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Além disto ali os aguardava, no termo da jornada, a última
penitência: a construção do templo. A antiga capela não bastava.
Era frágil e pequena. Mal sobranceava os colmos achatados.
Retratava por demais, no aspecto modestíssimo, a pureza principal da
religião antiga.
Era necessário que se lhe contrapusesse a arx monstruosa, erigida
como se fosse o molde monumental da seita combatente.
Começou a erigir-se a igreja nova. Desde antemanhã enquanto uns se
entregavam às culturas ou tangiam os rebanhos de cabras, ou abalavam
para fazer o saco nas vilas próximas, e outros, dispersando-se em
piquetes vigilantes, estacionavam nas cercanias, bombeando quem
chegava, o resto do povo moirejava na missão sagrada. Defrontando o
antigo, o novo templo erguia-se no outro extremo da praça. Era
retangular, e vasto, e pesado. As paredes mestras, espessas,
recordavam muralhas de reduto. Durante muito tempo teria esta feição
anômala, antes que as duas torres muito altas, com ousadias de um
gótico rude e imperfeito, o transfigurassem. É que a catedral
admirável dos jagunços tinha essa eloqüência silenciosa dos
edifícios, de que nos fala Bossuet...
Devia ser como foi. Devia surgir, mole formidável e bruta, da
extrema fraqueza humana, alteada pelos músculos gastos dos velhos,
pelos braços débeis das mulheres e das crianças. Cabia-lhe a forma
dúbia de santuário e de antro, de fortaleza e de templo, irmanando
no mesmo âmbito, onde ressoariam mais tarde as ladainhas e as balas,
a suprema piedade e os supremos rancores...
Delineara-a o próprio Conselheiro. Velho arquiteto de igrejas,
requintara no monumento que lhe cerraria a carreira. Levantava,
volvida para o levante, aquela fachada estupenda, sem módulos, sem
proporções, sem regras; de estilo indecifrável; mascarada de
frisos grosseiros e volutas impossíveis cabriolando num delírio de
curvas incorretas; rasgada de ogivas horrorosas, esburacada de
troneiras; informe e brutal, feito a testada de um hipogeu
desenterrado; como se tentasse objetivar, a pedra e cal, a própria
desordem do espírito delirante. Era a sua obra-prima. Ali passava
os dias, sobre os andaimes altos e bailéus bamboantes. O povo
enxameando embaixo, na azáfama do transporte dos materiais,
estremecia muita vez ao vê-lo passar, lentamente, sobre as tábuas
flexuosas e oscilantes, impassível, sem um tremor no rosto bronzeado
e rígido, feito uma cariátide errante sobre o edifício monstruoso.
Não faltavam braços para a tarefa. Não cessavam reforços e
recursos à sociedade acampada no deserto. Metade, por assim dizer,
das gentes de Tucano e de Itapicuru para lá abalou. De
Alagoinhas, Feira de Santana e Santa Luzia, iam toda a sorte de
auxílios. De Jeremoabo, Bom Conselho e Simão Dias, grandes
fornecimentos de gados. Não assombravam aos recém-vindos os quadros
que se lhes antolhavam. Tinham-nos como obrigatória a prova
desafiando-lhes a fé inabalável.
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