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A crítica dos princípios, em si mesma, é perfeitamente legítima,
e até necessária. Não que duvidemos deles; mas, por isso mesmo,
não fugimos da contraprova. Vejamos, no entanto, em que condições
ela é possível.
Comecemos por distinguir a crítica interna da crítica externa
(chamemos-lhes assim). A primeira funda-se sobre os próprios
princípios evidentes. Confronta-os uns com os outros; compara as
conclusões que deles se podem tirar, procura de contradições; é
então direta. Ou, visto que sobre os princípios se funda o valor da
experiência, pode também verificar se esta confirma as conclusões
dos raciocínios válidos; é então ainda crítica interna, mas
indireta. Esta maneira de proceder é lógica e coerente.
Note-se que uma tal crítica pode legitimamente fazer-se em qualquer
altura, no fim como no meio ou no princípio; melhor se faria até no
fim de tudo, visto se quererem comparar conclusões. Note-se também
que, se o resultado fosse desfavorável, se aparecessem contradições
indubitáveis entre conclusões de raciocínios corretos, só seria
possível a posição que apontei acima, de nos abstermos de todo o
raciocínio; porque nada nos permitiria preferir um princípio a
outro, - são todos evidentes -, nem duvidar dum raciocínio válido sem
duvidar de todos. Mas o caso não se dá. Esta crítica, de fato,
reduz-se à verificação de que se não contradizem as conclusões
estabelecidas por meio de raciocínios corretos, a partir dos
princípios evidentes e dos fatos indubitavelmente observados; à
verificação de que eles formam um sistema coerente, sem oposições
internas irredutíveis. Limita-se a certificarmo-nos de que não há
razão nenhuma em que possamos fundar uma dúvida acerca dos
princípios.
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