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"O elemento negativo na visão-do-mundo de Tomás de Aquino"[310] é
dos mais fundamentais, segundo Pieper. Por essa razão,
Unaustrinkbares Licht é livro de importância primordial,
imprescindível para um estudo do filosofar de Pieper[311].
Uma primeira aproximação da philosophia negativa de Santo Tomás se dá
contemplando a sentença (que pode surpreender a muitos...): "Rerum
essentiae sunt nobis ignotae"[312], as essências das coisas nos são
desconhecidas, sentença da que Pieper, polêmica e ironicamente,
afirma que se encontra não na Crítica da Razão Pura de Kant mas nas
Quaestiones disputatae do Aquinate[313], uma dimensão de S. Tomás
para a qual "o tomismo de escola em absoluto não nos preparou e que
faz explodir qualquer 'sistema'"[314].
Para examinar o significado do aspecto negativo na filosofia de S.
Tomás (e na de Pieper), seguiremos o Cap. V da primeira parte de
Unaustrinkbares Licht.
A dimensão negativa - tributo de S. Tomás ao Pseudo-Dionísio[315] -
representa, em termos de Filosofia, o contraponto da tese que antes
expúnhamos ("As coisas são cognoscíveis porque são criaturas"), a
saber: "As coisas são misteriosas, inabarcáveis pelo nosso
conhecimento porque são criaturas".
Como ensina Santo Tomás, o objeto do conhecimento, a coisa (res
naturalis) "inter duos intellectus constituta, secundum adaequationem
ad utrumque vera dicitur"[316], quer dizer, as coisas são
verdadeiras porque a Inteligência divina as criou e também porque
estão ordenadas ao conhecimento intelectual humano.
É nesse contexto que se situará também a (relativa)
incognoscibilidade das coisas[317].
Após esclarecer que há diversas formas de incognoscibilidade (e
descartar as equívocas para o caso), Pieper explica que o sentido do
mistério do real reside não na ausência de luz, mas no excesso. Isto
é, como víamos, o ser e a essência das coisas consistem em ser
criadas, pensadas por Deus: a luminosidade interna do ser procede da
Luz infinita:
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"O ser real das coisas é precisamente sua luz", "uma coisa tem tanta
luz como realidade"; estas são duas frases de S. Tomás (I Tim. 6, 4;
De caus. I, 6) com um profundo sentido. Pela procedência do Logos é
que as coisas são cognoscíveis para o homem. Mas precisamente por
isso refletem uma luz infinita, e, por conseguinte, são-nos
inabarcáveis"[318].
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Pieper deixa bem claro que S. Tomás nada tem de agnóstico, "pelo
contrário (Deus e as coisas) são tão cognoscíveis que nunca
chegaremos a esgotar a tarefa de conhecê-los; é precisamente sua
cognoscibilidade o que é inesgotável"[319].
Assim se compreende um outro ponto muito importante em que o
filosofar - que busca o ser "em si e em suas últimas razões" - se
distingue das ciências: aquele apresenta uma "estrutura de esperança"
(Hoffnungsstruktur):
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Há uma relação com o objeto fundamentalmente distinta na Filosofia em
oposição às ciências particulares: uma questão das ciências
particulares é passível de resposta definitiva, ou, pelo menos, não é
irrespondível por princípio. Pode-se dizer definitivamente (ou então,
possivelmente poder-se-á algum dia dizer) qual o agente causador
desta determinada doença infecciosa; em princípio, é muito possível
que um dia se diga: é cientificamente certo que as coisas se passam
assim e assim a respeito de tal assunto. Mas nunca uma questão
filosófica, como sejam: "que é isto em última análise? que é uma
doença? que é o conhecimento? que é o homem?", nunca uma questão como
estas poderá ser definitivamente respondida. "Nenhum filósofo até
hoje foi capaz de abarcar a essência mesmo de um só mosquito" (In
Symb. Apost., Intr.)[320].
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Tal distinção, principalmente numa época como a nossa, em que também
amplos setores da Educação acusam um acentuado cientificismo, é de
extraordinária importância.
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