OS PRISIONEIROS

Chegaram no dia 24 os primeiros prisioneiros.

Voltando triunfante, a tropa, que a princípio colhera em caminho meia dúzia de crianças, de quatro a oito anos, por ali dispersas e tolhidas de susto, ao esquadrinhar melhor os casebres conquistados encontrara algumas mulheres e alguns lutadores, feridos.

Estes últimos eram poucos e vinham em estado deplorável: trôpegos, arrastados, exaustos. Um suspenso pelas axilas entre duas praças, meio desmaiado, tinha, diagonalmente, sobre o peito nu, a desenhar-se num recalque forte, a lâmina do sabre que o abatera. Outro, o velho curiboca desfalecido que não vingara disparar a carabina sobre os soldados, parecia um desenterrado claudicante. Ferido, havia meses, por estilhaços de granada, no ventre, ali tinha dous furos, de bordos vermelhos e cicatrizados, por onde extravasavam os intestinos. A voz morria-lhe na garganta, num regougo opresso. Não o interrogaram. Posto à sombra de uma barraca continuou na agonia, que o devorava, talvez havia três meses.

Algumas mulheres fizeram revelações: Vila-Nova seguira, na véspera, para a Várzea da Ema. Sentia-se já, há tempos, fome no arraial, sendo quase todos os mantimentos destinados aos que combatiam; e, revelação mais grave, o Conselheiro não aparecia desde muito.

Ainda mais, trancadas todas as saídas, começara para todos, lá dentro, o suplício crescente da sede. Não iam além as informações. Os que as faziam inteiramente sucumbidos, mal respondiam às perguntas. Um único não refletia na postura abatida as provações que vitimavam os demais. Forte, de estatura meã e entroncada — espécime sem falhas desses hércules das feiras sertanejas, de ossatura de ferro articulando em juntas nodosas e apontando em apófises rígidas — era, tudo o revelava, um lutador de primeira linha, talvez um dos guerrilheiros acrobatas que se dependuravam ágeis nos dentilhões abalados da igreja nova. Primitivamente branco, requeimara- se-lhe inteiramente o rosto, mosqueado de sardas. Pendia-lhe à cintura, oscilante, batendo abaixo do joelho, a bainha vazia de uma faca de arrasto. Fora preso em plena refrega. Conseguira derribar, num arremessão valente, três ou quatro praças, e lograria escapar se não caísse, tonto, ferido de esconso por uma bala na órbita esquerda. Entrou, jugulado como uma fera, na tenda do comandante da 1a coluna. Ali o largaram. O resfôlego precípite argüia o cansaço da luta. Alevantou a cabeça e o olhar singular que lhe saía dos olhos — um cheio de brilhos, outro cheio de sangue — assustava. Tartamudou, desajeitadamente, algumas frases mal percebidas. Tirou o largo chapéu de couro e, ingenuamente, fez menção de sentar-se.

Era a suprema petulância do bandido!

Brutalmente repelido, rolou aos tombos pela outra porta, escorjado sob punhos possantes. Fora, passaram-lhe, sem que protestasse, uma corda de sedenho na garganta. E, levado aos repelões para o flanco direito do acampamento, o infeliz perdeu-se com os sinistros companheiros que o ladeavam no seio misterioso da caatinga.