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Depois de ter delineado a traços largos o papel importante que reveste
a solicitude por dar possibilidades de trabalho a todos os
trabalhadores, a fim de garantir o respeito dos direitos inalienáveis
do homem em relação com o seu trabalho, convém tratar mais de
perto, ainda que brevemente, de tais direitos que, no fim de contas,
se formam na relação entre o trabalhador e o dador directo de
trabalho. Tudo o que foi dito até agora sobre o tema do dador
indirecto de trabalho tem por fim precisar mais acuradamente estas
relações, mediante a apresentação daqueles múltiplos
condicionamentos, no meio dos quais indirectamente se formam as mesmas
relações. Esta consideração, contudo, não tem um intento
puramente descritivo; por outro lado, também não é um breve tratado
de economia ou de política. Trata-se apenas de pôr em evidência o
aspecto deontológico e moral. E o problema-chave da ética social,
neste caso, é o problema da justa remuneração do trabalho que é
executado. No contexto actual, não há maneira mais importante para
realizar a justiça nas relações entre trabalhadores e dadores de
trabalho, do que exactamente aquela que se concretiza na remuneração
do mesmo trabalho. Independentemente do facto de o trabalho ser
efectuado no sistema da propriedade privada dos meios de produção ou
num sistema em que a propriedade sofreu uma espécie de
«socialização», a relação entre o dador de trabalho (em primeiro
lugar o dador directo) e o trabalhador resolve-se à base do
salário, quer dizer, mediante a justa remuneração do trabalho que
foi feito.
Importa salientar também que a justiça de um sistema
sócio-económico e, em qualquer hipótese, o seu justo
funcionamento, devem ser apreciados, no fim de contas, segundo a
maneira como é equitativamente remunerado o trabalho nesse sistema.
Quanto a este ponto, nós chegamos de novo ao primeiro princípio de
toda a ordem ético-social, ou seja, ao princípio do uso comum dos
bens. Em todo e qualquer sistema, independentemente das relações
fundamentais existentes entre o capital e o trabalho, o salário, isto
é, a remuneração do trabalho, permanece um meio concreto pelo qual
a grande maioria dos homens pode ter acesso àqueles bens que estão
destinados ao uso comum, quer se trate dos bens da natureza, quer dos
bens que são fruto da produção. Uns e outros tornam-se acessíveis
ao homem do trabalho graças ao salário, que ele recebe como
remuneração do seu trabalho. Daqui vem que o justo salário se torna
em todos os casos a verificação concreta da justiça de cada sistema
sócio-económico e, em qualquer hipótese, do seu justo
funcionamento.
Não é o único meio de verificação, mas é particularmente
importante, ele é mesmo, num certo sentido, a verificação-chave.
Esta verificação diz respeito sobretudo à família. Uma justa
remuneração do trabalho das pessoas adultas, que tenham
responsabilidades de família, é aquela que for suficiente para fundar
e manter dignamente uma família e para assegurar o seu futuro. Tal
remuneração poderá efectuar-se ou por meio do chamado salário
familiar, isto é, um salário único atribuído ao chefe de família
pelo seu trabalho, e que seja suficiente para as necessidades da sua
família, sem que a sua esposa seja obrigada a assumir um trabalho
retribuído fora do lar; ou então por meio de outras medidas sociais,
como sejam abonos familiares ou os subsídios para as mães que se
dedicam exclusivamente à família, subsídios estes que devem
corresponder às necessidades efectivas, quer dizer, ao número de
pessoas a seu cargo e durante todo o tempo em que elas não estejam em
condições de assumir dignamente a responsabilidade da sua própria
vida.
A experiência confirma que é necessário aplicar-se em prol da
revalorização social das funções maternas, dos trabalhos que a elas
andam ligados e da necessidade de cuidados, de amor e de carinho que
têm os filhos, para se poderem desenvolver como pessoas
responsáveis, moral e religiosamente amadurecidas e psicologicamente
equilibradas. Reverterá em honra para a sociedade o tornar possível
à mãe — sem pôr obstáculos à sua liberdade, sem discriminação
psicológica ou prática e sem que ela fique numa situação de desdouro
em relação às outras mulheres — cuidar dos seus filhos e dedicar-se
à educação deles, segundo as diferentes necessidades da sua idade.
O abandono forçoso de tais tarefas, por ter de arranjar um trabalho
retribuído fora de casa, é algo não correcto sob o ponto de vista do
bem da sociedade e da família, se isso estiver em contradição ou
tornar difíceis tais objectivos primários da missão materna.
Nesta ordem de ideias, deve realçar-se que, numa visão mais
geral, é necessário organizar e adaptar todo o processo do trabalho,
de tal sorte que sejam respeitadas as exigências da pessoa e as suas
formas de vida, antes de mais nada da sua vida doméstica, tendo em
conta a idade e o sexo de cada uma delas. É um facto que, em muitas
sociedades, as mulheres trabalham em quase todos os sectores da vida.
Convém, no entanto, que elas possam desempenhar plenamente as suas
funções, segundo a índole que lhes é própria, sem
discriminações e sem exclusão dos empregos para que tenham
capacidade, como também sem faltar ao respeito pelas suas aspirações
familiares e pelo papel específico que lhes cabe no contribuir para o
bem comum da sociedade juntamente com o homem. A verdadeira promoção
da mulher exige que o trabalho seja estruturado de tal maneira que ela
não se veja obrigada a pagar a própria promoção com o ter de
abandonar a sua especificidade e com detrimento da sua família, na
qual ela, como mãe, tem um papel insubstituível.
Ao lado do salário, entram em jogo aqui neste ponto ainda outras
subvenções sociais que têm como finalidade assegurar a vida e a
saúde dos trabalhadores e a das suas famílias. As despesas
relacionadas com as necessidades de cuidar da saúde, especialmente em
caso de acidentes no trabalho, exigem que o trabalhador tenha
facilmente acesso à assistência sanitária; e isto, na medida do
possível, a preços reduzidos ou mesmo gratuitamente. Um outro
sector respeitante às subvenções é o daquilo que anda ligado ao
direito ao repouso; trata-se aqui, antes de mais nada, do repouso
semanal regular, compreendendo pelo menos o domingo, e além disso de
um repouso mais longo, as chamadas férias, uma vez por ano ou,
eventualmente, algumas vezes durante o ano, divididas por períodos
mais breves. E trata-se, ainda, do direito à pensão de
aposentadoria ou reforma, ao seguro para a velhice e ao seguro para os
casos de acidentes de trabalho. E no âmbito destes direitos
principais desdobra-se todo um sistema de direitos particulares:
juntamente com a remuneração do trabalho, eles são o índice de uma
correcta ordenação das relações entre o trabalhador e o dador de
trabalho. Entre estes direitos, há que ter sempre presente o direito
a dispor de ambientes de trabalho e de processos de laboração que não
causem dano à saúde fisica dos trabalhadores nem lesem a sua
integridade moral.
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