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Nessas incertezas, a verdade aparecia, às vezes, sob uma forma
heróica. A morte trágica de Salomão da Rocha foi uma satisfação
ao amor-próprio nacional. Aditou-se-lhe depois, mais
emocionante, a lenda do cabo Roque, abalando comovedoramente a alma
popular. Um soldado humilde, transfigurado por um raro lance de
coragem, marcara a peripécia culminante da peleja. Ordenança de
Moreira César, quando desbaratara-se a tropa, e o cadáver daquele
ficara em abandono à margem do caminho, o lutador leal permanecera a
seu lado, guardando a relíquia veneranda abandonada por um exército.
De joelhos, junto ao corpo do comandante, batera-se até ao último
cartucho, tombando, afinal, sacrificando-se por um morto...
E a cena maravilhosa, fortemente colorida pela imaginação popular,
fez-se quase uma compensação à enormidade do revés. Abriram-se
subscrições patrióticas; planearam-se homenagens cívicas e
solenes; e, num coro triunfal de artigos vibrantes e odes ferventes,
o soldado obscuro transcendia à história quando — vítima da
desgraça de não ter morrido — trocando a imortalidade pela vida,
apareceu com os últimos retardatários supérstites, em Queimadas.
A este desapontamento aditaram-se outros, à medida que a situação
se esclarecia. A pouco e pouco se reduzia por um lado, agravando-se
por outro, a catástrofe. Os trezentos e tantos mortos das
informações oficiais ressurgiam. Três dias depois do recontro,
três dias apenas, já se achava em Queimadas, a duzentos
quilômetros de Canudos, grande parte da expedição. Uma semana
depois, verificava-se, ali, a existência de 74 oficiais. Duas
semanas mais tarde, no dia 19 de março, lá estavam — salvos —
1.081 combatentes.
Vimos quantos entraram em ação. Não subtraiamos. Deixemos aí,
registrados, estes algarismos inexoráveis. Eles não diminuíram,
com a sua significação singularmente negativa, o fervor das adesões
entusiásticas.
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