4.7. Filosofia Negativa

"O elemento negativo na visão-do-mundo de Tomás de Aquino"[310] é dos mais fundamentais, segundo Pieper. Por essa razão, Unaustrinkbares Licht é livro de importância primordial, imprescindível para um estudo do filosofar de Pieper[311].

Uma primeira aproximação da philosophia negativa de Santo Tomás se dá contemplando a sentença (que pode surpreender a muitos...): "Rerum essentiae sunt nobis ignotae"[312], as essências das coisas nos são desconhecidas, sentença da que Pieper, polêmica e ironicamente, afirma que se encontra não na Crítica da Razão Pura de Kant mas nas Quaestiones disputatae do Aquinate[313], uma dimensão de S. Tomás para a qual "o tomismo de escola em absoluto não nos preparou e que faz explodir qualquer 'sistema'"[314].

Para examinar o significado do aspecto negativo na filosofia de S. Tomás (e na de Pieper), seguiremos o Cap. V da primeira parte de Unaustrinkbares Licht.

A dimensão negativa - tributo de S. Tomás ao Pseudo-Dionísio[315] - representa, em termos de Filosofia, o contraponto da tese que antes expúnhamos ("As coisas são cognoscíveis porque são criaturas"), a saber: "As coisas são misteriosas, inabarcáveis pelo nosso conhecimento porque são criaturas".

Como ensina Santo Tomás, o objeto do conhecimento, a coisa (res naturalis) "inter duos intellectus constituta, secundum adaequationem ad utrumque vera dicitur"[316], quer dizer, as coisas são verdadeiras porque a Inteligência divina as criou e também porque estão ordenadas ao conhecimento intelectual humano.

É nesse contexto que se situará também a (relativa) incognoscibilidade das coisas[317].

Após esclarecer que há diversas formas de incognoscibilidade (e descartar as equívocas para o caso), Pieper explica que o sentido do mistério do real reside não na ausência de luz, mas no excesso. Isto é, como víamos, o ser e a essência das coisas consistem em ser criadas, pensadas por Deus: a luminosidade interna do ser procede da Luz infinita:

"O ser real das coisas é precisamente sua luz", "uma coisa tem tanta luz como realidade"; estas são duas frases de S. Tomás (I Tim. 6, 4; De caus. I, 6) com um profundo sentido. Pela procedência do Logos é que as coisas são cognoscíveis para o homem. Mas precisamente por isso refletem uma luz infinita, e, por conseguinte, são-nos inabarcáveis"[318].

Pieper deixa bem claro que S. Tomás nada tem de agnóstico, "pelo contrário (Deus e as coisas) são tão cognoscíveis que nunca chegaremos a esgotar a tarefa de conhecê-los; é precisamente sua cognoscibilidade o que é inesgotável"[319].

Assim se compreende um outro ponto muito importante em que o filosofar - que busca o ser "em si e em suas últimas razões" - se distingue das ciências: aquele apresenta uma "estrutura de esperança" (Hoffnungsstruktur):

Há uma relação com o objeto fundamentalmente distinta na Filosofia em oposição às ciências particulares: uma questão das ciências particulares é passível de resposta definitiva, ou, pelo menos, não é irrespondível por princípio. Pode-se dizer definitivamente (ou então, possivelmente poder-se-á algum dia dizer) qual o agente causador desta determinada doença infecciosa; em princípio, é muito possível que um dia se diga: é cientificamente certo que as coisas se passam assim e assim a respeito de tal assunto. Mas nunca uma questão filosófica, como sejam: "que é isto em última análise? que é uma doença? que é o conhecimento? que é o homem?", nunca uma questão como estas poderá ser definitivamente respondida. "Nenhum filósofo até hoje foi capaz de abarcar a essência mesmo de um só mosquito" (In Symb. Apost., Intr.)[320].

Tal distinção, principalmente numa época como a nossa, em que também amplos setores da Educação acusam um acentuado cientificismo, é de extraordinária importância.