15. As causas acidentais.

Para concluir, resta dizer duas palavras das causas acidentais, que estão por assim dizer fora do quadro que tracei até aqui.

Eu disse que a causa eficiente, se não interviessem outras causas, produzia um efeito determinado. Intervindo outras causas, pode ficar privada do seu efeito, total ou parcialmente; no segundo caso, o efeito produzido é muito diferente do que seria sem o encontro das duas causas, e diz-se causado acidentalmente.

Quando os seres ou acontecimentos dum dado conjunto estão encadeados de maneira que cada um é a causa, eficiente do seguinte, o conjunto chama-se uma série causal. Corresponde-lhe, na ordem da causalidade final, uma série ordenada em sentido inverso; realmente, se o primeiro ser está determinado a produzir o segundo, o segundo o terceiro, e assim por diante, devemos dizer que está determinado a produzir o último, que é portanto o fim de toda a série. Quando duas ou mais séries causais convergem, o efeito pode diferir totalmente daquele a que cada uma delas estava ordenada; as séries funcionam como causas acidentais, e a determinação do efeito é devida ao acaso do encontro; devendo no entanto ficar bem claro que tudo quanto no efeito há de positivo, de real, de ser, é devido à ação das causas que para ele concorreram, e não do acaso. Assim, se uma causa, por causa da interferência acidental doutras causas, produz só parte do seu efeito, o ser só parte é devido ao acaso, mas essa parte é produzida pela causa considerada.

Suponhamos, por exemplo, o caso da roleta. O número em que pára a bola depende da posição da roleta quando a puseram em movimento, do impulso que lhe foi dado, da velocidade e da direção do impulso dado à bola, do atrito da roda no eixo, e de vários outros factores não relacionados entre si. É portanto obra do acaso, onde, apesar de intervir um agente inteligente, não há finalidade, nem causalidade senão acidental [44].

Em maior ou menor escala, o acaso é a regra dos fenômenos do mundo material. Não que não haja séries de causas eficientes, e as séries correlativas de causas finais. Mas a matéria dá constantemente origem a encontros de séries causais, e a efeitos acidentais; e é nisso, como disse, que consiste o acaso. Realmente, uma causa que atua sobre a matéria não a encontra informe, nua; já vimos que ela não pode existir nesse estado. Encontra-a dotada duma forma que outra causa lhe imprimiu. E essa predisposição da matéria influi no efeito obtido, que assim nunca é devido a uma causa só, mas a muitas, praticamente a uma infinidade, embora muitas vezes a influência duma seja preponderante. Assim se explica, por exemplo, a geração dos monstros; eles não correspondem a nenhuma finalidade natural; os meios de que a natureza se serve para produzir os seres normais são frustrados dos seus efeitos, em parte, pela intervenção de qualquer deficiência orgânica, mesmo passageira, devida a uma causa estranha.

Note-se que, para haver verdadeiramente causalidade acidental, é preciso que as séries causais que interferem não entronquem todas numa única causa da mesma ordem, porque então o efeito estaria incluído na finalidade dessa causa comum. Mas não é esse o caso do Universo em que vivemos. Mesmo considerando só os agentes naturais, nada permite supor que as séries causais dependam todas duma só, isto é, que todos os fenômenos físico-químicos sejam regidos por uma única lei. E mais claro se torna o fato se olharmos também aos agentes livres e inteligentes; é certo que o que os leva a agir é um impulso natural; mas a direção da sua atividade escolhem-na eles, e, na série causal que se segue, a sua ação corresponde a um começo absoluto. As séries causais iniciadas por um agente livre não podem derivar de qualquer outra série causal. Por um motivo e outro, há portanto em todos os fatos em que intervém a matéria uma dose de acaso.

A existência de uma causa universal, única, transcendente ao Universo, de Deus, enfim, de quem falaremos na próxima lição, não altera em nada o que deixo dito. Deus criou a natureza, com as distinções dos seres que a compõem, com a liberdade e a determinação, a finalidade e o acaso. Não devemos olhá-lo como um elemento perturbador da ordem que ele mesmo fundou. Está fora e acima da natureza; é doutro plano; não é parte dela, nem pode pertencer, como elemento homogêneo, a nenhuma das séries causais criadas.

Não pode servir de argumento contra o acaso.