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Cristo Senhor, ao predizer a missão do Espírito Santo,
sintetizou o conjunto destes efeitos do próprio Paráclito numa só
palavra, que aparece freqüentemente no Evangelho de são João, é
usada muitas vezes na linguagem religiosa contemporânea, a qual já
explicamos noutra ocasião. É a palavra "testemunho". Seria útil
examina-la novamente, para conhecermos sua dupla aplicação.
Segundo o ensinamento do Senhor, existe de fato um testemunho
interior, que poderíamos dizer passivo, ou seja, recebido, ouvido,
constituído pelos dons, pelos carismas que o Espírito Santo concede
generosamente a quem o recebe. Escolhemos, por comodidade de
síntese, uma frase de Jesus entre as que proferiu na última Ceia:
"Quando vier o Paráclito, o Espírito de. Verdade, dará
testemunho de mim" (Jo 15,26; 14,26; 16,17). É o
testemunho da verdade relativa a Deus, a Cristo, ao Evangelho, que
se tornou luminosa interiormente.
Também há um testemunho exterior no qual, por íntima inspiração
do Espírito (Mt 10,20) , o próprio homem se torna
testemunha, ou seja, instrumento da verdade: "Quando vier o
Consolador - diz Jesus aos seus discípulos - também vós dareis
testemunho" (Jo 15,27). É este o aspecto em que agora
detemos a nossa atenção.
O Pentecostes transforma os discípulos em testemunhas, ou melhor,
em apóstolos. É ainda Jesus quem diz aos seus, desta vez na
iminência de sua ascensão: "Ides receber uma força, a do
Espírito Santo que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas em
Jerusalém por toda Judéia e Samaria, até aos confins do mundo"
(At 1,8). Recordai a cena do Pentecostes. É uma metamorfose,
pode dizer-se, que se realiza nos discípulos. Invade-os uma
energia nova. A palavra irrompe de suas almas. Consultemos os Atos
dos Apóstolos. Quando a multidão acorreu, atraída pelo fragor do
fenômeno inexplicável, e pela exaltação do grupo que aclamava "as
grandezas de Deus" (At 2,11) nas mais diversas línguas e
começou a interpretar com ironia o comportamento daquela assembléia.
exultante com a plenitude interior da inspiração espiritual, lemos
naquela maravilhosa narração que "Pedro levantou-se com os onze e
falou em alta voz" (At 2, 14). Foi o discurso inaugural da
pregação cristã. O apóstolo começou com ênfase e certeza
profética a pregar Cristo Salvador, no meio do tumulto da multidão
indisposta e amendrontada.
Ao testemunho exterior suscitado pelo Espírito Santo, podemos
chamar apostolado.
Sabeis a este respeito duas coisas óbvias, especialmente depois do
recente Concílio, ou seja, o termo "apostolado" compreende toda a
atividade exterior da Igreja, destinada à sua finalidade primária,
a da Salvação mediante Cristo, atividade esta que se tornou tanto
mais consciente e urgente, quanto mais abertos e fechados, sob
diferentes aspectos, se encontram atualmente os caminhos dos homens
perante o quérigma, isto é, a pregação evangélica. O Concílio
ensina justamente: "A Igreja nasceu para que, propagando o reino de
Cristo a toda a terra, para a glória de Deus Pai, todos os homens
se tornem participantes da Redenção salvadora, e por eles todo o
mundo seja realmente ordenado para Cristo"'. Ainda sabeis que a
própria vocação cristã é por natureza vocação para o apostolado,
vale dizer, o apostolado foi reconhecido como atividade inerente ao
próprio fato de ser cristão, o que elevou o conceito de leigo
cristão ao de colaborador do apostolado hierárquico propriamente
dito.
Também todos sabemos que esta consciência apostólica,
missionária, difusiva do cristão, chamado à fé e contemplado com a
graça, ainda não foi adquirida por muitos que, apesar disso, se
dizem cristãos.
Isto significa que a virtude do Pentecostes ainda não foi
compreendida e experimentada, como aconteceu no princípio do
cristianismo, por aquilo que ela é: um impulso para testemunhar a
própria fé, apta a defender e difundir um direito-dever, que nasce
do coração de quem foi destinado para o dom do Espírito de Cristo,
um estudo amoroso e generoso, que se deve realizar em colaboração com
Cristo, arquiteto e construtor, sobre o fundamento lançado por ele
próprio, a sua Igreja.
O apostolado, nas suas inúmeras formas, consiste nesta edificação
positiva, que se torna um sinal visível e, portanto, social e
histórico, da autêntica moção do Espírito nas almas daqueles que
recorrem ao mesmo Espírito para se considerarem cristãos.
Nesta altura, impõe-se uma reflexão bastante séria sobre o
apostolado, o qual se tornou um tema muito fecundo de pensamento e de
ação nos católicos contemporâneos. Trata-se de uma reflexão
geral: a que ponto, se encontra o apostolado em nosso tempo? Devemos
dar graças ao Senhor, por se observar uma riquíssima florescência
de atividades de todos os gêneros, no Povo de Deus, para anunciar e
afirmar o nome de cristãos. Louvores sejam prestados a todos aqueles
que oferecem engenho, ação, nome, meios, orações, sofrimentos,
solidariedade e interesse ao esforço atual do apostolado católico,
quer sejam homens, mulheres, jovens, leigos, ministros ou
religiosos: Gostaríamos que todos, e cada um individualmente,
soubessem que são estimados pela Igreja, especialmente por quem
reveste nela responsabilidades particulares. Agradecemos a todos
eles, encorajando-os e abençoando-os. Pedimos ao Espírito Santo
que lhes infunda seus dons, de modo que todos aqueles que exercem
apostolado, dentro ou fora do âmbito eclesial, sintam a sua energia
interior e se vejam amparados, interiormente, pela convicção e pelo
júbilo que deriva da profissão cristã positiva e militante.
Mas todos devemos recordar que a atitude coerente, constante e
corajosa da profissão cristã, ou seja, do apostolado, está sempre
ameaçada, no nosso complexo ser humano, por muitas formas de
reflorescente e insidiosa fraqueza.
O cristão e especialmente o apóstolo tem a obrigação de ser forte,
corajoso, franco e livre, como convém a um seguidor de Cristo (At
4,20; Lc 12,8-12). Afinal, existe sempre e até
naqueles que deveriam ter maior responsabilidade - pensamos com pesar
em Pedro que renegou orgulhosamente o Cristo, na hora crítica de sua
paixão - uma instabilidade incurável, acompanhada de carência de
humildade e fortaleza, do ponto de vista subjetivo, e destituída do
auxílio do Espírito Santo, do ponto objetivo. Esta. labilidade,
freqüente e insensívelmente faz com que a nossa personalidade venha a
cair naquele campo magnético, circunstante e envolvente, que se chama
respeito humano, conformismo com o ambiente, medo paralisante do
juízo, da ironia e dos escritos dos outros. Recordamos nestes dias a
observação de Pascal sobre a opinião pública, que, segundo ele,
mina nossas forças. Hoje, que esta atmosfera pública parece
prevalecer sobre a autonomia da pessoa, devemos recordar que estamos
expostos ao risco de fugir ao apelo exterior da Igreja, e ao interior
da consciência, que induzem à observância do compromisso cristão.
Proclamamo-nos livres, mas freqüentemente vítimas do respeito
humano, o somos bem pouco.
Além disso uma forma que hoje está na moda, até na profissão
cristã, a contestação habitual, algumas vezes deletéria e mesmo
inconsiderada, faz desviar do álveo da caridade, e também da
verdade, energias muito louváveis, as quais deveriam servir para o
apostolado construtivo. O comportamento deste costume contestatário,
que hoje infelizmente caracteriza não poucas iniciativas, é uma
falsificação do apostolado (1Tim 6,20; 2 Tim 2,14).
Desejaríamos que realmente o Espírito, pelo qual elas se dizem
guiadas, talvez para se subtrairem à harmonia da comunhão eclesial e
ao respeito devido a quem é ministro da autoridade, as reconduzisse à
honra da função estimulante que possuem, para o benefício da
autêntica renovação eclesial e social, e à verdadeira caridade da
comunhão própria da índole cristã.
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