14. A causa final.

Há ainda a causa final, a que Aristóteles chama a "causa das causas".

Uma causa inteligente, antes de agir, escolhe o efeito que quer produzir, o fim da sua ação, e ordena os seus atos para a obtenção desse fim. Há aqui um caso de finalidade consciente; e é nesse sentido que se costuma tomar a palavra na linguagem corrente.

As causas não-inteligentes não conhecem, evidentemente, o efeito a que tende a sua ação. No entanto, esse efeito não é qualquer. É determinado pela natureza da causa. Se outras causas não intervierem, o efeito duma causa, em circunstâncias idênticas, é sempre o mesmo. A essa determinação da causa para um efeito que desconhece, mas que resulta, naturalmente, da sua ação, chama-se finalidade natural.

Temos aqui que nos precaver contra um antropocentrismo muito grosseiro, que me lembra a afirmação, feita por uma criança, de que as galinhas põem ovos para nós os comermos. Não. As galinhas não põem ovos para nós os comermos, nem as árvores têm folhas para nos darem sombra. Como veremos mais adiante, a visão tomista do Universo tem outra largueza. Parece, no entanto, difícil negar que a árvore está determinada a produzir a semente, e esta a dar origem a outra árvore.

Também não devemos cair no antropomorfismo, e imaginar nas coisas uma vontade como a nossa. A causa natural, que não conhece fins, age duma certa maneira, porque é da sua natureza agir assim. A sua causalidade eficiente resulta duma determinação da sua natureza. Como S. Tomás esclarece, não há nas coisas insensíveis nada que as incline para um fim, mas simplesmente uma inclinação para esse fim [43]. Com estas duas ressalvas, fica-se a compreender o que queremos dizer com a finalidade natural.

Nesse sentido entendemos o princípio de finalidade todo o agente age para um fim. Não há nele sombra de atribuição de consciência às causas naturais. Há o simples reconhecimento dum fato, que os tomistas exprimem em diferentes fórmulas, modernas ou clássicas: "o ser é dinamogênico", por exemplo, ou "o bem é difusivo de per si". Se procurarmos um conceito de finalidade que inclua, como casos particulares, a finalidade consciente e a finalidade natural, não é difícil ver que, das duas formas de finalidade, a mais geral, a que se pode estender até abranger a outra, é a segunda. Realmente nós escolhemos os fins para que tendem os nossos atos, e os meios a empregar. Mas o impulso que nos leva a agir, duma maneira ou doutra, não é inteligente; é natural, tão natural como o que provoca as atividades vitais independentes da vontade, a digestão dos alimentos, por exemplo, ou a circulação do sangue. E esse impulso leva-nos a agir inteligentemente, portanto de acordo com a nossa natureza, como qualquer outro agente. É assim a primeira forma de finalidade que, na natureza, pode ser reconduzida à segunda.

Na próxima lição veremos que a coerência das finalidades naturais nos revela, na sua origem, uma inteligência que transcende a natureza. No extremo desta análise, surge portanto um alargamento súbito do nosso campo de visão, como a quem subiu trabalhosamente um monte aparecem, do alto, horizontes afastados. O mesmo se dá qualquer que seja o lado por que se aprofunda a noção do ser.

Nas perspectivas que assim revela, e que infelizmente não pode, seguir até ao fim, é que está a beleza profunda da filosofia. E por causa delas que eu pude falar do misticismo filosófico de Platão, que não falta de todo em Aristóteles, apesar do seu modo mais frio, e nos aparece em S. Tomás sublimado pelo espírito cristão. É por isso que a filosofia, ciência do ser, se pode chamar também, com absoluta verdade, o poema do ser.

Mas para compreendermos essa beleza temos de ir direitos à sua fonte. Não podemos parar no caminho, a entretermo-nos com palavras. Devemos perseguir o ser, ansiosamente. Passemos, portanto, adiante.