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Não devemos procurar localizar a alma. Fazê-lo, é considerar a
alma como uma parte material do corpo, ou como um ser distinto deste
que actue sobre ele por intermédio dum órgão determinado; o que
contraria em absoluto o que acima disse sobre a alma. A alma é uma
forma, e portanto, em si mesma, imaterial. Só está sujeita à
extensão por ser forma dum corpo; está por isso onde esse corpo
estiver. Dentro do corpo, não tem lugar determinado; está em todo
o corpo, visto que todo ele é regido por ela na sua disposição e na
sua atividade. Não está distribuída pelo corpo, porque as formas,
como princípios de unidade que são, são indivisíveis. Está toda
em todo o corpo; é a ordem do conjunto, tomado na sua totalidade, e
toda ela exige que cada parte seja o que é. Esclarecendo, diz S.
Tomás que "a alma está toda em todas as partes do corpo segundo a
totalidade da sua perfeição [...], mas não segundo toda a sua
virtualidade, [76], visto que dispõe cada porção de matéria a
constituir só um órgão determinado.
A localização da alma no corpo deve ser entendida num sentido
metafísico, que salvaguarde a distinção fundamental entre os
conceitos de matéria e forma. Longe de supormos a alma como que um
fluido derramado no corpo ou concentrado num dos seus órgãos, e,
duma ou doutra maneira, contido nele, devemos, diz S. Tomás,
dizer de preferência que é a alma que contém o corpo, porque lhe dá
a sua unidade [77].
A atividade do corpo é toda dependente da alma. Nenhuma das nossas
ações, conscientes ou inconscientes, se pode atribuir ao corpo,
excluindo a alma. A alma não se une propriamente a um corpo, como
já acentuei; une-se a uma porção de matéria que só por ela,
nunca o esqueçamos, constitui um corpo humano. Portanto, tudo o que
se passa no nosso corpo, seja na ordem física-química, seja na vida
vegetativa ou sensitiva, é regido pela alma.
Mas a alma não é motor do corpo no sentido de que seja a causa
eficiente dos seus movimentos. Não devemos julgá-la uma fonte de
energia física, aplicada ao corpo para o pôr em movimento. A alma
é causa formal. Todos os movimentos do corpo provêm das energias que
ele recebe do meio ambiente ou armazena em alguns dos seus órgãos. A
alma é simplesmente a lei segundo a qual essas energias são
canalizadas, distribuídas e aproveitadas num corpo humano. Como diz
S. Tomás, "a alma não põe o corpo em movimento pelo ser
[...], mas pela faculdade motora, que, para existir, exige que
o corpo exista em ato, o que é devido à alma" [78].
Reciprocamente, o corpo, designando por esta palavra a matéria do
corpo, é causa material de toda a atividade humana nos domínios da
sensibilidade e da vida vegetativa. É um constituinte intrínseco do
ser humano, como a alma; é indispensável ao exercício, pela alma,
de todas as atividades que exigem contacto com os outros corpos; e
nisso, diga-se entre parênteses, está para S. Tomás o motivo
porque o homem tem uma alma o um corpo.
Não podemos portanto, no homem, separar a atividade
físico-química, vegetativa, e animal, em duas partes,
pertencentes uma ao corpo, outra à alma. A alma é o princípio que
faz com que as operações do corpo concorram para um só fim, que é o
bem do homem; rege, por isso, toda a atividade dele. E o corpo é o
meio que permite à alma procurar, no mundo dos corpos, os elementos
necessários à vida do homem, nas suas várias modalidades. Não é
um habitáculo da alma e uma ferramenta que esta dirija, mas,
verdadeiramente, um elemento intrínseco da sua ação.
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