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- Nicolau, vinte homens estejam prontos, dois cavalos para mim e sir
Piers. Partiremos já.
- Sim, senhora condessa.
- Corre! Tinha de acontecer justamente na ausência de Landolfo e
RinaIdo. Quando se precisa deles nunca estão. Não fiques aí
parado como uma estátua, sir Piers: apressa-te. Vamos sem
provisões. Encontraremos pelo caminho o que for preciso.
O jovem inglês desapareceu sem dizer palavra, mas no limiar teve de
afastar-se porque as três irmãs chegavam esbaforidas.
- Que está acontecendo, mamãe?
- Não tenho tempo para explicar. Onde está Nina? Onde
Eugênia? Quando se precisa, nunca há ninguém. Preciso
vestir-me. Devo partir.
- Nós te ajudamos, mamãe.
- Faremos melhor do que as camareiras ...
- ... enquanto isso diz-nos o que aconteceu.
- O vestido está no baú preto ... Não, não esse, aquele azul
de montaria ... sim, esse ... Adelásia, ajuda-me a tirar esse
trapo de seda.
- Que há, mamãe? Más notícias de Rinaldo?
- Qual Rinaldo, qual nada! Tomás, aquele tonto ...
- O imperador terá mandado queimar a universidade? - Teodora
seguia sempre uma lógica sua: se o imperador tinha começado queimando
o teto sôbre a cabeça de Tomás ...
- Antes fosse isso! Mas não: Pouco me importam os incêndios do
imperador. Aqui ele não tem nada que ver. É Tomás, compreendes;
Tomás, aquele estúpido! Eu sabia que um dia cometeria uma
asneira. Esta, porém, eu não esperava. Ainda bem que o seu pai
não teve tempo de vê-la.
- Mas, afinal, mamãe, que fez ele? - Finalmente tinham
conseguido tirar-lhe o pesado vestido. Seminua, com os olhos em
brasa, a condessa parecia uma deusa pagã, belíssima e encolerizada.
- Que fez ele? Desonrou-nos! Ouvindo o nome dos de Aquino,
todos hão de rir, de um lado ao outro do reino. Fez-se frade
mendicante!
- Não é possível!
- Não fiqueis aí olhando. Ajudai-me a pôr esta veste. Segura
aqui. Marta, e não fica puxando de todos os lados. Frade
mendicante, sim! Entrou nos dominicanos. É louco, inexperiente,
atrasado e tudo mais. mas é um de Aquino, e os de Aquino não são
mendicantes nem mesmo sob a batina. Tudo tem limite. Ora essa! Um
de Aquino que vai pedir esmola pela rua! Que faz discursos e
prédicas diante da escória das cidades! Meu Deus, que fiz eu para
merecer tanto? Mas não estás vendo, Marta, que o botão está
mais em cima? Mais em cima, não mais embaixo. Esta bendita moça
nem sabe distinguir entre alto e baixo. Frade mendicante! Em túnica
de camponês, preta e branca. É. impossível. Mas eu vou-lhe
mostrar ...
- Mamãe, como é que fez isso? Não é beneditino?
- Somente oblato, era; agora, entretanto, pronunciou os votos.
Assira pelo menos parece. Carlos, que voltou de Nápoles onde tinha
ido fazer compras, viu tudo com seus próprios olhos. Queria ter
estado eu em Nápoles com ele! Fizeram uma grande festa os seus
frades mendicantes. Compreende-se: não é todo dia que se pesca um
de Aquino. Num instante espalhou-se a nova por toda a Nápoles.
Levaram-no à sua mísera igrejola, mendicantes de um lado e de
outro, e deram-lhe ... como se chamam? ... as insígnias da
penitência e da submissão, e aquele danado hábito da Ordem.
Engraçado, não? para um jovem que tem nas veias sangue imperial!
Penitência e submissão, saia de mendigo. É claro que Carlos viu
tudo, mas não podia impedir: estava só e não recebera
instruções, mas foi bastante inteligente para ficar observando e
verificar que querem transferir Tomás para Roma.
- Para Roma? Por que para Roma?
- Juízo de galinha! Perguntas por quê? Porque sabem muito bem
que eu não posso concordar, e em Nápoles não se sentem bastante
seguros. Porém eu saberei achá-lo, mesmo em Roma. E como! E
então hão de ouvir-me. Eu ...
- Os homens estão prontos, senhora condessa.
- Está bem. Dá-me o rebenque. Dentro de três dias estarei de
volta.
E saiu apressada, enquanto as três mocinhas olhavam-se espantadas.
- Nunca pensei que Tomás fosse tão estúpido - observou
Adelásia.
- Os homens são estranhas criaturas - comentou Teodora. Nunca se
sabe o que pensar deles.
Percorreram as sessenta milhas até Roma em pouco mais de quatro
horas. Em Terracina, enquanto passavam a galope, uma procissão se
desfez numa confusão geral. Em Anágnia atropelaram dois cachorros,
e quase um velho.
Quando chegaram às portas da Urbe, os guardas papais desarmaram-nos
antes de lhes permitir o ingresso na cidade. Apenas Piers sendo
cavaleiro, pôde conservar sua espada. Isso não contribuiu em nada
para melhorar o humor da condessa que esqueceu o projeto, preparado
durante a viagem, de pôr-se em contato com o primo Paulo Orsini e,
através disse homem influentíssimo, alcançar as autoridades
dominicana. Ordenou, ao contrário:
- Ao convento de Santa Sabina.
Era o primeiro convento dominicano da Urbe. perto da igreja de Sixto
II: a fortaleza da Ordem. Tomás só poderia estar ali: ela
estava segura. À porta do comento desceu da montaria e tocou a
campainha.
O porteiro abriu a portinhola, e quando viu a condessa com um
cavaleiro armado e um grupo de homens com armadura, embora desarmados,
fechou logo.
- Abre imediatamente! - ordenou a condessa indignada. Nenhuma
resposta. Ela bateu diversas vezes à porta com o cabo do rebenque e
puxou a campainha violentamente. - Abre! - gritava exasperada.
Abre ou mando derrubar a porta.
A portinhola abriu-se de novo e ela pôde ver o rosto de um frade;
não era o mesmo de antes: uma cabeça encanecida com rosto de águia e
olhos azuis.
- Que há?
- Abre a porta.
- Este é um convento de dominicanos: não posso abrir a uma mulher.
- Abre logo, estou dizendo!
- Impossível.
- Se não abrires meus homens derrubarão a porta, caro irmão.
- Quem o fizer - rebateu o frade sem alterar-se - fica excomungado
ipso facto. Este chão é sagrado.
- Talvez ignores com quem estejas falando: eu sou a condessa de
Aquino.
- Aqui não és mais que qualquer outra criatura humana.
A condessa conseguiu dominar-se.
- Não deves falar assim porque eu sou a mãe do conde Tomás de
Aquino que, quase menino, foi trazido para cá sem que eu soubesse e
contra a minha vontade. Devolve-o, só peço isso.
- Aqui não há nenhum conde Tomás de Aquino, e frei Tomás tomou
espontaneamente a sua decisão.
- Então confessas que está aqui! - exclamou ela; mas ainda
conseguiu dominar-se. - Não é mais a condessa de Aquino que te
fala, mas apenas uma mãe que quer o seu filho de volta. Dá-me a
minha criatura e haverá paz entre nós.
- Repito que o teu filho tomou sua decisão diante de Deus e da
Ordem. O seu voto é irrevogável, e tu não tens nenhum motivo para
estar triste. Para uma mãe não há maior honra do que deixar um
filho a serviço de Deus. Por outro lado, tornarás a vê-lo, mas
não logo.
A condessa perdeu a paciência e gritou:
- Vê-lo-ei à custa de pôr em movimento toda Roma; aliás,
fá-lo-ei voltar para casa. Ninguém tem o direito de se interpor
entre mãe e filho, e muito menos uma horda de religiosos incitadores
do povo. Hás de te arrepender por teres atraído meu filho para a tua
odiosa confraria.
- Deus te perdoe, minha filha, como eu te perdôo - disse o frade
friamente; e fechou a portinhola.
Ela ficou petrificada um instante, depois voltou-se e disse:
- Quero montar.
Piers ajudou-a e estendeu-lhe as rédeas.
- Ao palácio de Latrão!
Sinibaldo Fiesque, conde de Lavanha, papa há poucos meses com o
nome de Inocêncio IV, era um homem de estatura média, ágil e
elegante. Pouco de comum tinha com seus dois últimos predecessores:
nem a estatura gigantesca e a energia quase sobre-humana de Inocêncio
III, nem a obstinada tenacidade de Gregório IX. Suas
extraordinárias noções de direito não o tinham ancilosado, mas
tornado mais elástico ainda. Sabia muito bera que Frederico II era
um grande homem e bastante inteligente para ignorar que era outro tanto
grande. Subira de má vontade ao trono papal: percebia que
Inocêncio IV não podia desculpar aquilo que o Cardeal Fiesque
tinha, senão desculpado, ao menos tolerado, porque sabia muito bem
que, assumindo outra atitude, não conseguiria nada. Agora,
porém, era preciso decidir-se ou pôr um acordo ou pela ruptura; e
todo o seu ser desejava um acordo. Pensava que Frederico tinha
também boas qualidades e que, tratando-o com justa medida, podia-se
chegar a ótimos resultados. Naturalmente não podia revogar a
excomunhão do imperador até que este não mostrasse arrependimento.
Quanto à penitência e à reparação, era de se considerar que todo
o resto da vida de Frederico não seria suficiente. Muitas cidades,
muitas vilas, castelos, conventos tinham sido queimados; muitos
homens mortos, alguns de modo horroroso. Todavia não era para se
desesperar.
O papa pensava na doutrina do inferno. Os cristãos deviam crer na
sua existência. Cristo tinha-o citado não menos de seis vezes no
sermão da montanha, como o sabe quem quer que tenha continuado a
leitura além das bem-aventuranças. Muitos preferiam não o fazer,
mas de ninguém se podia dizer com absoluta certeza que estava no
inferno: nem mesmo de Judas Iscariotes, apesar do seu terrível
apelido de "filho da perdição". O inferno existia ... mas
talvez estivesse vazio ...
Portanto, também Frederico podia ter esperança; e se podia esperar
até diante do último e supremo tribunal, que não admite
possibilidade de apelação, para ele devia haver uma esperança
também na terra.
Certamente, o céu sabia que a situação não era fácil para o
sucessor de S. Pedro. O ponto pior era o espetro da "dupla
fidelidade" que pairava sôbre o império como uma nuvem prenhe de
tempestade: fidelidade ao papa e fidelidade ao imperador; condição
intolerável para qualquer consciência humana. Era preciso esconjurar
o espetro: isto é, o imperador devia voltar ao seio da Igreja.
Não havia outra possibilidade.
Todos, todos iam ao papa com suas justificadíssimas queixas e
acusações: o abade de Santa Justina que Frederico tinha expulso do
mosteiro; o abade de Montecassino cuja casa o imperador havia
incendiado, e na qual haviam perecido onze monges; as cidades da
Lombardia às quais o imperador movia guerra todos os anos; as cidades
em torno de Lucera, Foggia, Térmoli, onde mocinhas e mulheres
desapareciam sem deixar vestígio, até que apareciam em algum harém
dos sarracenos da colônia muçulmana de Lucera. Todos, todos iam ao
papa ... porque não ousavam ir ao imperador. E o papa não podia
fazer nada: o patrimônio em torno de Roma era pequeno, o exército
fraco, exíguas as rendas. Como soberano temporal, o pontífice não
podia agir contra o imperador, contra o stupor mundi, como era
chamado; e como soberano espiritual... Frederico estava repudiado,
e portanto "livre", e parecia que se achasse bem naquela tremenda
"liberdade". De certo, a sua alegria não poderia durar muito, mas
o que o papa podia oferecer às vítimas do imperador reduzia-se à
compaixão e à oração.
Não se vislumbrava o fim daquela pavorosa situação. Frederico era
relativamente jovem, pouco mais de cinqüenta anos, e seus filhos,
com exclusão talvez de Enzio, já se mostravam piores que o pai.
Mais uma vez, como aos tempos de Nero, de Diocleciano e de Atila.
o povo sentia o domínio do Anticristo.
Tivesse, pelo menos, Frederico feito um gesto de paz! O papa tinha
providenciado que lhe fosse sugerida a idéia. A continuação daquele
estado de coisas não era vantajosa nem mesmo para o imperador.
Qualquer coisa acontecesse em seu coração, não havia dúvida de que
a excomunhão tinha-lhe dado muita dor e amargos sofrimentos.
Essa a realidade, esses os pensamentos de Inocêncio IV, quando
já em tarda flora, foi-lhe anunciada a visita da condessa de
Aquino.
Aquino ... Aquino: família absolutamente fiel ao imperador.
Pelo menos dois filhos serviam no exército imperial. Muitos anos
antes o papa encontrara o velho conde Landolfo. Mas não conhecia a
condessa, aliás nunca tinha ouvido o seu nome em nenhum relatório
político. Que poderia querer assim tão de improviso e em hora tão
insólita? Que o imperador a tivesse mandado justamente porque não se
havia nunca comprometido politicamente? Improvável, mas não
impossível. Tudo podia acontecer quando se tratava do "esturpor do
mundo"...
Ordenou que a introduzissem.
Apresentou-se calma e solene, ajoelhando-se para beijar. o anel,
desculpou-se por ter vindo em hora tão inconveniente. Depois contou
o ocorrido de acordo com a verdade e pediu que a ajudasse.
O papa compreendeu logo que aquela visita nada tinha a ver com o
imperador; tratava-se simplesmente de uma grande dama acostumada a ser
obedecida e incapaz de tolerar que lhe não satisfizessem os desejos.
Compreendeu também que ela não devia ter em grande consideração o
caráter e a inteligência de seu filho Tomás; de qualquer modo, com
razão ou sem, em relação àquele juízo, ele não podia tornar
responsável a Ordem dominicana pelo fato do jovem Tomás ter querido
entrar para ela. Quantos anos tinha? Quase dezoito. Portanto uma
idade em que os jovens italianos eram capazes de pensar livremente
... se é que eram capazes de pensar.
A condessa fez-lhe observar que o imperador ter-lhe-ia certamente
deferido a abadia de Montecassino para o filho, e essa era a razão
principal que a tinha levado a se opor com todas as forças ao desejo de
Tomás de tornar-se frade mendicante. Até então o papa só uma vez
a havia interrompido para perguntar a idade de Tomás, mas agora disse
com delicada firmeza:
- O imperador não tem direito de decidir quem deve ser o abade de
Montecassino. Por outro lado, até agora não demonstrou certamente
preocupar-se pelo bem-estar daquela abadia ...
Ela perdeu o fôlego, pois agora compreendia que a sua visita ao papa
poderia ser mal interpretada pela corte imperial. Tinha-se colocado
numa situação perigosa, no meio das duas partes contendoras.
Decidiu, pois, cortar a audiência.
- Vejo que Vossa Santidade não pode ajudar-me...
- Pelo contrário - replicou o papa com um sorriso cortês. Estou
bem disposto, minha filha, a socorrer-vos com todas as forças.
Pelo menos no momento, não havia nenhum motivo para opor-se ao
imperador, se realmente este queria entregar a abadia a Tomás. Pelo
contrário, havia toda vantagem em atendê-lo, desde que ficasse
esclarecido que a nomeação partia do Latrão, e não do
quartel-general do imperador. Contudo, era preciso examinar bem o
jovem, e o papa tinha necessidade de ser um prior muito capaz. Mas
não havia pressa.
Teodora levantou-se:
- Vossa Santidade quer ajudar-me? Agradeço-vos. Uma só
palavra vossa e aquela terrível Ordem devolver-me-á o filho, que
poderá exercer um cargo digno do seu título.
O pontífice levantou suas belas mãos delicadas para protestar
docemente:
- Assim tão fácil não é, minha filha. Mandarei examinar o
caso, e afinal será preciso também ouvir o desejo dele. Eu não
posso obrigá-lo a abandonar a Ordem, a menos que não haja motivos
que, felizmente, não subsistem. Quanto a Montecassino, poderemos
fazer alguma coisa logo que seja oportuno. Dezoito anos não bastam
para ser abade ... tenho certeza que compreenderás.
Ela ajoelhou-se em silêncio para receber a bênção e, poucos
minutos depois, deixava o palácio. Na porta esperava-a a escolta.
- Sir Piers, sinto ter de ordená-lo, porque deves estar cansado
de tanto cavalgar, mas é preciso. A audiência fracassou. Toma
metade dos homens e vai o mais depressa possível a Ceprano, onde
encontrarás meus filhos, pelo menos espero que ainda estejam lá.
Conta-lhes o acontecido e dize-lhes que conto com eles para que me
tragam de volta o meu Tomás. Não a Roca-sêca, mas à fortaleza
de Monte São João. E nenhum dos dois me apareça sem Tomás.
Os mendicantes, se bem os conheço, devem já tê-lo levado para
fora de Roma. Landolfo e Rinaldo tratem de interceptá-lo e
trazê-lo de volta, não me importa como!
Estavam atocaiados sôbre uma pequena elevação perto de Água
pendente: localidade bem escolhida, não só porque dali podiam-se
dominar as numerosas curvas da antiga estrada romana, ladeada de
ciprestes a intervalos regulares como dentes na boca de um antigo
gigante, mas também porque estavam bem abrigados atrás das espessas
moitas de oleandros.
- Que vês, Landolfo?
- Nada.
- Continua olhando, tu que tens vista melhor que a minha.
- Não terá já passado?
- Não é possível - respondeu Rinaldo impaciente.
- Sei lá. R cimo Procurar agulha em palheiro.
- Tomás parece-me uma agulha bem grossa, caro Landolfo. De mais
a mais, não deve estar sozinho, e nós viemos passo a passo até
quase os muros de Roma, explorando todas as estradas em busca daquelas
malditas túnicas brancas e negras.
- Eh! - disse Landolfo. - E como uma batida de caça.
- Caça, agulha no palheiro: hoje estás com o capricho das
comparações, - disse RinaIdo rindo. - Que achas sir Piers?
- Ainda não passou - respondeu o jovem inglês.
- Porque tens tanta certeza? - perguntou Landolfo.
- Não apenas por causa da rede que estendemos. O peixe pode escapar
de qualquer rede, se as malhas são bastante largas.
- Outra comparação! - suspirou RinaIdo.
- Creio, porém, que deve ser excluída a hipótese - prosseguiu
Piers - de que o tenham deixado sair de Roma enquanto a condessa lá
estava. Num só lugar podia considerar-se ao abrigo: no convento
romano. Eu galopei rápido para vir falar-vos. Logo, não pode ter
deixado Roma há muito, e portanto o capturareis.
"Ao diabo esses ingleses", pensou RinaIdo. A explicação era
lógica e razoável, e apresentada em tom cortês e correto; não
obstante, compreendia-se que sir Piers desaprovava aquela ação.
Ou seria uma suspeita injustificada?
- Parece-me ver alguma coisa - disse Landolfo.
- Onde? Sim, caramba, são frades. Vejamos: preto ... e
branco. Dominicanos. São cinco, dois gordos e três magros;
aquele grande à esquerda é ele, o irmão monge. A cavalo,
cruzados! Pagãos à vista! Combatei com valor cristão ...
- Pára com isso - resmungou Landolfo.
- Agora podemos voltar às panelas da mamãe - cantou o
imperturbável poeta. - Em sela, em sela ...
Enrugando a testa, Landolfo montou, e Piers e RinaIdo seguiram o
exemplo. Tinham consigo trinta homens, e mais de sessenta vigiavam
outras estradas; mas esta era para setentrião, portanto amais
provável.
- Comanda, general, - exclamou RinaIdo. - Acometeremos como
Aquiles, Aníbal e César.
- Avante todos! - ordenou Landolfo zangado sem saber por que.
Incitou o cavalo e desceu a galope seguido por Piers, RinaIdo e os
outros. Num minuto os cinco dominicanos estavam cercados.
- Eis - disse Landolfo mal-humorado. - Fala tu, RinaIdo.
O poeta inclinou-se com um sorriso irônico:
- ótimos irmãos, rogo-vos crer que nada temos contra vós.
Desejamos apenas reaver o nosso irmãozinho Tomás que anexastes a
vós, diria. Queremos levá-lo para casa da mamãe e das irmãs.
Frei João ficou calado. Os frades Da Guidi, Sanjuliano e Lucca
não disseram nada de modo que Tomás decidiu falar, e indicando os
outros disse solenemente:
- Estes são minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs.
Piers suspirou porque sabia de onde haviam sido tomadas aquelas
palavras. A defesa, a única defesa contra a violência, era
novamente uma frase de Cristo. E ele sentiu de novo o que sentira
quando o abade de Montecassino usara da mesma arma. Dir-se-ia que
para cada circunstância da vida há uma palavra de Cristo que tira a
razão do adversário.
RinaIdo abaixou-se sôbre a sela.
- Eh! Tomás, - disse com aspereza - não sei o que tu pensaste
quando projetaste essa bela brincadeira, nem me importa sabê-lo.
Agora, porém, vens conosco; entendido?
Fez um sinal a dois homens que, desmontando, agarraram pelos braços
frei Tomás. Este não opôs resistência; quando, porém,
tentaram colocá-lo sôbre um cavalo, seus poderosos ombros e braços
puseram-se em movimento tão rapidamente que os dois homens,
surpresos, recuaram, e um deles, perdendo o equilíbrio, caiu de
costas, entre as risotas dos companheiros.
- Prendei-o! - gritou RinaIdo, pálido de cólera. -
Agarrai-o, súcia de covardes.
Mas a decisão coube a Landolfo. Fora um erro confiar a RinaIdo a
tarefa de discutir. Qualquer discussão era fora de propósito, além
de inútil. Viu que o frade de cabelos cinzentos tirava um crucifixo
de madeira e, por instinto, compreendeu que estava para ouvir uma
maldição solene: era preciso agir sem demora.
- Quietos todos! - gritou, e enquanto os outros se retraíam, ele
conduziu o cavalo junto de Tomás e agarrou-o pelo braço. -
RinaIdo, agarra o outro braço, rápido! - RinaIdo obedeceu e,
pondo o irmão entre eles, incitaram os cavalos. Nem um gigante
poderia ter resistido, e Tomás em vão procurou libertar-se.
- Deixai em paz os frades e acompanhai-nos! - ordenou Landolfo aos
seus homens. Afinal Tomás estava livre do cerco perigoso dos
frades. Piers avançou um cavalo sôbre o qual, ajudados por alguns
dos seus homens, os irmãos puseram Tomás. Apanhadas as rédeas,
Landolfo ordenou: - A galope! - e levantando uma densa nuvem de
poeira tomaram o caminho de Roma.
Frei João de Wildhausen, mestre geral da Ordem dos pregadores,
comumente chamados dominicanos, voltou-se de repente e marchou também
em direção de Roma, engolindo algumas vezes em seco, antes de poder
dizer: - Rezemos pelos nossos inimigos. - Os outros obedeceram,
mas o velho frei Sanjuliano conhecia muito bem o seu geral para não
saber que não se teria limitado à oração, mesmo sabendo o que
significasse litigiar com os de Aquino. Depois de uma hora chegaram
ao convento 'e frei João começou a escrever uma carta ao papa.
Ao mesmo tempo, os vencedores tinham abandonado a estrada e cavalgavam
em amplo círculo em torno de Roma, recolhendo as pequenas
guarnições deixadas nas outras estradas. Depois de três horas
alcançaram os subúrbios meridionais da Urbe e galoparam pela Via
Ápia em direção ao sul para chegarem à fortaleza de Monte São
João. Cavalgavam em grupo cerrado, mantendo no meio o prisioneiro.
Imperiosos toques de trompa exigiam caminho livre. O estandarte azul
dos de Aquino pairava sôbre o grupo.
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