|
De toda a filosofia, a parte que menos interesse imediato pode ter é
precisamente a parte prática, a filosofia moral. A razão deste fato
paradoxal é simples. A filosofia, por definição, não pode
fundar-se nos dados revelados; a filosofia moral tem por isso de
ignorar fatos tão fundamentais como o pecado original, a Lei divina
positiva, a Redenção, a Graça, a visão de Deus face a face
prometida como fim e recompensa aos nossos esforços. Daí resulta
que, em todos os casos concretos, a nossa ação será ditada pela
moral revelada, pela moral cristã, que atende a estes factores
juntamente com os demais, e não pela moral filosófica; e, por isso
mesmo, que o interesse prático da moral filosófica é pouco mais do
que nulo. Essa moral só teria utilidade imediata no Mundo que Deus
podia ter criado, mas não quis criar, em que a Natureza não fosse
prolongada pela Graça.
Não é no entanto de desprezar, para um tomista, o estudo da
filosofia moral. Para S. Tomás, as linhas-mestras são as mesmas
na moral teológica e na moral filosófica; a diferença está só em
que uma atende a móis elementos do que a outra. Acrescente-se à
Natureza a Graça, que nos faz existir num plano novo, na ordem
sobrenatural; sobreponham-se às virtudes morais as virtudes infusas,
fundadas na caridade, que, fazendo-nos proceder como amigos
desinteressados de Deus, nos permite ver as coisas, não do nosso
ponto de vista humano, mas pelo lado de Deus; atenda-se à Lei
revelada, aceita pela fé, Lei que supre a fraqueza da nossa razão e
nos indica, com clareza e de modo acessível a todas as
inteligências, o caminho a seguir; dê-se ao homem a serenidade e a
força nascidas da esperança da visão intuitiva de Deus, que
ultrapassa tudo quanto possa desejar; e a moral filosófica de S.
Tomás transforma-se na sua moral teológica, sem se deformar, sem
se contradizer, como o homem da Natureza se transforma no cristão sem
se negar, antes afirmando mais a sua personalidade em todos os seus
aspectos positivos.
Por outro lado, só pelo estudo da moral natural, tal como S.
Tomás a compreende, podemos preparar-nos para abordar a moral
teológica na sua verdadeira luz, e libertar-nos do erro tão vulgar
que vê na lei moral um constrangimento exterior, uma violência feita
à natureza, em vez dum guia na realização da natureza, para os seus
próprios fins ou para os da Sobre-natureza que a coroa.
Julgo por isso indispensável concluir esta exposição do tomismo por
um estudo rápido da filosofia moral.
|
|