o verdadeiro sentido do pecado». [187]
É por isso que a Igreja não cessa de implorar de Deus a graça de
que não venha a faltar nunca a rectidão nas consciências humanas,
que não se embote a sua sensibilidade sã diante do bem e do mal.
Esta rectidão e esta sensibilidade estão profundamente ligadas à
acção íntima do Espírito da verdade. Sob esta luz, adquirem
particular eloquência as exortações do Apóstolo: «Não extingais
o Espírito!». «Não contristeis o Espírito Santo!».
[188] Mas sobretudo, a Igreja não cessa de implorar, com
todo o fervor, que não aumente no mundo o pecado designado no
Evangelho por «blasfêmia contra o Espírito Santo»; e, mais
ainda, que ele se desvie da alma dos homens — e como repercussão,
dos próprios meios e das diversas expressões da sociedade — deixando
espaço para a abertura das consciências, necessária para a acção
salvífica do Espírito Santo. A Igreja implora que o perigoso
pecado contra o Espírito Santo ceda o lugar a uma santa di
sponibilidade para aceitar a missão do Consolador, quando Ele vier
para «convencer o mundo quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto
ao juízo».
48. Jesus, no seu discurso de despedida, uniu estes três
domínios do «convencer», como componentes da missão do
Paráclito: o pecado, a justiça e o juízo. Eles indicam o âmbito
do «mistério da piedade», que na história do homem se opõe ao
pecado, ao mistério da iniquidade. [189] Por um lado, como
se exprime Santo Agostinho, está o «amor de si mesmo levado até ao
desprezo de Deus»; por outro, «o amor de Deus até ao desprezo de
si mesmo». [190] A Igreja continuamente eleva a sua oração
e presta o seu serviço, para que a história das consciências e a
história das sociedades, na grande família humana, não se rebaixem
voltando-se para o pólo do pecado, com a rejeição dos mandamentos
de Deus «até ao desprezo do mesmo Deus»; mas, pelo contrário,
se elevem no sentido do amor em que se revela o Espírito que dá a
vida.
Aqueles que se deixam «convencer quanto ao pecado» pelo Espírito
Santo, deixam-se também convencer quanto «à justiça e quanto ao
juízo». O Espírito da verdade que vem em auxílio dos homens e das
consciências humanas, para conhecerem a verdade do pecado, ao mesmo
tempo faz com que conheçam a verdade da justiça que entrou na
história do homem com a vinda de Jesus Cristo. Deste modo, aqueles
que, «convencidos quanto ao pecado», se convertem sob a acção do
Consolador, são, em certo sentido, conduzidos para fora da órbita
do «juízo»: daquele «juízo» com o qual «o Príncipe deste mundo
já está julgado». [191] A conversão, na profundidade do
seu mistério divino-humano, significa a ruptura de todos os vínculos
com os quais o pecado prende o homem, no conjunto do «mistério da
iniquidade». Aqueles que se convertem, portanto, são conduzidos
para fora da órbita do «juízo» pelo Espírito Santo», e
introduzidos na justiça, que se encontra em Cristo Jesus, e está
n'Ele porque a «recebe do Pai», [192] como um reflexo da
santidade trinitária. Esta justiça é a do Evangelho e da
Redenção, a justiça do Sermão da Montanha e da Cruz, que opera
a «purificação da consciência» mediante o Sangue do Cordeiro. É
a justiça que o Pai faz ao Filho e a todos aqueles que Lhe estão
unidos na verdade e no amor.
Nesta justiça o Espírito Santo, Espírito do Pai e do Filho,
que «convence o mundo quanto ao pecado», revela-se e torna-se
presente no homem, como Espírito de vida eterna.
|
|