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O bem, como já vimos ao tratar dos transcendentais, é idêntico ao
ser. Em si mesmo, portanto, um ser é bom na medida em que é.
Toda a ação tende para um fim; no seu gênero, portanto, como
ação, é tanto mais plenamente quanto mais perfeitamente realize o
seu fim. Correlativamente, o ato é bom, e quem o pratica é bom,
sob o aspecto considerado, quando é proporcionado ao fim que se
procura.
Se o fim é um fim próximo, o ato é bom dum ponto de vista
particular; é bom tècnicamente, digamos assim. Por exemplo: é
bom serralheiro o que sabe fazer a obra da sua especialidade; e
trabalha bem quando executa as operações capazes de produzirem uma
peça perfeita. Se, pelo contrário, consideramos o fim último, o
ato é bom moralmente. A bondade moral é a do fato olhado sem
quaisquer restrições, no plano em que por Natureza se coloca; como
ato dum homem, e na sua proporção para o fim natural do homem.
Entre a bondade técnica e a bondade moral não há nenhuma relação
necessária. Forçar bem um cofre, por exemplo, pode ser um ato
moralmente bom, se é feito a pedido dos herdeiros legítimos do antigo
dono, morto sem indicar o segredo da fechadura; é um ato mau se é
feito para roubar. E há até certas técnicas que são sempre más.
Roubar bem, por exemplo, é saber empregar os meios necessários para
roubar sem ser apanhado pela polícia; mas, por muito bem que se
roube, o roubo é sempre um ato moralmente mau. É preciso insistir
Neste ponto, porque há casos em que o bem técnico consegue um tal
prestígio que toma, aos olhos desprevenidos, o aspecto de bem moral.
Um caso que deve ser tratado em especial é o da arte. Já disse que
o belo e o bem transcendentais são idênticos, e portanto que uma
coisa é boa na medida em que é bela. A obra de arte exprime um
pensamento do artista; é: bela, tècnicamente, se há
conformidade, harmonia, entre a forma de expressão e o pensamento
expresso; e, nesse caso, é tècnicamente boa, porque o exprime
convenientemente. Mas isso não basta para ser boa moralmente; porque
então é preciso que o próprio pensamento que traduz seja bom. Não
basta à moral a bondade relativa, proporção da obra de arte para o
pensamento do artista, a que corresponde a beleza relativa como meio de
expressão desse pensamento. É necessária a bondade absoluta,
proporção entre a obra de arte e a verdade profunda das coisas;
bondade a que corresponde a beleza absoluta, como meio de expressão da
realidade, e, em última análise, do pensamento de Deus.
Há muitos casos da vida em que é necessário fazer uma distinção
análoga. Veja-se, por exemplo, o nudismo. A beleza do corpo
humano não desculpa a sua exibição pública. O corpo humano é
belo, e é um bem que assim seja. Mas exibi-lo não é bom; nem é
bonito, como diz a linguagem familiar, exprimindo, mais pelo que
adivinha do que pelo que sabe, uma verdade profunda. Lisonjeia as
paixões; e lisonjear as paixões é falsear a sua verdadeira
função; nos sentimentos que o nudismo provoca, e às vezes revela,
não há por isso nem verdade, nem bondade, nem beleza. O belo é
idêntico ao bom; o parcialmente belo, o tècnicamente belo, é
idêntico ao parcialmente bom, ao tècnicamente bom; mas o moralmente
bom só é idêntico com o moralmente belo, com o belo até à medula.
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