VIII. O Homem.

A. O corpo e a alma.


1. A alma, forma substancial do corpo.

Continuando o estudo dos seres criados, vamos tratar, depois dos Anjos, do homem.

O homem não é, como os Anjos, um ser puramente espiritual. Tem um corpo, material, extenso, composto de partes diferenciadas. Esse corpo não é um simples agregado acidental das partes que o compõem. Uma observação atenta da nossa maneira de ser convence-nos de que ele tem unidade substancial. Sou eu, por exemplo, que me nutro, sou eu que me movo, sou eu que sinto; é a mim que dói quando me magôo na mão, e não à mão que magoei. São meus todos os órgãos do meu corpo, meus todos os atos que eles executam. Sou eu que existo, em mim mesmo, plenamente; é para a minha vida que estão dispostas todas as partes do corpo; sou, no sentido que a palavra tem em metafísica, uma substância.

Ora, já o vimos na ontologia, há em todas as substâncias materiais, e portanto também no homem, um princípio que determina a matéria ao modo de existência que tem, de preferência a qualquer outro: uma forma substancial. Essa forma rege a disposição das partes no todo, a existência deste e a sua atividade. No homem, e em todos os seres vivos, a forma substancial chama-se alma. A alma pode portanto definir-se, em metafísica, como a forma substancial dum corpo vivo.

Vistas assim as coisas, não se põe o problema da união da alma e do corpo, que tantos sistemas filosóficos têm tentado resolver, sem resultado. A alma e o corpo não são dois seres distintos; são princípios distintos do mesmo ser. Não há dum lado a alma, do outro um corpo com existência separada da da alma. Sem a alma, não há um corpo; há a matéria que compôs, ou vai compor, um corpo humano, mas dominada por outras formas, constituindo outras substâncias. Um cadáver não é um corpo humano; é um agregado acidental de células, sem unidade essencial. Cada uma das suas partes segue a sua evolução própria, independentemente das outras, sem se subordinar a nenhuma lei que regule o conjunto. É a alma o princípio de unidade do corpo humano; é elemento indispensável à sua existência como corpo; a da sua união ao corpo é questão que não existe.

Devemos entender que a alma é a única forma substancial do homem; nem pode, como já vimos, haver num mesmo ser várias formas substanciais. É a alma que se une diretamente à matéria do corpo, e rege toda a sua atividade, tanto no que é propriamente humano como no que é comum às plantas e aos animais. As próprias formas dos elementos químicos que constituem o corpo desaparecem como formas autônomas. Subsistem virtualmente, pelas suas qualidades, integradas na disposição do conjunto; mas é à lei deste que os elementos se subordinam, lei, de resto, que engloba a sua lei própria, e não os violenta.

A forma duma substância material é tanto mais complexa quanto mais perfeita esta é. É uma síntese, de que são elementos constituintes as leis das substâncias de ordem inferior que nela se reúnem. Tem todas as perfeições que existem nas destas últimas, e outras perfeições que, como todo, lhe são próprias. No formarem todas essas perfeições um só feixe, ordenado para um só fim, constituindo um só ser, está a unidade da substância, que exige evidentemente a do seu principio de existência, da forma substancial.

Nada impede, pelo contrário, que haja no homem várias formas acidentais. A alma propriamente dita dispõe a matéria do corpo em tudo o que é exigido pela sua essência de homem. O que é indiferente a essa essência, estatura, cor, saúde, gênio, etc., é acidente, e determinado por formas secundárias, distintas da alma, e inerentes a ela ou ao conjunto alma e corpo.

Esta teoria da alma forma substancial do corpo é de Aristóteles. S. Tomás retoma-a, desenvolve-a e completa-a; e condensa-a nesta expressão lapidar: a alma é o princípio "pelo qual o homem existe, e é corpo, ser vivo, animal e homem" [75].