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Quando se contempla a obra filosófica de Pieper e se constata que
versa sobre assuntos tão variados como Metafísica, Filosofia da
História, Ética etc., é natural que o pesquisador indague sobre a
existência de possíveis constantes por detrás dessa multiforme
variedade: Que há de comum (se é que há algo de comum...) em temas
aparentemente tão distantes como por exemplo: o que é filosofar, o
que é a virtude, ou ainda, um estudo sobre o princípio metafísico da
verdade das coisas?[35]
Sim, há um tema constante que subjaz a estes e a todos os demais
escritos pieperianos: o homem, a Antropologia Filosófica.
E é que - e com isto tocamos um dos traços mais característicos de
Pieper - à temática fundamental, o homem, chega-se por caminhos
indiretos.
Não se trata de uma questão de estilo, mas de uma convicção de que
isto é assim, deve ser assim, pela própria natureza das coisas.
É certo que o filosofar, também o filosofar sobre o homem, procede da
experiência. Mas como é essa experiência, como são as experiências
que podemos ter sobre o ser humano? Pieper, citando Alfred N.
Whitehead[36], comenta:
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Que quer dizer experiência? (...) Um conhecimento com base num
contato direto com a realidade (...) Mas os resultados que obtemos
não desaparecem quando cessa o ato de experiência; acumulam-se e
conservam-se: nas grandes instituições, no agir dos homens e no
fazer-se da linguagem[37].
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E, prossegue Pieper, é através da reflexão filosófica sobre a
linguagem, sobre o que fazem os homens - por exemplo, o próprio ato
de filosofar -, sobre as grandes instituições (como a Universidade),
que encontraremos resposta à questão "o que é o homem?" (na medida em
que esta questão admita resposta...)
Não surpreende, portanto, que já o primeiro parágrafo de Offenheit
für das Ganze[38] faça considerar que apesar de (ou antes,
precisamente por) se tratar da análise de uma instituição (e a
Universidade é, deve ser, para Pieper, a realização do espírito do
filosofar) é, no fundo, do homem que se está tratando:
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As grandes instituições costumam ser também expressões de uma ampla
experiência que nela se funde e, portanto, em certa medida também se
esconde (...) Porém, quando se trata das grandes experiências que o
homem tem consigo mesmo e com o mundo, experiências que condicionam
sua vida não se pode dizer - sejam quais forem as circunstâncias -
que possam ser apanhadas ao bel-prazer e formuladas; de nenhum modo
estão ao alcance da consciência reflexiva[39].
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À eventual objeção: como é possível que uma experiência não seja
imediatamente captável pela consciência reflexiva?, Pieper responde
em Über das Ende der Zeit:
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Há muitas classes de experiências (...) Há, além disso, experiências
cujo conteúdo pode ser expresso e conhecido claramente por quem as
faz e outras cujo objeto não pode ser expresso e "realizado" em
seguida, mas permanecem, por assim dizer, latentes. (...) Por
exemplo, eu nunca teria podido predizer como se comportariam numa
situação excepcional e extrema, pessoas a mim chegadas. Mas, no
momento em que vivo esta situação não me surpreendo com sua reação;
sem o saber já a esperava. Já antes tinha captado nessas pessoas
qualquer coisa de sua mais profunda intimidade[40].
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Isto fica ainda mais claro em Über den Begriff der Sünde:
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Em todos os fatos fundamentais da existência sabemos muito mais do
que "sabemos". E cita, endossando, Friedrich von Hügel: "Não se trata
tanto do que alguém julga que pensa mas do que realmente pensa... o
que talvez só venha a descobrir - para sua própria surpresa - por
ocasião de um forte abalo existencial[41].
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Não só a Universidade, também o tema "O que é filosofar?" é, no
fundo, essencialmente antropológico:
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Tal questão ("o que significa filosofar?") não é uma indagação
preliminar; é, eminentemente, uma questão filosófica, que nos situa
no próprio centro da Filosofia. Mais exatamente: nada posso dizer
sobre a essência da Filosofia e do filosofar sem, ao mesmo tempo,
fazer uma afirmação sobre a essência do homem[42].
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Os exemplos deste acesso indireto ao ser do homem poderiam se
multiplicar[43]. Tomemos o caso extremo: a obra cujo título,
aparentemente tão alheio à Antropologia, é: Verdade das Coisas. O
subtítulo desse livro é: "Uma Pesquisa sobre a Antropologia da Alta
Idade Média"[44].
Parece-nos, portanto, acertado o juízo de A. Del Toro: o trabalho de
Pieper dirige-se principalmente à Antropologia em seus
fundamentos[45]. Só acrescentaríamos o seguinte: através de caminhos
indiretos, que, à primeira vista podem não parecer antropológicos.
A sentença que se encontra no seu estudo Sakralität und
"Entsakralisierung" deve - parece-nos - estender-se a toda a obra de
Pieper: "Minha perspectiva é antes de tudo de natureza
antropológica"[46].
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