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Bem se cumpriu no Padre José a sentença do Santo Evangelho, Lc 14, qui se humiliat
exaltabitur, que quem por amor de Jesus se humilha a abate, por mão do mesmo Senhor é
levantado, ainda diante dos homens, porque foi mui grande o respeito e veneração em que foi tido
de pessoas de toda a sorte, que com ele tratavam, e em especial das principais em autoridade e
governo.
O santo mártir Inácio de Azevedo, primeiro visitador desta Província, tinha grande conceito da
virtude e santidade do Padre José; o mesmo tinha o Padre Manuel da Nóbrega, sendo provincial, e
nos negócios de importância levava-o consigo, nem fazia coisa grave sem seu conselho, ainda
antes de ser de missa. E quando o mandou de São Vicente, a tomar ordens a esta Bahia, lhe
ordenou que, de caminho, visitasse a casa e aldeias do Espírito Santo, o que fez com muita
edificação e consolação de todos.
O Bispo do Brasil, Dom Pedro Leitão, dizia do padre que era servo de Deus, e uma luminária
que a Companhia tinha nestas partes. E outras vezes usava desta semelhança: “a Companhia no
Brasil é um anel de ouro, e a pedra preciosa dele é o Padre José”.
E outra testemunha lhe ouviu estas palavras: “mais farei o que me disser este canário, que
todos os mais da Companhia, porque é o espelho em que todos eles se podem ver”. Chamou-lhe
canário assim por ser o Padre natural das Ilha Canárias, como porque este nome tinha nos estudos
de Coimbra, por ser um dos melhores latinos que então havia, e deste tempo o conhecia o Bispo,
dizendo mais que já então corria entre os estudantes a fama de sua virtude.
O Administrador Bartolomeu Simões Pereira, pregando na nossa casa de Santiago, Capitania
do Espírito Santo, as exéquias do padre, lhe chamou Apóstolo do Brasil. O Capitão Jerônimo
Leitão, governando a Capitania de São Vicente, por obra de vinte anos, sempre fez muito caso do
conselho do Padre José.
DIOGO FLORES DE VALDÊS
Mas ninguém, a meu ver, declarou com tão graves palavras a reputação em que tinha ao Padre
José, como Diogo Flores de Valdês, General da armada da Espanha, que S.M .El Rei Filipe,
segundo de Castela e primeiro de Portugal, mandou ao estreito de Magalhães, e à costa do Brasil,
no ano de mil quinhentos e oitenta e um. Estando esta armada no Rio de Janeiro tratou o General
muito familiarmente com o Padre José que era então provincial, e o ia buscar em pessoa muitas
vezes ao colégio, e alcançou muito de sua virtude.
Aqui sucedeu o caso seguinte: mandou o Padre José ao Padre João Batista, fosse pedir ao
general, desse liberdade a um inglês que ali prendera; não tomou bem a petição, mostrou-se
agastado, e escusou-se de o fazer; o padre João Batista se desculpou dizendo que seu superior, o
Padre José, o mandara fazer aquele negócio.
Ouvindo o general falar no Padre José, amansou e respondeu: “solte-se logo, e faça-se assim
como o padre manda, porque nunca Deus queira que eu deixe de fazer o que ele me mandar.
Porque a primeira vez que o vi, nunca pessoa mais dejecta e desprezível se me apresentou, porém
depois, olhando bem para ele, nunca em presença de alguma majestade me vi tão apoucado”.
Deste respeito e autoridade com os homens se ajudava o servo de Deus, não para se levantar e
crescer no conceito e estimação de si mesmo, mas para, por esta via, dar a mão aos que tinham
necessidade de sua valia e intercessão.
Contra o capitão de uma vila cometeu um morador um caso grave, digno de morte, e de feito
estava já para se fazer nele execução de justiça; entendeu no negócio o Padre José, e finalmente
acabou com o capitão perdoasse ao delinqüente, e se fizeram amigos.
Outro capitão de um forte por S. M. estava para justiçar dois soldados do presídio, e muitos
homens lhe tinham pedido lhes perdoasse, o que nunca quis fazer. Chegou o Padre José para lhe
pedir o mesmo, e com sua vista lhe entregou tal temor no coração, (como depois confessou), que
logo lh’os entregou, dizendo que fizesse deles o que quisesse.
Estava doente um homem rico e honrado, por nome João Fernandes Brum, o qual tinha
querelado de dois homens de certos casos de justiça. Pediram-lhe alguns homens de respeito, e
entre eles dois padres da Companhia, lhes perdoasse, o que não quis fazer. Um dia foi o Padre
José visitar o enfermo, e entrando pela porta, lhe inspirou Nosso Senhor no coração que fizesse
tudo o que o padre lhe pedisse; falou-lhe o padre no perdão, e logo lh’o concedeu de muito boa
vontade.
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