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O serviço é um dos deveres inerentes à autoridade, e tal dever é
tanto maior quanto mais importante é a autoridade. Esta noção
resulta da natureza e das funções da sociedade humana. Decorre da
idéia do bem comum e da utilidade pública, da idéia de igualdade
entre os homens, e de inviolabilidade da pessoa humana. É,
portanto, uma noção que deriva do dirento natural.
A história, contudo, nos demonstra como ela foi alterada e
contestada pelas paixões humanas. O Cristo a reivindica no seu
Evangelho (Lc 22, 25). Ela permanece na Igreja e a sociedade
civil a adotou como lei, ainda que não é posta em prática no que
concerne aos costumes.
Esta noção permanece também no Concílio e revive com ele. É um
dos critérios que testemunham da renovação da vida da Igreja. Não
é novidade, mas tradição.
Seja-nos permitido citar as palavras célebres de Manzoni, a
respeito de seu personagem ideal, Frederico Borromeu, que estava
"persuadido profundamente... de que não há justa superioridade
de um homem sobre outro, senão a de o servir".
Devemos alegrar-nos, nós que facilmente somos movidos a falar mal de
nosso tempo, pelo fato de que este princípio que estabelece a
autoridade como serviço dos outros, não seja contestado hoje por
ninguém. Na Igreja de Deus ele encontra um assentimento unânime,
até quando certas aparências externas e certos hábitos, que pouco a
pouco estão cedendo lugar a um novo estilo de vida, fazem pensar em
idéias de poder arbitrário de interesse pessoal, de prestígio
pomposo, de superioridade hereditária, que a história de séculos
passados creditaram como legítimos e transmitiram em seguida como sendo
algo inerente à natureza e ao exercício da autoridade.
A história contemporânea exige uma realidade bem diferente: a
Igreja é serviço. Ainda que hoje e sempre a autoridade na Igreja
seja necessária, porque querida pelo Cristo e dele derivada (Mt
16,18-19), e, por isso, conserva seu valor constitucional e
místico, como veículo dos mistérios divinos (1 Cor 4,1),
como intérprete da verdade (Lc 10,16), e da vontade do
Cristo na sua Igreja (Jo 10,15), contudo, ela se reveste de
mais a mais e manifestamente de atributos que lhe são próprios:
atributos pastorais, atributos evangélicos. Afirma-se como
serviço, portanto, com amor, sacrifício corajosamente assumido pelo
bem de outros, para o bem do rebanho de Cristo, pela Igreja toda
(Jo 10,11).
Esta visão purificada da estrutura eclesiástica, hierárquica e
comunitária, presta-se para uma longa meditação, que sua atual
vitalidade conduz a amplas considerações históricas, a novas
resoluções de sinceridade eclesial e a uma sábia elaboração das
leis canônicas. Leva-nos também a nos convencer de que todos na
Igreja temos nossa "diaconia", nosso serviço a prestar. Nem a
exaltação da personalidade humana de cada um, nem a reivindicação
da liberdade religiosa na sociedade, nem o primado ativo concedido à
consciência, esclarecida pela doutrina autorizada da Igreja sobre a
lei divina, nos dispensam de oferecer com generosidade, docilidade e
ordem, nosso serviço para o bem de nossos irmãos e para o
desenvolvimento da vida da Igreja. E o que é mais importante nossos
direitos pessoais encontram em tal serviço, sua expressão livre,
honrosa e meritória.
É assim igualmente que esta vocação de serviço, que no ministério
sacerdotal se torna missão total, não muda em nada as prerrogativas
de funções da hierarquia, de sua autoridade dou jurisdicional e
santificadora, como se resultassem democraticamente da comunidade
eclesial, do Povo de Deus, como alguns hoje querem afirmar
falsamente. Mas de fato elas decorrem de Deus, do Cristo, da ordem
sagrada e do mandato de quem quer que na Igreja esteja constituído na
hierarquia e são destinadas a assegurar o bem do Povo de Deus. Se
hoje esta destinação toma importância primordial e comporta formas,
no exercício da autoridade, que correspondem sempre mais à sua
natureza espiritual e à sua finalidade pastoral, isto é, ao serviço
que a justifica e exige que seja repleta de amor e de humildade, isto
significa que quer refletir, de mais em mais em si mesma, a imagem do
Cristo que vive naquele que na Igreja representa, favorece e perpetua
sua missão de salvador.
Vede, caros filhos, que assim falando (e feita abstração de
qualquer outro confrade nosso, constituído na hierarquia), fazemos
menos nossa apologia que nossa humilde autocrítica. Por isso contamos
com vossa indulgência e obediência e nos recomendamos às vossas
orações.
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