|
A crítica a que chamei externa, pelo contrário, funda noutros
princípios os seus raciocínios; e essa já não é legítima.
Realmente, com que direito pode alguém pretender que aceitemos esses
outros princípios? Não são evidentes: se o fossem estávamos
caídos na crítica interna. Não são fatos observados, pela mesma
razão. Como princípios de filosofia, são portanto perfeitamente
arbitrários. Podemos, devemos, recusar semelhante crítica, que,
por muito engenhosamente que a apresentem, por muito bem feita que
seja, peca pela base; é um ídolo com pés de barro.
Um desses princípios arbitrários, que muitas vezes passa
despercebido, é o de que se deve começar pela crítica. Em nome de
quê? Em qualquer altura que a crítica se faça, a única coisa que
a lógica pode exigir é esta: que, se ela demonstrar a inanidade das
bases do nosso conhecimento, deitemos abaixo tudo quanto já tenhamos
feito. Contra o não se fazer uma crítica inicial, um cético só
poderia objetar o risco de desperdiçar trabalho; mas há, em
contraposição a vantagem preciosa de não se abordarem os assuntos sem
se terem na mão os elementos necessários para a sua solução.
Citemos um caso análogo. Suponhamos que alguém tinha de fazer a
vistoria duma propriedade, em que havia um poço; e resolvia,
arbitrariamente, começar a vistoria pelo fundo do poço. Saltava
para o poço, de que não tinha meios de sair, ficava lá dentro, e
declarava impossível fazer a vistoria. Seria razoável esta maneira
de proceder? No entanto, é a que adotam os que começam pela
crítica do conhecimento. Suponhamos agora que outro começava a
vistoria pelo resto da propriedade; em qualquer dependência,
encontrava uma escada que lhe permitia descer ao poço; terminado o
trabalho, teria vistoriado toda a propriedade, incluído o poço;
teria feito seira dificuldade o que o primeiro declarava impossível.
É o que pretendem os que só abordam o estudo do conhecimento depois de
terem tratado da metafísica.
A crítica prévia erigida em princípio não se opõe diretamente aos
princípios evidentes, embora erice de dificuldades o caminho de quem
se quer basear neles. Mas há, entre os admitidos pelos filósofos
modernos, muitos princípios arbitrários que contrariam os que
apresentei. Aos que nos criticam, baseados neles, podemos responder
que todo o raciocínio se baseia em princípios, o deles como o nosso.
Se eles negam os nossos, sem motivo, nós, fundados na evidência,
podemos negar os deles, por maioria de razão.
|
|