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Quando chega o momento de agir, é difícil escolher o procedimento
mais conforme com a lei natural, para mais se nos lembrarmos de que,
nos assuntos que o tocam diretamente, o homem tem sempre a recear erros
de perspectiva, devidos à importância exagerada dada ao que lhe
interessa. Há por isso toda a vantagem em que os diferentes casos
sejam estudados de antemão por pessoas competentes e desinteressadas,
e determinada a conduta a adoptar neles por cada um.
Há também muitas coisas, na vida das sociedades, em que é
necessário que todos procedam segundo a mesma norma, havendo no
entanto várias normas igualmente possíveis entre as quais escolher.
Há vários critérios admissíveis; mas, de entre eles, é preciso
escolher um, adotá-lo com exclusão dos outros. É o caso, por
exemplo, da circulação nas estradas. Pode fazer-se,
indiferentemente, pela esquerda ou pela direita; mas é indispensável
que todos circulem pelo mesmo lado, e, para isso, que se fixe um
critério que todos tenham de respeitar.
Por estes dois motivos, é indispensável na sociedade uma lei
explícita, e não implícita como a lei natural; uma lei humana
positiva, mais necessária ainda porque só ela pode servir de base
sólida para uma ação coerciva sobre os que procedem contra o bem da
sociedade ou dos outros homens. Essa lei é a lei civil, que se funda
na lei natural, e é, como disse, em parte explicitação das suas
prescrições, em parte determinação do que ela deixa indeterminado.
A lei civil deve promover o bem comum. Deve assegurar a ordem,
estabelecer a concordância entre os esforços de todos, e criar um
ambiente favorável para que cada um exerça a sua atividade em vista do
seu fim último. É este o papel que lhe cabe por natureza; não deve
desviar-se dele, sob pena de contrariar a lei natural em que se
funda. Em particular, não deve procurar o bem duma classe ou dum
grupo em detrimento dos outros; pode diferenciar os grupos, mas sempre
em vista do bem de todos, e na medida em que esse bem o exige. Não
deve, também, orientar a sociedade para um fim incompatível com o
que a Natureza lhe traçou: auxiliar os que a compõem na obtenção
do seu fim último. Não deve esquecer que, assim como a ação dum
indivíduo não pode privar os outros do bem que por natureza lhes
compete, nenhuma sociedade pode desprezar os direitos das outras, e
proceder como se fosse a única. Assim, os Estados não devem
hostilizar as sociedades que, como a família, embora lhes estejam
subordinadas, se fundam diretamente na ordem natural. Pelo mesmo
motivo, devem respeitar os direitos dos outros Estados. Entre os
indivíduos, a sociedade, pela lei civil, estabelece claramente as
normas a observar; entre os Estados, por não haver, até hoje,
nenhuma sociedade que os englobe a todos, não há autoridade que
formule uma lei positiva; mas as relações entre eles devem ser
reguladas pela lei natural, que toma Neste caso o nome de direito das
gentes.
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