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O caso, vimo-lo anteriormente, era mais complexo e mais
interessante. Envolvia dados entre os quais nada valiam os sonâmbulos
erradios e imersos no sonho da restauração imperial. E esta
insciência ocasionou desastres maiores que os das expedições
destroçadas. Revelou que pouco nos avantajáramos aos rudes
patrícios retardatários. Estes, ao menos, eram lógicos.
Insulado no espaço e no tempo, o jagunço, um anacronismo étnico,
só podia fazer o que fez — bater, bater terrivelmente a nacionalidade
que, depois de o enjeitar cerca de três séculos, procurava levá-lo
para os deslumbramentos da nossa idade dentro de um quadrado de
baionetas, mostrando-lhe o brilho da civilização através do clarão
de descargas.
Reagiu. Era natural. O que surpreende é a surpresa originada por
tal fato. Canudos era uma tapera miserável, fora dos nossos mapas,
perdida no deserto, aparecendo, indecifrável, como uma página
truncada e sem número das nossas tradições. Só sugeria um conceito
— e é que assim como os estratos geológicos não raro se perturbam,
invertidos, sotopondo-se uma formação moderna a uma formação
antiga, a estratificação moral dos povos por sua vez também se
baralha, e se inverte, e ondula riçada de sinclinais abruptas,
estalando em faults, por onde rompem velhos estádios há muito
percorridos.
Sob tal aspecto era, antes de tudo, um ensinamento e poderia ter
despertado uma grande curiosidade. A mesma curiosidade do arqueólogo
ao deparar as palafitas de uma aldeia lacustre, junto a uma cidade
industrial da Suíça... Entre nós, de um modo geral, despertou
rancores. Não vimos o traço superior do acontecimento. Aquele
afloramento originalíssimo do passado, patenteando todas as falhas da
nossa evolução, era um belo ensejo para estudarmo-las,
corrigirmo-las ou anularmo-las. Não entendemos a lição
eloqüente.
Na primeira cidade da República, os patriotas satisfizeram-se com o
auto-de-fé de alguns jornais adversos, e o governo começou a agir.
Agir era isto — agremiar batalhões.
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