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Porque num exército que persegue há o mesmo automatismo impulsivo dos
exércitos que fogem. O pânico e a bravura douda, o extremo pavor e
a audácia extrema, confundem-se no mesmo aspecto. O mesmo
estonteamento e o mesmo tropear precipitado entre os maiores
obstáculos, e a mesma vertigem, e a mesma nevrose torturante abalando
as fileiras, e a mesma ansiedade dolorosa, estimulam e alucinam com
idêntico vigor o homem que foge à morte e o homem que quer matar. É
que um exército é, antes de tudo, uma multidão, “acervo de
elementos heterogêneos em que basta irromper uma centelha de paixão
para determinar súbita metamorfose, numa espécie de geração
espontânea em virtude da qual milhares de indivíduos diversos se fazem
um animal único, fera anônima e monstruosa caminhando para dado
objetivo com finalidade irresistível”. Somente a fortaleza moral de
um chefe pode obstar esta transfiguração deplorável, descendo,
lúcida e inflexível, impondo uma diretriz em que se retifique o
tumulto. Os grandes estrategistas têm, instintivamente,
compreendido que a primeira vitória a alcançar nas guerras está no
debelar esse contágio de emoções violentas e essa instabilidade de
sentimentos que com a mesma intensidade lançam o combatente nos mais
sérios perigos e na fuga. Um plano de guerra riscado a compasso numa
carta exige almas inertes — máquinas de matar — firmemente
encarrilhadas nas linhas que preestabelece. Mas estavam longe deste
ideal sinistro os soldados do coronel Moreira César e este ao invés
de reprimir a agitação ia ampliá-la. Far-se-ia o expoente da
nevrose.
Sobreviera, entretanto, ensejo para normalizar a situação.
Chegaram ao Angico, ponto predeterminado da última parada. Ali,
estatuíra-se em detalhe, repousariam. Decampariam pela manhã do
dia seguinte: cairiam sobre Canudos após duas horas de marcha. O
ímpeto que trazia a tropa, porém, teve uma componente favorável nas
tendências arrojadas do chefe. Obsediava-o o anseio de vir logo às
mãos com o adversário.
A alta no Angico foi de um quarto de hora; o indispensável para
mandar tocar a oficiais; reuni-los sobre pequena ondulação dominante
sobre os batalhões, ofegantes em torno; a apresentar-lhes,
olvidando o axioma de que nada se pode tentar com soldados fatigados, o
alvitre de prosseguirem naquela arremetida até ao arraial: — Meus
camaradas! como sabem estou visivelmente enfermo. Há muitos dias
não me alimento; mas Canudos está muito perto... vamos
tomá-lo!
Foi aceito o alvitre.
— Vamos almoçar em Canudos! disse, alto.
Respondeu-lhe uma ovação da soldadesca.
A marcha prosseguiu. Eram 11 horas da manhã.
Dispersa na frente a companhia de atiradores revolvia as moiteiras,
dentre as quais, distantes, raros tiros, espaçados, de adversários
em fuga, estrondeavam, como se tivessem o intuito único de a
atraírem e ao resto da tropa; espelhando estratégia ardilosa, armada
a arrebatá-la até ao arraial naquelas condições desfavoráveis —
combalida e exausta de uma marcha de seis horas.
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