16. A evolução do cartesianismo.

Como é diferente a história do cartesianismo! Malebranche, sucessor imediato de Descartes, e seu discípulo predileto, tirou as conseqüências lógicas da doutrina cartesiana da dualidade da alma e do corpo. Sobre o abismo cavado entre a alma-pensamento e o corpo-extensão, Descartes tinha deitado, como uma ponte, a sua teoria dos espíritos animais. Malebranche vê a impossibilidade da solução, e nega radicalmente que entre os dois haja qualquer coisa de comum; o que julgamos conhecer por intermédio do corpo, é em Deus que o conhecemos; o que julgamos ordenar ao corpo, é Deus quem, diretamente, faz com que seja cumprido. Berkeley vai mais longe, -sigo uma ordem lógica, que não coincide rigorosamente com a cronológica-; nega, pura e simplesmente, a existência dum corpo com o qual a nossa alma não tem qualquer relação; além de Deus, só há o espírito. O passo seguinte é dado por Spinoza; assim como, para Berkeley, os corpos são uma ilusão, produzida por Deus nas nossas almas, a distinção entre as almas e Deus é, para ele, uma ilusão também. Pensamento e extensão, o espírito e a matéria de Descartes, são atributos de Deus; só Deus existe como substância. É o panteísmo.

Finalmente, Hume vai ao extremo. Reduz o "penso, logo existo" de Descartes a um "penso, logo penso"; e, de fato, quem começa por negar todos os princípios não pode afirmar mais. Sabemos que pensamos; não podemos saber que existimos como substâncias, nem que existem outras substâncias, nem mesmo Deus. É o fenomenismo, última forma da filosofia de Descartes.

Mas se nos lembrarmos de que Descartes queria, com a sua filosofia, atingir a certeza matemática, e conhecer as leis da natureza com certeza tal que, mesmo que Deus tivesse criado outros mundos, elas não pudessem deixar de ser neles respeitadas, torna-se impressionante o contraste com a negação universal a que o seu sistema conduziu. De tudo quanto Descartes quis edificar, não ficou nada. A história da filosofia cartesiana é a da derrocada de toda a sua estrutura, provocada, não pelos adversários de Descartes, mas pelos seus continuadores.