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Mas esta só se realizaria dous meses depois, em fins de junho. Os
lutadores, soldados e patriotas, chegavam à obscura estação da
estrada de ferro do S. Francisco e quedavam impotentes para a
partida. O grande movimento de armas de março fora uma ilusão.
Não tínhamos exército na significação real do termo em que se
inclui, mais valiosa que a existência de alguns milhares de homens e
espingardas, uma direção administrativa, técnica e tática,
definida por um estado-maior enfeixando todos os serviços, desde o
transporte das viaturas aos lineamentos superiores da estratégia,
órgão preparador por excelência das operações militares. Faltava
tudo. Não havia um serviço de fornecimento organizado, de sorte que
numa base de operações provisória, presa ao litoral por uma estrada
de ferro, foi impossível conseguir-se um depósito de víveres.
Não havia um serviço de transporte suficiente para cerca de cem
toneladas de munições de guerra. Por fim, não havia soldados: os
carregadores de armas, que ali desembarcavam, não vinham dos
polígonos de tiro, ou campos de manobra. Os batalhões chegavam,
alguns desfalcados, menores que companhias, com o armamento estragado
e carecendo das noções táticas mais simples. Era preciso
completá-los, armá-los, vesti-los, municiá-los, adestrá-los
e instruí-los.
Queimadas fez-se um viveiro de recrutas e um campo de instrução.
Os dias começaram a escoar-se monotonamente em evoluções e
manobras, ou exercícios de fogo, numa linha de tiro improvisada num
sulco aberto na caatinga próxima. E o entusiasmo marcial dos
primeiros tempos afrouxava, molificado na insipidez daquela Cápua
invertida, em que bocejavam, remansando, centenares de valentes,
marcando passo diante do inimigo... Dali seguiram, batalhão por
batalhão, incluindo em transporte parcial a carência de viaturas,
para Monte Santo, onde a situação não variou. Continuaram até
meados de junho os mesmos exercícios e a mesma existência aleatória
de mais de três mil homens em armas, dispostos aos combates mas
impotentes para a partida e — registremos esta circunstância
singularíssima — vivendo à custa dos recursos ocasionais de um
município pobre e talado pelas expedições anteriores.
A custo terminara-se a linha telegráfica de Queimadas, pela
comissão de engenheiros militares, dirigida pelo tenente-coronel
Siqueira de Meneses. E foi a única cousa apreciável durante tanto
tempo perdido. O comandante- em-chefe, sem carretas para o
transporte de munições, desapercebido dos mais elementares recursos,
quedava-se, sem deliberar, diante da tropa acampada, e mal
avitualhada por alguns bois magros e famintos dispersos em torno sobre
as macegas secas das várzeas. O deputado do
Quartel-Mestre-General não conseguira sequer um serviço regular
de comboios, que partindo de Queimadas abastecessem a base das
operações, de modo a armazenar reservas capazes de sustentar por oito
dias a tropa. De sorte que ao chegar o mês de julho, quando a 2ª
coluna, atravessando Sergipe, se abeirava de Jeremoabo, não havia
em Monte Santo um único saco de farinha em depósito. A penúria e
uns como prenúncios de fome condenavam à imobilidade a divisão em que
se achava o principal chefe da campanha.
Esta estagnação desalentava os soldados e alarmava o país. Como um
diversivo, ou um pretexto de afastar por alguns dias de Monte Santo
mil e tantos concorrentes aos escassos recursos da coluna, duas
brigadas seguiram em reconhecimentos inúteis até ao Cumbe e
Maçacará. Foi o único movimento militar realizado e não teve
sequer o valor de aplacar a impaciência dos expedicionários.
Uma delas, a 3ª de infantaria, — recém-formada com o 5º e o
9º batalhões de artilharia, porque esta se reconstituíra com a
anexação de uma bateria de tiro rápido e com o 7º destacado da 1ª
— estava sob o comando de um oficial incomparável no combate, mas de
temperamento irrequieto demais para aquela apatia. E ao chegar a
Maçacará, depois de prear em caminho alguns cargueiros que
demandavam o arraial sedicioso, em vez de volver à base de operações
esteve na iminência de seguir, isolada, pela estrada do Rosário,
para o centro da luta. O coronel Thompson Flores, planeando este
movimento indisciplinado e temerário, mal contido pela sua
oficialidade, delatava, bem que exagerada pelo seu forte temperamento
nervoso, a situação moral dos combatentes. Revoltava-os a todos a
imobilidade em que se amortecera o arranco marcial dos primeiros dias.
Estremeciam muitos imaginando o desapontamento de receberem, de
improviso, a nova da tomada de Canudos pelo general Savaget.
Calculavam os efeitos daquela dilação ante a opinião pública
ansiosa por um desenlace; e consideravam quão útil se tornaria ao
adversário, alentado por três vitórias, aquele armistício de três
meses. Esta última consideração era capital.
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