D. A lógica material.


13. A verdade.

A lógica material, como já disse, não se ocupa da conformidade das conclusões com as premissas, como a lógica formal, mas da sua veracidade. Como fiz notar, um raciocínio perfeitamente regular pode conduzir a conclusões erradas, se as premissas em que assenta não forem verdadeiras.

Antes de estudar a veracidade dos nossos pensamentos, é preciso saber o que se entende pela verdade. Quando tratamos dos transcendentais, vimos que a verdade ontológica é a capacidade que as coisas têm de serem conhecidas tais como são, e, em particular, a sua conformidade com a ciência criadora de Deus. Aqui, trata-se da verdade do nosso conhecimento, da verdade lógica. Podemos defini-Ia como a conformidade do nosso pensamento com a realidade.

Não devemos entender por isso que as coisas existem no nosso espírito da mesma maneira por que existem na realidade. Já vimos que, pelo processo de abstração, a forma do objeto que conhecemos adquire, na nossa inteligência, uma modalidade de existência completamente diferente da que tem na realidade. No objeto é concreta, individual; na inteligência é universal, abstrata. A verdade do nosso conhecimento tem portanto outro significado. Consiste, simplesmente, em não atribuirmos ao objeto nenhuma nota que não lhe pertença na realidade. É um caso de analogia. A relação que o nosso espírito estabelece entre dois conceitos deve ser idêntica a uma relação existente de fato entre os dois objetos que eles representam, para que o nosso conhecimento seja verdadeiro. Não é necessário que conheçamos todas as relações entre os dois objetos, e muito menos todas as relações de que um deles pode ser termo; para ser verdadeiro, o conhecimento não precisa de ser exaustivo; basta que a nota que afirmamos pertencer ao objeto lhe pertença realmente. Assim, falamos verdade quando dizemos que a neve é branca, embora, acerca da neve, haja muitas coisas mais a dizer e a saber.

Não há que saber, duma idéia isolada, se é verdadeira ou não. A questão não se põe, dado que a verdade é uma igualdade de relações, que exigem, claro está, dois termos. Uma noção como, por exemplo, a de quadrúpede com asas, só pode dizer-se errada se, pelo menos implicitamente, lhe atribuirmos existência real. O que é errado é a proposição "o quadrupede com asas existe". Em si mesmo, o conceito é indiferente, e pode fazer parte de proposições verdadeiras, como por exemplo, "o quadrúpede com asas não existe".

Só pode ser verdadeiro ou falso o juízo, que se exprime pela proposição, e relaciona entre si um sujeito e um predicado. Esse, sim; se o predicado que atribuímos ao sujeito lhe convém na realidade, é verdadeiro; se lhe não convém é falso.

Compreendendo bem a definição que dei da verdade, saberemos distinguir o que é de aceitar do que é de rejeitar na afirmação feita por alguns filósofos de que a verdade se modifica. De fato, quando estou sentado, é verdade que estou sentado; passará a ser falso quando eu me levantar. No entanto, mesmo então, continuará a ser verdade que eu estive sentado; o que, de acordo com a definição dada, quer dizer que as conclusões legítimas, que, pelo raciocínio, possa tirar dessa proposição, concordarão com as conseqüências reais do fato de eu ter estado sentado; a cadeira em que me sentei, por exemplo, terá ficado mais coçada.

Pelo contrário, como faz notar Aristóteles, os futuros contingentes não existem no passado nem mesmo como verdades futuras. Ontem, por exemplo, não era uma verdade que ia hoje sair um determinado número na lotaria; porque não existia ontem nenhum fato, em que essa conseqüência estivesse contida de modo necessário, com o qual a proposição em causa pudesse concordar.