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O quarto e último sentido interno é a memória., que regista e
conserva as conclusões da razão particular. Os antigos escolásticos
davam-lhe, no homem, o nome de reminiscência, para assinalarem,
por uma designação diferente, a diferença do seu modo de operação
que resulta de depender da inteligência. Mas o nome caiu em desuso,
com esse sentido; dá-se-lhe por isso agora, geralmente, o nome de
memória, que eles reservavam para a memória dos animais.
Guiada pelas relações reconhecidas pela razão particular, a
memória faz reviver, no nosso espirito, os fatos de que a
imaginação conserva a imagem. O que caracteriza a memória é que o
fato recordado aparece com a sua feição de fato passado, reintegrado
na ocasião e no ambiente em que se produziu. A simples imaginação
não pode sugerir-nos imagens com esse caráter. A consciência do
tempo exige a das relações dum fato particular com outros fatos
particulares que sirvam de referências. Essas relações dependem da
razão particular; só podem por isso ser registradas pela memória.
Por esta, não nos lembramos só duma frase que ouvimos, como pela
imaginação, mas de que foi dita num momento dado, e por uma
determinada pessoa, isto, claro está, quando a recordação é
perfeita. A memória recorda-nos o individual; requer a imagem com
os seus caracteres particularizantes. Depende por isso dos sentidos,
e está bem classificada como faculdade sensível.
A memória é movida pela vontade, que, partindo duma imagem que
temos presente, a impele a procurar outra de que queremos
recordar-nos. O processo por que a memória vai desenterrando
sucessivamente as várias imagens, seguindo os laços estabelecidos
pela razão particular, até atingir finalmente, quando a atinge, a
imagem procurada, assemelha-se muito a um raciocínio, mas sem sair
nunca do campo das coisas particulares. A recordação desejada
aparece de maneira análoga à conclusão duma série de raciocínios.
Da imagem de que partimos, passamos, por meio dum laço que as une,
à imagem seguinte; desta a uma terceira; e assim sucessivamente,
sempre sabendo, vagamente, o que procuramos, tentando, quando é
preciso, os vários caminhos possíveis, até surgir, finalmente, a
imagem de que precisamos, acompanhada do cortejo de circunstâncias que
a situam no tempo.
Escusado é dizer que, além desta atividade voluntária, a memória
tem também uma atividade espontânea, ou provocada, independentemente
da vontade, por fatos que atraem a nossa atenção. Essa atividade é
inconsciente, muitas vezes; acontece, depois dum trabalho da memória
de que não demos conta, encontrarmo-nos diante de fatos relacionados
com outros em que pensámos anteriormente.
O estudo da memória, como o da imaginação, com que, como é
natural, está intimamente ligado, tem progredido muito com os
trabalhos dos psicólogos modernos, principalmente no que se refere à
sua atividade inconsciente ou subconsciente e à sua patologia. O
papel da atenção, as leis do esquecimento, a associação das
imagens, o sonho, a vida e os efeitos das imagens recalcadas pela
vontade, a localização dos sentidos internos, as doenças da
memória, amnésia, paramnésia, hipermnésia, a importância das
imagens verbais da linguagem, são assuntos que tem sido
conscienciosamente estudados, e em que se tem alargado, de forma
notável, este campo de estudo aberto por Aristóteles. Claro que o
tomismo acolhe de braços abertos estes progressos, que, aliás,
interessam mais diretamente à psicologia do que a filosofia. O
corrigir os erros que muitas vezes se encontram nas obras aos modernos,
no que propriamente pertence à filosofia, não significa repúdio das
suas conclusões objectivas, fundadas na análise dos fatos.
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