4.12. O Ensinar e o Aprender

Sendo o objetivo deste trabalho estabelecer um paralelismo entre o filosofar e o educar, agora que vamos tratar das características do professor universitário (além das que já foram analisadas), cumpre recordar que, tanto no caso do educar como no do filosofar, o fundamental é uma atitude humana, que nenhuma metodologia pode conferir.

Aqui (na atitude do autêntico professor) situa-se algo que escapa totalmente ao âmbito "metodológico" da "didática", da habilidade pedagógica, ou antes, aqui liga-se o que se pode adquirir metódica e disciplinadamente, a arte pedagógica, com algo muito mais profundo e que propriamente não se pode aprender[346].

Essa atitude do genuíno professor, que nenhuma cadeira de Faculdade de Pedagogia pode por si ensinar, será objeto da análise de Pieper a partir de um caso concreto, o professor por excelência, S. Tomás de Aquino.

Pieper, como dissemos[347], nunca filosofa "em abstrato" e, quando se trata de refletir sobre atitudes humanas (como a de quem ensina), o fenômeno, o que nos é manifestado, está aí realizado na vida dos homens. Pieper, a seu modo, faz em suas reflexões o mesmo que observou a respeito da obra de Platão: que não separa as teses filosóficas do personagem vivo e concreto[348]. Pieper analisa o que é ensinar a partir de S. Tomás de Aquino, que foi "essencialmente um professor" que realizou em si as características essenciais do verdadeiro e grande mestre, de maneira intensa e apaixonada[349].

É escusado dizer que a doutrina de S. Tomás sobre o ensinar é compartilhada por Pieper.

Ensinar é, diz S. Tomás, uma das formas mais elevadas e perfeitas da vida espiritual, pois no ensino se enlaçam as duas formas fundamentais da existência humana: a vita contemplativa e a vita activa.

E isto não como uma justaposição externa artificial, mas de forma orgânica, natural e por necessidade interna[350].

O aspecto contemplativo se dá porque o autêntico professor volta-se para a verdade das coisas: é a dimensão contemplativa do ensinar, a dimensão do silêncio que ouve: "voltar-se apaixonadamente para a verdade das coisas (...) é o primeiro pressuposto do grande professor", sem o qual "não se pode sequer pensar em ensino no sentido maior e genuíno"[351].

De modo muito sucinto, ao longo do artigo "Thomas von Aquin als Lehrer", Pieper indica as características contemplativas do mestre: a capacidade de abrir-se para a verdade das coisas; de ouvir silenciosamente a realidade; de, com simplicitas, abrir-se para o todo e reconhecer o mistério do ser[352].

Essa simples enumeração já basta para que se torne evidente o filosofar no mestre. Um pressuposto que se faz necessário, dada a própria natureza do homem e a da educação:

A formação se dirige ao todo: culto e formado é aquele que sabe o que acontece com o mundo em sua totalidade. A formação atinge o homem todo enquanto é capax universi, enquanto é capaz de apreender a totalidade das coisas que são[353].

Ora, numa filosofia como a de Pieper, o abalo da admiração está na base "de todo conhecimento profundo e não só do filosofar"[354], e então é necessário, pela própria natureza das coisas, que o aluno seja guiado a descoblir esse caráter admirável da matéria de que se trata (evidentemente, com isto não estamos nos referindo ao fato banal de que o professor deve tornar a matéria amena e interessante)[355].

"O sentido íntimo do aprender consiste no conhecimento do mundo real e de sua estrutura" e, por isso, para que haja verdadeira aprendizagem é necessário que o aluno seja guiado pelo caminho da admiração, de percepção do mirandum, onde o mundo perde seu caráter evidente e quotidiano[356].

Ora, o que é a admiração senão a arché, o princípio do filosofar? Deste modo, já nos fundamentos da atitude do verdadeiro ensinar e do verdadeiro aprender encontramos componentes do ato de filosofar: o voltar-se para a verdade das coisas e a admiração.

Pois do professor se exige - também dele - a capacidade de admirar- se. A admiração não é apanágio do aluno, que reflete sobre aquele tema por vez primeira. Precisamente um dos momentos em que a filosofia do ensino de Pieper toma-se mais penetrante é quando trata da comunicação professor-aluno: nessa mútua relação, cada um se apropria do que, em princípio, era só do outro.

Assim, o professor deve ter o carisma de algo muito mais profundo do que o mero domínio de "técnicas didáticas": deve ser capaz, tal como Tomás de posicionar-se com os principiantes[357]. "É justamente isto o que caracteriza o professor: que ele se esforça e consegue e sai-se bem na tarefa de não só falar e formular, mas pensar a partir da situação do primeiro encontro"[358].

No contato com os alunos, o mestre adquire a simplicidade e a capacidade de admirar a realidade sem no entanto perder a maturidade e a experiência do espírito formado[359], uma simplicitas de atitude que deve se transformar em simplicitas de comunicação[360].

O segredo desse aparente paradoxo está no amor, que torna o mestre capaz de conjugar toda sua experiência com uma "amorosa identificação com os que começam"[361].

No seu livro sobre o amor, Pieper ensina que

a proximidade entre "amor" e "ser igual" expressada na mesma palavra[362] traz à luz um componente de significação que a princípio nos era mais ou menos oculto, mas que depois não nos surpreende e de que até já tínhamos suspeitado e quase mesmo sabido com certeza: que o amor inclui sempre um recíproco voltar-se entre amante e amado e repousa sobre esse voltar-se[363].

Do mesmo modo, aprender (sempre que se trate do genuíno aprender) é crescer numa realidade em que o estudante não teria ingresso, mas que lhe é tornada acessível por sua união confiada com o mestre, "pela identificação amorosa com quem ensina"[364].

Como dissemos, tudo isto não é formulado abstratamente. Pieper pensa no caso paradigmático de S. Tomás (sobretudo a partir do que diz sobre o voltar-se para os principiantes, no prólogo da Summa Theologica) e, também, sem o dizer, na sua própria experiência de brilhante professor. É interessante observar que Pieper desenvolve essas teses, também ele, dirigindo-se aos principiantes no livro Thomas von Aquin: Leben und Werk, um livro escrito "em linguagem mais próxima da oral que da escrita. É a redação, só ligeiramente modificada, de aulas para alunos procedentes de diversas faculdades"[365].

Certamente o professor deve cultivar a técnica didática; mas sempre o que é essencial, o que indica a qualidade do mestre "não é algo que vem de fora, mas sim algo que está impresso no mais íntimo de seu ser"[366] e uma metodologia só é verdadeiramente válida quando se liga vitalmente à atitude de voltar-se para a realidade[367].

Naturalmente, não pretendemos que haja na obra de Pieper uma identificação simples entre o filosofar e o ensinar. Não, "há grandes pensadores e pesquisadores que não têm a capacidade ou o desejo de se comunicar pelo ensino"[368].

O que, sim, se depreende da obra de Pieper é que o professor (o verdadeiro e genuíno professor e na medida em que seu ensino supera a mera instrução) tem a atitude do filosofar: abertura à verdade das coisas, admirar-se sempre de novo com a realidade, etc. Uma atitude que, no caso do mestre, se mantém continuamente jovem também pela identificação amorosa com os que começam.

Tal como para a educação moral (de que aqui não nos ocuparemos), toda educação em geral é algo que parte de dentro do próprio educando[369].

A formação humana é resumida por Pieper como um Selbstverwirklichungsvorgang[370]; e ao afirmar este processo de auto-realização, Pieper mantém uma posição equilibrada e harmônica, pois tal processo não é caótico nem aleatório: deve voltar-se (caso queiramos uma realização autenticamente humana) não para os caprichos de uma mal entendida "criatividade", mas para a descoberta da realidade objetiva[371].