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Paranóico indiferente, este dizer, talvez, mesmo não lhe possa ser
ajustado, inteiro. A regressão ideativa que patenteou,
caracterizando-lhe o temperamento vesânico, é, certo, um caso
notável de degenerescência intelectual, mas não o isolou —
incompreendido, desequilibrado, retrógrado, rebelde — no meio em
que agiu. Ao contrário, este fortaleceu-o. Era o profeta, o
emissário das alturas, transfigurado por ilapso estupendo, mas
adstrito a todas as contingências humanas, passível do sofrimento e
da morte, e tendo uma função exclusiva: apontar aos pecadores o
caminho da salvação. Satisfez-se sempre com este papel de delegado
dos céus. Não foi além. Era o servo jungido à tarefa dura; e
lá se foi, caminho dos sertões bravios, largo tempo, arrastando a
carcaça claudicante, arrebatado por aquela idéia fixa, mas de algum
modo lúcido em todos os atos, impressionando pela firmeza nunca
abalada e seguindo para um objetivo fixo com finalidade irresistível.
A sua frágil consciência oscilava em torno dessa posição média,
expressa pela linha ideal que Maudsley lamenta não se poder traçar
entre o bom senso e a insânia.
Parou aí indefinidamente, nas fronteiras oscilantes da loucura,
nessa zona mental onde se confundem facínoras e heróis, reformadores
brilhantes e aleijões tacanhos, e se acotovelam gênios e
degenerados. Não a transpôs. Recalcado pela disciplina vigorosa de
uma sociedade culta, a sua nevrose explodiria na revolta, o seu
misticismo comprimido esmagaria a razão. Ali, vibrando a primeira
uníssona com o sentimento ambiente, difundido o segundo pelas almas
todas que em torno se congregavam, se normalizaram.
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