14. A perfeição.

Passemos à perfeição de Deus.

Nos seres materiais, perfeição é quase sempre sinônimo de complicação. Essas coisas são feitas, e feitas com partes ou materiais preexistentes, de possibilidades sempre limitadas. As simples, por não se poderem adaptar a todos os casos e a todas as necessidades, só imperfeitamente conseguem o seu fim; as mais perfeitas, se não têm essas deficiências, é à custa duma maior complicação no número ou na disposição das suas partes.

A Deus, que é simples, não podemos atribuir uma perfeição assim entendida. É preciso por isso observar que o paralelo entre a perfeição e a complicação não é absoluto. Há na perfeição três graus a considerar. O primeiro, e o mais baixo, é a pobreza de perfeição das coisas simples que, por serem aptas para pouco, só podem ter uma atividade muito rudimentar. O segundo é a complicação das coisas bem apropriadas ao seu fim, mas que precisam de órgãos especiais para cada modalidade da sua ação. O mais alto é a riqueza de perfeição das coisas que, sem necessidade de disposições complicadas, estão aptas a atingir o seu fim. Chamo a atenção para esta escala de valores, porque aparece muitas vezes na obra de S. Tomás, nos assuntos mais variados. S. Tomás costuma dar este exemplo muito simples: a pior saúde é a da pessoa que, por nem com auxilio de remédios poder passar bem, não faz tratamento nenhum. Segue-se-lhe a da pessoa que se mantém de boa saúde à custa de muitos remédios e tratamentos complicados. Finalmente, a melhor é a de quem não precisa de remédios para ter saúde [59].

Vê-se pelo que disse que, no seu mais alto grau, a perfeição encontra a simplicidade. É, de maneira eminente, o caso de Deus, absolutamente simples e soberanamente perfeito.

Que não podemos deixar de atribuir a Deus a perfeição resulta da consideração seguinte: uma coisa diz-se perfeita na medida em que nada lhe falta do que compete ao seu modo de ser, isto é, na medida em que é em ato. Deus, ato puro, deve por isso dizer-se perfeito, sem restrições. Mas a perfeição, como o ser, como todos os atributos positivos, é-lhe atribuída em grau eminente, por analogia. A perfeição das criaturas está sujeita a um modo determinado; a de Deus é superior a todos os modos. Podemos dizer que em Deus existem as perfeições de todas as coisas, mas virtualmente, exprimindo com isso que as coisas dependem dele por tudo quanto têm de perfeito, pela totalidade do seu ser.