9. A crítica externa.

A crítica a que chamei externa, pelo contrário, funda noutros princípios os seus raciocínios; e essa já não é legítima. Realmente, com que direito pode alguém pretender que aceitemos esses outros princípios? Não são evidentes: se o fossem estávamos caídos na crítica interna. Não são fatos observados, pela mesma razão. Como princípios de filosofia, são portanto perfeitamente arbitrários. Podemos, devemos, recusar semelhante crítica, que, por muito engenhosamente que a apresentem, por muito bem feita que seja, peca pela base; é um ídolo com pés de barro.

Um desses princípios arbitrários, que muitas vezes passa despercebido, é o de que se deve começar pela crítica. Em nome de quê? Em qualquer altura que a crítica se faça, a única coisa que a lógica pode exigir é esta: que, se ela demonstrar a inanidade das bases do nosso conhecimento, deitemos abaixo tudo quanto já tenhamos feito. Contra o não se fazer uma crítica inicial, um cético só poderia objetar o risco de desperdiçar trabalho; mas há, em contraposição a vantagem preciosa de não se abordarem os assuntos sem se terem na mão os elementos necessários para a sua solução. Citemos um caso análogo. Suponhamos que alguém tinha de fazer a vistoria duma propriedade, em que havia um poço; e resolvia, arbitrariamente, começar a vistoria pelo fundo do poço. Saltava para o poço, de que não tinha meios de sair, ficava lá dentro, e declarava impossível fazer a vistoria. Seria razoável esta maneira de proceder? No entanto, é a que adotam os que começam pela crítica do conhecimento. Suponhamos agora que outro começava a vistoria pelo resto da propriedade; em qualquer dependência, encontrava uma escada que lhe permitia descer ao poço; terminado o trabalho, teria vistoriado toda a propriedade, incluído o poço; teria feito seira dificuldade o que o primeiro declarava impossível. É o que pretendem os que só abordam o estudo do conhecimento depois de terem tratado da metafísica.

A crítica prévia erigida em princípio não se opõe diretamente aos princípios evidentes, embora erice de dificuldades o caminho de quem se quer basear neles. Mas há, entre os admitidos pelos filósofos modernos, muitos princípios arbitrários que contrariam os que apresentei. Aos que nos criticam, baseados neles, podemos responder que todo o raciocínio se baseia em princípios, o deles como o nosso. Se eles negam os nossos, sem motivo, nós, fundados na evidência, podemos negar os deles, por maioria de razão.