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Uma delas, porém, menor de nove anos, figurinha entroncada de
atleta em embrião, face acobreada e olhos escuríssimos e vivos,
surpreendeu-os pelo desgarre e ardileza precoce. Respondia entre
baforadas fartas de fumo de um cigarro, que sugava com a bonomia
satisfeita de velho viciado. E as informações caíam, a fio, quase
todas falsas, denunciando astúcias de tratante consumado. Os
inquiridores registravam-nas religiosamente. Falava uma criança.
Num dado momento, porém, ao entrar um soldado sobraçando a
Comblain, a criança interrompeu a algaravia. Observou convicto,
entre o espanto geral, que a Comblain não prestava. Era uma arma à
toa, xixilada: fazia um zoadão danado, mas não tinha força.
Tomou-a; manejou-a com perícia de soldado pronto; e confessou, ao
cabo, que preferia a manulixe, um clavinote de talento. Deram-lhe,
então, uma Mannlicher. Desarticulou-lhe agilmente os fechos, como
se fosse aquilo um brinco infantil predileto.
Perguntaram-lhe se havia atirado com ela, em Canudos.
Teve um sorriso de superioridade adorável:
“— E por que não? Pois se havia tribuzana velha!... Havera de
levar pancada, como boi acuado, e ficar quarando à toa, quando a
cabrada fechava o samba desautorizando as praças?!”
Aquela criança era, certo, um aleijão estupendo. Mas um
ensinamento. Repontava, bandido feito, à tona da luta, tenso sobre
os ombros pequeninos um legado formidável de erros. Nove anos de vida
em que se adensavam três séculos de barbaria.
Decididamente era indispensável que a campanha de Canudos tivesse um
objetivo superior à função estúpida e bem pouco gloriosa de destruir
um povoado dos sertões. Havia um inimigo mais sério a combater, em
guerra mais demorada e digna. Toda aquela campanha seria um crime
inútil e bárbaro, se não se aproveitassem os caminhos abertos à
artilharia para uma propaganda tenaz, contínua e persistente, visando
trazer para o nosso tempo e incorporar à nossa existência aqueles
rudes compatriotas retardatários.
Mas sob a pressão de dificuldades exigindo solução imediata e
segura, não havia lugar para essas visões longínquas do futuro. O
ministro da Guerra, depois de se demorar quatro dias em Queimadas
removendo os últimos entraves à mobilização das forças, seguiu
para Monte Santo.
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