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A filosofia, como ciência que é, não pode fazer exceção.
Funda-se em princípios. Mas o seu caráter próprio impõe aos seus
princípios condições especiais.
Não pode contentar-se, para princípios, com simples definições,
porque já vimos que deve ocupar-se de todas as coisas, dos seres
reais como dos ideais. Não pode aceitar como primeiros os princípios
empíricos, visto que tem, já o disse, de ir ao fundo das coisas, e
eles pressupõem o valor da experiência; essa pressuposição é que
tem de ser um dos primeiros princípios. Não pode, pelo mesmo
motivo, adoptar princípios hipotéticos, que a experiência teria de
confirmar. Os seus primeiros princípios tem de ser, em absoluto,
primeiros. Têm de ser, simplesmente, os primeiros princípios da
inteligência; gerais, válidos para tudo o que a inteligência
abrange, sem outros limites do que os impostos pela nossa própria
natureza. Têm de ser os princípios de toda a atividade racional, os
princípios naturalmente evidentes. Todos os outros só podem valer
como princípios particulares.
Mas, sendo assim, não podemos ter a pretensão de escolher os
princípios da filosofia. Eles são anteriores aos raciocínios que
fizéssemos para isso; hão-de ser aqueles em que sempre nos
baseamos, embora inconscientemente, desde o primeiro dia em que
pensamos. Têm de ser os princípios aplicados por todo o homem que
pensa. Não podemos fazer mais do que refletir; procurar quais são
os princípios em que de fato, nos apoiamos, no pensamento ativo,
integrado na nossa ação vital; depois formulá-los, tornando
explícito o que era implícito, e aplicá-los conscientemente em vez de
espontaneamente. A bem dizer, portanto, a filosofia não tem
princípios seus; funda-se nos princípios comuns a todas as ciências
e a toda a atividade da inteligência.
Nunca, em nenhum momento, podemos dizer: a partir de agora, passo a
aplicar princípios novos, os princípios da filosofia. Como
haveríamos de justificar a mudança de princípios? Se ela se
apoiasse nos princípios anteriormente aceitos, seriam esses os
primeiros, e não os novos; se não se apoiasse neles, seria
puramente arbitrária.
A filosofia formula os primeiros princípios da inteligência;
reconhece que neles se funda todo o raciocínio válido; e serve-se
deles, e só deles, como princípios gerais. Não os escolhe.
Os princípios da filosofia podem formular-se de maneiras bastante
diferentes. Por conveniência de exposição, escolhi a que se
segue.
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