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A teoria tomista do conhecimento enquadra-se perfeitamente no sistema
de S. Tomás, em pleno acordo com os princípios e com as soluções
adoptadas anteriormente. Puderam-se analisar e assimilar todos os
fatos, desde o conhecimento sensível à síntese intelectual. O seu
estudo crítico não revela nenhuma contradição, nenhuma dificuldade
insolúvel que oponha uns princípios a outros ou todos aos fatos
observados. As idéias com que estamos a lidar desde o início, e com
que lidamos desde que começamos a pensar, sabemos agora como vieram
até nós, e porque nos dão conhecimento válido dos objetos reais.
Para bem apreciar a teoria do conhecimento de S. Tomás, há um
certo número de pontos que é preciso não perder de vista.
Primeiro, S. Tomás estuda o nosso modo normal de conhecimento.
Nada impede, mesmo no campo do natural, que haja outros modos de
conhecimento, excepcionais, extraordinários: telepatia,
iluminações, intuições. Compete à experiência decidir se
existem ou não essas formas de conhecimento. S. Tomás prevê
expressamente a sua possibilidade, num artigo da Suma teológica
[89].
Em segundo lugar, ninguém conhece melhor do que S. Tomás as
deficiências da nossa inteligência, mesmo para a atividade que é lhe
mais natural. S. Tomás insiste em que o nosso conhecimento de
qualquer objeto é primeiro confuso, e só progressivamente se vai
tornando claro, pela análise das notas pertencentes a cada essência,
ou pelo estudo pormenorizado de todas as partes dum todo [90]. Para
todos nós, muitas vezes, e sempre para alguns, o conhecimento não
passa da primeira fase, e fica confuso, indistinto. S. Tomás não
se esquece de pôr em relevo que nem todos podem ter, duma mesma
realidade, conhecimento igualmente perfeito [91]. Frisa também que
a inteligência pode errar por acidente, seja ao compor eu decompor
idéias no raciocínio, seja tomando um objeto por outro [92].
Finalmente, como já disse repetidas vezes, o nosso conhecimento das
coisas é ao mesmo tempo verdadeiro, parcial e progressivo.
Verdadeiro, porque o que afirmamos do objeto que conhecemos existe
nele de fato; abstraímo-lo do que, a seu respeito, nos foi
transmitido pelos sentidos. Parcial, porque não podemos ter a
pretensão de saber tudo a seu respeito; conhecêmo-lo de fora para
dentro, do que é para o que o faz ser, da qüididade para a
essência; por muito que saibamos sobre ele, há sempre nele coisas
para aprender. Progressivo, porque por novas operações de
conhecimento, por novas observações e novas abstrações, ou por
análise das abstrações já feitas, podemos aumentar sempre o nosso
conhecimento do objeto.
Se tivermos estas coisas bem presentes no espírito, a teoria tomista
do conhecimento perde para nós a aparência de rigidez, de
dogmatismo, que pode ter para as pessoas desprevenidas, e que lhe vem
do se referir ao conhecimento na medida em que é conhecimento, ao
conhecimento como tal, não aos esforços que tantas vezes fazemos
inutilmente para conhecer qualquer coisa. O que esta teoria estuda
é, propriamente, isto: Como conhecemos um objeto, quando, de
fato, o conhecemos? À questão assim posta, não interessam
diretamente as deficiências e as singularidades do processo, mas o seu
funcionamento normal.
Reserva análoga se deve fazer em muitos outros assuntos. Os antigos
escolásticos usavam sempre as palavras no seu sentido estrito, no que
chamavam o seu significado formal. É freqüente, por exemplo,
vê-los atribuir à ciência uma veracidade que nos espanta,
habituados como estamos aos erros que se encontram na ciência daquele
tempo, e até na de tempos bem mais modernos; é porque eles falavam
da ciência como tal, do que de fato se sabe; das conclusões certas,
e não das simplesmente prováveis. Hoje, a diversidade dos
sistemas, e mais ainda a das terminologias filosóficas, levou a uma
linguagem mais flexível, mas muito menos precisa; há no entanto toda
a vantagem, dentro dum sistema que tem tradições de tantos séculos
como o tomista, em nos aproximarmos quanto possível do ideal antigo:
linguagem clara, termos definidos com precisão e empregados com
rigor.
Dado o valor da linguagem como auxiliar do pensamento, não pode ter
melhor base quem queira raciocinar com segurança, de acordo com as
leis da lógica, que vamos estudar na próxima lição.
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