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Durante todo o tempo em que ele pregou o cristianismo
nas cortes dos Daimyos e nas praças, mercados e ruas, nunca
Xavier perdeu de vista, um instante que fosse, o seu
verdadeiro objetivo: ele tinha vindo para aí afim de
converter o soberano de todo o Japão. Tudo quanto aqui no sul
soíam lhe contar acerca da capital imperial de Miako,
aumentou ainda mais o seu desejo de penetrar até lá; pois,
dizia-se, a capital possuía também uma grande universidade, “
assim mais ou menos parecida à Universidade de Paris.” Aí é
onde se deveria procurar, evidentemente, uma das sedes mais
importantes do paganismo da Ásia Oriental.
Nessas condições Xavier insistiu sempre pelo
prosseguimento mais rápido da viagem e esperou, ansiosamente,
pelo grande e decisivo momento em que por fim, poderia
aparecer diante do “ rei” .
Aportara ele no extremo sul do reino insular japonês e
dali até a capital de Miako mediava uma distância de
oitocentos quilômetros, que deveria ser percorrida, parte em
navio, parte por através de estradas mal tratadas, transpondo
altas cadeias de montanhas e atravessando regiões perigosas,
povoadas de salteadores e tropas vagabundas. A estação era a
mais desfavorável que se podia desejar, pois reinava um
inverno sumamente rigoroso, o qual fazia com que o viajor se
atolasse na neve, muitas vezes, até aos joelhos. Xavier
venceu todos os obstáculos e estava sempre com boa disposição
de ânimo; saltou e exultou como um rapazola, no instante em
que, por fim, Miako apareceu diante de seus olhos. A cidade
imperial, a atual Kioto, apresentava-se ao recém-chegado como
um mar ondulante de telhados negros, dominado por templos
elevados e altas torres, circundado por montanhas cobertas de
neve.
Xavier julgou ter atingido finalmente o alvo de suas
esperanças, enquanto, na verdade, o que esperava por ele era
uma imensidade de decepções fundíssimas. Já por ocasião da
sua entrada na cidade teve de notar que casas e ruas exibiam,
claramente, vestígios de agitação bélica e causavam uma
impressão de desconsolo, ruína e miséria. Pois as
encarniçadas lutas de anos inteiros, travadas entre as
castas rivais da aristocracia tinham assolado a cidade toda;
as casas de moradia dos nobres e até mesmo os pagodes haviam
sido convertidos em fortalezas e estavam circundados de
baluartes e trincheiras; no meio disso apareciam ruínas
abandonadas, negras de fumo, resultantes do roubo e da
pilhagem.
A misteriosa universidade em que Xavier pretendera
anunciar a doutrina cristã parecia deserta; os conventos dos
bonzos estavam vazios, pois os monges também participavam,
ardorosamente, das lutas. Depois de errar durante dias a fio
pela cidade morta conseguiu Xavier, finalmente, descobrir o
palácio de Gosho, no qual residia Go-Nara, o Sublime
Imperador.
O grande Voo, na sua qualidade de descendente de
Amaterasu, a deusa do sol, desfrutava honrarias divinas;
recolhido em seu harém, só de raro em raro se mostrava ele à
corte, a qual, então, silenciosa, prostrada em terra, tinha
de adorá-lo. A pureza sem mácula do imperador já era
considerada como poluída se um homem comum pusesse nele o seu
olhar. Nunca abandonava o seu palácio, pois não podia pousar
o pé no chão nu, sem se profanar. Todos os dias as suas
mulheres traziam-lhe novas vestes; seus alimentos lhe eram
servidos em pratos que saíam de fresco, diariamente, dos
fornos de porcelana e tinham que ser destruídos depois de
usados uma única vez.
Xavier tentou conseguir uma audiência do Voo por
intermédio de um dos funcionários em serviço na corte; disse
que estava incumbido de entregar ao soberano uma mensagem do
papa, o senhor poderoso da cristandade, e que tinha também
trazido de sua pátria maravilhosos presentes de honra. O
funcionário da corte informou que iria fazer o que estivesse
ao seu alcance, mas que, em todo o caso a decisão iria
demorar ainda um longo tempo; enquanto isso o estrangeiro
poderia se utilizar de sua hospedagem.
Quando Xavier, depois, se inteirou com exatidão do
cerimonial a ser observado durante a recepção, o funcionário
que se agradara de seu hóspede, começou a contar-lhe com
precisão como eram as coisas na corte e como vivia o
imperador. E eis que Xavier, bem depressa, teve de reconhecer
com decepcionada admiração que o Voo, o sublime filho do sol
colocado no trono do Japão, era, na verdade, adorado à
maneira de um ídolo mas que ele, desde o momento em que os
senhores feudais haviam chamado a si todo o poder, nada mais
era do que um ídolo sem nenhuma inteligência e sem o mínimo
prestígio político.
Go-Nara, o descendente de Amaterasu, a deusa do sol,
visto que, em conseqüência da guerra civil os inostos já não
entravam mais com regularidade, tivera de lutar mesmo com
grandes dificuldades financeiras. Não dispunha mais nem
sequer dos meios para mandar endireitar as paredes em ruínas
do palácio, e, assim, era fácil a qualquer pessoa o poder ver
desde fora o que estava se passando lá dentro, por através de
grandes fendas e rachas; como, porém, as prescrições do
cerimonial exigiam que o imperador estivesse sempre protegido
contra olhares profanos, os funcionários da corte não acharam
outra saída mais do que rodear o soberano com biombos de
papel.
Mesmo agora as refeições continuavam a ser servidas ao
Voo em pratos de porcelana, os quais eram destruídos depois
de utilizados uma só vez; mas os alimentos servidos nos
pratos eram miseráveis e escassos, pois faltava o dinheiro
necessário para cuidar regularmente da manutenção da corte e
do imperador. No fim de contas não restara mais ao Voo outra
coisa senão o ganhar um pouco de dinheiro por meio de
trabalho executado por suas próprias mãos, copiando ele
cânticos manuscritos para amadores ricos, em troca de paga
adequada.
Dado que os conradores não tinham permissão para ver o
Imperador face a face, o que eles tinham a fazer era
depositar a inortância do pagamento atrás de uma cortina do
salão de recepção e, então, aparecer algum tempo mais tarde,
para receberem o manuscrito preparado pelo imperador. Mas se
o conrador, alguma vez, tinha necessidade de dirigir algumas
palavras pessoalmente ao Voo, afim de se acertar com ele a
respeito do preço da cópia, então ele tinha que atentar
cuidadosamente na circunstância de que não lhe era permitido
nunca fitar o sublime Filho do Sol durante todo o tempo da
audiência. O loquaz funcionário da corte informou também ao
missionário de muita coisa desagradável sobre as princesas e
damas de honor famintas, as quais, muitas vezes, se viam na
contingência de chamar os mercadores da rua, por através das
brechas das paredes do palácio, para pedir-lhes caritativas
dádivas de batatas doces. Xavier ouviu essas informações
contristadoras com sincera emoção e ficou tomado de viva
conaixão pela situação embaraçosa do soberano. Mas ele tinha
diante de si uma missão mais elevada e, por isso, devia tirar
dessas noticias surpreendentes as conclusões práticas
correspondentes.
Sua intenção era, na verdade, conquistar o Japão e a
China inteiros para a Igreja católica e, nisso, o imperador
não lhe podia ser de utilidade, pois, tão sublime como era,
que a ninguém era licito pousar nele o olhar, apesar disso
vivia de trabalhos de escritura, rodeado de uma corte que se
alimentava de batatas mendigadas, um imperador para quem o
solo sobre o qual ele não podia pousar o pé, já lhe fora
arrebatado, havia muito, por revolucionários poderosos. Assim
é que o missionário interroneu, finalmente, as intermináveis
narrativas do funcionário da corte e informou-se sobre quem
exercia o domínio sobre o Japão, já que não era o imperador.
Então soube ele que era o Chogun, o generalíssimo, quem de
fato governava o país. Mas quando ele procurou se informar
mais minuciosamente sobre esse Chogun, evidenciou-se que o
atual generalíssimo Aschinaka Taschiteru era um rapazola de
quinze anos, o qual não tinha voz ativa, também, e justamente
agora se achava foragido de seus inimigos. Para falar com
exatidão, assim acabou confessando melancolicamente o
funcionário, os verdadeiros detentores do poder,
presentemente, no Japão, eram somente os adventícios, os
daimyos. Então Xavier soube, por fim, que decisão tomar.
Agradeceu ao seu anfitrião e sem esperar mais tempo pela
audiência solicitada, abandonou Miako na manhã seguinte.
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