|
Vejamos agora a aplicação à ordem lógica da teoria da potência e
do ato. Pelos caracteres comuns que apresentam, verifica-se que os
seres formam diversos agrupamentos, determinados cada um pela
existência dum certo número de características. Desses
agrupamentos, os mais particularizados, isto é, os que compreendem
todos os seres cuja essência é idêntica, e só esses, são o que em
metafísica se chamam espécies; os homens, por exemplo, constituem
uma espécie. Os outros são gêneros, próximos (os mais
particulares), ou remotos (os mais gerais). Não confundir estas
noções com os gêneros e espécies biológicas, embora, como é
óbvio, haja analogia entre o significado com que os termos são
tomados na biologia e na metafísica; os gêneros e espécies
biológicas são simples escalões, fixados de forma mais ou menos
arbitrária, das classificações adotadas.
Na noção dum gênero existem em potência, logicamente, as de todas
as espécies que pode compreender. Como elemento determinador, há a
diferença especifica, isto é, a característica que distingue uma
espécie de todas as outras do mesmo gênero. O mesmo acontece com os
gêneros mais próximos em relação aos mais remotos; as diferenças
são então genéricas.
Conhecemos um ser, na medida em que somos capazes de o conhecer,
quando sabemos a espécie a que pertence, e podemos dar a sua
definição essencial, isto é, a indicação do gênero próximo em
que se filia (e, sucessivamente, dos mais remotos), e da diferença
específica que a particulariza. Assim, sabemos, por exemplo, que o
homem é um animal racional. Pertence ao gênero animal, por ser vivo
e dotado de sensibilidade; e distingue-se dos outros animais por ser
capaz de raciocinar. Mas, da maior parte dos seres materiais, não
sabemos dar uma definição essencial como esta; temos de nos contentar
com a definição descritiva, simples enumeração dos seus caracteres
extrínsecos. E até, em muitos casos, é difícil, senão
impossível, determinar com precisão onde está a espécie,
distinguindo-a dos gêneros por um lado, das simples variedades por
outro.
Note-se que, mesmo conhecida a definição essencial dum ser, não
temos dele conhecimento exaustivo. A riqueza do ser excede a nossa
capacidade. Não conhecemos as coisas senão de fora para dentro;
falta-nos o seu conhecimento íntimo, total. Sabemos que um objeto
pertence a uma certa espécie ou a um certo gênero pelos caracteres que
possui; sabemos, por exemplo, que é material, vivo, sensível.
Mas não conhecemos a espécie diretamente, pela intuição da
essência; só a conhecemos pela qüididade que a exprime. Assim,
definimos o homem como animal racional. Mas quem poderá afirmar que
era impossível a existência de outros animais racionais, diferentes
do homem? E, se os houvesse, como distingui-los do homem,
essencialmente? Por outro lado, se um animal racional tem,
necessariamente, de apresentar os caracteres da espécie humana, quem
poderá dizer porquê? O exemplo mostra que o nosso conhecimento,
mesmo quando atinge a essência de um ser, não a atinge na sua
plenitude. É progressivo, e por isso imperfeito; é analítico por
natureza, e a suprema síntese fica-lhe inacessível.
Mas o fato de não conseguirmos tudo não deve fazer-nos esquecer que
conseguimos alguma coisa. O nosso conhecimento é incompleto: não
deixa por isso de ser verdadeiro, quando é acompanhado da
consciência da sua imperfeição. Se não nos enganamos ao
interpretar a experiência, a coisa em que pensamos apresenta,
realmente, as notas por causa das quais a incluímos numa dada espécie
e num dado gênero. É quanto basta para sabermos alguma coisa do que
ela é, do que é realmente, e não só do que é no nosso espírito.
Gêneros e espécies são os chamados universais. Já atrás apontei
a solução tomista da questão da sua existência real. Cada
espécie, cada gênero, caracteriza-se por um certo conjunto de notas
ou particularidades. Esse conjunto existe realmente, em todos os
indivíduos que pertencem à espécie ou ao gênero considerado. Mas
não existe isoladamente; existe associado a outras notas, essenciais
ou acidentais. No mundo real, portanto, os universais não existem
na sua universalidade, como na inteligência, mas realizados,
concretamente, nos indivíduos.
|
|