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Qual é então o critério da moralidade formal?
O ato bom é o que se conforma com as decisões da reta razão. Por
outras palavras, é o que está de acordo com o que determina a lei
moral, tal como nos é dado conhecê-la, seja em si mesma, seja nas
condições em que se aplica.
Já disse, ao falar do livre-arbítrio, que a vontade procura sempre
o que a inteligência lhe indica como o maior bem. Mas disse também
que, entre os elementos a que a inteligência atende ao comparar os
bens, estão as preferências da vontade. É ai que se insere a
possibilidade do bem e do mal moral: na preferência dada pela vontade
a um bem secundário, mas próximo, sobre o bem supremo,
necessariamente longínquo.
No ato humano típico, antes de agirmos, consideramos o ato por um
aspecto impessoal. Tão perfeitamente quanto nos é possível,
procuramos estudar as suas circunstâncias e o que a lei moral prescreve
a seu respeito; e concluímos, em consciência, que um homem, nas
circunstâncias em que nos encontramos, deve proceder duma certa e
determinada maneira. Se procedemos assim, o nosso ato é moralmente
bom, no seu aspecto formal. Se, pelo contrário, entendemos que
para nós, aqui A agora, é melhor proceder duma maneira diferente
daquela, o ato é mau. O peso do nosso desejo desordenado fez-nos
parecer o ato que a consciência condena preferível ao que, embora
aprovado pela consciência, nos priva dum bem que cobiçamos.
Procedemos contra o que a razão nos mostra ser o caminho para o nosso
fim último, que não podemos deixar de desejar, mas desejamos de
maneira vaga, ineficaz; merecemos perdê-lo.
Como se vê, o critério tomista da moralidade coincide com a célebre
regra de Kant: "Procede de maneira que a tua ação possa servir de
regra universal de procedimento. Realmente, procedemos bem quando o
nosso ato se conforma com a regra que, tanto quanto nos é dado saber,
deve reger todo o homem nas condições em que nos encontramos;
procedemos mal quando, entre o caso de qualquer homem e o nosso caso
individual, estabelecemos uma distinção fundada unicamente em se
tratar de nós.
Onde Kant se afasta completamente de S. Tomás é quando entende
que o mérito do ato é tanto maior quanto maior o esforço que nos
custa. S. Tomás aplica aqui a escala de valores para que já chamei
a atenção. O menor mérito, mérito nulo, quando não negativo,
será portanto o de quem, para não fazer um esforço, deixa de
praticar o bem; acima desse, o de quem, à custa dum grande
esforço, se domina e faz o bem; o mérito máximo será o de quem tem
tal amor ao bem que já não lhe custa esforço o praticá-lo.
Também aqui se justifica facilmente esta escala de valores. Já
disse que, pela auto-educação, as faculdades sensíveis se vão
subordinando à vontade; esta, em quem tem o hábito do bem,
domina-as sem esforço. Se adoptássemos o critério de Kant,
chegaríamos à conclusão de que é maior o mérito dos que, no bem,
são medíocres, do que o dos que são perfeitos; o critério de S.
'romãs atende a que, se os mais perfeitos não precisam de esforço
para procederem bem, não é porque não estivessem dispostos a
fazê-lo se fosse preciso, mas porque a continuação do seu bom
procedimento tornou esse esforço inútil.
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