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Além de negarmos de Deus toda a composição, toda a dependência,
toda a imperfeição, todo o limite, devemos negar dele toda a
mudança. Uma coisa que muda, muda do que é para o que não é; e
em Deus não há qualquer potencialidade. A mudança exige uma
causa, um motor; e Deus é o Primeiro Motor, como já vimos. Se
uma coisa se move a si mesma, é porque uma parte move outra; e em
Deus não há partes. Devemos portanto dizer que Deus é imutável
em absoluto, e que a imutabilidade, como todos os outros atributos,
se identifica com a sua essência.
Quando por isso dizemos que Deus vê, perdoa, resolve, castiga, e
outras coisas semelhantes, há antropomorfismo na maneira de falar que
devemos ter todo o cuidado em não deixar passar para a idéia que
exprimimos. Todas essas expressões se devem entender de Deus por
analogia. Atribuímos-lhe de maneira eminente, na simplicidade da
sua essência, as realidades que em nós se traduzem pelos atos a que
damos esses nomes; nada mais. Deve ficar bem claro no nosso espírito
que Deus não muda de qualquer maneira que seja, nem substancial nem
acidentalmente, nem de idéias nem de resolução. Em Deus não há
nada disso. Há um ser simples e ilimitado, de que o nosso espírito
não pode fazer uma pálida idéia senão olhando-o por facetas,
vendo-o à maneira humana; mas sem atribuir a Deus o que, nessa
maneira de ver, é simples exigência da nossa inteligência
imperfeita.
Ser imutável é próprio a Deus. Tudo o mais está sujeito à
mudança, duma maneira ou doutra. As coisas materiais mudam na
substância e nos acidentes. As formas puras, os Anjos, não mudam
substancialmente, mas mudam de operação; aplicam-se a uma coisa
depois de se terem aplicado a outra. Os astros, no tempo de S.
Tomás, constituíam uma dificuldade, visto se supor então que não
evolucionavam; mas, observa S. Tomás, mudam pelo menos de lugar.
E, vista a questão por outro lado, olhadas as coisas não em si
mesmas, mas na sua dependência da Causa Primária, todas,
absolutamente falando, estão sujeitas à mais radical das mudanças,
ao aniquilamento; porque todas estão em potência ao não-ser, visto
o não existirem não contrariar a sua essência. Só o ato criador
que lhes dá o ser as mantém existentes.
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