6. A lei civil.

Quando chega o momento de agir, é difícil escolher o procedimento mais conforme com a lei natural, para mais se nos lembrarmos de que, nos assuntos que o tocam diretamente, o homem tem sempre a recear erros de perspectiva, devidos à importância exagerada dada ao que lhe interessa. Há por isso toda a vantagem em que os diferentes casos sejam estudados de antemão por pessoas competentes e desinteressadas, e determinada a conduta a adoptar neles por cada um.

Há também muitas coisas, na vida das sociedades, em que é necessário que todos procedam segundo a mesma norma, havendo no entanto várias normas igualmente possíveis entre as quais escolher. Há vários critérios admissíveis; mas, de entre eles, é preciso escolher um, adotá-lo com exclusão dos outros. É o caso, por exemplo, da circulação nas estradas. Pode fazer-se, indiferentemente, pela esquerda ou pela direita; mas é indispensável que todos circulem pelo mesmo lado, e, para isso, que se fixe um critério que todos tenham de respeitar.

Por estes dois motivos, é indispensável na sociedade uma lei explícita, e não implícita como a lei natural; uma lei humana positiva, mais necessária ainda porque só ela pode servir de base sólida para uma ação coerciva sobre os que procedem contra o bem da sociedade ou dos outros homens. Essa lei é a lei civil, que se funda na lei natural, e é, como disse, em parte explicitação das suas prescrições, em parte determinação do que ela deixa indeterminado.

A lei civil deve promover o bem comum. Deve assegurar a ordem, estabelecer a concordância entre os esforços de todos, e criar um ambiente favorável para que cada um exerça a sua atividade em vista do seu fim último. É este o papel que lhe cabe por natureza; não deve desviar-se dele, sob pena de contrariar a lei natural em que se funda. Em particular, não deve procurar o bem duma classe ou dum grupo em detrimento dos outros; pode diferenciar os grupos, mas sempre em vista do bem de todos, e na medida em que esse bem o exige. Não deve, também, orientar a sociedade para um fim incompatível com o que a Natureza lhe traçou: auxiliar os que a compõem na obtenção do seu fim último. Não deve esquecer que, assim como a ação dum indivíduo não pode privar os outros do bem que por natureza lhes compete, nenhuma sociedade pode desprezar os direitos das outras, e proceder como se fosse a única. Assim, os Estados não devem hostilizar as sociedades que, como a família, embora lhes estejam subordinadas, se fundam diretamente na ordem natural. Pelo mesmo motivo, devem respeitar os direitos dos outros Estados. Entre os indivíduos, a sociedade, pela lei civil, estabelece claramente as normas a observar; entre os Estados, por não haver, até hoje, nenhuma sociedade que os englobe a todos, não há autoridade que formule uma lei positiva; mas as relações entre eles devem ser reguladas pela lei natural, que toma Neste caso o nome de direito das gentes.