21. A inteligência.

Que devemos atribuir a Deus a inteligência resulta imediatamente da quinta via de S. Tomás. A ordem do Mundo, que exige um Deus ordenador, exige, claro está, que ele seja inteligente.

Mas há outras razões que nos levam à mesma conclusão, e nos esclarecem melhor sobre o que poderá significar essa palavra, aplicada a Deus por analogia, como todas.

A inteligência é a faculdade do conhecimento intelectual, no qual o espírito, assimilando a lei própria do objeto conhecido, a sua forma, despida da matéria, se submete de certo modo a essa lei, se rege por essa forma nos raciocínios a que procede a respeito do objeto, e assim, tomando a sua forma, se identifica com ele na medida em que o conhece.

Uma tal identificação com uma forma despojada da matéria, em que, na realidade, existe, exige, evidentemente, um princípio imaterial também. É isso, como adiante veremos, que nos leva a afirmar a imaterialidade do espírito humano. Reciprocamente, a atividade intelectual é o campo de ação próprio das faculdades ou dos seres imateriais.

A Deus, portanto, sumamente imaterial, devemos atribuir a inteligência em grau eminente.

Mas a inteligência não é em Deus uma faculdade, como em nós; a sua simplicidade obriga-nos a identificá-la com a própria essência divina.

O objeto da inteligência divina é o próprio Deus. Realmente; a nossa inteligência está para o objeto que conhece na relação da potência para o ato. É capaz de conhecer o objeto; é, em potência, o objeto, visto que no conhecimento se identifica com ele. Ora em Deus não há potência; é ato puro. Por isso, a sua inteligência não pode ter um objeto distinto de si, perante o qual faria o papel de potência. Tem-se a si mesmo por objeto. Deus é o seu ato de intelecção; ou, como diz S. Tomás na Suma, "conhece-se a si mesmo por si mesmo" [62].

O conhecimento que Deus tem de si mesmo é perfeito, visto que nele a identidade entre a inteligência e o seu objeto não é só ideal e transitória, mas real. Por outro lado, como as coisas dependem de Deus por tudo quanto são, Deus conhece perfeitamente todas as coisas conhecendo-se a si mesmo; conhece-as na sua vontade, que as faz existir.