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O que um ser dado é, em ato ou em potência, depende daquilo que o
caracteriza como ser, do que especifica o tipo de ser que nele se
realiza; numa palavra, do que em metafísica se chama a sua
essência. Um ser não pode, nem em potência nem em ato, ser nada
que repugne à sua essência. Assim, a essência do triângulo é ser
um polígono fechado com três ângulos. Pode ser de dimensões
grandes ou pequenas, equilátero, isósceles ou escaleno, estar numa
posição ou noutra; mas não pode ter quatro ângulos, porque isso
seria contrário à sua essência.
A essência, que determina o que uma coisa pode ser, não exige que
ela exista realmente. A essência do triângulo diz-nos que um
triângulo, se existir, é um polígono com três ângulos; mas não
exige que, na realidade, algum triângulo exista. De fato, existem
objetos de figura triangular. Mas, se não existissem, nem por isso
deixariam de ser as mesmas as propriedades essenciais dos triângulos.
Veja-se o miriágono, por exemplo. Pode afirmar-se como certo que
não há nenhuma figura de 10.000 lados, realmente existente; no
entanto, da sua essência, existente só no seu espirito, o geômetra
pode concluir as propriedades que teria um miriágono que existisse na
realidade. Há um exemplo mais frisante. Descobriram-se, há
poucos anos, elementos radioativos artificiais, obtidos pelo
bombardeamento de certos metais com descargas de electrões ou
protões. A vida desses elementos é muito curta; para alguns, é de
poucos segundos. Estes só existem realmente, portanto, durante o
pouco tempo que duram as experiências em que são obtidos. Isso não
impede que eles estejam estudados, e que se conheçam as suas
propriedades; propriedades essenciais de elementos que não existem
habitualmente; propriedades em potência de elementos existentes em
potência.
Vê-se por isso que entre a essência e a existência há composição
de potência e ato. A essência é uma forma possível de
existência; existe em potência; a existência é o seu ato.
Como potência que é, a essência de uma coisa limita, recorta, o
seu ser; traça o contorno dentro do qual ela pode existir. Esse
contorno considerado em abstrato, como tipo de ser, não é, claro
está, a essência real; essa existe na coisa. É uma essência
abstrata, e chama-se a qüididade, do latim "quid", "aquilo" que um
ser é.
Acrescente-se que a essência duma coisa, considerada como elemento
especificador das suas operações, se chama a natureza dessa coisa.
A distinção entre essência e existência é indispensável em todos
os seres que podem existir ou não. Só para o ato puro não poderia,
evidentemente, fazer-se. O ato puro, na ordem da existência,
seria por isso um ser cuja essência implicasse a sua existência. Um
tal ser, se o há, o que por enquanto não podemos afirmar, existe
necessariamente. Mas desse assunto trataremos na próxima lição.
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