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O ser material é mutável. Muda substancialmente nos acidentes; em
especial, muda de lugar. Na linguagem metafísica, todas essas
mudanças constituem movimentos; habitualmente, reserva-se o nome
para o movimento local. Posso alar aqui do movimento em geral, porque
tudo quanto se disser se aplica sem mais ao movimento local propriamente
dito.
Em que consiste o movimento? Os escolásticos definem-no como o ato
do ser em potência, considerado como em potência. O corpo que se
move está a adquirir uma determinação, um ato, que lhe faltava;
e, se o movimento não é instantâneo, está a adquiri-lo
gradualmente. Se considerarmos o ser mutável como estando a adquirir
essa determinação, que ainda não tem, que possui em potência,
consideramo-lo naquilo que constitui a essência do movimento. Essa
relação entre o estado momentâneo do corpo e aquele para que tende e
que vai atingir passado um instante, é o próprio movimento. É o
movimento porque, se recortarmos na evolução do corpo um instante
para o considerarmos aparte, isoladamente, independentemente dos que o
precederam e hão-de seguir, não pensamos no movimento, mas no
repouso, como a fotografia instantânea dum corpo em movimento não nos
dá uma imagem do movimento deste, mas uma imagem do objeto imobilizado
numa das suas posições.
O corpo não pode ter, num dado momento, senão uma posição, um
estado. A determinação para que está em potência, não pode
simultaneamente tê-la em ato. A consideração do ato do corpo em
potência, enquanto em potência, a consideração em conjunto dos
dois estados, o que o corpo tem e o que há-de ter, não pode por
isso existir senão no nosso espírito, que retém os fatos passados e
prevê os futuros quando são necessários. Dai resulta que o
movimento, como movimento, é ser de razão, e não ser real. O que
tem existência real é o ser mutável nos seus sucessivos estados. A
continuidade entre esses estados sucessivos, como que, projectados
sobre um fundo comum, integrados num ser único, o movimento, é obra
da inteligência, O movimento, em si mesmo, é um ser de razão,
mas ser de razão com fundamento na realidade, no corpo móvel.
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