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Como causas dum ser material, devemos apontar primeiro a sua forma e a
sua matéria. São causas intrínsecas, porque se unem para originar
esse ser, e ficam a fazer parte dele como elementos constituintes.
A matéria é causa. Causa passiva, evidentemente; mas causa,
visto que sem uma matéria preexistente não se pode produzir nenhum ser
material, a não ser por criação. É, segundo a designação de
Aristóteles, a causa material.
A forma, substancial ou acidental, é causa também; é causa
formal. Como já disse, a forma é o principio pelo qual a matéria
constitui aquele ser, a lei que a obriga a exprimir por aquela
modalidade, e não por outra, a sua potencialidade. É portanto
indispensável à existência do ser: é causa intrínseca.
Como já vimos, se o agente que produz o objeto considerado é
inteligente, a forma preexiste nele como idéia; tem então o nome de
causa exemplar. Mas, mesmo que ele não seja inteligente, a forma
tem de existir de qualquer maneira no agente que a imprime à matéria,
visto que ninguém dá o que não tem. Pode ser a própria forma do
agente, que assim se reproduz; é o caso do corpo quente que comunica
o seu calor a outro. Ou pode a forma do agente conter de maneira mais
elevada, mais geral, todas as perfeições da forma que imprime;
contê-la virtualmente, como se diz. É o caso do agente
inteligente, que tem no seu intelecto com que produzir os exemplares de
tudo o que pode fazer; é o caso, ainda, de muitos agentes naturais,
por exemplo do Sol, que, de maneiras muito diversas, move tantos
seres com a energia que irradia.
Na matéria, considerada em si mesma, pura, a forma, como já se
viu atrás, existe em potência.
Analogamente ao que acontece nas substâncias materiais, há em muitas
coisas que não são substâncias um elemento que faz de matéria, um
elemento potencial, preexistente, que é a sua causa material, e
outro elemento atual, determinador, que é a sua causa formal. Em
sentido lato, há matéria e forma num discurso, numa ciência, numa
demonstração, numa associação. Pode tirar-se um exemplo duma
anedota de Mark Twain. O grande humorista americano, depois de ter
ouvido um pregador de nome, foi felicitá-lo pelo sermão; "mas",
disse, "tenho um livro em minha casa onde ele vem, palavra por
palavra". Calcula-se a atrapalhação do pregador, que se apressou
a afirmar que o seu sermão era original, e não podia compreender que
se desse tal coisa. Mark Twain insistiu, e ofereceu-se para lhe
mostrar o livro. "Mas que livro é esse?" a acabou por preguntar o
pregador; "é o dicionário", respondeu Mark Twain. Está aqui
posta em relevo, claramente, a distinção entre causa material e
causa formal. A causa material, o que servia de matéria, neste caso
as palavras, vinha de fato no dicionário; mas a forma, o elemento
inteligível, a causa formal, não vinha; e por isso não era
lícito, a não ser como graça, dizer que vinha lá o sermão,
constituído por aquelas palavras dispostas de maneira a realizarem
aquela idéia.
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