9. A proporção ao fim e a moralidade material.

Sendo toda a lei moral fundada na lei natural, por estar em filosofia, ponho de parte a lei da Graça, que, aliás, está para a Sobre-natureza como a lei natural para a Natureza, o bem deve, por si mesmo e ainda nesta vida, produzir a felicidade de quem o pratica. E realmente, por essência, assim é. O ato bom é aquele que, se não for privado dos seus efeitos por ação duma causa estranha, torna feliz o seu autor. É este um caso particular da justiça imanente.

Mas o mundo material está sujeito ao acaso. Há nele séries causais que se interceptam e impedem mutuamente. Por isso, os nossos atos podem ser frustrados do seu efeito natural pela ação dos outros homens, ou até pela ação cega das causas naturais. Todos conhecemos casos de pessoas boas, perseguidas toda a vida pela infelicidade. Assim, se o ato bom conduz, essencialmente, à felicidade, acidentalmente pode não o fazer.

Deve mencionar-se, em particular, por ser muito importante, o caso das nossas ações serem privadas acidentalmente do efeito previsto porque as coisas não são o que supúnhamos quando decidimos sobre o procedimento a seguir. Raras vezes, ou antes, nunca, conhecemos, no momento de agir, todas as circunstâncias que podem influir no resultado da nossa ação. No entanto, temos de agir; as nossas resoluções apóiam-se por isso sempre em elementos mais ou menos incertos, por mais cuidadosos que sejamos. Às vezes enganamo-nos; o caçador, por exemplo, julgando matar uma fera, mata um homem. Outras vezes não há propriamente engano; mas deixamos de atender a um fator que não pudemos prever, e que modifica completamente as condições em que agimos.

Por esse motivo, a moralidade material dos nossos atos, isto é, a sua aptidão a produzir, fisicamente, a nossa felicidade, não é suficiente para se poder julgar, com justiça o nosso procedimento. E, se não houvesse outra a considerar, teríamos de admitir que, procedendo o melhor que podemos, de acordo, com a lei, não conseguimos o nosso fim natural; o que equivaleria a pensar que a Natureza, em nós, proporcionou mal os meios aos fins.