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Uma substância, destacada das outras substâncias da mesma espécie,
e considerada separadamente delas, é o que se chama um indivíduo.
Dão-se-lhe também os nomes, em metafísica, de sujeito, e
suposto ou hipóstase. Pensamos em indivíduos, por exemplo, quando
consideramos, não uma roseira, mas esta roseira; quando nos
referimos, não a um cão qualquer, mas a um certo e determinado
cão. No caso particular dos seres inteligentes, dá-se ao
indivíduo o nome de pessoa; a personalidade é portanto uma
individualidade consciente de si mesma. Nesses seres, no homem, por
exemplo, o indivíduo e a pessoa correspondem à mesma realidade; mas
a individualidade atinge-a no que tem de comum com todos os seres, a
personalidade no que a dignifica, no que a singulariza entre as
outras.
Qual é o principio de individuação? Ou seja: que é que distingue
uns dos outros os indivíduos duma mesma espécie? Não pode ser a
forma; porque, sendo da mesma espécie, é idêntica a essência de
todos, como já disse, e a forma substancial é precisamente aquilo
pelo qual a matéria dum corpo realiza a sua essência. Também não
podem ser as formas acidentais; a igualdade dos acidentes não impede a
distinção dos indivíduos. Dois homens, dois gêmeos, por
exemplo, iguais em todos os pormenores, não passariam por isso a ser
um homem só. E não se argumente com a diversidade das posições dum
e doutro; o não poderem ocupar ambos o mesmo lugar vem unicamente de
serem constituídos de porções diferentes de matéria.
O principio da individuação só pode portanto ser a matéria, e
facilmente se vê que o é de fato. Consideremos umas poucas de
esferas. A forma é idêntica em todas; se pensarmos na essência da
esfera, abstraindo da matéria e das determinações que dela provêm
(dimensões, posição), temos a esfera, com todas as suas
propriedades, mas não individuada. Se podemos fazer várias
esferas, é porque uma é feita desta porção de marfim ou de
madeira, outra daquela. A mesma essência realiza-se em várias
porções de matéria; e é a distinção dessas porções que
distingue entre si as esferas assim obtidas.
Da mesma maneira, o que distingue as substâncias materiais é a
matéria-prima que as constitui. O que não exclui a possibilidade da
matéria se renovar, como acontece por exemplo nos seres vivos, devido
à assimilação dos alimentos e à eliminação do que o organismo
rejeita. É sempre verdade que, em cada momento, a porção de
matéria que constitui uma substância é distinta da de qualquer
outra.
A matéria-prima já nos tinha aparecido como elemento potencial da
constituição dos seres materiais, e como substrato da evolução
substancial. Aparece-nos agora numa terceira função, fundamental
também: a de distinguir os indivíduos pertencentes à mesma
espécie.
Os acidentes não precisam de princípio próprio de individuação;
individuam-nos as substâncias a que são inerentes.
Do que disse sobre a função da matéria na individuação resulta
que, entre os seres imateriais, não pode haver senão um indivíduo
em cada espécie. Os indivíduos imateriais não são só diversos;
são diferentes. Voltarei a este assunto quando falar dos Anjos.
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