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Se bem atentarmos para o que ficou dito nos tópicos anteriores,
repararemos que a admiração, o mistério, o filosofar e o próprio
homem têm - em razão da criação - uma estruturação comum; uma
estrutura dúplice que comporta um elemento positivo e outro negativo,
o que Pieper denomina Hoffnungsstruktur, estrutura de
esperança[335].
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A forma íntima do filosofar é praticamente idêntica à forma interna
da admiração. (...) A admiração comporta um aspecto negativo e outro
positivo. O aspecto negativo consiste em que aquele que admira não
sabe, não compreende; não conhece o que está "por trás" ou, como diz
Santo Tomás, "a causa daquilo que admiramos nos é desconhecida" (S.
Th., I-II, 32, 8). Portanto, quem admira não sabe, ou não sabe
perfeitamente. (...)
Nessa estreita união entre "Sim e Não" manifesta-se que a admiração
tem a mesma "estrutura de esperanca". O arcabouço da esperança é
próprio do ato de filosofar, como o é da própria existência humana.
Somos essencialmente viatores, caminhantes, que ainda não são.
Quem poderia dizer que possui já o ser que lhe está reservado? "Não
somos, esperamos ser", diz Pascal. Pelo fato de a admiração ter o
mesmo arcabouço que a esperanca, pode-se ver o quanto ela pertence à
própria natureza humana[336].
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A esperança situa-se intermediariamente entre o não ter em absoluto e
o já ser possuidor: a esperança não é o mero carecer nem possuir.
Daí que Pieper - de forma admiravelmente concisa: duas palavras
apenas - a caracterize como um noch nicht, "o intrínseco e entitativo
'ainda não' da criatura"[337], destacando-se, para o nosso caso, "a
estrutura de esperança do conhecer criatural"[338] (evidentemente,
com o termo estrutura, não se quer indicar aqui algo de
rígido)[339].
Uma questão científica pode receber uma resposta clara, precisa e
definitiva; uma questão filosófica (quem pode dizer que sabe
plenamente "em si e em suas últimas razões" o que é o homem, o amor,
ou o "ter"?) sempre manifesta o "ainda não" do homem, que tal como
Eros - que também simboliza o filosofar - é "filho de Poro e de
Penia, ou seja, da riqueza e da indigência, (...) nunca é rico nem
pobre, e se encontra sempre a meio caminho da sabedoria e da
ignorância"[340].
E, assim, a Filosofia não pode ser um sistema fechado, "a pretensão
de possuir a 'fórmula do mundo' é antifilosófica e
pseudofilosófica"[341], pois o filosofar e o homem são "estar a
caminho", esperança, "ainda não", filhos de Poro e Penia.
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