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O acidente quantidade tem duas modalidades que interessa estudar aqui
rapidamente. Uma é o número, outra a extensão. O número segundo
a definição da Escolástica, é. uma coleção medida por uma
unidade. Trata-se, como se vê, do número concreto, do numerado,
não do numerante. Alguns tomistas chamam-lho número real; eu evito
essa designação, porque é usada com sentido muito diferente pelos
matemáticos, que a contrapõem, não ao número abstrato, mas ao
número imaginário.
A unidade tem necessariamente de ser homogênea com os seres que
constituem a coleção numerada. Por esse motivo, as coleções de
seres heterogêneos não constituem números concretos; são o que se
chama pluralidades Transcendentais. Uma pedra, um homem, um Anjo,
e Deus, por exemplo, não são uma coleção que possa ser
representada por um número concreto, porque não há unidade em que
este se pudesse exprimir; não são sequer quatro seres, porque Deus
não é ser, nem indivíduo, nem nada do que as nossas palavras podem
significar no seu sentido próprio, como já disse e repito. Claro
que fazendo corresponder à pedra, no nosso espírito, uma unidade
abstrata, e outras ao homem, ao Anjo e a Deus, podemos contar essas
unidades e obter o número quatro. Mas seria um número abstrato, que
é ser de razão, enquanto que o número concreto tem existência
real.
A definição escolástica do número tem sido muito mal compreendida
pelos modernos, que censuram Aristóteles e os filósofos da
Idade-Média por não terem sabido passar além do número inteiro.
De fato, Aristóteles não era matemático, como o não eram os
grandes escolásticos; mas a definição de número que adoptavam,
embora se aplique primariamente ao número inteiro, não exclui, bem
compreendida, as outras categorias de números, que se podem
reconduzir a ela, seja como medidas da realidade, de coleções de
partes existentes em ato ou em potência, seja simplesmente como seres
de razão.
De entre as primeiras, o número fracionário não é mais do que um
número inteiro de unidades mais pequenas. Concretamente, só pode
existir como medida do contínuo; num tal meio, as partes não têm
existência real, mas potencial. Pode-se, uma vez reconhecido que a
extensão a medir não contém um número inteiro de vezes a unidade
primeiramente escolhida, adoptar livremente outra submúltipla dessa,
em que a extensão considerada se possa exprimir por um número
inteiro. O número irracional, por sua vez, é medida duma extensão
contínua que não tem nenhum submúltiplo comum com a unidade
primitivamente adoptada; compara-se com a unidade pelo artifício das
classes contíguas, séries de números fracionários, agrupados dois
a dois, de maneira que os sucessivos pares abranjam sempre a grandeza a
medir, e definam intervalos cada vez mais pequenos.
O número negativo mede uma privação, que é ser de razão, como
já disse; não pode por isso deixar de ser ele também um ser de
razão. É ser de razão com fundamento na realidade. O número
imaginário é um ser de razão típico; assenta na unidade
imaginária, criada por uma definição matemática, independentemente
de qualquer base real.
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