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Tornou-se necessário, além dos trabalhos de sapa, abrir mais de
uma légua de picada contínua através de uma caatinga feroz que
naquele trecho justifica bem o significado da denominação indígena do
lugar. Relata o chefe desse trabalho memorável:
“Ao xiquexique, palmatória, rabo-de-raposa, mandarus, croás,
cabeça-de-frade, calumbi, cansação, favela, quixaba e a
respeitabilíssima macambira, reuniu-se o muito falado e temido
cunanã, espécie de cipó com aspecto arborescente, imitando no todo
a uma planta cultivada nos jardins, cujas folhas são cilíndricas. A
poucos centímetros do chão o tronco divide-se em muitos galhos que se
multiplicam numa profusão admirável, formando uma grande copa, que
se mantém no espaço por seus próprios esforços ou favorecido por
algumas plantas que vegetam de permeio. Estende suas franças de
folhas cilíndricas com oito caneluras e igual número de filetes em
gume e pouco salientes, semelhando-se a um enorme polvo de milhões de
antenas, como elas flexíveis e elásticas, cobrindo, não raras
vezes, considerável superfície do solo, emaranhando-se, por entre
a esquisita e raquítica vegetação destas paragens, em uma trama
impenetrável. A foice mais afiada dos nossos soldados do contingente
de engenharia (‘chineses’ na frase gaiata dos companheiros dos corpos
combatentes) e polícia, dificilmente as decepavam nos primeiros
golpes, oferecendo, portanto, resistência inesperada ao empenho que
todos traziam em ir por diante. Nesse labirinto de nova espécie,
teve a comissão de engenharia em poucas horas de abrir mais de seis
quilômetros de estrada, tendo ao encalço a artilharia, que a
atropelava impaciente. O ingente esforço desenvolvido pelos distintos
e patriotas republicanos empenhados neste pesadíssimo labor não
impediu que a noite os viesse surpreender, antes de chegar à espécie
de clareira denominada pelo povo do lugar de Queimadas, onde esta
vegetação traiçoeira desaparecia de sua frente, como que tomada de
medo. Antes que o desânimo, o cansaço e o sono se apoderassem dos
nossos soldados resignados e trabalhadores, e citada comissão
representada nesta ocasião pelo chefe, tenentes Nascimento e
Crisanto, alferes Ponciano, Virgílio e Melquíades, os dous
últimos da polícia, o terceiro auxiliar e o quarto comandante do
contingente de engenharia, pois o capitão Coriolano e tenente
Domingos Ribeiro achavam-se mais atrás em outros trabalhos, tomou o
alvitre de mandar acender, já escura a noite, de distância em
distância, grandes fogueiras para à sua luz prosseguirem os obreiros
da boa causa da Pátria. Assim concluiu-se com alegria geral e
contentamento, das 8 para 9 horas da noite, este último trecho, em
que o cunanã se dissolveu em mais benigna vegetação ao sair das
Queimadas de que já falamos. O canhão 32, não podendo vencer os
obstáculos avolumados pela noite, ficou dentro da picada até o dia
seguinte e com ele o Dr. Domingos Leite, que trabalhava desde o
Rio Pequeno com uma turma de ‘chineses’ no empenho de levá-lo a
Canudos.
Pouco depois de 9 horas estava a comissão reunida e acampada na
clareira debaixo de chuvas torrenciais, que se prolongaram até ao dia
seguinte, a todos contrariando, a todos causando mal-estar e
aborrecimento. Aí também acampou a Brigada de Artilharia, o
16º, e o 25º Batalhões de Infantaria, tendo-se conservado em
proteção ao 32º o 27º, que dormiu na picada. Foi magnífico,
esplêndido mesmo, o espetáculo que a todos vivamente impressionou,
vendo a artilharia com seus metais faiscantes e polidos, altiva de sua
força soberana, atravessar garbosa e imponente, como rainha do
mundo, por entre os fantásticos clarões de grandes fogos, acesos no
deserto, como que pelo gênio da liberdade, para mostrar-lhe o
caminho do dever, da honra e da glória.”
Durante este tempo chegava a Juetê, onde pernoitou, o general
Oscar, com o estado-maior e o piquete de cavalaria. Ao passo que o
general Barbosa, com a 1ª e 3ª Brigadas, endireitava para a
fazenda do Rosário, 4.700 metros na frente.
Ali chegou na antemanhã seguinte o comandante-geral; e mais tarde o
resto da divisão, tendo-se tornado, ainda, necessário taludar as
ribanceiras do Rio Rosário para que o atravessasse a artilharia.
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