4.10. A Estrutura de Esperança

Se bem atentarmos para o que ficou dito nos tópicos anteriores, repararemos que a admiração, o mistério, o filosofar e o próprio homem têm - em razão da criação - uma estruturação comum; uma estrutura dúplice que comporta um elemento positivo e outro negativo, o que Pieper denomina Hoffnungsstruktur, estrutura de esperança[335].

A forma íntima do filosofar é praticamente idêntica à forma interna da admiração. (...) A admiração comporta um aspecto negativo e outro positivo. O aspecto negativo consiste em que aquele que admira não sabe, não compreende; não conhece o que está "por trás" ou, como diz Santo Tomás, "a causa daquilo que admiramos nos é desconhecida" (S. Th., I-II, 32, 8). Portanto, quem admira não sabe, ou não sabe perfeitamente. (...)

Nessa estreita união entre "Sim e Não" manifesta-se que a admiração tem a mesma "estrutura de esperanca". O arcabouço da esperança é próprio do ato de filosofar, como o é da própria existência humana. Somos essencialmente viatores, caminhantes, que ainda não são.

Quem poderia dizer que possui já o ser que lhe está reservado? "Não somos, esperamos ser", diz Pascal. Pelo fato de a admiração ter o mesmo arcabouço que a esperanca, pode-se ver o quanto ela pertence à própria natureza humana[336].

A esperança situa-se intermediariamente entre o não ter em absoluto e o já ser possuidor: a esperança não é o mero carecer nem possuir.

Daí que Pieper - de forma admiravelmente concisa: duas palavras apenas - a caracterize como um noch nicht, "o intrínseco e entitativo 'ainda não' da criatura"[337], destacando-se, para o nosso caso, "a estrutura de esperança do conhecer criatural"[338] (evidentemente, com o termo estrutura, não se quer indicar aqui algo de rígido)[339].

Uma questão científica pode receber uma resposta clara, precisa e definitiva; uma questão filosófica (quem pode dizer que sabe plenamente "em si e em suas últimas razões" o que é o homem, o amor, ou o "ter"?) sempre manifesta o "ainda não" do homem, que tal como Eros - que também simboliza o filosofar - é "filho de Poro e de Penia, ou seja, da riqueza e da indigência, (...) nunca é rico nem pobre, e se encontra sempre a meio caminho da sabedoria e da ignorância"[340].

E, assim, a Filosofia não pode ser um sistema fechado, "a pretensão de possuir a 'fórmula do mundo' é antifilosófica e pseudofilosófica"[341], pois o filosofar e o homem são "estar a caminho", esperança, "ainda não", filhos de Poro e Penia.