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Quando se coloca a questão "O que é uma Universidade?", e isto
procurando não a realidade meramente fática, mas a verdadeira
realidade[1], no caso, o que deve ser uma Universidade, tal como em
qualquer questão de Filosofia da Educação, é para o homem que devemos
nos voltar.
Pois a Filosofia da Educação é sempre algo derivado e relativo,
decorre da Antropologia Filosófica. E, se filosofar é perguntar pelo
ser, a questão sobre o ser da Universidade pressuporá necessariamente
a indagação pelo ser do homem.
Como se dá, porém, concretamente, tal ligação?
No caso de Pieper - e mostrar isto é o objetivo deste trabalho -,
essa conexão ocorre a partir do conceito de filosofar.
A estrutura do filosofar é a mesma que a da existência humana:
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Com efeito, pergunto-me se não é necessário aceitar e assumir esta
relação (que, reconheço, não pode ser apreendida com grande precisão)
entre a estrutura intrínseca da existência humana e a do ato
filosófico[2].
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E, além disso, também a estrutura da educação universitária é a mesma
que a do filosofar:
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Falar do lugar e do direito da Filosofia é, ao mesmo tempo, falar de
nada mais nada menos que do lugar e do direito da Universidade, da
formação acadêmica[3].
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Pieper tratou expressamente da Filosofia da Universidade apenas em
pequena parte de sua imensa obra, principalmente nos dois pequenos
ensaios: Was heisst Akademisch? e Offenheit für das Ganze. Ajunte-se
a esses estudos o artigo "Thomas von Aquin als Lehrer" e algumas
outras poucas observações esparsas e teremos tudo o que Pieper diz
diretamente sobre Filosofia da Educação.
É pouco, mas altamente denso, oportuno e necessário. Sobretudo numa
época de desorientação como a nossa, nada nos parece mais atual que
ouvir a palavra dos antigos - Platão, Aristóteles e S. Tomás - na
correta e límpida interpretação de Pieper, totalmente voltada para a
"verdade das coisas"' e procurando mostrá-la claramente para o homem
de hoje.
Nosso trabalho consiste em recolher e apresentar essa Filosofia da
Universidade em articulação - e aí reside primordiamente sua
originalidade - com o quadro maior da Antropologia Filosófica de
Pieper, através de conceito de filosofar, central em sua obra.
Se o filosofar em qualquer caso envolve a consideração da totalidade
do real, "Deus e o mundo"[4], isso é válido especialmente quando é
sobre o próprio filosofar que filosofamos[5].
Não deve causar estranheza, portanto, que ao longo deste trabalho -
onde se analisa o entrelaçamento de assuntos como Universidade,
filosofar e homem num filósofo assistemático como Pieper - encontrem-
se referências a temas e obras que, à primeira vista, pareçam alheios
à Filosofia da Universidade.
Dada, pois, a decisiva importância do tema, compreende-se a
necessidade de um capítulo (Cap. 1) onde se indique o sentido e o
lugar que a questão do filosofar tem em Pieper. Filosofar, entendido
como espírito, o que é algo de muito diferente da Filosofia entendida
como matéria (que pode ou não estar animada pelo espírito do
filosofar).
No Cap. 2 - também prévio aos dedicados expressamente à Filosofia da
Educação (Caps. 3 e 4) -, situamos o leitor diante do modo pieperiano
de filosofar apontando as principais de suas características: o
voltar-se para o fenômeno, para o diálogo, para a linguagem comum. E,
em dois tópicos finais desse capítulo, apresentamos e discutimos a
especial relação do filosofar de Pieper com os filósofos antigos e
medievais (especialmente S. Tomás de Aquino) e com a Teologia.
A tese de que a Universidade tem (deve ter) caráter filosófico
encontra-se esmiuçada nos Caps. 3 e 4, onde se analisam uma a uma as
diversas características do filosofar (sua origem e seu fim, suas
condições e sua natureza) relacionando-as, como dizíamos, com a
Antropologia Filosófica e visando a Filosofia da Educação.
Das diversas características desse espírito destacam-se duas, que
deram origem aos títulos dos Caps. 3 e 4, respectivamente: o caráter
livre do filosofar (e, portanto, a correspondente Pedagogia das Artes
Liberais) e o filosofar (e a Universidade) como abertura para o todo.
Da primeira, encontramos um excelente resumo em Ruy Nunes:
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O filósofo alemão Josef Pieper escreveu belo e sugestivo ensaio, Was
heisst Akademisch? (. ..) Segundo Pieper, a natureza íntima da escola
platônica deve ser o princípio formal interno das instituições
acadêmicas, e tal natureza íntima consistia no modo filosófico de
encarar o mundo. Por isso, embora nas universidades modernas se
estudem muitas ciências diferentes com objetivos práticos,
profissionais, o que deve caracterizar o estudo nessas academias é o
espírito filosófico, indagador, universalista e crítico. Acadêmico,
explica Pieper, significa filosófico, e um estudo sem filosofia não é
um estudo acadêmico. Este consiste na atitude teórica de busca da
verdade sem a preocupação imediatista do uso, da prática, do lucro.
Além disso, para que o estudo numa faculdade voltada para objetivos
práticos como as de medicina e engenharia, seja filosófico, não basta
que figure no seu currículo alguma disciplina filosófica, mas é
preciso que os seus mestres sejam animados pelo eros filosófico, é
necessário que se perceba na universidade algo mais que a pura
preocupação com o resultado útil e imediato[6].
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Prosseguindo nessa linha, no Cap. 4, dedicado à "abertura para a
totalidade", apontamos como tal nota é, ao mesmo tempo, distintiva do
ato filosófico (em relação às ciências particulares), do homem
(enquanto ser espiritual) e da Universidade. Nesse capítulo,
insistimos no caráter filosófico da Universidade, contrastando em
diversos aspectos o conhecimento filosófico com o científico.
Analisamos também a admiração como princípio e o mistério como
condição do filosofar.
E - como não poderia deixar de ser, em se tratando de um livro sobre
Pieper - mostramos o caráter basilar de seu denso conceito de
Criação, determinante ao mesmo tempo da cognoscibilidade do real para
o homem e do elemento negativo na mundividência de Santo Tomás de
Aquino e na de Pieper. Determina também a "estrutura de esperança" do
filosofar e do próprio homem, enquanto "ser que se torna".
Culmina o capítulo com a consideração das notas que compõem o
autêntico ensinar e aprender universitários, através da análise do
caso paradigmático de Tomás de Aquino.
No tópico final contemplamos o sofista como antítese do acadêmico,
sobretudo no que se refere à atitude de reverência diante da Criação.
Desse modo julgamos atingir o objetivo que nos propusemos: mostrar o
caráter filosófico que a Universidade tem na obra de Josef Pieper.
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