III. TITÃS CONTRA MORIBUNDOS.

O combate de 24 precipitara o desfecho. À compressão que se realizara ao norte, correspondeu, do mesmo modo vigoroso, outra, a 25, avançando do sul. O cerco constringia-se num apertão de tenaz. Entraram naquele dia em ação, descendo os pendores do alto do Mário, onde acampavam, num colo abrigado à retaguarda da Sete de Setembro, os dous batalhões do Pará e o 37o de linha. E fizeram-no de moto próprio, alheios a qualquer ordem do comando-geral.

Tinham motivos graves para aquele ato.

A derrocada de Canudos figurava-se-lhes iminente.

Da altura em que se abarracavam, no ângulo morto do boléu da vertente, examinavam-no a todo o instante; e viam arrochar-se embaixo a cintura do sítio; e ampliar-se, continuamente maior, a moldura lutuosa dos incêndios; e o povoado cada vez mais reduzido à grande praça deserta sempre, larga clareira onde por igual temiam penetrar os lutadores dos dous campos. Adiante, perto, estimulando-os, atroava o redente artilhado; embaixo, longe, crepitavam os tiroteios incessantes... e eles ali quedavam, inúteis, desdenhados pelas mesmas balas perdidas, que lhes zuniam por cima, muito altas, inofensivas.

De um momento para outro aquilo terminaria; e restar-lhes-ia a volta inglória — espadas virginalmente novas, bandeiras intactas, sem o rendado precioso das batalhas. Porque o general-em-chefe não encobria o propósito de não precipitar os acontecimentos num dispêndio inútil de vidas, quando a rendição em poucos dias era inevitável. Este intento, expresso sem rodeios, sobre ser mais prático, era mais humano. Mas implicava o renome guerreiro por se fazer dos que não tinham ainda combatido. Desairava-lhes a fama. Coagia-os ao constrangimento de receberem, grátis, as coroas antecipadamente bordadas nos estados nativos pelas mães, pelas esposas ou pelas noivas e pelas irmãs saudosas. E não puderam conter-se. Desceram ruidosamente as vertentes. Travaram então um combate que foi uma surpresa, menos para os atacados que para o resto das linhas sitiantes. Desencadeara-se para os lados do Cambaio, secundado pela artilharia do coronel Olímpio da Silveira e, a breve trecho, cresceu com extraordinária intensidade.

Ao que se propalou depois, aqueles heróis impacientes, dirigidos pelos coronéis Sotero de Meneses e Firmino Rego, levavam o objetivo de tomar o arraial. Carregariam até ao rio. Transpô-lo-iam batendo-se sem parar, numa arrancada. Romperiam pela praça vazia. Enfiariam, a marche-marche, numa dispersão de cargas e baionetas, por aqueles becos fora. Varrê-los-iam. Pulariam os entulhos fumegantes, apisoando os matutos atônitos. E iriam tombar — numa explosão de aplausos — sobre a tranqueira do norte, entre as guarnições surpreendidas e pasmas... Era um golpe de audácia estupendo. Mas não conheciam os sertanejos. Estes tomaram-lhes vigorosamente o passo. Jarretaram-nos. Anularam-lhes, no fim de algum tempo, intenso. E vingaram-se sem o saberem. Porque havia, de feito, algo de dolorosamente insolente e irritante no afogo, na inquietação, na ânsia desapoderada, com que aqueles bravos militares — robustos, bem fardados, bem nutridos, bem armados, bem dispostos — procuravam morcegar a organização desfibrada de adversários que desviviam há três meses, famintos, baleados, queimados, dessangrados gota a gota, e as forças perdidas, e os ânimos frouxos, e as esperanças mortas, sucumbindo dia a dia num esgotamento absoluto. Dariam a última punctura de baioneta no peito do agonizante; o tiro de misericórdia no ouvido do fuzilado. E cobrariam, certo, pouca fama, com a façanha.

Mas nem esta tiveram.

Apertara-se mais o cerco, é certo, mas sem que o resultado atingido ressarcisse os sacrifícios feitos: cerca de oitenta homens fora de combate e entre eles, ferido, o coronel Sotero, e morto o capitão Manuel Batista Cordeiro, do regimento do Pará.