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As agitações sertanejas, do Maranhão à Bahia, não tiveram
ainda um historiador. Não as esboçaremos sequer. Tomemos um fato,
entre muitos, ao acaso.
No termo de Pajeú, em Pernambuco, os últimos rebentos das
formações graníticas da costa se alteiam, em formas caprichosas, na
Serra Talhada, dominando, majestosos, toda a região em torno e
convergindo em largo anfiteatro acessível apenas por estreita
garganta, entre muralhas a pique. No âmbito daquele, como púlpito
gigantesco, ergue-se um bloco solitário — a Pedra Bonita.
Este lugar foi, em 1837, teatro de cenas que recordam as
sinistras solenidades religiosas dos Achantis. Um mamaluco ou cafuz,
um iluminado, ali congregou toda a população dos sítios convizinhos
e, engrimpando-se à pedra, anunciava, convicto, o próximo advento
do reino encantado do rei D. Sebastião. Quebrada a pedra, a que
subira, não a pancadas de marreta, mas pela ação miraculosa do
sangue das crianças, esparzido sobre ela em holocausto, o grande rei
irromperia envolto de sua guarda fulgurante, castigando, inexorável,
a humanidade ingrata, mas cumulando de riquezas os que houvessem
contribuído para o desencanto.
Passou pelo sertão um frêmito de nevrose...
O transviado encontrara meio propício ao contágio da sua insânia.
Em torno da ara monstruosa comprimiam-se as mães erguendo os filhos
pequeninos e lutavam, procurando-lhes a primazia no sacrifício...
O sangue espadanava sobre a rocha jorrando, acumulando-se em torno;
e afirmam os jornais do tempo, em cópia tal que, depois de desfeita
aquela lúgubre farsa, era impossível a permanência no lugar
infeccionado.
Por outro lado, fatos igualmente impressionadores contrabatem tais
aberrações. A alma de um matuto é inerte ante as influências que a
agitam. De acordo com estas pode ir da extrema brutalidade ao máximo
devotamento. Vimo-la, neste instante, desvairada pelo fanatismo.
Vejamo-la transfigurada pela fé.
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