3. Espiritualidade da alma.

Da atividade humana faz parte o pensamento. E esse é totalmente imaterial, não no processo de elaboração de idéias, mas no seu ato supremo, o do conhecimento.

Quando um homem conhece um objeto, identifica-se intelectualmente com ele. Toma para lei do seu pensamento a lei de existência do objeto, e essa lei produz no seu espírito, como conclusões de raciocínios, as mesmas conseqüências a que dá lugar na realidade, como propriedades concretas. A forma do objeto conhecido passa a reger a sua inteligência; passa a existir na sua inteligência, duma maneira totalmente diversa daquela por que existia no objeto. Existe abstratamente, imaterialmente. Quando uma forma se realiza na matéria, esta concretiza-a e materializa-a; por sua vez, a forma determina a potência da matéria a uma certa maneira de ser, e exclui dela a sujeição a outras formas. Ora, na inteligência, a forma do objeto existe na sua universalidade, sem nenhuma das características de individuação que a matéria lhe confere, e lhe confere necessariamente, porque a sua função é precisamente essa. Quando compreendemos as propriedades dum triângulo, por exemplo, não conhecemos um triângulo determinado, mas o triângulo, em geral. A forma do objeto conhecido existe portanto no espírito imaterialmente. Por outro lado, o homem, sem deixar de ser o que é, recebe a forma do objeto que conhece. A faculdade que se identifica com ela tem, por um e outro motivo, de ser imaterial.

A observação do que se passa conosco não nos deixa dúvidas de que o pensamento é um ato do homem. Sou eu que penso, o mesmo eu que vivo e sinto. Como o princípio de unidade da atividade humana é a alma, pensar é portanto uma operação da alma. Mas o pensamento é imaterial, já o vimos. Sendo assim, a alma executa essa operação, não, como as outras, por meio do corpo, mas independentemente do corpo, por si mesma. Pensar, no seu ato intelectual, ou seja, conhecer, é uma faculdade da alma, exclusivamente.

Como se vê, a alma humana, sendo a forma substancial do corpo, é mais do que isso. A sua atividade não se limita à animação do corpo; tem uma operação própria, em que o corpo não intervém: o conhecimento propriamente dito, universal, intelectual, abstrato. Há uma faculdade só da alma, a inteligência, que lhe dá acesso ao mundo das idéias encarnadas nas coisas. Isso coloca a alma humana numa classe à parte, entre todas as formas substanciais. Faz-nos dizer que ela é espiritual; que, numa bela frase de S. Tomás, não está totalmente imersa na matéria [79].

Às outras formas chamamos materiais, não que nelas, em si mesmas, haja matéria, já vimos que a forma é um princípio duma ordem totalmente diversa da da matéria, mas porque exigem a matéria para a sua existência e para todas as suas operações. Não realizam senão o que é realizável pela matéria; não excedem a potencialidade da matéria. São, unicamente, ato do que na matéria há em potência.