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Da atividade humana faz parte o pensamento. E esse é totalmente
imaterial, não no processo de elaboração de idéias, mas no seu ato
supremo, o do conhecimento.
Quando um homem conhece um objeto, identifica-se intelectualmente com
ele. Toma para lei do seu pensamento a lei de existência do objeto,
e essa lei produz no seu espírito, como conclusões de raciocínios,
as mesmas conseqüências a que dá lugar na realidade, como
propriedades concretas. A forma do objeto conhecido passa a reger a
sua inteligência; passa a existir na sua inteligência, duma maneira
totalmente diversa daquela por que existia no objeto. Existe
abstratamente, imaterialmente. Quando uma forma se realiza na
matéria, esta concretiza-a e materializa-a; por sua vez, a forma
determina a potência da matéria a uma certa maneira de ser, e exclui
dela a sujeição a outras formas. Ora, na inteligência, a forma do
objeto existe na sua universalidade, sem nenhuma das características
de individuação que a matéria lhe confere, e lhe confere
necessariamente, porque a sua função é precisamente essa. Quando
compreendemos as propriedades dum triângulo, por exemplo, não
conhecemos um triângulo determinado, mas o triângulo, em geral. A
forma do objeto conhecido existe portanto no espírito imaterialmente.
Por outro lado, o homem, sem deixar de ser o que é, recebe a forma
do objeto que conhece. A faculdade que se identifica com ela tem, por
um e outro motivo, de ser imaterial.
A observação do que se passa conosco não nos deixa dúvidas de que o
pensamento é um ato do homem. Sou eu que penso, o mesmo eu que vivo
e sinto. Como o princípio de unidade da atividade humana é a alma,
pensar é portanto uma operação da alma. Mas o pensamento é
imaterial, já o vimos. Sendo assim, a alma executa essa
operação, não, como as outras, por meio do corpo, mas
independentemente do corpo, por si mesma. Pensar, no seu ato
intelectual, ou seja, conhecer, é uma faculdade da alma,
exclusivamente.
Como se vê, a alma humana, sendo a forma substancial do corpo, é
mais do que isso. A sua atividade não se limita à animação do
corpo; tem uma operação própria, em que o corpo não intervém: o
conhecimento propriamente dito, universal, intelectual, abstrato.
Há uma faculdade só da alma, a inteligência, que lhe dá acesso ao
mundo das idéias encarnadas nas coisas. Isso coloca a alma humana
numa classe à parte, entre todas as formas substanciais. Faz-nos
dizer que ela é espiritual; que, numa bela frase de S. Tomás,
não está totalmente imersa na matéria [79].
Às outras formas chamamos materiais, não que nelas, em si mesmas,
haja matéria, já vimos que a forma é um princípio duma ordem
totalmente diversa da da matéria, mas porque exigem a matéria para a
sua existência e para todas as suas operações. Não realizam senão
o que é realizável pela matéria; não excedem a potencialidade da
matéria. São, unicamente, ato do que na matéria há em
potência.
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