12. Moralidade e liberdade.

A moralidade refere-se aos atos humanos; e só são especificamente humanos aqueles em que a inteligência e a vontade têm papel activo. Desses atos, nenhum, talvez, é indiferente do ponto de vista moral; até os que, em si mesmos, são indiferentes, rir, dar um passeio, têm sempre algum aspecto secundário que os torna morais ou imorais. Por exemplo: dar um passeio para fazer exercício e distrair o espírito, e ganhar assim vigor para o trabalho a executar, é moralmente bom. Dar um passeio quando o dever nos chama a outra parte é, evidentemente, mau, pelo lado moral.

Pelo contrário, os atos involuntários não são susceptíveis de moralidade. As ações que praticamos durante o sôno, por exemplo, ou no delírio, numa alucinação ou num ataque de loucura, não são da nossa responsabilidade; não podemos, por elas, merecer nem desmerecer, por graves que sejam as suas conseqüências.

Quando são as paixões que impedem o exercício da vontade, há que distinguir dois casos. Se uma paixão súbita, provocada por uma causa exterior imprevisível e inevitável, paralisa a vontade, a responsabilidade moral é diminuída na mesma proporção que a atividade desta. Se, pelo contrário, foi a vontade que provocou o movimento da paixão, ou não empregou os meios de que dispunha para o evitar, a responsabilidade dos atos que a paixão provocar é nossa, senão diretamente, pelo menos nas suas causas. Em particular, somos responsáveis pelas faltas em que caímos porque não evitámos a ocasião, podendo fazê-lo, ou porque, enquanto era tempo, não educámos as paixões e domámos a sua violência por um esforço continuado da vontade.

Note-se que o que digo se aplica tanto à responsabilidade do bem como à do mal. Se fazemos o bem por influência duma paixão boa que se substitui à vontade, não temos nisso merecimento; mas se é a vontade que educa a paixão boa, para nos dar a energia que sabe ser necessária, o ato bom é da nossa responsabilidade, e há mérito nele.