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Outra dificuldade vem da imperfeição do Mundo. Como pode o
perfeito querer o imperfeito?
Há, na objeção, um erro fundamental. Deus quer o perfeito,
visto que se quer a si mesmo; o objeto da sua vontade, já o disse,
é a sua própria essência. Distinto de si é que não pode querer
senão o imperfeito, sob pena de contradição, visto que a
perfeição de Deus exige que ele seja único; e querer o
contraditório, como se viu, é imperfeição que não podemos
atribuir a Deus.
Mas Deus podia criar um Mundo mais perfeito do que este? Sem
dúvida. Como compreender então que o não tenha criado? Parece que
Deus só poderia criar o Mundo mais perfeito.
A isso só se pode responder, embora com risco de chocar idéias
simplistas, que a pregunta não tem sentido. Há uma infinidade de
Mundos possíveis, uma infinidade, digo bem, porque se trata de
infinidade potencial, e infinidade seja qual for o aspecto que
consideremos; portanto não há nenhum que seja o mais perfeito de
todos. Onde quer que Deus traçasse o limite da perfeição do
Mundo, ele estaria sempre infinitamente afastado da perfeição
total. É absolutamente indiferente a quantidade de perfeições que
Deus quis dar ao Mundo, como é indiferente a posição dum ponto que
se marca sobre uma reta em que não há nenhuma referência. Que Deus
fizesse o Mundo mais ou menos perfeito, a mesma dificuldade surgiria
sempre, se a admitíssemos. A medida da perfeição do Mundo podia
ser qualquer. Deus quis esta, livremente, como poderia querer
outra, sem que para querer uma ou outra houvesse qualquer motivo que o
pudesse obrigar.
Uma coisa, no entanto, se deve afirmar: fixada a quantidade de
perfeição que Deus quis conferir ao Mundo, a sua distribuição
entre os seres que o compõem é a melhor possível. Isto é, a ordem
do Mundo é a melhor que se pode realizar com o total de perfeição
que ele contém. E a razão é simples. A Criação é
teocêntrica. Indica Deus pela convergência das linhas que tem
marcadas, se se pode dizer assim. A ordem do Mundo é a sua forma,
o seu elemento inteligível, o que faz com que o Universo constitua,
verdadeiramente, um todo. É ela que reflecte a inteligência divina.
É o bem para o qual tende tudo o resto; não podemos supor que seja
imperfeitamente atingido.
Este ponto de vista de S. Tomás é um optimismo relativo.
Optimismo por supor que este Mundo é, dentro dos limites que Deus
lhe traçou, o melhor; relativo por fazer a restrição de que é
dentro desses limites. Equivale a dizer que o Mundo, quanto ao bem
da ordem, é o que a matemática chama um máximo condicionado.
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