|
Aceitamos com prazer o convite de nosso Cardeal Vigário para
assistir ao encerramento deste congresso pastoral, primeiro que tudo,
porque nos proporciona a ocasião de estarmos no meio de vós,
sacerdotes e religiosos romanos, consagrados ao sagrado ministério,
de nos encontrarmos convosco e de sentirmos e demonstrarmos que somos o
vosso bispo.
Com efeito, não há nada que possa corresponder melhor aos desejos e
sentimentos de um bispo do que estar no meio de seus sacerdotes,
senti-los perto de si, e dar-lhes a saber, também de um modo
sensível, que vivendo em comunhão com seu bispo, são objeto de seu
interesse e da sua assistência.
Além disso é a primeira vez que temos a oportunidade de tomar contato
com o clero romano, constituído em presbitério, segundo as recentes
prescrições conciliares e de o saudar, sentindo uma profunda
satisfação ao verificar que esta nova instituição se dedicou
imediatamente ao estudo de temas de elevado interesse comum.
Podemos assim exprimir pessoalmente e de viva voz o nosso apreço por
este gênero de iniciativas, destinadas a experimentar e a promover
aquela comunhão mais intensa, de sentimentos e de ação, ensinada
pelo Concílio, entre o clero de uma diocese. Julgamos realmente que
esta circulação de estudos e de idéias, esta aceleração de
atividades pastorais, este confronto e intercâmbio de experiências,
e esta comum formulação emuladora de novos programas, constituem um
dos melhores resultados do Concílio. Não se trata de uma
ostentacão de palavras vãs em prejuízo de uma operosidade efetiva,
mas de um esforço meditado e compartilhado para superar uma praxe
consuetudinária, que o tempo tornou indolente e superficial. Também
para infundir na caridade pastoral, ou seja, no ministério, o
dinamismo que lhe compete, para remontar às razões e exigências
teológicas do mesmo ministério, para aplicar com precisão unânime e
confiante, as novas normas que a autoridade eclesiástica emana, e
utilizar apostolicamente a margem de liberdade discricional, deixada
pela lei ao zelo do pastor de almas, para que o exercício do
ministério seja adaptado às necessidades, às aspirações, e às
circunstâncias locais.
É esta, portanto, a nossa saudação, a nossa palavra de estímulo e
a nossa bênção. Mas talvez nos pergunteis: e não nos diz sequer
uma palavra sobre o tema?
Sentimos certa hesitacão em entrar no âmago do tema específico deste
Congresso, tema que, segundo nos informaram, é "a nova mentalidade
para a renovada celebração dos sacramentos". Nossa hesitação é
causada pela amplitude do próprio tema e pelas conferências que já
ouvistes sobre o assunto, inspiradas, segundo nosso parecer, pela
ciência e pela competência. Apraz-nos encomiá-las mais dó que
acrescentar-lhes outras considerações.
Se quereis que digamos uma simples palavra de apreço pelo título que
propõe o objeto deste congresso, esta palavra é de aprovação.
Apesar da brevidade de seu enunciado, aparece duas vezes nele o
conceito de novidade. No seu duplo aspecto este conceito de novidade
tem dois gumes. O primeiro é positivo, indica incremento,
desenvolvimento vital, sinal característico dos valores autenticamente
cristãos, ou seja, conserva-se sempre igual a si mesmo, e sempre
fecundo como uma árvore, que é sempre a mesma, quando cresce,
floresce e frutifica nas estações próprias. O outro aspecto é
negativo: repudia tudo o que a tradição nos oferece, mesmo o que ela
tem de intangível, e fiando-se na mudança como tal, introduz no
campo doutrinal e moral da Igreja elementos arbitrários e
heterogêneos que deformam sua verdadeira doutrina e as linhas que a
constituem.
Em nosso caso, porém, este recurso ao conceito de novidade é, sem
dúvida, positivo, legítimo e até mesmo necessário, quando se
refere à nossa mentalidade que, como se diz, deve ser nova. Dizer a
homens de Igreja que devem renovar sua mentalidade, à primeira vista
parece uma ofensa, como se eles se tivessem afastado do caminho justo,
ou estivessem oprimidos pelo peso de uma senilidade moral. Também
parece perigoso, como se a desejada renovação de sua mentalidade,
permitisse considerar sem valor a formação que receberam, e
abandonar-se ao capricho de pensamentos e experiências.
Mas não é assim. A renovação da mentalidade de que se fala É: a
que sacode o hábito inerte de se limitar a :fórmulas cômodas e
antiquadas de pensar e de agir, de evitar o esforço da reflexão,
quer sobre as verdades teológicas que, pela densidade e profundidade
do seu conteúdo, deveriam alimentar sempre a contemplação, a
investigação e a celebração de quem fez delas a luz da própria vida
espiritual. Quer também sobre as realidades exteriores, ou seja,
sobre as exigências pastorais e as condições do mundo, realidades
essas que se encontram, como todos sabemos, num processo de contínua
e profunda mudança. Por mentalidade nova compreendemos a
inteligência pronta e aberta, o respeito devido ao preceito do
Cristo, sobre a obrigação da vigilância muitas vezes repetido, a
conservação da juventude de que fala são Paulo, quando nos exorta:
"Por isso não desfalecemos. Ainda que em nós se destrua o homem
exterior, o interior renova-se diariamente" (2 Cor 4,16),
acrescentando quase textualmente para nosso caso, que devemos renovar
espiritualmente a nossa inteligência (Ef 4,25).
Ora, gostaríamos realmente que o clero romano, depois do Concílio
do qual, talvez ainda não tenhamos avaliado toda a importância e
responsabilidade que tem para nós, adquirisse uma mentalidade adequada
à hora presente. Não se trata de uma libertação arrogante do
patrimônio de bons pensamentos e de usos locais, que herdamos de nossa
educação, nem de aceitar cegamente com adesão servil as idéias e as
inovações de proveniência estrangeira e de tendências discutíveis.
Trata-se sim de haurir de nossa romanidade uma nova e autêntica
espiritualidade, na qual a fé, com a sua certeza e o seu convite a
urna perene meditação e à caridade com a sua exigência e a sua
universalidade, infundem na alma sacerdotal do padre, especialmente do
que se dedica ao ministério pastoral, um modo de pensar, uma
mentalidade, a que poderíamos chamar característica, pelo fato de,
como diz são Cipriano, ser plasmada e fundada segundo o exemplo da
Igreja católica, que é exatamente esta Igreja romana, na qual se
realiza mística e historicamente um desígnio divino, e que longe de
inspirar orgulho ou vaidade, egoísmos banais ou interesses terrenos,
nos deve tornar cada vez mais conscientes, pois pertencemos ao clero
romano, do nosso dever de exemplo, de serviço, de zelo e de
incomparável amor a Cristo Senhor e à sua Igreja. Sim, vejamos
se conseguimos imprimir uma profunda espiritualidade interior nesta
nossa condição de vida que nos insere no mistério da Roma
católica.
Se estivermos persuadidos desta realidade, ser-nos-á fácil
refletir sobre a outra novidade, enunciada pelo vosso tema: a da nova
pastoral dos sacramentos. Neste campo a novidade é imposta
principalmente pela reforma litúrgica. Sabeis qual é. Mas, além
da simples aplicação ritual, justificam-na duas observações. Uma
refere-se à sua coerência teológica. A outra à sua fecundidade
pastoral. Evidentemente é oportuna e até necessária uma reflexão
teológica. Primeiramente, sobre o próprio conceito de sacramento,
que é uma ação divina realizada por uma ação humana. A primeira,
causa principal da graça. A segunda, instrumento e condição.
Este encontro misterioso da ação transcendente de Deus com a ação
ministerial do homem, merece contínua reflexão, admiração sempre
nova e constante vivacidade de sentimentos, até porque seu caráter
existencial e sua incessante repetição, se quisermos que a ação
sacramental não venha a decair num formalismo exterior, e quase
supersticioso, exigem esta atenção infatigável e esta descoberta
sempre nova.
Em segundo lugar, esta reflexão doutrinal é exigida pela natureza do
sacramento, que sabemos ser o símbolo, o sinal de uma intervenção e
de uma colação eficaz da graça divina. Ser sinal quer dizer ser
linguagem. Significa que o sacramento no seu próprio elemento
sensível oferece o tema, escolhido por Cristo, da inexaurível
meditação, que leva ao encontro do desígnio divino, segundo o qual
Cristo nos quer fazer compreender um pouco do mistério ao qual nos
quer associar. Significa, portanto, que a nossa mentalidade, em
relação à vida sacramental, deve esforçar-se continuamente por
penetrar o significado de símbolo sacramental.
Pensai no batismo. São Paulo exorta-nos a esta passagem da
experiência exterior do sinal sensível, para a compreensão do seu
significado, que se realiza numa específica comunicação da graça,
ou seja, de misteriosa vida divina, à nossa humilde vida humana:
"Ignorais, porventura, que todos nós, que fomos batizados em
Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? Pelo batismo
sepultamo-nos juntamente com ele, para que assim como Cristo
ressuscitou dos mortos, mediante a glória do Pai, assim caminhemos
nós também numa vida nova" (Rom 6,3-4).
Em quantas verdades sobrenaturais profundas e estupendas nos faz pensar
o símbolo eucarístico do pão e do vinho, a primeira das quais é a
unidade do Corpo místico! Em que plenitude de amor nos faz pensar o
matrimônio, como sinal da caridade que existe entre Cristo e a
Igreja pela qual ele se imolou! (Ef 5,25). E assim por
diante.
Tudo isto quer dizer que a mentalidade nova, com que devemos celebrar
os sacramentos, consiste não só no estilo verdadeiramente digno da
sufi celebração, em que transparece a fé trepidante e feliz do
ministro, mas também numa catequese apropriada sobre cada um dos
sacramentos. Pode-se dizer que em nossos costumes religiosos, só a
primeira comunhão é objeto desta solicitude.
A pastoral renovada deve estudar e aplicar métodos muito mais
aperfeiçoados, também para a celebração dos outros sacramentos. A
pedagogia sacramental deve ser mais desenvolvida na vida pastoral. A
eficácia causadora da graça é toda e principalmente de Deus, que
opera no mesmo ato sacramental, ex opere operato, como dizem os
teólogos. Mas a eficácia instrumental, que condiciona esta
misteriosa ação divina, depende do homem, ex opere operantes, do
ministro do sacramento, de quem o recebe, e também da comunidade
eclesial, que participa na celebração e na colação dos
sacramentos.
O que devemos desejar, então, para que a pastoral sacramental seja
renovada? Devemos desejar uma preparação catequética e espiritual
maior, uma celebração ritual e comunitária mais perfeita, tanto da
parte dos ministros como da parte dos fiéis, e uma inserção mais
consciente do fato sacramental na vida concreta. O sacramento tende a
produzir efeitos permanentes e morais. Mas vós sabeis tudo isto
perfeitamente.
Se a vossa atividade pastoral se aperfeiçoar, no campo do ministério
sacramental, será um ótimo fruto deste congresso. Este ano quereis
deter vossa atenção no sacramento do matrimônio. Que vasto e novo
campo de ministério é o da família cristã, especialmente antes de
sua fundação, depois de sua inauguração religiosa e por fim no seu
sucessivo andamento.
A pastoral da família apresenta-se hoje como sendo a mais oportuna a
mais empenhativa, e também a mais fecunda em resultados benéficos e
duradouros. É verdade que pode exigir do pastor de almas um trabalho
intenso e delicado, mas também lhe dá as maiores satisfações e os
maiores méritos. Esperamo-lo de todo o coração.
|
|