4. O problema filosófico da eternidade do Mundo.

Para o cristão, não há nenhuma dúvida de que o Mundo começou. A fé afirma-o. Mas, em filosofia, o problema tem de pôr-se assim: Pode demonstrar-se racionalmente que, na sucessão do tempo, houve um momento que foi de todos o primeiro? A questão tem sido muito discutida, e é na realidade delicada. Procurarei dar uma idéia dos argumentos apresentados, e da posição tomista, que é desassombrada e irrepreensível.

As objeções metafísicas contra a eternidade do Mundo firmam-se todas na impossibilidade da existência atual do infinito numérico. O infinito numérico é infinito potencial; exprime simplesmente a possibilidade dum acréscimo indefinido. A existência é determinação; toda a coleção realmente existente tem um número determinado de elementos distintos, não mais um nem menos um. Não pode portanto existir realmente uma infinidade de substâncias.

Ora, se o Mundo é eterno, hão-de ter existido substâncias em número infinito. Sem dúvida. Mas não é necessário que em momento nenhum existisse simultaneamente uma infinidade de substâncias: e só isso é que é impossível.

Pode dizer-se também que, se o Mundo existiu sempre, a sua duração se há-de exprimir por um número infinito de unidades de tempo, sejam quais forem. Mas toda a contagem de tempo supõe uma origem. A partir de qualquer momento que escolhamos para esse efeito, o número de horas decorridas há-de, de fato, ser finito, por muito grande que seja. Mas, se o Mundo não começou, não há origem para a contagem da sua duração total. Esta não pode ser contada; nada se opõe a que seja ilimitada.

Um raciocínio semelhante ao que nos levou a afirmar a existência de Deus como a primeira causa parece opor-se à eternidade do Mundo. Dissemos então que a série das causas não podia ser infinita, que tinha de ter, necessariamente, um primeiro termo. Mas a força desse raciocínio vem-lhe de se tratar de causas subordinadas, cada uma das quais é indispensável à existência, ou pelo menos à causalidade, de todas as seguintes. Causas que se substituem sucessivamente, sem que a desaparição duma afete a seguinte, são encadeadas acidentalmente no tempo, e nada se opõe a que nenhuma seja a primeira.

Pode objetar-se ainda que, sendo imortal a alma humana, haveria, se o mundo fosse eterno, uma infinidade atual de almas separadas. O argumento, no entanto, só pode provar que a humanidade não existiu sempre.

Finalmente, algumas teorias da física, quanto à degradação da energia, por exemplo, ou à desintegração da matéria, ou à expansão do Universo, parecem opôr-se à duração ilimitada do Mundo. Mas será licito extrapolar a esse ponto resultados duma experiência tão limitada? A metafísica, para as suas conclusões universais, não se funda senão nos dados mais gerais da experiência: existência dos seres, sua mutabilidade, sua desigualdade, etc. Não deve tirar conclusões apressadas de teorias insuficientemente verificadas quanto à sua universalidade.

No outro campo, as objeções contra o Mundo ter começado baseiam-se quase todas na idéia dum tempo anterior ao começo. Todo o instante é seguido doutro instante; da mesma maneira, há sempre um instante antes dele. Sim. A experiência assim o diz; mas toda a experiência se realiza num Mundo existente. E assim tem de ser, se houver antes; mas antes e depois referem-se à sucessão dos acontecimentos no Universo já existente; não têm sentido independentemente da Criação. E o problema é precisamente saber se começaram o tempo e o Mundo.

É impossível um tempo vazio, em que nada se passasse. Num tal tempo, nada podia começar. Mas o começo absoluto em que pensamos não supõe nenhum tempo vazio. Supõe só um tempo real, limitado no passado.

Outro argumento é o seguinte: Deus é eterno e imutável. Por isso, se criou, criou sempre, e o Mundo não pode deixar de ser eterno. Mas a eternidade de Deus, como vimos, não é duração ilimitada; é independência do tempo Não obriga a nada quanto à duração do Mundo.

Nem num nem noutro campo, portanto, aparecem argumentos concludentes.