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EL-REI D. JOÃO MENCOMENDA A CONVERSÃO DOS GENTIOS - O GOVERNADOR MEM DE SÁ
Acabando o Governador Geral Dom Duarte da Costa seu tempo, proveu El_Rei Dom
João Terceiro a Mem de Sá , homem letrado, prudente e de grande ânimo, no último ano de
sua vida, que foi o de mil quinhentos e cinqüenta e sete.
E estando informando dos graves impedimentos que havia para a conversão, assim da
parte dos portugueses, como do mesmo gentio, entre os capítulos do Regimento que lhe deu,
para o bem da terra, foi um em que lhe encomendava muito, tudo o que tocava à conversão
do gentio.
Começando Mem de Sá, a governar, mandou chamar os principais (que assim chamam
aos índios que regem suas aldeias) que moravam ao redor da Bahia. E assentou pazes com
eles, metendo por condição, que não haviam de comer carne humana de seus contrários, e
que haviam de consentir lhes pregassem os padres o Santo Evangelho e Lei do verdadeiro
Deus, o que aceitaram.
Acabou também com eles deixassem algumas aldeias pequenas, e se ajuntassem em
outras grandes, e que fizessem Igrejas para mais comodamente poderem ser ensinados,
residindo com eles os padres da Companhia, como até agora se guarda.
Ele oferecia com sua presença os batismos gerais que os padres faziam e folgava de ser
padrinho de alguns índios de mais nome, e assim como era pontual em fazer que os índios
guardassem as condições capituladas, assim, era rigoroso em os defender de quem lhes queria
roubar a liberdade, ou molestar suas famílias.
Donde veio, mandar uma vez, com mão armada, a pôr por terra as casas de um homem
poderoso que prendera em suas casas uns índios como de feito se houvera de executar se o
culpado não .................................................(ilegível na xerox - pag. 46)
Aos gentios da comarca de Paraguassu, que molestavam aos índios que estavam nas
igrejas, e tinham mortos alguns homens, sem quererem entregar os matadores, confiados em
sua ferocidade e multidão, fez guerra tão de propósito, que foi a ela em pessoa, por assim
necessário, e matando a muitos deles, e queimando-lhes cento e sessenta aldeias, os sujeitou e
fez que pedissem pazes, que lhes concedeu, com eles primeiro edificarem igrejas onde
pudessem ser doutrinados dos padres.
Até que as injúrias do tempo, doenças gerais e outras ocasiões os consumiram, depois
de serem muitas almas mandadas ao céu. Isto quanto ao gentio da Bahia.
Entretanto as coisas no Rio de Janeiro estavam no mesmo estado e pior, porque o
poder dos franceses calvinistas, ia muito por diante, com naus que vinham de socorro, e com
a multidão do gentio tamoio, amigo seu e inimigo dos portugueses, que à sombra da fortaleza
nos perseguiam, como já se disse no capítulo sexto; pelo que o governador se determinou a ir
conquistar aquela força, que de presente tanto mal fazia, e por tempo podia vir ameaçar a
todo o Estado.
Levou consigo a armada, que para este fim mandara do Reino a Rainha Dona Catarina,
que então governava, e outros navios da costa, com soldados e alguma gente nobre da Bahia e
de outras partes, que o quis acompanhar, afora a que viera na armada.
Chegou a frota ao Rio de Janeiro no princípio do ano de mil quinhentos e sessenta.
Combateu-se a fortaleza que parecia inexpugnável e com a ajuda divina, se rendeu.
E para que se visse como isto fora obra de Deus (cujo favor invocaram os fiéis por toda
a costa, com sacrifícios e procissões), quando já ia a nosso exército faltando a pólvora para a
artilharia, entraram os nossos por uma ponta de ilha, desviada e mui fragosa, e ganhando a
casa da pólvora, os inimigos, assim franceses como tamoios largaram tudo e fugiram por uma
rocha abaixo, e se puseram em cobro nas canoas; e logo se disse missa na fortaleza in gratiarum
actionem, da qual em poder dos calvinistas não havia memória.
Não se povoou desta vez o Rio de Janeiro, mas mandou o governador guardar a
artilharia, que era muita, e o mais que podia servir aos nossos, e destruída a fortaleza se foi a
São Vicente dar ordem às coisas daquela Capitania.
E isto feito deu volta para esta Capitania da Bahia a vinte e cinco de junho do mesmo
ano. Veio com ele o Padre Provincial Luís da Grã, que fazia a doutrina aos portugueses na
nau, por toda a viagem, a que acudia também o governador e estava a ela desbarretado dando
exemplo aos outros.
Deu logo conta à rainha do que fizera na jornada, o que a S. A. agradeceu muito;
porém de ele deixar a terra sem presídio a risco de entrar outra armada inimiga que fizesse ali
assento, com maior poder e perigo nosso, mostrou descontentamento, pelo que lhe mandou a
tornasse a povoar, para o que lhe enviou dali a algum tempo novo socorro.
Dos franceses uns se foram para suas terras, outros se passaram a seus amigos os
tamoios e os ajudavam com ardis, de maneira que fizeram depois outra guerra aos
portugueses, tão contínua, e porfiada que não bastou para a concluir uma boa armada que
viera do Reino, com o Capitão-mor Estácio de Sá, mas foi necessário tornar o mesmo
Governador em pessoa da Bahia com novo socorro, como logo se verá.
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