Luiz Jean Lauand

O QUE É UMA UNIVERSIDADE?

INTRODUÇÃO


1. Sobre o Presente Trabalho

Quando se coloca a questão "O que é uma Universidade?", e isto procurando não a realidade meramente fática, mas a verdadeira realidade[1], no caso, o que deve ser uma Universidade, tal como em qualquer questão de Filosofia da Educação, é para o homem que devemos nos voltar.

Pois a Filosofia da Educação é sempre algo derivado e relativo, decorre da Antropologia Filosófica. E, se filosofar é perguntar pelo ser, a questão sobre o ser da Universidade pressuporá necessariamente a indagação pelo ser do homem.

Como se dá, porém, concretamente, tal ligação?

No caso de Pieper - e mostrar isto é o objetivo deste trabalho -, essa conexão ocorre a partir do conceito de filosofar.

A estrutura do filosofar é a mesma que a da existência humana:

Com efeito, pergunto-me se não é necessário aceitar e assumir esta relação (que, reconheço, não pode ser apreendida com grande precisão) entre a estrutura intrínseca da existência humana e a do ato filosófico[2].

E, além disso, também a estrutura da educação universitária é a mesma que a do filosofar:

Falar do lugar e do direito da Filosofia é, ao mesmo tempo, falar de nada mais nada menos que do lugar e do direito da Universidade, da formação acadêmica[3].

Pieper tratou expressamente da Filosofia da Universidade apenas em pequena parte de sua imensa obra, principalmente nos dois pequenos ensaios: Was heisst Akademisch? e Offenheit für das Ganze. Ajunte-se a esses estudos o artigo "Thomas von Aquin als Lehrer" e algumas outras poucas observações esparsas e teremos tudo o que Pieper diz diretamente sobre Filosofia da Educação.

É pouco, mas altamente denso, oportuno e necessário. Sobretudo numa época de desorientação como a nossa, nada nos parece mais atual que ouvir a palavra dos antigos - Platão, Aristóteles e S. Tomás - na correta e límpida interpretação de Pieper, totalmente voltada para a "verdade das coisas"' e procurando mostrá-la claramente para o homem de hoje.

Nosso trabalho consiste em recolher e apresentar essa Filosofia da Universidade em articulação - e aí reside primordiamente sua originalidade - com o quadro maior da Antropologia Filosófica de Pieper, através de conceito de filosofar, central em sua obra.

Se o filosofar em qualquer caso envolve a consideração da totalidade do real, "Deus e o mundo"[4], isso é válido especialmente quando é sobre o próprio filosofar que filosofamos[5].

Não deve causar estranheza, portanto, que ao longo deste trabalho - onde se analisa o entrelaçamento de assuntos como Universidade, filosofar e homem num filósofo assistemático como Pieper - encontrem- se referências a temas e obras que, à primeira vista, pareçam alheios à Filosofia da Universidade.

Dada, pois, a decisiva importância do tema, compreende-se a necessidade de um capítulo (Cap. 1) onde se indique o sentido e o lugar que a questão do filosofar tem em Pieper. Filosofar, entendido como espírito, o que é algo de muito diferente da Filosofia entendida como matéria (que pode ou não estar animada pelo espírito do filosofar).

No Cap. 2 - também prévio aos dedicados expressamente à Filosofia da Educação (Caps. 3 e 4) -, situamos o leitor diante do modo pieperiano de filosofar apontando as principais de suas características: o voltar-se para o fenômeno, para o diálogo, para a linguagem comum. E, em dois tópicos finais desse capítulo, apresentamos e discutimos a especial relação do filosofar de Pieper com os filósofos antigos e medievais (especialmente S. Tomás de Aquino) e com a Teologia.

A tese de que a Universidade tem (deve ter) caráter filosófico encontra-se esmiuçada nos Caps. 3 e 4, onde se analisam uma a uma as diversas características do filosofar (sua origem e seu fim, suas condições e sua natureza) relacionando-as, como dizíamos, com a Antropologia Filosófica e visando a Filosofia da Educação.

Das diversas características desse espírito destacam-se duas, que deram origem aos títulos dos Caps. 3 e 4, respectivamente: o caráter livre do filosofar (e, portanto, a correspondente Pedagogia das Artes Liberais) e o filosofar (e a Universidade) como abertura para o todo.

Da primeira, encontramos um excelente resumo em Ruy Nunes:

O filósofo alemão Josef Pieper escreveu belo e sugestivo ensaio, Was heisst Akademisch? (. ..) Segundo Pieper, a natureza íntima da escola platônica deve ser o princípio formal interno das instituições acadêmicas, e tal natureza íntima consistia no modo filosófico de encarar o mundo. Por isso, embora nas universidades modernas se estudem muitas ciências diferentes com objetivos práticos, profissionais, o que deve caracterizar o estudo nessas academias é o espírito filosófico, indagador, universalista e crítico. Acadêmico, explica Pieper, significa filosófico, e um estudo sem filosofia não é um estudo acadêmico. Este consiste na atitude teórica de busca da verdade sem a preocupação imediatista do uso, da prática, do lucro. Além disso, para que o estudo numa faculdade voltada para objetivos práticos como as de medicina e engenharia, seja filosófico, não basta que figure no seu currículo alguma disciplina filosófica, mas é preciso que os seus mestres sejam animados pelo eros filosófico, é necessário que se perceba na universidade algo mais que a pura preocupação com o resultado útil e imediato[6].

Prosseguindo nessa linha, no Cap. 4, dedicado à "abertura para a totalidade", apontamos como tal nota é, ao mesmo tempo, distintiva do ato filosófico (em relação às ciências particulares), do homem (enquanto ser espiritual) e da Universidade. Nesse capítulo, insistimos no caráter filosófico da Universidade, contrastando em diversos aspectos o conhecimento filosófico com o científico. Analisamos também a admiração como princípio e o mistério como condição do filosofar.

E - como não poderia deixar de ser, em se tratando de um livro sobre Pieper - mostramos o caráter basilar de seu denso conceito de Criação, determinante ao mesmo tempo da cognoscibilidade do real para o homem e do elemento negativo na mundividência de Santo Tomás de Aquino e na de Pieper. Determina também a "estrutura de esperança" do filosofar e do próprio homem, enquanto "ser que se torna".

Culmina o capítulo com a consideração das notas que compõem o autêntico ensinar e aprender universitários, através da análise do caso paradigmático de Tomás de Aquino.

No tópico final contemplamos o sofista como antítese do acadêmico, sobretudo no que se refere à atitude de reverência diante da Criação.

Desse modo julgamos atingir o objetivo que nos propusemos: mostrar o caráter filosófico que a Universidade tem na obra de Josef Pieper.