12. O movimento.

O ser material é mutável. Muda substancialmente nos acidentes; em especial, muda de lugar. Na linguagem metafísica, todas essas mudanças constituem movimentos; habitualmente, reserva-se o nome para o movimento local. Posso alar aqui do movimento em geral, porque tudo quanto se disser se aplica sem mais ao movimento local propriamente dito.

Em que consiste o movimento? Os escolásticos definem-no como o ato do ser em potência, considerado como em potência. O corpo que se move está a adquirir uma determinação, um ato, que lhe faltava; e, se o movimento não é instantâneo, está a adquiri-lo gradualmente. Se considerarmos o ser mutável como estando a adquirir essa determinação, que ainda não tem, que possui em potência, consideramo-lo naquilo que constitui a essência do movimento. Essa relação entre o estado momentâneo do corpo e aquele para que tende e que vai atingir passado um instante, é o próprio movimento. É o movimento porque, se recortarmos na evolução do corpo um instante para o considerarmos aparte, isoladamente, independentemente dos que o precederam e hão-de seguir, não pensamos no movimento, mas no repouso, como a fotografia instantânea dum corpo em movimento não nos dá uma imagem do movimento deste, mas uma imagem do objeto imobilizado numa das suas posições.

O corpo não pode ter, num dado momento, senão uma posição, um estado. A determinação para que está em potência, não pode simultaneamente tê-la em ato. A consideração do ato do corpo em potência, enquanto em potência, a consideração em conjunto dos dois estados, o que o corpo tem e o que há-de ter, não pode por isso existir senão no nosso espírito, que retém os fatos passados e prevê os futuros quando são necessários. Dai resulta que o movimento, como movimento, é ser de razão, e não ser real. O que tem existência real é o ser mutável nos seus sucessivos estados. A continuidade entre esses estados sucessivos, como que, projectados sobre um fundo comum, integrados num ser único, o movimento, é obra da inteligência, O movimento, em si mesmo, é um ser de razão, mas ser de razão com fundamento na realidade, no corpo móvel.