8. A critica interna.

A crítica dos princípios, em si mesma, é perfeitamente legítima, e até necessária. Não que duvidemos deles; mas, por isso mesmo, não fugimos da contraprova. Vejamos, no entanto, em que condições ela é possível.

Comecemos por distinguir a crítica interna da crítica externa (chamemos-lhes assim). A primeira funda-se sobre os próprios princípios evidentes. Confronta-os uns com os outros; compara as conclusões que deles se podem tirar, procura de contradições; é então direta. Ou, visto que sobre os princípios se funda o valor da experiência, pode também verificar se esta confirma as conclusões dos raciocínios válidos; é então ainda crítica interna, mas indireta. Esta maneira de proceder é lógica e coerente.

Note-se que uma tal crítica pode legitimamente fazer-se em qualquer altura, no fim como no meio ou no princípio; melhor se faria até no fim de tudo, visto se quererem comparar conclusões. Note-se também que, se o resultado fosse desfavorável, se aparecessem contradições indubitáveis entre conclusões de raciocínios corretos, só seria possível a posição que apontei acima, de nos abstermos de todo o raciocínio; porque nada nos permitiria preferir um princípio a outro, - são todos evidentes -, nem duvidar dum raciocínio válido sem duvidar de todos. Mas o caso não se dá. Esta crítica, de fato, reduz-se à verificação de que se não contradizem as conclusões estabelecidas por meio de raciocínios corretos, a partir dos princípios evidentes e dos fatos indubitavelmente observados; à verificação de que eles formam um sistema coerente, sem oposições internas irredutíveis. Limita-se a certificarmo-nos de que não há razão nenhuma em que possamos fundar uma dúvida acerca dos princípios.