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O fim da filosofia, como disse, é aumentar o nosso conhecimento do
Universo. É preciso ver de que espécie de conhecimento se trata.
O conhecimento filosófico é extensivo, nos campos de que não se
ocupa nenhuma ciência especial. Aí, os fatos são acessíveis só
aos meios mais gerais de observação, e o raciocínio relaciona-os
com os princípios mais universais; por isso, pertencem à filosofia,
e exclusivamente, visto que nenhuma outra ciência os estuda. É, no
entanto, uma situação transitória. O progresso traz consigo o
aparecimento de processos novos de observação; pouco a pouco,
criam-se métodos de trabalho, que permitem a constituição duma
ciência particular, capaz de abordar esses fatos; e o que foi, uma
vez, capítulo da filosofia, torna-se ciência autónoma, com
princípios e métodos seus. Tem acontecido assim com inúmeras
ciências, hoje bem constituídas, e distintas da filosofia. Vemos,
por exemplo, que muitos fenómenos de psicologia, que até há pouco
tempo só podiam conhecer-se pela observação interna, por meio da
qual cada um tem consciência das suas próprias sensações, são hoje
estudados experimentalmente, com auxílio de aparelhagem especial, que
permite determinar as condições indispensáveis para que a sensação
se dê, medir o mínimo necessário para que um agente natural produza
efeito sensível, e estabelecer qual a variação do agente que causa
alteração apreciável da sensação. Esses fenômenos são hoje
objeto da psicologia experimental; como certos fatos da vida das
sociedades, acessíveis à estatística, e ainda há pouco estudados
só na filosofia, são objeto duma ciência nova, a sociologia.
Mas quando assim se constitui uma nova ciência, os fatos de que se
ocupa não deixam de pertencer à filosofia. Porque o conhecimento
desta é extensivo, sim, em certos campos; mas é, principalmente,
compreensivo. Não se limita a conhecer os fatos; procura
compreendê-los, isto é, ordená-los, sistematizá-los,
relacioná-los, encontrando nuns a causa dos outros, reduzindo o
particular ao geral, o secundário ao principal, as consequências ao
princípio comum. E assim, é seu também todo o campo das ciências
particulares. Por exemplo, a psicologia experimental relaciona as
sensações com os valores medidos dos agentes que as produzem; a
filosofia estuda o que é uma sensação, e o papel que desempenha no
processo do conhecimento. A sociologia ocupa-se do que se faz, em
média, nas sociedades humanas; a filosofia, na moral social,
determina quais os deveres de cada homem dentro da sociedade a que
pertence, qual a origem desses deveres, etc.
Isto que digo não se refere só às ciências que tratam do que em
tempos foi pertença exclusiva da filosofia; é verdade de todas,
mesmo das que são, por assim dizer, tão antigas como ela. Veja-se
a matemática, por exemplo. Trata de seres ideais, que resultam de
definições próprias à matemática. Mas raciocina sobre eles; e os
seus raciocínios têm de estar de acordo com as leis de todo o
raciocínio, que a filosofia estuda na lógica.
Todo o campo das ciências, portanto, é do domínio da filosofia.
Não há nenhum fato, nenhuma idéia, que não possa ser encarado
filosóficamente; sem que, com isso, a filosofia se substitua
indevidamente às outras ciências. A filosofia só procura a
relação de cada fato com os princípios e as leis mais gerais; as
ciências particulares estudam os fatos sob um aspecto próprio a cada
uma, e em relação a princípios seus.
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