23. A vontade.

Há em todas as coisas uma tendência a atingir o fim que, de acordo com a sua natureza, lhes compete, a que podemos chamar um apetite natural. Nos seres inteligentes, essa tendência é consciente, é tendência para um fim conhecido como tal, e chama-se vontade. Assim, como, portanto, por analogia, atribuímos a Deus a inteligência, devemos atribuir-lhe também a vontade.

Simplesmente, como o fim, a causa final, é a "causa das causas", e Deus é a Primeira Causa, em absoluto, não podemos supor à sua vontade um fim distinto dela. Deus é o seu próprio fim, como é o seu próprio conhecimento; é auto-suficiente sob todos os aspectos. E se Deus quer outras coisas, distintas de si, é tomando-se a si mesmo como fim; quer que existam, diz S. Tomás, "porque convém à divina bondade que outros seres dela participem" [63].

A vontade de Deus é livre? Sem dúvida nenhuma. Uma vontade diz-se livre quando não é determinada por nenhuma causa exterior na escolha dos seus meios; e Deus não pode ser determinado por ninguém. Pode objetar-se com a imutabilidade divina, que parece tornar necessário que Deus queira tudo quanto quer. De fato, o fim da vontade divina, por ser o próprio Deus, como já disse, é necessário, duma necessidade intrínseca, que é a de Deus; mas os meios que escolhe não o são, falando em absoluto. Se Deus quer uma coisa, é evidentemente necessário que a queira, como é necessário que um homem esteja sentado, quando está sentado; mas é uma necessidade que vem precisamente de Deus querer isso; não impede a liberdade do decreto da vontade divina que escolhe essa coisa.