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A sensação bruta sofre uma elaboração que leva o conhecimento
sensível muito além da simples percepção do sensível próprio.
Primeiro, em muitos sentidos, há a distinguir um objeto imediato e
um objeto mediato. Assim, na vista, por meio do feixe de luz que
incide na retina, vemos o foco luminoso de que provém; é semelhante
o caso do cego, que sente o terreno com a ponta da bengala.
Depois, as indicações dos vários sentidos externos são
centralizadas, de forma a completarem-se, apoiarem-se e
fiscalizarem-se mutuamente. Com as mãos, verificamos as dimensões
dum objeto avaliadas à vista. Olhando, certificamo-nos da origem do
ruído que ouvimos. O olfato e o paladar combinam-se numa sensação
complexa, em que é difícil destrinçar o que vem dum e doutro. Da
mesma maneira, o sentirmos o seu perfume completa a impressão que
produz em nós a vista duma flor.
Esta reunião das impressões dos sentidos exige em nós uma faculdade
sensível especial, a que se dá na escolástica o nome de sentido
comum, ou, mais correntemente, o nome etimologicamente equivalente de
senso comum. bate último tem assim na filosofia tomista um significado
muito diferente do que lhe dá a linguagem corrente. É costume tomar
senso comum como sinônimo de bom senso, entendendo pelo qualificativo
comum que ele é comum à maioria dos homens, ou pelo menos aos homens
de espírito equilibrado. Aqui, o comum quer dizer que por ele
comunicam os vários sentidos; que nele se totalizam as percepções de
todos, dando-nos conhecimento, não do que é próprio a cada um,
mas, para além disso, do que é comum a todos. Modernamente, há
quem chame a esta faculdade consciência sensível.
As propriedades do objeto que o senso comum nos revela através das
percepções dos sentidos constituem o sensível comum. São as
dimensões, o número, a posição, a configuração das coisas, o
seu estado de repouso ou movimento relativamente aos corpos vizinhos,
tudo acidentes que não impressionam diretamente nenhum sentido. Essas
propriedades são os elementos da imagem que representa o objeto na
nossa sensibilidade, e que, portanto, se forma no senso comum. Como
vamos ver, essa imagem tem uma função importantíssima em todo o
conhecimento humano.
Por isso mesmo que totaliza as percepções dos sentidos, é o senso
comum que permite a sua educação. A percepção do sensível
próprio imediato é espontânea, e não depende de educação. Mas a
do sensível mediato exige uma educação para eliminar as ilusões, os
erros de interpretação a que os sentidos estão sujeitos, e que só a
fiscalização dum pelos outros, ou pelo mesmo sentido exercido em
condições diferentes, pode ensinar a evitar. Uma tal fiscalização
pressupõe a consciência dum sensível comum, permanente sob a
variabilidade dos sensíveis próprios, e, portanto, a ação do
senso comum.
O senso comum tem ainda outra função muito importante: é ele que
nos dá a conhecer a nossa atividade sensível. Nós temos, quando a
isso prestamos atenção, a consciência de que estamos a aplicar um
determinado sentido; vemo-nos ver, por exemplo. Claro que só uma
faculdade distinta dele pode observar assim, como que do exterior, o
exercício dum sentido. Essa faculdade é o senso comum, que tem
conhecimento de quais os sentidos de que recebe as impressões que
totaliza.
O senso comum é o primeiro dos sentidos internos, isto é, das
faculdades sensitivas que não têm contacto direto com as coisas
exteriores; mas não é o único. Há ainda a imaginação, a
memória, e a razão particular.
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