2. Os sentidos externos.

O corpo humano é dotado de órgãos que nos dão conhecimento de certas qualidades dos objetos materiais; são os órgãos dos sentidos. As faculdades que por eles se exercem chamam-se os sentidos externos. É costume distinguir cinco, que são, como todos sabem, o tacto, o paladar, o olfato, o ouvido e a vista. Esta classificação é rudimentar. O tacto, por exemplo, desdobra-se nitidamente em dois sentidos distintos, um que nos dá conhecimento da consistência dos corpos em que tocamos, o outro que nos transmite uma impressão sobre a temperatura dos objetos relativamente à do nosso corpo; são o tacto propriamente dito e o sentido térmico. Há ainda um tacto interno, que nos informa, não dum objeto distinto de nós, mas de certas disposições do nosso próprio corpo; da posição relativa das diferentes partes (cinestesia), de algumas lesões ou perturbações pela dor, etc. A própria vista parece ter também duas modalidades; a visão das cores, localizada nos cones da retina, e a das fracas intensidades luminosas, independentemente da cor, assegurada pelos chamados bastonetes. O estudo dos sentidos, hoje muito desenvolvido, é um ramo importante da psicologia experimental. Para o efeito que procuramos, a classificação habitual é suficiente, contanto que fique bem claro que não pretendemos com ela esgotar a questão.

As qualidades de que os sentidos nos dão conhecimento imediato, porque os sentidos, não o esqueçamos, não são intermediários entre nós e o objeto, mas parte de nós mesmos, e o que eles conhecem, somos nós que o conhecemos, chamam-se sensíveis próprios. São a consistência dum corpo e a sua temperatura, o cheiro de determinados gases ou partículas em suspensão na atmosfera, o gosto dos alimentos, o som das vibrações do ar de freqüências compreendidas entre um certo máximo e um certo mínimo que a acústica determina, a luminosidade e a cor das radiações de comprimento de onda situado entre certos limites. Precisões sobre o aspecto físico destes assuntos não interessam diretamente à filosofia, como não interessa o estudo do mínimo de excitação necessário para que a sensação se dê, o chamado limiar da sensibilidade, nem o do acréscimo indispensável para haver modificação da sensação. li. a psicologia experimental que se ocupa dessas questões.

Há nos objetos qualidades, não sensíveis para nós, que podem ser sensíveis para outros seres, por meio de órgãos apropriados. De fato, parece que alguns animais são dotados de sentidos que nós não temos. É possível até que haja no homem sentidos rudimentares, desconhecidos ou mal conhecidos ainda, que se podem apurar em circunstâncias favoráveis. Também estes pontos saem fora do âmbito da filosofia. Se falei aqui deles, e dos anteriores, foi só para que não se supusesse que o tomismo limita a cinco, exactamente e necessariamente, o número das qualidades sensíveis. A filosofia tomista tem outra largueza de visão; está aberta, Neste ponto como nos outros, a todas as conquistas das ciências experimentais, a que, seguindo o exemplo do Cardial Mercier, tantos tomistas se têm dedicado com entusiasmo.

Seja como for, e quaisquer progressos que se venham a fazer nesta especialidade, o que interessa à filosofia é o fato de certas qualidades inerentes aos objetos se nos tornarem manifestas por modificações dos órgãos dos sentidos, e passarem a existir em nós intencionalmente, isto é, como coisa conhecida. A palavra intencional vem do latim intendere, que pelos elementos de que é formada significa tender para dentro, e é o étimo do português entender. Designa, na escolástica, a maneira particular, imaterial, por que o sujeito e o objeto se penetram e identificam, e por que o segundo tem no primeiro existência, não física, mas sensível ou intelectual.