17. A imutabilidade.

Além de negarmos de Deus toda a composição, toda a dependência, toda a imperfeição, todo o limite, devemos negar dele toda a mudança. Uma coisa que muda, muda do que é para o que não é; e em Deus não há qualquer potencialidade. A mudança exige uma causa, um motor; e Deus é o Primeiro Motor, como já vimos. Se uma coisa se move a si mesma, é porque uma parte move outra; e em Deus não há partes. Devemos portanto dizer que Deus é imutável em absoluto, e que a imutabilidade, como todos os outros atributos, se identifica com a sua essência.

Quando por isso dizemos que Deus vê, perdoa, resolve, castiga, e outras coisas semelhantes, há antropomorfismo na maneira de falar que devemos ter todo o cuidado em não deixar passar para a idéia que exprimimos. Todas essas expressões se devem entender de Deus por analogia. Atribuímos-lhe de maneira eminente, na simplicidade da sua essência, as realidades que em nós se traduzem pelos atos a que damos esses nomes; nada mais. Deve ficar bem claro no nosso espírito que Deus não muda de qualquer maneira que seja, nem substancial nem acidentalmente, nem de idéias nem de resolução. Em Deus não há nada disso. Há um ser simples e ilimitado, de que o nosso espírito não pode fazer uma pálida idéia senão olhando-o por facetas, vendo-o à maneira humana; mas sem atribuir a Deus o que, nessa maneira de ver, é simples exigência da nossa inteligência imperfeita.

Ser imutável é próprio a Deus. Tudo o mais está sujeito à mudança, duma maneira ou doutra. As coisas materiais mudam na substância e nos acidentes. As formas puras, os Anjos, não mudam substancialmente, mas mudam de operação; aplicam-se a uma coisa depois de se terem aplicado a outra. Os astros, no tempo de S. Tomás, constituíam uma dificuldade, visto se supor então que não evolucionavam; mas, observa S. Tomás, mudam pelo menos de lugar. E, vista a questão por outro lado, olhadas as coisas não em si mesmas, mas na sua dependência da Causa Primária, todas, absolutamente falando, estão sujeitas à mais radical das mudanças, ao aniquilamento; porque todas estão em potência ao não-ser, visto o não existirem não contrariar a sua essência. Só o ato criador que lhes dá o ser as mantém existentes.