9. O optimismo relativo de S. Tomás.

Outra dificuldade vem da imperfeição do Mundo. Como pode o perfeito querer o imperfeito?

Há, na objeção, um erro fundamental. Deus quer o perfeito, visto que se quer a si mesmo; o objeto da sua vontade, já o disse, é a sua própria essência. Distinto de si é que não pode querer senão o imperfeito, sob pena de contradição, visto que a perfeição de Deus exige que ele seja único; e querer o contraditório, como se viu, é imperfeição que não podemos atribuir a Deus.

Mas Deus podia criar um Mundo mais perfeito do que este? Sem dúvida. Como compreender então que o não tenha criado? Parece que Deus só poderia criar o Mundo mais perfeito.

A isso só se pode responder, embora com risco de chocar idéias simplistas, que a pregunta não tem sentido. Há uma infinidade de Mundos possíveis, uma infinidade, digo bem, porque se trata de infinidade potencial, e infinidade seja qual for o aspecto que consideremos; portanto não há nenhum que seja o mais perfeito de todos. Onde quer que Deus traçasse o limite da perfeição do Mundo, ele estaria sempre infinitamente afastado da perfeição total. É absolutamente indiferente a quantidade de perfeições que Deus quis dar ao Mundo, como é indiferente a posição dum ponto que se marca sobre uma reta em que não há nenhuma referência. Que Deus fizesse o Mundo mais ou menos perfeito, a mesma dificuldade surgiria sempre, se a admitíssemos. A medida da perfeição do Mundo podia ser qualquer. Deus quis esta, livremente, como poderia querer outra, sem que para querer uma ou outra houvesse qualquer motivo que o pudesse obrigar.

Uma coisa, no entanto, se deve afirmar: fixada a quantidade de perfeição que Deus quis conferir ao Mundo, a sua distribuição entre os seres que o compõem é a melhor possível. Isto é, a ordem do Mundo é a melhor que se pode realizar com o total de perfeição que ele contém. E a razão é simples. A Criação é teocêntrica. Indica Deus pela convergência das linhas que tem marcadas, se se pode dizer assim. A ordem do Mundo é a sua forma, o seu elemento inteligível, o que faz com que o Universo constitua, verdadeiramente, um todo. É ela que reflecte a inteligência divina. É o bem para o qual tende tudo o resto; não podemos supor que seja imperfeitamente atingido.

Este ponto de vista de S. Tomás é um optimismo relativo. Optimismo por supor que este Mundo é, dentro dos limites que Deus lhe traçou, o melhor; relativo por fazer a restrição de que é dentro desses limites. Equivale a dizer que o Mundo, quanto ao bem da ordem, é o que a matemática chama um máximo condicionado.