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Que devemos atribuir a Deus a inteligência resulta imediatamente da
quinta via de S. Tomás. A ordem do Mundo, que exige um Deus
ordenador, exige, claro está, que ele seja inteligente.
Mas há outras razões que nos levam à mesma conclusão, e nos
esclarecem melhor sobre o que poderá significar essa palavra, aplicada
a Deus por analogia, como todas.
A inteligência é a faculdade do conhecimento intelectual, no qual o
espírito, assimilando a lei própria do objeto conhecido, a sua
forma, despida da matéria, se submete de certo modo a essa lei, se
rege por essa forma nos raciocínios a que procede a respeito do
objeto, e assim, tomando a sua forma, se identifica com ele na medida
em que o conhece.
Uma tal identificação com uma forma despojada da matéria, em que,
na realidade, existe, exige, evidentemente, um princípio imaterial
também. É isso, como adiante veremos, que nos leva a afirmar a
imaterialidade do espírito humano. Reciprocamente, a atividade
intelectual é o campo de ação próprio das faculdades ou dos seres
imateriais.
A Deus, portanto, sumamente imaterial, devemos atribuir a
inteligência em grau eminente.
Mas a inteligência não é em Deus uma faculdade, como em nós; a
sua simplicidade obriga-nos a identificá-la com a própria essência
divina.
O objeto da inteligência divina é o próprio Deus. Realmente; a
nossa inteligência está para o objeto que conhece na relação da
potência para o ato. É capaz de conhecer o objeto; é, em
potência, o objeto, visto que no conhecimento se identifica com ele.
Ora em Deus não há potência; é ato puro. Por isso, a sua
inteligência não pode ter um objeto distinto de si, perante o qual
faria o papel de potência. Tem-se a si mesmo por objeto. Deus é o
seu ato de intelecção; ou, como diz S. Tomás na Suma,
"conhece-se a si mesmo por si mesmo" [62].
O conhecimento que Deus tem de si mesmo é perfeito, visto que nele a
identidade entre a inteligência e o seu objeto não é só ideal e
transitória, mas real. Por outro lado, como as coisas dependem de
Deus por tudo quanto são, Deus conhece perfeitamente todas as coisas
conhecendo-se a si mesmo; conhece-as na sua vontade, que as faz
existir.
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