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Conhecer uma coisa é recebê-la, de certo modo, em nós. É,
continuando nós a ser o que somos, e ela a ser o que é, dar-lhe
existência no nosso espírito. Todo o conhecimento pressupõe um
sujeito que conhece, um objeto que é conhecido, e meios que permitam
conhecer. No ato do conhecimento, dá-se a síntese do sujeito e do
objeto; o sujeito torna-se no objeto, não realmente, mas
intencionalmente, como se diz na terminologia escolástica. O
problema do conhecimento, em si, é portanto idêntico em todos os
casos. h. o da interpenetração formal de dois seres, o de nos
assimilarmos a outro ser mantendo a consciência de que ele é distinto
de nós: "fieri aliud in quantum aliud", segundo uma expressão
famosa, atribuída ao nosso João de S. Tomás.
Mas o conhecimento não é idêntico, nem no grau, nem no modo de
conhecer, nos animais, no homem e nos Anjos. Varia com a espécie a
que pertence o indivíduo que conhece. Nos animais é sensível; no
homem e nos Anjos, intelectual; mas abstraído das coisas sensíveis
no homem, intuitivo nos Anjos. A minha intenção, no que se
segue, é cinicamente estudar o conhecimento humano; só me referirei
às outras modalidades do conhecimento na medida em que isso for
necessário para o fim que indiquei.
Muitos filósofos têm feito do estudo critico do conheci mento
intelectual o fundamento, quando não o todo, das suas teorias. Já
disse, ao tratar dos princípios, que pôr a questão dessa maneira é
afastar, arbitrariamente, evidências basilares que nenhum trabalho
mental pode substituir. É querer resolver pelo raciocínio um problema
que não se põe, um problema fabricado ad hoc, e que o raciocínio
não poderia resolver se se pusesse; porque o raciocínio não pode
senão edificar sobre os princípios, nunca fundamentá-los. A
posição idealista, que quer, a partir do pensamento, demonstrar o
real, é ao mesmo tempo arbitrária e insolúvel. Não a
adoptaremos.
O nosso estudo do conhecimento será feito dentro do quadro da
metafísica tomista. Não vamos discutir o fato do conhecimento, que
está implicado nos princípios em que nos fundamos. O ponto de
partida dos nossos raciocínios, mesmo dos que se ocupam da maneira
como conhecemos, tem necessariamente de ser a existência dum mundo
real, de cuja lei é um reflexo a lei do nosso pensamento. É esse um
princípio evidente, aceito até mesmo pelos que o negam, quando
tentam dar alcance real às suas idéias e transmiti-las aos outros.
O que vamos portanto estudar é o como do conhecimento; o modo por
que a forma de existência do objeto conhecido se reproduz no nosso
espírito, onde serve de ponto de partida de raciocínios válidos.
O problema que vamos abordar, a posição realista do estudo do
conhecimento, é problema que se põe de fato, e incontentavelmente
difícil. Mas é solúvel. A nossa inteligência pode estudar-se
pela chamada reflexão, isto é, aplicando ao estudo dos nossos meios
de conhecimento as mesmas faculdades com que estuda todos os outros
objetos. Pode observar-se a si mesma; voltar sobre si o olhar que em
geral diria para fora; e, fundada na sua base imprescindível, os
princípios, sem a qual não pode senão deixar de funcionar, analisar
o conhecimento humano desde o objeto real à idéia em que o
conhecemos.
Como é pelos sentidos que tomamos contacto com os objetos, temos de
começar pelo estudo do conhecimento sensível. Passaremos depois ao
conhecimento intelectual, a que o primeiro serve de base.
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