G. Os séculos XIX e XX.


33. Kant.

Como os dois séculos precedentes são dominados por Descartes, o século XIX é dominado por Kant, de que por isso trato com os filósofos desse século, embora cronologicamente melhor pertencesse ao anterior (viveu de 1724 a 1804). Ao pensamento de Kant, apresentava-se o espetáculo duma filosofia em que se multiplicavam os sistemas, todos de valor efêmero, contradizendo-se mutuamente, ao passo que as outras ciências, principalmente a física, se desenvolviam por um progresso contínuo. Para encontrar os motivos desse contraste, Kant faz o estudo crítico do conhecimento humano. Em sua opinião, o íntimo das coisas, o númeno, não pode ser atingido por nós; só conhecemos as impressões que elas produzem em nós, os fenômenos, que vazamos em moldes vazios, preexistentes no nosso espírito, a que Kant chama formas a priori. As primeiras são o espaço e o tempo, formas a priori da sensibilidade; são formas a priori, ainda, mas do entendimento, a unidade e a pluralidade, a substância, a causalidade, a existência, etc. A nossa inteligência combina os conceitos assim obtidos pelo raciocínio, segundo as suas próprias leis; de forma que a verdade duma conclusão não é mais do que a sua conformidade com as leis do nosso espírito. Na metafísica, a que Kant, como Descartes, nega qualquer fundamento experimental, os raciocínios são feitos com quadros vazios, não têm base; e as suas conclusões não correspondem a nada de real. Nas célebres antinomias, Kant julga demonstrar, validamente, teses metafísicas contraditórias: a eternidade e a não-eternidade do mundo, por exemplo, a existência e a não-existência da primeira causa, etc. Assim se explica, segundo Kant, a diversidade das escolas filosóficas. Kant chama a este trabalho a "Crítica da razão pura".

Por outro lado, Kant considera que entre os imperativos da nossa razão, quase todos condicionais: "Faze isto, se queres aquilo", há um imperativo incondicional, o do dever, a que Kant chama por isso imperativo categórico.

"Faze assim", sem mais. Esse imperativo, diz Kant, postula a existência de Deus como legislador, e a existência da alma imortal, pela necessidade da justa recompense. É a "Crítica da razão prática".

Voltarei a este assunto quando estudar a questão da crítica [25].