CANUDOS — UMA DIÁTESE

Era preciso uma explicação qualquer para sucessos de tanta monta. Encontraram-na: os distúrbios sertanejos significavam pródromos de vastíssima conspiração contra as instituições recentes. Canudos era uma Coblentz de pardieiros. Por detrás da envergadura desengonçada de Pajeú se desenhava o perfil fidalgo de um Brunswick qualquer. A dinastia em disponibilidade, de Bragança, encontrara afinal um Monck, João Abade. E Antônio Conselheiro — um Messias de feira — empolgara nas mãos trementes e frágeis os destinos de um povo... A República estava em perigo; era preciso salvar a República. Era este o grito dominante sobre o abalo geral... Exageramos?

Deletreemos, ao acaso, qualquer jornal daqueles dias.

Doutrinava-se: “O que de um golpe abalava o prestígio da autoridade constituída e abatia a representação do brio da nossa pátria no seu renome, na sua tradição e na sua força era o movimento armado que, à sombra do fanatismo religioso, marchava acelerado contra as próprias instituições, não sendo lícito a ninguém iludir-se mais sobre o pleito em que audazmente entravam os saudosos do império, francamente em armas.” Concluía-se: “Não há quem a esta hora não compreenda que o monarquismo revolucionário quer destruir com a República a unidade do Brasil”(Gazeta de Notícias).

Explicava-se: “A tragédia de 3 de março em que juntamente com o Moreira César perderam a vida o ilustre coronel Tamarindo e tantos outros oficiais briosíssimos do nosso exército, foi a confirmação de quanto o partido monarquista à sombra da tolerância do poder público, e graças até aos seus involuntários alentos, tem crescido em audácia e força” (O País).

Afirmava-se: “Trata-se da Restauração; conspira-se; forma-se o exército imperialista. O mal é grande; que o remédio corra parelhas com o mal. A monarquia arma-se? Que o presidente chame às armas os republicanos”(O Estado de S. Paulo). E assim por diante. A opinião nacional esbatia-se de tal modo na imprensa. Na imprensa e nas ruas. Alguns cidadãos ativos congregaram o povo na capital da República e resumiram-lhe a ansiedade patriótica numa moção incisiva:

“O povo do Rio de Janeiro reunido em meeting e ciente do doloroso revés das armas legais nos sertões da Bahia, tomadas pela caudilhagem monárquica, e congregado em torno do governo, aplaudindo todos os atos de energia cívica que praticar pela desafronta do exército e da Pátria, aguarda, ansioso, a sufocação da revolta.”

A mesma toada em tudo. Em tudo a obsessão do espantalho monárquico, transmudando em legião — coorte misteriosa marchando surdamente na sombra — meia dúzia de retardatários, idealistas e teimosos. O presidente da República por sua vez quebrou a serenidade habitual:

“Sabemos que por detrás dos fanáticos de Canudos, trabalha a política. Mas nós estamos preparados, tendo todos os meios para vencer, seja como for contra quem for.”