7. O poder civil.

Claro que, para legislar no que interessa ao bem comum e aplicar o legislado, é necessária a existência, na sociedade, dum órgão próprio, duma autoridade que é o poder civil. Esse poder é o elemento formal da sociedade, visto que é ele que lhe imprime a unidade de ação; o elemento material são os indivíduos que a compõem. Assim, nem todo o grupo de homens é uma sociedade; o que o torna numa sociedade é a existência dum governo constituído, que seja um princípio de unidade para a atuação dos seus membros.

A autoridade dos governos funda-se na Natureza, que torna necessária a existência da lei civil e de pessoas que promovam e vigiem a sua execução. E, como a Natureza é obra de Deus, pode dizer-se com verdade que todo o poder vem de Deus. Quanto à forma de governo preferível, não compete à filosofia decidir qual seja. A única coisa que pode dizer é que, em si mesmos, são legítimos todos os regimes que deem garantias suficientes de satisfazerem à sua razão de ser, isto é, de promoverem o bem comum.

O estudo dos diversos regimes pertence à política. A escolha do melhor, em cada caso particular, depende das circunstâncias: índole do povo, tradições, grau de civilização, etc. A preferência por uma forma de governo, em absoluto, não é assunto de certeza, mas de opinião. S. Tomás, pessoalmente, entende que "o melhor regime é um regime misto[110]", que reúne as vantagens da monarquia, da aristocracia e da democracia; advirta-se que S. Tomás toma os termos monarquia e aristocracia no sentido de " governo dum só" e "governo dum escol", sem exigir necessariamente que os cargos sejam vitalícios e hereditários; e descreve-o nos seguintes termos: "O melhor regime é aquele [...] em que governa um homem de valor [...]; subordinados a este, alguns homens de valor participam do poder; e, da sua autoridade, alguma coisa pertence a todos os cidadãos, porque são escolhidos de entre todos, e possivelmente por todos [111]".

Como se vê, a doutrina política de S. Tomás difere muito da monarquia de direito divino dos absolutistas dos séculos XVII e XVIII. Para S. Tomás, não há ninguém com o direito, dado por Deus, de governar os outros homens; há sociedades que têm, por natureza, a necessidade e o direito de serem governadas. Mas não se afasta menos das idéias dos teóricos do liberalismo, que, a exemplo de Rousseau, fazem da autoridade um somatório de vontades individuais arbitrárias, em vez duma instituição exigida pela Natureza e orientada para o bem comum. A qualidade fundamental duma lei não é agradar à maioria, mas ser apta a assegurar o bem da sociedade. A primeira só interessa como critério da segunda, nos países em que se pode confiar na educação, no bom senso, e no civismo dos cidadãos.