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Nas condições apontadas, podemos ter a certeza de que os nossos
conhecimentos são verdadeiros.
Mas as condições da certeza são difíceis de realizar. Vão
tenhamos por isso ilusões sobre o número dos nossos conhecimentos
certos. São poucos, relativamente aos que nos são necessários para
dirigir a nossa atividade. Por isso, na maior parte dos casos da vida
prática, temos de nos contentar com opiniões mais ou menos
prováveis.
Não devemos no entanto cair no excesso contrário, e supor que não
sabemos nada com certeza. É certo, por exemplo, que o Mundo
existe, que é composto de seres distintos, mutáveis, relacionados
entre si pelos laços da causalidade, desiguais em perfeição,
pertencentes a tipos essencialmente diferentes, que se transformam uns
nos outros, e concorrem, cada qual segundo a sua natureza, para a
harmonia do conjunto. Essas e outras coisas mais, que existimos e
pensamos, que temos uma personalidade que se mantém através das
mudanças de corpo, que somos livres nas nossas ações, etc. são
verdades estabelecidas sem sombra de dúvida, dentro do critério que
indiquei; são certezas. Muitos conhecimentos científicos
fundamentais devem também considerar-se certos.
Mas é muito maior o domínio da opinião. Uma opinião é um juízo
que aceitamos, com um certo receio, justificado, de que ele não seja
verdadeiro. Para fundamentar a nossa ação, não é necessária a
certeza; basta a opinião, desde que seja suficientemente provável,
isto é, que se baseie em argumentos de valor, embora não possamos
afirmar que são irrespondíveis. São assim quase todos os nossos
juízos práticos. Com prudência e bom senso, conseguimos reduzir o
risco de erro a um mínimo, e o número de erros que de fato vimos a
cometer fica dentro dos limites admissíveis. Se não acertamos
sempre, acertamos o suficiente para que a nossa ação, no fim de
contas, seja útil. É quanto basta, à falta de melhor.
Muitos dos conhecimentos científicos partilham da incerteza das nossas
opiniões. São devidos a induções imperfeitas, em que não puderam
enumerar-se todos os factores que concorrem nas experiências, e em
que, por isso, há o risco de ter deixado escapar algum que influa no
resultado. Em particular, todos os conhecimentos de ordem
quantitativa têm uma certa margem de erro, porque em todas as medidas
influem, não só as quantidades a medir, mas outras causas acidentais
ou sistemáticas que afectam os valores medidos. Fazendo medidas em
excesso, e combinando-as entre si, procura-se que os erros de certo
modo se compensem. Mas o erro, se é reduzido, não é anulado.
Por esse motivo, as leis quantitativas dos fenômenos, estabelecidas
de forma a, nas condições das experiências, conduzirem aos valores
medidos, podem afastar-se muita da realidade nas suas expressões
matemáticas, e nos valores que dão para condições muito diferentes
das observadas.
Assim, Einstein pôde propor para a lei da gravitação uma
expressão totalmente diferente da de Newton, e pelo menos tão
próxima da realidade como esta. Não é no entanto legítimo concluir
daí que a ciência não vale nada. As duas leis, se são
sensacionalmente diferentes na sua formulação, Conduzem, para todos
os valores observáveis, a resultados Ao próximos que as diferenças
mal se podem apreciar com )s instrumentos mais perfeitos de que se
dispõe. Podemos dizer com confiança que conhecemos, com
aproximação muito grande, a lei da gravitação, em todo o domínio
acessível à fossa experiência.
A conclusão a que chega a lógica material é portanto esta: Sabemos
o critério por que devemos apreciar a ver dos nossos juízos, e, à
luz desse critério, podemos classificar como certos alguns dos nossos
conhecimentos. Outros são simplesmente prováveis, mas a
probabilidade é suficiente para, na ordem prática, fundamentar a
ação, ou, na ordem científica, nos aproximar notavelmente da
verdade quantitativa. Noutros casos ainda, não há sequer uma
opinião que nossa considerar-se provável; são assuntos ainda em
estudo, é inevitável que se vão abrindo outros novos, à medida que
os antigos vão sendo resolvidos.
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