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O mesmo se dá com a filosofia de Kant. A sua evolução não é
tão linear como a do cartesianismo; mas a lição é igualmente
clara.
O que Kant quis fundar sobre o númeno, atingido pelo imperativo
categórico, foi rejeitado por todos os seus discípulos, ou quase.
Uns, verificada a evidente petição de princípio que é a
afirmação da existência dum númeno inconhecível, caíram no
idealismo. Negaram o númeno, e reduziram o real ao racional.
Outros, pelo caminho do positivismo, chegaram ao sociologismo,
física dos costumes, que estuda o que se faz sem se preocupar com o
que se deve fazer.
Kant queria, com o seu trabalho, combater o idealismo, procurando
uma base firme em que a filosofia pudesse assentar, ao abrigo dos
caprichos dum pensamento que não reconhecia nenhuma lei. Só
conseguiu fundar um idealismo mais irreal ainda do que o de Descartes,
porque já não tem sequer a esperança de poder atingir a realidade.
Pretendia, sobre o imperativo categórico, edificar a mais severa de
todas as morais, admitindo, como único critério de moralidade, o
cumprimento do dever, de tal maneira que um ato materialmente bom,
feito por outro motivo qualquer, mesmo legítimo, deixaria de ser bom
moralmente; e as suas idéias levaram discípulos seus à negação de
toda a moral, substituindo a consideração do dever pela dos costumes
que vigoram, de fato, numa sociedade determinada. Enfim, como
último contraste: desvendando a "ilusão transcendental", Kant
supunha ter conseguido encontrar as bases duma filosofia científica, e
portanto estável; "Prolegômenos de toda a Metafísica futura que
queira apresentar-se como Ciência" é o título duma das suas
obras. Mas no seu pensamento vêm filiar-se as correntes mais
desencontradas, que todas repudiam a metafísica clássica: idealistas
e positivistas, tradicionalistas e sociologistas, ecléticos,
pragmatistas e intuicionistas. É completa a desagregação do sistema
que fundou.
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