8. O indivíduo.

Uma substância, destacada das outras substâncias da mesma espécie, e considerada separadamente delas, é o que se chama um indivíduo. Dão-se-lhe também os nomes, em metafísica, de sujeito, e suposto ou hipóstase. Pensamos em indivíduos, por exemplo, quando consideramos, não uma roseira, mas esta roseira; quando nos referimos, não a um cão qualquer, mas a um certo e determinado cão. No caso particular dos seres inteligentes, dá-se ao indivíduo o nome de pessoa; a personalidade é portanto uma individualidade consciente de si mesma. Nesses seres, no homem, por exemplo, o indivíduo e a pessoa correspondem à mesma realidade; mas a individualidade atinge-a no que tem de comum com todos os seres, a personalidade no que a dignifica, no que a singulariza entre as outras.

Qual é o principio de individuação? Ou seja: que é que distingue uns dos outros os indivíduos duma mesma espécie? Não pode ser a forma; porque, sendo da mesma espécie, é idêntica a essência de todos, como já disse, e a forma substancial é precisamente aquilo pelo qual a matéria dum corpo realiza a sua essência. Também não podem ser as formas acidentais; a igualdade dos acidentes não impede a distinção dos indivíduos. Dois homens, dois gêmeos, por exemplo, iguais em todos os pormenores, não passariam por isso a ser um homem só. E não se argumente com a diversidade das posições dum e doutro; o não poderem ocupar ambos o mesmo lugar vem unicamente de serem constituídos de porções diferentes de matéria.

O principio da individuação só pode portanto ser a matéria, e facilmente se vê que o é de fato. Consideremos umas poucas de esferas. A forma é idêntica em todas; se pensarmos na essência da esfera, abstraindo da matéria e das determinações que dela provêm (dimensões, posição), temos a esfera, com todas as suas propriedades, mas não individuada. Se podemos fazer várias esferas, é porque uma é feita desta porção de marfim ou de madeira, outra daquela. A mesma essência realiza-se em várias porções de matéria; e é a distinção dessas porções que distingue entre si as esferas assim obtidas.

Da mesma maneira, o que distingue as substâncias materiais é a matéria-prima que as constitui. O que não exclui a possibilidade da matéria se renovar, como acontece por exemplo nos seres vivos, devido à assimilação dos alimentos e à eliminação do que o organismo rejeita. É sempre verdade que, em cada momento, a porção de matéria que constitui uma substância é distinta da de qualquer outra.

A matéria-prima já nos tinha aparecido como elemento potencial da constituição dos seres materiais, e como substrato da evolução substancial. Aparece-nos agora numa terceira função, fundamental também: a de distinguir os indivíduos pertencentes à mesma espécie.

Os acidentes não precisam de princípio próprio de individuação; individuam-nos as substâncias a que são inerentes.

Do que disse sobre a função da matéria na individuação resulta que, entre os seres imateriais, não pode haver senão um indivíduo em cada espécie. Os indivíduos imateriais não são só diversos; são diferentes. Voltarei a este assunto quando falar dos Anjos.