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A forma do objeto, abstraída pelo intelecto agente, dissociada por
ele da matéria individual, é o que na terminologia escolástica se
chama a espécie inteligível. Imprime-se numa faculdade passiva da
alma humana, o intelecto possível; e origina nele a noção, o
conceito. Por essa impressão, faz-se a síntese do sujeito e do
objeto, a identificação intencional entre nós e a coisa conhecida.
A espécie é portanto o meio pelo qual conhecemos o objeto.
O intelecto possível é uma faculdade distinta do intelecto agente.
Nada pode estar, ao mesmo tempo, em ato e em potência relativamente
à mesma coisa. O intelecto agente, que confere à espécie a
inteligibilidade em ato, não pode estar em potência perante ela. A
inteligência humana compõe-se portanto de duas faculdades, que
estão entre si como o foco de luz que ilumina o objeto e os olhos da
pessoa que o vê. Uma torna a forma do objeto apta a ser recebida; a
outra recebe a. Chegue à inteligência, por intermédio da
sensibilidade, a forma do objeto, e nada mais é preciso para o
conhecimento se dar.
Há na atividade da inteligência outras modalidades, além da simples
apreensão do objeto, que estudaremos a seguir. Mas podemos, desde
já, considerar o lugar que compete ao intelecto humano na hierarquia
das inteligências. A inteligência divina é absolutamente simples;
conhece tudo no seu objeto único, que é o próprio Deus. A
inteligência do Anjo não é simples. Possui, por natureza,
inatas, as espécies que conhece, e que são princípios tanto menos
gerais e em número tanto maior quanto menos elevada é a categoria do
Anjo. A inteligência do homem é a mais imperfeita de todas. Já
não conhece diretamente princípios gerais, mas casos particulares,
em número indefinido. O que possui, por natureza, não são as suas
espécies, mas a capacidade de as abstrair das coisas sensíveis.
Precisa por isso, para poder desenvolver a sua atividade normal, dum
corpo sensível. Se, como já disse, pode, separada do corpo,
conhecer espécies inteligíveis infusas, infundidas nela, não é
menos verdade que esse modo de conhecer, mais perfeito em si mesmo, é
menos adequado à sua natureza, e não pode ser aproveitado por ela
como por outras inteligências de ordem mais elevada. Por isso, a
união ao corpo, que, como já disse, não é extrínseca, mas
intrínseca, justifica-se pelo próprio bem da alma. Claro que a
visão beatífica não interessa aqui, visto que estamos a falar de
filosofia; essa não se mede pela capacidade da natureza, mas pela
dessa segunda natureza que é a Graça de Deus.
Também já podemos concluir o estudo da teoria das Idéias de
Platão, tal como aparece no sistema de S. Tomás. Vimos que as
Idéias, com I grande, não têm existência separada, como pensava
Platão. Existem na inteligência divina, como modos diferentes
segundo os quais Deus sabe poder ser participada a sua perfeição.
Agora vemos que, também ao contrário do que Platão entendia, as
Idéias não chegam diretamente ao nosso espírito, mas depois de
percorrido um verdadeiro ciclo. Em Deus, as Idéias são exemplares
das coisas. Realizadas, individuadas, são as formas dos seres
concretos. Ainda individuadas, como atos duma faculdade corpórea,
são o elemento formal das imagens sensíveis. Finalmente,
abstraídas pelo intelecto agente, são novamente idéias, mas agora
com i pequeno; são conceitos conhecidos pela nossa inteligência.
Vê-se que, se as nossas idéias vêm de baixo, das coisas, como
queria Aristóteles, não é menos verdade que inicialmente partiram
de cima, como pensava Platão; os sistemas dos dois não se
contrariam, mas, pelo contrário, completam-se.
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