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"O seu a seu dono", diz um provérbio. A virtude pela qual o pomos
em prática é a justiça, que pode definir-se: a vontade habitual de
dar a cada um o que lhe compete.
A justiça regula as relações entre os homens. É justiça
comutativa se se ocupa das relações entre os homens individualmente,
ou entre sociedades da mesma ordem, Regula as trocas de toda a
espécie, de mercadorias, de serviços, e o seu critério é o da
igualdade de valor entre os objetos trocados. Pelo contrário, é
distributiva se trata das relações do homem com a sociedade a que
pertence; o critério de justiça é então a proporção do que é
dado ou pedido a cada um com o que lhe compete de acordo com a sua
função na sociedade.
Assim, de entre os que vivem em casas pertencentes ao país, é justo
que o Chefe do Estado tenha um palácio, e o simples funcionário uma
casa decente mas modesta; porque o primeiro tem deveres sociais a que
não pode furtar-se, e que exigem um palácio para sua habitação.
Mas, se o Chefe de Estado trocar uma propriedade sua com a de
qualquer cidadão, as duas propriedades devem ter valor igual;
porque, individualmente, como proprietário, o Chefe do Estado não
difere em nada dum particular.
É na justiça que se funda a instituição da propriedade. A
propriedade é uma função social, que, aliás, pode organizar-se
segundo moldes muito diversos; não tem por fim o bem do
proprietário, mas o de toda a sociedade. Em princípio, os bens
materiais pertencem à sociedade; mas, se não houvesse indivíduos
diretamente responsáveis pela conservação e pela valorização dos
diversos bens, responsáveis perante os fatos, sujeitos pessoalmente
às conseqüências da sua gestão, cada um deixaria aos outros os
esforços e cuidados necessários, e, pelo desleixo de todos, todos
seriam prejudicados. Uma tal responsabilidade exige meios de ação;
é por isso justo que lhe corresponda a posse do rendimento da
propriedade. Exige continuidade; por isso é justo que a propriedade
seja estável. A propriedade é portanto distribuída entre os
homens, em vista do bem comum. De tudo isto resulta que a propriedade
impõe deveres, e, em particular, que pertence à justiça
distributiva o que muitos atribuem à caridade: o dever de cada um
utilizar para socorro dos necessitados ou em obras de alcance social o
que sobeja do rendimento dos seus bens, depois de satisfeito o preciso
para viver de acordo com o que a sua posição social lhe impõe, e de
posto de parte o exigido por uma justa previdência [115]. Daí
resulta também que utilizar os bens de outra pessoa para salvação
pessoal, em caso de necessidade extrema e urgente, não é roubar;
porque, primariamente, anteriormente, em direito, à sua
apropriação, que a natureza humana torna necessária como regra, os
bens materiais pertencem à humanidade; um caso excepcional e grave
pode justificar a não-observância da norma estabelecida para o caso
geral.
A justiça especializa-se segundo as relações particulares que
considera. S. Tomás distingue, como virtudes derivadas da
justiça: Para com os benfeitores, a gratidão; para com os pais, a
piedade filial; para com os inferiores, a humanidade; para com os
superiores, o respeito; para com as autoridades, a obediência; para
com a pátria, o patriotismo; para com Deus, a religião. Há
ainda, relacionadas com a justiça, a retidão nos juízos, a
honestidade nos negócios, a liberalidade no uso dos bens de fortuna,
a veracidade, a afabilidade no trato. As três últimas, pela
atitude interior que revelam perante a fortuna e as relações sociais,
também se ligam com a temperança.
Há muitos vícios contrários à justiça. Basta citar: a
injustiça propriamente dita, a desonestidade sob todas as formas, a
irreverência, a superstição, a avareza e a prodigalidade que se
opõem à liberalidade, e a hipocrisia oposta à veracidade.
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