11. Filosofia perene.

Outra coisa devemos exigir da verdadeira filosofia: não pode estar dependente de modas nem de fantasias. Para ser verdadeira, deve corresponder aos fatos; e, se estes não variam, as suas conclusões não podem mudar também. Tem de ser perene; a expressão atribuí-se a Leibniz, mas o ideal é de S. Tomás e de toda a Escola.

As suas conclusões devem poder ser encontradas por todos os que raciocinam corretamente. Deve para isso fundar-se nos princípios naturalmente evidentes, e nos fatos mais gerais, verificados, sem sombra de dúvida, pela experiência; os seus raciocínios devem ser feitos de acordo com a lógica mais exigente. Se assim for, as suas teses têm base larga e estrutura sólida; não têm nada a temer do tempo.

Não deve portanto cada filósofo procurar construir um sistema seu, diferente dos daqueles que o precederam, e, quantas vezes, desprezando todo o material que o trabalho dos outros acumulou. A verdadeira filosofia é, como as outras ciências, um corpo de doutrina constituído, que progride com o tempo pelo trabalho de todos. Está bem que se verifique o rigor dos raciocínios já feitos; que se procurem novas maneiras de chegar às mesmas conclusões; que se queira, nos campos inexplorados, criar doutrina nova. Mas não se deve fazer tábua rasa de tudo o que existia, para recomeçar de novo, perpetuamente num trabalho de Sísifo. Este personagem mitológico foi, como todos sabem, condenado a rolar até ao alto duma ladeira uma enorme pedra, que, apenas ele a largava, rolava outra vez pelo seu peso até ao fundo; e a recomeçar eternamente o mesmo esforço, sem resultado e sem esperança. Não é isso o que nós queremos.

Não quero dizer que, do que os outros filósofos fizeram, nos devemos limitar a aprender as conclusões ou a decorar os raciocínios. Não. Os raciocínios de que eles se serviram, devemos tê-los pensado também; mas nada impede que nos deixemos guiar pelo trabalho dos outros, como em matemática não nos negamos a seguir uma demonstração que outro fez. O auxílio dum Mestre, na aquisição duma ciência como a filosofia, é puramente extrínseco; ajuda a formação da ciência, mas esta apoia-se só nos elementos intrínsecos. A nossa filosofia será bem nossa, de cada um de nós, no sentido próprio da palavra, se lhe conhecermos os princípios, o desenvolvimento dos raciocínios, a certeza das conclusões; não é preciso, para isso, que tenhamos repetido todas as hesitações, todas as tentativas, dos que primeiro criaram cada um dos seus capítulos.

É essa a condição do progresso das ciências. A inteligência dum homem, a duração duma vida, são pouco para tudo o que há a fazer. Só podendo cada um adquirir, rapidamente, o que aos outros levou muito tempo a descobrir, haverá possibilidade de se aplicar, depois, ao estudo dos problemas que eles não tiveram tempo de abordar.

Ser filósofo é diferente de saber filosofia. A diferença foi bem observada por Goethe, que, no seu Fausto, a põe em relevo no diálogo entre o velho sábio, ainda não rejuvenescido pelo seu pacto com o demônio, e um discípulo dócil, mas sem verdadeiro espírito filosófico; o que o primeiro encontra na natureza, quer o segundo procurá-lo nos livros. O filósofo não se limita a aprender o que sabe; assimila-o. Pensa pela sua cabeça; é seu direito e seu dever. Mas não se espanta nem desgosta se as suas conclusões coincidem com as dos filósofos que o precederam. Se encontra um erro no que está feito, deve desvendá-lo e corrigi-lo; não tem, no entanto, o direito de duvidar de tudo, arbitrariamente, e de querer proceder como se fosse o único filósofo de todos os tempos.

Consideramos portanto a filosofia como uma ciência, constituída por tudo quanto há de verdadeiro no trabalho dos filósofos de todos os tempos; e como dever de cada filósofo contribuir para o seu progresso, eliminando o que, porventura, seja errado e passe por bom, e estudando assuntos ainda não tratados, onde haja novas verdades a descobrir. Só chamamos filosofia, no sentido estrito, à filosofia perene.