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PROFECIAS
Antes que saiamos desta praia, apontarei dois casos, um que sucedeu ao Padre José, posto
que pertencia mais ao espírito da profecia, o segundo a outros dois padres, e foi uma horrenda
visão mui celebrada por toda a costa do Brasil e ainda em Portugal.
Quanto ao primeiro: Estevão Ribeiro, morador na vila de São Paulo, vindo um dia pelo campo
comigo e com o Padre Manuel de Oliveira, superior que então era das casas de São Vicente e
agora reitor deste Colégio da Bahia, nos contou com muita devoção como, sendo ele moço, e
acompanhando o Padre José pela praia, lhe perguntou se levava no seu cofo ou cestinho alguma
coisa para comer.
E respondendo ele que não, lhe disse o padre: “pois Estevão, eu vos direi agora o que há de
ser; primeiro havemos de encontrar neste caminho com um peixe que não presta para comer, e
depois havemos de encontrar com outro pequeno que nos servirá, que vós metereis nesse cofo, e
daí a outro pedaço, dentro no mesmo cestinho o haveis de cozer para comermos” .
Tudo assim sucedeu, porque primeiro havemos de encontrar com um baleato, e depois com
uma tainha que na baixa mar estava saltando em seco, que o menino meteu no cesto, e indo mais
adiante acharam uma índia velha, que estava com um tacho ao fogo, cozinhando água do mar,
para a tornar em sal, diminuindo-a até certa quantidade; meteu Estevão o cesto no tacho, e ali o
cozinhou. O padre falou com índia coisas de sua salvação, e continuou sua jornada.
VISÃO HORRENDA DE DANADOS
O segundo caso me contou na casa de São Paulo, diante dos padres e irmãos dela, o Padre
Manuel Viegas, que foi um dos que viram aquela visão. A coisa passou-se desta maneira: no ano
de mil quinhentos e setenta e seis, indo uma noite por esta praia o Padre José Morinelo, e o Padre
Manuel Viegas, viram ao longe, como em distância de três ou quatro léguas, pela praia adiante, um
fogo grande, e, afastado dele, outros menores, cuja vista os atemorizou grandemente.
E falando entre si daquela visão, ela se lhe apagou e desapareceu da vista, senão quando de
repente a tornam a ver pelo mesmo modo, mas tão perto de si, que claramente a enxergavam ser
como um corpo humano que botava grandes chamas de fogo da cabeça, como se cada cabelo fora
uma grande tocha, e a luz de cada uma de diversa cor. E posto que esta vista era mui horrenda,
muito mais o era quando abria as costas, e pela abertura lançava maior labareda do que a que sai
pela boca de uma fornalha de engenho; e isto com tanta claridade, que os padres distintamente
enxergavam os ossos e as entranhas do que quer que era, que tal fogo lançava de si.
Da mesma maneira eram, ainda que menores, os fogos que as outras dez ou doze figuras
humanas lançavam de si, que eram de menor estatura, que representavam moços de doze até
quinze anos. Estes iam em contínuo baile, ora todos diante, ora ao redor do grande amo, que lhes
fazia festa.
E esta visão os padres por espaço de três horas ou mais, por muitas vezes, indo sempre
caminhando, ora mais perto ora mais longe.
O Padre Manuel Viegas quando estas figuras se chegavam a ele, escondia o rosto detrás das
costas do outro padre, o qual foi sempre atento, e dizia depois que os ouvia falar pela língua da
terra, mas que os não entendia. Este padre italiano ficou depois tão assombrado, que, quando daí a
muitos anos, lhe perguntavam por este caso, a resposta era dar logo em tremer e perder as cores,
como homem pasmado; e isto lhe durou toda a vida.
Sabendo-se o caso, houve no povo diversos pareceres, entre os quais uns diziam que eram
certas pessoas, que haviam pouco tempo que morreram ali em mau estado. O certo é que
semelhantes figuras são mostra das penas do inferno, as quais Deus Nosso Senhor algumas vezes
permite que nos apareçam, para que quem as ouvir contar ou vir pintadas, como esta foi a
Portugal, cobre temor de sua divina justiça, para emenda de sua vida.
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