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Pouco depois da eleição de Urbano IV, S. Tomás foi
encarregado de estudar a questão, então candente, da compatibilidade
ou incompatibilidade da filosofia de Aristóteles com o cristianismo.
Os séculos antecedentes só tinham conhecido de Aristóteles parte
dos livros da Lógica, do que se chamava o "Organon". Mas, no
fim do século XII, o colégio de Toledo começou a traduzir do
árabe para o latim as restantes obras desse filósofo, conhecidas dos
muçulmanos; e, já no séc. XIII, juntaram-se a essas as
traduções feitas, também do árabe, pelos letrados da corte da
Sicília. Além das traduções de Aristóteles, fizeram uns e
outros as dos seus principais comentadores árabes, em especial de
Averrois.
O aparecimento das obras de Aristóteles no mundo latino foi um fato
sensacional. Da filosofia da antiguidade, além da lógica de
Aristóteles, os doutores cristãos só conheciam alguns Diálogos de
Platão. Laboriosamente, homens como Abelardo e S. Anselmo
tinham reconstruído o essencial duma filosofia; mas o pensamento
cristão estava longe de ter conseguido um sistema acabado como o de
Aristóteles, que assim, quase de repente, aparecia nas escolas.
Com verdadeiro entusiasmo, os doutores cristãos começaram o estudo
do aristotelismo. Mas os livros de Aristóteles são dum pagão;
pela brevidade do estilo, são de compreensão difícil; a sua
doutrina aparecia deformada nas traduções árabes; e, para mais,
vinha acompanhada dos comentários de Averrois, que a interpretavam
num sentido totalmente oposto ao cristianismo. Aristóteles não fala
da Criação; diz, ou parece dizer, que Deus não conhece o mundo,
e que a sua causalidade não se estende imediatamente a todas as
coisas. Por outro lado, é pouco claro quando fala da imortalidade da
alma; e o comentário de Averrois conclui pela negação duma
imortalidade pessoal.
Nessas condições, é compreensível que se levantasse na Igreja uma
forte oposição contra o aristotelismo. Em 1210, um concílio
parcial, reunido em Paris, proibiu que nessa cidade se ensinasse a
metafísica pelos livros de Aristóteles (sem, no entanto, proibir
aos professores a leitura desses livros); em 1215, o legado do
Papa confirmou a proibição. Em 1231, Gregório IX nomeou
uma comissão para estudar e corrigir as obras de Aristóteles,
renovando, no entretanto, a proibição já feita. Mas em 1255,
embora a comissão não tivesse feito nada, a Faculdade das Artes de
Paris anunciava o ensino de toda a obra de Aristóteles, com a
aprovação do legado pontifício. Urbano IV, retomando a
iniciativa de Gregório IX, tornou a aplicar as proibições,
encarregando S. Tomás de fazer o que a comissão nomeada por este
não tinha feito.
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