2. A alma, o corpo, e a atividade humana.

Não devemos procurar localizar a alma. Fazê-lo, é considerar a alma como uma parte material do corpo, ou como um ser distinto deste que actue sobre ele por intermédio dum órgão determinado; o que contraria em absoluto o que acima disse sobre a alma. A alma é uma forma, e portanto, em si mesma, imaterial. Só está sujeita à extensão por ser forma dum corpo; está por isso onde esse corpo estiver. Dentro do corpo, não tem lugar determinado; está em todo o corpo, visto que todo ele é regido por ela na sua disposição e na sua atividade. Não está distribuída pelo corpo, porque as formas, como princípios de unidade que são, são indivisíveis. Está toda em todo o corpo; é a ordem do conjunto, tomado na sua totalidade, e toda ela exige que cada parte seja o que é. Esclarecendo, diz S. Tomás que "a alma está toda em todas as partes do corpo segundo a totalidade da sua perfeição [...], mas não segundo toda a sua virtualidade, [76], visto que dispõe cada porção de matéria a constituir só um órgão determinado.

A localização da alma no corpo deve ser entendida num sentido metafísico, que salvaguarde a distinção fundamental entre os conceitos de matéria e forma. Longe de supormos a alma como que um fluido derramado no corpo ou concentrado num dos seus órgãos, e, duma ou doutra maneira, contido nele, devemos, diz S. Tomás, dizer de preferência que é a alma que contém o corpo, porque lhe dá a sua unidade [77].

A atividade do corpo é toda dependente da alma. Nenhuma das nossas ações, conscientes ou inconscientes, se pode atribuir ao corpo, excluindo a alma. A alma não se une propriamente a um corpo, como já acentuei; une-se a uma porção de matéria que só por ela, nunca o esqueçamos, constitui um corpo humano. Portanto, tudo o que se passa no nosso corpo, seja na ordem física-química, seja na vida vegetativa ou sensitiva, é regido pela alma.

Mas a alma não é motor do corpo no sentido de que seja a causa eficiente dos seus movimentos. Não devemos julgá-la uma fonte de energia física, aplicada ao corpo para o pôr em movimento. A alma é causa formal. Todos os movimentos do corpo provêm das energias que ele recebe do meio ambiente ou armazena em alguns dos seus órgãos. A alma é simplesmente a lei segundo a qual essas energias são canalizadas, distribuídas e aproveitadas num corpo humano. Como diz S. Tomás, "a alma não põe o corpo em movimento pelo ser [...], mas pela faculdade motora, que, para existir, exige que o corpo exista em ato, o que é devido à alma" [78].

Reciprocamente, o corpo, designando por esta palavra a matéria do corpo, é causa material de toda a atividade humana nos domínios da sensibilidade e da vida vegetativa. É um constituinte intrínseco do ser humano, como a alma; é indispensável ao exercício, pela alma, de todas as atividades que exigem contacto com os outros corpos; e nisso, diga-se entre parênteses, está para S. Tomás o motivo porque o homem tem uma alma o um corpo.

Não podemos portanto, no homem, separar a atividade físico-química, vegetativa, e animal, em duas partes, pertencentes uma ao corpo, outra à alma. A alma é o princípio que faz com que as operações do corpo concorram para um só fim, que é o bem do homem; rege, por isso, toda a atividade dele. E o corpo é o meio que permite à alma procurar, no mundo dos corpos, os elementos necessários à vida do homem, nas suas várias modalidades. Não é um habitáculo da alma e uma ferramenta que esta dirija, mas, verdadeiramente, um elemento intrínseco da sua ação.