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A Lógica é a ciência que estuda o raciocínio, e estabelece as
leis a que ele deve obedecer para conduzir a resultados verdadeiros. A
inteligência de todos os homens no uso da razão, no seu exercício
espontâneo, guiada só pelo bom senso, submete-se a regras, não
formuladas conscientemente, que constituem uma lógica, natural.
Essa lógica natural é suficiente para a maior parte dos casos.
Mas, nas questões complicadas, há sempre o risco de, por
inadvertência, se cair em vícios de raciocínio que falseiem os
resultados obtidos. Torna-se então necessário enunciar
explicitamente as leis do raciocínio, e, de acordo com elas,
estabelecer uma lógica artificial.
Nas lógicas artificiais, reduzem-se todos os raciocínios a tipos
pouco numerosos estudados de antemão em todos os pormenores. O estudo
das condições de validade, que é delicado, fica feito duma vez para
sempre, bastando, em cada caso particular, verificar que se
respeitaram as regras estabelecidas. Evitam-se assim os sofismas,
que são raciocínios com aparência de validade, mas em que existe
oculto um vício que os falseia.
Há várias lógicas artificiais, que diferem entre si nos tipos a que
reduzem os raciocínios, mas não, como é óbvio, nos resultados a
que permitem chegar, em cada caso. A mais seguida, de longe, é a
de Aristóteles, que tem sido praticada sem interrupção desde a
reaparição dos livros deste, no século II A. C. A tradução
de parte do Organon para latim, por Boécio, no século VI,
salvou a Lógica de Aristóteles do eclipse que sofreu a sua
Metafísica nos países ocidentais desde a invasão dos Bárbaros até
ao século XII. Depois, e até aos nossos dias, apesar dos tempos
modernos mostrarem muito menos interesse pela lógica do que a
Idade-Média, e das tentativas contemporâneas para introduzir
outras lógicas diferentes, a lógica aristotélica continua viva, e,
quase, a única em campo. Pode dizer-se que, com a lógica,
Aristóteles criou, duma assentada, obra definitiva. Claro que o
seu trabalho tem sido completado pelos que se lhe seguiram, em
especial, no que se refere à indução, pelos esforços de Francisco
Bacon e Stuart Mill. Mas, no fundamental, é ainda a velha
lógica aristotélica de há 2200 anos a que se segue hoje
correntemente.
A predileção da Idade-Média pela lógica deu em resultado a
constituição dum verdadeiro arsenal de máxima, quase sempre com
caráter mnemónico, aplicáveis aos casos mais variados. Muitas são
devidas ao Doutor português Pedro Juliano, também chamado Pedro
Hispano, que depois foi Papa com o nome de João XXI. Essas
máximas são preciosas para quem tem de lidar habitualmente com o
assunto. Aqui, não vale a pena sobrecarregar a exposição com
regras que se podem encontrar em qualquer livro da especialidade, por
exemplo, e desenvolvidamente, na Petite Logique de Maritain.
Reduzirei por isso ao mínimo indispensável a enunciação das regras
a aplicar.
A veracidade da conclusão dum raciocínio depende das bases em que
esse raciocínio se funda, e da validade do nexo lógico que liga estas
à conclusão. O estudo dessa veracidade decompõe-se por isso em
duas partes distintas. A veracidade dos fundamentos dos raciocínios
é estudada na chamada lógica material ou grande lógica; a validade
do laço que une a conclusão às bases é o objeto da lógica formal ou
pequena lógica.
Facilmente se compreende que um raciocínio formalmente correto dá
resultados errados se não forem verdadeiros os elementos que utiliza.
Seja, por exemplo, o raciocínio seguinte: "Toda a pedra é azul;
ora, o homem é uma pedra; logo, o homem é azul ". É um
raciocínio construído de acordo com todas as leis da lógica; no
entanto, a conclusão é falsa, porque nem o homem é uma pedra, nem
as pedras são todas azuis. Vê-se portanto que a estrutura formal e
o conteúdo material dum raciocínio são duas coisas bem distintas,
das quais nenhuma basta, só por si, para conseguir um resultado
verdadeiro, e que é razoável dividir a lógica em duas partes, que
estudem uma a forma, outra a matéria do pensamento. Começaremos o
nosso estudo pela lógica formal.
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