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O corpo humano é dotado de órgãos que nos dão conhecimento de
certas qualidades dos objetos materiais; são os órgãos dos
sentidos. As faculdades que por eles se exercem chamam-se os sentidos
externos. É costume distinguir cinco, que são, como todos sabem, o
tacto, o paladar, o olfato, o ouvido e a vista. Esta
classificação é rudimentar. O tacto, por exemplo, desdobra-se
nitidamente em dois sentidos distintos, um que nos dá conhecimento da
consistência dos corpos em que tocamos, o outro que nos transmite uma
impressão sobre a temperatura dos objetos relativamente à do nosso
corpo; são o tacto propriamente dito e o sentido térmico. Há ainda
um tacto interno, que nos informa, não dum objeto distinto de nós,
mas de certas disposições do nosso próprio corpo; da posição
relativa das diferentes partes (cinestesia), de algumas lesões ou
perturbações pela dor, etc. A própria vista parece ter também
duas modalidades; a visão das cores, localizada nos cones da retina,
e a das fracas intensidades luminosas, independentemente da cor,
assegurada pelos chamados bastonetes. O estudo dos sentidos, hoje
muito desenvolvido, é um ramo importante da psicologia experimental.
Para o efeito que procuramos, a classificação habitual é
suficiente, contanto que fique bem claro que não pretendemos com ela
esgotar a questão.
As qualidades de que os sentidos nos dão conhecimento imediato,
porque os sentidos, não o esqueçamos, não são intermediários
entre nós e o objeto, mas parte de nós mesmos, e o que eles
conhecem, somos nós que o conhecemos, chamam-se sensíveis
próprios. São a consistência dum corpo e a sua temperatura, o
cheiro de determinados gases ou partículas em suspensão na atmosfera,
o gosto dos alimentos, o som das vibrações do ar de freqüências
compreendidas entre um certo máximo e um certo mínimo que a acústica
determina, a luminosidade e a cor das radiações de comprimento de
onda situado entre certos limites. Precisões sobre o aspecto físico
destes assuntos não interessam diretamente à filosofia, como não
interessa o estudo do mínimo de excitação necessário para que a
sensação se dê, o chamado limiar da sensibilidade, nem o do
acréscimo indispensável para haver modificação da sensação. li.
a psicologia experimental que se ocupa dessas questões.
Há nos objetos qualidades, não sensíveis para nós, que podem ser
sensíveis para outros seres, por meio de órgãos apropriados. De
fato, parece que alguns animais são dotados de sentidos que nós não
temos. É possível até que haja no homem sentidos rudimentares,
desconhecidos ou mal conhecidos ainda, que se podem apurar em
circunstâncias favoráveis. Também estes pontos saem fora do âmbito
da filosofia. Se falei aqui deles, e dos anteriores, foi só para
que não se supusesse que o tomismo limita a cinco, exactamente e
necessariamente, o número das qualidades sensíveis. A filosofia
tomista tem outra largueza de visão; está aberta, Neste ponto como
nos outros, a todas as conquistas das ciências experimentais, a que,
seguindo o exemplo do Cardial Mercier, tantos tomistas se têm
dedicado com entusiasmo.
Seja como for, e quaisquer progressos que se venham a fazer nesta
especialidade, o que interessa à filosofia é o fato de certas
qualidades inerentes aos objetos se nos tornarem manifestas por
modificações dos órgãos dos sentidos, e passarem a existir em nós
intencionalmente, isto é, como coisa conhecida. A palavra
intencional vem do latim intendere, que pelos elementos de que é
formada significa tender para dentro, e é o étimo do português
entender. Designa, na escolástica, a maneira particular,
imaterial, por que o sujeito e o objeto se penetram e identificam, e
por que o segundo tem no primeiro existência, não física, mas
sensível ou intelectual.
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