|
Esta, ainda que, em dadas ocasiões, fatigante, é a mais
rudimentar possível. Não existe no Norte uma indústria pastoril.
O gado vive e multiplica-se à gandaia. Ferrados em junho, os
garrotes novos perdem-se nas caatingas, com o resto das malhadas.
Ali os rareiam epizootias intensas, em que se sobrelevam o rengue e o
mal triste. Os vaqueiros mal procuram atenuá-las. Restringem a
atividade às corridas desabaladas pelos arrastadores. Se a bicheira
devasta a tropa, sabem de específico mais eficaz que o mercúrio: a
reza. Não precisam de ver o animal doente. Voltam-se apenas na
direção em que ele se acha e rezam, tracejando no chão
inextricáveis linhas cabalísticas. Ou então, o que é ainda mais
transcendente, curam-no pelo rastro.
E assim passam numa agitação estéril.
Raro, um incidente, uma variante alegre, quebra a sua vida
monótona.
Solidários todos, auxiliam-se incondicionalmente em todas as
conjunturas. Se foge a algum um boi levantadiço, toma da guiada,
põe pernas ao campeão, e ei-lo escanchado no rastro, jogado pelas
veredas tiradas a facão. Se não pode levar avante a empresa, pede
campo, frase característica daquela cavalaria rústica, aos
companheiros mais vizinhos, e lá seguem todos, aos dez, aos vinte,
rápidos, ruidosos, amigos — campeando, voando pelos tombadores e
esquadrinhando as caatingas até que o bruto, desautorizado, dê a
venta no termo da corrida, ou tombe, de rijo, mancornado às mãos
possantes que se lhe aferram aos chifres. Esta solidariedade de
esforços evidencia-se melhor na vaquejada, trabalho consistindo
essencialmente no reunir, e discriminar depois, os gados de diferentes
fazendas convizinhas, que por ali vivem em comum, de mistura em um
compáscuo único e enorme, sem cercas e sem valos.
Realizam-na de junho a julho.
Escolhido um lugar mais ou menos central, as mais das vezes uma
várzea complanada e limpa, o rodeador, congrega-se a vaqueirama das
vizinhanças. Concertam nos dispositivos da empresa. Distribuem-se
as funções que a cada um caberão na lide. E para logo, irradiantes
pela superfície da arena, arremetem com as caatingas que a envolvem os
encourados atléticos.
O quadro tem a movimentação selvagem e assombrosa de uma corrida de
tártaros.
Desaparecem em minutos os sertanejos, perdendo-se no matagal
circundante. O rodeio permanece por algum tempo deserto...
De repente estruge ao lado um estrídulo tropel de cascos sobre
pedras, um estrépito de galhos estalando, um estalar de chifres
embatendo; tufa nos ares, em novelos, uma nuvem de pó; rompe, a
súbitas, na clareira, embolada, uma ponta de gado; e, logo após,
sobre o cavalo que estava esbarrado, o vaqueiro, teso nos
estribos... Traz apenas exígua parte do rebanho. Entrega-a aos
companheiros que ali ficam, de esteira; e volve em galope desabalado,
renovando a pesquisa. Enquanto outros repontam, além, mais outros,
sucessivamente, por toda a banda, por todo o âmbito do rodeio, que
se anima, e tumultua em disparos: bois às marradas ou escarvando o
chão, cavalos curveteando, confundidos e embaralhados sobre os
plainos vibrantes num prolongado rumor de terremoto. Aos lados, na
caatinga, os menos felizes se agitam às voltas com os marruás
recalcitrantes. O touro largado ou o garrote vadio em geral refoge à
revista. Afunda na caatinga. Segue-o vaqueiro. Cose-lhe no
rastro. Vai com ele às últimas bibocas. Não o larga; até que
surja o ensejo para um ato decisivo: alcançar repentinamente o
fugitivo, de arranco; cair logo para o lado da sela, suspenso num
estribo e uma das mãos presa às crinas do cavalo; agarrar com a outra
a cauda do boi em disparada e com um repelão fortíssimo, de banda,
derribá-lo pesadamente em terra. Põe-lhe depois a peia ou a
máscara de couro, levando-o jugulado ou vendado para o rodeador.
Ali o recebem ruidosamente os companheiros. Conta-lhes a façanha.
Contam-lhe outras idênticas; e trocam-se as impressões heróicas
numa adjetivação ad hoc, que vai num crescendo do destalado ríspido
ao temero pronunciado num trêmulo enrouquecido e longo.
Depois, ao findar do dia, a última tarefa: contam as cabeças
reunidas. Apartam-nas. Separam-se, seguindo cada uma para sua
fazenda tangendo por diante as reses respectivas. E pelos ermos ecoam
melancolicamente as notas do aboiado...
Entretanto, mesmo ao cabo desta faina penosa, surgem outras maiores.
|
|