3.3. Lazer como Atitude do Espírito

Ao avanço do totalitarismo do mundo do trabalho, até mesmo sobre a vida espiritual do homem, Pieper opõe "um dos fundamentos da Cultura Ocidental", o lazer (conceito que adquire especial importância para nós, pois no conceito aristotélico de lazer radica-se a distinção entre artes liberais e servis)[167].

Desde logo convém ressaltar que Pieper considera o lazer - como também o seu contrário: a concepção que vê no trabalho a característica dominante de toda a existência do homem - não como categoria sociológica, mas atitude humana:

O lazer é, como atitude da alma (e é necessário deixar bem estabelecido algo que é claro: que o lazer não se deve somente a fatos externos como pausa no trabalho, tempo livre, fim de semana, férias; lazer é um estado de alma) precisamente o oposto do tipo do "trabalhador"[168].

Para caracterizar, por contraste, o espírito do lazer recorreremos à breve descrição da figura do "trabalhador" feita em Was heisst Akademisch?

O "trabalhador", tipo de que Pieper se vale para suas análises, nada tem a ver com camadas sociais, Pieper desfaz qualquer eventual mal- entendido que pudesse surgir a respeito:

Não é a camada social do operariado, ou do povo simples em geral, que é aqui tomada como o oposto do espírito acadêmico e excluída do seu domínio. Estamos, pelo contrário, convencidos de que o homem simples, o povo, enquanto é capaz realmente de conservar esta simplicidade (o que só ocorre sob determinadas condições), tem uma capacidade toda particular de abrir-se ao mundo como um todo, com espírito contemplativo e "festivo", o que justamente constitui o melhor e mais íntimo da atitude verdadeiramente acadêmica[169].

"Trabalhador" não significa aqui o homem que trabalha, mas uma concepção ideal-abstrata onde o fator determinante da vida deve ser visto no "estar a serviço" (e trabalho é essencialmente estar a serviço de algo[170]), no total entrosamento do Homem nos maquinismos de planejamento[171]. A atitude de lazer choca-se com a do "trabalhador" em três frentes:

- Diante do exclusivismo do trabalho como atividade, o lazer opõe o calar como pressuposto da percepção da realidade. "O lazer é a atitude receptiva, de imersão contemplativa do ser"[172].

- Ao exclusivismo do trabalho como função social, opõe-se a atitude de lazer que, ao contrário da pausa ou do tempo livre, no fundo ordenados ao trabalho, corta-o verticalmente. A justificação do lazer não é a de repor forças ao trabalhador mas sim a de favorecer que continue sendo homem, capaz de contemplar o mundo como totalidade[173].

- Finalmente, ao exclusivismo do trabalho como esforço, o lazer contrapõe a atitude de contemplação festiva[174].