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Os hábitos podem ter origens muito diversas.
Há hábitos naturais, isto é, tendências das nossas faculdades a
agir em determinada direção, existentes em todos nós pelo simples
fato de sermos homens. Serve de exemplo o conhecimento dos primeiros
princípios. Realmente, no espírito de todo o homem, há uma
predisposição a conhecer aplicar esses princípios ao primeiro
contacto com as coisas ais. É como que um embrião de ciência, que
existe em aos nós, não em ato, mas em hábito, desde o momento em
que nascemos.
Há outros hábitos que existem em nós desde que pasmos, mas que não
são comuns a todos os homens. Uns, mo certas taras, certas
propensões, certas particularidades inteligência ou caráter, são
hereditárias numa família numa raça. Outros são congênitos, e
devidos a causas acidentais; são taras, tendências e vocações
artísticas ou cientificas, que, desde a infância, se manifestam em
determinados indivíduos de maneira a não permitir dúvidas, e que,
nem sempre tão claramente, existem em todos nós, cada um no seu
campo.
Nada se opõe a que haja hábitos infusos, isto é, produzidos por
Deus, sobrenaturalmente, na nossa alma. A teologia diz-nos que é
o caso da Graça e do cortejo de virtudes e dons que a acompanham.
Mas ocupar-me desses hábitos é sair fora do campo da filosofia, de
que estou a tratar.
Os hábitos congênitos, naturais, hereditários ou acidentais,
podem afectar as faculdades da nossa vida vegetativa; assim acontece,
por exemplo, com as predisposições e tendências mórbidas ou
salutares, com os diversos temperamentos, etc. Podem afectar a
sensibilidade; há homens que são fortemente atraídos numa
direção, outros numa direção diferente. Tais hábitos são
esboços de virtudes ou vícios, que nascem conosco. Nas faculdades
intelectuais, os hábitos congênitos são em pequeno número. Além
do conhecimento dos primeiros princípios, de que já falámos, e que
é natural, há as aptidões especiais da nossa inteligência para
certos campos de aplicação.
Nenhum hábito congênito tem a vontade por sede. A inclinação para
o nosso fim natural não é um hábito, é da essência da vontade. H
esta, como faculdade que é, por natureza, das decisões livres pelas
quais podemos procurar esse fim, não pode, sem contradição, ser
sede de hábitos naturais que a orientem para fins diferentes.
Indiretamente, sofre a influência dos hábitos congênitos da
inteligência e da sensibilidade; mas, em si mesma, é livre. Só
ela pode originar hábitos que a afectem.
A grande maioria dos hábitos é adquirida, às vezes por ação
doutra pessoa, pais, educadores, mas em regra pela nossa própria
ação; pela repetição dum ato ou grupo de atos, ou, em casos
raros, por um só ato excepcionalmente intenso. O procedimento em que
insistimos torna-se-nos fácil e agradável. O exercício em que
praticamos deixa de ter obstáculos para nós. Pelo uso, criamos o
hábito. Pela continuação do uso, o hábito cresce, dum
crescimento que é intensivo, e, em alguns casos, extensivo também.
Sirva novamente de exemplo o caso da ciência. Pode crescer porque se
estende a um número maior de conhecimentos, a novos campos
relacionados com o primeiramente bordado; há então crescimento em
extensão. Mas pode também crescer pelo domínio que adquirimos sobre
ela, pelo treino cada vez maior com que ficamos; cresceu então em
intensidade. Há hábitos que, pela sua própria essência, porque
exigem, para existir, o equilíbrio de tudo aquilo a que se referem,
não podem crescer senão intensivamente. É o caso das virtudes,
que, como veremos, consistem num justo meio entre excessos opostos.
Assim como o uso desenvolve os hábitos adquiridos, a sua
não-aplicação fá-los diminuir e desaparecer. Destrói-os
também a aquisição de hábitos que os contrariem. Tanto num como
noutro caso, o decrescimento dos hábitos pode ser intensivo ou
extensivo, como a sua aquisição.
É pelos hábitos adquiridos que a inteligência, de passiva que era,
se torna activa, flexível e fecunda. É por eles que a vontade se
disciplina e tempera, criando o gosto, e mais do que o gosto, o
talento, das decisões acertadas, rápidas, eficazes; é por eles
ainda que dominamos a sensibilidade, tornando-a instrumento dócil das
resoluções da vontade, corrigindo as tendências más e desenvolvendo
as boas. Por outro lado, é pelos hábitos adquiridos, quando são
maus, que a inteligência perde a serenidade, e a vontade abdica do
seu primado sobre os apetites sensíveis. Não é por isso possível
exagerar a importância dos hábitos em psicologia.
Era necessário este estudo resumido dos hábitos para completar o
quadro da maneira por que a filosofia tomista encara o homem. Resta
agora estudar, mais pormenorizadamente, a relação, do ponto de
vista intelectual, entre o homem e o Universo, isto é, o processo
do conhecimento. Trataremos dele na próxima lição.
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