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A palavra amor designa em nós coisas muito diferentes. Há o
amor-paixão em que o espírito, como o nome indica, tem um papel
passivo, ímpeto veemente da sensibilidade que ofusca a inteligência e
se sobrepõe à vontade, e há o amor propriamente dito, primeiro
movimento da vontade, que nela desperta o impulso para o bem que o amor
tem por objeto. Esse amor, que num homem é sempre acompanhado dum
elemento sensível, pode ainda ser de desejo, pelas coisas que
procuramos para bem nosso ou dos nossos amigos, ou de amizade, por
aquelas a quem estamos irmanados, unidos, por algum laço, e cujo bem
desejamos como o nosso próprio.
O amor-paixão não convém de forma alguma a Deus, que é
incorpóreo. Mas o amor propriamente dito convém-lhe eminentemente,
sem mistura, claro está, de sensibilidade, que não pode existir em
quem não tem corpo. Por causa da simplicidade divina, devemos
identificar o amor, em Deus, com a sua própria essência. Como
objeto do seu amor, Deus tem-se antes de mais nada a si mesmo. Mas
tem, ainda, amor de desejo a todas as coisas, visto que as quer,
não porque precise delas, mas para que nelas se possa reflectir a sua
bondade. E, di-lo a teologia, tem amor de amizade pelas criaturas
racionais, unidas a ele pela participação, dada ou prometida, na
sua própria bem-aventurança.
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