|
Em 1895, em certa manhã de maio, no alto de um contraforte da
Favela, apareceu, ladeada de duas outras, figura estranha àqueles
lugares. Era um missionário capuchinho.
Considerou por instantes o arraial imenso, embaixo. Desceu devagar a
encosta.
Daniel vai penetrar na furna dos leões...
Acompanhemo-lo.
Seguido de Frei Caetano de S. Léo e do vigário do Cumbe, Frei
João Evangelista de Monte-Marciano passa o rio e abeira-se dos
primeiros casebres. Alcança a praça desbordante de povo “perto de
mil homens armados de bacamartes, garrucha, facão, etc.”; e tem a
impressão de haver caído, de súbito, no meio de um acampamento de
beduínos. Não se lhe entibia, porém, o ânimo blindado pela
fortaleza tranqüila dos apóstolos. Passa, impassível, por diante
da Capela, em cuja porta se adensam mais compactos agrupamentos.
Envereda logo por um beco tortuoso. Atravessa-o, seguido dos
companheiros de apostolado. Enquanto às portas os moradores
surpreendidos saem a vê-los, “ar irrequieto e o olhar ao mesmo tempo
indagador e sinistro, denunciando consciências perturbadas e
intenções hostis”.
Chega por fim à casa do velho vigário do Cumbe (que não se abria
há mais de ano, porque a tanto remontava a sua ausência, ressentido
por desacato que sofrera) e mal se refaz da jornada extenuadora.
Comoviam-no o espetáculo dos infelizes que acabava de encontrar
armados até aos dentes, e o quadro emocionante daquela Tebaida
turbulenta.
Antolham-se-lhe novas impressões desagradáveis.
A breve trecho passam-lhe à porta oito defuntos levados sem sinal
algum religioso para o cemitério, ao fundo da igreja velha: oito
redes de caroá sob que arcavam carregadores ofegantes passando,
rápidos, ansiosos por alijá- las, como se na cidade sinistra o
morto fosse um desertor do martírio, indigno da atenção mais breve.
Entrementes, correra a nova da chegada, sem que o Conselheiro se
abalasse ao encontro dos emissários da Igreja. Permanecera
indiferente, assistindo aos trabalhos de reconstrução da Capela.
Procuraram-no, então, os padres.
Deixam a casa. Tomam de novo pela viela sinuosa. Entram na praça.
Atravessam-na, sem que o menor brado hostil os perturbe, e ao
chegarem à sede dos trabalhos “os magotes de homens cerram fileiras
junto à porta da Capela” abrindo-lhes extensa ala.
Do ajuntamento temeroso parte animadora saudação de paz: “Louvado
seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”, à qual era de praxe a
resposta:
“Para sempre seja louvado tão bom Senhor!”
Entram no pequeno templo e acham-se diante de Antônio Conselheiro,
que os acolhe com boa sombra; e, com a placabilidade habitual,
dirige-lhes a mesma saudação pacífica.
|
|