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Os mesmos motivos que nos levaram a atribuir a Deus a vida, a
inteligência e a vontade, levam-nos a dizer que os Anjos são
vivos, inteligentes e livres; não em grau eminente, como Deus, mas
em grau superior àquele em que nós o somos.
Os Anjos são inteligências, e a sua vida consiste em conhecer.
Vejamos, no entanto, que espécie de conhecimento pode ser o seu.
Em Deus, a existência identifica-se com a essência, e a
inteligência com o seu objeto. Nos Anjos, à distinção entre a
existência e a essência corresponde uma distinção entre a
inteligência e o seu objeto. Não existindo por essência, são
causados; e, como é causado o seu ser, pode ser causado o seu
conhecimento. Este não tem, necessariamente, de se ter a si mesmo
por objeto, o que, num Anjo, seria conhecer-se só a si mesmo,
visto que não é, como Deus, causa do ser das outras coisas.
Os Anjos, portanto, além de si mesmos, conhecem espécies
distintas de si (para dar ao meio de conhecimento o nome habitual na
Escola). Mas não podem, como os homens, extrair essas espécies
das coisas sensíveis. A origem das nossas idéias está nas coisas
materiais, a nossa própria essência só se pode realizar na
matéria. Mas os Anjos são imateriais; não dependem da matéria
para existir; da mesma forma, não dependem dela para conhecer. De
resto, sem corpo, não têm órgãos que lhes permitam tomar contacto
com os corpos materiais, nem portanto qualquer meio de comunicação
com eles.
De acordo com a sua natureza espiritual, os Anjos devem receber as
suas idéias do Mundo espiritual, por uma iluminação interior,
vinda diretamente de Deus ou doutro Anjo de categoria mais elevada.
E, visto que são simples, devem conhecer de maneira simples; não
como nós, que retrogradamos do particular para o geral, mas nas
próprias leis gerais conhecidas intuitivamente.
Como se vê, o conhecimento por idéias inatas, que Descartes,
depois de Platão e S. Agostinho, atribuía ao homem, reserva-o
S. Tomás para a inteligência angélica. De resto, os três
filósofos citados são coerentes nesse ponto; todos tendem a ver no
homem um puro espírito, associado a um corpo material por acidente,
ou quase. O homem, para eles, é como que um ser híbrido, em parte
anjo, em parte animal. S. Tomás, com Aristóteles, faz uma
idéia mais justa da unidade da nossa natureza.
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