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Em 1269, S. Tomás foi chamado novamente a Paris, onde estava
no auge a questão do averroísmo latino. Era a última fase da luta a
que tinha dado lugar o aparecimento da filosofia de Aristóteles.
Torna-se preciso expor rapidamente o estado da questão, para se
poder avaliar do grau de desorientação a que ela tinha levado
espíritos que não tinham a grandeza e o equilíbrio do gênio de S.
Tomás.
Os filósofos cristãos anteriores a S. Tomás tinham sofrido
fortemente a influência de S. Agostinho, e, por intermédio
deste, a de Platão e dos neoplatônicos. Ora o platonismo opõe-se
essencialmente à filosofia aristotélica em tudo o que diz respeito ao
conhecimento. Platão entende que os nossos conhecimentos provêm
diretamente das "Idéias", exemplares ou protótipos eternos, de
que, em sua opinião, as coisas reais são reflexo imperfeito; e S.
Agostinho, pondo as Idéias em Deus, criador das coisas, pensa
também que os nossos conhecimentos são uma participação direta das
verdades eternas. Aristóteles, pelo contrário, conclui da
observação dos fatos que os nossos conhecimentos são abstraídos das
coisas; sendo o processo de abstracção obra do que chama o
"intelecto agente".
S. Tomás era discípulo convicto de S. Agostinho. Aceitava, no
essencial, a sua teologia; admitia muitas das suas opiniões
filosóficas, que, aliás, não chegam a formar um todo bem destacado
da teologia; em particular, pensava como ele que as Idéias de
Platão eram simplesmente aspectos diversos da perfeição divina.
Mas, no conhecimento, seguia Aristóteles, mantendo-se
perfeitamente dentro da doutrina cristã, visto que admitia em cada
homem um intelecto agente, simples faculdade da alma, e estendia a
imortalidade a toda a alma imaterial. Averrois, pelo contrário,
supunha um só intelecto agente, comum a todos os homens; e, como
limitava a imortalidade ao intelecto agente, negava a imortalidade
pessoal do homem, o que é, evidentemente, oposto ao cristianismo.
Os augustinistas, entre outros Alexandre de Hales, João Peckam,
e o Bispo de Paris Estêvão Tempier, eram católicos sinceros, e
combatiam encarniçadamente o averroísmo; mas entendiam, como os
averroístas, que Aristóteles só admitia a interpretação de
Averrois, e por isso combatiam todo o aristotelismo, com o mesmo
fervor. Em especial, combatiam a tese da unidade de forma
substancial no homem, defendida por S. Tomás.
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