7. As categorias.

Entre as maneiras de ser dos diversos acidentes há diferenças profundas. Por isso Aristóteles, quando deu o nome de categorias às modalidades mais gerais do ser (que também se designam pela palavra latina correspondente, predicamentos), fez da substância a primeira, e agrupou os acidentes nas restantes. Aristóteles distingue dez predicamentos, dez gêneros supremos, irredutíveis uns aos outros. Só são realmente importantes os oito primeiros substância, qualidade, quantidade, relação, ação, paixão, lugar e tempo.

Da substância já falei suficientemente. O predicamento qualidade compreende tudo o que determina um ser em si mesmo, em razão da forma, e independentemente dos outros seres; são qualidades, por exemplo, as disposições estáveis e passageiras, as propriedades, as faculdades de agir desta ou daquela maneira, a configuração, etc. A quantidade inclui as noções de número e extensão. Relação é o que estabelece a ordem entre dois ou mais seres; pode ser de razão, se, na realidade, não afeta em nada esses seres, e só existe no nosso espírito (como, por exemplo, uma relação de igualdade), ou real, quando os seres que liga são realmente afetados por ela (como acontece na relação de causalidade) [39]. Pode ainda ser unilateral, quando só afecta realmente um dos seus termos; tem então no outro, simplesmente, um fundamento de razão; é o caso da relação da pessoa que conhece para o objeto conhecido: o conhecimento depende do objeto, o objeto em nada é afetado pelo fato de o conhecerem. A palavra ação, como nome de categoria, tem sensivelmente o seu significado habitual; é o ato pelo qual um ser causa, noutro ser, uma modificação. Paixão pelo contrário, toma-se aqui no significado pouco usual, mas etimológico, de passividade, e designa a modificação causada, no segundo ser, pela ação do primeiro. São de lugar todas as determinações que se referem à posição que um ser ocupa entre os restantes; são de tempo as que se referem ao momento em que se considera um ser em evolução.

Os dois predicamentos de menor importância são o hábito (no sentido de vestuário), que trata da maneira como um ser se apresenta revestido ou equipado, e o estado (em latim situs), que se refere à posição relativa das suas partes.

A dificuldade que temos em imaginar os acidentes leva-nos a substancializá-los de certa maneira, pensando neles como se fossem pequenas substâncias, destacadas da substância que qualificam. Numa relação, por exemplo, temos tendência a ver uma coisa, um objeto, que prende os dois termos um ao outro. É um erro. Acidentes e substância são modalidades do ser distintas. É aqui ou nunca a ocasião de nos lembrarmos da analogia do ser. A relação, por exemplo, existe, mas como relação; é relação, não substância. Como S. Tomás acentua numa frase luminosa: "À relação, como relação, não compete ser alguma coisa, mas simplesmente ser para alguma coisa. O ser, na realidade, alguma coisa, vem-lhe daquilo a que está inerente [40]". O mesmo se dá com os outros acidentes; são, existem, como acidentes; são o que as suas essências exigem que sejam. A sua maneira de ser é irredutível à da substância. A diferença é tão profunda que, como havemos de ver mais adiante, a Criação só se refere propriamente às substâncias; os acidentes dizem-se antes concriados, para significar que as substâncias não foram criadas amorfas (digamos assim), mas plenamente determinadas por eles.

Uma última observação. Não devemos olhar o ser como um gênero, o mais geral de todos, de que sejam subgêneros as categorias e depois os gêneros cada vez mais próximos, e espécies as essências. Como já disse, uma espécie é determinada por uma característica que se acrescenta às que qualificam o gênero. Ora, para subdividir o ser, não temos nada que não seja ser também. A divisão em categorias corresponde a modalidades do ser distintas entre si; é divisão intrínseca, não extrínseca. Ressalvada a analogia, cada ser é ser pela totalidade do que o constitui, e não só por um conjunto de notas capaz de caracterizar um gênero. Exprime-se isso dizendo que o ser é um transcendental, isto é, uma noção mais vasta do que todas as divisões que o particularizam.