5. A lei natural.

Não só o fim de cada ser é o que mais convém à sua natureza, mas a forma que toma a tendência para esse fim é a mais apropriada à maneira de ser de cada um. No homem, essa tendência não é particular como no animal, governado pelo instinto em cada caso concreto. Ê geral, é tendência de conjunto para o fim último, a atingir por caminhos que compete à inteligência estudar e traçar. Assim, devemos, pela razão, procurar na nossa natureza a regra do nosso procedimento. Temos para isso todos os elementos necessários.

No raciocínio teórico, a Natureza fornece-nos os primeiros princípios do conhecimento. Aqui, no raciocínio de ordem prática que há-de guiar a nossa ação, a Natureza dita-nos também, pela consciência, o primeiro princípio moral: Deve-se fazer o bem. Este principio é equivalente ao primeiro principio da metafísica, o de identidade. Funda-se no ser, como ele. Simplesmente, encara o ser no seu aspecto de fim, de objeto desejável, que é, como já vimos, o do bem transcendental. Baseada Neste principio, fica a cargo da razão, guiada pela observação da nossa natureza, o determinar qual o bem parcial a procurar em cada ato concreto.

A lei de procedimento que resulta da investigação dos fins particulares a que a Natureza ordenou cada uma das nossas faculdades é a lei natural. No seu estudo, não deve esquecer-se que a Natureza é a mesma em todos os homens e por isso que a regra deve ser tal que a ação dum homem não possa, a não ser por acidente, impedir que os outros homens atinjam o seu fim. A lei natural deve considerar os homens em sociedade. É a própria Natureza quem não nos permite viver isolados, e torna a atividade de cada um dependente da dos outros; a lei natural deve tomar o homem no estado social em que a Natureza o colocou.

Nos seus fundamentos, a lei natural é tão imutável como a natureza humana; mas nos seus ditames mais especializados é variável com as condições das diversas sociedades. Não vale a pena alongar-me aqui sobre as suas prescrições essências. Todos as conhecem; porque o Decálogo, a Lei dos Dez Mandamentos, é um resumo dela em poucas palavras: Amar a Deus sobre todas as coisas, não matar, não roubar, não desviar dos seus fins naturais as faculdades ordenadas para a transmissão da vida [109], etc. Não deve surpreender-nos que a lei natural chegue ao nosso conhecimento por Revelação. Deus, assim como nos revelou muitas verdades acessíveis à razão, a sua própria existência e a imortalidade da alma, por exemplo, para valer à fraqueza da maior parte, quis também, e pelo mesmo motivo, promulgar por Revelação a lei natural. Os Mandamentos, com exceção do terceiro, que estabelece o descanso do Sábado, não ordenam nada que um filósofo não pudesse concluir do estudo da natureza humana.

Como se vê, a moral não encara a atividade do homem como a dum escravo, submetido a uma lei arbitrária imposta pelo seu senhor. Se podemos dizer, com toda a verdade, que a nossa lei é ditada por Deus, devemos entender por isso que Deus nos deu a nossa natureza, e nela, no que a constitui, no que a caracteriza, nos traçou a nossa regra de ação

Realizarmo-nos a nós próprios, atingirmos o fim para que fomos feitos.