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A matéria-prima, já o disse, é pura potência. Como tal, pode
fazer parte de qualquer substância material. Acontece por isso que,
pelo jogo da causalidade, uma dada porção de matéria deixe de
constituir uma substância e passe a fazer parte doutra. Uma tal
mudança é o que se chama uma transformação substancial;
(trans-forma-ção significa, etimologicamente, passagem duma forma
para outra). No seu aspecto metafísico, o fenômeno pode-se
encarar assim: Pela ação duma causa eficiente apropriada, a
substância considerada adquire uma forma acidental que contraria a sua
maneira de ser. Continuando a causa a agir, a contrariedade pode ser
suficiente para provocar a dissolução da forma substancial que
actualizava a matéria, e que volta a existir só em potência. A
matéria adquire então, de entre as formas substanciais nela
existentes em potência, aquela para que está mais disposta pela
ação da causa. A ação do agente traduziu-se, no paciente, pelo
regresso à potência duma forma e a passagem ao ato de outra. O
exemplo mais típico que se pode dar duma transformação substancial é
a assimilação dos alimentos por um ser vivo. Nela, os alimentos
perdem a sua existência substancial, autônoma; e a matéria que os
constituía passa a pertencer ao organismo, à própria substância,
do ser que os assimilou. No mundo inanimado, se realmente a
substância corresponde ao composto químico, as reações químicas
são transformações substanciais.
As mudanças menos radicais, que não afectam a substância,
mudanças de posição, de estado, de temperatura, etc.,
correspondem à aquisição de certas formas acidentais e à perda
doutras [102]. São transformações ocidentais.
Os acidentes, como já fiz notar, são individuados pela substância
a que são inerentes; não é por isso possível o mesmo acidente
passar duma substância para outra, do agente para o paciente. Os
casos em que o fenômeno parece dar-se explicam-se pelo jogo da ação
e da reação. Seja, por exemplo, um móvel animado dum certo
ímpeto, do que os mecânicos exprimem pela força viva. Chocando com
outro corpo, causa nele um ímpeto semelhante, que o põe em
movimento. Mas, se o primeiro corpo agiu sobre o segundo, este
reagiu sobre ele, e provocou uma diminuição do ímpeto que o
animava. Tudo se passa, no fim de contas, como se parte do ímpeto
do primeiro tivesse passado para o segundo. Coisa semelhante acontece
quando um corpo quente aquece um corpo frio, que por sua vez causa.
nele um abaixamento de temperatura, e em inúmeros outros casos em que
o agente e o paciente são homogêneos. O princípio de ação e
reação é geral, na física.
Trata-se dum princípio empírico, justificado, a posteriori, pela
observação. Nada obriga a que, em todos os campos, o paciente
provoque uma modificação do agente. O escultor, por exemplo,
imprime à estátua a forma que imaginou; ela não deixa, por esse
fato, de existir no seu espírito, nem a sua existência aí é de
qualquer maneira diminuída. O orador, que comunicou a sua idéia aos
ouvintes, não fica privado dela por isso, nem ela se lhe obscureceu,
por menos que seja, na inteligência. Não é portanto lícito
generalizar o princípio de ação e reação aos campos em que a sua
aplicação não foi observada. Não é um princípio metafísico,
mas um princípio físico.
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