4. A imaginação.

As imagens formadas no senso comum deixam vestígios em nós. Temos um tesouro de imagens, com os seus caracteres individualizantes, que, para a sua conservação, exige uma faculdade especial, a imaginação. Também se lhe chama fantasia, que é a palavra correspondente derivada do grego; os escolásticos, por isso, davam à imagem o nome de fantasma.

A imaginação não conserva só imagens completas. Conserva também farrapos de imagens, impressões sensíveis de qualquer proveniência: visuais, auditivas, tácteis, etc. Conforme os indivíduos, parece ter preferência pelas impressões de determinados sentidos. Há, assim, pessoas que com mais facilidade reconstroem o que ouviram, outras o que viram. De qualquer forma, embora a imagem visual seja em geral preponderante, não é a única; é portanto um erro, quando se fala da imagem, pensar sempre numa imagem visual.

A conservação das imagens é inconsciente. Não temos consciência de que conservamos em nós uma impressão senão quando chega o momento de a recordar. Em linguagem tomista, diremos que as imagens não existem em nós em ato, mas em hábito. De resto, a conservação não é perfeita. Com o tempo, as imagens esfumam-se, diluem-se; ou, pelo contrário, ganham uma aparência de precisão pela aglutinação de elementos de proveniência estranha. A educação facilita a conservação de determinadas imagens; fixamos bem as que se relacionam com os assuntos que nos são familiares. A atenção que voluntariamente lhes prestamos, ou que elas despertam em nós, também facilita a sua fixação; assim, nunca mais esquecemos as coisas que nos impressionaram vivamente.

As imagens parecem imbricar-se umas nas outras; formar um verdadeiro tecido em que se dispõem segundo as suas afinidades. Não se trata, na imaginação, dum arquivo, mas duma faculdade viva; isso, como é natural, revela-se na sua maneira de operar. Observe-se que retemos, na imaginação, muito mais do que habitualmente supomos. Circunstâncias anormais fazem renascer, de forma vívida, impressões de que não supúnhamos ter conservado a recordação.

Na conservação das imagens, o papel da imaginação é passivo. Mas esta faculdade tem também um papel activo, o de criar novas imagens com os elementos das já existentes. Chamam os modernos a isso a imaginação criadora. Guiada pela inteligência, a imaginação associa entre si as imagens já conhecidas ou as suas partes constituintes para originar outras novas. Assim, o arquitecto imagina, como que vê, a casa que vai construir, e que no entanto não é igual a nenhuma que já tenha visto. Da mesma maneira, o escultor vê a sua estátua, e o músico ouve, antecipadamente, a sinfonia que compôs. Às vezes, espontaneamente, no sonho, nas alucinações, ou simplesmente quando divaga porque não lhe prestamos atenção, a imaginação trabalha dessa maneira, a cria quimeras, imagens fantásticas de seres impossíveis. Mas mesmo então, nunca excede aquilo de que encontra os elementos nas imagens recebidas pelos sentidos. Não passa Ia combinação de imagens. Prova-o a impossibilidade em jus estamos de imaginar qualquer coisa fundamentalmente diferente das que temos visto, e, em particular, o fato de aos indivíduos privados dum sentido faltarem todas as imagens que com ele se relacionam, a um cego de nascença, por exemplo, a imaginação das cores.

Por sobreposição das imagens de coisas semelhantes, a imaginação obtém imagens vagas, imprecisas, por assim dizer, imagens médias daquelas de que são formadas. É uma imagem dessas, em que o acessório se apaga, que a imaginação evoca quando a inteligência pensa num grupo de coisas, para representar o tipo, digamos o tipo neutro, dos seres que o compõem. Mas não pode haver uma imagem que apresente só os caracteres genéricos dum dado grupo. A imagem pode, pela flutuação dos seus contornos, evitar pôr em relevo o que é inevitavelmente individual. Mas se a fixarmos com atenção, vemos que, no que é acidental, ela em de ser duma maneira ou doutra; se precisarmos, por exemplo, a imagem do ângulo que a imaginação nos sugere, teremos sempre um ângulo reto, ou agudo, ou obtuso, nunca, pura e simplesmente, um ângulo, como aquele que a inteligência considera. A origem das imagens é o indivíduo concreto, conhecido pelos sentidos; e imaginação, por isso, pode desfocar o individual, não pode evitá-lo.

A imaginação é um auxiliar precioso e indispensável da inteligência. Mas pode tornar-se numa fonte de dificuldades e erros para quem confunda imaginar e compreender. Como agora mesmo disse, não podemos imaginar nada que difira essencialmente do que os sentidos nos deram a conhecer; não podemos, por exemplo, formar imagens da bondade, da matemática, da inteligência, dum Anjo. O esforço gasto em procurar uma imagem adequada de coisas como essas é perdido para o pensamento. A incapacidade de a encontrar não deve convencer-nos de que a nossa inteligência não pode abordar esses assuntos; como veremos adiante, a razão contenta-se com o auxilio de imagens puramente representativas, simbólicas. É o que parecem esquecer alguns modernos, que mal distinguem as funções da imaginação e da inteligência.