2. O conceito.

Todos os nossos raciocínios se compõem de partes elementares que são os conceitos. O conceito, também chamado noção, ou, mais impropriamente, idéia, é a simples expressão intelectual dum objeto. Representa, no nosso espírito, uma coisa real ou possível. Em rigor, o nome de idéia devia reservar-se para a noção duma coisa que pensamos realizar, e de que ela é, no nosso espírito, o exemplar.

Há a considerar em todas as noções dois aspectos distintos, a compreensão e a extensão. Fazem parte da compreensão as notas que caracterizam os objetos representados pela noção; assim, o conceito homem compreende as notas ser, corpóreo, vivo, sensível, racional. À extensão do conceito pertencem todos os indivíduos a que ele se estende ou pode estender; portanto, todos os homens à extensão da idéia de homem. Facilmente se vê que a extensão e a compreensão dum conceito crescem em razão inversa uma da outra. Realmente, se compararmos os dois conceitos de homem e animal, vemos que o primeiro é maior na sua compreensão, visto que inclui todas as notas que caracterizam o animal, e mais a de ser racional; mas, em compensação, é maior a extensão do segundo, por dela fazerem parte, além dos homens, todos os animais. No limite, reduzida a extensão a um só objeto, temos a noção representativa do indivíduo, de compreensão praticamente infinita, por incluir todas as notas que e particularizam; a ponto do conhecimento puramente intelectual do indivíduo exceder a capacidade duma inteligência finita como a nossa, motivo por que não podemos conhecer o individual senão por reflexão sobre o sensível.

Quanto à extensão, as idéias classificam-se em singulares, se há só um objeto que satisfaça ao exigido pela sua compreensão; particulares, se a sua extensão é restringida a alguns dos objetos que apresentam as notas que as caracterizam; coletivas, se se aplicam a todos esses objetos, considerados em grupo; universais, se se aplicam individualmente a cada um dos objetos do grupo. Assim, Sócrates, por exemplo, ou este homem, são conceitos singulares; algum homem, alguns homens, conceitos particulares; a humanidade é conceito coletivo; e o homem, noção universal.

Quanto à compreensão, as noções podem ser simples ou complexas, conforme só incluem notas relativas a uma essência, ou se compõem de notas pertencentes a essências diferentes. Homem, por exemplo, é uma noção simples; homem branco, uma noção complexa.

Considerando as idéias do ponto de vista das suas relações, podemos dizer que sito idênticas se têm igual compreensão, como, por exemplo, homem e animal racional. São correlativas se às notas duma correspondem, num sujeito distinto, as notas da outra; exemplos: pai e filho. Se vários conceitos se podem ordenar segundo o grau crescente ou decrescente em que apresentam determinada característica, dizem-se contrários os dois extremos opostos da série: branco e preto, por exemplo, visto que entre os dois se estende toda a gama dos cinzentos. Quando entre idéias opostas não há meio-termo, as idéias são contraditórias; é o caso, por exemplo, de possível e impossível, branco e não-branco.

Uma idéia não pode compôr-se de notas contraditórias. O absurdo não é pensável; o lógico subordina-se ao ontológico. Podemos pensar separadamente as notas contraditórias; podemos supor realizável a sua união; mas quando tentamos fazê-la, verificamos logo a sua impossibilidade. Expressões como círculo quadrado, por exemplo, não traduzem nenhuma idéia; são pseudo-idéias, nomes em que ninguém pode pensar, se compreende o que significam as palavras que os compõem.