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Antes do Padre José, quatro provinciais criaram e governaram esta Província, e com
seu exemplo e prudência, a puseram em grande altura de perfeição, virtudes religiosas, letras e
espírito, donde nasceu o fruto mui abundante, de que todo o Estado do Brasil gozou, com
muito proveito das almas e geral edificação, trabalhando assim de melhorar os bons costumes
nos portugueses, como de plantar e conservar a fé entre os bárbaros, novamente convertidos.
Foram estes o Padre Manuel da Nóbrega, primeiro provincial; o Padre Luís da Grã, o
segundo. Não desmerece o terceiro lugar o santo Padre Inácio de Azevedo. Posto que não
governou a Província como provincial, porque a tinha já governado, a primeira vez que veio a
ela, como visitador; e da segunda, que vinha como provincial, a honrou e enriqueceu com seu
santo martírio, dando a vida pela fé, a quinze de julho do ano de mil quinhentos e setenta, no
mar da ilha de Palma, uma das Canárias, com trinta e nove companheiros.
Lê-se este martírio pelo mesmo tempo nos Colégios desta Província do Brasil, e o
escreveu o Padre Pedro de Ribadeneira, na vida do Padre Geral Everardo Mercuriano, de boa
memória, por estar informado e satisfeito das muitas partes, que para o cargo concorriam no
padre.
PROFECIAS
Neste tempo andava o Padre José em missão na Ilha de Itaparica, a maior das que há na
Bahia, confessando e dando remédio de salvação aos índios, por haver ali ainda então muitos.
Mandou-lhe o padre provincial, seu antecessor, recado que se viesse para o Colégio, o
que logo fez, e o recado o tomou estando atualmente assentado em um tição, confessando
uma índia velha muito doente, deitada na rede junto ao fogo. Quisera o Senhor da casa
melhorar o assento, mas ele não o consentiu, dizendo que antes de acabar aquela confissão,
lhe haviam de trazer outro assento de menos gosto seu. E assim foi, que antes de acabar a
confissão chegou o recado, que disse.
Nem é muito, estando à porta deste cargo, antevê-lo, pois havia mais que um ano lh’o
tinha Deus revelado, na nossa casa de São Paulo, como consta do testemunho do Padre
Agostinho de Matos, que então era irmão, e foi presente a tudo e o refere desta maneira:
“Indo o Padre José visitar aquela casa, estando ao fogo no inverno, diante de três padres e de
dois irmãos, disse quase zombando: “ora, olhai o que dizem as velhas, que hei de ser
provincial, e que boas costas tenho”(porque as tinha quebradas); disse mais que havia de ser
reitor da Bahia, mas que não havia de servir para o cargo.
Espantados os presentes notaram o dito do padre e o tempo, e vendo depois que tudo
assim se cumprira, deram a Deus muitas graças, por se comunicar a seu servo, tão
extraordinariamente.
Vindo o Padre José ao Colégio, fez o padre provincial uma prática, e leu a patente do
nosso padre geral, entregou o cargo ao Padre José, e se despediu beijando os pés a todos com
muitas lágrimas, assim dos superiores como de todo o colégio que estava presente.
O Padre José aceitou o novo trabalho com muita dor e sentimento seu, e ao dia
seguinte, fazendo outra prática, em que nos pediu a todos o ajudassem com suas orações, lhes
beijou também os pés.
VIRTUDES QUE MOSTROU NO GOVERNO - 1578
Começou a governar a Província no ano de mil quinhentos e setenta e oito, e o
continuou por obra de sete anos com muita prudência e inteireza, temperando-a com sua
natural brandura e benignidade, sendo em todo aquele tempo o que sempre fora, na oração e
familiaridade com Deus, e no tratamento de sua pessoa mui exemplar, e nada pesado aos
súditos, antes a todos um vivo retrato de virtudes, de modo que, calando, parece que dizia o
que São Paulo escreve aos filipenses, capítulo quarto, que fizessem o que dele aprenderam,
por obra e por palavra, quae didicistis et accepistis et vidistis in me haec agite (Fil, IV, 9.).
Então se mostrava com todos mais fácil e humano, de modo que folgavam de se
confessar com ele os de casa, antes que com seus confessores ordinários.
Nas viagens que fazia por mar, vigiava toda a noite, para que os outros dormissem
descansados, e quase todo esse tempo gastava em contínua oração. Caminhando por terra
sempre conservou seu antigo costume de andar a pé e descalço, com o bordão na mão.
MANSIDÃO
Tinha singular graça e modo para temperar discorde, e consolar afligidos, e
desassombrar tentados, mas o que ele muito se enxergava, era uma contínua paz e mansidão,
enquanto se queriam ajudar aqueles com que tratava.
Acho nos testemunhos dos nossos padres, dois passos em que ensinou de palavra esta
virtude, que em seu peito tinha mui altas raízes. O primeiro é este: ouviu contar que dizia um
padre que não havia o superior de passar por falta de súdito, sem a emendar com aviso,
repreensão ou penitência. Louvou o Padre José o dito, e acrescentou: “e eu digo que não há
de haver falta, no súdito, que o superior a não chore duas a três vezes primeiro, diante de
Deus, que lhe falte nela”.
Segundo passo: perguntou o Padre José, sendo provincial, porque se houvera
asperamente com um súdito. Respondeu: “quem me deu o ofício de ministro, me instruiu que
não deixasse passar ocasião, em que pudesse exercitar os súditos em paciência, que o não
fizesse”.
A que o Padre José, acudiu dizendo:
“Pois eu in nomine Domini, vos dispo agora esse hábito de rigor e vos visto outro de
mansidão, com que nunca deis ocasião a nenhum súdito de impaciência, senão de todo amor
e afabilidade”.
O padre que era ministro prometeu de o cumprir e assim o fez e faz hoje em dia, e
conta isto que passou com o Padre José. E foi este o Padre Afonso Gonçalves.
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