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Ainda uma vez nos volta ao espírito uma pergunta que fazemos a nós
mesmos: de que é que a Igreja tem necessidade hoje?
É um fato, que a Igreja hoje, neste momento, passa por necessidades
urgentes. Isto por dois motivos: aliás, opostos. Por um lado,
pelos males internos e externos que a afligem. Por outro, pela
missão que deve cumprir e pelas possibilidades que se lhe apresentam,
de oferecer ao mundo contemporâneo um testemunho cristão renovado.
Esta experiência de suas próprias necessidades, e esta consciência
dos deveres a cumprir, levam a Igreja a procurar socorro fora da
esfera humana e temporal. Impelem-na à oração, à invocação da
ajuda divina e à busca daquela misteriosa e prodigiosa assistência,
que Jesus Cristo prometeu a seus apóstolos, no fim de sua
permanência visível na terra: eu estarei, melhor, "eu estou
convosco todos os dias até o fim dos tempos"(Mt 28,20).
Neste recurso de súplica à ação do Senhor, que age no interior da
alma da Igreja e na psicologia do Povo Cristão, verifica-se um
fato muito conhecido, muito comum e para nós quase espontâneo, mas
que é sempre singular, tanto assim que nossos irmãos separados ainda
criticam de certo modo sua legitimidade e eficácia. Trata-se do fato
de se recorrer a uma intercessão ou mediação, ou em termos banais,
a uma recomendação.
A quem recorremos e para chegar a quem? Recorremos a Maria, para
chegar a Jesus. Para todos nós, que somos discípulos da escola
espiritual e doutrinal da Igreja, este recurso não tem nada de
estranho, nada de ilógico, nada de inútil. Sabemos muito bem que
"há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo homem,
que se deu em resgate por todos" (1Tim 2,5) e que a causa de
nossa salvação é somente o Cristo (Hebr 5,9). Mas sabemos
também que a economia da salvação comporta uma colaboração humana
"dispositiva e ministerial", como diz santo Tomás de Aquino, que
admite uma preparação, uma introdução à fonte da graça, uma
intervenção que não causa. mas facilita de modo maravilhoso a
circulação da caridade, a comunhão, a solidariedade, que se
verifica no plano divino de nossa redenção. Esta intervenção nós
denominamos intercessão. Trata-se de uma intervenção que tem muita
importância no culto dos santos, e obviamente e em grau eminente no
culto especialíssimo devido e tributado à Mãe de Cristo, àquela
que mais do que nenhuma outra criatura tomou parte - e que parte! -
única, ativa e santíssima na encarnação (Gal 4,4) e na
paixão redentora de Jesus (Lc 2,35; Jo 19, 25).
Por isso, vamos repetir, com nosso grande predecessor Leão
XIII, nosso múnus apostólico, e a "dificílima situação dos
tempos atuais levam-nos cada dia mais, e quase nos impelem a zelar com
tanto maior solicitude, pela tutela e incolumidade da Igreja, quanto
mais graves são suas provações", e quanto mais delicado é o
momento atual, e quanto mais urgente é a necessidade da paz, ferida e
ameaçada no mundo, por exemplo, no Vietnã, na África, no
Oriente Médio, na Irlanda e em outros pontos da terra onde se
sofre.
Foram estas muitas razões que nos induziram a dirigir à Igreja a
exortação, em que pedíamos que se recorresse ao patrocínio materno
de Nossa Senhora, de modo especial durante este mês de outubro, em
que se celebra a festa do santo rosário.
A esta altura deveríamos falar do rosário, e dizer por que razão
uma piedosa prática de devoção se tornou motivo, mais do que
objeto, de uma festa especial. Mas o que desejamos insistentemente
recordar agora a vossa atenção e a vossa piedade é a conveniência de
tomarmos o terço e de recitá-lo com simplicidade e fervor dos
humildes, dos pequeninos, dos devotos, dos aflitos e dos confiantes.
Sim. de rezá-lo pela paz na Igreja e no mundo. O quarto
centenário da autorizada determinação da forma dessa devoção
mariana, feita por são Pio V, anima-nos a essa renovação, que
tacitamente o próprio Concílio recomendou. Certas formas de música
popular moderna, que se baseiam num ritmo intenso, sublinhando uma
palavra ou pensamento, poderiam fazer-nos superar as reservas, que
às vezes são aduzidas contra o rosário, por ser ele uma repetição
monótona de orações.
Temos necessidade do auxílio da santa Virgem. Um atormentado e
famoso escritor espiritualista e realista, Charles Péguy, comparava
o Pai-nosso e a Ave-Maria do terço a navios que viajam
vitoriosamente para o Pai. Também nós devemos tentar esta
experiência mística.
E não se diga que procedendo assim "instrumentalizamos" a oração e
o culto à Virgem Maria em favor de nossas necessidades temporais, e
que com a religião assim praticada, cedemos à tentação do
utilitarismo que penetra em todas as formas da vida moderna.
Antes de tudo, não há modo de mal em fazer da oração uma
confissão de nossos limites, de nossas necessidades, de nossa
confiança, em obter do alto o que com nossas forças não podemos
conseguir. Não foi por acaso o próprio Cristo que nos ensinou
isto: "Pedi e recebereis, procurai e achareis, batei e a porta vos
será aberta"? (Mt 7,7).
A respeito do rosário podemos acrescentar ainda duas outras
observações. A primeira é esta: a oração de petição, que
está na intenção comum de quem recita o rosário, transforma-se em
oração contemplativa, por meio da apresentação diante dos olhos
espirituais do orante, dos assim chamados "mistérios do rosário",
que fazem dessa piedosa prática mariana uma meditação cristológica,
habituando-nos a estudar a figura do Cristo, do melhor ponto de
observação que é a Virgem Maria. O rosário fixa-nos em
Cristo, nos episódios de sua vida, e de sua teologia não só com
Maria, mas também na medida de nossas possibilidades, do mesmo modo
que ela. que é certamente quem mais do que ninguém pensou nele (Lc
2,19; 2,51; 8,21; 11,28) , comprendeu-o e o
amou.
A segunda é esta: o rosário. para quem tem confiança, estabelece
um diálogo com Maria. Eleva quem o recita até ela. Obriga-o a
receber as influências de seu fascínio, de seu estilo evangélico e
de seu exemplo educativo e transformador. É uma escola que nos faz
cristãos. Trata-se de uma vantagem quase imprevista, mas muito
preciosa e muito de acordo com nossas necessidades fundamentais.
Ouvi, caros filhos, nosso convite à oração. Na cadeia de suas
invocações repetidas e meditadas, ela fortifica nossa esperança,
assimila-nos a Cristo e obtém-nos a paciência, a paz e a alegria
que ele nos quer dar.
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