X. As Leis do Pensamento.

A. Os elementos do raciocínio.


1. A Lógica.

A Lógica é a ciência que estuda o raciocínio, e estabelece as leis a que ele deve obedecer para conduzir a resultados verdadeiros. A inteligência de todos os homens no uso da razão, no seu exercício espontâneo, guiada só pelo bom senso, submete-se a regras, não formuladas conscientemente, que constituem uma lógica, natural. Essa lógica natural é suficiente para a maior parte dos casos. Mas, nas questões complicadas, há sempre o risco de, por inadvertência, se cair em vícios de raciocínio que falseiem os resultados obtidos. Torna-se então necessário enunciar explicitamente as leis do raciocínio, e, de acordo com elas, estabelecer uma lógica artificial.

Nas lógicas artificiais, reduzem-se todos os raciocínios a tipos pouco numerosos estudados de antemão em todos os pormenores. O estudo das condições de validade, que é delicado, fica feito duma vez para sempre, bastando, em cada caso particular, verificar que se respeitaram as regras estabelecidas. Evitam-se assim os sofismas, que são raciocínios com aparência de validade, mas em que existe oculto um vício que os falseia.

Há várias lógicas artificiais, que diferem entre si nos tipos a que reduzem os raciocínios, mas não, como é óbvio, nos resultados a que permitem chegar, em cada caso. A mais seguida, de longe, é a de Aristóteles, que tem sido praticada sem interrupção desde a reaparição dos livros deste, no século II A. C. A tradução de parte do Organon para latim, por Boécio, no século VI, salvou a Lógica de Aristóteles do eclipse que sofreu a sua Metafísica nos países ocidentais desde a invasão dos Bárbaros até ao século XII. Depois, e até aos nossos dias, apesar dos tempos modernos mostrarem muito menos interesse pela lógica do que a Idade-Média, e das tentativas contemporâneas para introduzir outras lógicas diferentes, a lógica aristotélica continua viva, e, quase, a única em campo. Pode dizer-se que, com a lógica, Aristóteles criou, duma assentada, obra definitiva. Claro que o seu trabalho tem sido completado pelos que se lhe seguiram, em especial, no que se refere à indução, pelos esforços de Francisco Bacon e Stuart Mill. Mas, no fundamental, é ainda a velha lógica aristotélica de há 2200 anos a que se segue hoje correntemente.

A predileção da Idade-Média pela lógica deu em resultado a constituição dum verdadeiro arsenal de máxima, quase sempre com caráter mnemónico, aplicáveis aos casos mais variados. Muitas são devidas ao Doutor português Pedro Juliano, também chamado Pedro Hispano, que depois foi Papa com o nome de João XXI. Essas máximas são preciosas para quem tem de lidar habitualmente com o assunto. Aqui, não vale a pena sobrecarregar a exposição com regras que se podem encontrar em qualquer livro da especialidade, por exemplo, e desenvolvidamente, na Petite Logique de Maritain. Reduzirei por isso ao mínimo indispensável a enunciação das regras a aplicar.

A veracidade da conclusão dum raciocínio depende das bases em que esse raciocínio se funda, e da validade do nexo lógico que liga estas à conclusão. O estudo dessa veracidade decompõe-se por isso em duas partes distintas. A veracidade dos fundamentos dos raciocínios é estudada na chamada lógica material ou grande lógica; a validade do laço que une a conclusão às bases é o objeto da lógica formal ou pequena lógica.

Facilmente se compreende que um raciocínio formalmente correto dá resultados errados se não forem verdadeiros os elementos que utiliza. Seja, por exemplo, o raciocínio seguinte: "Toda a pedra é azul; ora, o homem é uma pedra; logo, o homem é azul ". É um raciocínio construído de acordo com todas as leis da lógica; no entanto, a conclusão é falsa, porque nem o homem é uma pedra, nem as pedras são todas azuis. Vê-se portanto que a estrutura formal e o conteúdo material dum raciocínio são duas coisas bem distintas, das quais nenhuma basta, só por si, para conseguir um resultado verdadeiro, e que é razoável dividir a lógica em duas partes, que estudem uma a forma, outra a matéria do pensamento. Começaremos o nosso estudo pela lógica formal.