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Nada vale a lição da história para mostrar que a filosofia fundada
nos primeiros princípios evidentes é coerente e estável, enquanto
que nos sistemas baseados em princípios diferentes existe latente uma
contradição interna, que provoca mais cedo ou mais tarde a sua
desagregação espontânea. Veja-se a história da filosofia perene.
Os primeiros Gregos imprimiram-lhe progressos inegáveis, mas
esbarraram com o problema da evolução, do devir. Aristóteles
formulou a questão em termos capazes de servir de base a um sistema
coerente e equilibrado, com a sua teoria do ato e da potência. De
então até hoje, a filosofia que criou nunca mais deixou de viver no
espírito humano; teve sempre adeptos, que a foram desenvolvendo
progressivamente, aprofundando certos pontos, abordando assuntos
novos, discutindo as questões em aberto, mas não discutindo o
definitivamente adquirido. São, logo a seguir a Aristóteles, os
seus discípulos imediatos; mais tarde, depois do reaparecimento das
suas obras, os seus comentadores do mundo greco-romano. Mais tarde
ainda, os siríacos, os árabes e os judeus, Avicena, Averrois,
Maimônides, que prolongam o seu pensamento até ao século XII,
com felicidade maior ou menor. Depois S. Alberto Magno, e aquele
que melhor assimilou os princípios aristotélicos e mais os fez
frutificar: S. Tomás de Aquino. Em seguida a este, os seus
discípulos, comentadores e continuadores: Reinaldo de Piperno no
século XIII, Capreolus no século XV, Caietano e Suarez no
século XVI e João de S. Tomás no século XVII, para só
citar os maiores. E, por intermédio dos "conimbrienses" do século
XVIII, chegamos aos tomistas do princípio do século XIX e aos
obreiros do atual renascimento tomista.
Em mais de vinte e dois séculos de história, tantos homens de
valor, integrados numa mesma corrente de pensamento, apesar da
diversidade dos temperamentos individuais, das diferenças de raça,
de clima, e de civilização, mostram bem a firmeza dos princípios da
filosofia perene. Muitos, senão todos, erraram em algum ponto;
alguns erraram em muitos. Mas, quanto ao essencial, defendem todos a
mesma filosofia, a filosofia do ser.
Que se trata realmente de crescimento vital, de evolução progressiva
dum corpo de doutrina, que vai, pouco a pouco, entrando de posse da
solução definitiva dos problemas que pode resolver, vê-se de alguns
exemplos. A questão do devir, depois das disputas entre os jônios e
os eleatas, foi encarada sob o seu verdadeiro aspecto por
Aristóteles; e a sua teoria do ato e da potência nunca mais foi
abandonada na filosofia perene. Na Idade Média houve lutas ardentes
a respeito da questão dos universais; esta foi definitivamente
resolvida por S. Tomás e, dentro da filosofia do ser, não
renasceu mais. E, já nos nossos dias, apesar das discussões às
vezes bastante vivas que se travam livremente entre os filósofos
neo-tomistas acerca dos pontos ainda em suspenso, foi possível
formular 24 teses fundamentais, aceitas por todos sem exceção.
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