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Para ajudar a compor o quadro da mundividência de Pieper, parece-nos
oportuna esta breve nota sobre festa, amor e arte; na qual seguiremos
o caminho do discurso Die musischen Künste und das Fest.
Como em outras ocasiões, propõe à consideracão a trágica pergunta do
penetrante verso de Hölderlin: "Wozu Dichter in dürftiger Zeit? -
Para que poetas em tempos de penúria?"[175]
Após esclarecer que a pergunta se refere a todas as artes (e não só à
poesia) e que, na realidade, não se trata de uma autêntica pergunta
mas de uma afirmação, Pieper assente às intuições expressas no poema:
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Qualquer que seja a interpretação concreta que se dê, o sentido das
estrofes (de Brot und Wein) é muito claro: a pobreza existencial do
homem consiste na incapacidade de celebrar festivamente uma
festa[176].
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Mas a incapacidade para a festa é ainda algo de provisório:
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Se analisarmos com precisão, Hölderlin diz algo ainda mais radical:
ele fala de louvor de culto, de louvor a Deus, que é a forma extrema
que existe de aprovação da realidade[177].
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E só aí atinge-se a raiz não só do festejar como também da lamentada
penúria dos tempos. A quem objetasse que é abusivo lançar mão da
Teologia - a exigência de dizer "Sim e Amém" ao mundo e à totalidade
da existência - para a compreensão de algo tão simples como uma
festa, Pieper responde com uma pergunta: Poderia celebrar mesmo uma
simples festa de aniversário quem estivesse seriamente convencido,
com Jean-Paul Sartre, de que é absurdo que tenhamos nascido, absurdo
que existamos?[178]
Toda verdadeira festa vive da afirmação, da aprovação, ou, o que é o
mesmo (e com isso alcançamos um dos pontos mais reiterados por
Pieper), do amor.
Pois amor, em todas as suas formas, significa precisamente afirmar e
aprovar, por-se diante do que é amado e dizer: "Que bom que
existes!"[179]
A fronteira da Teologia nunca está longe, especialmente no que se
refere a esses temas: é uma velha verdade teológica que a Criação é
obra de toda a Trindade. Do poder do Pai, sim, mas pela Inteligência
do Verbo e pelo Espírito de amor que, já no início dos tempos,
profere a sentença criadora: "É bom que existas!"[180]
Se não há amor, se não há essa sintonia de aprovação ao mundo, não só
não há festa como também não há arte. As musas são companheiras de
festa e a festa, um dom da divindade aos homens[181]. Pieper -
parafraseando Hölderlin - ajunta: "Para que companheiras de festa se
não há festa?"[182]
E em Zustimmung zur Welt: "É claro que o invisível da festa - o
louvor de culto que brota do mais íntimo - só pode adquirir forma
concreta no âmbito das artes e de nenhum outro modo"[183].
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