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As imagens formadas no senso comum deixam vestígios em nós. Temos
um tesouro de imagens, com os seus caracteres individualizantes, que,
para a sua conservação, exige uma faculdade especial, a
imaginação. Também se lhe chama fantasia, que é a palavra
correspondente derivada do grego; os escolásticos, por isso, davam
à imagem o nome de fantasma.
A imaginação não conserva só imagens completas. Conserva também
farrapos de imagens, impressões sensíveis de qualquer proveniência:
visuais, auditivas, tácteis, etc. Conforme os indivíduos, parece
ter preferência pelas impressões de determinados sentidos. Há,
assim, pessoas que com mais facilidade reconstroem o que ouviram,
outras o que viram. De qualquer forma, embora a imagem visual seja em
geral preponderante, não é a única; é portanto um erro, quando se
fala da imagem, pensar sempre numa imagem visual.
A conservação das imagens é inconsciente. Não temos consciência
de que conservamos em nós uma impressão senão quando chega o momento
de a recordar. Em linguagem tomista, diremos que as imagens não
existem em nós em ato, mas em hábito. De resto, a conservação
não é perfeita. Com o tempo, as imagens esfumam-se, diluem-se;
ou, pelo contrário, ganham uma aparência de precisão pela
aglutinação de elementos de proveniência estranha. A educação
facilita a conservação de determinadas imagens; fixamos bem as que se
relacionam com os assuntos que nos são familiares. A atenção que
voluntariamente lhes prestamos, ou que elas despertam em nós, também
facilita a sua fixação; assim, nunca mais esquecemos as coisas que
nos impressionaram vivamente.
As imagens parecem imbricar-se umas nas outras; formar um verdadeiro
tecido em que se dispõem segundo as suas afinidades. Não se trata,
na imaginação, dum arquivo, mas duma faculdade viva; isso, como é
natural, revela-se na sua maneira de operar. Observe-se que
retemos, na imaginação, muito mais do que habitualmente supomos.
Circunstâncias anormais fazem renascer, de forma vívida,
impressões de que não supúnhamos ter conservado a recordação.
Na conservação das imagens, o papel da imaginação é passivo.
Mas esta faculdade tem também um papel activo, o de criar novas
imagens com os elementos das já existentes. Chamam os modernos a isso
a imaginação criadora. Guiada pela inteligência, a imaginação
associa entre si as imagens já conhecidas ou as suas partes
constituintes para originar outras novas. Assim, o arquitecto
imagina, como que vê, a casa que vai construir, e que no entanto
não é igual a nenhuma que já tenha visto. Da mesma maneira, o
escultor vê a sua estátua, e o músico ouve, antecipadamente, a
sinfonia que compôs. Às vezes, espontaneamente, no sonho, nas
alucinações, ou simplesmente quando divaga porque não lhe prestamos
atenção, a imaginação trabalha dessa maneira, a cria quimeras,
imagens fantásticas de seres impossíveis. Mas mesmo então, nunca
excede aquilo de que encontra os elementos nas imagens recebidas pelos
sentidos. Não passa Ia combinação de imagens. Prova-o a
impossibilidade em jus estamos de imaginar qualquer coisa
fundamentalmente diferente das que temos visto, e, em particular, o
fato de aos indivíduos privados dum sentido faltarem todas as imagens
que com ele se relacionam, a um cego de nascença, por exemplo, a
imaginação das cores.
Por sobreposição das imagens de coisas semelhantes, a imaginação
obtém imagens vagas, imprecisas, por assim dizer, imagens médias
daquelas de que são formadas. É uma imagem dessas, em que o
acessório se apaga, que a imaginação evoca quando a inteligência
pensa num grupo de coisas, para representar o tipo, digamos o tipo
neutro, dos seres que o compõem. Mas não pode haver uma imagem que
apresente só os caracteres genéricos dum dado grupo. A imagem pode,
pela flutuação dos seus contornos, evitar pôr em relevo o que é
inevitavelmente individual. Mas se a fixarmos com atenção, vemos
que, no que é acidental, ela em de ser duma maneira ou doutra; se
precisarmos, por exemplo, a imagem do ângulo que a imaginação nos
sugere, teremos sempre um ângulo reto, ou agudo, ou obtuso, nunca,
pura e simplesmente, um ângulo, como aquele que a inteligência
considera. A origem das imagens é o indivíduo concreto, conhecido
pelos sentidos; e imaginação, por isso, pode desfocar o
individual, não pode evitá-lo.
A imaginação é um auxiliar precioso e indispensável da
inteligência. Mas pode tornar-se numa fonte de dificuldades e erros
para quem confunda imaginar e compreender. Como agora mesmo disse,
não podemos imaginar nada que difira essencialmente do que os sentidos
nos deram a conhecer; não podemos, por exemplo, formar imagens da
bondade, da matemática, da inteligência, dum Anjo. O esforço
gasto em procurar uma imagem adequada de coisas como essas é perdido
para o pensamento. A incapacidade de a encontrar não deve
convencer-nos de que a nossa inteligência não pode abordar esses
assuntos; como veremos adiante, a razão contenta-se com o auxilio de
imagens puramente representativas, simbólicas. É o que parecem
esquecer alguns modernos, que mal distinguem as funções da
imaginação e da inteligência.
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