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A nossa inteligência é discursiva, isto é, progride nos seus
conhecimentos encadeando raciocínios. Os conhecimentos novos são
conclusões fundadas nos elementos, já conhecidos, de que o
raciocínio parte; dada a impossibilidade de encadear raciocínios em
número infinito, todas as conclusões, em última análise, se vêm
portanto a basear, direta ou indiretamente, sobre afirmações não
raciocinadas: os princípios. Os conhecimentos empíricos,
resultantes diretamente da observação, desempenham o papel de
princípios particulares, relativos só a um objeto determinado; há
também os princípios gerais, os princípios propriamente ditos, que
são de natureza diversa conforme o ramo da ciência de que se trata.
Ha ciências, como a matemática pura, que lidam com seres ideais.
Nelas desempenham papel de princípios as definições desses seres
[26]. Nas outras ciências, as definições resultam duma indução
prévia; e só podem servir de princípios para a parte da ciência que
se segue a essa indução.
Nas ciências experimentais, aparecem princípios de ordem empírica,
simples generalizações de fatos observados muitas vezes. Também há
princípios que não passam de hipóteses, a justificar pela
concordância das conclusões nelas baseadas com os resultados da
experiência. Há, finalmente, princípios evidentes, afirmações
que sabemos verdadeiras desde que compreendemos o significado dos seus
termos.
São comuns a todas as ciências os princípios evidentes em que se
fundam as leis do raciocínio verdadeiro. Mas, nas ciências
especializadas, juntam-se-lhes outros princípios gerais,
evidentes, empíricos ou hipotéticos, conforme o caso,
definições, ou até conclusões doutra ciência mais geral, de que a
primeira fica então dependente. Serve de exemplo deste último caso o
princípio em que se funda a compensação das observações pelo
método dos mínimos quadrados; princípio que o cálculo das
probabilidades demonstra, dadas certas condições.
Como as conclusões não podem valer mais do que os princípios, o
caráter duma ciência é determinado pela natureza dos seus. Os
princípios empíricos de ordem quantitativa são sempre aproximados,
porque toda a medida é afetada de erro, por pequeno que seja; as
conclusões, então, só serão também verdadeiras com uma certa
aproximação. Veja-se por exemplo esse princípio da química que é
a lei de Lavoisier, da conservação das massas dos reagentes; não
atende à variação de massa que, segundo parece hoje provado,
resulta da energia absorvida ou libertada na reação. O erro é
mínimo; mas afeta os resultados de todos os cálculos baseados na lei
de Lavoisier.
Os princípios com caráter de hipóteses também conduzem a resultados
simplesmente aproximados, visto que é pela experiência que se
verificam os resultados; o erro pode tornar-se muito grande quando se
aplicam a campos afastados daqueles em que a verificação foi feita.
Torna-se hipotética toda a estrutura das ciências baseadas em
princípios desses; e as suas conclusões só merecem confiança na
medida em que foram verificadas. Tais princípios podem às vezes ser
substituídos por outros fundamentalmente diferentes, que conduzam, em
grande parte, a resultados sensivelmente iguais. Veja-se, por
exemplo, o princípio em que a mecânica clássica baseia a lei da
adição das velocidades; a mecânica relativista substitui-lhe outro
muito diferente, sem que se note divergência nos resultados dos
cálculos feitos para as velocidades usuais.
As ciências que, além dos princípios evidentes, só se fundam em
definições de seres ideais, são exatas. Com efeito, se essas
definições constituem os seres de que se ocupam, todas as conclusões
tiradas validamente das definições são verdadeiras desses seres. É
o caso da matemática, e da estrutura matemática de muitas outras
ciências.
De qualquer forma, o que constitui cada ciência em corpo de doutrina
é a existência dum grupo de princípios em que se fundam todas as suas
conclusões.
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