9. As faculdades sensíveis.

As faculdades sensíveis são doutra ordem, e só existem, pelo menos com certo desenvolvimento, nos animais. Por elas, o indivíduo excede os limites do seu próprio corpo, tomando conhecimento, por forma concreta, dos corpos que o rodeiam.

Compreendem em primeiro lugar os sentidos propriamente ditos, pelos quais o ser vivo recebe a impressão das qualidades sensíveis do objeto que conhece. Depois, totalizando as impressões dos sentidos, compondo-as e apreciando-as, há o chamado sentido ou senso comum, que permite, por exemplo, a partir dum determinado ruído e duma determinada imagem visual, concluir que estamos em presença dum ser de certa espécie, que se nos manifesta pela vista e pelo ouvido. Para conservar as imagens sensíveis, há a imaginação. Para apreciar a utilidade ou a nocividade do objeto conhecido, e portanto a atitude a tomar para com ele, há a estimativa, faculdade de julgamento instintivo, que, no homem, por estar subordinada à razão e se guiar por ela, toma o nome de razão particular. Finalmente, para despertar a recordação dos objetos anteriormente conhecidos de que se conserva a imagem, há uma última faculdade sensível, a memória. Também esta, no homem, está subordinada à razão; tem por isso na Escola um nome especial, o de reminiscência.

Ao falar do conhecimento, voltarei a ocupar-me, mais pormenorizadamente, das faculdades sensitivas. Quero aqui recordar que lhes corresponde, na ordem da ação, uma faculdade apetitiva chamada apetite sensível. A maneira por que um ser tende para o seu fim reflecte sempre a maneira por que esse fim lhe é conhecido. As faculdades vegetativas tendem para um fim que não conhecem; são um caso de finalidade inconsciente, a que se chama apetite natural. As faculdades sensitivas dão, do seu objeto, um conhecimento particular; dirigem para esse objeto a atividade do indivíduo, de maneira consciente mas não raciocinada, pelo apetite sensível.

O apetite sensível comanda a chamada faculdade locomotora, potência da alma cujas modificações são a causa dos movimentas do corpo. Precisando melhor: são a causa formal dos movimentos dirigidos para o exterior, como de fora vem o objeto conhecido pela sensibilidade; portanto, dos movimentos de locomoção, de preensão, etc. Facilmente se compreende isto; uma alteração do apetite sensível é uma modificação da alma, que produz na alma outras modificações, todas nas faculdades que lhe pertencem como forma do corpo. Por outras palavras, todas são modificações da lei do corpo; e as energias que Neste actuam, utilizadas segundo nova lei, produzem novos efeitos: os movimentos corpóreos. Não é preciso para isso supor nenhum influxo de energia física vinda da alma, que, não esqueçamos, actua sobre o corpo de maneira muito diferente daquela por que um corpo age sobre outro; como causa intrínseca, não como causa eficiente.

As atividades vitais internas, ao contrário das que citei, não dependem do apetite sensível senão parcial e indiretamente. Fazem parte da vida vegetativa, e procedem só do que chamei o apetite natural.

O apetite sensível tem de ser decomposto em duas faculdades, a que na Escolástica se dão os nomes, arcaicos no sabor, de concupiscível e irascível. O primeiro impele o indivíduo a procurar o objeto que lhe agrada; por isso dizemos que tem por objeto o agradável, e que dirige as ações fáceis. O irascível, pelo contrário, sob a ação das apreciações da estimativa ou razão particular, leva a atos que em si mesmos desagradam ao indivíduo, mas que são úteis, indiretamente, pelas suas conseqüências: ao combate contra o inimigo que o ameaça, ao esforço necessário para se obter o agradável. Tem por isso por objeto as coisas árduas, e governa as ações difíceis.

Das duas faculdades, é o irascível que devemos considerar superior; lembremo-lo, pois o amor do conforto leva às vezes o homem a transigências que põem em perigo tudo quanto tem valor humano. Não tende, com efeito, a um fim próximo, que lisonjeie imediatamente os sentidos, mas a um fim remoto, exigido pela sua utilidade, e para atingir o qual é preciso correr riscos, vencer obstáculos, sofrer privações.

No homem, assim como a sensibilidade está subordinada à inteligência, o apetite sensível está subordinado à vontade, quando a veemência dos seus impulsos não surpreende esta, impedindo-lhe os movimentos, ou os maus hábitos da vontade não a levam a abdicar no apetite sensível.