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O recontro fez-se em vozeira em quem, através dos costumeiros vivas
ao “Bom Jesus” e ao “nosso Conselheiro”, rompiam brados
escandalosos de linguagem solta, apóstrofes insolentes, e entre
outras uma frase desafiadora que no decorrer da campanha soaria
invariável como um estribilho irônico:
“Avança! fraqueza do governo!”
Houve uma vacilação em toda a linha. A vanguarda estacou e pareceu
recuar. Conteve-a, porém, uma voz imperiosa. O major Febrônio
rompeu pelas fileiras alarmadas e centralizou a resistência — em
réplica fulminante e admirável, atentas às desvantajosas condições
em que se realizou. Conteirados rapi- damente os canhões,
bombardearam os matutos a queima-roupa, e estes, vendo pela primeira
vez aquelas armas poderosas, que decuplavam o efeito despedaçando
pedras, debandaram, tontos, numa dispersão instantânea.
Aproveitando este refluxo foi feita a investida, iniciada de pronto,
pelas cento e tantas praças do 33º de Infantaria. Tropeçando,
escorregando nas lajens, contornando-as, ou transpondo-as aos
saltos, insinuando-se pelos talhados, atirando a esmo para a frente,
as praças arremeteram com as rampas; e logo depois a linha do assalto
se estirou, tortuosa e ondulante, extremada à direita pelo 9º e à
esquerda pelo 16º e a polícia baiana.
O combate generalizou-se em minutos, e, como era de prever, as
linhas romperam-se de encontro aos obstáculos do terreno. Foi um
avançar em desordem. Fracionados, galgando penhascos a pulso,
carabinas presas aos dentes pelas bandoleiras, ou abordoando-se às
armas, os combatentes arremeteram em tumulto — sem o mínimo simulacro
de formatura, confundidos batalhões e companhias — vagas humanas
raivando contra os morros, num marulho de corpos, arrebentando em
descargas, espadanando brilhos de aço, e estrugindo em estampidos
sobre que passavam, estrídulas, as notas dos clarins soando a carga.
Embaixo, na ladeira em que ficara a artilharia, os animais de
tração e os cargueiros, espavoridos pelas balas, partindo os
tirantes, sacudindo fora canastras bruacas, desapareciam a galope ou
tombavam pelos taludes íngremes. Acompanhou-os o resto dos
tropeiros, fugindo, surdos às intimativas feitas com revólveres
engatilhados, e agravando o tumulto.
No alto, mais longe, pelo teso da serra, reapareciam os sertanejos.
Pareciam dispostos em duas sortes de lutadores: os que se agitavam,
velozes, surgindo e desaparecendo, às carreiras, e os que
permaneciam firmes nas posições alterosas. A cavaleiro do assalto,
estes iludiam de modo engenhoso a carência de espingardas e o lento
processo de carregamento das que possuíam. Para isto se dispunham em
grupos de três ou quatro rodeando a um atirador único, pelas mãos do
qual passavam, sucessivamente, as armas carregadas pelos companheiros
invisíveis, sentados no fundo da trincheira. De sorte que se alguma
bala fazia baquear o clavinoteiro, substituía-o logo qualquer dos
outros. Os soldados viam tombar, mas ressurgir imediatamente,
indistinto pelo fumo, o mesmo busto, apontando-lhes a espingarda.
Alvejavam-no de novo. Viam-no outra vez cair, de bruços,
baleado. Mas viam outra vez erguer-se, invulnerável, assombroso,
terrível, abatendo-se e aprumando-se, o atirador fantástico.
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