11. A moralidade formal.

Qual é então o critério da moralidade formal?

O ato bom é o que se conforma com as decisões da reta razão. Por outras palavras, é o que está de acordo com o que determina a lei moral, tal como nos é dado conhecê-la, seja em si mesma, seja nas condições em que se aplica.

Já disse, ao falar do livre-arbítrio, que a vontade procura sempre o que a inteligência lhe indica como o maior bem. Mas disse também que, entre os elementos a que a inteligência atende ao comparar os bens, estão as preferências da vontade. É ai que se insere a possibilidade do bem e do mal moral: na preferência dada pela vontade a um bem secundário, mas próximo, sobre o bem supremo, necessariamente longínquo.

No ato humano típico, antes de agirmos, consideramos o ato por um aspecto impessoal. Tão perfeitamente quanto nos é possível, procuramos estudar as suas circunstâncias e o que a lei moral prescreve a seu respeito; e concluímos, em consciência, que um homem, nas circunstâncias em que nos encontramos, deve proceder duma certa e determinada maneira. Se procedemos assim, o nosso ato é moralmente bom, no seu aspecto formal. Se, pelo contrário, entendemos que para nós, aqui A agora, é melhor proceder duma maneira diferente daquela, o ato é mau. O peso do nosso desejo desordenado fez-nos parecer o ato que a consciência condena preferível ao que, embora aprovado pela consciência, nos priva dum bem que cobiçamos. Procedemos contra o que a razão nos mostra ser o caminho para o nosso fim último, que não podemos deixar de desejar, mas desejamos de maneira vaga, ineficaz; merecemos perdê-lo.

Como se vê, o critério tomista da moralidade coincide com a célebre regra de Kant: "Procede de maneira que a tua ação possa servir de regra universal de procedimento. Realmente, procedemos bem quando o nosso ato se conforma com a regra que, tanto quanto nos é dado saber, deve reger todo o homem nas condições em que nos encontramos; procedemos mal quando, entre o caso de qualquer homem e o nosso caso individual, estabelecemos uma distinção fundada unicamente em se tratar de nós.

Onde Kant se afasta completamente de S. Tomás é quando entende que o mérito do ato é tanto maior quanto maior o esforço que nos custa. S. Tomás aplica aqui a escala de valores para que já chamei a atenção. O menor mérito, mérito nulo, quando não negativo, será portanto o de quem, para não fazer um esforço, deixa de praticar o bem; acima desse, o de quem, à custa dum grande esforço, se domina e faz o bem; o mérito máximo será o de quem tem tal amor ao bem que já não lhe custa esforço o praticá-lo. Também aqui se justifica facilmente esta escala de valores. Já disse que, pela auto-educação, as faculdades sensíveis se vão subordinando à vontade; esta, em quem tem o hábito do bem, domina-as sem esforço. Se adoptássemos o critério de Kant, chegaríamos à conclusão de que é maior o mérito dos que, no bem, são medíocres, do que o dos que são perfeitos; o critério de S. 'romãs atende a que, se os mais perfeitos não precisam de esforço para procederem bem, não é porque não estivessem dispostos a fazê-lo se fosse preciso, mas porque a continuação do seu bom procedimento tornou esse esforço inútil.