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Naquele ponto este morro lendário é um vale. Subindo-o tem-se a
impressão imprevista de se chegar numa baixada.
Parece que se desceu. Toda a fadiga da ascensão difícil se volve em
penoso desapontamento ao viajor exausto. Constringe-se o olhar
repelido por toda a sorte de acidentes. Ao contrário de uma linha de
cumeadas, depara-se, no prolongamento do caminho do Rosário, um
talvegue, um sulco extenso, espécie de calha desmedida trancada,
transcorridos trezentos metros, pela barragem de um cerro.
Atingido este, vêem-se-lhe aos lados, esbotenando-lhe os flancos
e corroendo-os, fundos rasgões de enxurros que drenam a montanha.
Por um deles, o da direita, se enfia, entalando-se em passagem
estreita de rampas vivas e altas, quase verticais, lembrando restos de
antigos túneis, aquele caminho, descendo, em desnivelamentos
fortes. À esquerda outra depressão, terminando na encosta suave de
um morro, o do Mário, se dilata na extensão maior de norte a sul,
fechando-se, naquele primeiro rumo, ante outro cerro, que oculta o
povoado e tomba, de chofre, pelo outro, em boqueirão profundo até
ao leito do Umburanas. À frente, em nível inferior, a Fazenda
Velha. O pequeno serrote dos Pelados cai logo, em seguida, em
declive, até ao Vaza-Barris, embaixo. E para todos os quadrantes
— para leste buscando o vale do Macambira, aquém das cumeadas de
Cocorobó e a estrada de Jeremoabo que o atravessa; para o norte
derivando para a vasta planície ondeada; para o ocidente procurando os
leitos dos pequenos rios, o Umburanas e o Mucuim perto do extremo da
estrada do Cambaio; para todos os lados, o terreno descamba com o
mesmo facies que lhe imprimem sucessivos cômoros empolando-se numa
confusão de topos e talhados. Tem-se a imagem real de uma montanha
que desmorona, avergoada pelas tormentas, escancelando-se em
gargantas, que as chuvas torrenciais de ano a ano reprofundam, sem o
abrigo de vegetação que lhe amorteça a crestadura dos estios e as
erosões das torrentes.
Porque o morro da Favela, como os demais daquele trato dos sertões,
não tem mesmo o revestimento bárbaro da caatinga. É desnudo e
áspero. Raros arbúsculos, esmirrados e sem folhas, raríssimos
cereus ou bromélias esparsas, despontam-lhe no cimo sobre o chão
duro, entre as junturas das placas xistosas justapostas em planos
estratigráficos, nitidamente visíveis, expondo, sem o disfarce da
mais tênue camada superficial, a estrutura interior do solo.
Entretanto, embora desabrigado, quem o alcança pelo sul não vê
logo o arraial, ao norte. Tem que descer, como vimos, em suave
declive, a larga plicatura em que se arqueia, em diedro, a montanha,
numa selada entre lombas paralelas.
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