4.9. A Ambivalência da Ciência

Se é certo que a ciência - ao contrário da Filosofia - comporta aplicações práticas, é certo também que - igualmente pela própria natureza das coisas - não compete a ela, mas à Filosofia, distinguir entre o bom e mau uso dos conhecimentos científicos, o significado para o homem que trazem consigo[331].

A Filosofia, como dissemos alhures[332], transcende o âmbito dos aspectos parciais (próprio das ciências particulares) e situa-se no do homem enquanto homem.

Desse modo, quando falamos em "bom" deste ou daquele particular ponto de vista, devemos lembrar-nos de que se trata de um "bom" relativo e que, estritamente falando, bom é somente o que se conforma com o homem visto enquanto totalidade de seu ser pessoal.

Até que ponto essa lembrança é hoje oportuna e onde pode levar-nos a moderna miopia cientificista, tudo isso torna-se muito claro quando consideramos dois breves depoimentos contemporâneos (tipicamente contemporâneos) recolhidos por Pieper[333].

O primeiro expressa o que sentiam alguns físicos ante a possibilidade de construir a bomba atômica do ponto de vista técnico um trabalho fascinante ("From a technical point of view it was a sweet and lovely and beautiful job")[334].

"Uma mera tarefa de desenvolvimento da ciência". Desse modo o inventor da napalm - é o segundo depoimento - interpretou seu trabalho quando confrontado com fotografias de homens queimados pela sua bomba. Uma tarefa que ele se declarava disposto a reassumir a qualquer momento.

Talvez o mais grave em tudo isto seja o fato de que nosso tempo mal consiga expressar o que há de errado nesses inquietantes depoimentos: que estamos hipertrofiando aspectos parciais e deixando de ver o essencial, inacessível à ciência.