C. A lição da História.


15. O progresso da filosofia perene.

Nada vale a lição da história para mostrar que a filosofia fundada nos primeiros princípios evidentes é coerente e estável, enquanto que nos sistemas baseados em princípios diferentes existe latente uma contradição interna, que provoca mais cedo ou mais tarde a sua desagregação espontânea. Veja-se a história da filosofia perene. Os primeiros Gregos imprimiram-lhe progressos inegáveis, mas esbarraram com o problema da evolução, do devir. Aristóteles formulou a questão em termos capazes de servir de base a um sistema coerente e equilibrado, com a sua teoria do ato e da potência. De então até hoje, a filosofia que criou nunca mais deixou de viver no espírito humano; teve sempre adeptos, que a foram desenvolvendo progressivamente, aprofundando certos pontos, abordando assuntos novos, discutindo as questões em aberto, mas não discutindo o definitivamente adquirido. São, logo a seguir a Aristóteles, os seus discípulos imediatos; mais tarde, depois do reaparecimento das suas obras, os seus comentadores do mundo greco-romano. Mais tarde ainda, os siríacos, os árabes e os judeus, Avicena, Averrois, Maimônides, que prolongam o seu pensamento até ao século XII, com felicidade maior ou menor. Depois S. Alberto Magno, e aquele que melhor assimilou os princípios aristotélicos e mais os fez frutificar: S. Tomás de Aquino. Em seguida a este, os seus discípulos, comentadores e continuadores: Reinaldo de Piperno no século XIII, Capreolus no século XV, Caietano e Suarez no século XVI e João de S. Tomás no século XVII, para só citar os maiores. E, por intermédio dos "conimbrienses" do século XVIII, chegamos aos tomistas do princípio do século XIX e aos obreiros do atual renascimento tomista.

Em mais de vinte e dois séculos de história, tantos homens de valor, integrados numa mesma corrente de pensamento, apesar da diversidade dos temperamentos individuais, das diferenças de raça, de clima, e de civilização, mostram bem a firmeza dos princípios da filosofia perene. Muitos, senão todos, erraram em algum ponto; alguns erraram em muitos. Mas, quanto ao essencial, defendem todos a mesma filosofia, a filosofia do ser.

Que se trata realmente de crescimento vital, de evolução progressiva dum corpo de doutrina, que vai, pouco a pouco, entrando de posse da solução definitiva dos problemas que pode resolver, vê-se de alguns exemplos. A questão do devir, depois das disputas entre os jônios e os eleatas, foi encarada sob o seu verdadeiro aspecto por Aristóteles; e a sua teoria do ato e da potência nunca mais foi abandonada na filosofia perene. Na Idade Média houve lutas ardentes a respeito da questão dos universais; esta foi definitivamente resolvida por S. Tomás e, dentro da filosofia do ser, não renasceu mais. E, já nos nossos dias, apesar das discussões às vezes bastante vivas que se travam livremente entre os filósofos neo-tomistas acerca dos pontos ainda em suspenso, foi possível formular 24 teses fundamentais, aceitas por todos sem exceção.