2. Os princípios em filosofia.

A filosofia, como ciência que é, não pode fazer exceção. Funda-se em princípios. Mas o seu caráter próprio impõe aos seus princípios condições especiais.

Não pode contentar-se, para princípios, com simples definições, porque já vimos que deve ocupar-se de todas as coisas, dos seres reais como dos ideais. Não pode aceitar como primeiros os princípios empíricos, visto que tem, já o disse, de ir ao fundo das coisas, e eles pressupõem o valor da experiência; essa pressuposição é que tem de ser um dos primeiros princípios. Não pode, pelo mesmo motivo, adoptar princípios hipotéticos, que a experiência teria de confirmar. Os seus primeiros princípios tem de ser, em absoluto, primeiros. Têm de ser, simplesmente, os primeiros princípios da inteligência; gerais, válidos para tudo o que a inteligência abrange, sem outros limites do que os impostos pela nossa própria natureza. Têm de ser os princípios de toda a atividade racional, os princípios naturalmente evidentes. Todos os outros só podem valer como princípios particulares.

Mas, sendo assim, não podemos ter a pretensão de escolher os princípios da filosofia. Eles são anteriores aos raciocínios que fizéssemos para isso; hão-de ser aqueles em que sempre nos baseamos, embora inconscientemente, desde o primeiro dia em que pensamos. Têm de ser os princípios aplicados por todo o homem que pensa. Não podemos fazer mais do que refletir; procurar quais são os princípios em que de fato, nos apoiamos, no pensamento ativo, integrado na nossa ação vital; depois formulá-los, tornando explícito o que era implícito, e aplicá-los conscientemente em vez de espontaneamente. A bem dizer, portanto, a filosofia não tem princípios seus; funda-se nos princípios comuns a todas as ciências e a toda a atividade da inteligência.

Nunca, em nenhum momento, podemos dizer: a partir de agora, passo a aplicar princípios novos, os princípios da filosofia. Como haveríamos de justificar a mudança de princípios? Se ela se apoiasse nos princípios anteriormente aceitos, seriam esses os primeiros, e não os novos; se não se apoiasse neles, seria puramente arbitrária.

A filosofia formula os primeiros princípios da inteligência; reconhece que neles se funda todo o raciocínio válido; e serve-se deles, e só deles, como princípios gerais. Não os escolhe.

Os princípios da filosofia podem formular-se de maneiras bastante diferentes. Por conveniência de exposição, escolhi a que se segue.