17. A evolução do kantismo.

O mesmo se dá com a filosofia de Kant. A sua evolução não é tão linear como a do cartesianismo; mas a lição é igualmente clara.

O que Kant quis fundar sobre o númeno, atingido pelo imperativo categórico, foi rejeitado por todos os seus discípulos, ou quase. Uns, verificada a evidente petição de princípio que é a afirmação da existência dum númeno inconhecível, caíram no idealismo. Negaram o númeno, e reduziram o real ao racional. Outros, pelo caminho do positivismo, chegaram ao sociologismo, física dos costumes, que estuda o que se faz sem se preocupar com o que se deve fazer.

Kant queria, com o seu trabalho, combater o idealismo, procurando uma base firme em que a filosofia pudesse assentar, ao abrigo dos caprichos dum pensamento que não reconhecia nenhuma lei. Só conseguiu fundar um idealismo mais irreal ainda do que o de Descartes, porque já não tem sequer a esperança de poder atingir a realidade. Pretendia, sobre o imperativo categórico, edificar a mais severa de todas as morais, admitindo, como único critério de moralidade, o cumprimento do dever, de tal maneira que um ato materialmente bom, feito por outro motivo qualquer, mesmo legítimo, deixaria de ser bom moralmente; e as suas idéias levaram discípulos seus à negação de toda a moral, substituindo a consideração do dever pela dos costumes que vigoram, de fato, numa sociedade determinada. Enfim, como último contraste: desvendando a "ilusão transcendental", Kant supunha ter conseguido encontrar as bases duma filosofia científica, e portanto estável; "Prolegômenos de toda a Metafísica futura que queira apresentar-se como Ciência" é o título duma das suas obras. Mas no seu pensamento vêm filiar-se as correntes mais desencontradas, que todas repudiam a metafísica clássica: idealistas e positivistas, tradicionalistas e sociologistas, ecléticos, pragmatistas e intuicionistas. É completa a desagregação do sistema que fundou.