|
Guardei de propósito para este capítulo, alguns exemplos tirados dos
testemunhos da vida do Padre José, que parece que claramente provam valer
ele nesta vida, e andar em tão alto grau de privação com Deus Nosso Senhor,
que muitas vezes lhe revelava, os segredos e pensamentos e consciências das
pessoas com quem tratava, da qual notícia usava o servo de Deus, com as
mesmas pessoas, ou para aquietar suas consciências temerosas, ou para atalhar
pecados e graves desastres.
E posto que de outros santos se escrevam semelhantes coisas, como raras e
em prova de santidade deles, em o Padre José era isto tão certo e ordinário,
que alguns dos nossos receiavam de estar na casa onde ele era superior. E um
deles diz em seu testemunho estas palavras: “o Padre José me descobria muitas
coisas que eu com os de casa pensava, que só Deus e eles podiam saber, e
assim andávamos muito sobre nós, por entendermos, que nada se lhe encobria,
e que Deus lhe revelava tudo”.
INÁCIO TOLOZA – DESCOBRE UM PECADO AO MESMO PENITENTE
Estava o padre Pero André doente no Colégio da Bahia, sendo provincial
o Padre José; entrou um dia pela manhã o enfermeiro e achando que estava em
perigo, foi logo sem falar com ninguém em busca do Padre José, pedir-lhe
viesse confessar ao enfermo.
Viu ao padre de longe no cabo de um corredor, e antes de lhe dizer nada,
nem lhe declara o conceito que levava, lhe disse o Padre José em voz alta: “ide
depressa à portaria, e chamai ao Padre Inácio Toloza, que deixe a confissão
que está fazendo, e vá em meu lugar confessar ao padre doente”. Assim se fez.
Acabada a confissão perdeu logo o juízo, e não no cobrou até a morte.
Um homem testemunha de si mesmo este caso: que sendo ele moço, se
confessara com o Padre José, e encobria certo pecado, mas o padre lh’o disse
claramente, o que ele vendo, pelo conceito que tinha da santidade do padre, se
rendeu e fez confissão inteira como devia, entendendo que Deus lh’o revelara.
AQUIETA A DOIS, DE SEUS ESCRÚPULOS, SEM OS OUVIR
Um padre confessado do Padre José, foi uma vez para se confessar com ele;
respondeu-lhe que fosse dizer missa, que não era mais necessário. Replicou
que tinha um escrúpulo. Acudiu o padre: “vá embora que esse escrúpulo é de
tal matéria (como era na verdade), e nisso mais mereceu do que desmereceu”.
Com que o padre se aquietou, sendo assim que por via humana era impossível
saber a matéria do escrúpulo, e muito menos se merecera ou não.
Da mesma maneira, a um padre que vinha com outro escrúpulo, antes de lhe
ouvir palavra alguma da matéria, o aquietou dizendo que não tivera nisso
culpa.
LIVRA DO PERIGO A UM PADRE
Mandou a um padre que fosse confessar certa pessoa doente, e ele foi dizer
missa. O confessor, querendo fazer seu ofício, achou-se lá em um perigo, de
que Deus o livrou por orações do Padre José, a quem o mesmo Senhor o
revelou na mesma missa. Porque tornando o confessor para casa, entrou na
sacristia ao tempo que o Padre José se estava despindo; ao qual antes de falar
palavra disse o Padre José, que o ajudara naquele perigo, usando daquelas
palavras que o Senhor disse a São Pedro: (Lc 22) Ego rogavi pro te, Petre, ut
non deficiat fides tua.
Entrou o Padre José em um Colégio, e um irmão que nunca o tinha visto,
em o vendo, formou dele fraco conceito, pelo ver de estatura e presença pouco
vendável; e disse em seu coração somente: “para que é agora cá isto?”
Não se escondeu este pensamento ao humilde padre, por mais secreto que
foi, e quando chegou a abraçar este irmão, lhe disse com muita alegria e
caridade: “assim é, irmão, como vós cuidais, e só vós me conhecestes; para que
sou eu cá?” De que o irmão, ficou não menos confuso pelo conceito que
formara, de que espantado de ver que o padre conhecera o que em seu coração
passara.
Outro irmão, por se achar muito fraco, pediu ao dispenseiro lhe desse
alguma coisa para merendar. Respondeu-lhe: “não há licença e logo o padre
provincial o há de saber, ainda que ninguém lh’o diga”. Daí a pouco vai o
Padre José ao cubículo do enfermeiro, e diz-lhe: “daí ao irmão o que vos pede,
porque tem necessidade”.
LIVRA A UM IRMÃO DO ESPÍRITO DA IRA
Um irmão andava com uma pesada melancolia na matéria de ira, e sem dizer
nada a ninguém acerca dela. Nisto perpassa por ele o Padre José, e diz-lhe
assim: “fora, fora com isso que não presta”. E deitando-lhe a bênção, o deixou
tão desassombrado, como se tais pensamentos nunca por ele passaram.
LIVRA CERTOS HOMENS DE COMETEREM ALGUNS PECADOS
O testemunho autêntico de João Soares, morador em São Paulo, diz assim:
perguntado ele, testemunha, do que sabia do Padre José de Anchieta, que está
em glória, disse: que era verdade que havia obra de trinta e cinco anos, que
conhecia ao dito padre nesta costa do Brasil, e muitas vezes o acompanhara por
caminhos e povoações, e se criara ao bafo de sua doutrina. E o tinha por Santo
em sua vida, porque muitas vezes ia ele testemunha a cometer brigas e outras
coisas de pouco serviço de Deus, sem dar conta a ninguém, e o padre se ia Ter
com ele e lhe dizia: “filho não vades fazer o que levais determinado, não vades
com tal propósito, porque vos castigará Deus, Nosso Senhor”.
E assim me tirava de meus maus intentos com suas santas palavras e
exemplos.
E disse mais, que um dia foi cometido de um amigo para irem matar um
homem, e juntamente a mulher do mesmo seu amigo, que andava já fugida de
casa; e que estando eles tratando o como, sem saber do caso viva pessoa,
chegou o Padre José e lhes disse: “filhos não façais o que estais determinado”.
E lhes deu tão eficazes razões que ficaram fora de si. E não somente os tirara
do mau propósito, mais ainda ficou o homem tão mudado, que logo disse:
“padre, trazei minha mulher para casa”.
E logo ele João Soares a foi buscar, com recado do Padre José, à fazenda
onde estava escondida do marido, e a trouxe à vila, onde o padre, e ele
testemunha, a entregaram a seu marido. E daí por diante viveram em paz e
serviço de Deus, que seja glorificado em seus Santos.
|
|