13. A memória intelectual.

Os conceitos que uma vez informaram, em ato, a nossa inteligência, ficam a existir nela como hábito. Temos a possibilidade e a facilidade de repensar o que uma vez pensámos. A essa disposição do nosso espírito chama-se a memória intelectual.

A memória intelectual é memória de idéias, que, como tal, não têm lugar nem tempo. Ao que nos traz ao espírito falta por isso o caráter de coisa passada, de, propriamente, recordação. É evidente, por exemplo, que quem aprendeu a demonstração do teorema de Pitágoras, e se lembra dessa demonstração, considera uma verdade que tanto é de ontem como de hoje ou de amanhã. Para que alguma coisa situe a sua recordação, é necessário fazer reviver as circunstâncias do momento em que a demonstração foi aprendida: a sala de aula, os condiscípulos, a cara e o tom de voz do professor. Ora isso não pertence à memória intelectual; é com a memória. sensível. Por isso, embora quando pensamos uma coisa pela segunda vez tenhamos consciência de a termos já pensado, a memória sensível é a única que tem, como nota específica, o recordar-nos o passado como passado.

Como o raciocínio, a memória intelectual não dispensa as imagens. Todas as vezes que a nossa inteligência considera uma noção, o intelecto agente tem de a abstrair duma imagem sensível, que, aliás, não precisa de ser sempre a mesma. A nossa vida intelectual, como convém à nossa dupla qualidade de seres intelectuais e materiais, realiza-se toda num plano duplo. No plano superior, é movimento de idéias, pensamento, abstração; no plano inferior, servindo de suporte à idéia, é movimento de imagens, representação sensível. Os conceitos não são as imagens; são essencialmente diferentes das imagens. Mas são, para as imagens, o que a alma é para o corpo; e a nossa alma, enquanto unida ao corpo, não pode pensá-los senão nas imagens, traduzindo as imagens à luz do intelecto agente.