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Fica assim provada a existência de Deus, a partir das propriedades
fundamentais do ser, e de fatos de que os sentidos nos dão
conhecimento indubitável: a existência dos seres, a sua evolução,
a sua desigual perfeição, a ordem em que se integram, a sua
contingência; e se é verdade, como diz Descartes, que uma só
prova basta, se for boa [49], é certo também que só há vantagem
em analisar essa prova, e aplicá-la nas diversas modalidades que
comporta.
A prova é a posteriori. Logo de entrada vimos que não podia deixar
de o ser. No entanto, S. Anselmo julgou poder dar da existência
de Deus uma prova a priori, em que, de resto, não fazia mais do que
tornar explícita uma tendência latente, desde sempre, na escola
platônica. E o argumento de S. Anselmo, mais ou menos
"colorido", segundo a expressão de Scot [50], foi retomada por
muitos filósofos depois dele: S. Boaventura, Duns Scot,
Descartes, e, até certo ponto, Leibniz. Kant denunciou-o como
sofisma. Mas já S. Tomás, muitos séculos antes, o tinha
condenado em termos decisivos.
O argumento de S. Anselmo, também chamado argumento ontológico,
reduz-se afinal ao seguinte: Deus é, por essência, um ser
infinitamente perfeito. Ora a existência é uma perfeição. Está
portanto incluída na essência divina, e é contraditório supor que
não existe um ser cuja essência implica a existência.
S. Tomás combate o argumento ontológico antes mesmo de estudar a
demonstrabilidade da existência de Deus. Encontra nesse argumento
dois defeitos. O primeiro, secundário, é o de nada valer contra
quem não entenda, pela palavra Deus, um ser infinitamente perfeito.
O segundo é essencial; o de haver nele uma passagem ilegítima da
ordem lógica para a ordem real. Quando pensarmos num ser perfeito,
temos de fato de o pensar existente. Mas nós não conhecemos a
essência de Deus tal como ela é na realidade, independentemente do
nosso pensamento; sem uma base exterior à nossa inteligência, tomada
no mundo real, não podemos portanto concluir nada a respeito da sua
existência. A única coisa que é contraditória é supor um ser
perfeito existente em potência. Um tal ser, se existe, existe
necessariamente. A sua existência é evidente em si; mas não é
evidente para nós, que, ao pensarmos numa essência perfeita, não
podemos ter a certeza de não estarmos a arquitetar uma quimera.
A contrapartida tomista ao argumento de S. Anselmo é a terceira
via. Aí, a base real é a existência das coisas contingentes, que
conhecemos pelos sentidos. Dela se conclui que o Ser existente por
essência não é uma quimera, mas uma realidade indispensável à
existência de todas as outras. A prova tomista "pelo contingente e
pelo necessário [51]"
é a posteriori como as restantes.
A posição de S. Tomás nesta questão é clara e firme, mas não
deixa de ser delicada. O compreendê-la bem é pedra de toque duma
boa compreensão de toda a estrutura da metafisica tomista.
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