DESERÇÕES HERÓICAS

Principiaram as deserções. Deserções heróicas, incompreensíveis quase, em que o soldado se aventurava aos maiores riscos, sob a fiscalização incorruptível do inimigo. No dia 9, 20 praças do 33º deixaram os companheiros, afundando no deserto. E, uma a uma, diariamente, outras as imitaram, preferindo o tiro de misericórdia do jagunço àquela agonia lenta.

Havia permanente em todos os espíritos o desejo absorvente de deixar afinal aquela paragem sinistra da Favela. Os batalhões que abalavam em diligência para vários pontos despertavam inveja aos que ficavam. Invejavam- lhes os perigos, as emboscadas, os combates. Tinham ao menos a esperança das presas acaso conquistadas. Viam-se por algum tempo fora do quadro miserando que o acampamento patenteava.

Como nos maus dias dos cercos lendários, rememorados em velhas crônicas, os gêneros mais vulgares adquiriram cotações fantásticas: uma raiz de umbu ou uma rapadura valiam como iguarias suntuárias. Um cigarro reles era um ideal de epicurista.

Falava-se, às vezes, na retirada. O boato surdo, cochichado a medo, por algum desesperado que atirava, anônimo, aquela consulta vacilante aos companheiros, penetrava sussurrando, insidioso, entre os batalhões, despertando ora apóstrofes e protestos violentos, ora um silêncio comprometedor e suspeito. Mas a retirada era inexeqüível. Uma brigada ligeira podia, impune, varrer os arredores, ir tiroteando para qualquer ponto, e voltar. O exército, não. Se o tentasse, com o tardo movimento que lhe impunham a artilharia, as ambulâncias e o contrapeso de mil e tantos feridos — consumar-se-ia a catástrofe.

Ficar, a despeito de tudo, era o recurso supremo e único.

Se a 1ª Brigada, porém, retardasse por mais oito dias, a vinda — nem este restaria. Os jagunços partiriam, afinal, num dos assaltos, as linhas de fogo dos soldados inteiramente exaustos...