13. Providência e acaso.

As relações entre o acaso e a Providência têm de ser estudadas à parte. Não suponhamos que, para admitir a Providência, temos de negar o acaso, nem, para atribuir uma coisa ao acaso, nos julguemos obrigados a subtraí-Ia à Providência divina. Devemos pensar, pelo contrário, que a Providência inclui as causas acidentais; que os efeitos do acaso estão previstos na ordem providencial.

Para compreendermos como isso possa ser, vejamos o que se passa conosco. Suponhamos, por exemplo, que um homem deitou, ontem, os dados, e tirou um determinado número. O fato de conhecermos a ação e o seu resultado não impede que o número saído fosse obra do acaso. Se, por outro lado, soubermos que o homem vai deitar os dados amanhã, não podemos de forma nenhuma prever o número que há-de sair, a não ser que, por qualquer artifício, tenhamos disposto as coisas de maneira a que saia um dado número, que, por isso mesmo, não será devido ao acaso. Qual a razão da diferença entre os dois casos?

Quando se trata de fatos passados, podemos conhecer a causa e os efeitos em si mesmos, no seu ser. O conhecimento que deles temos não depende da espécie de laço que os une, nem altera em nada esse laço. Mas os efeitos futuros só nos podem ser conhecidos nas suas causas; só podemos por isso prevê-los se resultam necessariamente dessas causas. Assim, podemos prever um eclipse futuro a partir das posições dos astros no passado e no presente, por se tratar dum fenômeno em que a parte do acaso é praticamente nula; mas não podemos saber o número que vai sair num jogo de dados, porque depende do concurso de muitas causas que não têm entre si qualquer relação necessária.

Ora Deus não está sujeito ao tempo. Conhece os fatos futuros como os passados, no seu ser, que recebem dele. Pode prever os efeitos futuros de causas contingentes, porque os conhece em si mesmos, e não apenas nas suas causas. E o fato de os conhecer não torna esses efeitos necessários, como o fato de nós conhecermos os efeitos devidos, no passado, ao acaso, não os impede de terem sido fortuitos.

A Providência, longe de impedir o acaso, é o seu fundamento. O ser vem de Deus, com todas as suas divisões, em todas as suas modalidades, com todas as suas relações; portanto vem de Deus, também, a causalidade contingente ou necessária. Se o efeito duma causa é contingente, o último motivo disso é que Deus assim o quer. Não podemos invocar, contra uma coisa, aquilo mesmo em que ela se funda; não podemos portanto opor o acaso à Providência.