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Logo ao alvorecer, enquanto a esquerda da linha e os canhões da
Favela iniciavam renhido ataque atraindo para aquele lado a atenção
do inimigo, o tenente-coronel Siqueira de Meneses, seguido pelos
24o, 38o e 32o Batalhões de linha, comandados pelo major
Henrique de Magalhães, capitão Afonso Pinto de Oliveira e
tenente Joaquim Potengi; o do Amazonas; a ala direita do de S.
Paulo, guiada pelo major José Pedro de Oliveira; e um contingente
de cavalaria ao mando do alferes Pires de Almeida — abalara para o
segmento ainda desguarnecido do assédio, assaltando os pequenos
contingentes que o guarneciam dentro das últimas vivendas, que se
derramavam, esparsas, por aquela banda.
Os jagunços não contavam que fossem até lá. Era o ponto de
Canudos diametralmente oposto à Fazenda Velha e mais distante da
primitiva frente do assalto.
Via-se ali um subúrbio novo, as Casas Vermelhas, erecto depois do
fracasso da 3a expedição, e nele edificações mais corretas,
cobertas, algumas, de telhas. Não estava guarnecido
convenientemente. Faltavam-lhe as trincheiras-abrigos, que
abrolhavam tão numerosas noutros pontos, e, circunstância na
emergência desastrosa para os rebeldes, todas as vivendas pelo fato de
serem as mais remotas se atestavam de mulheres e crianças. A força
tendo à vanguarda o 24o, marchando pelo leito do rio, caiu-lhes em
cima e varejou-as em minutos. Como em geral acontecia, os
guerrilheiros viram-se tolhidos na balbúrdia do mulherio medroso.
Entretanto não cederam desde logo a posição. Recuaram,
resistindo; e acompanhando-os os soldados foram embrenhando-se nas
vielas.
Tomando a ofensiva, reeditavam episódios inevitáveis. Enfiavam as
espingardas pelos tabiques de taipa, disparando-as, a esmo, para
dentro; arrombavam-nos depois a coronhadas; e sobre a acendelha de
trapos e móveis miseráveis, atiravam fósforos acesos. Os
incêndios deflagravam, abrindo-lhes caminho. Adiante recuava o
sertanejo, recuando pelos cômodos escusos. Aqui, ali,
destacadamente uma resistência estupenda de um ou outro, jogando alto
a vida. Um deles, abraçado pela esposa e a filha, no momento em que
a porta da choupana se escancarou, estrondada em lascas, atirou-as
rudemente de si: assomou de um salto ao limiar e abateu, num revide
terrível, o primeiro agressor que deparou, um alferes, Pedro
Simões Pinto, do 24o. Baqueou logo, circulado pelos soldados,
a cutiladas. E ao expirar teve uma frase lúgubre: “Ao menos matei
um...”
Outro distraiu os soldados. Episódio truanesco e medonho: num
recanto da saleta invadida, caído de banda, sem alento sequer para
sentar-se, adelgaçado de magreza extrema, um curiboca velho, meio
desnudo, revestido de esparadrapos, forcejava por disparar uma
lazarina antiga. Sem forças para aperrá-la, levantava-a a custo.
Deixava-a logo descair nos braços frouxos, desesperado, refegada a
face ossuda, num esgar de cólera impotente. As praças rodearam-no
um momento; e seguiram num coro estrepitoso de risadas.
Mas este resistir a todo o transe, em que entravam os próprios
moribundos, cortou-lhes, afinal, o passo. Em pouco tempo tiveram
treze baixas. Além disto o adversário recuava, mas não fugia.
Ficava na frente, a dous passos, na mesma vivenda, no cômodo
próximo, separado por alguns centímetros de taipa. Estacaram.
Para não perderem o avançamento feito abarreiraram, com os móveis e
destroços das casas, toda a frente da posição. Era o processo
usual e obrigatório.
Defronte não havia terreno neutro. O jagunço ficava colado —
indomável — na escarpa oposta do parapeito, vigilante tenteando a
pontaria.
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