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Darei princípio, a este capítulo por uma coisa bem pequena para que se veja
que nem estas se escondiam ao espírito do Padre José.
Antônio de Sousa, morador no Rio de Janeiro, caminhando um dia a pé
com o Padre José e outros homens, queixou-se no cabo da jornada que perdera
uma faca de preço, e que havia de tornar a buscar. Respondeu-lhe então o
padre:
- “Ora já que a quereis ir buscar, a achareis em tal parte”.
Foi e deu com ela no mesmo lugar, que o padre dissera; e vindo depois ao
Rio de Janeiro, contava este caso com grande admiração, dizendo que era santo
e que Deus lh’o revelava, porque caminhando sempre naquela jornada diante
de todos, não podia humanamente saber aonde caíra a faca, ao homem que
vinha de trás.
QUE ERA MORTA UMA MULHER EM LISBOA – PROFECIA
Estava um irmão nosso neste Colégio da Bahia, em sua câmara, escrevendo
a uma irmã sua que tinha em Lisboa. Entrou o Padre José e disse-lhe:
- “Que estais ai agora gastando o tempo em balde”?
- “Escrevendo a minha irmã, disse o irmão.
O padre sorrindo-se disse:
- “Ide-me vós dar de comer, a mim (porque o padre andava mal disposto, e
o irmão era enfermeiro), e a vossa irmã mandai-lhe cartas ao céu”.
Daí a algum tempo soube o irmão por outra via, ser morta sua irmã, e que
morrera no mesmo tempo em que o padre lh’o dissera. Pediu então ao padre
dissesse algumas missas pela alma da defunta. Respondeu o padre:
- “Já lh’as disse logo quando Deus a levou”.
Há da Bahia a Lisboa, mais de mil léguas, mas a distância das terras não
impede os favores do céu.
PROFECIA
Na Vila de Santos, dava uma mulher honrada quatro caixas de marmelada,
ao Padre José, para dar a um filho seu que tinha no Rio de Janeiro, para onde
o padre então partia em uma canoa. O padre lhe disse que escusasse isso,
porque seu filho havia de vir ao dia seguinte jantar com ela em sua casa, e que
não tomasse trabalho de lh’as mandar; insistiu ela e o padre lh’as tomou, por
lhe fazer a vontade, dizendo:
- “Manoel de Oliveira, (que era o filho dela), mas dará, para ajuda da minha
matalotagem, hoje às horas da ceia”.
O que tudo assim sucedeu, dando todos o que o souberam muitas graças a
Nosso Senhor, e tenho a seu servo em maior estima.
Estando os moradores do Rio de Janeiro, ainda com poucas forças para
poderem resistir aos inimigos, mandaram pedir socorro à Capitania de São
Vicente (onde estão morava o Padre José) contra duas naus francesas que
estavam na barra.
Fez-se a gente prestes para o socorro. O Padre José lhes disse que fossem,
embora, mas que não tinham lá que fazer, porque naquele mesmo dia eram as
naus partidas da barra, o que assim se achou ser verdade, com haver do Rio de
Janeiro a são Vicente quarenta léguas.
QUE AS ÁRVORES HAVIAM DE CAIR SOBRE UMA CHOUPANA
Partiram uma vez da casa de São Vicente para São Paulo, o Padre José e o
Padre Vicente Rodrigues, e no meio da serra se aposentaram em uma
choupana. E na mesma noite uns homens que vinham de São Paulo pela serra
abaixo se agasalharam em outra, meia légua antes de chegarem donde os
padres estavam.
Nisto lhes manda o Padre José recado por um índio, que se viessem logo
para onde ele estava, e não dormissem ali, porque aquela noite haviam de cair
as árvores (que são altíssimas) sobre a choupana, e não os tomassem debaixo.
Vieram logo, pelo crédito que lhe tinham, e antes que entrassem na
choupana do padre, lhes disse que se confessassem todos com o padre seu
companheiro. E fazendo assim todos, disse a um que se tornasse a confessar,
como fez. E acrescentou, como por graça: “não entreis vós outros cá com essa
mofina que trazeis, não nos abranja também a nós”.
Aquela noite fez grande tormenta e, vinda a manhã, os padres continuando
seu caminho, foram dar na choupana daqueles homens, que acharam feita em
pedaços, com as grandes árvores que lhe caíram em cima; e deram graças a
Deus pelo modo com que livrou aqueles homens da morte.l
Este caso contou o Padre Vicente Rodrigues ao Padre Pero Leitão, que assim
o depôs em seu testemunho.
OUTRA: QUE A JUSTIÇA VINHA A PRENDER UM HOMEM
Na Capitania do Espírito Santo, estava um homem homiziado em sua
fazenda, com sua família, fora da vila, e o Padre José em uma aldeia, obra de
meia légua dele.
Nisto manda o padre um recado à mulher do homiziado, à meia noite, que
avisasse ao marido se pusesse em cobro, e ela que se fosse logo para a vila,
porque a Justiça lh’o ia prender; fizeram-no ambos conforme ao aviso do
padre, e ela no caminho achou a Justiça que lhó ia prender. E da vila à aldeia
onde o padre estava havia algumas léguas.
OUTRA: QUE NÃO MORRERIA UM ÍNDIO
Em uma aldeia da Capitania do Espírito Santo, três ou quatro léguas da vila,
estava um índio muito doente havia dias, nem tinha mais que os ossos, ungido
já, e chorado pela aldeia, sem nenhum sinal de vida mais que alguma quentura;
deu o padre conta do caso ao Padre José que estava na casa da vila, e
respondeu:
“Eu o encomendarei a Deus; José (que assim se chamava o índio) não
morrerá desta”.
E assim foi que viveu depois muitos anos.
OUTRA: QUE ERA MORTO OUTRO ÍNDIO
Na Capitania de São Vicente, querendo o padre dizer missa, rogou a um
homem por nome Pedro Fernandes, lhe ajudasse, e estando com o amito, e
vestindo a alva, disse o Pedro Fernandes ao padre que um índio doente se
queria confessar a ele. Tirou logo a alva e o amito, e o foi confessar; e tornou a
dizer missa, pelo mesmo doente; e estando no meio da missa: - “já lá vaia, já
faleceu o índio”. E assim era.
OUTRA
A primeira ida que El-Rei Dom Sebastião, que Santa Glória haja, fez à
África, se soube na Capitania de São Vicente pelo Padre José; e daí a um mês
chegou um navio do Reino que deu as mesmas novas.
Estando já o Padre José muito mal na casa do Espírito Santo, acertou de ver
um espelho na câmara, que tinha ali o Padre Jerônimo Rodrigues para pôr
sobre uma imagem; e era seu enfermeiro. Tomou o padre o espelho na mão e
falando consigo disse:
Vi-me agora um espelho
E comecei de dizer
Crocós, toma bom conselho
E faze bom aparelho
Porque cedo hás de morrer.
Mas, com juntamente ver
O beiço um pouco vermelho,
Disse: fraco estás e velho,
Mas pode ser que Deus quer
Que vivas, para conselho.
E assim aconteceu, porque não tardou muito que fosse do Colégio do Rio de
Janeiro ordem ao padre superior da casa do Espírito Santo, que não fizesse
nada sem o consentimento do Padre José.
Vendo andar um irmão, tão fraco que se não podia Ter, lhe disse:
- “Essa fraqueza é de fome, porém vós não comais, porque ainda agora
começais”. Profetizando-lhe grave doença, que logo lhe veio.
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