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Finalmente, sabemos que se as bases dum raciocínio correto estão de
acordo com a realidade, a conclusão está-lo-á também. Assim,
quando dizemos que o cavalo branco de Napoleão não era preto, temos
consciência de que não se trata só duma impossibilidade, para o
nosso espírito, de afirmar o contrário; mas de que o cavalo, de
fato, não podia ser preto, visto que era branco.
Por outras palavras, reconhecemos que o ser é inteligível; que as
leis do nosso pensamento são idênticas às do ser, na sua realidade,
ditadas por elas, manifestação delas. É o princípio de
inteligibilidade.
Trata-se, como nos princípios de contradição a realidade, duma
certeza primária, direta, imediata; por outras palavras, natural.
Sabemos que é assim; não há melhor maneira de exprimir o fato.
E, neste caso, pela reflexão, podemos saber que se trata de
evidência fundada numa intuição intelectual no sensível, isto é,
ao contacto do que os sentidos nos dão a conhecer.
Precisando melhor: é evidente que as relações, que a nossa
inteligência verifica entre as coisas, são idênticas às que entre
elas existem na realidade, embora a maneira por que as coisas existem
na realidade seja diversa daquela por que existem no pensamento;
concreta, material, individual, na realidade, abstrata, como
conceito, no nosso espírito. Veremos depois que esta propriedade do
ser se manifestar de maneiras essencialmente diversas, mantendo
íntegras as suas leis fundamentais, se chama a analogia do ser.
Neste caso particular, quando o nosso espírito afirma legitimamente
qualquer propriedade acerca de uma coisa conhecida, podemos dizer que a
coisa conhecida está para a propriedade afirmada na mesma relação que
a coisa real para a propriedade real.
O conhecimento que a inteligência nos dá das coisas não é
perfeito, como não o é, vimo-lo já, o que nos dão os sentidos.
Há possibilidade de erro quando encadeamos raciocínios, a partir das
propriedades conhecidas duma coisa; mas é porque há o risco de, no
raciocínio, não termos observado as leis que o deviam reger. Pode
também dar-se o caso de, pela força do hábito, sermos levado a
tomar por verdadeiras proposições que de fato o não são. É
questão de cuidado, de procurar reconduzir essas proposições aos
primeiros princípios que enumerei. Nem uma coisa nem outra se opõe
ao princípio de inteligibilidade. É claro, por outro lado, que o
real, na sua totalidade, excede a capacidade da nossa inteligência.
O nosso conhecimento será por isso sempre parcial; a nossa ciência
rodeada de penumbra, de mistério; mas, do que podemos conhecer,
não deixa de ser verdadeira.
É o princípio de inteligibilidade que nos permite identificar absurdo
e impossível, irrealizável; não-absurdo e possível em si mesmo;
conseqüência logicamente necessária e conseqüência realmente
necessária. Nele se podem fundar outros princípios evidentes por si
mesmos, e muito importantes; em primeiro lugar o de razão de ser:
tudo quanto existe tem uma razão suficiente de existir; depois o de
causalidade, nas suas várias modalidades. Trataremos deles na
lição seguinte.
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