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O Concílio suscitou na Igreja impulsos múltiplos e vigorosos, mas
nem todos foram orientados numa boa direção, isto é, para a
edificação da Igreja de Deus. Daí muitos sintomas parecem
prenunciar graves males para a própria Igreja. Alguns destes males
nós já os indicamos. Assim, por exemplo, há certa queda da
ortodoxia em algumas escolas e em certos ambientes de estudo. Não há
quem não veja o perigo que representa para a verdade religiosa e para a
eficácia salvadora de nossa religião, a consideração exclusiva de
seu aspecto humano e social em detrimento de seu aspecto primário,
sagrado e divino, o da fé e da oração.
Não é sem apreensão que se pode observar a facilidade como se
desrespeita a virtude da obediência eclesial, princípio constitutivo
no desígnio estabelecido por Cristo para a estabilidade e
desenvolvimento de seu corpo místico visível, precisamente a
Igreja.
Talvez tenham sido ultrapassados os limites permitidos, no esforço em
si louvável de inserir o sacerdote no meio social, secularizando
inteiramente suas vestes, seu modo de pensar e de viver, impelindo-o
pelo caminho que não é o seu, o das competições temporais,
enfraquecendo assim sua vocação e função de ministro do Evangelho e
da graça. Deu-se grande liberdade à discussão sobre o celibato.
O vigor da ascese cristã e o caráter definitivo dos compromissos
sagrados, assumidos diante de Deus e da Igreja, estão se abrandando
cada vez mais.
Talvez se tenha lançado mão de formas excessivas de publicidade, de
pesquisas, de exper iências irregulares de pressões da opinião
pública, prejudicando assim o encontro do justo caminho da
renovação, que deve ser feita com responsabilidade e sob a luz da
sabedoria católica.
Será necessário tempo para tirar daí o que há de bom também nessas
inquietas aberrações da vida católica e para integrá-la na sua
própria harmonia. Há mesmo quem tenha falado de uma decomposição
da Igreja. Mas não somos desta opinião e confirmamos uma vez mais
nossa confiança na assistência do Cristo e na ajuda dos bons
cristãos.
Nesta espectativa, que podemos fazer entretanto? Pois bem,
desejamos recorrer à ajuda dos bons filhos da Igreja e principalmente
de seus pastores. Não seria justo se nos faltasse confiança neles.
Temos muita esperança nos sacerdotes que permanecem fiéis à sua
vocação e ao serviço da Igreja de Deus. O mesmo declaramos dos
religiosos e religiosas que se conservam firmes na adesão aos próprios
estatutos e ao espírito dos santos que deram origem e exemplo às suas
respectivas instituições. Temos também grande esperança nos
leigos, que têm sido nestes últimos tempos o fermento generoso e
genial de seu sucesso nas tremendas vicissitudes de sua história
moderna. Grande esperança especialmente nos jovens, aos quais nosso
pensamento se volta sempre com imensa simpatia espiritual.
Contamos também com as almas compreensivas e silenciosas que rezam,
esperam e sofrem com seus bispos e conosco e geram em si mesmas a
Igreja nova, a Igreja que vive e que é santa. É para nós motivo
de consolação, saber que estas alma, não têm estatísticas
burocráticas, mas são numerosíssimas e se encontram por todo o
mundo. Elas estão na expectativa, naquela expectativa que faz a
Igreja prosseguir em sua viagem escatológica e na sua ascensão
fatigante rumo à santidade de seus membros, santidade igual à de sua
divina concepção.
Mas não queremos perder esta oportunidade, com tantos grupos de
elevada categoria e de valor apostólico diante de nós, para lhes
dizer, a eles e a todos que seguem análoga inspiração, que
depositamos muita esperança neles. É a eles que se aplica a frase do
Senhor: Nolite timere, pusillus grei. "Não tenhas medo, pequeno
rebanho" (Lc 12,32). Não é o número que conta, mas o
fervor, a dedicação e o espírito. Os assim chamados pequenos
grupos espontâneos podem ser discutíveis quando se fecham em si
mesmos, quando se mostram arbitrários e se opõem à comunidade e à
autoridade responsável. No entanto, podem ser providenciais os
grupos de pessoas que aceitam uma severa e ordenada preparação para a
vida interior e para o apostolado externo, dedicando-se à atividade
missionária em nosso mundo ou no mundo longínquo, os quais com
intrepidez apostólica e sabedoria profética, oferecem seu tempo,
suas fadigas e seu coração para anunciar o Cristo, sob as mil e uma
formas que lhes apresenta a vida moderna proteiforme. A palavra, o
ministério, os escritos, a caridade, têm naturalmente a primazia
nesta "escalada" do apostolado, mas não esqueçamos que todo
apostolado deve ser coletivo e organizado, alimentado pela meditação
e pela fidelidade à Igreja e vivido num harmonioso espírito de
sacrifício e real audácia.
Sim, não hesitamos em dizer o seguinte: a Igreja tem hoje muita
necessidade de forças voluntárias e disciplinadas. Ela precisa de
almas fortes capazes de lfzer irradiar o quérigma, a mensagem da
salvação (Rom 16,25).
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