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Observou-se com razão que o Concílio difundiu na Igreja e no mundo
muita serenidade e otimismo. Em outras palavras, um cristianismo
confortante e positivo, um cristianismo amigo da vida, dos homens,
dos próprios valores terrestres, da nossa sociedade, da nossa
história. Quase somos levados a ver no Concílio uma intenção de
tornar o cristianismo aceitável e amado, indulgente e aberto, despido
de todo o rigorismo da Idade Média e de toda a interpretação
pessimista dos homens, dos seus costumes, das suas mudanças e das
suas exigências. Tudo isto é verdade. Mas é preciso atenção.
O Concílio não esqueceu que a cruz ocupa ainda o centro do
cristianismo. Foi, aliás, rigorosamente fiel a estas palavras de
são Paulo: "A fim de que a cruz do Cristo não se desvirtue, ut
non evacuetur crux Christi" (1 Cor 1,17). E como São
Paulo o Concílio não deixou de repetir a si mesmo: "Não tive em
mente que se devesse saber outra coisa entre vós, senão Jesus
Cristo, e este, crucificado" (1 Cor 2,2).
Poderíamos recordar que as grandes linhas teológicas, místicas e
ascéticas sobre a participação dos fiéis à paixão do Senhor,
percorrem muitas páginas dos documentos conciliares. Basta-nos esta
citação: "Assim como Cristo consumou a obra da redenção na
pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir o mesmo
caminho, a fim de comunicar aos homens os frutos da salvação". A
paixão do Senhor, digamos brevemente, não só se reflete na Igreja
pelo testemunho que ela lhe dá pela sua pregação e com sua doutrina,
não só pela imitação que o exemplo heróico e magnânimo do Cristo
inculca nos cristãos e os convida a segui-lo, não só pela
comunicação sacramental, que aplica a todos os fiéis a assimilação
mística à morte e à ressurreição do Senhor (Rom 6,5), mas
de certo modo é porque esta paixão se renova, se reproduz e se
repete. Não se repete apenas em cada um dos seguidores do Cristo:
"Completo em minha carne o que falta à paixão do Cristo" (Col
1,24), como diz são Paulo, mas sim na Igreja inteira, tomada
como comunidade, ou conjunto dos membros do Cristo, como sua vida que
se prolonga na História: eis por que ela se perpetua. Sim, a vida
que se perpetua e dura ainda. Neste aniversário pascal, a Igreja
mais do que em qualquer outra época, toma consciência das próprias
dores, experimentando-as, sofre-as, aceita-as humildemente.
Procura santificá-las e tirar delas o atestado de sua identidade com
o Cristo Senhor e Mestre, e de seu amor desejoso de fundir os
próprios sofrimentos com os do Cristo crucificado, e de transformar
as próprias humilhações e derrotas em méritos de penitência, de
purificação e de redenção, de maior virtude, de maior coragem e de
maior esperança.
Será que a Igreja sofre também hoje? Sim, caros filhos, a
Igreja está passando pela provação de grandes sofrimentos. Mas
como é possível depois do Concílio? Sim, é que o Senhor nos
está pondo à prova. Em muitos países, como sabeis, a Igreja
sofre pela falta de liberdade que a oprime. Sofre porque muitos
católicos não querem mais prestar-lhe aquela fidelidade que merece
pela sua tradição secular, e que lhe deveria proporcionar seu
esforço pastoral cheio de compreensão e de amor. Padece também
pelas atitudes de agitação, de crítica, de indocilidade de
demolição, manifestadas por muitos de seus filhos mais prediletos
-padres, mestres, leigos consagrados ao serviço e ao testemunho do
Cristo que vive na Igreja viva - contra sua íntima e indispensável
comunhão, contra sua existência institucional, contra suas normas
canônicas, tradição e coesão interior, contra sua autoridade, que
é o princípio insubstituível de verdade, de unidade, de caridade,
e contra as suas próprias exigências de santidade e de sacrifícios.
Sofre ainda pela defecção e pelo escândalo de certos eclesiásticos
e religiosos que tentam crucificá-la em nossos dias.
Caros filhos, não nos recuseis vossa solidariedade espiritual e vossa
oração. Não vos deixeis abater pelo medo, pelo desânimo, pelo
ceticismo, nem muito menos pelo mimetismo que no dia de hoje, por meio
da sugestão dos meios de informação social, é tão nocivo a tantos
espíritos fracos e impressionáveis e às vezes até a espíritos
fortes e jovens. Mas sofrei e amai com a Igreja e com ela trabalhai
na esperança.
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