16 DE ABRIL DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

Uma das características da Igreja pós-conciliar é a atenção especial que ela dá à realidade humana, considerada em seu quadro histórico, isto é, aos fatos, aos acontecimentos, aos fenômenos de nosso tempo. Uma expressão do Concílio entrou na linguagem corrente: fala-se de perscrutar "os sinais dos tempos". Na verdade a expressão é uma reminiscência evangélica: "Não podeis distinguir os sinais dos tempos", diz Jesus um dia a seus ouvintes maliciosos (Mt 16,3).

Referia-se aos prodígios que fazia, e que deviam marcar o advento da era messiânica. Hoje, porém, no mesmo plano, esta expressão pode, se o quisermos, revestir uma significação nova da mais alta importância. O papa João XXIII, com efeito, retomou-a na Constituição apostólica, em que convocava o II Concílio Ecumênico do Vaticano. Depois de acentuar as condições espirituais do mundo atual, assim ele tentou reavivar a esperança da Igreja: "Agrada-nos depositar uma confiança muito firme em nosso divino Salvador, que nos exorta a reconhecer os sinais dos tempos", de tal maneira que "possamos discernir, no meio destas espessas trevas, os numerosos indícios que parecem predizer melhores tempos, para a Igreja e para o gênero humano". Neste sentido, os sinais dos tempos são presságios de melhores tempos.

A expressão "sinais dos tempos" passou para a linguagem corrente com uma significação profunda, muito mais ampla e interessante: a da interpretação teológica da história contemporânea. Que a história considerada em suas grandes linhas tenha oferecido ao pensamento cristão a ocasião e mesmo o convite a descobrir nela um plano divino, nós o sabemos de há muito. Que é a História Sagrada: senão a identificação de um pensamento divino, de uma "economia" transcendente, na transcorrência de acontecimentos que conduzem ao Cristo, e que dele derivam? Esta descoberta é póstuma, porém: é uma síntese, formulada por vezes de maneira discutível, que um historiador estabelece, quando os acontecimentos fazem parte do passado, e podem ser julgados do ângulo de uma perspectiva de conjunto. Tais acontecimentos podem ser encaixados, por dedução, num quadro ideológico, que se inspira de preferência em outras fontes doutrinais, em vez de na análise indutiva dos acontecimentos. Ora, atualmente o pensamento moderno é convidado, ao contrário, a decifrar dentro da realidade histórica e em particular da realidade presente, os "sinais", isto é, as indicações de um sentido que ultrapasse aquele, que um observador passivo registrou.

Na perspectiva que temos em vista atualmente, trata-se de identificar "no tempo", isto é, no curso dos acontecimentos, na história, estes aspectos, estes "sinais", que podem dar-nos alguma idéia de uma Providência imanente - aliás, habitual para os espíritos religiosos - ou que podem ser indícios (o que nos interessa no momento) de uma relação com o "Reino de Deus", com sua ação secreta, ou - o que é melhor, -para nosso conhecimento e nosso dever - com a possibilidade e exigência de uma ação apostólica e de nossa disponibilidade a esta ação. Estes. índices parecem-nos constituir os "sinais dos tempos".

Como o ensina o Concílio, a interpretação dos "tempos", a saber, a realidade empírica histórica, que nos cerca e nos impressiona, deve ser feita "à luz do Evangelho". A descoberta dos "sinais dos tempos" interessa à consciência cristã. Resulta de um confronto da fé com a vida, não para sobrepor artificial e superficialmente um pensamento piedoso, aos dados de nossa experiência, mas antes para ver como estes dados, por seu dinamismo interno, por sua própria obscuridade, por vezes mesmo pela sua imoralidade, reclamam um raio de fé, uma palavra evangélica, que os classifique e os redima. A descoberta dos "sinais dos tempos" pode também fazer-nos ver em que, muito naturalmente, correspondem aos desígnios superiores, que sabemos cristãos e divinos (como a procura da unidade, da paz, da justiça) e em que nossa eventual ação caritativa e apostólica vem coincidir com a maturação de circunstâncias favoráveis, indicando-nos que é chegada a hora para um progresso simultâneo do reino de Deus, dentro do reino humano.

Este método nos parece indispensável, para evitar alguns perigos aos quais nos poderia expor tão sedutora. procura dos "sinais dos tempos". O primeiro perigo é o de certo profetismo carismático, que se degenera em fantasias de devotos, interpretando como miraculosas certas coincidências fortuitas e por vezes insignificantes.

O desejo exarcerbado de descobrir facilmente os "sinais dos tempos", pode fazer-nos esquecer que muitas vezes os fatos observados podem ser interpretados de maneira ambígua e muito menos devemos olvidar que é necessário reconhecer ao "Povo de Deus", isto é, a todo o crente, uma eventual capacidade de discernir os "sinais da presença ou do plano de Deus". O "sentido da fé" pode conferir este dom de sábia visão, mas a assistência do magistério hierárquico será sempre oportuna e decisiva, quando a ambigüidade da interpretação tiver que ser resolvida ou na certeza da verdade ou no interesse do bem comum.

O segundo perigo seria o de considerar apenas de maneira fenomenológica os fatos que se deseja tirar uma indicação dos "sinais dos tempos". Ora, isto pode acontecer quando tais fatos são assinalados e classificados, conforme esquemas puramente técnicos e sociológicos. Realmente, reconhecemos de bom grado que a sociologia é uma ciência de grande valor, tanto em si mesma como em razão da finalidade, que na ocorrência nos interessa, isto é, a pesquisa nos fatos de um sentido superior, que tenha valor de indicador. Mas a sociologia não pode nem ser um critério moral, tendo valor por si mesma, nem substituir a teologia. Este novo humanismo científico poderia comprometer a autenticidade e a originalidade do cristianismo, e de seus valores sobrenaturais.

Outro perigo podia surgir se se considerasse como predominante o aspecto histórico deste problema. É verdade que a pesquisa tem como objeto a história e o tempo, e procura tirar daí os sinais próprios do domínio religioso, que para nós se resumem no advento central da presença do Cristo no tempo e no mundo, de que derivam o Evangelho, a Igreja e sua missão de salvação. O que significa que o elemento imutável da verdade revelada não deveria estar subordinado à mutabilidade dos tempos, nos quais se difunde e por vezes faz sua aparição, como "sinais" que não o alteram, mas o deixam entrever e o realizam na humanidade em marcha.

Tudo isso, porém, não quer senão convidar-nos a prestar atenção, para os estudar, aos "sinais dos tempos", que tornarão mais perspicazes, e mais atuais nosso julgamento cristão, e nosso apostolado no meio da vaga de transformações do mundo contemporâneo.

É a antiga, ruas sempre viva, palavra do Senhor, que ressoa aos nossos ouvidos: "Vigiai" (Lc 21,36).

Que a vigilância cristã seja para nós a arte de discernir os "sinais dos tempos".