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Nota-se na filosofia moderna, uma tendência constante para criticar
os primeiros princípios. Desde Descartes, todos os filósofos têm
tido, mais ou menos, a preocupação da crítica. Esta é feita,
quase sempre, com o estudo do processo de conhecimento; por isso lhe
chamam, em geral, a critica do conhecimento. E toma a feição de
critica prévia, trabalho preliminar a qualquer outro trabalho
filosófico.
Duvidar dos princípios não é coisa nova. Já Pírron e os seus
discípulos, na antiga Grécia, os punham em dúvida. Pretendiam
assim extrair a certeza de todas as conclusões, que se fundam nos
princípios; e calam no ceticismo absoluto.
É uma atitude possível, se bem que arbitrária; e os que a adotam
não podem ser convencidos pela discussão. Com efeito, em que se
haviam de basear os argumentos que os convencessem, se eles começam
por não aceitar os primeiros princípios? S. Tomás nota
expressamente: "Quem erra acerca dos primeiros princípios não pode
ser persuadido; mas quem erra, respeitando os princípios, pode
corrigir-se por esses mesmos princípios" [30].
Mas tal dúvida, para ser coerente, tem de ser puramente negativa.
Quem a escolhe não pode afirmar nada, nem que nega, nem que duvida.
Numa palavra, não pode raciocinar.
Segundo a expressão forte de Aristóteles, quem
toma essa atitude fica reduzido ao estado de vegetal [31];
porque o próprio animal funda a sua atividade no conhecimento sensível de que
é dotado, e que, instintivamente, aceita como verdadeiro.
No entanto, os filósofos modernos, que duvidam dos princípios,
pretendem edificar; querem conclusões certas, depois de terem minado
a base de toda a certeza. Com persistência digna da melhor
aplicação, têm procurado, por todos os meios, de todas as
maneiras, esta coisa paradoxal: atingir, no fim dos seus esforços,
o que começaram por afastar no princípio.
Seja como for, a tendência crítica é um fato; e como tal merece
ser estudada e criticada por sua vez.
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