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- A coisa está se tornando tremendamente aborrecida - resmungou
Landolfo.
- Por, quê? - perguntou Rinaldo esvaziando o cálice.
- Monte São João é um péssimo sucedâneo de Roca-sêca ou de
Aquino. R muito pequeno. Apenas uma dúzia de servos para todos
nós, e nada de música ... exceto a tua, é claro ...
- Obrigado.
- De nada. Não vem ao caso. Nada de trovadores, nada de festas,
nossos amigos infinitamente longe ... dir-se-ia que estamos
sitiados.
- De fato, o estamos, meu irmão, - confirmou Rinaldo
alegremente. - Que queres? Temos numerosos inimigos: a inteira e
poderosa Ordem dominicana, com não sei quantas centenas ou milhares
de guerreiros de saia alvinegra, e talvez também o papa com o seu
exército de indigentes, todos estão atrás de nós porque lhes
roubamos o indigente de todos os indigentes, a jóia de todas as
jóias, o seu máximo orgulho, o incomparável, o insubstituível
irmão Tomás.
- Será que nunca falas a sério?
- Nem pensemos nisso. Chega a vossa seriedade. Sois tão sérios
que excitais os nervos uns dos outros. Tu, então, irmãozinho,
tens a consciência pouco limpa.
- Por quê?
- Porque roubaste o precioso irmão Tomás e o encarceraste mima
garrafinha de cobre com o selo do rei Salomão. E agora suportas lima
grave e espantosa maldição: és obrigado a vigiar a garrafinha de
cobre para que o gim não possa escapar. E gostaria de saber o que há
de mais chato que vigiar um gim engarrafado. Não me admira que
resmungues.
- Poderíamos ter levado o jovem a Roca-sêca ...
- Não, Landolfo, não era possível. Não se pode considerar
glorioso manter encarcerado um membro da família no castelo de seus
antepassados.
- Cárcere? A sala da torre é bem espaçosa ... guarnecida muito
melhor que a cela que lhe teriam reservado em seus malditos conventos.
- Juízo leviano, como sempre, meu caro. Ele quer justamente a
cela e não a sala da torre. Na cela teria pouco conforto, mas o
teria renunciado espontaneamente. Aqui, ao contrário, o obrigamos a
viver como vive: esta pequena diferença chama-se liberdade. Mas, a
propósito, mamãe deseja que se fale o menos possível disso, assim
insistiu lògi- na escolha de Monte São João ... onde não
recebemos hóspedes. Bebes outro copo?
- Sim, obrigado. Sabes que te quero dizer uma coisa?
- Não, porém di-la-ás se o pedires com bons modos.
Tomás. Di-la-ei, queiras ou não. Eis: aqui somos tão
prisioneiros quanto
- Claro - riu Rinaldo, - Esta é a sorte dos algozes. Mas
talvez se pudesse fazer alguma coisa.
- O diabo que o leve, aquele jovem idiota - explodiu, - Quisera
dar-lhe uma surra por iodos os dissabores que nos tem causado.
Quisera , , ,
Calou-se vendo entrar a condessa com uma de suas damas.
- Ah! estais aqui ambos! Vou ver Tomás, que teve uma semana
inteira para pensar na vida. Deveria ser suficiente. Mas recusarei
vê-lo até que vista aquela absurda roupa de mendicante. Eis aqui
roupas decentes. Entrega-a ao conde Landolfo, Eugênia, e tu,
Landolfo, leva-lhe e diz-lhe que se vista decentemente. Depois
manda queimar aqueles trapos brancos e pretos. e, se resistir,
obriga-o.
Landolfo atirou uma olhadela a RinaIdo.
- Pode ser que resista - disse ele animado de boas esperanças. -
Obrigado, mamãe, estejas certa que os teus desejos serão
satisfeitos. Depois saiu rindo.
- Sabes, mamãe, que es extraordinária? - disse RinaIdo. -
Não creio que outra mãe tivesse sabido resistir uma semana inteira
sem ir ver o seu pimpolho. Gostaria, porém, que em lugar de
Landolfo e eu, fossem as meninas que levassem a comida a Tomás. È
tão ridículo! . .
- Está bem, falarei com elas. Compreendo muito bem que desejarias
ter um pouco mais de tempo disponível .. . sair e poder estar fora
uma ou duas noites ...
- Mamãe, és um gênio!
Nisso ouviu-se um ruído de madeira quebrada e a voz de Landolfo,
estranhamente rouca e apgada, mas não tanto que não ouvisse o nome de
RinaIdo.
- Rinaldo! ...
- Parece-me que alguma coisa está fora do lugar - disse o poeta.
- Ou então excessivamente no lugar. Vou ver. - E saiu
lentamente. O rumor aumentou e continuaram os ruídos de madeira
quebrada. Afinal, voltou o silêncio; os dois irmãos entraram.
- Mãe Santíssima! - exclamou a condessa. - Que aconteceu?
Landolfo tinha o nariz vermelho e inchado, e com lima careta cie dor
passava a mão na cabeça, onde estava nascendo um galo. Tinha os
cabelos desgrenhados e as roupas rasgadas. Estava tão ridículo que
Eugênia não pôde reprimir o riso. Rinaldo vinha com um olho roxo.
Ambos suavam abundantemente e respiravam custosamente, mas traziam o
troféu da vitória: os farrapos do que fora um hábito dominicano.
- General, - disse Rinaldo dirigindo-se à mãe - eis a vitória
mas pagamo-la por alto preço.
- Não me digas que Tomás...
- Belo monge, aquele! - exclamou Landolfo sem fôlego.
Nunca ... vi ... coisa assim. Bateu-me na cabeça com um
pedaço de cadeira.
- Landolfo passou um mau momento - explicou o poeta. Quando cheguei
estava estendido no chão e Tomás, sentado em cima, imobilizava-o.
Aproximei-me, mas o rapaz foi ligeiro e deu-me uma pancada no olho.
Há um espelho por aí? Devo estar de meter medo! Enganamo-nos
todos: tu, mamãe, papai, todos nós. Não se lhe devia permitir
que se fizesse frade. Parece que nasceu para manejar a espada.
Aposto que racharia um sarraceno da cabeça aos pés com um único
golpe. Ai! como me dói este olho!
- E tudo isso - resmungou Landolfo - só porque, conforme o teu
desejo, quis tirar-lhe estes trapos.
- Chega, Eugênia! - bradou a condessa, e a mulherzinha parou de
rir. - Vai-te. -Depois, dirigindo-se a RinaIdo: - Está
ferido também Tomás?
- Não posso dizer - confessou RinaIdo. - Não tive tempo de
verificar. Mas ele também deve ter apanhado.
- Espero - disse Landolfo com raiva.
O quarto em que Tomás estava preso ficava no fundo daquele corredor.
A chave estava na fechadura.
- Boa esta! - exclamou Landolfo que, tendo sentado, enchia um
copo de vinho. -Nunca tive uma surpresa assim. Um frade que
distribui pancadas como um doido.
- Como foi que começou?
- Pedi-lhe os trapos da Ordem ...
- Com bons modos, é claro!
- Mais ou menos.
- Compreendo.
- Raios, quisera dar-lhe uma surra em regra.
- Se o tivesse sabido, ter-te-ia deixado gritar à vontade, e
agora enxergaria com ambos os olhos.
- Ele não a merecia, talvez?
- Pode ser - respondeu RinaIdo. - Mas quem apanhou foste tu
... e eu também. Não penses que ele tenha apanhado muito.
Caramba, é forte como um touro. E o que é pior ...
- Que é?
Propus à mamãe que as refeições sejam-lhe levadas pelas meninas em
vez de nós, e ela concordou perfeitamente. Sabes, queria ir a
Nápoles visitar a pequena Bárbara.
- E que diabo vem a ser a pequena Bárbara? Ai! a minha cabeça!
O olho bom de RinaIdo tomou uma expressão sonhadora.
- É a mais fascinante garota de Nápoles, uma pessoazinhá extraor-
doce. Infelizmente não fui eu só a descobri-Ia. Ela cuidou disso
... a ponto que meia Nápoles atirou-se a seus pés, e receio
muito que não se tenha contentado só com os pés. Bárbara tem
diversas coisas para dar, irmãozinho meu, e as dá com toda
generosidade.
Esperava ir vê-Ia amanhã à noite, na sua casinha cor-de-rosa,
pouco longe de Santa Inês; e agora, não é mais possível.
- Por quê?
- Ora, basta olhar-me. Serão preciso três ou quatro dias antes
que passe o inchaço e, ainda assim, ficarei com o olho marcado.
Iria rir-se de mim.
- Não sei por quê. Se é uma meretriz, tomará o teu ouro mesmo
que fosses corcunda como o bobo do imperador.
- Landolfo, Landolfo! - exclamou RinaIdo escandalizado. -
Não fales assim da pequena Bárbara, que toma o meu dinheiro, sim,
mas nem por isso renuncia ao senso estético. Não pretendo de modo
algum mostrar-me a ela neste estado.
- Daí podem-se tirar duas deduções - observou Landolfo. - Em
primeiro lugar, ela tem bastante dinheiro para permitir-se fazer
preciosa quando lhe dá na veneta. Em segundo lugar, não se trata do
seu senso estético, mas do teu, ou seja; tu és imensamente
vaidoso. Onde disseste que fica a sua casinha?
- Pouco longe de ... não, não, irmãozinho, tu estás com um
aspeto pior do que o meu. Já eras feio antes que Tomás te pusesse o
nariz como um tomate, os olhos chorosos e aquele galo na cabeça.
Oh! a minha pequena Bárbara! Fui um bobo. Era mesmo preciso que
fosse salvar-te? Não podia deixar-te tranqüilamente sob o peso de
Tomás? Se visses como é volúvel: as vezes parece uma lagartixa ao
sol, indolente, quieta, e basta tocá-la para que desapareça como
uma enguia; outras vezes é toda fogo e paixão, como a Astarte dos
fenícios, e consume-te nas chamas do seu amor, e ficas com a
impressão de que sejas o único que lhe importe, que para ela não
haja outros homens no mundo, e que morreria de paixão se a
abandonasses. Inspirou-me o Lamento, uma das minhas melhores canções:
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Nunca me conforto
Nem me vou alegrar.
Os barcos estão no porto
E querem zarpar:
Vai embora muita gente
Em terras de além-mar;
E eu, aflita, dolente,
Por que hei de ficar?
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- Bonita! - aprovou Landolfo generosamente.
- Raios do diabo! - explodiu RinaIdo - e agora não posso ir
vê-Ia, não posso abraçá-la porque o irmão monge machucou-me um
olho.
- Como monge, fez muito bem - disse Landolfo com ironia.
Preservou-te, senhor poeta, de um pecado mortal.
RinaIdo olhou-o estupefato e acrescentou:
- Não são brincadeiras que se façam.
Levantaram os olhos e viram aparecer a condessa: pálida, zangada,
mordendo os lábios, encaminhou-se ao corredor dos seus aposentos sem
dizer palavra.
Rinaldo assobiou entre os dentes e disse:
- Nós apanhamos, caro irmão, mas creio ... creio que as coisas
não tenham corrido melhor para mamãe.
As três irmãs discutiram longamente qual delas deveria levar as
refeições ao prisioneiro, e tinham decidido alternar-se, enquanto
Marta, a maior, insistira para ser a primeira e lutara quase meia
hora para o conseguir; mas quando trouxeram os pratos da cozinha, foi
acometida de uma repentina hesitação.
- E se me bate também? Parece tão mudado desde que entrou para
aquela Ordem ... Quem teria imaginado que ...
- Ora, vamos, Marta! Se tens medo, eu poderia ...
- Não, não, eu vou.
Mas quando entrou na prisão os pratos tremiam em suas mãos. O feroz
frade estava sentado numa grande cadeira e lia Aristóteles. Com má
vontade tinha posto as roupas escolhidas pela condessa: uma longa
casaca verde com um cinto de couro bordado a ouro, meias verdes e
sapatos de veludo também verde. Quando Marta entrou ele levantou os
olhos:
- Oh! Marta! Que prazer!
Ela sorriu meio incerta:
- E tu ... não estás ferido?
- Ferido eu? Ah! sim, é verdade, cometi uma péssima ação.
Tinha-me esquecido que não devia ... que não devo. E reagi às
pancadas...
- Eu sei. E deste com vontade em ambos.
- Foi uma ação indigna, mas Landolfo queria arrancar-me o hábito
da Ordem que recebera há poucos dias do meu prior,. Tomás Gani de
Lencinho, um verdadeiro santo, ao qual, tenho certeza, quererias
bem se o conhecesses. Fazia muita questão daquele hábito, e quando
Landolfo caiu-me em cima para tirá-lo, eu me defendi... talvez
em excesso; mas aprendi uma coisa.
- Qual, Tomás?
- Agora sei porque estou aqui, porque Deus permitiu que isso
acontecesse.
- Agora come, Tomás. A comida está esfriando.
Obediente, ele começou a comer, mas a irmã compreendeu: não sabia
o que estava comendo. Pareceu-lhe que ele falasse de uma distância
incomensurável, distância esta que lhe dava uma angústia
desconhecida. Aproximou-se dele e, acariciando-lhe a fina coroa de
cabelos escuros e brilhantes, pensou: "Tem uma cabeça que é duas
vezes a minha" e disse:
- Não compreendi. Que queres dizer com as palavras "sei porque
Deus permitiu que isso acontecesse"? Gostaria de saber.
Ele olhou-a com olhar grave. Era a maior e a melhor de suas irmãs,
aquela pela qual sempre tivera especial carinho. Parecia-lhe que uma
parte do seu caráter, a tímida bondade, tivesse tomado aquela
graciosa forma feminina dos olhos profundos e pensativos e dos lábios
finos e pálidos.
- Estávamos indo a Paris, eu e os outros frades, e nunca me
sentira tão feliz. Ia em direção de minha meta, ao trabalho e
estudo. Ia recolher tesouros para glória de Deus e da Ordem. E
eles vieram, cercaram-nos e nos obrigaram a voltar atrás com eles.
Orava "seja feita a tua vontade", mas continuava a pensar: por que
Deus o permite?
- Caro Tomás acontece freqüentemente não compreendermos por que
Deus permite isto e aquilo.
- Certamente. Mas agora compreendi. A culpa não foi nem o orgulho
de mamãe, nem a violência de Landolfo e de Rinaldo, mas sim eu
mesmo, a minha insuficiência: Deus não me quer ainda.
Ela tinha lágrimas nos olhos e disse com voz trêmula:
- Um de nós dois é muito tolo... eu, provavelmente ...
E fugiu.
- Bateu em ti também? - perguntou Adelásia curiosa.
Marta escapou sem responder, e como as lágrimas lhe ofuscavam a
vista, acabou parando nos braços de Robin Cherrywoode, que se
dirigia ao posto de guarda.
- Qual o desgosto, nobre donzela?
- Não, nada - soluçava Marta.
- Estou vendo. Mas talvez não faça mal confiar num velho guerreiro
que poderia dar-lhe um bom conselho.
Ela meneou a cabeça.
- É por causa de Tomás. Tomaram-lhe o hábito da Ordem e agora
pensa que Deus não o queira. Caro Robin, nunca vi ninguém tão
triste como ele quando me disse que Deus não o quer.
- Onde está agora aquele hábito?
- Está em pedaços. Tem-no Adelásia.
- Sim, sim... Olha, dá-me aqueles farrapos. Compreendo que
não servem mais, mas fazei-os chegar a mim assim mesmo, e... se
acontecesse alguma coisa ... prometes-me calar, não? Espero
aqueles trapos.
Uma hora depois, sôbre a muralha Piers viu sobressair da couraça do
seu escudeiro algo de branco e preto.
- Robin, que tens aí? _- Uma saia, senhor.
- Pretendes tornar-te frade?
- Nada disso, senhor. E o burel dele, que lhe tiraram à força.
Mas defendeu-se bem o jovem senhor - acrescentou com um sorriso.
Ter-se-ia tornado um bom soldado.
- Que vergonha, Robin! Foi um golpe de muito mau gosto.
- Exato, senhor. Se alguém quer ser monge, por que não lhe dar
essa satisfação? Só se faz bem o que se faz com prazer. Não
deviam tirar-lhe o hábito. Seria como partir a espada a um
cavaleiro.
- Dizes bem, Robin. Não vejo o momento em que vença o nosso
compromisso.
- Na Inglaterra uma coisa assim não aconteceria, mas já que
aconteceu pensei que ... que talvez ...
- Que pensaste, meu caro Robin?
O escudeiro hesitava. O hábito estava reduzido a um monte de
trapos, mas quem o tinha dado devia ter outros, e lá em baixo,
atrás daquelas árvores, via-se uma estranha mancha alvinegra ...
E não era a primeira vez que Robin a via. Certamente podia-se
vê-Ia e a não ver ... dependia da vontade da sentinela...
Piers olhou para o lado indicado por Robin e começou a compreender.
- Sim, sim. O turno de guarda é nosso. Irei perlustrar a parte
oposta. - E se foi.
Robin sorriu satisfeito, e, por decência, esperou que o patrão
tivesse desaparecido. Depois, tirando os panos alvinegros, pôs-se
a agitá-los no ar. A mancha escondida atrás dos oleandros `
aumentou e tornou-se um dominicano, que olhava com curiosidade para a
torre.
Robin continuou a agitar os trapos, mostrou-os ao monge e depois
atirou-lhos. Aquele apressou-se em recolhê-los, enquanto Robin
iniciava uma pantomima que qualquer ator teria invejado: era tão
simples que um menino a teria entendido. Robin estendeu diversas vezes
as grossas mãos como para retomar o hábito, mostrou os dez dedos e
depois mais um, e repetiu o gesto. Para sua satisfação viu que o
monge sorria e, feito um sinal de assentimento, afastava-se às
pressas.
Pouco depois Piers voltou.
- Nenhuma novidade, senhor, - anunciou Robin radiante.
Piers reparou que os trapos alvinegros não apareciam mais debaixo da
armadura e que também a mancha atrás das árvores tinha desaparecido.
- Está bem, Robin.
Foi por puro acaso que, nos dias seguintes, coube a Robin o turno de
guarda do ocaso à meia-noite. Na terceira noite, pelas onze horas,
viu o que esperava. Fez um sinal com a tocha e poucos minutos depois
dois dominicanos aproximaram-se cautelosamente com uma vara comprida e
fina, em cuja ponta estava amarrado algo branco e preto;
levantaram-na até que o estandarte de Deus alcançou a extremidade do
muro.
Landolfo estava palidíssimo.
- Mamãe, que negócio é este?
- Fala.
- Agora mesmo estive no quarto de Tomás e encontrei-o novamente com
o hábito da Ordem.
-. Como?
- Exatamente. Será ... feitiço?
- Pior - respondeu a condessa. - É uma traição. - E pegou na
campainha. Teriam sido as meninas? Muito provavelmente. Em todo
caso, levando-lhe as refeições deviam ter percebido, porque desde
então ninguém tinha posto pé no quarto. Mas não tinham falado.
Aliás, andavam muito em torno daquele quarto. Seria o caso de
chamar sir Piers e enviá-lo com dois homens a arrancar o segundo
hábito? Depois de três dias, a coisa se repetiria. Não, não
valia a pena fazê-lo: e largou a campainha de prata.
- Se faz mesmo questão, deixa que aquele tolo se fantasie como quer
- disse aborrecida.
- Muito bem - aprovou Rinaldo do seu canto. - Landolfo, o teu
nariz ainda está inchado, não? A minha vista alcançou só agora o
estágio amarelo escuro. Que pena! não adiantou nada o que fizemos!
Mamãe, penso que cometemos um erro. Convinha deixá-lo agir.
- Nunca! - exclamou a condessa asperamente.
- Mamãe, não sei, mas sinto uma estranha sensação. A idéia de
Landolfo não é de se desprezar: deve haver algum feitiço em todo
esse negócio. Tiramo-lo da sua miserável Ordem, é verdade, mas
todos ficamos enfeitiçados. Em vez de estarmos em paz em
Roca-sêca, sepultamo-nos aqui, em Mpnte São João, como se
fossemos nós os prisioneiros, e tudo gira em torno do quarto da
torre. Antes ninguém prestava atenção a Tomás, enquanto agora
tornou-se o centro de todos os nossos pensamentos e atos.
Dir-te-ei, mamãe: quando o trouxemos para cá tive uma estranha
sensação, que então me pareceu tão tola que nem tive coragem de
falar. Agora, porém, vou te dizer: tive a impressão de que
arrastássemos para dentro destes muros o cavalo de Tróia.
- Que bobagem! - exclamou a condessa. - Verás que ele cria
juízo.
- Escuta, mamãe, até agora falaste com ele uma dúzia de vezes
... não? Digamos, meia dúzia. Cedeu ele uma polegada sequer?
Não: fica ali quietinho e satisfeito, não diz uma palavra e não se
move. As irmãs falaram-lhe até enrouquecerem. Em vão. Não
pretendes, creio, mantê-lo trancado por toda a vida.
- Rinaldo, eu sou a chefe da família e nunca aprovarei essa
loucura. A notícia que nos trouxe Landolfo dá-me até prazer: é
um bom sinal e prova que Tomás ainda é uma criança. Quer o hábito
dominicano, nada mais. Está bem, cederemos neste ponto, mas no
ponto mais importante terá que ceder ele. Escreverei ao papa e
suplicar-lhe-ei permita que Tomás, como abade de Montecassino,
continue a vestir seus trapos dominicanos.
Uma semana depois, Sinibaldo Fiesque, conde de Lavanha, papa com
o nome de Inocêncio IV, recebeu a carta da condessa de Aquino e a
entregou .ao secretário, dizendo com voz cansada e um tanto
irritada:
- Concedo.
- Está bem, santidade.
O secretário retirou-se, enquanto o papa se engolfava em seus
pensamentos, que a carta da condessa interrompera um instante.
A paz, então, apesar de tudo: finalmente a paz. Os preliminares e
as conferências com os homens de Frederico - Della Vigna, Tadeu
de Sessa e o arcebispo Berardo - tinham-se arrastado por semanas a
fio. Tinham sido discussões antipáticas com homens hábeis e
irônicos, cujos modos corteses serviam para esconder uma irredutível
hostilidade. Tivesse sido apenas hostilidade! Escondia-se também a
traição - pronta a explodir sob os suaves e zombeteiros sorrisos -
que parecia quase uma coisa viva e palpável.
Acordos e pactos com tal gente que podiam valer? Era bem doloroso
escutar Della Vigna que enumerava nos dedos as vantagens da paz na
qual ele próprio não acreditava, aquele Della Vigna de barba preta
e olhos oblíquos, que poderia inspirar um grande pintor para um
retrato de Judas Iscariotes e, apesar disso, era o mais fiel dos
partidários de Frederico, para os quais o imperador representava um
santo e mais ainda. Ele falava de Frederico como os muçulmanos
falavam de Maomé, com uma fé admirável, embora mal aplicada e com
visível desprezo pelo infiel sentado no trono papal. Um homem que,
sem escrúpulos, trairia qualquer juramento, desde que isso fosse
útil à causa do imperador. Ser obrigado a ouvi-lo. era muito
doloroso.
Pior ainda era aquela pesada e gorda massa de carne que representava o
arcebispo Berardo de Palermo, e desde o princípio, se pusera ao
lado de Frederico e com ele repartia a excomunhão. Pelo menos dele
se podia esperar um arrependimento sincero: porém ele queria traficar
com Deus e com São Pedro como um velho miserável que, no
confessionário, discutisse com o sacerdote para chegar a um acordo
sôbre o seu vício predileto. O imperador tinha-o nomeado "chefe da
Igreja da Sicília", como lhe assistisse o direito de distribuir
cargos, o que só à Igreja compete. Temia rebaixar-se ... em
vez de estar aflito pela sua alma. Os outros dignitários
eclesiásticos, como ele, eram a melhor prova de quanto fossem
necessárias as Ordens mendicantes ...
O grande predecessor de Fiesque, Inocêncio III, tinha sonhado,
dizia-se, que São Francisco sustentasse com seu débil corpo, como
um católico Atlante, a igreja de São João do Latrão e o
palácio do papa, e Inocêncio pensava tratar-se de um sonho
profético. Talvez o fosse mesmo ...
Feliz aquele que, sendo franciscano ou dominicano, podia louvar a
Deus de manhã a noite, trabalhar e estudar para maior glória de
Deus sem ter de enfrentar um emaranhado de víboras. Mas urgia trazer
a paz ao século atormentado: sem renunciar a nenhum princípio, era
preciso ceder em tudo mais até onde fosse possível, desde que se
tivesse paz. O armistício já tinha sido combinado e, graças a
Deus, as negociações pareciam aproximar-se da conclusão. Havia
finalmente algo que se podia esperar com fundamento ...
Silenciosamente, pôs-se a orar.
As três irmãs nunca se acostumaram totalmente ao seu
"prisioneiro". Era um acontecimento quando uma delas, com algum
pretexto, entrava no seu quarto, embora ele geralmente prosseguisse em
suas leituras. Não que aquela fosse uma atitude estudada ou um
comportamento para não ser incomodado. O que acontecia era que
Tomás não dava pela sua presença.
Teodora não sossegava, mas continuava a falar até que ele levantasse
o olhar e respondesse, ou então tirava-lhe o livro das mãos,
intimando-o: - Conta-me alguma coisa - como se fosse uma menina e
Tomás seu avô. Ele cedia sempre e falava daquilo que tinha lido,
mas depois de alguns minutos Teodora renunciava: - Coisas
excessivamente elevadas para mim, irmão monge.
Tomás não o admitia, e recomeçava do princípio,, dando
explicações mais simples, até que ela tinha de reconhecer ter
compreendido.
Adelásia também tinha que ouvir dissertações sôbre Aristóteles e
Pedro Lombardo.
A situação de Marta, que ia lá mais freqüentemente que as
outras, era bem diversa. Geralmente ela sentava junto dele, ou no
chão ou a seu lado, e ficava lá meia hora ou mais sem dizer palavra.
Adelásia, que tinha notado isso, perguntou-lhe por que, e recebeu
esta resposta:
- Porque lá reina a paz.
As vezes, porém, Tomás falava também com ela, que ficava
escutando de olhos muito abertos e com rosto sério, depois fazia
perguntas tocando sempre o cerne da questão. Ele contava de São
Domingos e de São Francisco. Quando falava de São Bento,
parecia-lhe notar na sua voz uma ligeira tristeza.
- Tomás, não sentes tê-lo abandonado? Para mim é o mais
querido de todos os santos de que me falastes.
Longa pausa.
- Não, Marta, não estou desgostoso, mas queria ... não
escolhi eu a Ordem, a Ordem beneditina. Escolheu-a papai quando
tinha eu cinco anos. Mas, uma vez conhecidos os fins da Ordem
dominicana, compreendi que nela é que devo agir. E claro, havia
outras razões que não posso dizer nem mesmo a ti, minha querida.
Agora eu sou o que Deus quer que eu seja: um dominicano ainda não
unido a seus confrades. Porém, nas fileiras dos discípulos de São
Bento deixei um vazio ... e é isso que me penaliza.
Depois de uma pausa ela disse:
- Creio que seja muito difícil ser frade ou freira.
Ele sorriu e o rosto dela se iluminou.
- Crês? As moças fazem o possível para serem belas de aspeto
... mas descuram a beleza interior. As freiras, ao contrário,
procuram ser belas interiormente, e essa beleza irradia-se também no
exterior.
Marta sacudiu a cabeça:
- Ser frade ou freira significa aspirar à santidade, e para
tornar-se santo deve-se ser enormemente virtuoso.
- Não, Marta, não é bem isso. A santidade é amor perfeito, e
todas as virtudes não são mais do que o fruto deste amor.
Calaram-se ambos por algum tempo, depois Marta levantou-se
exclamando: - Nunca poderei tornar-me freira - e saiu correndo.
Sur- acompanhou-a com o olhar e retomou o livro. Um minuto depois
tinha-a esquecido.
Na tarde desse mesmo dia a condessa entrou no aposento de Tomás, e,
triunfante, mostrou a resposta do papa que lhe permitia usar o hábito
dominicano mesmo como abade de Montecassino.
Tomás ficou imóvel, fixando o chão.
- Então, que dizes? Satisfeito? Ou ainda não?
- Mamãe, não visto este hábito por gosto, uso-o com todo o seu
significado. Sou dominicano.
Ela bateu o pé:
- O famoso voto de obediência parece não representar muito para ti.
Quererás opor-te também ao Pontífice?
Ele não notou quanto fossem injustas aquelas palavras; não sabia que
ela tinha escrito ao papa, nem conhecia o texto da resposta papal que
deferia muito friamente o pedido dela "quando o fato mencionado em sua
carta estivesse maduro". Limitou-se a dizer lentamente:
- Se o santo padre tiver de me impor alguma coisa, fá-lo-á
através dos superiores da Ordem.
- Tomás, Tomás!
- A regra quer assim, mamãe.
- És mesmo insuportável - gritou a condessa, e saiu tremendo de
cólera.
Em seguida manteve uma longa conversa com Landolfo e Rinaldo,
durante a qual os dois jovens pouco disseram:
- Vós estais aí de mãos abanando - concluiu. - Por que não
ides dizer-lhe a vossa opinião? Eu cheguei ao extremos das forças e
da paciência. Sei que não o tomo pelo lado certo, já que sempre o
seu silêncio me enfurece. Não sei comportar-me de outro modo;
agora deveis agir vós. Certamente não quero que o surreis de novo,
mas tu, Rinaldo, que pretendes ser poeta, deverias saber exprimir o
que pretendo e que todos pretendo-mos. Vai falar com ele!
Rinaldo suspirou:
- Um poeta contra um santo: verdadeiramente um belo torneio!
Landolfo providenciará os ruídos de fundo. Quero dizer, fará o
coro grego. Procura compreender, Landolfo: tu personificas as três
Erínias, as Eumênides que ameaçam o culpado com a ira perpétua
dos deuses, e, se Tomás continua a não querer fazer a vontade de
sua mãe, o exílio perpétuo dos abençoados Elísios.
- Como, como? Que é que terei de fazer? - A mitologia grega
não era o seu forte.
- Deves representar as três anciãs com as serpentes na cabeça.
Mas deixemos isso: ouve-me e aprove meus planos. Se tu, mamãe,
concordas, adiemos para amanhã o assalto. Já é tarde e ele
deita-se cedo; creio que ele siga o horário do mosteiro.
- Eu sei, - acrescentou a condessa, aborrecida - como sei que
cometi um erro deixando-lhe o hábito da Ordem. Entre ele e a Ordem
esse trapo representa uma espécie de liame, não é apenas um
capricho. Mas agora que o papa deferiu o meu pedido não se pode
voltar atrás. Então estamos de acordo: até amanhã.
Foram na tarde seguinte e Rinaldo fez um belo discurso. Começou
evocando o desejo paterno de que Tomás estivesse em Montecassino como
expiação do assalto que há mais de vinte anos o velho conde desferira
contra o convento. Falou da profunda e sincera mágoa da mãe.
Como? O nome de Aquino não representava nada para ele? Ninguém
queria obrigá-lo a viver no mundo, e todos respeitavam a sua
vocação para o sacerdócio: mas São Bento não era um santo igual
a São Domingos?
A argumentação era convincente, mas Rinaldo era muito bom
observador para não perceber que o dardo havia atingido o objetivo.
Repetiu-o, pois, com algumas variações. Tomás não pensara na
opinião que São Bento faria do seu modo de agir? Afinal das contas
ele tinha prioridade: era justo, era nobre, era piedoso largá-lo
por amor de outro? Não seria a oposição da família, e
especialmente da mãe, um sinal de São Bento? E vice-versa, se
realmente Tomás era chamado a seguir São Domingos, como se
explicava que Rinaldo e Landolfo tivessem conseguido interromper a sua
viagem? Não era de se pressupor que o santo teria de ajudá-lo e que
agora deveria estar nalgum convento dominicano da Itália setentrional
ou da França?
Landolfo ficara boquiaberto com a admirável dialética do irmão.
Tomás ouvira pacientemente; com aqueles grandes olhos redondos
parecia um pouco com uma coruja pensativa.
- Num ponto, Rinaldo, tens perfeitamente razão: São Bento
perdeu um de seus filhos...
- Vês?
- ... que Deus, porém, encontrará modo de substituir como e
quando quiser. Eu era apenas um oblato; agora sou um dominicano.
Quer dizer que subordinei minha vontade à dos meus superiores, e são
eles, não eu, que decidem a meu respeito.
- Em outras palavras, - rebateu Rinaldo - posso pôr-me em
contato com teus superiores e dizer-lhes que, se concordam, estás
pronto a abandonar a Ordem.
- Não - respondeu Tomás com firmeza. - Sou e serei sempre
dominicano, a menos que me expulsem.
- Escuta, irmão, - explodiu Rinaldo - és a mula mais teimosa
que já encontrei. Pois bem, se devemos mesmo ter na família um
frade mendicante, cuidaremos pelo menos que a nossa vergonha não
esteja à vista. Fica aqui nem que seja por vinte anos. Não me
incomodas.
- Tomás, tu nos colocas numa situação desagradável - interveio
Landolfo. - O imperador odeia as Ordens mendicantes, e nós
dependemos dele.
- Porém o imperador depende de Deus - replicou Tomás
tranqüilamente.
- Mas o imperador não crê em Deus - riu RinaIdo.
- Se isso é verdade, - disse Tomás - por que fazeis tanta
questão de o servir? Se servis a um homem que não serve a Deus,
como podeis, vós mesmos, servir a Deus? A menos que o façais como
o pior dos pecadores: contra vontade. Não estais cansados da
aliança com esse homem que persegue todos os sucessores de Pedro?
- Os papas vêm e vão - asseverou Landolfo dando de ombro - o
imperador fica. E ainda não é velho.
- Como a verdade é exatamente o oposto, deves estar errado rebateu
Tomás com indiferença.
Rinaldo riu de novo:
- Landolfo, não entres em litígio com este dialético. Tu,
pois, Tomás, estás errado e vou demonstrá-lo. Tu não sabes
como as coisas estão se desenrolando nestes tempos. Esta manhã
chegou um correio com notícias importantes: papa e imperador fazem as
pazes; a excomunhão será revogada a 6 de maio em Roma; o imperador
já está de viagem: como vês, não apostamos errado. - E
levantou-se. -Então, irmão monge, rogo-te refletir. Verifique
se o teu liame com os mendicantes profissionais aparece-te mesmo mais
importantes que o voto ele papai e a honra da família. Boa noite.
Fez sinal a Landolfo para não dizer mais nada e ambos saíram.
Tomás pensou na grande e santa alegria que teria enchido o coração
dos seus confrades com a notícia da paz. Tanto a haviam desejado,
aquela paz, e agora chegava...
- Houve um momento - disse RinaIdo quando estavam fora - em que me
pareceu tê-lo agarrado. Foi quando disse que abandonou São
Bento. Chegou mesmo a admiti-lo ...
- E, mas Deus pensará em substituí-lo como e quando quiser citou
Landolfo com ironia. - Não se sabe de que lado assaltá-lo, e eu
(ligo que está doido.
- Que está havendo? - perguntou RinaIdo. - Ouço a voz de
mamãe zangada. Com quem estará brigando?
- Com Marta, suponho, que não se apareceu durante todo o dia.
Os dois entraram nos aposentos da condessa.
- Temo que não ficarás muito satisfeita, mamãe, se te digo que
não conseguimos nada. Landolfo pode confirmar que falei com
eloqüência angélica.
A condessa estava muito pálida.
- Chegais num bom momento para congratular-vos com vossa irmã
Marta. Escondida, atrás das minhas costas, foi a um convento de
beneditinas e apresentou o pedido de admissão. Quer fazer-se freira
beneditina!
Os irmãos olharam-se assombrados e RinaIdo explodiu numa
gargalhada:
- Por todas as Fúrias, São Bento achou o substituto!
Landolfo, não estavas citando há pouco as palavras de Tomás?
Repete, repete! Repete-as mais uma vez, se tens coragem!
- Seja o que for que digais, não mudarei a minha resolução afirmou
Marta.
- Trazei vinho - suspirou RinaIdo. - O seu rosto tem a mesma
expressão do de Tomás. Já o vinho, rápido. Sinto-me mal.
Naquele dia a condessa retirou-se cedo. Marta tinha sido fechada em
casa, mas todos sabiam que aquela ordem, sugerida pela raiva, não
teria durado muito. Em outras circunstâncias a condessa teria
provavelmente aprovado a decisão da filha maior: a desgraça era que
tal decisão viria consolidar a posição de Tomás. Embora a
condessa tivesse proibido às outras duas filhas falassem com Marta,
elas, logo que a mãe deitou, foram a capucha para o quarto da irmã e
ficaram muito tempo conversando excitadas.
RinaIdo tinha proposto a Landolfo e a sir Piers um pequeno simpósio
no salão, mas depois de cerca de uma hora Piers pediu desculpas e se
retirou: não gostava de beber por amor da bebida.
- O diabo que o carregue, aquele jovem - exclamou RinaIdo. Vê
se não vais deitar também tu, Landolfo! Esta noite preciso de
companhia. Não quero ficar só.
- Enfeitiçou a ti também, parece - observou Landolfo.
- Quem, o inglês? Na Inglaterra a magia não se usa: só há
neblina.
- Qual inglês, qual nada! Refiro-me a Tomás:
- Não o nomeies! - implorou RinaIdo. - Não agüento mais.
"Deus o substituirá como e quando quiser", e eis Marta que quer
fazer-se freira. Quem será o próximo, Landolfo? Tu, talvez,
ou eu!
- Que estás fantasiando?
- Fantasiando? Meu caro Landolfo, é provável que tenhas razão.
Enfeitiçou-nos a nós todos. Já vistes mamãe nesse estado?
Marta vai fechar-se num convento. Adelásia há algum tempo fala
demais em Deus: será difícil adivinhar o porquê.
- Mamãe não devia ter permitido às moças irem tem com ele: são
muito influenciáveis.
- Dá-te por satisfeito de não ter tido que ir tu mesmo; de outra
forma a estas horas estarias de saia.
- Não sejas idiota, RinaIdo.
- Não sou idiota, mas apenas um pouco elevado, exatamente ao ponto
em que se vêem as coisas com maior lucidez. O cavalo de Tróia.
Disse-o não faz muito à mamãe. Tiramo-lo daquele seu danado
convento, e eis que transforma em convento o Monte São João.
Não estamos vivendo há muito como frades e freiras? Dá-lhe ainda
alguns meses de tempo e verás o que te arruma. E ele fica ali,
redondo e gordinho, sem sujeição alguma. Mas, que digo,
sujeição? Está vitorioso e triunfante. Tudo se desenrola como ele
quer. - Assim falando levantou-se. demais, caro irmão, vou-me
embora.
- Para onde?
- Para as cavalariças, buscar um cavalo, e depois para Nápoles,
visitar a pequena Bárbara. Ainda bem que não está aqui, senão
faz dela uma monja ... Por Vênus!
- Que te deu na veneta? - perguntou Landolfo admirado.
- Tive uma idéia - sussurrou RinaIdo. - Uma idéia
extraordinária: a solução de todas as soluções. O fim do
encantamento. Garanto-te. Landolfo, teu irmão é um homem
genial.
- Que idéia seria esta?
- Não te digo - declarou RinaIdo com satisfação. - Pelos
menos por enquanto. Ouve-me: estarei de volta ... vejamos ...
sexta-feira a noite, finas tia não deves dizê-lo a ninguém.
Entendido? Deves dizer que não tens idéia de quando voltarei.
Bem, sexta-feira bem tarde, pouco antes da meia-noite.
Providencia para que o turno de guarda seja teu. Não tenho nenhum
desejo de que o inglês me interrogue.
- Não compreendo por que deveria fazê-lo.
RinaIdo riu:
- Poderia acontecer ... dada a situação. Tu estarás de
guarda: faço questão e conto com isso. E verás que destruiremos os
feitiços do frade. Na manhã seguinte seguir-nos-á como um
cordeiro.
- Queres mesmo aplicar artes mágicas? - perguntou Landolfo entre o
temor e a esperança.
- Certamente. Magia verdadeira e própria, e muito custosa. Deixa
comigo. E lembra-te de não dizer palavra.
- Mas por que - perguntou a pequena Bárbara - por que queres que
eu faça essa coisa? - e mirava-se atentamente no espelho veneziano,
presente de um homem de aspeto muito nobre, que ela chamava Carlos,
mas que tinha outro nome; e ela nunca lhe tinha perguntado o
verdadeiro: não procurava ser curiosa, salvo em certas
circunstâncias; mas ela tinha a sensação, justificada, de que
neste caso a sua curiosidade teria sido perigosa.
- Por quê? - repetiu Rinaldo acariciando-lhe o ombro níveo.
Queres saber por que, minha doce pombinha, meu purgatório, meu
ídolo adorado? Vês, porque meu pobre irmãozinho me dá pena: não
achas uma vergonha o ter ele chegado aos dezoito anos sem ter provado
aquela doçura que se chama mulher? Aquilo que há de melhor na vida?
- E virgem? - perguntou a pequena Bárbara com interesse. Coisa
rara, hoje em dia. Mas por que justamente eu? ...
- A resposta não é difícil, minha pequena serpente, minha
cheirosa flor do Paraíso. Porque Somente a melhor pode servir para
meu irmão. Justamente por isso vim de Monte São João até aqui,
para isso estou pronto a certos sacrifícios financeiros ...
- És um hábil negociador - observou Bárbara. - Mas agora fala:
aqui deve haver alguma coisa que não vai. Dizes-me que teu irmão é
virgem aos dezoito anos, não quereria, porém, encontrar um velho
nojento ou atacado de uma doença repugnante ou coisa semelhante.
- Não tens mesmo nenhuma confiança em mim? - perguntou RinaIdo
em tom magoado.
- Nenhuma, nem um pingo.
- Está bem, dir-te-ei tudo. Há uma coisa que não vai: meu
irmão é monge e crê que morreria no instante que ousasse fitar os
olhos duma linda moça. Juro-te que não tem outros defeitos.
Bárbara divertia-se.
- Não o faremos morrer, pobre pequeno. Serei muito boazinha para
com ele, tão boazinha que ele pensará já estar no Paraíso.
- Não tome a coisa com muita facilidade - admoestou RinaIdo. -
E daqueles que se desvencilham deixando a capa entre os dedos rosados
da mulher de Putifar. Bem, escapar verdadeiramente não poderá
porque está fechado e preso: porém, nunca se sabe...
- Preso? - interrompeu Bárbara tornando-se desconfiada. - Por
que o prendeste?
- Está bem, - suspirou RinaIdo - explicarei isso também.
Mamãe mandou fechá-lo porque aquele bobo, no seu santo zelo, quer
tornar-se frade mendicante. E idiota a tal ponto que dá vontade de
chorar. Desconfio apenas que não queira nem olhar-te: mesmo tu
poderás falhar.
Ela sorriu meio divertida, meio desdenhosa:
- Será de carne e osso, imagino ...
- Tem bastante de uma e outra coisa.
- Então não tenhas medo - garantiu a pequena Bárbara. - Se
falhar, devolverei os teus dobrões de ouro, todos, até o último.
Nunca me aconteceu desde os catorze anos. - Tocou uma campainha e
depois de um, instante um velho de cabelo cinzento apareceu:
- Chamaste, patroa?
- Sim, Mateus. Atrela os cavalos. Vamos a Monte São João.
São ... estou certa, RinaIdo? ... cerca de sessenta e cinco
milhas. Prepara tudo que é preciso.
- Imediatamente, patroa. - O velho foi-se. Poucos sabiam que
ele era o tio da rapariga, e que a empregada era, na realidade, irmã
de Bárbara, muito menos bela que esta, é certo. Bárbara tinha o
orgulho da família.
- Eh! Landolfo!
- Entra, RinaIdo. Achaste o necessário para ... para aquilo
que queres fazer?
- Achei.
- Que é? Um filtro ou um esconjuro?
- E um súcubo.
- Um ... o quê?
- Tem dois seios brancos, fascinantes, lábios dulcíssimos, uma
quantidade de cachos vermelhos e chama-se Bárbara. Está esperando
lá fora, na carruagem.
Landolfo olhou-o fixamente.
- Enlouqueceste?
- Silêncio! - sibilou RinaIdo.
- Queres levar para dentro de casa de mamãe uma prostituta? ...
- Pára com isso! - incentivou RinaIdo em voz baixa.
Landolfo, porém, estava realmente zangado.
- Por mim podes ter as amantes que quiseres; nem eu sou santo: mas
trazê-la aqui onde ...
- Queres calar a boca, simplório? Não compreendes que é o
remédio para Tomás? Logo esteja entre seus braços ele esquecerá
todos os santos mendicantes. Talvez não queira, mas terá de
querer. Nestas coisas as Ordens não adiantam nada.
- Agora compreendo - disse Landolfo reprimindo uma gargalhada. -
Es mesmo fenomenal. Por que não a fizeste entrar logo?
- Sim, para que tu a chamasses de prostituta e lhe dissesses como
fazes questão da pureza desta casa! Conheço-te muito bem.
Depois, tinha de explorar o terreno e verificar se todos dormem.
Todos na cama?
- Sim, menos eu. Vai buscá-la, estou curioso por vê-Ia.
- Quieto com as mãos, porém, faz-me o favor. Não desejes a
pequena Bárbara de teu irmão!
Não houve dificuldade em fazê-la passar pela ponte levadiça,
apesar das sentinelas: duas moedas de ouro para cada uma e tudo se
arrumou. Depois de um minuto a jovem embuçada estava em casa.
- Landolfo, toma-lhe a capa e o véu. Não, querida, este não
é Tomás, é meu irmão Landolfo. Fica para outra vez. Agora
segue-me na ponta dos pés ... temos que subir para o quarto dele.
Tu, Landolfo, fica aqui: mesmo quando caminhas na ponta dos pés
ouve-se por todo o castelo.
- Que bocadinho, meu irmão ...
- Silêncio, agora!
Subiram e alcançaram o quarto da torre. Rinaldo abriu cuidadosamente
a porta e murmurou:
- Está deitado. Dorme. Vamos. entra.
E a pequena Bárbara entrou.
No leito estava um jovem monge gorducho com o hábito da Ordem. O
sobretudo preto servia-lhe de coberta. Como toda noite, tinha jogado
no chão a colcha e os travesseiros de seda. Dormia tranqüilo,
sôbre o lado direito, com os punhos sôbre o rosto, como as
crianças.
Que aspeto teria? Lentamente ela tomou com as mãos delicadas e sutis
os punhos dele, que eram enormes, e os puxou para si.
Tomás acordou e ela viu um rosto jovem e enérgico, com sobrancelhas
espessas sôbre os olhos pretos que olhavam para ela com serena
benevolência. Mas logo a benevolência desapareceu e foi substituída
primeiro por um imenso estupor, depois pela consternação.
- Quieto, menino querido! - murmurou ela com o seu mais doce
sorriso. Mas ele levantou-se de um salto, repelindo suas mãos e
continuando a olhá-la, mas já não com estupor ou consternação.
Seu olhar não revelava nem cólera nem desprezo, e pareceu a ela que
aquele jovem a reconhecesse, atravessando-a de lado a lado. Pela
primeira vez deu-se conta de ser o que realmente era; ela compreendeu
que seus triunfos não tinham sido de modo algum triunfos dela mesma,
mas de um outro. Compreendeu ser carne pintada e vestida de seda,
infestada de parasitas, e naqueles olhos negros pareceu-lhe vislumbrar
um pouco de compaixão. Ele a via como era na realidade ...
Tomás levantou-se da cama e pareceu tomar uma estatura imensa. Ela
não pôde resistir ao seu olhar, compreendeu que devia agir
rapidamente, sorriu-lhe, aproximou-se mais rim passo e, com um
movimento gracioso dos ombros, fez deslizar o vestido. Os
maravilhosos contornos da sua beleza cintilavam avermelhados à luz das
chamas da lareira.
Sem uma palavra ele alcançou com dois saltos o fogo, apanhou um
grosso tição aceso e dirigiu-se a ela com a serena decisão de quem
quer por fogo num monte de imundícias. A pequena Bárbara lançou um
grito de angústia, voltou-se apanhando seu vestido e fugiu correndo.
Houve um instante terrível em que a porta que ela, entrando, havia
fechado atrás de si, resistiu, enquanto ele a perseguia com o tição
incandenscente: irias o batente cedeu e ela fugiu escada abaixo,
gritando apavorada. Landolfo tentou retê-la e perguntar-lhe o que
houvera, mas ela o repeliu com força inaudita e saiu para o pátio,
enquanto lá em cima a porta se fechava com ruído atroante. Rinaldo
blasfemava baixinho. Após o primeiro grito assustado da pequena
Bárbara, Teodora abrira a porta do seu quarto e apareceu. Vendo
fugir a rapariga, seu rosto assumiu uma expressão que demonstrava como
ela tivesse compreendido claramente a situação. Rinaldo atirou-lhe
um olhar furibundo:
- Se revelares algo à mamãe, digo que és histérica. Volta para
a cama, amanhã explicarei.
Enquanto, porém, ela olhava-o com patente desprezo, do outro lado
do corredor ouviu-se a voz da condessa:
- Que há? Que aconteceu?
Teodora respondeu:
- Não é nada, mamãe, não é nada. Tive um pesadelo.
Aguardaram com a respiração suspensa, mas a mãe pareceu
;satisfeita com a resposta.
- Obrigado, querida, - disse Rinaldo passando a mão pela testa.
- Não sei que fazer dos teus agradecimentos - rebateu Teodora. -
És o homem mais vulgar e desprezível que já conheci. Lamento que
sejas meu irmão e agradeço a Deus por ter como irmão Tomás: Só
assim repara-se a vergonha. - E entrou no quarto.
Tomás tinha fechado a porta com um pontapé. Agora levanta o tição
aceso, e com gesto quase solene traçou sôbre a porta uma grande cruz
negra. Voltou à lareira, pôs a brasa onde a tinha apanhado, e
deitou-se de novo.
Dois ou três minutos antes estava ferrado no sono: !avia acordado'
Tinha, de fato, deixado a cama? E agora, estava acordado? A cruz
negra na porta era realidade?
Pensava tranqüilamente nestas coisas, e concluiu que não tinha
sonhado e que o fato, fosse real ou não, deixava-o indiferente.
Só o que importava era que, acordado ou adormecido, tinha sido
assaltado por tini dos piores inimigos da vida monástica, e que, com
a ajuda de Deis, soubera rechaçar o assalto. Juntou as mãos e
dirigiu a Deus uma fervorosa oração, pedindo-lhe o poupasse, para
o futuro, de tais tentações, para que todas as suas energias
estivessem a seu serviço.
As cinzentas e fofas nuvens cia consciência que se ia apagando
envolveram-no enquanto orava, e daquelas nuvens irrompeu rima onda
luminosa, que se mudava em todas as cores do arco-íris e depois
concentrava-se num único raio branco. Aliás, não era tini raio,
mas tini cone de luz de um candor ardente, que se aproximava com
inexorável segurança. Ele suspirou torcendo-se de dor, rio abismo
cio seu espírito,, bem sabendo de ter ele mesmo provocado aquela
chama devoradora, para que lhe ardesse na alma rima enorme cruz negra
... 1 qual ;e oferecia com um ato resoluto e decidido de toda a sua
vontade. f: eis a ponta do cone incandescente tocá-lo, e ele
lançar rim grito pelo insuportável sofrimento que parecia traçar em
torno dele rim círculo ardente, rima cintura de fogo.
Novamente no castelo todos acordaram, mas logo voltou o silêncio.
Na cama jazia um jovem monge gorducho, que dormia tranqüilo sôbre o
lado direito, com os punhos diante do rosto, como uma criança.
Quando Teodora subiu nos muros, Piers compreendeu logo que ela
queria falar com ele e sentiu o coração bater mais veloz.
- Sir Piers ...
-. Vosso servo, nobre dama.
- Honraste-me escolhendo-me como tua dama, mas até agora não te
pedi algum favor.
- De há muito entristece-me isso.
- Agora, porém, venho pedir teus serviços.
- Tornais-me feliz - disse Piers esquecendo a mágoa.
- O que tenho a dizer-te deve ficar em segredo entre nós dois. -
Será segredo enquanto vós o queirais.
Os olhos dela faiscaram:
- Sir Piers, meu irmão Tomás foi tratado de forma muito indigna e
injusta. Permite-me não acrescentar mais porque teria de acusar
alguns de meus parentes. Mas gostaria que estivesse livre entre os
irmãos da sua Ordem.
- Quereis que ele fuja? - perguntou Piers decididamente. - E
possível.
Cheia de alegria ela apertou-lhe as mãos:
- Ser-te-ei grata enquanto viver.
Ale ajoelhou-se e lhe beijou a mão.
- Eis, - disse levantando-se - já recebi o meu prêmio. Tendes
algum projeto ou preferis que eu resolva sozinho?
Ela sorriu satisfeita.
- Estamos mais adiantados que imaginas. Fizemos uma conspiração
com Adelásia e Marta, e estamos em contato com os dominicanos que
nos garantem que, se conseguirmos levá-lo para fora de Monte São
João, agirão de forma que não seja capturado novamente. Mas como
é possível com todas essas sentinelas em volta?
- Pela ponte levadiça não se pode passar porque as guardas de lá
não estão sob as minhas ordens. Mas lembro-me de um santo homem,
que pôde fugir de uma cidade hostil, fazendo-se descer pelos muros
dentro de um cesto.
Ela riu.
- Quem era?
- São Paulo, se não me engano, que escapou assim de Damasco.
Era um homenzinho franzino e três mocinhas poderiam cuidar da
empresa. No caso presente, porém, a coisa será mais difícil.
Ela riu de novo:
- Já estou agitada e não me agüento, e tu continuas a fazer-me
rir.
- Assim fazemos na Inglaterra quando se trata de coisas
verdadeiramente sérias.
- E quando se trata de uma brincadeira?
- Tornamo-nos terrivelmente sérios.
- Então devo deduzir, como diria Tomás, que em Roca-sêca e em
Monte São João nada tomaste a sério.
- Tomo a sério a vós, nobre dama, - disse Piers rindo.
- Em verdade não sei que seria de mim sem tu - confessou Teodora,
desejosa de voltar ao assunto. - Tens razão, para descer Tomás
pelos muros são necessários alguns homens bem fortes.
- Tenho o que é preciso: o meu escudeiro Robin. Quando esperais
os dominicanos?
- Basta que eu os avise. Amanhã de noite, serve?
- Perfeito. Providenciarei para que deste lado não haja
sentinelas. Robin cuidará da cesta e da corda. Vós cuidareis dos
dominicanos e ... de vosso irmão. Eis tudo.
Parecia fácil e óbvio; Piers talvez nem considerava a eventualidade
de ficar numa situação perigosa.
- Sou feliz - disse ela olhando-o radiante - que me tenhas
escolhido por tua dama. - E como se tivesse dito demais, voltou-se
apressada e desceu.
"Sou maluco", pensou Piers. "Vem aqui porque precisa dos meus
serviços e por nenhum outro motivo, mas, meu Deus, dai-me ainda
alguns desses instantes e aceitarei tudo sem me queixar".
- Rinaldo! acorda! Rinaldo!
- Que há ... Es tu, Landolfo?
- Toma da espada e vem. Querem fazer Tomás escapar.
- Quem? Quem são eles? Que dizes?
- Vamos, digo, Tomás foge. As moças fizeram-no sair e agora
está sôbre os muros. Ouvi um ruído, olhei pela janela...
vamos, apressa-te!
- Tomás escapa? - repetiu Rinaldo sentando-se na cama. - E a
melhor notícia deste ano.
- Estás maluco?
- Vai dormir, irmãozinho meu. Aliás, tu dormes ainda, não
acordaste. Acredita-me, estás adormecido.
- Paciência! Agirei sozinho. Vou chamar as sentinelas ...
Levantando-se com um salto, Rinaldo agarrou-o por um braço.
- Não, burro. Será possível que tu nunca saibas qual é a tua
vantagem?
- Larga-me! Enlouqueceste ...
- Estava louco, e também tu o estavas, quando o trouxemos para
cá. Se gritas te arrebento a cabeça com este jarro. Escuta:
pretendes ser por toda a vida carcereiro de teu irmão? Queres que
também Adelásia e Teodora façam-se freiras? Queres saber o que
penso? Que te diga em rosto o quanto és desprezível? Deixa-o ir!
- Mamãe, porém, ordenar-nos-á de persegui-lo.
- E nós o perseguiremos obedientes, mas não o alcançaremos ...
pelo menos enquanto eu puder impedi-lo. Boa noite, Landolfo ...
e se te encontrares no mesmo estado de ânimo que eu, esta será
também para ti a primeira boa noite desde há muito ...
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