10. O que podemos conhecer de Deus.

Devemos então cair no agnosticismo, e supor que não podemos ter de Deus nenhum conhecimento verdadeiro?

De forma nenhuma. Não podemos conhecer nada da essência divina, a não ser por revelação do próprio Deus. Não podemos conhecê-lo tal como é, em si mesmo. Mas podemos ter dele um certo conhecimento exterior, que não parte da sua essência, mas das criaturas; conhecimento inadequado, muito imperfeito em face da realidade, mas ainda assim mais valioso, sem comparação, do que o conhecimento relativamente muito mais perfeito que podemos ter de qualquer outro objeto. E há, para chegar a esse conhecimento, dois meios: estudar os diversos aspectos da dependência das criaturas para com Deus; negar de Deus todas as imperfeições que tornam as criaturas necessariamente dependentes.

O segundo processo dá-nos de Deus um conhecimento puramente negativo, mas verdadeiro: "De Deus", diz S. Tomás, "não podemos saber o que é, mas o que não é [54]". Para provar a existência de Deus, partimos do movimento das coisas, da sua existência dependente de causas, da composição do seu ser, da sua perfeição limitada, da sua integração numa ordem que as excede. Devemos portanto negar de Deus qualquer mudança, qualquer dependência, qualquer composição, qualquer limite, qualquer subordinação. Vamos negar de Deus tudo o que o impediria de ser Primeiro nos vários caminhos por que abordámos a sua existência. E assim poderemos falar da simplicidade de Deus, da sua eternidade, da sua liberdade, etc.

O primeiro processo permite-nos falar de Deus afirmativamente. Consiste em afirmar de Deus, em grau eminente, todas as perfeições que as criaturas recebem dele; e em afirmá-las sem as limitações que caracterizam as criaturas, que contornam a porção de ser que cabe a cada uma. Atribuímos essas perfeições a Deus em grau eminente, não o esqueçamos. Dizemos que ele é bom, verdadeiro, misericordioso, justo, feliz, para significar que é a fonte de toda a bondade, o que é bem a maneira mais eminente de ser bom, que é a origem da verdade, da misericórdia, da justiça, da felicidade. Chegámos a Deus como Primeira Causa; mas o qualificativo "primeira", muda o sentido da palavra. Como disse logo ao falar da primeira via, Deus não é só a primeira de entre todas as causas; é Primeira Causa em absoluto, Causa transcendente, menos causa do que fonte de causalidade. Da mesma maneira, o Motor imóvel é fonte de toda a atividade; o Ser Necessário é foco de existência, não ser, mas Super-ser. Ficamos sempre sem compreender a eminência que tudo isto tem em Deus. Não atingimos a essência divina. Deus fica, para nós, a nascente inexplorada dum rio que conhecemos.

Os dois processos, como se vê, estão na dependência estreita das provas que demos da existência de Deus. São o prolongamento, até às suas últimas conseqüências, dos raciocínios que constituem essas provas; o que justifica a expressão tantas vezes repetida de Sertillanges de que a teodicéia não é mais do que uma longa prova da existência de Deus [55].