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Qual a significação essencial, o efeito sobrenatural, a res como
dizem os teólogos, deste alimento sacrifical, pelo qual o Cristo se
dá a nós e nós nos inserimos nele? É uma unidade nova e
misteriosa, que deve resultar precisamente da participação à
Eucaristia, porque esta é que dá o nome à celebração de amor fiel
e reconhecido, este "ágape", esta comunhão sacrifical. É a
unidade do corpo místico, é a Igreja, corpo místico de Cristo,
que vive da fé, da esperança e da caridade. Neste sentido, nenhuma
palavra é mais clara do que a do Apóstolo: "Formamos um só
corpo, mesmo sendo muitos, porque participamos todos de um mesmo
pão" (1 Cor 10,17).
Irmãos, sobre este pensamento é que desejávamos deter nossa
reflexão, sobre o rito, ou seja, sobre a ceia pascal que celebramos
neste momento. Evidentemente não se trata de um pensamento novo e
original. Seria triste se fosse. Mas trata-se do pensamento
verdadeiro, fecundo e oportuno da nossa Páscoa. É de fato o
pensamento da união, diríamos mais, da unidade, desta unidade
misteriosa, vital, exigente, que deve reanimar-se em nós para nos
fazer viver em seguida dela mesma, ser nossa luz na vida prática e
social, e caracterizar a nossa adesão à Igreja católica romana. É
a união, unidade entre nós.
É oportuno que nos lembremos disso. Porque se fala tanto de união do
mundo! A história da humanidade apesar das rupturas, das lutas e dos
contrastes que n separam, caminha para a unidade.
Chegará ela a esta meta ou serão vãos seus esforços de
solidariedade mundial? E se um dia aí chegasse, poder-se-ia dizer
ou falar de sucesso ou retrocesso, em razão da "dimensão única"
que a caracterizaria, a saber, da perda de suas expressões livres e
múltiplas? A humanidade tem urgência em se unir na solidariedade e
no amor. Mas onde encontrará o modelo e a fonte para isso?
Fala-se de unidade no pluralismo das denominações cristãs.
Quando, porém, esta unidade se tornará efetiva e perfeita, senão
quando se der a unanimidade na profissão da única fé, condição
indispensável para a participação à mesma comunhão eucarística?
Fala-se de uma renovação na doutrina e na consciência da Igreja de
Deus. Mas como poderá ser autêntica e persistente a Igreja viva e
verdadeira, se o conjunto que a forma e a define "corpo místico",
espiritual e social, se acha hoje tantas vezes e tão gravemente
corroído pela contestação e pelo esquecimento de sua estrutura
hierárquica, falsificada em seu divino e indispensável carisma
constitutivo que é a autoridade pastoral? Como poderá arrogar-se o
título de Igreja, povo unido, ainda que localmente fracionado,
histórica e legitimamente diversificado, quando um fermento
praticamente cismático a divide e subdivide, fragmentando-a em
grupos, acima de tudo zelosos de sua arbitrária e no fundo egoística
autonomia, mascarada de pluralismo cristão ou de liberdade de
consciência? Como poderá ser construída por uma atividade, que se
pretenderia chamar apostólica, quando é guiada por tendências
centrífugas propositadamente, e quando se desenvolve, não a
mentalidade do amor comunitário, mas sim a da polêmica
particularista, ou quando prefere perigosas e equívocas simpatias,
necessitadas de irredutíveis reservas, às amizades fundadas em
princípios basilares, indulgentes para com os defeitos comuns, e
necessitadas, de colaborações convergentes? Fala-se ainda de
Igreja e de Igreja católica, a nossa. Mas podemos dizer a nós
mesmos que ela, em seus membros, em suas instituições, na sua
atividade, acha-se deveras animada por aquele espírito de união e
caridade que a torne digna de celebrar, sem hipocrisia e sem a
costumeira insensibilidade, a nossa santa missa cotidiana? Será que
também entre nós não existem aqueles "cismas" ou aquelas
"divisões" dolorosamente denunciadas na primeira Carta de São
Paulo aos Coríntios, cujos ensinamentos nos são propostos na leitura
de hoje? Precisamos sempre construir aquela caridade, aquela unidade
virtuosa de sentimentos e relações que a Eucaristia sublimará nas
palavras testamentárias do Cristo.
Aqui, neste momento que precede imediatamente nossa comunhão com
Cristo, que nos unifica a nós seus seguidores e membros, renovemos
nossa maneira íntima de pensar e agir. Renunciemos ao espírito de
emulação e discórdia, à sutil tentação da maledicência entre
nós irmãos. Sendo necessário abramos o coração ao perdão para
todos que nos tenham injuriado, como também prometemos reconciliação
com quaisquer pessoas de nossas relações. Como nos podemos achegar
ao banquete cristão da caridade e da unidade sem esta paz no
coração?
Há uma graça que queremos pedir hoje a Jesus: "Que ele dê à sua
Igreja, a esta Igreja de Roma, chamada para 'presidir a
caridade', a graça de permanecer sempre, e se aperfeiçoar na sua
própria unidade interior, como o exige a Páscoa do Senhor.
Amém".
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