5. Os universais.

Vejamos agora a aplicação à ordem lógica da teoria da potência e do ato. Pelos caracteres comuns que apresentam, verifica-se que os seres formam diversos agrupamentos, determinados cada um pela existência dum certo número de características. Desses agrupamentos, os mais particularizados, isto é, os que compreendem todos os seres cuja essência é idêntica, e só esses, são o que em metafísica se chamam espécies; os homens, por exemplo, constituem uma espécie. Os outros são gêneros, próximos (os mais particulares), ou remotos (os mais gerais). Não confundir estas noções com os gêneros e espécies biológicas, embora, como é óbvio, haja analogia entre o significado com que os termos são tomados na biologia e na metafísica; os gêneros e espécies biológicas são simples escalões, fixados de forma mais ou menos arbitrária, das classificações adotadas.

Na noção dum gênero existem em potência, logicamente, as de todas as espécies que pode compreender. Como elemento determinador, há a diferença especifica, isto é, a característica que distingue uma espécie de todas as outras do mesmo gênero. O mesmo acontece com os gêneros mais próximos em relação aos mais remotos; as diferenças são então genéricas.

Conhecemos um ser, na medida em que somos capazes de o conhecer, quando sabemos a espécie a que pertence, e podemos dar a sua definição essencial, isto é, a indicação do gênero próximo em que se filia (e, sucessivamente, dos mais remotos), e da diferença específica que a particulariza. Assim, sabemos, por exemplo, que o homem é um animal racional. Pertence ao gênero animal, por ser vivo e dotado de sensibilidade; e distingue-se dos outros animais por ser capaz de raciocinar. Mas, da maior parte dos seres materiais, não sabemos dar uma definição essencial como esta; temos de nos contentar com a definição descritiva, simples enumeração dos seus caracteres extrínsecos. E até, em muitos casos, é difícil, senão impossível, determinar com precisão onde está a espécie, distinguindo-a dos gêneros por um lado, das simples variedades por outro.

Note-se que, mesmo conhecida a definição essencial dum ser, não temos dele conhecimento exaustivo. A riqueza do ser excede a nossa capacidade. Não conhecemos as coisas senão de fora para dentro; falta-nos o seu conhecimento íntimo, total. Sabemos que um objeto pertence a uma certa espécie ou a um certo gênero pelos caracteres que possui; sabemos, por exemplo, que é material, vivo, sensível. Mas não conhecemos a espécie diretamente, pela intuição da essência; só a conhecemos pela qüididade que a exprime. Assim, definimos o homem como animal racional. Mas quem poderá afirmar que era impossível a existência de outros animais racionais, diferentes do homem? E, se os houvesse, como distingui-los do homem, essencialmente? Por outro lado, se um animal racional tem, necessariamente, de apresentar os caracteres da espécie humana, quem poderá dizer porquê? O exemplo mostra que o nosso conhecimento, mesmo quando atinge a essência de um ser, não a atinge na sua plenitude. É progressivo, e por isso imperfeito; é analítico por natureza, e a suprema síntese fica-lhe inacessível.

Mas o fato de não conseguirmos tudo não deve fazer-nos esquecer que conseguimos alguma coisa. O nosso conhecimento é incompleto: não deixa por isso de ser verdadeiro, quando é acompanhado da consciência da sua imperfeição. Se não nos enganamos ao interpretar a experiência, a coisa em que pensamos apresenta, realmente, as notas por causa das quais a incluímos numa dada espécie e num dado gênero. É quanto basta para sabermos alguma coisa do que ela é, do que é realmente, e não só do que é no nosso espírito.

Gêneros e espécies são os chamados universais. Já atrás apontei a solução tomista da questão da sua existência real. Cada espécie, cada gênero, caracteriza-se por um certo conjunto de notas ou particularidades. Esse conjunto existe realmente, em todos os indivíduos que pertencem à espécie ou ao gênero considerado. Mas não existe isoladamente; existe associado a outras notas, essenciais ou acidentais. No mundo real, portanto, os universais não existem na sua universalidade, como na inteligência, mas realizados, concretamente, nos indivíduos.