13. A definição tomista da Filosofia.

Não faltam textos de S. Tomás a confirmar que ele entendia, realmente, a filosofia, no sentido que apontei. Vejam-se, por exemplo, quanto à perenidade da filosofia e ao seu desenvolvimento progressivo: "O gênio do homem avançou passo a passo na descoberta das origens das coisas [12]". "Vemos, nas ciências especulativas, que os que primeiro filosofaram deixaram obra imperfeita, aperfeiçoada depois pelos que se lhe seguiram [13]". "A contribuição dum só homem, pelo seu trabalho e pelo seu gênio, para o progresso da verdade, é pouco comparada com o conjunto da ciência; no entanto, de todos esses elementos, coordenados, escolhidos e reunidos, alguma coisa de grande se fêz [14]". Quanto à importância do estudo, por quem tenha boa formação filosófica, das obras dos outros autores, mesmo afetadas de erro: "Devemos conhecer a opinião dos antigos, sejam quem forem; isso é-nos duplamente útil; guardaremos, para nosso uso, o que disseram de bom, e defender-nos-emos do que expuseram mal [15]". Quanto ao pouco valor da autoridade do mestre, como argumento propriamente filosófico: "O argumento de autoridade fundado sobre a razão humana é fraquíssimo [16]". E, finalmente, quanto à necessidade, para a filosofia, de estar de acordo com os fatos mais do que com qualquer autor: "O fim da filosofia não é saber o que os homens pensaram, mas qual é a verdade das coisas [17]".

O conceito tomista da filosofia pode ver-se, da melhor maneira, pela definição que S. Tomás dela dá. Na sua obra, S. Tomás formula-a de várias maneiras diferentes; pode considerar-se típica a seguinte: "a filosofia é a ciência do ser, em si mesmo e nas primeiras causas [18], à luz da razão natural [19]". As primeiras palavras resumem o pensamento de Aristóteles, que S. Tomás, adota sem alteração; das últimas serve-se S. Tomás, nas primeiras páginas da Suma, para distinguir a filosofia da teologia.

É uma verdadeira definição metafísica, não uma simples explicação, como a que dei no princípio desta lição. É o que em filosofia se chama uma definição essencial. Indica o gênero a que pertence o que se define, e a diferença que particulariza a sua espécie. O gênero, aqui, é "ciência", ou melhor, "ciência à luz da razão natural", porque a teologia, "ciência à luz da Revelação", difere da filosofia e de todas as outras ciências humanas não só em espécie, mas em gênero.

A espécie é caracterizada pelo objeto da ciência, isto é, por aquilo de que ela trata. Ora a filosofia ocupa-se do ser, de todo o ser, sem restrições; é esse o que se chama o seu objeto material. E é o ser considerado em si mesmo, no que é comum a todas as coisas que existem. Por outro lado, para S. Tomás, só é verdadeiramente ciência a que relaciona os efeitos com as suas causas. Aqui, as causas que interessa procurar são as verdadeiramente primeiras. Olhar o ser em si mesmo, e nas primeiras causas, também é próprio da filosofia; é o seu objeto formal. Há assim dois elementos que, reunidos, constituem o objeto da filosofia, que a caracteriza entre todas as ciências: o ser, estudado em si mesmo e nas suas primeiras causas.

Note-se que esta definição é propriamente da chamada filosofia primeira ou metafísica. Dentro ainda da filosofia, e fundados sobre a metafísica, há ramos mais ou menos especializados, que estudam certos tipos determinados de ser, do ponto de vista formal da filosofia: A lógica que estuda as leis do pensamento, a psicologia que se ocupa da atividade do homem como ser vivo, a filosofia natural que trata dos seres materiais, a moral que estuda a bondade dos atos humanos, a apologética em que se versam os motivos de credibilidade da Revelação. Quanto à teodiceia ou teologia natural, que estuda Deus na medida em que é acessível à razão, não se distingue essencialmente da metafísica. Por um lado, porque, di-lo S. Tomás expressamente, "A filosofia primeira é toda orientada para o conhecimento de Deus, como seu último fim [20]"; por outro lado, e correlativamente, porque, como veremos, o objeto da teodicéia não é propriamente Deus, Deus em si mesmo, mas o ser, de que Deus nos aparece como Causa primária e universal. A teodiceia é, portanto, a parte da metafísica que se ocupa especialmente de Deus.