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Quero ainda tratar duma última questão.
Chamei verdadeira à filosofia entendida à maneira tomista; é
indispensável precisar bem o sentido em que isso se deve compreender.
Não podemos duvidar da verdade dos seus princípios, que são os
princípios fundamentais da própria razão humana. Não podemos
também duvidar da veracidade das suas conclusões principais, baseadas
diretamente sobre os princípios, por meio de raciocínios poucos e
simples. Mas, à medida que se encadeiam os raciocínios em que se
fundam as conclusões mais particulares, a possibilidade de erro
aparece. Há o perigo duma omissão involuntária, ou duma
observação errada dos fatos concretos. Por isso falando da verdade
do tomismo, não quero dizer que tudo o que exponho seja certo, muito
embora me limite às teses importantes. Pelo contrário: chamo
expressamente a atenção para o fato de poder haver no que digo, e no
que dizem S. Tomás o os seus discípulos categorizados, erros ainda
não verificados até hoje, embora não seja nas questões capitais.
S. Tomás assim pensava: A inteligência, dizia, "não pode
errar a respeito daquelas proposições que conhece apenas compreende a
significação dos termos, como os primeiros princípios; e daí
provém a verdade [...] das suas conclusões"; mas "pode errar,
quando ordena uma coisa a outra, por composição ou divisão de
idéias, ou raciocínio [...]. Pode também enganar-se sobre o
que uma coisa é"; porque "a definição duma coisa é falsa a
respeito doutra [21]".
Finalmente, quero lembrar que ninguém deve julgar-se obrigado, pelo
fato de ser católico, a adotar a filosofia tomista. À Igreja,
como Igreja, não compete julgar uma filosofia do ponto de vista
filosófico. Pode declarar que as suas teses contrariam, ou não, as
verdades reveladas; pode reconhecer que elas se prestam bem ou mal a
auxiliar o estudo da teologia; e, por estes dois aspectos, a Igreja
tem recomendado o tomismo, com insistência. Pelo Código de
Direito Canónico, manda ensiná-lo nos seminários; tem-no
louvado altamente pela boca dos Papas, na Encíclica "Aeterni
Patris" de Leão XIII, por exemplo; formulou, oficialmente,
as suas teses principais, as "24 Teses Tomistas", aprovadas por
Pio X. Mas não liga o tomismo à fé. Não priva nenhum católico
do direito de seguir outra filosofia, se for igualmente isenta de erro
em questões de fé; e já tem declarado isentas de erro, em matéria
religiosa, outras filosofias além da de S. Tomás.
Não é a Igreja, diremos nós, é a razão quem impede que se possa
elaborar uma filosofia substancialmente diferente do tomismo.
Substancialmente, porque as mesmas verdades basilares podem talvez
traduzir-se em termos bastante diferentes na aparência. É a lição
que podemos colher da atitude constante de S. Tomás para com os
sistemas dos outros filósofos.
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