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Podem surgir dúvidas quanto às relações do Mundo com a vontade
de Deus, ou antes, visto que em Deus não há composição de
faculdades, quanto ao aspecto das relações do Mundo com Deus que em
nós dependeria da vontade.
Disse agora mesmo que Deus é sempre causa, e nunca efeito. A
existência no Mundo da causalidade parece constituir uma objeção.
Se o efeito é devido à causa, ou Deus não quer o efeito, o que
levaria a dizer que Deus não é causa universal, ou é a causa quem
faz com que ele o queira. É esta a dificuldade, que aparece, de
forma semelhante, quando em vez da causalidade eficiente consideramos a
causalidade final.
A dificuldade tem de ser resolvida dando tudo a Deus, e a cada coisa
o que lhe é devido.
Devemos lembrar-nos de que Deus quer o conjunto das coisas: a
causa, o efeito, e a relação de causalidade que une os dois.
"Não quer", diz S. Tomás, "uma coisa por causa da outra;
quer que uma coisa seja por causa da outra [69]".
Quer que uma seja
causa da outra, e que a outra seja efeito dessa; mas nem uma nem outra
são causa da sua vontade.
A vontade de Deus, longe de ser um obstáculo à causalidade, é o
seu fundamento. Se há causas eficientes, é porque Deus lhes deu
eficiência; se há causas finais, é porque Deus traçou às coisas
a sua finalidade. Todas as relações entre causa e efeito fazem parte
do Mundo; não reagem sobre Deus. São tão reais como o Mundo;
mas têm, como o Mundo, um ser derivado, que tem em Deus o seu
princípio. Na segunda via, chegamos a Deus como fonte de
causalidade. Não podemos agora negá-lo pelo mesmo motivo porque
então o afirmamos.
Há portanto no Mundo verdadeiras causas, e não simplesmente causas
ocasionais, como queria Malebranche. Essas causas causam
verdadeiramente o seu efeito, de acordo com as leis da Natureza. A
ponto que a concepção tomista da Natureza, abstraindo da
possibilidade do milagre, que S. Tomás afirma e o ateu tem de
negar, se aproxima talvez muito da dos ateus. Podia ser de S.
Tomás a frase de Berthelot: "Nunca encontrei Deus no fundo dos meus
cadinhos". A razão é simples. Deus não é um reagente químico;
nem é um deus ex machina que se entretenha sem motivo a perturbar o
curso natural dos acontecimentos; S. Tomás recusa-se,
obstinadamente, a misturar Deus com a Natureza, como tantos têm
tendência a fazer. Simplesmente, subjacente à Natureza, imanente
a ela, transcendente a ela, está Deus, sem o qual ela não
existiria, porque não se justifica a si mesma, sem o qual não
existiria Berthelot, nem os seus cadinhos, nem as suas reações
químicas.
Tudo o que se passa no Mundo é regido pelas causas que constituem a
Natureza. Mas tudo isso é assim porque Deus o quer. E Deus quer
tudo isso no seu conjunto, e o conjunto unicamente como imagem da sua
perfeição e irradiação da sua plenitude.
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