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Que poderemos nós conhecer desse Deus que demonstramos existir?
Não falo, visto estar a tratar de filosofia, dos conhecimentos
supra-naturais, baseados na Revelação; falo só do conhecimento
fundado nas nossas faculdades naturais. Poderão, estes dar-nos de
Deus um conhecimento adequado, que nos permita compreendê-lo?
A compreensão dum objeto consiste no conhecimento da sua essência,
e, para a nossa inteligência discursiva, em saber o que caracteriza a
sua espécie, o gênero a que ela pertence, a diferença que a
distingue das outras espécies do mesmo gênero. Ora Deus
aparece-nos como fonte de todo o ser; não pode estar incluído em
nenhuma das suas divisões. É transcendente a todas as coisas, tem de
o ser, como vimos, para poder ser Primeiro, em absoluto. Está
fora e acima das categorias, dos gêneros, das espécies. Está fora
dos quadros segundo os quais se articula o nosso pensamento. Não
podemos, por isso, ter a pretensão de o compreender. É, de resto,
natural, que o perfeito exceda a capacidade duma inteligência
limitada, imperfeita, como é a nossa.
S. Tomás não cai por isso na ilusão cartesiana de supor que se
pode compreender a essência divina a ponto de deduzir dela as leis do
mundo criado. Di-lo claramente, no trecho seguinte: "a nossa
inteligência sabe o que uma coisa é [...] quando concebe, a
respeito dessa coisa, uma forma inteligível que corresponde à sua
natureza. Ora, segundo o que dissemos, tudo quanto a nossa
inteligência concebe acerca de Deus não basta para o representar.
Deus fica-nos sempre oculto, e, nesta vida, o supremo conhecimento
que podemos ter dele é saber que excede todos os nossos pensamentos
[52].
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