15. Apreciação da teoria tomista do conhecimento.

A teoria tomista do conhecimento enquadra-se perfeitamente no sistema de S. Tomás, em pleno acordo com os princípios e com as soluções adoptadas anteriormente. Puderam-se analisar e assimilar todos os fatos, desde o conhecimento sensível à síntese intelectual. O seu estudo crítico não revela nenhuma contradição, nenhuma dificuldade insolúvel que oponha uns princípios a outros ou todos aos fatos observados. As idéias com que estamos a lidar desde o início, e com que lidamos desde que começamos a pensar, sabemos agora como vieram até nós, e porque nos dão conhecimento válido dos objetos reais.

Para bem apreciar a teoria do conhecimento de S. Tomás, há um certo número de pontos que é preciso não perder de vista.

Primeiro, S. Tomás estuda o nosso modo normal de conhecimento. Nada impede, mesmo no campo do natural, que haja outros modos de conhecimento, excepcionais, extraordinários: telepatia, iluminações, intuições. Compete à experiência decidir se existem ou não essas formas de conhecimento. S. Tomás prevê expressamente a sua possibilidade, num artigo da Suma teológica [89].

Em segundo lugar, ninguém conhece melhor do que S. Tomás as deficiências da nossa inteligência, mesmo para a atividade que é lhe mais natural. S. Tomás insiste em que o nosso conhecimento de qualquer objeto é primeiro confuso, e só progressivamente se vai tornando claro, pela análise das notas pertencentes a cada essência, ou pelo estudo pormenorizado de todas as partes dum todo [90]. Para todos nós, muitas vezes, e sempre para alguns, o conhecimento não passa da primeira fase, e fica confuso, indistinto. S. Tomás não se esquece de pôr em relevo que nem todos podem ter, duma mesma realidade, conhecimento igualmente perfeito [91]. Frisa também que a inteligência pode errar por acidente, seja ao compor eu decompor idéias no raciocínio, seja tomando um objeto por outro [92].

Finalmente, como já disse repetidas vezes, o nosso conhecimento das coisas é ao mesmo tempo verdadeiro, parcial e progressivo. Verdadeiro, porque o que afirmamos do objeto que conhecemos existe nele de fato; abstraímo-lo do que, a seu respeito, nos foi transmitido pelos sentidos. Parcial, porque não podemos ter a pretensão de saber tudo a seu respeito; conhecêmo-lo de fora para dentro, do que é para o que o faz ser, da qüididade para a essência; por muito que saibamos sobre ele, há sempre nele coisas para aprender. Progressivo, porque por novas operações de conhecimento, por novas observações e novas abstrações, ou por análise das abstrações já feitas, podemos aumentar sempre o nosso conhecimento do objeto.

Se tivermos estas coisas bem presentes no espírito, a teoria tomista do conhecimento perde para nós a aparência de rigidez, de dogmatismo, que pode ter para as pessoas desprevenidas, e que lhe vem do se referir ao conhecimento na medida em que é conhecimento, ao conhecimento como tal, não aos esforços que tantas vezes fazemos inutilmente para conhecer qualquer coisa. O que esta teoria estuda é, propriamente, isto: Como conhecemos um objeto, quando, de fato, o conhecemos? À questão assim posta, não interessam diretamente as deficiências e as singularidades do processo, mas o seu funcionamento normal.

Reserva análoga se deve fazer em muitos outros assuntos. Os antigos escolásticos usavam sempre as palavras no seu sentido estrito, no que chamavam o seu significado formal. É freqüente, por exemplo, vê-los atribuir à ciência uma veracidade que nos espanta, habituados como estamos aos erros que se encontram na ciência daquele tempo, e até na de tempos bem mais modernos; é porque eles falavam da ciência como tal, do que de fato se sabe; das conclusões certas, e não das simplesmente prováveis. Hoje, a diversidade dos sistemas, e mais ainda a das terminologias filosóficas, levou a uma linguagem mais flexível, mas muito menos precisa; há no entanto toda a vantagem, dentro dum sistema que tem tradições de tantos séculos como o tomista, em nos aproximarmos quanto possível do ideal antigo: linguagem clara, termos definidos com precisão e empregados com rigor.

Dado o valor da linguagem como auxiliar do pensamento, não pode ter melhor base quem queira raciocinar com segurança, de acordo com as leis da lógica, que vamos estudar na próxima lição.