MORTE DO CONSELHEIRO

Explicou então que aquele, agravando-se antigo ferimento, que recebera de um estilhaço de granada atingindo- o quando em certa ocasião passava da igreja para o Santuário, morrera a 22 de setembro, de uma disenteria, uma caminheira — expressão horrendamente cômica que pôs repentinamente um burburinho de risos irreprimidos naquele lance doloroso e grave.

O Beato não os percebeu. Fingiu, talvez, não os perceber. Quedou imóvel, face impenetrável e tranqüila, de frecha sobre o general, o olhar a um tempo humilde e firme. O diálogo prosseguiu:

— E os homens não estão dispostos a se entregarem?

— Batalhei com uma porção deles para virem e não vieram porque há um bando lá que não querem. São de muita opinião. Mas não agüentam mais. Quase tudo mete a cabeça no chão de necessidade. Quase tudo está seco de sede...

— E não podes trazê-los?

— Posso não. Eles estavam em tempo de me atirar quando saí...

— Já viu quanta gente aí está, toda bem armada e bem disposta.

— Eu fiquei espantado!

A resposta foi sincera, ou admiravelmente calculada. O rosto do altareiro desmanchou-se numa expressão incisiva e rápida, de espanto.

— Pois bem. A sua gente não pode resistir, nem fugir. Volte para lá e diga aos homens que se entreguem. Não morrerão. Garanto-lhes a vida. Serão entregues ao governo da República. E diga-lhes que o governo da República é bom para todos os brasileiros. Que se entreguem. Mas sem condições; não aceito a mais pequena condição... O Beatinho, porém, recusava-se, obstinado, à missão. Temia os próprios companheiros. Apresentava as melhores razões para não ir.

Nessa ocasião interveio o outro prisioneiro, que até então permanecera mudo.

Viu-se, pela primeira vez, um jagunço bem nutrido e destacando-se do tipo uniforme dos sertanejos. Chamava- se Bernabé José de Carvalho e era um chefe de segunda linha.

Tinha o tipo flamengo, lembrando talvez, o que não é exagerada conjectura, a ascendência de holandeses que tão largos anos por aqueles territórios do Norte trataram com o indígena.

Brilhavam-lhe, varonis, os olhos azuis e grandes; o cabelo alourado revestia-lhe, basto, a cabeça chata e enérgica.

Apresentou logo como credencial o mostrar-se duma linhagem superior. Não era um matuto largado. Era casado com uma sobrinha do capitão Pedro Celeste, do Bom Conselho...

Depois contraveio, num desgarre desabusado, insistindo com o Beatinho recalcitrante:

— Vamos! Homem! vamos embora... Eu falo uma fala com eles... deixe tudo comigo. Vamos!

E foram.