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COMO disse, a vitória de S. Tomás sobre os averroístas provou
definitivamente que o aristotelismo era compatível com o cristianismo;
mas não pôde desarmar todos os seus adversários. Morto S.
Tomás, o Bispo de Paris, Estêvão Tempier, e o Arcebispo de
Cantuária, Roberto Kilwardby, condenaram várias teses tomistas de
mistura com as teses dos averroístas latinos. Roma nunca aprovou
essas condenações, que mais tarde foram expressamente revogadas pela
Bula que canonizou S. Tomás. Mas elas não deixaram de influir
para que o franciscano Duns Scot [23], querendo evitar toda a
censura, e movido além disso pela tendência, constante entre os
franciscanos, de dar preponderância à vontade sobre a razão,
criasse o seu sistema filosófico, originalíssimo. Scot, que ficou
conhecido pelo "Doutor sutil", toma por base a hipótese de que o
Universo é constituído por elementos, correspondentes cada um a um
conceito distinto, que se combinam entre si, segundo os decretos
arbitrários da vontade divina, para formarem todas as coisas. Esses
elementos não são seres; antes, o ser é um deles; também não
são simples aspectos diversos das coisas; são distintos formalmente,
por parte da coisa, diz Scot: "a parte rei". Assim, no homem,
além da matéria e de duas formas substanciais, a de corporeidade que
constituí o corpo, e a alma ou forma de humanidade, Scot encontra,
distintas formalmente a parte rei: o ser, a vida, a animalidade, a
individualidade (haecceitas, lhe chama Scot), do conjunto, as das
formas e da matéria, etc.
Neste sistema não se pode demonstrar a imortalidade da alma, que
passa a ser uma simples verdade de fé. A sua tendência natural é
para o panteísmo, visto todas as coisas terem um ser comum. Mas, à
força de talento, Scot conseguiu evitar esta conseqüência dos seus
princípios; o seu sistema é susceptível de interpretação
perfeitamente ortodoxa, e ensina-se ainda hoje nas escolas
franciscanas, com autorização expressa da Igreja.
Scot notabilizou-se como teólogo, mais ainda do que como filósofo.
Foi ele quem deu forma definitiva à doutrina da Imaculada
Conceição, diante da qual o próprio S. Tomás tinha hesitado.
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