17 DE SETEMBRO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

O Concílio suscitou na Igreja impulsos múltiplos e vigorosos, mas nem todos foram orientados numa boa direção, isto é, para a edificação da Igreja de Deus. Daí muitos sintomas parecem prenunciar graves males para a própria Igreja. Alguns destes males nós já os indicamos. Assim, por exemplo, há certa queda da ortodoxia em algumas escolas e em certos ambientes de estudo. Não há quem não veja o perigo que representa para a verdade religiosa e para a eficácia salvadora de nossa religião, a consideração exclusiva de seu aspecto humano e social em detrimento de seu aspecto primário, sagrado e divino, o da fé e da oração.

Não é sem apreensão que se pode observar a facilidade como se desrespeita a virtude da obediência eclesial, princípio constitutivo no desígnio estabelecido por Cristo para a estabilidade e desenvolvimento de seu corpo místico visível, precisamente a Igreja.

Talvez tenham sido ultrapassados os limites permitidos, no esforço em si louvável de inserir o sacerdote no meio social, secularizando inteiramente suas vestes, seu modo de pensar e de viver, impelindo-o pelo caminho que não é o seu, o das competições temporais, enfraquecendo assim sua vocação e função de ministro do Evangelho e da graça. Deu-se grande liberdade à discussão sobre o celibato. O vigor da ascese cristã e o caráter definitivo dos compromissos sagrados, assumidos diante de Deus e da Igreja, estão se abrandando cada vez mais.

Talvez se tenha lançado mão de formas excessivas de publicidade, de pesquisas, de exper iências irregulares de pressões da opinião pública, prejudicando assim o encontro do justo caminho da renovação, que deve ser feita com responsabilidade e sob a luz da sabedoria católica.

Será necessário tempo para tirar daí o que há de bom também nessas inquietas aberrações da vida católica e para integrá-la na sua própria harmonia. Há mesmo quem tenha falado de uma decomposição da Igreja. Mas não somos desta opinião e confirmamos uma vez mais nossa confiança na assistência do Cristo e na ajuda dos bons cristãos.

Nesta espectativa, que podemos fazer entretanto? Pois bem, desejamos recorrer à ajuda dos bons filhos da Igreja e principalmente de seus pastores. Não seria justo se nos faltasse confiança neles. Temos muita esperança nos sacerdotes que permanecem fiéis à sua vocação e ao serviço da Igreja de Deus. O mesmo declaramos dos religiosos e religiosas que se conservam firmes na adesão aos próprios estatutos e ao espírito dos santos que deram origem e exemplo às suas respectivas instituições. Temos também grande esperança nos leigos, que têm sido nestes últimos tempos o fermento generoso e genial de seu sucesso nas tremendas vicissitudes de sua história moderna. Grande esperança especialmente nos jovens, aos quais nosso pensamento se volta sempre com imensa simpatia espiritual.

Contamos também com as almas compreensivas e silenciosas que rezam, esperam e sofrem com seus bispos e conosco e geram em si mesmas a Igreja nova, a Igreja que vive e que é santa. É para nós motivo de consolação, saber que estas alma, não têm estatísticas burocráticas, mas são numerosíssimas e se encontram por todo o mundo. Elas estão na expectativa, naquela expectativa que faz a Igreja prosseguir em sua viagem escatológica e na sua ascensão fatigante rumo à santidade de seus membros, santidade igual à de sua divina concepção.

Mas não queremos perder esta oportunidade, com tantos grupos de elevada categoria e de valor apostólico diante de nós, para lhes dizer, a eles e a todos que seguem análoga inspiração, que depositamos muita esperança neles. É a eles que se aplica a frase do Senhor: Nolite timere, pusillus grei. "Não tenhas medo, pequeno rebanho" (Lc 12,32). Não é o número que conta, mas o fervor, a dedicação e o espírito. Os assim chamados pequenos grupos espontâneos podem ser discutíveis quando se fecham em si mesmos, quando se mostram arbitrários e se opõem à comunidade e à autoridade responsável. No entanto, podem ser providenciais os grupos de pessoas que aceitam uma severa e ordenada preparação para a vida interior e para o apostolado externo, dedicando-se à atividade missionária em nosso mundo ou no mundo longínquo, os quais com intrepidez apostólica e sabedoria profética, oferecem seu tempo, suas fadigas e seu coração para anunciar o Cristo, sob as mil e uma formas que lhes apresenta a vida moderna proteiforme. A palavra, o ministério, os escritos, a caridade, têm naturalmente a primazia nesta "escalada" do apostolado, mas não esqueçamos que todo apostolado deve ser coletivo e organizado, alimentado pela meditação e pela fidelidade à Igreja e vivido num harmonioso espírito de sacrifício e real audácia.

Sim, não hesitamos em dizer o seguinte: a Igreja tem hoje muita necessidade de forças voluntárias e disciplinadas. Ela precisa de almas fortes capazes de lfzer irradiar o quérigma, a mensagem da salvação (Rom 16,25).