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Como disse na segunda lição, não está fora do âmbito da filosofia
o estudo de nenhuma classe de seres. É por isso razoável que, depois
de ter estudado o ser, a sua Causa transcendente e a sua dependência
essencial dessa Causa, as substâncias espirituais, e o homem, na
sua essência, no seu modo de conhecer e no seu pensamento, eu me
ocupe dos seres que constituem o mundo material; que estude a
Natureza, objeto dum capitulo especial da filosofia, a filosofia
natural.
O mundo material, nos seus diferentes aspectos, ó estudado pelas
chamadas ciências naturais, no sentido mais largo: física,
química, biologia, etc. Vamos por isso "caçar no mesmo terreno"
que essas ciências; e, para evitar duplicações de trabalho e
conflitos de competência, convém antes de mais nada distinguir bem o
que interessa à filosofia do que interessa às outras ciências.
Não falta quem considere a filosofia natural um somatório, uma
compilação, das conclusões das ciências particulares. Para os que
assim pensam, a filosofia depende dessas ciências, e recebe delas,
sem os discutir, os conhecimentos parciais que totaliza e ordena.
Não foi no entanto a essa ciência eclética que demos o nome de
filosofia. Ao definir a filosofia, dissemos que ela se caracteriza
pelo seu objeto formal, que é o estudo de todos m seres em relação
às primeiras causas. É por isso totalmente diferente o aspecto que,
num objeto qualquer, interessa à filosofia e às ciências naturais.
Estas olham as coisas no que têm de especial, pelo seu lado
particular, na sua dependência das causas próximas; a filosofia
olha-as no que lhes pertence como seres, existência, especificação
por uma essência, causalidade, etc., e na sua dependência das
causas universais.
A filosofia natural, tal como a entendemos, funda-se por isso
diretamente nas coisas. Não depende por essência das ciências
particulares. Pode tomar a marcha seguida por estas como guia do seu
próprio caminho; pode servir-se dos cactos estudados por elas para
exemplificar as conclusões a que chega. Mas não deixa com isso de
ser autônoma; de ser única no seu campo; de elaborar o assunto de
que se ocupa desde os fatos à conclusão. Por isso, já o disse,
como ciência de base mais larga e mais sólida, pode apontar às
outras ciências, como errado, o que nelas contradiga as suas
próprias conclusões.
Não vou portanto fazer um resumo das ciências naturais, o que, para
mais, mesmo resumindo além dos limites admissíveis, não poderia
tentar-se numa lição. Vou resumir outro assunto mais limitado: as
questões principais que, na Natureza, interessam à filosofia.
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