3. O senso comum.

A sensação bruta sofre uma elaboração que leva o conhecimento sensível muito além da simples percepção do sensível próprio.

Primeiro, em muitos sentidos, há a distinguir um objeto imediato e um objeto mediato. Assim, na vista, por meio do feixe de luz que incide na retina, vemos o foco luminoso de que provém; é semelhante o caso do cego, que sente o terreno com a ponta da bengala.

Depois, as indicações dos vários sentidos externos são centralizadas, de forma a completarem-se, apoiarem-se e fiscalizarem-se mutuamente. Com as mãos, verificamos as dimensões dum objeto avaliadas à vista. Olhando, certificamo-nos da origem do ruído que ouvimos. O olfato e o paladar combinam-se numa sensação complexa, em que é difícil destrinçar o que vem dum e doutro. Da mesma maneira, o sentirmos o seu perfume completa a impressão que produz em nós a vista duma flor.

Esta reunião das impressões dos sentidos exige em nós uma faculdade sensível especial, a que se dá na escolástica o nome de sentido comum, ou, mais correntemente, o nome etimologicamente equivalente de senso comum. bate último tem assim na filosofia tomista um significado muito diferente do que lhe dá a linguagem corrente. É costume tomar senso comum como sinônimo de bom senso, entendendo pelo qualificativo comum que ele é comum à maioria dos homens, ou pelo menos aos homens de espírito equilibrado. Aqui, o comum quer dizer que por ele comunicam os vários sentidos; que nele se totalizam as percepções de todos, dando-nos conhecimento, não do que é próprio a cada um, mas, para além disso, do que é comum a todos. Modernamente, há quem chame a esta faculdade consciência sensível.

As propriedades do objeto que o senso comum nos revela através das percepções dos sentidos constituem o sensível comum. São as dimensões, o número, a posição, a configuração das coisas, o seu estado de repouso ou movimento relativamente aos corpos vizinhos, tudo acidentes que não impressionam diretamente nenhum sentido. Essas propriedades são os elementos da imagem que representa o objeto na nossa sensibilidade, e que, portanto, se forma no senso comum. Como vamos ver, essa imagem tem uma função importantíssima em todo o conhecimento humano.

Por isso mesmo que totaliza as percepções dos sentidos, é o senso comum que permite a sua educação. A percepção do sensível próprio imediato é espontânea, e não depende de educação. Mas a do sensível mediato exige uma educação para eliminar as ilusões, os erros de interpretação a que os sentidos estão sujeitos, e que só a fiscalização dum pelos outros, ou pelo mesmo sentido exercido em condições diferentes, pode ensinar a evitar. Uma tal fiscalização pressupõe a consciência dum sensível comum, permanente sob a variabilidade dos sensíveis próprios, e, portanto, a ação do senso comum.

O senso comum tem ainda outra função muito importante: é ele que nos dá a conhecer a nossa atividade sensível. Nós temos, quando a isso prestamos atenção, a consciência de que estamos a aplicar um determinado sentido; vemo-nos ver, por exemplo. Claro que só uma faculdade distinta dele pode observar assim, como que do exterior, o exercício dum sentido. Essa faculdade é o senso comum, que tem conhecimento de quais os sentidos de que recebe as impressões que totaliza.

O senso comum é o primeiro dos sentidos internos, isto é, das faculdades sensitivas que não têm contacto direto com as coisas exteriores; mas não é o único. Há ainda a imaginação, a memória, e a razão particular.