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As faculdades sensíveis são doutra ordem, e só existem, pelo menos
com certo desenvolvimento, nos animais. Por elas, o indivíduo
excede os limites do seu próprio corpo, tomando conhecimento, por
forma concreta, dos corpos que o rodeiam.
Compreendem em primeiro lugar os sentidos propriamente ditos, pelos
quais o ser vivo recebe a impressão das qualidades sensíveis do objeto
que conhece. Depois, totalizando as impressões dos sentidos,
compondo-as e apreciando-as, há o chamado sentido ou senso comum,
que permite, por exemplo, a partir dum determinado ruído e duma
determinada imagem visual, concluir que estamos em presença dum ser de
certa espécie, que se nos manifesta pela vista e pelo ouvido. Para
conservar as imagens sensíveis, há a imaginação. Para apreciar a
utilidade ou a nocividade do objeto conhecido, e portanto a atitude a
tomar para com ele, há a estimativa, faculdade de julgamento
instintivo, que, no homem, por estar subordinada à razão e se guiar
por ela, toma o nome de razão particular. Finalmente, para
despertar a recordação dos objetos anteriormente conhecidos de que se
conserva a imagem, há uma última faculdade sensível, a memória.
Também esta, no homem, está subordinada à razão; tem por isso na
Escola um nome especial, o de reminiscência.
Ao falar do conhecimento, voltarei a ocupar-me, mais
pormenorizadamente, das faculdades sensitivas. Quero aqui recordar
que lhes corresponde, na ordem da ação, uma faculdade apetitiva
chamada apetite sensível. A maneira por que um ser tende para o seu
fim reflecte sempre a maneira por que esse fim lhe é conhecido. As
faculdades vegetativas tendem para um fim que não conhecem; são um
caso de finalidade inconsciente, a que se chama apetite natural. As
faculdades sensitivas dão, do seu objeto, um conhecimento
particular; dirigem para esse objeto a atividade do indivíduo, de
maneira consciente mas não raciocinada, pelo apetite sensível.
O apetite sensível comanda a chamada faculdade locomotora, potência
da alma cujas modificações são a causa dos movimentas do corpo.
Precisando melhor: são a causa formal dos movimentos dirigidos para o
exterior, como de fora vem o objeto conhecido pela sensibilidade;
portanto, dos movimentos de locomoção, de preensão, etc.
Facilmente se compreende isto; uma alteração do apetite sensível é
uma modificação da alma, que produz na alma outras modificações,
todas nas faculdades que lhe pertencem como forma do corpo. Por outras
palavras, todas são modificações da lei do corpo; e as energias que
Neste actuam, utilizadas segundo nova lei, produzem novos efeitos:
os movimentos corpóreos. Não é preciso para isso supor nenhum
influxo de energia física vinda da alma, que, não esqueçamos,
actua sobre o corpo de maneira muito diferente daquela por que um corpo
age sobre outro; como causa intrínseca, não como causa eficiente.
As atividades vitais internas, ao contrário das que citei, não
dependem do apetite sensível senão parcial e indiretamente. Fazem
parte da vida vegetativa, e procedem só do que chamei o apetite
natural.
O apetite sensível tem de ser decomposto em duas faculdades, a que na
Escolástica se dão os nomes, arcaicos no sabor, de concupiscível e
irascível. O primeiro impele o indivíduo a procurar o objeto que lhe
agrada; por isso dizemos que tem por objeto o agradável, e que dirige
as ações fáceis. O irascível, pelo contrário, sob a ação das
apreciações da estimativa ou razão particular, leva a atos que em si
mesmos desagradam ao indivíduo, mas que são úteis, indiretamente,
pelas suas conseqüências: ao combate contra o inimigo que o ameaça,
ao esforço necessário para se obter o agradável. Tem por isso por
objeto as coisas árduas, e governa as ações difíceis.
Das duas faculdades, é o irascível que devemos considerar superior;
lembremo-lo, pois o amor do conforto leva às vezes o homem a
transigências que põem em perigo tudo quanto tem valor humano. Não
tende, com efeito, a um fim próximo, que lisonjeie imediatamente os
sentidos, mas a um fim remoto, exigido pela sua utilidade, e para
atingir o qual é preciso correr riscos, vencer obstáculos, sofrer
privações.
No homem, assim como a sensibilidade está subordinada à
inteligência, o apetite sensível está subordinado à vontade,
quando a veemência dos seus impulsos não surpreende esta,
impedindo-lhe os movimentos, ou os maus hábitos da vontade não a
levam a abdicar no apetite sensível.
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