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Em todas as nossas faculdades se nota uma certa facilidade para o
exercício de alguns dos seus atos ou operações. Trata-se de
tendências, de disposições estáveis, a agir de determinada maneira
com precisão, segurança e agrado. Uma tal disposição é o que no
tomismo se chama um hábito dando à palavra um sentido muito mais vasto
do que tem na linguagem vulgar, sentido que, de resto, em latim, se
distingue por um nome diferente: habitus em vez de habitudo. Além
dos hábitos propriamente ditos, automatismos criados pela repetição
de certos atos, S. Tomás entende por hábito todas as tendências,
automáticas ou conscientes, que determinam o uso das nossas
faculdades; coisas tão diversas como a saúde, disposição do
organismo a bem desempenhar as operações vitais, o temperamento, a
ciência, as virtudes e os vícios, etc. Tomada assim em todo o seu
significado, a palavra designa um grupo de disposições duma
importância imensa, visto que regulam e especificam, pode dizer-se,
toda a nossa vida.
O caso duma ciência, existente no nosso espírito no estado de
hábito, é um exemplo perfeito do que a palavra significa na linguagem
de S. Tomás. Quem sabe matemática ou física, por exemplo, não
tem sempre presentes ao espírito os seus conhecimentos sobre a
matéria. Nem mesmo pensa alguma vez, explicitamente, em todos os
pormenores o todas as conseqüências do que sabe. Pode, num dado
momento, estar a pensar em coisas muito diferentes da ciência em que
é mestre. Essa ciência não deixa por isso de existir no seu
espirito; existe não só na memória, como conclusões fixadas para
futura aplicação ou demonstrações que a memória reteve, mas na
inteligência propriamente dita, como aptidão especial a raciocinar
nos assuntos relacionados com ela, como agudeza de visão para os
problemas de que ela trata, como capacidade de distinguir, num
relance, o ponto crucial duma questão, o essencial duma dificuldade.
A ciência, hábito da inteligência, não substitui a inteligência
pela memória, não dispensa a sua aplicação às questões que se
apresentam. Mas traça uma direção às suas operações; permite
que, num dado o ela trabalhe sem esforços inúteis, com rendimento
mito superior ao que consegue o leigo conhecedor dos principios a
aplicar; dá, numa certa especialidade, mão de mestre quem a
possui, a ponto de só se poder dizer que alguém sabe qualquer coisa,
quando a sabe habitualmente.
Os hábitos são portanto um intermediário entre as assas faculdades e
as nossas ações. Podem ter por sede idas as potências da alma: as
faculdades vegetativas e a sensibilidade, a vontade e a inteligência.
São eles que dão à personalidade de cada um de nós a sua fisionomia
inconfundível. Quando conhecemos um homem, conhecemos-lhe sobretudo
os hábitos, tomada a palavra no sentido tomista. São os hábitos
que dão unidade à nossa ação. São eles o elemento estável dessa
coisa essencialmente variável que é a atividade dum homem. O cunho,
a maneira, o feitio de cada um de nós, são os hábitos que os
determinam.
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