CAPÍTULO NONO. PARECE QUE CONHECIA OS PENSAMENTOS DAQUELES COM QUEM TRATAVA. PROFECIAS

Guardei de propósito para este capítulo, alguns exemplos tirados dos testemunhos da vida do Padre José, que parece que claramente provam valer ele nesta vida, e andar em tão alto grau de privação com Deus Nosso Senhor, que muitas vezes lhe revelava, os segredos e pensamentos e consciências das pessoas com quem tratava, da qual notícia usava o servo de Deus, com as mesmas pessoas, ou para aquietar suas consciências temerosas, ou para atalhar pecados e graves desastres.

E posto que de outros santos se escrevam semelhantes coisas, como raras e em prova de santidade deles, em o Padre José era isto tão certo e ordinário, que alguns dos nossos receiavam de estar na casa onde ele era superior. E um deles diz em seu testemunho estas palavras: “o Padre José me descobria muitas coisas que eu com os de casa pensava, que só Deus e eles podiam saber, e assim andávamos muito sobre nós, por entendermos, que nada se lhe encobria, e que Deus lhe revelava tudo”.

INÁCIO TOLOZA – DESCOBRE UM PECADO AO MESMO PENITENTE

Estava o padre Pero André doente no Colégio da Bahia, sendo provincial o Padre José; entrou um dia pela manhã o enfermeiro e achando que estava em perigo, foi logo sem falar com ninguém em busca do Padre José, pedir-lhe viesse confessar ao enfermo.

Viu ao padre de longe no cabo de um corredor, e antes de lhe dizer nada, nem lhe declara o conceito que levava, lhe disse o Padre José em voz alta: “ide depressa à portaria, e chamai ao Padre Inácio Toloza, que deixe a confissão que está fazendo, e vá em meu lugar confessar ao padre doente”. Assim se fez. Acabada a confissão perdeu logo o juízo, e não no cobrou até a morte. Um homem testemunha de si mesmo este caso: que sendo ele moço, se confessara com o Padre José, e encobria certo pecado, mas o padre lh’o disse claramente, o que ele vendo, pelo conceito que tinha da santidade do padre, se rendeu e fez confissão inteira como devia, entendendo que Deus lh’o revelara.

AQUIETA A DOIS, DE SEUS ESCRÚPULOS, SEM OS OUVIR

Um padre confessado do Padre José, foi uma vez para se confessar com ele; respondeu-lhe que fosse dizer missa, que não era mais necessário. Replicou que tinha um escrúpulo. Acudiu o padre: “vá embora que esse escrúpulo é de tal matéria (como era na verdade), e nisso mais mereceu do que desmereceu”. Com que o padre se aquietou, sendo assim que por via humana era impossível saber a matéria do escrúpulo, e muito menos se merecera ou não. Da mesma maneira, a um padre que vinha com outro escrúpulo, antes de lhe ouvir palavra alguma da matéria, o aquietou dizendo que não tivera nisso culpa.

LIVRA DO PERIGO A UM PADRE

Mandou a um padre que fosse confessar certa pessoa doente, e ele foi dizer missa. O confessor, querendo fazer seu ofício, achou-se lá em um perigo, de que Deus o livrou por orações do Padre José, a quem o mesmo Senhor o revelou na mesma missa. Porque tornando o confessor para casa, entrou na sacristia ao tempo que o Padre José se estava despindo; ao qual antes de falar palavra disse o Padre José, que o ajudara naquele perigo, usando daquelas palavras que o Senhor disse a São Pedro: (Lc 22) Ego rogavi pro te, Petre, ut non deficiat fides tua.

Entrou o Padre José em um Colégio, e um irmão que nunca o tinha visto, em o vendo, formou dele fraco conceito, pelo ver de estatura e presença pouco vendável; e disse em seu coração somente: “para que é agora cá isto?” Não se escondeu este pensamento ao humilde padre, por mais secreto que foi, e quando chegou a abraçar este irmão, lhe disse com muita alegria e caridade: “assim é, irmão, como vós cuidais, e só vós me conhecestes; para que sou eu cá?” De que o irmão, ficou não menos confuso pelo conceito que formara, de que espantado de ver que o padre conhecera o que em seu coração passara.

Outro irmão, por se achar muito fraco, pediu ao dispenseiro lhe desse alguma coisa para merendar. Respondeu-lhe: “não há licença e logo o padre provincial o há de saber, ainda que ninguém lh’o diga”. Daí a pouco vai o Padre José ao cubículo do enfermeiro, e diz-lhe: “daí ao irmão o que vos pede, porque tem necessidade”.

LIVRA A UM IRMÃO DO ESPÍRITO DA IRA

Um irmão andava com uma pesada melancolia na matéria de ira, e sem dizer nada a ninguém acerca dela. Nisto perpassa por ele o Padre José, e diz-lhe assim: “fora, fora com isso que não presta”. E deitando-lhe a bênção, o deixou tão desassombrado, como se tais pensamentos nunca por ele passaram.

LIVRA CERTOS HOMENS DE COMETEREM ALGUNS PECADOS

O testemunho autêntico de João Soares, morador em São Paulo, diz assim: perguntado ele, testemunha, do que sabia do Padre José de Anchieta, que está em glória, disse: que era verdade que havia obra de trinta e cinco anos, que conhecia ao dito padre nesta costa do Brasil, e muitas vezes o acompanhara por caminhos e povoações, e se criara ao bafo de sua doutrina. E o tinha por Santo em sua vida, porque muitas vezes ia ele testemunha a cometer brigas e outras coisas de pouco serviço de Deus, sem dar conta a ninguém, e o padre se ia Ter com ele e lhe dizia: “filho não vades fazer o que levais determinado, não vades com tal propósito, porque vos castigará Deus, Nosso Senhor”.

E assim me tirava de meus maus intentos com suas santas palavras e exemplos.

E disse mais, que um dia foi cometido de um amigo para irem matar um homem, e juntamente a mulher do mesmo seu amigo, que andava já fugida de casa; e que estando eles tratando o como, sem saber do caso viva pessoa, chegou o Padre José e lhes disse: “filhos não façais o que estais determinado”. E lhes deu tão eficazes razões que ficaram fora de si. E não somente os tirara do mau propósito, mais ainda ficou o homem tão mudado, que logo disse: “padre, trazei minha mulher para casa”.

E logo ele João Soares a foi buscar, com recado do Padre José, à fazenda onde estava escondida do marido, e a trouxe à vila, onde o padre, e ele testemunha, a entregaram a seu marido. E daí por diante viveram em paz e serviço de Deus, que seja glorificado em seus Santos.