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A lógica material, como já disse, não se ocupa da conformidade das
conclusões com as premissas, como a lógica formal, mas da sua
veracidade. Como fiz notar, um raciocínio perfeitamente regular pode
conduzir a conclusões erradas, se as premissas em que assenta não
forem verdadeiras.
Antes de estudar a veracidade dos nossos pensamentos, é preciso saber
o que se entende pela verdade. Quando tratamos dos transcendentais,
vimos que a verdade ontológica é a capacidade que as coisas têm de
serem conhecidas tais como são, e, em particular, a sua conformidade
com a ciência criadora de Deus. Aqui, trata-se da verdade do nosso
conhecimento, da verdade lógica. Podemos defini-Ia como a
conformidade do nosso pensamento com a realidade.
Não devemos entender por isso que as coisas existem no nosso espírito
da mesma maneira por que existem na realidade. Já vimos que, pelo
processo de abstração, a forma do objeto que conhecemos adquire, na
nossa inteligência, uma modalidade de existência completamente
diferente da que tem na realidade. No objeto é concreta,
individual; na inteligência é universal, abstrata. A verdade do
nosso conhecimento tem portanto outro significado. Consiste,
simplesmente, em não atribuirmos ao objeto nenhuma nota que não lhe
pertença na realidade. É um caso de analogia. A relação que o
nosso espírito estabelece entre dois conceitos deve ser idêntica a uma
relação existente de fato entre os dois objetos que eles representam,
para que o nosso conhecimento seja verdadeiro. Não é necessário que
conheçamos todas as relações entre os dois objetos, e muito menos
todas as relações de que um deles pode ser termo; para ser
verdadeiro, o conhecimento não precisa de ser exaustivo; basta que a
nota que afirmamos pertencer ao objeto lhe pertença realmente.
Assim, falamos verdade quando dizemos que a neve é branca, embora,
acerca da neve, haja muitas coisas mais a dizer e a saber.
Não há que saber, duma idéia isolada, se é verdadeira ou não.
A questão não se põe, dado que a verdade é uma igualdade de
relações, que exigem, claro está, dois termos. Uma noção
como, por exemplo, a de quadrúpede com asas, só pode dizer-se
errada se, pelo menos implicitamente, lhe atribuirmos existência
real. O que é errado é a proposição "o quadrupede com asas
existe". Em si mesmo, o conceito é indiferente, e pode fazer parte
de proposições verdadeiras, como por exemplo, "o quadrúpede com
asas não existe".
Só pode ser verdadeiro ou falso o juízo, que se exprime pela
proposição, e relaciona entre si um sujeito e um predicado. Esse,
sim; se o predicado que atribuímos ao sujeito lhe convém na
realidade, é verdadeiro; se lhe não convém é falso.
Compreendendo bem a definição que dei da verdade, saberemos
distinguir o que é de aceitar do que é de rejeitar na afirmação
feita por alguns filósofos de que a verdade se modifica. De fato,
quando estou sentado, é verdade que estou sentado; passará a ser
falso quando eu me levantar. No entanto, mesmo então, continuará a
ser verdade que eu estive sentado; o que, de acordo com a definição
dada, quer dizer que as conclusões legítimas, que, pelo
raciocínio, possa tirar dessa proposição, concordarão com as
conseqüências reais do fato de eu ter estado sentado; a cadeira em
que me sentei, por exemplo, terá ficado mais coçada.
Pelo contrário, como faz notar Aristóteles, os futuros
contingentes não existem no passado nem mesmo como verdades futuras.
Ontem, por exemplo, não era uma verdade que ia hoje sair um
determinado número na lotaria; porque não existia ontem nenhum fato,
em que essa conseqüência estivesse contida de modo necessário, com o
qual a proposição em causa pudesse concordar.
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