10. A justiça de Deus.

Nisso mesmo consiste a justiça de Deus. Dizer que a ordem do Mundo é a melhor possível, é dizer que Deus pôs cada ser no lugar que lhe compete, que deu a cada ser, em relação aos outros, o que convém à sua natureza e às suas qualidades. Aprofundando, pode dizer-se que a justiça de Deus está na conformidade absoluta, na identidade, entre a sua inteligência e a sua vontade, que lhe faz dispor as coisas segundo a ordem traçada pela sua infinita sabedoria.

A justiça divina é justiça distributiva em grau eminente, justiça que consiste em dar a cada um conforme merece. A justiça comutativa, que regula as trocas, não pode convir a Deus, que só dá, nunca recebe. O que faz dizer a S. Tomás que só Deus é verdadeiramente generoso [70], porque só ele não recebe nada pelo bem que faz, nem pagamento, - quem lhe poderia dar senão de que ele lhe deu?-, nem recompensa, nem sequer a satisfação de ter feito o bem, porque nada pode aumentar a felicidade inalterável de Deus.

E se observarmos que Deus dá a seres que, sem ele, nada mereceriam, porque para merecer é preciso antes de mais nada existir, e a existência vem de Deus como o resto, compreendemos que não é possível deixar de atribuir a Deus a misericórdia. Por isso, se não podemos marcar à ação de Deus uma finalidade distinta dele, podemos dizer ao menos com S. Agostinho, citado por S. Tomás a este propósito, que "o fim que Deus procura em nós é a sua bondade, a qual, por sua vez, se encontra no nosso bem[71]". Quando digo o nosso bem, não me limito ao do homem, entendo o de todos os seres, de cada um conforme o que é.