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A nossa história traduz notavelmente estas modalidades mesológicas.
Considerando-a sob uma feição geral, fora da ação perturbadora de
pormenores inexpressivos, vemos, logo na fase colonial,
esboçarem-se situações diversas.
Enfeudado o território, dividido pelos donatários felizes, e
iniciando-se o povoamento do país com idênticos elementos, sob a
mesma indiferença da metrópole, voltada ainda para as últimas
miragens da “Índia portentosa”, abriu-se separação radical entre
o Sul e o Norte.
Não precisamos rememorar os fatos decisivos das duas regiões. São
duas histórias distintas, em que se averbam movimentos e tendências
opostas. Duas sociedades em formação, alheadas por destinos rivais
— uma de todo indiferente ao modo de ser da outra, ambas,
entretanto, envolvendo sob os influxos de uma administração única.
Ao passo que no Sul se debuxavam novas tendências, uma subdivisão
maior na atividade, maior vigor no povo mais heterogêneo, mais
vivaz, mais prático e aventureiro, um largo movimento progressista em
suma — tudo isto contrastava com as agitações, às vezes mais
brilhantes mas sempre menos fecundas, do Norte — capitanias esparsas
e incoerentes, jungidas à mesma rotina, amorfas e imóveis, em
função estreita dos alvarás da corte remota.
A história é ali mais teatral, porém menos eloqüente.
Surgem heróis, mas a estrutura avulta-lhes, maior, pelo contraste
com o meio; belas páginas vibrantes mas truncadas, sem objetivo
certo, em que colaboram, de todo desquitadas entre si, as três
raças formadoras. Mesmo no período culminante, a luta com os
holandeses, acampam, claramente distintos em suas tendas de campanha,
os negros de Henrique Dias, os índios de Camarão e os lusitanos de
Vieira. Mal unidos na guerra, distanciam-se na paz. O drama de
Palmares, as correrias dos silvícolas, os conflitos na orla dos
sertões, violam a transitória convergência contra o batavo.
Preso no litoral, entre o sertão inabordável e os mares, o velho
agregado colonial tendia a chegar ao nosso tempo, imutável, sob o
emperramento de uma centralização estúpida, realizando a anomalia de
deslocar para uma terra nova o ambiente moral de uma sociedade velha.
Bateu-o, felizmente, a onda impetuosa do Sul.
Aqui, a aclimação mais pronta, em meio menos adverso, emprestou,
cedo, mais vigor aos forasteiros. Da absorção das primeiras tribos
surgiram os cruzados das conquistas sertanejas, os mamalucos audazes.
O paulista — e a significação histórica deste nome abrange os
filhos do Rio de Janeiro, Minas, S. Paulo e regiões do Sul —
erigiu-se como um tipo autônomo, aventuroso, rebelde, libérrimo,
com a feição perfeita de um dominador da terra, emancipando-se,
insurrecto, da tutela longínqua, e afastando-se do mar e dos
galeões da metrópole, investindo com os sertões desconhecidos,
delineando a epopéia inédita das bandeiras...
Este movimento admirável reflete o influxo das condições
mesológicas. Não houvera distinção alguma entre os colonizadores
de um e outro lado. Em todos prevaleciam os mesmos elementos, que
eram o desespero de Duarte Coelho.
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