5. O princípio de inteligibilidade.

Finalmente, sabemos que se as bases dum raciocínio correto estão de acordo com a realidade, a conclusão está-lo-á também. Assim, quando dizemos que o cavalo branco de Napoleão não era preto, temos consciência de que não se trata só duma impossibilidade, para o nosso espírito, de afirmar o contrário; mas de que o cavalo, de fato, não podia ser preto, visto que era branco.

Por outras palavras, reconhecemos que o ser é inteligível; que as leis do nosso pensamento são idênticas às do ser, na sua realidade, ditadas por elas, manifestação delas. É o princípio de inteligibilidade.

Trata-se, como nos princípios de contradição a realidade, duma certeza primária, direta, imediata; por outras palavras, natural. Sabemos que é assim; não há melhor maneira de exprimir o fato. E, neste caso, pela reflexão, podemos saber que se trata de evidência fundada numa intuição intelectual no sensível, isto é, ao contacto do que os sentidos nos dão a conhecer.

Precisando melhor: é evidente que as relações, que a nossa inteligência verifica entre as coisas, são idênticas às que entre elas existem na realidade, embora a maneira por que as coisas existem na realidade seja diversa daquela por que existem no pensamento; concreta, material, individual, na realidade, abstrata, como conceito, no nosso espírito. Veremos depois que esta propriedade do ser se manifestar de maneiras essencialmente diversas, mantendo íntegras as suas leis fundamentais, se chama a analogia do ser. Neste caso particular, quando o nosso espírito afirma legitimamente qualquer propriedade acerca de uma coisa conhecida, podemos dizer que a coisa conhecida está para a propriedade afirmada na mesma relação que a coisa real para a propriedade real.

O conhecimento que a inteligência nos dá das coisas não é perfeito, como não o é, vimo-lo já, o que nos dão os sentidos. Há possibilidade de erro quando encadeamos raciocínios, a partir das propriedades conhecidas duma coisa; mas é porque há o risco de, no raciocínio, não termos observado as leis que o deviam reger. Pode também dar-se o caso de, pela força do hábito, sermos levado a tomar por verdadeiras proposições que de fato o não são. É questão de cuidado, de procurar reconduzir essas proposições aos primeiros princípios que enumerei. Nem uma coisa nem outra se opõe ao princípio de inteligibilidade. É claro, por outro lado, que o real, na sua totalidade, excede a capacidade da nossa inteligência. O nosso conhecimento será por isso sempre parcial; a nossa ciência rodeada de penumbra, de mistério; mas, do que podemos conhecer, não deixa de ser verdadeira.

É o princípio de inteligibilidade que nos permite identificar absurdo e impossível, irrealizável; não-absurdo e possível em si mesmo; conseqüência logicamente necessária e conseqüência realmente necessária. Nele se podem fundar outros princípios evidentes por si mesmos, e muito importantes; em primeiro lugar o de razão de ser: tudo quanto existe tem uma razão suficiente de existir; depois o de causalidade, nas suas várias modalidades. Trataremos deles na lição seguinte.