17. As formas puras.

Em Deus, como já disse, não há qualquer composição de potência e ato; Deus é Ato Puro. E só ele o é; porque é da essência do Ato Puro o ter necessariamente de ser único.

Em todos os seres, exceptuado Deus, que é mais do que um "ser", tem portanto de haver composição de potência e ato. Essa composição manifesta-se, pelo menos, no seguinte: todos recebem de Deus a existência; esta é portanto distinta da essência, que não exige que eles existam sob pena de contradição; a existência é um ato de que a essência é a potência.

Mas pode haver seres que, abstraindo dessa composição fundamental, que faz deles seres criados, não tenham, na sua substância, outra composição; que sejam atos puros quanto à essência. A sua essência não exige que eles sejam feitos de qualquer coisa; basta, para existirem, que Deus, que lhes conhece a essência como possível, lhes queira dar a existência atual, sem necessidade de utilizar para isso uma matéria preexistente, ou de a criar com eles. Seres assim são seres simples; não têm matéria. Para os distinguir do Ato Puro em absoluto, é costume designá-los por formas puras, embora o nome de formas só se aplique propriamente ao elemento formal dos seres materiais.

Esses seres, por não terem matéria, não podem transformar-se substancialmente; já vimos que a matéria é a possibilidade duma tal transformação, e o substrato da evolução das coisas. São, são; não são, não são; não podem ser outra coisa em potência, nem existir em potência noutra coisa. São imortais; visto que, assim como só podem nascer por Criação, só poderiam desaparecer por aniquilamento, e Deus não suprime um ser que criou senão para dar lugar à formação doutro ser, o que é impossível neste caso.

Seres reais, existentes, independentes de lugar, que é atributo exigido pela matéria, as formas puras são verdadeiros espíritos. A sua existência é possível dentro da ontologia que expus; e é natural a sua identificação com os Anjos de que fala a Revelação cristã.