NO HOSPITAL DE SANGUE

As nossas baixas avultavam. Os espectadores, atestando os mirantes acasamatados da colina extrema do acampamento, avaliavam-nas pela lúgubre procissão de andores, padiolas e redes que lhes passava de permeio, subindo. Saía da sanga, embaixo; derivava vagarosa na ascensão contorneando em desvios as casas por ali espalhadas; galgava o alto e prosseguia, descendo para o hospital de sangue, onde, à 1 hora da tarde, já haviam chegado cerca de trezentos feridos.

Mas aquela alpendrada de couro, cobrindo a reentrância que se abrigava entre colinas, não os continha. Os feridos entulhavam-na; desbordavam para as abas das encostas envolventes, ao sol, sobre as pedras; e arrastavam-se, disputando a sombra das barracas, até à farmácia anexa e pavilhão dos médicos, por onde se cruzavam, correndo, enfermeiros e médicos diminutos demais para os satisfazer a todos. Ao fundo do barracão, arrimados aos cotovelos, de bruços, os antigos doentes, e feridos dos dias anteriores, olhavam inquietos para os novos sócios de infortúnio. A um lado, sobre o chão duro, corpos rígidos francamente batidos pelo sol, jaziam os cadáveres de alguns oficiais, o tenente-coronel Tupi, o major Queiróz, os alferes Raposo, Neville, Carvalho e outros. Soldados ofegantes e suarentos entravam e saíam intermitentemente, arcados sob padiolas. Despejavam-nas, volvendo, prestes, naquela azáfama fúnebre que ameaçava prolongar-se pelo dia todo. Porque até aquela hora a situação não melhorara. Persistia indecisa. Mantinha-se a réplica feroz dos adversários. Insistentes, imprimindo no tumulto a nota de uma monotonia cruel, reproduziam-se em todas as linhas os toques das cornetas, determinando as cargas; e estas realizavam-se, sucessivas, rápidas, impetuosas — pelotões, batalhões, brigadas, vagas de metal e flamas, fulgurando, rolando, arrebentando e detonando de encontro a represas intransponíveis. As bombas de dinamite (foram arrojadas noventa nesse dia) estouravam de momento em momento, mas com absoluto insucesso. Adicionaram-se-lhes outros expedientes: latas de querosene derramadas por toda a orla da casaria, avivando os incêndios.

Este recurso bárbaro, porém, por sua vez, resultara inútil.

Por fim, às duas horas da tarde, se paralisou inteiramente o assalto; cessaram de todo as cargas; e no ânimo dos sitiantes, em franca defensiva nas posições primitivas, doíam desapontamentos de derrota. Defluindo da baixada, a leste da praça, continuou largo tempo a romaria penosa dos feridos, em busca do hospital de sangue. Em padiolas, em redes, ou suspensos pelos braços entre os companheiros, ascendiam exaustos, titubeantes, arrimando-se e cosendo-se às casas. E sobre eles, sobre as colinas, varrendo-as sobre os morros artilhados, varejando-os, sobre o acampamento todo, ao cair da tarde, ao anoitecer e durante a noite inteira, visando todos os pontos da periferia do assédio, sibilando em todos os tons pelos ares, da zona reduzidíssima onde se acantonavam os jagunços irrompiam as balas...

O combate fora cruento e estéril. Desfalcara-nos de quinhentos e sessenta e sete lutadores, sem resultado apreciável.

Como sempre a vibração forte da batalha amortecera a pouco e pouco, atenuando-se em tiroteios escassos; e toda a noite passou, velando-a, a tropa combalida na expectativa cruel de novos recontros, novos sacrifícios inúteis e novos esforços malogrados.

Entretanto a situação dos sertanejos piorara. Tinham, com a perda da igreja nova, perdido as últimas cacimbas. Cercavam-nos braseiros enormes, progredindo-lhes em roda e avançando de três pontos — do norte, leste e oeste — obstringindo-os no último reduto.

Mas à madrugada de 2 os triunfadores fatigados despertaram com uma descarga desafiadora e firme.