CANUDOS

Esta circunstância não pesou, porém, no ânimo dos que se haviam abeirado tão precipitadamente do centro das operações.

Ao clarear da manhã de 28, reunidos na posição dominante da artilharia, oficiais e praças contemplavam, afinal, a “caverna dos bandidos”, segundo o dizer pinturesco das ordens do dia do comando-em-chefe. Canudos crescera ainda, porém, tendo apenas mais amplo o aspecto primitivo: a mesma casaria vermelha, de tetos de argila, alargando-se cada vez mais esparsa pelo alto das colinas em torno do núcleo compacto abraçado pela volta viva do rio. Circunvalada nos quadrantes de sudoeste e noroeste por aquele, abrangida ao norte e a leste pelas linhas ondeantes dos cerros, emergia, a pouco e pouco, na claridade daquela hora matinal com a feição perfeita de uma cidadela de expugnação dificílima. Percebia-se que um corpo de exército ao cair no dédalo de sangas, que lhe enrugam em roda o terreno, marcharia como entre galerias estreitas de uma praça de armas colossal. Não havia lobrigar-se um ponto francamente acessível.

A estrada de Jeremoabo entrando, duzentos metros antes, pelo leito seco do Vaza-Barris, metia-se entre duas trincheiras, que lhe orlavam uma e outra margem, mascaradas de sebes contínuas de gravatás bravios. A vereda sagrada de Maçacará — por onde seguia o Conselheiro nas suas peregrinações para o sul — tombando pelos morros, entre os quais se encaixa o Umburanas, era igualmente impraticável. As do Uauá e Várzea da Ema, ao norte, estavam livres, mas exigiam para atingirem-se longa e perigosa marcha contornante. A igreja nova, quase pronta, alevantava as duas altas torres, assoberbando a casaria humilde e completava a defesa. Enfiava pela frente todos os caminhos, batia o alto de todos os morros, batia o fundo de todos os vales. Não tinha ângulo morto a espingarda do atirador alcandorado em suas cimalhas espessas, em que só faltavam planos de fogo de canhoneiras, ou recortes de ameias.

O terreno que na frente da Favela, ao norte, deriva até ao rio, empolado e revolto, abre-se, como vimos, para a esquerda na larga depressão, dando acesso ao morro do Mário e à linha de cumeadas em declive que se dirige para Fazenda Velha.

Ali estava a 3ª Brigada, desde cedo, formada em colunas.

Mais para a direita, dominante, a artilharia. Sucessivamente a 2ª e a 1ª Brigadas. A tropa amanhecera na formatura da batalha. Atendendo, porém, às vantagens táticas da posição, esta devia principiar e em grande parte sustentar-se com a artilharia, cujo efeito, no bater a tiros mergulhantes o arraial distante mil e duzentos metros, se acreditou capaz de acarretar em pouco tempo a mais completa vitória.

As esperanças concentraram-se, por isto, no primeiro momento, nas baterias do coronel Olímpio da Silveira. Eram tão grandes que pouco antes de ser feito o primeiro disparo, às 6 horas da manhã, numerosos combatentes de outras armas aglomerados em volta dos canhões, tinham o papel neutral de espectadores, ansiando por um quadro terrivelmente dramático: Canudos ardendo sob a tunica molesta do canhoneio! uma população fulminada dentro de cinco mil casebres em ruínas!

Era mais uma ilusão a ser duramente desfeita...

O primeiro tiro partiu, disparando o Krupp da extrema direita. E determinou, de fato, um empolgante lance teatral.

Os jagunços haviam dormido ao lado da tropa, por todas aquelas encostas riçadas de algares e, sem aparecerem, circularam-na para logo de descargas.