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A natureza do intelecto agente deu origem a muitas divergências de
opinião entre os discípulos de Aristóteles.
Alguns, os árabes, admitiam um só intelecto agente para todos os
homens; um ser separado, distinto das inteligências individuais,
para o qual estas se voltavam para receberem dele a iluminação
intelectual. Os averroístas latinos seguiam também esta opinião,
que, como já contei, provocou lutas titânicas no tempo de S.
Tomás.
Outros, augustinistas, não viam no intelecto agente senão urna
iluminação do nosso espírito vinda diretamente de Deus.
No fundo, era a tendência para o deus ex machina, para um Deus que
se substituísse à natureza em vez de a criar, em toda a plenitude do
termo. No tomismo não há nada disso. Basta observar que todo o
estudo da psicologia se pôde até agora fazer sem, pode dizer-se,
falar em Deus. O que não quer dizer que o tomismo dispense Deus,
na psicologia ou em qualquer outro assunto. O simples fato de haver
uma natureza humana a estudar, de se reconhecer que o homem é duma
maneira e não doutra, põe imediatamente o problema da existência do
ser limitado, determinado, e a sua solução, única possível, pela
existência de Deus. O mesmo acontece se partirmos da mutabilidade do
homem, da diversidade das suas faculdades harmoniosamente dispostas,
de todos os outros sinais da sua dependência. Esta característica do
tomismo, que se verifica sempre que se trata das causas imediatas das
coisas, significa só que o tomismo não esquece a transcendência de
Deus; que Deus não é um primus inter pares, uma causa como as
outras, mas a Causa das causas, a fonte da causalidade.
Por isso, no tomismo, o intelecto agente é uma faculdade da alma.
S. Tomás afasta a hipótese do intelecto agente único por razoes
metafísicas de ordem geral. Na natureza, diz ele, "além das
causas universais, há em cada ser potências próprias, derivadas
dessas causas" [85]. É o que acabo de dizer; a eficácia real das
causas segundas é um princípio constante do tomismo. Além disso,
nota S. Tomás que "nós nos podemos observar no ato de abstrair as
formas universais das condições particulares" [86]. Ora, para
que uma ação seja nossa, é preciso que seja nosso, por essência,
o seu princípio, isto é, que o intelecto agente pertença à alma.
Não há portanto iluminação direta por Deus ou por uma
inteligência separada, quase divina.
No entanto, podemos dizer com verdade que o intelecto agente é uma
participação da inteligência de Deus. Na linguagem de S.
Tomás, participação não implica homogeneidade, mas, pelo
contrário, dependência. O inferior participa do superior naquilo em
que, por analogia, se lhe assemelha. Dizemos, por analogia, que
Deus é, e que é vivo e inteligente. Podemos dizer por isso que
todo o ser é participação do ser de Deus, toda a vida
participação da sua vida, toda a inteligência participação da sua
inteligência. Mas, com esta reserva, que aliás tem de ser feita
para tudo quanto possuímos, visto que somos seres criados, o
intelecto agente é nosso, faculdade da nossa alma.
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