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A moralidade refere-se aos atos humanos; e só são especificamente
humanos aqueles em que a inteligência e a vontade têm papel activo.
Desses atos, nenhum, talvez, é indiferente do ponto de vista
moral; até os que, em si mesmos, são indiferentes, rir, dar um
passeio, têm sempre algum aspecto secundário que os torna morais ou
imorais. Por exemplo: dar um passeio para fazer exercício e distrair
o espírito, e ganhar assim vigor para o trabalho a executar, é
moralmente bom. Dar um passeio quando o dever nos chama a outra parte
é, evidentemente, mau, pelo lado moral.
Pelo contrário, os atos involuntários não são susceptíveis de
moralidade. As ações que praticamos durante o sôno, por exemplo,
ou no delírio, numa alucinação ou num ataque de loucura, não são
da nossa responsabilidade; não podemos, por elas, merecer nem
desmerecer, por graves que sejam as suas conseqüências.
Quando são as paixões que impedem o exercício da vontade, há que
distinguir dois casos. Se uma paixão súbita, provocada por uma
causa exterior imprevisível e inevitável, paralisa a vontade, a
responsabilidade moral é diminuída na mesma proporção que a
atividade desta. Se, pelo contrário, foi a vontade que provocou o
movimento da paixão, ou não empregou os meios de que dispunha para o
evitar, a responsabilidade dos atos que a paixão provocar é nossa,
senão diretamente, pelo menos nas suas causas. Em particular, somos
responsáveis pelas faltas em que caímos porque não evitámos a
ocasião, podendo fazê-lo, ou porque, enquanto era tempo, não
educámos as paixões e domámos a sua violência por um esforço
continuado da vontade.
Note-se que o que digo se aplica tanto à responsabilidade do bem como
à do mal. Se fazemos o bem por influência duma paixão boa que se
substitui à vontade, não temos nisso merecimento; mas se é a
vontade que educa a paixão boa, para nos dar a energia que sabe ser
necessária, o ato bom é da nossa responsabilidade, e há mérito
nele.
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