6. A memória.

O quarto e último sentido interno é a memória., que regista e conserva as conclusões da razão particular. Os antigos escolásticos davam-lhe, no homem, o nome de reminiscência, para assinalarem, por uma designação diferente, a diferença do seu modo de operação que resulta de depender da inteligência. Mas o nome caiu em desuso, com esse sentido; dá-se-lhe por isso agora, geralmente, o nome de memória, que eles reservavam para a memória dos animais.

Guiada pelas relações reconhecidas pela razão particular, a memória faz reviver, no nosso espirito, os fatos de que a imaginação conserva a imagem. O que caracteriza a memória é que o fato recordado aparece com a sua feição de fato passado, reintegrado na ocasião e no ambiente em que se produziu. A simples imaginação não pode sugerir-nos imagens com esse caráter. A consciência do tempo exige a das relações dum fato particular com outros fatos particulares que sirvam de referências. Essas relações dependem da razão particular; só podem por isso ser registradas pela memória. Por esta, não nos lembramos só duma frase que ouvimos, como pela imaginação, mas de que foi dita num momento dado, e por uma determinada pessoa, isto, claro está, quando a recordação é perfeita. A memória recorda-nos o individual; requer a imagem com os seus caracteres particularizantes. Depende por isso dos sentidos, e está bem classificada como faculdade sensível.

A memória é movida pela vontade, que, partindo duma imagem que temos presente, a impele a procurar outra de que queremos recordar-nos. O processo por que a memória vai desenterrando sucessivamente as várias imagens, seguindo os laços estabelecidos pela razão particular, até atingir finalmente, quando a atinge, a imagem procurada, assemelha-se muito a um raciocínio, mas sem sair nunca do campo das coisas particulares. A recordação desejada aparece de maneira análoga à conclusão duma série de raciocínios. Da imagem de que partimos, passamos, por meio dum laço que as une, à imagem seguinte; desta a uma terceira; e assim sucessivamente, sempre sabendo, vagamente, o que procuramos, tentando, quando é preciso, os vários caminhos possíveis, até surgir, finalmente, a imagem de que precisamos, acompanhada do cortejo de circunstâncias que a situam no tempo.

Escusado é dizer que, além desta atividade voluntária, a memória tem também uma atividade espontânea, ou provocada, independentemente da vontade, por fatos que atraem a nossa atenção. Essa atividade é inconsciente, muitas vezes; acontece, depois dum trabalho da memória de que não demos conta, encontrarmo-nos diante de fatos relacionados com outros em que pensámos anteriormente.

O estudo da memória, como o da imaginação, com que, como é natural, está intimamente ligado, tem progredido muito com os trabalhos dos psicólogos modernos, principalmente no que se refere à sua atividade inconsciente ou subconsciente e à sua patologia. O papel da atenção, as leis do esquecimento, a associação das imagens, o sonho, a vida e os efeitos das imagens recalcadas pela vontade, a localização dos sentidos internos, as doenças da memória, amnésia, paramnésia, hipermnésia, a importância das imagens verbais da linguagem, são assuntos que tem sido conscienciosamente estudados, e em que se tem alargado, de forma notável, este campo de estudo aberto por Aristóteles. Claro que o tomismo acolhe de braços abertos estes progressos, que, aliás, interessam mais diretamente à psicologia do que a filosofia. O corrigir os erros que muitas vezes se encontram nas obras aos modernos, no que propriamente pertence à filosofia, não significa repúdio das suas conclusões objectivas, fundadas na análise dos fatos.