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Desde que Marco Polo levara para a Europa notícias sobre
um reino insular, situado a leste da China, esse remoto país
começou a preocupar o pensamento de muitos comerciantes e
sacerdotes. Mais tarde, a tenestade dera, duma feita, com um
navio mercante nas costas japonesas, e, a partir daí, surgira
um tímido intercâmbio comercial entre a Índia e o Japão.
Como, porém, nenhuma das partes entendesse a língua uma da
outra, a troca de mercadorias se fez sempre em silêncio, e o
mistério que rodeava a esse país, permaneceu sem ser
desvendado.
Mas eis que um belo dia surgiu em Malaca, a cidade
portuária mais oriental das Índias Portuguesas, um japonês de
nome Anjiro. Tinha ele praticado um assassínio na sua terra e
se escapara das autoridades japonesas em um navio português,
que estava ancorado à frente da sua cidade natal de
Cagochina. O capitão o trouxe mediante uma generosa paga, e,
durante a viagem, Anjiro ficou inteirado pelos marinheiros de
muita coisa referente à religião dos cristãos, o céu e
inferno, arrependimento, perdão de pecados e salvação eterna.
O jovem japonês, que tinha a pesar-lhe na consciência um
homicídio, sentiu, dentro em breve, um ardente desejo de
passar-se para o cristianismo e conseguir nessa nova religião
o perdão para o seu crime.
Quando Xavier apareceu outra vez em Malaca, por ocasião
de uma das suas muitas viagens, Anjiro o procurou e pediu-lhe
em nome do Deus dos cristãos o perdão de seus pecados. O
missionário via aí à sua frente um homem que havia cometido
um assassínio e a quem o Inferno ameaçava; somente mediante o
poder decisivo da igreja, única capaz de levar à bem-
aventurança, poderia esse pobre pagão se salvar. Sem detença
resolveu ele batizar Anjiro e outorgou-lhe o nome de “Paulo
da Santa Fé”.
Graças ao conhecimento de Anjiro abriram-se agora para
Xavier novas e poderosas perspectivas. O japonês contou-lhe
muita coisa da religião dos seus conatriotas e o informou de
que essa era a fé esposada por todo o mundo pagão na Ásia
oriental. “De acordo com as comunicações que me fez Paulo” ,
escreveu Xavier, nessa ocasião, a seus irmãos na Europa, “ a
China, o Japão e a Tartária seguem uma lei religiosa comum, a
qual é ensinada em uma cidade de nome Chynquinquo. Paulo
mesmo não compreende a língua em que está redigida essa lei
religiosa; ela é, assim ele o diz, uma língua que serve
apenas para os livros sagrados, como o latim entre nós. Com
relação ao conteúdo desses livros não pode ele nos dar também
nenhum esclarecimento.”
Essa lei religiosa de que falara Anjiro, era a lei de
Buda e os livros sagrados eram as obras do budismo nórdico.
Mas a língua que, à maneira do latim, só podia ser
compreendida pelos iniciados, era o sânscrito. Xavier
acreditou que a misteriosa Chynquiquo fosse um agrupamento de
escolas superiores, por assim dizer uma “Roma asiática” e,
como tal, constituísse o centro de toda a vida religiosa da
Ásia Oriental.
Neste centro foi que ele agora pensou penetrar, afim de
ali aniquilar as falsas doutrinas, com as armas da verdadeira
fé, falsas doutrinas essas sob cujo feitiço se encontrava o
Japão, a China e a Tartária. “Iremos encontrar ali à nossa
frente homens sábios” , escreveu ele, “mas a verdade de
Cristo nos conduzirá à vitória.” Mas onde essa misteriosa
cidade de Chynquinquo estava realmente situada, era coisa
que, na verdade, também Anjiro não sabia explicar com clareza
suficiente.
“Quando eu perguntei a Anjiro se os japoneses se
converteriam ao cristianismo, se eu fosse para lá,” continua
informando Xavier, “ respondeu ele que esse caso não se
verificaria assim tão depressa. Os seus conatriotas iriam
começar me dirigindo perguntas, depois iriam meditar sobre as
minhas respostas e estudar, acuradamente, se a minha vida
também concordava com as minhas palavras. Mas se eu
satisfizesse as suas exigências nesses dois pontos, sabendo
dar-lhes respostas convincentes e aplicando-me a uma forma de
vida irrepreensível, então, dentro de seis meses, o rei, a
nobreza e todos os homens cultos se deixariam batizar.”
Agora estava Xavier suficientemente inteirado de muita
coisa referente à mentalidade dos japoneses, de molde a saber
que com esses homens era preciso provar a superioridade da
religião cristã sobre a “lei” pagã, valendo-se da arte toda
de argumentação dialética, pois os japoneses eram, assim o
havia acentuado Anjiro constantemente, passíveis de ser
conquistados e convencidos apenas mediante argumentos bem
fundamentados.
Antes de tudo mais havia mister agora visitar esse “rei”
do Japão, convencê-lo pelas artes da dialética da verdade
exclusiva do cristianismo e, assim, conquistar de um golpe
para a religião católica todo o reino insular. Do Japão seria
possível, então, abrir-se um caminho para a China
rigorosamente fechada, pois os “reis” do Japão e da China
eram, tal como o assegurava Anjiro, ligados por laços de
estreita amizade; uma recomendação do soberano japonês
poderia proporcionar-lhe o ingresso nesse “Império do Meio”
circundado por uma enorme muralha inenetrável, cujo
franqueamento ao estrangeiro estava proibido, habitualmente,
sob pena de morte.
Mas aquilo que deveria ainda robustecer a Xavier nas
suas esperanças eram as estranhas concordâncias, que, segundo
as informações de Anjiro, existiam entre a crença dos
japoneses e a religião cristã. Anjiro contou-lhe dos monges
que habitavam, em estado de celibato, claustros com
refeitórios em comum, que jejuavam freqüentemente e faziam
orações noturnas. Falavam eles uma língua especial,
incompreensível ao povo, pregavam freqüentemente, acreditavam
em um só Deus, obedeciam a um abade e levavam uma vida
virtuosa. Ensinavam também que havia um inferno, um
purgatório e um Céu, e se veneravam a seus numerosos santos,
isso não constituía nenhuma idolatria, porquanto oravam a
esses da mesma maneira que os católicos, somente para obter a
sua intercessão junto ao Deus único e onipotente.
Quando Xavier ouviu todas essas coisas, começou a
conjeturar sobre se nessas terras o Evangelho já não havia
sido pregado alguma vez em tempos imemoriais e se a crença
dos japoneses não representava uma espécie de cristianismo
corronido por acréscimos pagãos. De qualquer maneira, dizia
ele, com tantas analogias entre os dois cultos não poderá ser
difícil a conquista dos japoneses para a doutrina unicamente
verdadeira. Com o auxílio de Anjiro dedicou-se ele,
ardorosamente, ao estudo da língua japonesa. Fez com que
traduzisse as máximas mais importantes da doutrina cristã em
japonês e aprendeu-as todas de cor; A três dos irmãos da
Ordem, que haviam aportado na Ásia, nesse meio tempo, tomou-
os ele consigo e, juntamente, com eles e Anjiro empreendeu a
travessia em um junco chinês. Depois de uma viagem longa,
rica em aventuras e perigos, chegou, por fim, a avistar a
costa japonesa. No dia da Ascensão do ano de 1549 baixou
Xavier à terra, em Cagochina, a cidade natal de Anjiro, e, em
seguida, escreveu, triunfante, para a pátria: “ Deus nos
conduziu à terra de nossa saudade.”
Nenhum habitante de Cagochina fizera ainda uma viagem em
alto mar, e, assim, Anjiro foi recebido por seus conatriotas
com demonstrações de curiosidade admirativa. Ninguém falava
mais a respeito do assassínio, por cuja causa ele fugira um
dia; demasiado grande era a geral inaciência para saber como
se passavam as coisas no remoto “ país dos bárbaros do Sul.”
Maior admiração ainda provocou, naturalmente, a chegada de
Xavier e dos seus outros conanheiros brancos. Apenas havia
ele se alojado na casa dos pais de Anjiro, quando afluíram
para ele, em turbas, japoneses e japonesas metidos em
compridos kimonos coloridos, com sombrinhas variegadas de
papel, e bonzos com o cabelo cortado rente, envergando
vestidos brancos e mantos negros.
De manhã à noite, a casa se encontrava cheia de
visitantes, e um não deixava que o outro tomasse a palavra,
tantas eram as coisas que cada qual tinha a perguntar. Em
breve o príncipe da região, o poderoso daimyo Schimatsu
Takaísa, enviou também um dos funcionários da sua corte e
mandou convidar os estrangeiros para virem ao palácio.
A alguns mercadores portugueses, que haviam chegado uma
vez a Cagochina, tinha o Daimyo que agradecer o conhecimento
da existência de armas de fogo, e, nesses tempos intranqüilos
que o Japão atravessava nessa época, não lhe pareceu isso um
fato destituído de inortância para a segurança de seu trono.
Mas os portugueses forneciam também muitos outros produtos
valiosos e, além d isso, constituíam eles conradores
espontâneos, que pagavam bem, de muitas mercadorias de
fabrico japonês. Como o Daimyo tivesse ouvido falar que o
sacerdote estrangeiro era tido em alta conta entre os
portugueses, esperava ele da sua estadia em Cagochina uma
influência favorável sobre o intercâmbio comercial. Por isso
recebeu o missionário com todas as cerimônias usadas por
ocasião de audiências concedidas a um homem prestigioso e
importante. Xavier foi conduzido ao salão de honra do
palácio, onde o Daimyo, rodeado de sua corte, estava sentado
em um estrado elevado, enquanto os funcionários subalternos
jaziam no solo, aguardando as suas ordens. Schimatsu Takaísa
convidou o hóspede, amavelmente, a tomar lugar a seu pés,
sobre uma esteira, e, durante três horas a fio, dirigiu-lhe
perguntas incessantes: Como eram os costumes dos brancos e,
especialmente, se eles possuíam muitos navios, armas, canhões
e soldados. A cada resposta de Xavier, que Anjiro ia
traduzindo para o japonês, o príncipe era preso de respeitosa
admiração.
Quando Xavier, depois, à conclusão, puxou um precioso
livro de orações encadernado, e fez presente ao Daimyo,
declarou esse, solenemente, que haveria de conservar com o
maior cuidado o livro em que estava contida a lei cristã e
que iria mandar que lhe explicassem o conteúdo; se essa lei
fosse realmente boa, então ele também haveria de adotá-la.
Convidado a escolher um presente de compensação, Xavier,
para grande pasmo de toda a corte, renunciou, agradecendo, a
qualquer dádiva, pedindo, entretanto, licença para pregar
livremente, coisa que o daimyo lhe concedeu em seguida.
Somente quando Xavier apresentou a outra súplica de que o
Daimyo lhe facilitasse o rápido prosseguimento da viagem para
o “rei” do Japão, Schimatsu Takaísa sentiu-se de certa
maneira embaraçado.
Não estava disposto a deixar partir de novo e tão
depressa esse santo homem, cuja presença bem poderia atrair
navios portugueses para Cagochina, e, por isso, respondeu a
princípio com evasivas e consolou Xavier com a promessa de
uma época mais favorável. Quando os moradores ricos e
ilustres de Cagochina viram o respeito com que o príncipe
recebera o estrangeiro, trataram eles, igualmente, de
convidá-lo, um depois do outro, para as suas casas, e, em
breve, encontrou-se um ardoroso funcionário da corte que
chegou mesmo a se converter ao cristianismo; seus
subordinados juntamente com suas famílias seguiram-lhe o
exemplo. Dentro em pouco tomou-se moda entre a alta sociedade
de Cagochina, o entreter-se com Xavier sabre assuntos de
religião e o deixar-se converter por ele.
Mas também entre o povo baixo obteve o missionário mais
de um sucesso. Ele havia, nesse meio tempo, melhorado
substancialmente seus conhecimentos de língua japonesa e,
agora, estava em condições de ler em um caderno um certo
número de sermões. Duas vezes por dia visitava ele as ruas
mais movimentadas, sentava-se na margem de um poço, puxava o
seu caderno e começava a pregar. Quando retornava depois à
sua casa, seguia-lhe, as mais das vezes, uma turba imensa de
pessoas sedentas de saber, as quais sustentavam com ele
discussões ardentes, até já entrada a noite.
“Esses japoneses” , escreveu nessa ocasião o padre
Torres, um dos conanheiros de Xavier, “ são tão curiosos,
que, desde a nossa chegada não se passou um só dia sem que
não tivessem vindo ter conosco bonzos e leigos, desde manhã
até a noite, para nos fazerem perguntas de toda a espécie.
Pela primeira vez em sua vida ouviram os japoneses falar
de um Deus que havia criado o mundo em sete dias, de um filho
de Deus que se tornara homem e morrera na cruz, de um Juízo
Final, de um céu e de uma condenação eterna. Entretanto, mais
ainda do que sobre essas coisas, pasmavam os japoneses com as
estranhas explicações que Xavier soía dar sobre as forças
naturais que agiam no Universo.
No Japão ninguém tinha uma noção exata sobre o
verdadeiro modo por que o mundo havia sido criado: segundo
uma tradição, o mundo surgira de um ovo, o qual fora quebrado
em virtude de uma tenestade: da clara fora feito o céu, da
gema, o mar e da casca a terra firme. Os livros de outros
sábios, por sua vez, expunham a origem do mundo de maneira,
absolutamente diversa, e assim é que ninguém sabia,
propriamente, a que se ater. Xavier pode, agora, explicar de
maneira nova e clara o curso do sol, o aparecimento dos
cometas, as fases da lua, os eclipses solares, a origem da
trovoada, do raio, da chuva e da neve.
“ Nossas respostas” , escreveu ele para a Europa, “
provocam o seu agrado: eles nos consideram grandes sábios e
isso nos ajuda em nossa obra de conversão.”
Mas por mais que a sede de saber dos japoneses fosse por
ele apreciada, não obstante essa curiosidade eterna, que
nunca se paralisava, tornava-se muitas vezes bem incômoda.
Perguntavam eles como é que o Deus dos cristãos era, se
vermelho, dourado, preto ou verde como os ídolos budistas, ou
se tinha o nariz comprido, um talhe alto ou um olhar
atemorizador, ou, pelo contrário, se era belo como Xaca e
Amida e se sentava em uma flor de Lótus. A isso Xavier teve
de explicar, que Deus não tinha nem cor nem forma, que ele
era, muito pelo contrário, a substancia pura e, como tal,
tinha forçosamente que se diferençar de todos os elementos
que Ele próprio criara.
Mas, de que matéria criara Deus a alma humana? Qual é o
aspecto, a forma e a cor dessa alma? Por que Deus permitiu no
homem a tendência para o mal? Por que era tão difícil o
alcançar-se o céu? Por que motivo Deus viera dar a conhecer a
sua lei ao homem tão tardiamente? Que aconteceria com as
pessoas que não fossem suficientemente atiladas para
reconhecer a Deus?
Muitas dessas perguntas punham o próprio Xavier, o aluno
diplomado do curso de dialética da Universidade parisiense em
penoso embaraço. Imensamente espinhosas eram as objeções que
se relacionavam com a conduta de Deus relativamente ao mau
princípio. Como se explicava que o bom Criador houvesse
produzido também maus Demônios? Quando Xavier retrucava a
isso que os demônios, primitivamente, haviam sido criados
igualmente bons e que se haviam tornada maus por sua própria
culpa, razão pela qual Deus os havia condenado por toda a
eternidade, então os japoneses objetavam em seguida que um
bom Deus não deveria deixar os homens entregues ao poder de
maus demônios.
Grande repulsa provocava, constantemente, a comunicação
de Xavier de que as penas do inferno eram eternas e
irremissíveis. O Deus dos cristãos, diziam muitos japoneses,
não era misericordioso, dado que ele entregava à condenação
eterna todas as pessoas que nunca tivessem ouvido falar dele.
“Para dar-lhes uma resposta capaz de despertar o seu
agrado” , escreve Torres sobre essas discussões, “é
necessário se seja atilado e precavido... Esses japoneses são
donos de um espírito penetrante.”
Xavier aí se viu a braços com uma tarefa muito mais
difícil do que na Índia ; muito pouca coisa era de se
aliançar no Japão, somente com a simples canainha e a alusão
aos vulcões, que causara tão profunda impressão nos malaios,
aí não produzia efeito algum. No Japão a inteligência de
homens sequiosos de saber tinha que ser dominada, era
necessário saber responder a sutilíssimas perguntas e levar a
cano todas as armas de um espírito exercitado na dialética
escolástica. Não obstante, o homem que em Goa conseguira
penetrar, em poucas semanas, todas as artimanhas do mercado
de pimenta, que se familiarizara com problemas de estratégia
e náutica, afim de conquistar para Cristo um ou outro
comerciante, oficial e marinheiro, reconheceu em breve também
as respostas com que tinha de combater as objeções e
escrúpulos dos japoneses amantes de disputas. Seus antigos
colegas do Colégio Santa Bárbara ficariam mudos de admiração,
se tivessem podido ouvi-lo na maneira por que sabia discutir
habilidosamente com os seus adversários japoneses.
E, assim, não falhou o sucesso, pois Xavier pode
informar em carta dirigida à pátria que “se se conseguisse
explicar de maneira razoável a conatibilidade da existência
do mal com o Deus onipotente e a necessidade de Deus se
tornar homem, já estava feita a maior parte da tarefa.”
Mas, desde o instante em que um japonês se convertesse,
então se transformava ele de imediato em um adepto apaixonado
da nova religião. Em lugar de invocar, como anteriormente, o
nome de deus Amida, a todo instante os neófitos batizados por
Xavier chamavam, agora, pelos nomes de Jesus e Maria, também
com as mesmas repetições intermináveis. Em lugar da água
sagrada em que o imperador havia banhado os seus pés,
passaram eles a venerar a água benta por Xavier; em lugar do
rosário budista utilizavam-se eles do católico. Enquanto, até
então, haviam obtido de bonzos em troca de espórtulas
piedosas, cédulas de papel, nas quais lhes era assegurado na
outra vida uma indenização dobrada ou triplicada da soma
distendida, agora ansiavam eles com zelo não menor pela
obtenção de indulgências romanas.
Tinha-se a impressão perfeita de que as grandes
esperanças com que Xavier empreendera a sua viagem de missão
japonesa, não iriam ser defraudadas. Diariamente encontravam-
se novos japoneses, que se declaravam dispostos a adotar a
religião cristã. No entretanto, o soberano, com o correr do
tempo, foi se sentindo decepcionado com Xavier. Não teria ele
exagerado a inortância desse adventício, procedente da terra
dos “bárbaros do sul”? Mês pós mês foi se passando sem que a
esperada frota mercante portuguesa houvesse entrado em
Cagochina. O Daimyo mandou dar a conhecer ao povo que, a
partir daí, toda ulterior conversão ao catolicismo ficava
proibida, sob pena de morte. No decurso posterior de suas
experiências japonesas, Xavier aprendeu a julgar,
devidamente, a inortância de que se revestiam os navios
mercantes portugueses, para a obra de cristianização, e soube
de maneira excelente, aproveitar a chegada de tais
embarcações no serviço de sua obra missionaria. Tantas vezes
quantas ouvisse ele falar que em determinado porto japonês
ancorara um navio português, então partia ele a toda a pressa
para aí e cuidava de que o capitão e tripulantes lhe
preparassem uma recepção solene com hasteamento de bandeiras
de gala e salvas de canhão.
Mas sabia também, mercê de suas observações, tirar
conclusões exatas e, em muitos sentidos, modificar a sua
conduta, adequando-a aos usos do país. Na Índia, onde,
sobretudo, lhe acontecera conquistar os pobres ou humilhados
das castas mais baixas, usava, em toda a parte, uma sotaina
remendada e um boné de lã, já gasto. Mas no Japão isso não
causava impressão alguma, pois aí o povo era fanático por
vestes de seda suntuosas, por pona e cerimonial. Assim é que
Xavier meteu-se na indumentária mais suntuosa que lhe fora
dado arranjar, e pôs-se a caminho com um soberbo séquito de
fâmulos.
Nenhum outro sacerdote cristão dera tais e tantas provas
de verdadeira humildade, como, justamente o fizera Francisco
Xavier; mas no Japão não se podia conseguir nada com
humildade: ali o missionário devia revelar orgulho e altivez,
caso pretendesse impressionar os príncipes e o povo.
Essas não são pessoas, informou ele, que considerem a
modéstia como coisa digna de valor; pelo contrário, eles só
apreciam aqueles que sabem se mostrar orgulhosos e
cavalheirescos, como eles próprios. Assim é que nesse país,
em que a humildade só conseguia provocar desprezo, ele
afivelou a “máscara do orgulho.”
Em Jamagutchi sucedeu uma vez que Xavier, depois de uma
recepção dada pelo Daimyo, se viu rodeado à frente do palácio
por uma multidão ameaçadora e foi coberto de inropérios. Para
o fidalgo Navarro não foi difícil o fazer frente à multidão
enraivecida, valendo-se de extrema altivez e de desprezo
provocativo. Um samurai que lhe havia dirigido um insulto,
teve o seu pedido de contas feito com toda a energia e
dominou-o, por sua vez, com insultos tais, que o samurai,
abatido, emudeceu. Dentro em breve começaram a correr
murmúrios por entre a multidão de que o estrangeiro parecia
ser um homem bem ilustre, e talvez, que a sua doutrina não
fosse tão má como a princípio se acreditara.
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