VI. Deus.

A. Existência de Deus.


1. As cinco vias.

Chegamos agora ao ponto culminante da análise a que temos estado a proceder. Vamos tratar da auto-insuficiência do ser, da dependência essencial de todos os seres que conhecemos. Vamos estudar Deus, na medida em que as coisas que nos cercam no-lo podem dar a conhecer.

Poderei, nesta lição, cingir-me mais de perto às próprias palavras de S. Tomás. Os assuntos de que me ocupei na lição anterior foram tratados proficientemente por Aristóteles, e os textos em que S. Tomás os estuda, aliás com contribuições originais valiosíssimas, estão dispersos em muitas obras suas, as duas Sumas, os Comentários de Aristóteles, as Questões Disputadas, os Opúsculos, às vezes em referências de poucas linhas. No que se refere a Deus, a obra de Aristóteles, apesar de muito notável para o meio pagão em que ele viveu, é forçosamente incompleta. S. Tomás tratou este assunto em conjunto mais de uma vez, com forma acabada, ordenada e clara, e, na Suma Teológica, com uma concisão admirável. Não posso fazer melhor do que seguir, nas grandes linhas, a ordem que ele mesmo adoptou, embora desviando-me dela num ou noutro ponto, por conveniência de exposição.

Poderá demonstrar-se a existência de Deus? Com certeza. Não é possível uma demonstração a priori; essa, como o próprio nome indica, faz-se a partir do que é anterior por si mesmo, em absoluto; e, como nós não conhecemos a essência divina, não podemos concluir que lhe compete existir. Mas é possível a demonstração a posteriori, a partir do que, em absoluto, é posterior, mas é anterior, para nós, porque o conhecemos primeiro. Da existência do efeito, pode-se concluir a da causa.

A existência de Deus tem portanto de provar-se a partir da dos seres materiais, que conhecemos diretamente. A prova consiste em mostrar que, sem uma Causa transcendente, o mundo não pode existir; e, visto que ele existe, que essa Causa existe também. S. Tomás fá-la por cinco caminhos diferentes, as cinco vias de S. Tomás, que, no total, não constituem cinco provas, mas uma só, em diversas modalidades.

Encontramos no mundo material, por exemplo, séries de causalidade eficiente e de causalidade final; e remontamos à fonte de que todas as causas recebem a eficiência e a determinação do efeito. Encontramos o ato, limitado pela potência que o recebe; e fazemo-lo depender do Ato Puro, que nada limita. Vemos essências que podem, ou não, existir; e mostramos que só podem receber a existência dum ser que exista necessariamente. Observamos no Universo o movimento, a mudança; e, a todo o movimento, damos por base o Imutável. Escolhemos assim, do que nos rodeia, alguns aspectos nossos conhecidos, que nos dão acesso à Causa universal; mas a prova, no fundo, é só uma: o efeito existe, logo, existe a causa.