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No tempo da guerra dos tamoios, contra a capitania de São Vicente, viviam
nela duas irmãs casadas, uma na vila e outra no campo. Esta foi à casa da irmã
ajudar-lhe a fazer uns rolos delgados de cerca da terra, e, entre rolos, fez duas
velas mais grossas. E repreendendo-a sua irmã que lhe gastava a cerca, disse
ela: “estas velas faço para o Padre José me dizer missa com elas, quando eu for
santa”.
Daí a dias deram os inimigos um assalto na capitania, onde levaram algumas
pessoas, e a esta mulher entre os mais, que foi entregue a um principal, mas
nunca quis consentir com ele, gritando: “sou cristã e sou casada”. E isto por
tantas vezes que o bárbaro, dando-se por afrontado, a matou por esta causa em
terreiro, que é como em alto público e judicial, com uma morte cruel e
afrontosa.
UMA MÁRTIR PELA CASTIDADE. DIZ MISSA DELA
E na mesma manhã, que esta ditosa mulher triunfou do bárbaro cruel e
desonesto, foi o Padre José pedir as velas à outra irmã, e disse missa com elas,
não de requiem, mas de uma mártir, nomeando-a por seu nome; havendo
distância, entre são Vicente onde o padre estava, e o lugar onde ela foi
martirizada de setenta léguas.
Soube o padre provincial Manuel da Nóbrega do caso, e perguntou-lhe
diante dos padres que mártir era aquela, de que dissera missa. Respondeu que
era fulana que em tal hora entrou no céu, mártir pela castidade. E daí a alguns
dias, vindo homens que no salto foram tomados com ela, contaram cada um
por si esta morte da mesma maneira.
Este caso contou por vezes o Padre José, e o relataram o Padre Vicente
Rodrigues, e o Irmão João de Sousa neste Colégio da Bahia, que se achavam
na casa de são Vicente, no ano de mil quinhentos e sessenta e oito.
De outras duas mártir se fez menção que morreram pela castidade, no livro
I, capítulo 6º, infine.
DIZ MISSA POR UM NOSSO PADRE QUE AQUELA NOITE FALECEU EM ITÁLIA
Na mesma casa de São Vicente, disse o Padre José missa de requiem, dia de
São João Evangelista, a Segunda oitava do Natal.
Perguntou-lhe o Padre Manuel da Nóbrega, diante de alguns de casa, como
deixaria a missa de tão grande Santo por uma de requiem, a fim de que o caso
fosse manifesto para glória de Deus. Respondeu que dissera por um padre da
Companhia, que fora seu condiscípulo e amigo, sendo estudantes em Coimbra,
que aquela madrugada, dera sua alma a Deus no nosso Colégio do Loreto, em
Itália. Acudiu o Padre Nóbrega: “que é feito agora dele?” Respondeu: “já saiu
do purgatório, quando levantei a Hóstia a Segunda vez”.
Este caso contou o Padre Vicente Rodrigues, que estava em São Vicente.
Dizem que há, de São Vicente a Lisboa distância de mais de mil léguas, e de
Lisboa a Roma mais de quatrocentas, mas entre Deus e seus servos, não há
nenhuma.
DO FORTE DA CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO
Na Capitania do Espírito Santo, contou ao Padre Jácome Monteiro,
(companheiro do padre Visitador Geral desta Província, Manuel de Lima)
Maria Alves, dona viúva, que estando ela muito doente e desconfiada de sua
vida, de seu pai e mãe, a fora visitar o Padre José, e lhe dissera que não havia
de morrer daquela. E ainda hoje é viva.
Ao mesmo padre contou um mancebo, por nome Fulano Godinho, que
quando se fazia o forte que está da banda vila, dissera o Padre José aos
moradores, que não tomassem mal o trabalho de o fazer, porque cedo haviam
de vir ingleses, como vieram. E posto que no princípio fizeram algum dano,
contudo tanto que chegou o socorro dos índios das aldeias, largaram tudo e se
acolheram com as mãos nos cabelos, deixando alguns as armas e muitos a
vida.
E isto sucedeu governando a Capitania Dona Luisa Grimalda, mulher que
fora de Vasco Fernandes Coutinho, com o Capitão Adjunto Miguel de
Azeredo.
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