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Nos atos propriamente humanos, como vimos, o apetite sensível actua
subordinado à vontade. Nem sempre assim acontece. Esse apetite é
sede de movimentos, despertados diretamente pelos sentidos, que podem
perturbar a obediência à vontade, ou mesmo, quando são muito
violentos, paralisar completamente a vontade e impedir o exercício da
inteligência. Esses movimentos chamam-se Paixões; algumas têm
nomes iguais aos de sentimentos ou virtudes que por qualquer motivo se
lhes assemelham, mas não são paixões, por não terem a sua sede na
sensibilidade, e com que por isso convém não as confundir.
As paixões podem ter por sede o apetite concupiscível ou o
irascível. De entre as primeiras distinguimos o amor, o
amor-paixão, animal, não o amor humano, intelectual, que tem sede
na vontade, o ódio, o desejo e a aversão, a alegria e a tristeza.
O amor tem por objeto um bem sensível e o ódio um mal, um objeto que
dele nos priva, considerados em si mesmos. O desejo e a aversão
dirigem-se, respectivamente, a um bem ausente ou a um mal afastado;
a alegria resulta do bem possuído, a tristeza da presença de um mal.
Nada impede que existam simultaneamente várias lestas paixões, nem,
de resto, que coexistam com elas algumas das paixões do irascível de
que vamos falar, assim o mesmo bem pelo qual temos amor pode provocar
em nós a tristeza de o não possuirmos e o desejo de o alcançar.
As paixões do apetite irascível têm por objeto bens ou males que
apresentam, como caráter particular, uma certa dificuldade, o
obrigam, para se obterem ou evitarem, a esforços e sacrifícios.
Perante um bem que nos parece possível obter, nasce em nós a paixão
da esperança (que se não deve confundir com a virtude teologal do
mesmo nome); perante um mal possível de evitar, nasce a audácia.
O desespero, pelo contrário, tem por objeto o bem que julgamos
impossível conseguir; do mesmo modo, o medo refere-se ao mal
iminente, de que supomos não nos poder livrar. Finalmente, na
presença dum mal que nos atinge diretamente, a nossa reação é a
cólera.
Assim como as paixões arrastam às vezes a vontade, impedindo-a de
desempenhar as suas funções, também a vontade pode despertar as
paixões, ordena-las, e utiliza-las para os fins que traçou. Ao
contrário dos estóicos, Aristóteles, e com ele S. Tomás,
entendem que é lícito ao homem proceder assim. O tomismo,
portanto, não exige do homem a impassividade, mas simplesmente uma
disciplina que assegure em tudo a supremacia da razão. Voltaremos a
este assunto quando falarmos da moral; só me refiro agora a ele, para
lembrar mais uma vez quanto a doutrina tomista é humana e equilibrada.
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