15. Certeza e opinião.

Nas condições apontadas, podemos ter a certeza de que os nossos conhecimentos são verdadeiros.

Mas as condições da certeza são difíceis de realizar. Vão tenhamos por isso ilusões sobre o número dos nossos conhecimentos certos. São poucos, relativamente aos que nos são necessários para dirigir a nossa atividade. Por isso, na maior parte dos casos da vida prática, temos de nos contentar com opiniões mais ou menos prováveis.

Não devemos no entanto cair no excesso contrário, e supor que não sabemos nada com certeza. É certo, por exemplo, que o Mundo existe, que é composto de seres distintos, mutáveis, relacionados entre si pelos laços da causalidade, desiguais em perfeição, pertencentes a tipos essencialmente diferentes, que se transformam uns nos outros, e concorrem, cada qual segundo a sua natureza, para a harmonia do conjunto. Essas e outras coisas mais, que existimos e pensamos, que temos uma personalidade que se mantém através das mudanças de corpo, que somos livres nas nossas ações, etc. são verdades estabelecidas sem sombra de dúvida, dentro do critério que indiquei; são certezas. Muitos conhecimentos científicos fundamentais devem também considerar-se certos.

Mas é muito maior o domínio da opinião. Uma opinião é um juízo que aceitamos, com um certo receio, justificado, de que ele não seja verdadeiro. Para fundamentar a nossa ação, não é necessária a certeza; basta a opinião, desde que seja suficientemente provável, isto é, que se baseie em argumentos de valor, embora não possamos afirmar que são irrespondíveis. São assim quase todos os nossos juízos práticos. Com prudência e bom senso, conseguimos reduzir o risco de erro a um mínimo, e o número de erros que de fato vimos a cometer fica dentro dos limites admissíveis. Se não acertamos sempre, acertamos o suficiente para que a nossa ação, no fim de contas, seja útil. É quanto basta, à falta de melhor.

Muitos dos conhecimentos científicos partilham da incerteza das nossas opiniões. São devidos a induções imperfeitas, em que não puderam enumerar-se todos os factores que concorrem nas experiências, e em que, por isso, há o risco de ter deixado escapar algum que influa no resultado. Em particular, todos os conhecimentos de ordem quantitativa têm uma certa margem de erro, porque em todas as medidas influem, não só as quantidades a medir, mas outras causas acidentais ou sistemáticas que afectam os valores medidos. Fazendo medidas em excesso, e combinando-as entre si, procura-se que os erros de certo modo se compensem. Mas o erro, se é reduzido, não é anulado. Por esse motivo, as leis quantitativas dos fenômenos, estabelecidas de forma a, nas condições das experiências, conduzirem aos valores medidos, podem afastar-se muita da realidade nas suas expressões matemáticas, e nos valores que dão para condições muito diferentes das observadas.

Assim, Einstein pôde propor para a lei da gravitação uma expressão totalmente diferente da de Newton, e pelo menos tão próxima da realidade como esta. Não é no entanto legítimo concluir daí que a ciência não vale nada. As duas leis, se são sensacionalmente diferentes na sua formulação, Conduzem, para todos os valores observáveis, a resultados Ao próximos que as diferenças mal se podem apreciar com )s instrumentos mais perfeitos de que se dispõe. Podemos dizer com confiança que conhecemos, com aproximação muito grande, a lei da gravitação, em todo o domínio acessível à fossa experiência.

A conclusão a que chega a lógica material é portanto esta: Sabemos o critério por que devemos apreciar a ver dos nossos juízos, e, à luz desse critério, podemos classificar como certos alguns dos nossos conhecimentos. Outros são simplesmente prováveis, mas a probabilidade é suficiente para, na ordem prática, fundamentar a ação, ou, na ordem científica, nos aproximar notavelmente da verdade quantitativa. Noutros casos ainda, não há sequer uma opinião que nossa considerar-se provável; são assuntos ainda em estudo, é inevitável que se vão abrindo outros novos, à medida que os antigos vão sendo resolvidos.