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Passemos à perfeição de Deus.
Nos seres materiais, perfeição é quase sempre sinônimo de
complicação. Essas coisas são feitas, e feitas com partes ou
materiais preexistentes, de possibilidades sempre limitadas. As
simples, por não se poderem adaptar a todos os casos e a todas as
necessidades, só imperfeitamente conseguem o seu fim; as mais
perfeitas, se não têm essas deficiências, é à custa duma maior
complicação no número ou na disposição das suas partes.
A Deus, que é simples, não podemos atribuir uma perfeição assim
entendida. É preciso por isso observar que o paralelo entre a
perfeição e a complicação não é absoluto. Há na perfeição
três graus a considerar. O primeiro, e o mais baixo, é a pobreza
de perfeição das coisas simples que, por serem aptas para pouco, só
podem ter uma atividade muito rudimentar. O segundo é a complicação
das coisas bem apropriadas ao seu fim, mas que precisam de órgãos
especiais para cada modalidade da sua ação. O mais alto é a riqueza
de perfeição das coisas que, sem necessidade de disposições
complicadas, estão aptas a atingir o seu fim. Chamo a atenção para
esta escala de valores, porque aparece muitas vezes na obra de S.
Tomás, nos assuntos mais variados. S. Tomás costuma dar este
exemplo muito simples: a pior saúde é a da pessoa que, por nem com
auxilio de remédios poder passar bem, não faz tratamento nenhum.
Segue-se-lhe a da pessoa que se mantém de boa saúde à custa de
muitos remédios e tratamentos complicados. Finalmente, a melhor é a
de quem não precisa de remédios para ter saúde [59].
Vê-se pelo que disse que, no seu mais alto grau, a perfeição
encontra a simplicidade. É, de maneira eminente, o caso de Deus,
absolutamente simples e soberanamente perfeito.
Que não podemos deixar de atribuir a Deus a perfeição resulta da
consideração seguinte: uma coisa diz-se perfeita na medida em que
nada lhe falta do que compete ao seu modo de ser, isto é, na medida
em que é em ato. Deus, ato puro, deve por isso dizer-se perfeito,
sem restrições. Mas a perfeição, como o ser, como todos os
atributos positivos, é-lhe atribuída em grau eminente, por
analogia. A perfeição das criaturas está sujeita a um modo
determinado; a de Deus é superior a todos os modos. Podemos dizer
que em Deus existem as perfeições de todas as coisas, mas
virtualmente, exprimindo com isso que as coisas dependem dele por tudo
quanto têm de perfeito, pela totalidade do seu ser.
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