REPÚBLICA DOS JAGUNÇOS

Feito este movimento, aquele corpo marchou heroicamente, avançando. Mas desarticulou-se, dados alguns passos, num desequilíbrio instantâneo. Baquearam alguns soldados, de bruços, como se se preparassem para atirar melhor por trás dos blocos da fachada destruída; viram-se outros, recuando, fora da forma; distanciarem-se, arremetendo para a frente, outros; depois um enredado de baionetas entrebatendo-se, em grupos dispersos — erradios. E logo após, pelos ares ainda silenciosos, um estouro, lembrando arrebentamento de minas... O jagunço despertava, como sempre, de improviso, surpreendentemente, teatralmente e gloriosamente, renteando o passo aos agressores.

Estacou o 4o, batido de chapa pelos adversários emboscados à ourela da praça; estacaram o 39o e o 29o, ante descargas a queima-roupa, através das paredes ao fundo do santuário; e, pela sua esquerda, imobilizou-se a carga da Brigada Dantas Barreto. Fortemente atacada por um dos flancos esta teve que avançar naquele sentido, abandonando a direção inicial da investida, o que foi imperfeitamente conseguido por três companhias dispersas, destacadas do grosso dos batalhões.

Modificavam-se todos os movimentos táticos preestabelecidos. Ao invés da convergência sobre a igreja, as brigadas paravam ou fracionavam-se embitesgando nas vielas.

Durante cerca de uma hora os combatentes que contemplavam a refrega, no alto das colinas circunjacentes, nada mais distinguiram, fora da assonância crescente dos estampidos e brados longínquos — arruído confuso de onde expluíam, constantes, sucessivos, quase angustiosos, abafados clangores de cornetas. Desapareceram as duas brigadas, embebidas de todo na casaria indistinta. Mas contra o que era de esperar, os sertanejos permaneceram invisíveis e nem um só apareceu, correndo para a praça. Batidos, entretanto, por três lados, deviam, recuando por ali e precipitando-se na fuga, ir de encontro às baionetas das forças estacionadas nas linhas centrais e nas beiradas do rio. Era este, como vimos, o objetivo primordial do assalto. Falhou completamente. E o malogro valia por um revés. Porque os assaltantes, deparando resistências com que não contavam, paravam; entrincheiravam-se; e assumiam atitude de todo contraposta à missão que levavam. Quedaram na defensiva franca. Caíam-lhes em cima, desbordando dos casebres fumegantes e assaltando-os, os jagunços.

Apenas a igreja nova fora tomada e, dentro da sua nave revolvida, os soldados do 4o, trepados em montões de blocos e caliça, embaralhavam-se, em tumulto, com os das companhias pertencentes à 3a Brigada. Este sucesso, porém, verificara-se inútil. A um lado, estrepitava, feroz, contínua, ensurdecedora, a trabucada dos guerrilheiros, que enchiam o santuário.

E a praça, onde devia aparecer o inimigo repelido, ferretoado a baioneta, permanecia deserta. Era urgente ampliar o plano primitivo do ataque, lançando no conflito novos lutadores. Do alto da Sete de Setembro partiu o sinal do comando-em-chefe, e logo depois o toque de avançar para o 5o da Bahia. Lançava-se o jagunço contra o jagunço.

O batalhão de sertanejos avançou. Não foi a investida militar, cadente, derivando a marche-marche, num ritmo seguro. Viu-se um como serpear rapidíssimo de baionetas ondulantes, desdobradas, de chofre, numa deflagração luminosa, traçando em segundos uma listra de lampejos desde o leito do rio até aos muros da igreja... O mesmo avançar dos jagunços, célebre, estonteador, escapante à trajetória retilínea, num colear indescritível. Não foi uma carga, foi um bote. Em momentos uma linha flexível, de aço, enleou o baluarte sagrado do inimigo. Coruscou um relâmpago de duzentas baionetas: o 5o desapareceu mergulhando nos escombros... Mas a situação não mudou. Aquele fragmento revolto do arraial, para cuja expugnação pareciam excessivas duas brigadas, absorvera-as; absorvera o reforço enviado; ia absorver batalhões inteiros. Seguiram logo depois o 34o o 40o, o 30o e o 31o de Infantaria. Duplicavam as forças assaltantes. Aumentou, num crescendo, o estrépido da batalha invisível; ampliaram-se os incêndios; ardeu todo a latada. Mas na espessa afumadura dos ares embruscados, branqueava, embaixo, a praça absolutamente vazia.