7. O argumento ontológico.

Fica assim provada a existência de Deus, a partir das propriedades fundamentais do ser, e de fatos de que os sentidos nos dão conhecimento indubitável: a existência dos seres, a sua evolução, a sua desigual perfeição, a ordem em que se integram, a sua contingência; e se é verdade, como diz Descartes, que uma só prova basta, se for boa [49], é certo também que só há vantagem em analisar essa prova, e aplicá-la nas diversas modalidades que comporta.

A prova é a posteriori. Logo de entrada vimos que não podia deixar de o ser. No entanto, S. Anselmo julgou poder dar da existência de Deus uma prova a priori, em que, de resto, não fazia mais do que tornar explícita uma tendência latente, desde sempre, na escola platônica. E o argumento de S. Anselmo, mais ou menos "colorido", segundo a expressão de Scot [50], foi retomada por muitos filósofos depois dele: S. Boaventura, Duns Scot, Descartes, e, até certo ponto, Leibniz. Kant denunciou-o como sofisma. Mas já S. Tomás, muitos séculos antes, o tinha condenado em termos decisivos.

O argumento de S. Anselmo, também chamado argumento ontológico, reduz-se afinal ao seguinte: Deus é, por essência, um ser infinitamente perfeito. Ora a existência é uma perfeição. Está portanto incluída na essência divina, e é contraditório supor que não existe um ser cuja essência implica a existência.

S. Tomás combate o argumento ontológico antes mesmo de estudar a demonstrabilidade da existência de Deus. Encontra nesse argumento dois defeitos. O primeiro, secundário, é o de nada valer contra quem não entenda, pela palavra Deus, um ser infinitamente perfeito. O segundo é essencial; o de haver nele uma passagem ilegítima da ordem lógica para a ordem real. Quando pensarmos num ser perfeito, temos de fato de o pensar existente. Mas nós não conhecemos a essência de Deus tal como ela é na realidade, independentemente do nosso pensamento; sem uma base exterior à nossa inteligência, tomada no mundo real, não podemos portanto concluir nada a respeito da sua existência. A única coisa que é contraditória é supor um ser perfeito existente em potência. Um tal ser, se existe, existe necessariamente. A sua existência é evidente em si; mas não é evidente para nós, que, ao pensarmos numa essência perfeita, não podemos ter a certeza de não estarmos a arquitetar uma quimera.

A contrapartida tomista ao argumento de S. Anselmo é a terceira via. Aí, a base real é a existência das coisas contingentes, que conhecemos pelos sentidos. Dela se conclui que o Ser existente por essência não é uma quimera, mas uma realidade indispensável à existência de todas as outras. A prova tomista "pelo contingente e pelo necessário [51]" é a posteriori como as restantes.

A posição de S. Tomás nesta questão é clara e firme, mas não deixa de ser delicada. O compreendê-la bem é pedra de toque duma boa compreensão de toda a estrutura da metafisica tomista.