13. A crítica de Kant.

Kant é incontentavelmente maior filósofo do que Descartes: mas a sua posição também não está isenta de reparos. A perpétua sucessão dos sistemas filosóficos, dos quais nenhum se consegue impôr, impressiona justamente Kant, que procura os motivos porque a filosofia não produz obra duradoura. Descartes tomava a matemática como modelo; Kant vê na física o tipo da ciência que progride por aquisição de conhecimentos novos, sem necessidade de refazer, constantemente, todo o essencial do seu corpo de doutrina. Faz uma crítica apertada do nosso processo de conhecimento, aceitando, dos princípios que apontei, os dois primeiros, os de contradição e de realidade, mas rejeitando o terceiro, o de inteligibilidade do ser. Com efeito, Kant toma como ponto de partida a afirmação de que o mundo existe, mas não pode ser conhecido por nós. Não podemos, julga, atingir as coisas como são na realidade, o número; só conhecemos as sensações a que elas dão lugar, os fenômenos. Não conhecemos o mundo objetivo, mas o mundo subjetivo das nossas próprias percepções. E nos fenômenos, pensa Kant, tomados em si mesmos, não há nada de inteligível. O fenômeno é matéria para o pensamento, segundo Kant, mas matéria bruta, que precisa de ser previamente vazada nos moldes inteligíveis, preexistentes no nosso espírito, que são as formas a priori.

A sensação começa por projetar a percepção bruta (sempre segundo Kant), nas formas a priori da sensibilidade, o tempo e o espaço; o espaço é a forma a priori dos sentidos externos, o tempo a dos sentidos internos. A inteligência, pelo entendimento, torna o fenômeno assim elaborado universal e necessário, capaz de fazer parte dum raciocínio, vazando-o numa das doze formas a priori do entendimento, a que Kant chama categorias (dando ao termo um sentido diferente do que tem na filosofia aristotélica). Essas categorias, ou conceitos, são as seguintes: unidade, pluralidade, totalidade, realidade, negação, limitação, substância, causalidade, ação mútua, possibilidade, existência, necessidade.

Desta maneira, tudo o que há de inteligível numa idéia provém de nós. A verdade dum juízo nosso não pode ser por isso a sua conformidade com o que se dá na realidade; é, simplesmente, a sua conformidade com as leis que, no nosso espírito, regulam a síntese do conceito e do fenômeno. Essas leis, diz Kant, não diferem de homem para homem; pertencem à humanidade; são por isso necessárias e universais.

Como Kant não admite para a metafísica qualquer base experimental, conclui que todos os raciocínios metafísicos tratem de formas sem matéria, de quadros vazios, de conceitos sem base sensível. À possibilidade da metafísica chama Kant uma ilusão transcendental, natural e inevitável, se a crítica prévia a não tiver desmascarado. As teses filosóficas não passam de hipóteses indemonstráveis, e só valem como tal. Podem contradizer-se. Kant dá como exemplos quatro antinomias: as demonstrações (segundo julga), de que o mundo é eterno, e começou, é infinito, e limitado; os corpos são constituídos por elementos indivisíveis, e, por outro lado, divisíveis indefinidamente; uma causa livre é necessária, e impossível; e o ser necessário existe, e não pode existir. Assim explica Kant a instabilidade dos sistemas filosóficos.

Na parte construtiva do seu sistema, Kant afirma que o imperativo categórico da razão prática, que nos impõe o cumprimento do dever, tem valor numenal, e pode servir de fundamento à crença na liberdade humana, na imortalidade da alma, na existência de Deus.