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Devemos então cair no agnosticismo, e supor que não podemos ter de
Deus nenhum conhecimento verdadeiro?
De forma nenhuma. Não podemos conhecer nada da essência divina, a
não ser por revelação do próprio Deus. Não podemos conhecê-lo
tal como é, em si mesmo. Mas podemos ter dele um certo conhecimento
exterior, que não parte da sua essência, mas das criaturas;
conhecimento inadequado, muito imperfeito em face da realidade, mas
ainda assim mais valioso, sem comparação, do que o conhecimento
relativamente muito mais perfeito que podemos ter de qualquer outro
objeto. E há, para chegar a esse conhecimento, dois meios: estudar
os diversos aspectos da dependência das criaturas para com Deus;
negar de Deus todas as imperfeições que tornam as criaturas
necessariamente dependentes.
O segundo processo dá-nos de Deus um conhecimento puramente
negativo, mas verdadeiro: "De Deus", diz S. Tomás, "não
podemos saber o que é, mas o que não é [54]".
Para provar a
existência de Deus, partimos do movimento das coisas, da sua
existência dependente de causas, da composição do seu ser, da sua
perfeição limitada, da sua integração numa ordem que as excede.
Devemos portanto negar de Deus qualquer mudança, qualquer
dependência, qualquer composição, qualquer limite, qualquer
subordinação. Vamos negar de Deus tudo o que o impediria de ser
Primeiro nos vários caminhos por que abordámos a sua existência. E
assim poderemos falar da simplicidade de Deus, da sua eternidade, da
sua liberdade, etc.
O primeiro processo permite-nos falar de Deus afirmativamente.
Consiste em afirmar de Deus, em grau eminente, todas as perfeições
que as criaturas recebem dele; e em afirmá-las sem as limitações que
caracterizam as criaturas, que contornam a porção de ser que cabe a
cada uma. Atribuímos essas perfeições a Deus em grau eminente,
não o esqueçamos. Dizemos que ele é bom, verdadeiro,
misericordioso, justo, feliz, para significar que é a fonte de toda
a bondade, o que é bem a maneira mais eminente de ser bom, que é a
origem da verdade, da misericórdia, da justiça, da felicidade.
Chegámos a Deus como Primeira Causa; mas o qualificativo
"primeira", muda o sentido da palavra. Como disse logo ao falar da
primeira via, Deus não é só a primeira de entre todas as causas;
é Primeira Causa em absoluto, Causa transcendente, menos causa do
que fonte de causalidade. Da mesma maneira, o Motor imóvel é fonte
de toda a atividade; o Ser Necessário é foco de existência, não
ser, mas Super-ser. Ficamos sempre sem compreender a eminência que
tudo isto tem em Deus. Não atingimos a essência divina. Deus
fica, para nós, a nascente inexplorada dum rio que conhecemos.
Os dois processos, como se vê, estão na dependência estreita das
provas que demos da existência de Deus. São o prolongamento, até
às suas últimas conseqüências, dos raciocínios que constituem
essas provas; o que justifica a expressão tantas vezes repetida de
Sertillanges de que a teodicéia não é mais do que uma longa prova da
existência de Deus [55].
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