14. As paixões.

Nos atos propriamente humanos, como vimos, o apetite sensível actua subordinado à vontade. Nem sempre assim acontece. Esse apetite é sede de movimentos, despertados diretamente pelos sentidos, que podem perturbar a obediência à vontade, ou mesmo, quando são muito violentos, paralisar completamente a vontade e impedir o exercício da inteligência. Esses movimentos chamam-se Paixões; algumas têm nomes iguais aos de sentimentos ou virtudes que por qualquer motivo se lhes assemelham, mas não são paixões, por não terem a sua sede na sensibilidade, e com que por isso convém não as confundir.

As paixões podem ter por sede o apetite concupiscível ou o irascível. De entre as primeiras distinguimos o amor, o amor-paixão, animal, não o amor humano, intelectual, que tem sede na vontade, o ódio, o desejo e a aversão, a alegria e a tristeza. O amor tem por objeto um bem sensível e o ódio um mal, um objeto que dele nos priva, considerados em si mesmos. O desejo e a aversão dirigem-se, respectivamente, a um bem ausente ou a um mal afastado; a alegria resulta do bem possuído, a tristeza da presença de um mal. Nada impede que existam simultaneamente várias lestas paixões, nem, de resto, que coexistam com elas algumas das paixões do irascível de que vamos falar, assim o mesmo bem pelo qual temos amor pode provocar em nós a tristeza de o não possuirmos e o desejo de o alcançar.

As paixões do apetite irascível têm por objeto bens ou males que apresentam, como caráter particular, uma certa dificuldade, o obrigam, para se obterem ou evitarem, a esforços e sacrifícios. Perante um bem que nos parece possível obter, nasce em nós a paixão da esperança (que se não deve confundir com a virtude teologal do mesmo nome); perante um mal possível de evitar, nasce a audácia. O desespero, pelo contrário, tem por objeto o bem que julgamos impossível conseguir; do mesmo modo, o medo refere-se ao mal iminente, de que supomos não nos poder livrar. Finalmente, na presença dum mal que nos atinge diretamente, a nossa reação é a cólera.

Assim como as paixões arrastam às vezes a vontade, impedindo-a de desempenhar as suas funções, também a vontade pode despertar as paixões, ordena-las, e utiliza-las para os fins que traçou. Ao contrário dos estóicos, Aristóteles, e com ele S. Tomás, entendem que é lícito ao homem proceder assim. O tomismo, portanto, não exige do homem a impassividade, mas simplesmente uma disciplina que assegure em tudo a supremacia da razão. Voltaremos a este assunto quando falarmos da moral; só me refiro agora a ele, para lembrar mais uma vez quanto a doutrina tomista é humana e equilibrada.