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Os conceitos que uma vez informaram, em ato, a nossa inteligência,
ficam a existir nela como hábito. Temos a possibilidade e a
facilidade de repensar o que uma vez pensámos. A essa disposição do
nosso espírito chama-se a memória intelectual.
A memória intelectual é memória de idéias, que, como tal, não
têm lugar nem tempo. Ao que nos traz ao espírito falta por isso o
caráter de coisa passada, de, propriamente, recordação. É
evidente, por exemplo, que quem aprendeu a demonstração do teorema
de Pitágoras, e se lembra dessa demonstração, considera uma
verdade que tanto é de ontem como de hoje ou de amanhã. Para que
alguma coisa situe a sua recordação, é necessário fazer reviver as
circunstâncias do momento em que a demonstração foi aprendida: a
sala de aula, os condiscípulos, a cara e o tom de voz do professor.
Ora isso não pertence à memória intelectual; é com a memória.
sensível. Por isso, embora quando pensamos uma coisa pela segunda
vez tenhamos consciência de a termos já pensado, a memória sensível
é a única que tem, como nota específica, o recordar-nos o passado
como passado.
Como o raciocínio, a memória intelectual não dispensa as imagens.
Todas as vezes que a nossa inteligência considera uma noção, o
intelecto agente tem de a abstrair duma imagem sensível, que,
aliás, não precisa de ser sempre a mesma. A nossa vida
intelectual, como convém à nossa dupla qualidade de seres
intelectuais e materiais, realiza-se toda num plano duplo. No plano
superior, é movimento de idéias, pensamento, abstração; no plano
inferior, servindo de suporte à idéia, é movimento de imagens,
representação sensível. Os conceitos não são as imagens; são
essencialmente diferentes das imagens. Mas são, para as imagens, o
que a alma é para o corpo; e a nossa alma, enquanto unida ao corpo,
não pode pensá-los senão nas imagens, traduzindo as imagens à luz
do intelecto agente.
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