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Dos sertões de Pernambuco passou aos de Sergipe, aparecendo na
cidade de Itabaiana em 1874. Ali chegou, como em toda a parte,
desconhecido e suspeito, impressionando pelos trajes esquisitos —
camisolão azul, sem cintura; chapéu de abas largas, derrubadas; e
sandálias. Às costas um surrão de couro em que trazia papel, pena e
tinta, a Missão Abreviada e as Horas Marianas.
Vivia de esmolas, das quais recusava qualquer excesso, pedindo apenas
o sustento de cada dia. Procurava aos poucos solitários. Não
aceitava leito algum, além de uma tábua nua e, na falta desta, o
chão duro. Assim pervagou largo tempo, até aparecer nos sertões,
ao norte da Bahia. Ia-lhe crescendo o prestígio. Já não seguia
só. Encalçavam-no na rota desnorteada os primeiros fiéis. Não
os chamara. Chegaram-lhe espontâneos, felizes por atravessarem com
ele os mesmos dias de provações e misérias. Eram, no geral, gente
ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, farândola de vencidos da
vida, vezada à mândria e à rapina.
Um dos adeptos carregava o templo único, então, da religião
minúscula e nascente: um oratório tosco, de cedro, encerrando a
imagem do Cristo.
Nas paradas pelos caminhos prendiam-no a um galho de árvore; e,
genuflexos, rezavam. Entravam com ele, triunfalmente erguido, pelos
vilarejos, e povoados, num coro de ladainhas.
Assim se apresentou o Conselheiro, em 1876, na vila do
Itapicuru de Cima. Já tinha grande renome. Di-lo documento
expressivo publicado aquele ano, na capital do Império.
“Apareceu no sertão do Norte um indivíduo, que se diz chamar
Antônio Conselheiro, e que exerce grande influência no espírito
das classes populares servindo-se de seu exterior misterioso e costumes
ascéticos, com que impõe à ignorância e à simplicidade. Deixou
crescer a barba e cabelos, veste uma túnica de algodão e alimenta-se
tenuemente, sendo quase uma múmia. Acompanhado de duas professas,
vive a rezar terços e ladainhas e a pregar e a dar conselhos às
multidões, que reúne, onde lhe permitem os párocos; e, movendo
sentimentos religiosos, vai arrebanhando o povo e guiando-o a seu
gosto. Revela ser homem inteligente, mas sem cultura.” Estes
dizeres, rigorosamente verídicos, de um anuário impresso centenares
de léguas de distância, delatam bem a fama que ele já granjeara.
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