XII. A Moral Filosófica.

A. Os fundamentos da moral.


1. Moral natural e moral teológica.

De toda a filosofia, a parte que menos interesse imediato pode ter é precisamente a parte prática, a filosofia moral. A razão deste fato paradoxal é simples. A filosofia, por definição, não pode fundar-se nos dados revelados; a filosofia moral tem por isso de ignorar fatos tão fundamentais como o pecado original, a Lei divina positiva, a Redenção, a Graça, a visão de Deus face a face prometida como fim e recompensa aos nossos esforços. Daí resulta que, em todos os casos concretos, a nossa ação será ditada pela moral revelada, pela moral cristã, que atende a estes factores juntamente com os demais, e não pela moral filosófica; e, por isso mesmo, que o interesse prático da moral filosófica é pouco mais do que nulo. Essa moral só teria utilidade imediata no Mundo que Deus podia ter criado, mas não quis criar, em que a Natureza não fosse prolongada pela Graça.

Não é no entanto de desprezar, para um tomista, o estudo da filosofia moral. Para S. Tomás, as linhas-mestras são as mesmas na moral teológica e na moral filosófica; a diferença está só em que uma atende a móis elementos do que a outra. Acrescente-se à Natureza a Graça, que nos faz existir num plano novo, na ordem sobrenatural; sobreponham-se às virtudes morais as virtudes infusas, fundadas na caridade, que, fazendo-nos proceder como amigos desinteressados de Deus, nos permite ver as coisas, não do nosso ponto de vista humano, mas pelo lado de Deus; atenda-se à Lei revelada, aceita pela fé, Lei que supre a fraqueza da nossa razão e nos indica, com clareza e de modo acessível a todas as inteligências, o caminho a seguir; dê-se ao homem a serenidade e a força nascidas da esperança da visão intuitiva de Deus, que ultrapassa tudo quanto possa desejar; e a moral filosófica de S. Tomás transforma-se na sua moral teológica, sem se deformar, sem se contradizer, como o homem da Natureza se transforma no cristão sem se negar, antes afirmando mais a sua personalidade em todos os seus aspectos positivos.

Por outro lado, só pelo estudo da moral natural, tal como S. Tomás a compreende, podemos preparar-nos para abordar a moral teológica na sua verdadeira luz, e libertar-nos do erro tão vulgar que vê na lei moral um constrangimento exterior, uma violência feita à natureza, em vez dum guia na realização da natureza, para os seus próprios fins ou para os da Sobre-natureza que a coroa.

Julgo por isso indispensável concluir esta exposição do tomismo por um estudo rápido da filosofia moral.