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Sendo o Padre José provincial, andava neste Colégio da Bahia um pedreiro
por nome João Fernandes, casado em Portugal. Sucedeu que trabalhando ele
no campanário da nossa Igreja e assentando uns sinos, passou o padre por
baixo e falou-lhe em alta voz, dizendo: “João Fernandes, acunhai bem esses
sinos, porque vós haveis de ser o primeiro irmão da Companhia, por quem
eles se hão de dobrar, nesse lugar”.
Daí a alguns meses os padres da casa persuadiam ao Padre José, que fosse
visitar o Colégio de Pernambuco, conforme a obrigação de seu cargo, por se
irem acabando as monções; mas ele ia dilatando a jornada sem dizer a ninguém
o porquê. Somente a um padre disse estas palavras: “apertam comigo que me
vá a Pernambuco, e eles não sabem que quer Deus que me ache eu aqui no dia
de Nossa Senhora da Conceição, porque neste dia tenho aqui quer fazer”.
DO PADRE LUÍS DA FONSECA
Finalmente se resolveu em cometer a viagem, e à despedida, abraçando aos
padres e irmãos, encontrou com o Padre Luís da Fonseca, e lhe disse: “ficai-
vos embora, meu companheiro, que vós haveis de ir comigo a Pernambuco, e
do mar vos hei de tornar a buscar”.
Partiu e dali a mais de trinta dias arribou, entrou no Colégio em dia da
Conceição da Senhora, e querendo os padres levá-lo aos seu cubículo, eles
lhes disse que tinha que fazer em outra parte, e deu a andar para outra casa em
que agasalhavam os pedreiros do Colégio, em que estava doente o sobredito
João Fernandes, havia já meses, e neste tempo soubera ser falecida sua mulher
em Portugal.
Chegou-se o padre à cama e começou de o consolar, dizendo: “João Fernandes, a Virgem Nossa senhora
me manda cá, que vos receba na Companhia por irmão nosso, na qual eu vos hei por recebido de hoje para
sempre, e vos encarrego que tenhais lembrança de mim diante desta Senhora,
pelo bem que vos hoje faço, pelo seu amor, diante da qual vos haveis de ver,
de hoje a sete dias”.
Depois de o ter assim recebido daí a quatro dias, indo-o a visistar o padre,
lhe disse com notável alegria: “Irmão João Fernandes, alegrai-vos com uma
boa nova que vos trago, que vossa boa companheira está diante de Deus,
esperando por vós”. E saindo da casa do enfermo disse aos irmãos que o
acompanhavam: “não era possível que mulher de tão bom homem como este,
se perdesse”.
FALA O PADRE COM OS NOSSOS
No dia em que este irmão faleceu, achando-se o Padre José com os mais
padres a seu passamento, em acabando de expirar, se levantou logo o padre em
pé, e disse com notável sentimento estas palavras formais: - “Irmãos, a este
homem que agora de sua alma nas mãos de Deus, depois de haver sido toda
sua vida pedreiro, e a mais dela casado, deu Deus em sete dias o prêmio da
Religião e vida religiosa, porque se entregou a Deus de todo seu coração, para
com ele no dia do juízo julgar e confundir alguns dos que aqui estão presentes
neste cubículo, os quais depois de muitos anos, por não darem seu coração a
Deus, não hão justamente de alcançar o prêmio da religião”.
E dito isto se saiu logo, deixando a todos atônitos, e com as cores mudadas,
sem nenhum falar palavra, mas como se cada um dissera no interior de sua
alma, assim mesmo: Nunquid ego sum? 1 E o tempo descobriu bem ser aquela
palavra dita por alguns dos que ali estavam, que não perseveraram na
Companhia. Este caso bem considerado, contém em si muitas profecias.
Das quatro primeiras os homens podiam dar fé serem cumpridas e
alcançarem seu efeito, como na verdade se viu, porque o novo irmão faleceu
no prazo assinado dos sete dias e por ele se tangeram a primeira vez os sinos
naquele lugar; o Padre José de fato arribou e, para que nada ficasse por fazer,
achou no Colégio recado de nosso Ver. Padre Geral para que o Padre Luís da
Fonseca fosse seu companheiro, e não o padre que levava dantes.
Quanto às outras duas palavras, que tocam à salvação dos dois, um dos
quais estava já diante de Deus esperando pelo outro, de crer é também se
cumpriram, pois seu humilde servo assim o significou. Glória seja ao mesmo
Senhor, Qui est mirabilis in sanctis suis. 2
DO IRMÃO FRANCISCO DE ESCALANTE
O Irmão Francisco de Escalante afirma que a primeira vez que foi à portaria
do Colégio do Rio de Janeiro a pedir a Companhia, disse ao porteiro lhe
chamasse ao Padre José; e indo o porteiro chamar o padre lhe respondera: “ide
embora que já sei quem é, e o que quer”. Sem nunca o ter visto. Diz mais que
o mesmo padre lhe profetizou haver de morrer na Companhia, com que viveu
muito consolado.
DESENTERRA E BATIZA UM MENINO DIFERENTE DO OUTRO
Diante do Padre Domingos Monteiro, e outros da casa contou o Padre José
este caso, que lhe acontecera em São Vicente, sendo irmão, e tendo cuidado de
ensinar ao gentio.
Soube o padre que dali a meia légua nascera a uma Índia um menino
aleijado; e que pelo ver assim, o enterrara logo, como cega e bruta que era.
Tomou logo o chapéu e bordão, e com muita pressa se foi onde o menino
estava já enterrado, e o desenterrou, e o batizou, porque ainda o achou com
algum sinal de vida, e logo lhe expirou nas mãos; e vindo para casa contou o
sucesso com muita alegria.
O mesmo caso aconteceu ao Padre Jerônimo Rodrigues, em outra aldeia, e
acontece a outros padre que andam entre o gentio.
REPREENDE A UM MANCEBO
Na casa do Espírito Santo, um Domingo à tarde, mandou o padre chamar a
um mancebo para cantar na doutrina; não no acharam em casa, mas tanto que
soube do recado veio ter como o padre à sacristia, dizendo: “não me acharam
em casa, mas eis-me aqui”.
Respondeu o padre:
“Já vos não quero nada, que quem vem donde vós vindes, não houvera de
vir aqui”.
De que o mancebo ficou pasmado e corrido.
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