18. A justiça.

"O seu a seu dono", diz um provérbio. A virtude pela qual o pomos em prática é a justiça, que pode definir-se: a vontade habitual de dar a cada um o que lhe compete.

A justiça regula as relações entre os homens. É justiça comutativa se se ocupa das relações entre os homens individualmente, ou entre sociedades da mesma ordem, Regula as trocas de toda a espécie, de mercadorias, de serviços, e o seu critério é o da igualdade de valor entre os objetos trocados. Pelo contrário, é distributiva se trata das relações do homem com a sociedade a que pertence; o critério de justiça é então a proporção do que é dado ou pedido a cada um com o que lhe compete de acordo com a sua função na sociedade.

Assim, de entre os que vivem em casas pertencentes ao país, é justo que o Chefe do Estado tenha um palácio, e o simples funcionário uma casa decente mas modesta; porque o primeiro tem deveres sociais a que não pode furtar-se, e que exigem um palácio para sua habitação. Mas, se o Chefe de Estado trocar uma propriedade sua com a de qualquer cidadão, as duas propriedades devem ter valor igual; porque, individualmente, como proprietário, o Chefe do Estado não difere em nada dum particular.

É na justiça que se funda a instituição da propriedade. A propriedade é uma função social, que, aliás, pode organizar-se segundo moldes muito diversos; não tem por fim o bem do proprietário, mas o de toda a sociedade. Em princípio, os bens materiais pertencem à sociedade; mas, se não houvesse indivíduos diretamente responsáveis pela conservação e pela valorização dos diversos bens, responsáveis perante os fatos, sujeitos pessoalmente às conseqüências da sua gestão, cada um deixaria aos outros os esforços e cuidados necessários, e, pelo desleixo de todos, todos seriam prejudicados. Uma tal responsabilidade exige meios de ação; é por isso justo que lhe corresponda a posse do rendimento da propriedade. Exige continuidade; por isso é justo que a propriedade seja estável. A propriedade é portanto distribuída entre os homens, em vista do bem comum. De tudo isto resulta que a propriedade impõe deveres, e, em particular, que pertence à justiça distributiva o que muitos atribuem à caridade: o dever de cada um utilizar para socorro dos necessitados ou em obras de alcance social o que sobeja do rendimento dos seus bens, depois de satisfeito o preciso para viver de acordo com o que a sua posição social lhe impõe, e de posto de parte o exigido por uma justa previdência [115]. Daí resulta também que utilizar os bens de outra pessoa para salvação pessoal, em caso de necessidade extrema e urgente, não é roubar; porque, primariamente, anteriormente, em direito, à sua apropriação, que a natureza humana torna necessária como regra, os bens materiais pertencem à humanidade; um caso excepcional e grave pode justificar a não-observância da norma estabelecida para o caso geral.

A justiça especializa-se segundo as relações particulares que considera. S. Tomás distingue, como virtudes derivadas da justiça: Para com os benfeitores, a gratidão; para com os pais, a piedade filial; para com os inferiores, a humanidade; para com os superiores, o respeito; para com as autoridades, a obediência; para com a pátria, o patriotismo; para com Deus, a religião. Há ainda, relacionadas com a justiça, a retidão nos juízos, a honestidade nos negócios, a liberalidade no uso dos bens de fortuna, a veracidade, a afabilidade no trato. As três últimas, pela atitude interior que revelam perante a fortuna e as relações sociais, também se ligam com a temperança.

Há muitos vícios contrários à justiça. Basta citar: a injustiça propriamente dita, a desonestidade sob todas as formas, a irreverência, a superstição, a avareza e a prodigalidade que se opõem à liberalidade, e a hipocrisia oposta à veracidade.