10. O número.

O acidente quantidade tem duas modalidades que interessa estudar aqui rapidamente. Uma é o número, outra a extensão. O número segundo a definição da Escolástica, é. uma coleção medida por uma unidade. Trata-se, como se vê, do número concreto, do numerado, não do numerante. Alguns tomistas chamam-lho número real; eu evito essa designação, porque é usada com sentido muito diferente pelos matemáticos, que a contrapõem, não ao número abstrato, mas ao número imaginário.

A unidade tem necessariamente de ser homogênea com os seres que constituem a coleção numerada. Por esse motivo, as coleções de seres heterogêneos não constituem números concretos; são o que se chama pluralidades Transcendentais. Uma pedra, um homem, um Anjo, e Deus, por exemplo, não são uma coleção que possa ser representada por um número concreto, porque não há unidade em que este se pudesse exprimir; não são sequer quatro seres, porque Deus não é ser, nem indivíduo, nem nada do que as nossas palavras podem significar no seu sentido próprio, como já disse e repito. Claro que fazendo corresponder à pedra, no nosso espírito, uma unidade abstrata, e outras ao homem, ao Anjo e a Deus, podemos contar essas unidades e obter o número quatro. Mas seria um número abstrato, que é ser de razão, enquanto que o número concreto tem existência real.

A definição escolástica do número tem sido muito mal compreendida pelos modernos, que censuram Aristóteles e os filósofos da Idade-Média por não terem sabido passar além do número inteiro. De fato, Aristóteles não era matemático, como o não eram os grandes escolásticos; mas a definição de número que adoptavam, embora se aplique primariamente ao número inteiro, não exclui, bem compreendida, as outras categorias de números, que se podem reconduzir a ela, seja como medidas da realidade, de coleções de partes existentes em ato ou em potência, seja simplesmente como seres de razão.

De entre as primeiras, o número fracionário não é mais do que um número inteiro de unidades mais pequenas. Concretamente, só pode existir como medida do contínuo; num tal meio, as partes não têm existência real, mas potencial. Pode-se, uma vez reconhecido que a extensão a medir não contém um número inteiro de vezes a unidade primeiramente escolhida, adoptar livremente outra submúltipla dessa, em que a extensão considerada se possa exprimir por um número inteiro. O número irracional, por sua vez, é medida duma extensão contínua que não tem nenhum submúltiplo comum com a unidade primitivamente adoptada; compara-se com a unidade pelo artifício das classes contíguas, séries de números fracionários, agrupados dois a dois, de maneira que os sucessivos pares abranjam sempre a grandeza a medir, e definam intervalos cada vez mais pequenos.

O número negativo mede uma privação, que é ser de razão, como já disse; não pode por isso deixar de ser ele também um ser de razão. É ser de razão com fundamento na realidade. O número imaginário é um ser de razão típico; assenta na unidade imaginária, criada por uma definição matemática, independentemente de qualquer base real.