IV. Os Primeiros Princípios.

A. Os Princípios.


1. Os princípios em geral.

A nossa inteligência é discursiva, isto é, progride nos seus conhecimentos encadeando raciocínios. Os conhecimentos novos são conclusões fundadas nos elementos, já conhecidos, de que o raciocínio parte; dada a impossibilidade de encadear raciocínios em número infinito, todas as conclusões, em última análise, se vêm portanto a basear, direta ou indiretamente, sobre afirmações não raciocinadas: os princípios. Os conhecimentos empíricos, resultantes diretamente da observação, desempenham o papel de princípios particulares, relativos só a um objeto determinado; há também os princípios gerais, os princípios propriamente ditos, que são de natureza diversa conforme o ramo da ciência de que se trata.

Ha ciências, como a matemática pura, que lidam com seres ideais. Nelas desempenham papel de princípios as definições desses seres [26]. Nas outras ciências, as definições resultam duma indução prévia; e só podem servir de princípios para a parte da ciência que se segue a essa indução.

Nas ciências experimentais, aparecem princípios de ordem empírica, simples generalizações de fatos observados muitas vezes. Também há princípios que não passam de hipóteses, a justificar pela concordância das conclusões nelas baseadas com os resultados da experiência. Há, finalmente, princípios evidentes, afirmações que sabemos verdadeiras desde que compreendemos o significado dos seus termos.

São comuns a todas as ciências os princípios evidentes em que se fundam as leis do raciocínio verdadeiro. Mas, nas ciências especializadas, juntam-se-lhes outros princípios gerais, evidentes, empíricos ou hipotéticos, conforme o caso, definições, ou até conclusões doutra ciência mais geral, de que a primeira fica então dependente. Serve de exemplo deste último caso o princípio em que se funda a compensação das observações pelo método dos mínimos quadrados; princípio que o cálculo das probabilidades demonstra, dadas certas condições.

Como as conclusões não podem valer mais do que os princípios, o caráter duma ciência é determinado pela natureza dos seus. Os princípios empíricos de ordem quantitativa são sempre aproximados, porque toda a medida é afetada de erro, por pequeno que seja; as conclusões, então, só serão também verdadeiras com uma certa aproximação. Veja-se por exemplo esse princípio da química que é a lei de Lavoisier, da conservação das massas dos reagentes; não atende à variação de massa que, segundo parece hoje provado, resulta da energia absorvida ou libertada na reação. O erro é mínimo; mas afeta os resultados de todos os cálculos baseados na lei de Lavoisier.

Os princípios com caráter de hipóteses também conduzem a resultados simplesmente aproximados, visto que é pela experiência que se verificam os resultados; o erro pode tornar-se muito grande quando se aplicam a campos afastados daqueles em que a verificação foi feita. Torna-se hipotética toda a estrutura das ciências baseadas em princípios desses; e as suas conclusões só merecem confiança na medida em que foram verificadas. Tais princípios podem às vezes ser substituídos por outros fundamentalmente diferentes, que conduzam, em grande parte, a resultados sensivelmente iguais. Veja-se, por exemplo, o princípio em que a mecânica clássica baseia a lei da adição das velocidades; a mecânica relativista substitui-lhe outro muito diferente, sem que se note divergência nos resultados dos cálculos feitos para as velocidades usuais.

As ciências que, além dos princípios evidentes, só se fundam em definições de seres ideais, são exatas. Com efeito, se essas definições constituem os seres de que se ocupam, todas as conclusões tiradas validamente das definições são verdadeiras desses seres. É o caso da matemática, e da estrutura matemática de muitas outras ciências.

De qualquer forma, o que constitui cada ciência em corpo de doutrina é a existência dum grupo de princípios em que se fundam todas as suas conclusões.