D. A questão do averroísmo.


13. Os augustinistas.

Em 1269, S. Tomás foi chamado novamente a Paris, onde estava no auge a questão do averroísmo latino. Era a última fase da luta a que tinha dado lugar o aparecimento da filosofia de Aristóteles. Torna-se preciso expor rapidamente o estado da questão, para se poder avaliar do grau de desorientação a que ela tinha levado espíritos que não tinham a grandeza e o equilíbrio do gênio de S. Tomás.

Os filósofos cristãos anteriores a S. Tomás tinham sofrido fortemente a influência de S. Agostinho, e, por intermédio deste, a de Platão e dos neoplatônicos. Ora o platonismo opõe-se essencialmente à filosofia aristotélica em tudo o que diz respeito ao conhecimento. Platão entende que os nossos conhecimentos provêm diretamente das "Idéias", exemplares ou protótipos eternos, de que, em sua opinião, as coisas reais são reflexo imperfeito; e S. Agostinho, pondo as Idéias em Deus, criador das coisas, pensa também que os nossos conhecimentos são uma participação direta das verdades eternas. Aristóteles, pelo contrário, conclui da observação dos fatos que os nossos conhecimentos são abstraídos das coisas; sendo o processo de abstracção obra do que chama o "intelecto agente".

S. Tomás era discípulo convicto de S. Agostinho. Aceitava, no essencial, a sua teologia; admitia muitas das suas opiniões filosóficas, que, aliás, não chegam a formar um todo bem destacado da teologia; em particular, pensava como ele que as Idéias de Platão eram simplesmente aspectos diversos da perfeição divina. Mas, no conhecimento, seguia Aristóteles, mantendo-se perfeitamente dentro da doutrina cristã, visto que admitia em cada homem um intelecto agente, simples faculdade da alma, e estendia a imortalidade a toda a alma imaterial. Averrois, pelo contrário, supunha um só intelecto agente, comum a todos os homens; e, como limitava a imortalidade ao intelecto agente, negava a imortalidade pessoal do homem, o que é, evidentemente, oposto ao cristianismo.

Os augustinistas, entre outros Alexandre de Hales, João Peckam, e o Bispo de Paris Estêvão Tempier, eram católicos sinceros, e combatiam encarniçadamente o averroísmo; mas entendiam, como os averroístas, que Aristóteles só admitia a interpretação de Averrois, e por isso combatiam todo o aristotelismo, com o mesmo fervor. Em especial, combatiam a tese da unidade de forma substancial no homem, defendida por S. Tomás.