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Como os dois séculos precedentes são dominados por Descartes, o
século XIX é dominado por Kant, de que por isso trato com os
filósofos desse século, embora cronologicamente melhor pertencesse ao
anterior (viveu de 1724 a 1804). Ao pensamento de Kant,
apresentava-se o espetáculo duma filosofia em que se multiplicavam os
sistemas, todos de valor efêmero, contradizendo-se mutuamente, ao
passo que as outras ciências, principalmente a física, se
desenvolviam por um progresso contínuo. Para encontrar os motivos
desse contraste, Kant faz o estudo crítico do conhecimento humano.
Em sua opinião, o íntimo das coisas, o númeno, não pode ser
atingido por nós; só conhecemos as impressões que elas produzem em
nós, os fenômenos, que vazamos em moldes vazios, preexistentes no
nosso espírito, a que Kant chama formas a priori. As primeiras são
o espaço e o tempo, formas a priori da sensibilidade; são formas a
priori, ainda, mas do entendimento, a unidade e a pluralidade, a
substância, a causalidade, a existência, etc. A nossa
inteligência combina os conceitos assim obtidos pelo raciocínio,
segundo as suas próprias leis; de forma que a verdade duma conclusão
não é mais do que a sua conformidade com as leis do nosso espírito.
Na metafísica, a que Kant, como Descartes, nega qualquer
fundamento experimental, os raciocínios são feitos com quadros
vazios, não têm base; e as suas conclusões não correspondem a nada
de real. Nas célebres antinomias, Kant julga demonstrar,
validamente, teses metafísicas contraditórias: a eternidade e a
não-eternidade do mundo, por exemplo, a existência e a
não-existência da primeira causa, etc. Assim se explica, segundo
Kant, a diversidade das escolas filosóficas. Kant chama a este
trabalho a "Crítica da razão pura".
Por outro lado, Kant considera que entre os imperativos da nossa
razão, quase todos condicionais: "Faze isto, se queres aquilo",
há um imperativo incondicional, o do dever, a que Kant chama por
isso imperativo categórico.
"Faze assim", sem mais. Esse imperativo, diz Kant, postula a
existência de Deus como legislador, e a existência da alma imortal,
pela necessidade da justa recompense. É a "Crítica da razão
prática".
Voltarei a este assunto quando estudar a questão da crítica [25].
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