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As tropas convergiam na Bahia. Chegavam àquela capital em
batalhões destacados e seguiam imediatamente para Queimadas. Esta
medida além de corresponder à urgência de uma organização pronta
naquela vila — feita base de operações provisória — impunha-se por
outro motivo igualmente sério.
É que, generalizando-se de um conceito falso, havia no ânimo dos
novos expedicionários uma suspeita extravagante a respeito das crenças
monárquicas da Bahia. Ali saltavam com altaneria provocante de
triunfadores em praça conquistada. Aquilo, preestabelecera-se, era
um Canudos grande. A velha capital com o seu aspecto antigo, alteada
sobre a montanha, em que embateram por tanto tempo as chusmas dos
“varredores do mar”, batavos e normandos; conservando, a despeito
do tempo, as linhas tradicionais da antiga metrópole do Oceano;
erecta para a defesa, com os seus velhos fortes disjungidos, esparsos
pelas eminências, acrópoles desmanteladas, canhoneiras abertas para
o mar; com as suas ladeiras a prumo, envesgando pela montanha segundo
o mesmo traçado das trincheiras de taipa de Tomé de Sousa; e com as
suas ruas estreitas e embaralhadas pelas quais passaria hoje Fernão
Cardim ou Gabriel Soares sem notar diferenças sensíveis —
aparecia-lhes como uma ampliação da tapera sertaneja. Não os
comovia; irritava-os. Eram cossacos em ruas de Varsóvia. Nos
lugares públicos a população surpreendida ouvia-lhes comentários
acerbos, enunciados num fanfarrear contínuo sublinhado pelo agudo
retinir das esporas e das espadas. E a animadversão gratuita, dia a
dia avolumando-se, traduzia-se ao cabo em desacatos e desmandos.
Citemos um caso único: os oficiais de um batalhão, o 30º,
levaram a dedicação pela República a um assomo iconoclasta. Em
pleno dia tentaram despedaçar, a marretadas, um escudo em que se viam
as armas imperiais, erguido no portão da alfândega velha. A
soldadesca por seu lado, assim edificada, exercitava-se em correrias
e conflitos.
A paixão patriótica roçava, derrancada, pela insânia. A
imprensa e a mocidade do Norte, afinal, protestaram e, mais
eloqüente que as mensagens então feitas, falava em toda a parte o
descontentamento popular, prestes a explodir.
Assim, como medida preventiva, os batalhões chegavam,
desembarcavam, atulhavam os carros da Estrada de Ferro Central e
seguiam logo para Queimadas. De sorte que em pouco tempo ali estavam
todos os corpos destinados à marcha por Monte Santo; e o
comandante-geral das forças, em ordem do dia de 5 de abril, pôde
organizar a expedição.
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