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Prosseguindo na exploração do filosofar, encontraremos outros
elementos que constituem também temas centrais da Filosofia da
Educação e da Antropologia Filosófica.
Um desses elementos essenciais, que pode até ser entendido como a
própria definição do filosofar[237] é a abertura para o todo, nota
que integra também a essência do Homem[238] e a da
Universidade[239].
A Universidade, como todas as grandes instituições que pautam a vida
social dos homens, recolhe em si grandes experiências que o homem tem
da realidade e de si mesmo, experiências que não estão a nível
consciente, antes condensam-se nas instituições[240].
O trabalho do filósofo, que pergunta pelo ser "em Si mesmo e em suas
últimas razões", no caso, pelo ser da Universidade, é penetrar para
além da película superficial do modo fático[241] como se apresentam
as Universidades e, "para além dos resultados da estatística social",
procurar "a essência e a nota distintiva de que é Acadêmico"[242].
Captar as experiências, as grandes e fundamentais experiências
existenciais que se fundiram na instituição universitária e que se
tornaram mais ou menos invisíveis[243].
Como mostramos anteriormente, a propósito do caráter filosófico-
teorético, a Universidade surge e se mantém como herdeira direta da
Academia de Platão.
É certo que o termo "Universidade", por ocasião do surgimento das
universidades, tem inicialmente um significado sociológico (grêmio,
corporação de mestres e estudantes) e depois, muito cedo, também o
significado de universitas litterarum[244]. "Universidade" liga-se a
"um termo fundamental da linguagem humana: universum" que, por sua
vez, indica a profunda unidade da totalidade do real[245]. E é isto,
em que pesem todas as naturais e profundas diferenças, que une a
Universidade de hoje à medieval e à Academia de Platão.
O texto-chave que expressa a grande intuição, a grande experiência de
Platão, que até hoje marca a diferença específica do ideal de
Universidade, encontra-se na República, quando Platão aponta como
característica fundamental do verdadeiro filósofo o permanente
impulso "para alcançar o todo das coisas divinas e humanas em
universal"[246].
Como dizíamos, não deve causar surpresa, ao leitor de Pieper, que o
texto fundamental sobre a Universidade seja uma afirmação sobre o
filosofar, e mais, uma sentença que expressa ao mesmo tempo "a
própria natureza do espírito humano"[247].
Quanto ao filosofar, diz Pieper: "A totalidade do ente é o objeto da
teoria filosófica: por filosofar não se entende outra coisa que não a
consideração do todo na realidade"[248].
Uma tal formulação não deve ser mal entendida: certamente a pergunta
filosófica pode versar sobre uma realidade particular e não
necessariamente sobre o tema formalmente assumido da totalidade do
real. Mas, "não é possível perguntar ou pensar filosoficamente sem
que entre em jogo a totalidade do ser, a universalidade das coisas,
'Deus e o mundo'"[249]. É esse um ponto decisivo para a distinção
entre a Filosofia e as ciências particulares. Alfred North Whitehead
- certamente um mestre do rigor lógico - caracterizou a Filosofia do
seguinte modo: "The philosophy asks the simple question: what is it
all about?" e o problema que se coloca a quem filosofa é "to conceive
a complete fact"[250].
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Se se trata, por exemplo, do problema da liberdade humana, em lugar
de a estudar simplesmente sob seus aspectos psicológicos, jurídicos,
é necessário (para quem filosofa) que se considere 'em si mesma' de
todo ponto de vista pensável[251].
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Já quem pensa cientificamente se limita a considerar seu objeto sob
um aspecto particular: "Enquanto saber especializado toda ciência
está feita de formulações que dizem respeito a um aspecto determinado
sob o qual ela considera o real; cada ciência existe, por assim
dizer, em função dos limites que a separam das outras
ciencias''[252]. Não entram aí em jogo Deus e o mundo[253].
Tomemos como exemplo a distinção que Pieper - em dois livros
diferentes - indica entre o tratamento científico e o filosófico de
um mesmo tema: a morte.
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Na medida em que me interrogo, sob o ponto de vista fisiológico, o
que acontece quando morre um homem, quer dizer, na medida em que,
como cientista, eu formulo um aspecto parcial, não só não estou
obrigado a falar de "Deus e o mundo", como isso nem sequer me é
permitido: seria algo claramente não-científico[254].
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Já no seu próprio tratado filosófico sobre a morte, onde a pesquisa
não se faz do ponto de vista clínico científico, mas é filosófica (e
a Filosofia não tem um ponto de vista, mas é abrir-se para a
totalidade), então o filósofo deve imbuir-se da
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firme vontade de tomar em consideração absolutamente todos os
aspectos a nosso alcance, que possam de alguma forma dizer-nos algo
sobre o fenômeno da morte ou, pelo menos, não deixar de lado nada do
que for capaz de dar-nos alguma informação; sejam os dados
procedentes da fisiologia clínica, da patologia, ou da experiência do
médico, do sacerdote ou do capelão de prisões, ou o que se possa
obter da legítima tradição sagrada[255].
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enfim, a experiência humana onde quer que se encontre.
Decorre dessa linha de pensamento uma distinção extremamente
importante que Pieper estabelece sobre os diferentes critérios de
rigor e os diferentes modos de "ser crítico" que vigem para a Ciência
e para o filosofar: "Há, claramente, duas formas de 'ser
crítico'"[256].
E, na conferência Über den Glauben, explica:
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Há uma forma muito especial de "ser crítico", diferente da atitude
crítica que, legitimamente, vige no âmbito da ciência. Para o
cientista, quer dizer, para aquele que procura uma resposta exata
para uma determinada questão particular, ser crítico significa: não
admitir como válido nada que não tenha sido comprovado, 'não deixar
passar nada' (nichts durchlassen). Mas para aquele que indaga pelas
conexões totais, pelo último significado do mundo e da existência,
isto é, para aquele que crê - e, aliás, também para quem filosofa -
ser crítico é algo de fundamentalmente diferente: a saber, com a
máxima vigilância ocupar-se de que do todo do real e do verdadeiro
nada lhe escape. O cientista diz "anichts durchlassen"; quem filosofa
e quem crê diz: "nichts auslassen", não deixar de considerar
nada[257].
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Como é óbvio, Pieper não faz nenhuma identificação entre fé e
filosofar, pois este é tarefa "metodicamente disciplinada" do
pensamento[258].
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