8. A causalidade e a vontade de Deus.

Podem surgir dúvidas quanto às relações do Mundo com a vontade de Deus, ou antes, visto que em Deus não há composição de faculdades, quanto ao aspecto das relações do Mundo com Deus que em nós dependeria da vontade.

Disse agora mesmo que Deus é sempre causa, e nunca efeito. A existência no Mundo da causalidade parece constituir uma objeção. Se o efeito é devido à causa, ou Deus não quer o efeito, o que levaria a dizer que Deus não é causa universal, ou é a causa quem faz com que ele o queira. É esta a dificuldade, que aparece, de forma semelhante, quando em vez da causalidade eficiente consideramos a causalidade final.

A dificuldade tem de ser resolvida dando tudo a Deus, e a cada coisa o que lhe é devido.

Devemos lembrar-nos de que Deus quer o conjunto das coisas: a causa, o efeito, e a relação de causalidade que une os dois. "Não quer", diz S. Tomás, "uma coisa por causa da outra; quer que uma coisa seja por causa da outra [69]". Quer que uma seja causa da outra, e que a outra seja efeito dessa; mas nem uma nem outra são causa da sua vontade.

A vontade de Deus, longe de ser um obstáculo à causalidade, é o seu fundamento. Se há causas eficientes, é porque Deus lhes deu eficiência; se há causas finais, é porque Deus traçou às coisas a sua finalidade. Todas as relações entre causa e efeito fazem parte do Mundo; não reagem sobre Deus. São tão reais como o Mundo; mas têm, como o Mundo, um ser derivado, que tem em Deus o seu princípio. Na segunda via, chegamos a Deus como fonte de causalidade. Não podemos agora negá-lo pelo mesmo motivo porque então o afirmamos.

Há portanto no Mundo verdadeiras causas, e não simplesmente causas ocasionais, como queria Malebranche. Essas causas causam verdadeiramente o seu efeito, de acordo com as leis da Natureza. A ponto que a concepção tomista da Natureza, abstraindo da possibilidade do milagre, que S. Tomás afirma e o ateu tem de negar, se aproxima talvez muito da dos ateus. Podia ser de S. Tomás a frase de Berthelot: "Nunca encontrei Deus no fundo dos meus cadinhos". A razão é simples. Deus não é um reagente químico; nem é um deus ex machina que se entretenha sem motivo a perturbar o curso natural dos acontecimentos; S. Tomás recusa-se, obstinadamente, a misturar Deus com a Natureza, como tantos têm tendência a fazer. Simplesmente, subjacente à Natureza, imanente a ela, transcendente a ela, está Deus, sem o qual ela não existiria, porque não se justifica a si mesma, sem o qual não existiria Berthelot, nem os seus cadinhos, nem as suas reações químicas.

Tudo o que se passa no Mundo é regido pelas causas que constituem a Natureza. Mas tudo isso é assim porque Deus o quer. E Deus quer tudo isso no seu conjunto, e o conjunto unicamente como imagem da sua perfeição e irradiação da sua plenitude.