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Há nos nossos atos uma hierarquia de fins, já o disse. Muitas
vezes, o que procuramos numa ação, querêmo-lo com a intenção dum
fim mais remoto. Como este não é ainda o fim último, pode
considerar-se em relação com ele; será bom ou mau conforme é ou
não apto a conduzir-nos a ele.
Olhando em conjunto o ato e o fim remoto para que, pela intenção, o
orientamos, temos de encarar quatro casos. Pode o ato, em si mesmo,
ser mau, e o fim mau também; ninguém então hesitará em dizer que
procedemos mal. Podem ser bons o ato e o fim; não pode então
duvidar-se de que procedemos bem. Mas pode o ato ser bom e o fim
mau, ou o ato mau e o fim bom. Então já se compreende uma
hesitação, que, de resto, facilmente se dissipa.
O mal é a falta, num bem, duma perfeição que deve ter. Qualquer
que seja a perfeição obrigatória que falta na coisa que
consideramos, temos de a julgar má. Correlativamente, para ser
boa, é preciso que lhe não falte perfeição nenhuma das que lhe
competem. No ato bom, feito para um mau fim, falta a intenção de
que ele se destine ao nosso fim último; o nosso procedimento é
portanto mau. No ato mau, que sabemos mau, mas que por um artifício
orientamos, acidental e. não essencialmente, portanto, para um fim
bom, falta a bondade intrínseca do ato; o nosso procedimento é por
isso mau também.
À pregunta se o fim justifica os meios, devemos portanto responder
terminantemente que não. O bem só pode procurar-se por meios bons.
A desobediência à lei moral não pode desculpar-se pela boa
intenção. A má intenção vicia o ato; a intenção boa não basta
para o justificar. Assim, não é licito roubar, nem mesmo para
fazer o bem com o produto do roubo. As benemerências do milionário
desonesto nos negócios não desculpam a sua desonestidade. Da mesma
maneira, não se pode matar um inocente, nem mesmo para salvar uma
vida. Pode matar-se um agressor em legitima defesa; mas a razão
disso é que o agressor comete um crime, e fica, por isso, com a
responsabilidade das conseqüências do seu ato. O inocente que, sem
culpa sua, se atravessa no nosso caminho, não é agressor; não há
contra ele legitima defesa. É o caso, por exemplo, do aborto
provocado. A criança que nasce é inocente; não é um agressor;
não se pode causar a sua morte, por grande que seja o risco que daí
resulta.
Também é semelhante o caso da guerra. Ë lícito matar o inimigo em
combate, numa guerra justa; e não é da competência nem da
responsabilidade dos cidadãos, individualmente, decidir se a guerra
é justa. O inimigo, numa tal guerra, é agressor injusto da
Pátria, pelas armas ou por outros meios menos sanguinários mas não
menos nefastos. No entanto, só é agressor o combatente, direto ou
indireto; o que combate de armas na mão ou o que forja as armas para o
combate. A guerra não justifica, por isso, o morticínio dos
não-combatentes, embora pertençam ao país inimigo.
Porque um ato deve ser bom em si mesmo e na intenção com que é
feito, são más as ações que fazemos com um fim oposto ao fim
último marcado pela Natureza, nos quais, portanto, arvoramos em fim
último qualquer bem que não seja Deus. Chegamos assim ao critério
de moralidade de S Agostinho, que nos diz que o mal consiste em
"utilizar o que devemos fruir e fruir o que devemos utilizar, [112].
Realmente só se deve repousar na posse do último fim; todos os
outros são fins subordinados, que se devem utilizar em vista desse.
Fazer fim último dum fim subordinado, pela intenção, é portanto
fruir do que se deve utilizar, e é mal, como queria S. Agostinho.
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