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Ao avanço do totalitarismo do mundo do trabalho, até mesmo sobre a
vida espiritual do homem, Pieper opõe "um dos fundamentos da Cultura
Ocidental", o lazer (conceito que adquire especial importância para
nós, pois no conceito aristotélico de lazer radica-se a distinção
entre artes liberais e servis)[167].
Desde logo convém ressaltar que Pieper considera o lazer - como
também o seu contrário: a concepção que vê no trabalho a
característica dominante de toda a existência do homem - não como
categoria sociológica, mas atitude humana:
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O lazer é, como atitude da alma (e é necessário deixar bem
estabelecido algo que é claro: que o lazer não se deve somente a
fatos externos como pausa no trabalho, tempo livre, fim de semana,
férias; lazer é um estado de alma) precisamente o oposto do tipo do
"trabalhador"[168].
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Para caracterizar, por contraste, o espírito do lazer recorreremos à
breve descrição da figura do "trabalhador" feita em Was heisst
Akademisch?
O "trabalhador", tipo de que Pieper se vale para suas análises, nada
tem a ver com camadas sociais, Pieper desfaz qualquer eventual mal-
entendido que pudesse surgir a respeito:
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Não é a camada social do operariado, ou do povo simples em geral, que
é aqui tomada como o oposto do espírito acadêmico e excluída do seu
domínio. Estamos, pelo contrário, convencidos de que o homem simples,
o povo, enquanto é capaz realmente de conservar esta simplicidade (o
que só ocorre sob determinadas condições), tem uma capacidade toda
particular de abrir-se ao mundo como um todo, com espírito
contemplativo e "festivo", o que justamente constitui o melhor e mais
íntimo da atitude verdadeiramente acadêmica[169].
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"Trabalhador" não significa aqui o homem que trabalha, mas uma
concepção ideal-abstrata onde o fator determinante da vida deve ser
visto no "estar a serviço" (e trabalho é essencialmente estar a
serviço de algo[170]), no total entrosamento do Homem nos
maquinismos de planejamento[171].
A atitude de lazer choca-se com a do "trabalhador" em três frentes:
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- Diante do exclusivismo do trabalho como atividade, o lazer opõe o
calar como pressuposto da percepção da realidade. "O lazer é a
atitude receptiva, de imersão contemplativa do ser"[172].
- Ao exclusivismo do trabalho como função social, opõe-se a atitude
de lazer que, ao contrário da pausa ou do tempo livre, no fundo
ordenados ao trabalho, corta-o verticalmente. A justificação do lazer
não é a de repor forças ao trabalhador mas sim a de favorecer que
continue sendo homem, capaz de contemplar o mundo como
totalidade[173].
- Finalmente, ao exclusivismo do trabalho como esforço, o lazer
contrapõe a atitude de contemplação festiva[174].
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