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Não só o fim de cada ser é o que mais convém à sua natureza, mas
a forma que toma a tendência para esse fim é a mais apropriada à
maneira de ser de cada um. No homem, essa tendência não é
particular como no animal, governado pelo instinto em cada caso
concreto. Ê geral, é tendência de conjunto para o fim último, a
atingir por caminhos que compete à inteligência estudar e traçar.
Assim, devemos, pela razão, procurar na nossa natureza a regra do
nosso procedimento. Temos para isso todos os elementos necessários.
No raciocínio teórico, a Natureza fornece-nos os primeiros
princípios do conhecimento. Aqui, no raciocínio de ordem prática
que há-de guiar a nossa ação, a Natureza dita-nos também, pela
consciência, o primeiro princípio moral: Deve-se fazer o bem.
Este principio é equivalente ao primeiro principio da metafísica, o
de identidade. Funda-se no ser, como ele. Simplesmente, encara o
ser no seu aspecto de fim, de objeto desejável, que é, como já
vimos, o do bem transcendental. Baseada Neste principio, fica a
cargo da razão, guiada pela observação da nossa natureza, o
determinar qual o bem parcial a procurar em cada ato concreto.
A lei de procedimento que resulta da investigação dos fins
particulares a que a Natureza ordenou cada uma das nossas faculdades é
a lei natural. No seu estudo, não deve esquecer-se que a Natureza
é a mesma em todos os homens e por isso que a regra deve ser tal que a
ação dum homem não possa, a não ser por acidente, impedir que os
outros homens atinjam o seu fim. A lei natural deve considerar os
homens em sociedade. É a própria Natureza quem não nos permite
viver isolados, e torna a atividade de cada um dependente da dos
outros; a lei natural deve tomar o homem no estado social em que a
Natureza o colocou.
Nos seus fundamentos, a lei natural é tão imutável como a natureza
humana; mas nos seus ditames mais especializados é variável com as
condições das diversas sociedades. Não vale a pena alongar-me aqui
sobre as suas prescrições essências. Todos as conhecem; porque o
Decálogo, a Lei dos Dez Mandamentos, é um resumo dela em poucas
palavras: Amar a Deus sobre todas as coisas, não matar, não
roubar, não desviar dos seus fins naturais as faculdades ordenadas
para a transmissão da vida [109], etc. Não deve surpreender-nos
que a lei natural chegue ao nosso conhecimento por Revelação.
Deus, assim como nos revelou muitas verdades acessíveis à razão, a
sua própria existência e a imortalidade da alma, por exemplo, para
valer à fraqueza da maior parte, quis também, e pelo mesmo motivo,
promulgar por Revelação a lei natural. Os Mandamentos, com
exceção do terceiro, que estabelece o descanso do Sábado, não
ordenam nada que um filósofo não pudesse concluir do estudo da
natureza humana.
Como se vê, a moral não encara a atividade do homem como a dum
escravo, submetido a uma lei arbitrária imposta pelo seu senhor. Se
podemos dizer, com toda a verdade, que a nossa lei é ditada por
Deus, devemos entender por isso que Deus nos deu a nossa natureza, e
nela, no que a constitui, no que a caracteriza, nos traçou a nossa
regra de ação
Realizarmo-nos a nós próprios, atingirmos o fim para que fomos
feitos.
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