|
Foi nestas condições desfavoráveis que partiram a 12 de janeiro de
1897.
Tomaram pela estrada do Cambaio.
É a mais curta e a mais acidentada. Ilude a princípio, perlongando
o vale do Cariacá, numa cinta de terrenos férteis sombreados de
cerradões que prefiguram verdadeiras matas.
Transcorridos alguns quilômetros, porém, acidenta-se;
perturba-se em trilhas pedregosas e torna-se menos praticável à
medida que se avizinha do sopé da Serra do Acaru. Dali por diante
se encurva para leste transmontando a serrania por três ladeiras
sucessivas, até galgar o sítio da Lajem de Dentro, alçado
trezentos metros sobre o vale. Gastaram-se dous dias para atingir-se
este ponto. A artilharia reduzia a marcha. Ascendiam penosamente os
Krupps, enquanto os separadores na frente reparavam a estrada,
desentulhando-a e destocando-a, ou abrindo desvios contornantes,
evitando fortíssimos declives. E a tropa, que tinha as condições
de sucesso na mobilidade, paralisava- se presa no travão daquelas
massas metálicas.
Transposta a Lajem de Dentro e a divisória das vertentes do
Itapicuru e do Vaza-Barris, a estrada desce. Torna- se,
porém, mais séria a travessia, metendo-se no acidentado de
contrafortes, de onde fluem os tributários efêmeros do Bendegó. A
bacia de captação deste desenha-se, então, ligando as abas de
três serras, a do Acaru, a Grande e do Atanásio, que se
articulam em desmedida curva. A expedição entrou por aquele vale
fundo como uma furna até a um outro sítio, Ipueiras, onde acampou.
Foi uma temeridade. O acampamento, envolto de fraguedos,
centralizaria os fogos do inimigo, se este aparecesse pelo topo dos
morros. Felizmente não chegavam até lá os jagunços. De sorte que
na antemanhã seguinte, rumo firme ao norte, a tropa prosseguiu para
Penedo, salva de uma posição dificílima. Tinha meio caminho
andado. As estradas pioravam, crivadas de veredas, serpeando em
morros, alçando-se em rampas, caindo em grotões, desabrigadas,
sem sombras...
Até Mulungu, duas léguas além do Penedo, os sapadores estradaram
o solo para os canhões, e a jornada remorava-se no passo tardo da
divisão que os guarnecia.
Entretanto, era imprescindível a máxima celeridade. Tornava-se
suspeita a paragem: restos de fogueiras à margem do caminho e vivendas
incendiadas davam sinais do inimigo. Em Mulungu, à noite, eles se
tornaram evidentes. Alarmou-se o acampamento. Tinham-se
distinguido, próximos, encobertos na sombra, rondando em torno,
vultos fugazes, de espias. Os soldados dormiram em armas. E no
amanhecer de 17 a expedição que se encravara nas montanhas, muito
aquém ainda de um objetivo que podia ser atingido em três dias de
marcha, começou de ser terrivelmente torturada.
Acabaram-se as munições de boca. Foram abatidos os dous últimos
bois para quinhentos e tantos combatentes. Isto valia por um combate
perdido. A feição da luta agravava-se em plena marcha, antes de se
dar um tiro. Prosseguir para Canudos, poucas léguas distante, era
quase a salvação. Era lutar pela vida. Completando o transe,
desapareceram à noite, em grande parte, os cargueiros contratados em
Monte Santo. E sob o pretexto de providenciar para urgente remessa
de munições, o comissário daquela vila largou para ignoradas
paragens — e não voltou.
Alguém, entretanto, salvou a lealdade sertaneja, o guia Domingos
Jesuíno. Conduziu as tropas para a frente até ao Rancho das
Pedras, onde acamparam.
Estavam cerca de duas léguas de Canudos.
E à noite um observador que do acampamento atentasse para o norte,
distinguiria talvez, escassas, em bruxeleiros longínquos, fulgindo e
extinguindo-se, intermitentes, muito altas, como estrelas rubras
entre nevoeiros, algumas luzes vacilantes. Demarcavam as posições
inimigas.
Ao alvorecer, desdobraram-se imponentes.
|
|