23 DE DEZEMBRO DE 1968. RESPOSTA ÀS FELICITAÇÕES DO SACRO COLÉGIO.

Se lançarmos um olhar retrospectivo para o ano que termina, ano rico de acontecimentos felizes e desafortunados para a humanidade e se perguntarmos em particular, o que este ano representou para a Igreja, verificamos que são lançadas respostas e julgamentos muito diversos, não somente na imprensa, que continuou a ocupar-se dos problemas da Igreja de maneira peculiar e com sumo interesse, mas também por pessoas que participam diretamente da vida da Igreja e têm aí mais responsabilidade que os demais.

Entre alguns, as respostas e os julgamentos exprimem otimismo quase sem reservas. Se, porém, este otimismo é suavizado em certos pontos, é porque eles se deixam impressionar por apreensões, receios, previsões inquietantes, em suma, pelo pessimismo externado por outros, que aliás eles julgam excessivo e sem fundamento. Os otimistas estimam que esta maneira de ver representa verdadeiro perigo para a Igreja de hoje. Porque isto poderia levar a um mau julgamento e finalmente sufocar os fermentos e impulsos que constituem outros tantos indícios de renovação e de vitalidade.

Tais indícios, ao contrário, devem ser acolhidos com serenidade e incentivados como com promisso de purificação e de solidez progressiva da Igreja. Pois só assim ela chegará a ser mais autêntica e a melhor responder tanto à vontade de seu divino Fundador, como às necessidades impostas pelos tempos atuais.

Colocado pelo Cristo como fundamento visível e Pastor universal da Igreja, enquanto somos sucessor de Pedro, não podemos deixar de observar com olhos particularmente atentos e vigilantes, a vida e a penosa evolução da Igreja. Não podemos senão procurar e descobrir nesta evolução os aspectos positivos e eventualmente os negativos. De um lado, para agradecer a Deus pelos primeiros e nos esforçar para os manter e promover, de outra parte, examinar os aspectos negativos. É o que vamos fazer e o que devemos, em união de espírito, coração e vontade, com nossos irmãos no episcopado, responsáveis em grau elevado dos destinos dá Igreja.

Nesta perspectiva, será que nosso juízo sobre a situação atual da Igreja e sua vivência ao longo deste ano, vai ser otimista ou pessimista?

Responderemos que, graças a Deus, nos parece que se pode descobrir uma larga faixa de bem e de esperança maior do que os elementos considerados negativos e, mesmo sobre este ponto, parece-nos legítimo crer firmemente numa recuperação.

O que nos leva a adotar essa atitude, é a garantia confirmada pela experiência de uma resoluta fidelidade, consciente e inquebrantável - quase sem exceção, diríamos - da totalidade dos nossos irmãos no episcopado, à Igreja e ao humilde sucessor de Pedro, vigário de Cristo, nosso Senhor. Esta fidelidade externada e reafirmada nas situações e nos momentos difíceis, dá à Igreja esta serena segurança que lhe vem da união do colégio episcopal com seu chefe.

Aliás, conhecemos também por experiência a fidelidade comovente e sincera da grande maioria de nossos filhos que estão unidos a nós, seja pela graça do sacerdócio, seja pela redenção do Cristo, que nos torna a todos participantes de sua graça e promessas eternas.

Somos também animados pelos testemunhos reconfortantes e reiterados que nos vêm de todas as partes do mundo. Em particular daquelas regiões que ficaram por muito tempo separadas de nós, em razão de condições que lhes são impostas, e onde a religião e a liberdade da Igreja sofrem ainda limitações e restrições injustas. Dir-se-ia que estas medidas lhes fazem sentir mais vivamente a necessidade de união de alma e de comunhão hierárquica ao centro da Igreja. Estreitam os laços de caridade para com o Pai e os irmãos, reafirmando a vontade de pertencer - na vida como na morte, em todas as privações, se preciso mesmo ao sacrifício da própria vida - a esta Igreja una, santa, católica, fundamentada sobre a base apostólica e construída sobre a rocha contra a qual, em virtude da graça redentora, as forças adversas não prevalecerão, segundo a promessa do Cristo.

Mas então que dizer das peripécias - numerosas e bem conhecidas - que deixam falar de "crise" na Igreja, crise de fé e de disciplina? Não podemos nem queremos dedicar-nos aqui a um exame aprofundado dos fatos que chamam sempre nossa atenção de pastor e de pai. Estamos sempre pronto a nos mostrar compreensivo diante do mal-estar, das aspirações é das impaciências de pessoas que por vezes adotam uma linguagem e atitude que poderiam ser tomadas por revolta e desconfiança. Quereríamos dar-lhes uma resposta da melhor maneira possível, mas ao mesmo tempo é nosso dever, e se faz mister salvaguardar o depósito sagrado das verdades e das normas de vida que foram confiadas à Igreja pelo seu fundador. Estas devemos guardá-las intatas, absolutamente tais quais nos foram transmitidas, sem deixar contudo de apresentá-las e aplicá-las de forma correspondente às necessidades do mundo de hoje.

Contudo, não podemos calar a dor que nos aflige ao ver por vezes incompreendidos ou final interpretados os nossos intentos e até a nossa palavra. O receio de que certo número -felizmente ainda pequeno, mas para nós sempre demais elevado - de nossos filhos e por meio deles mais outros menos protegidos e mais vulneráveis venha a se afastar do caminho reto, atraídos pelo amor da novidade e das mudanças, de que lhes caibam estas palavras do Apóstolo: "A veritate quidem auditum avertent, ad fabulas autem convertuntur, eles rejeitarão ouvir a verdade, para se voltarem para as fábulas" (2 Tim 4,4), não é uma visão acanhada das coisas, mas sim é isto que nos leva a insistir em pontos que consideramos fundamentais para a ortodoxia doutrinal e para a boa organização da vida da Igreja. Alguns, infelizmente, mesmo sacerdotes ou pessoas consagradas à perfeição religiosa, parecem ter perdido a nitidez dos contornos e a garantia da verdade. Isto acontece em particular no que diz respeito aos ensinamentos da fé e aos princípios da assim chamada disciplina eclesiástica, que nada mais é do que a livre, voluntária e insistente aceitação das relações, fundadas na confiança e no respeito, entre a autoridade, proveniente de um mandato divino, e a obediência que se impõe a todos quantos querem participar do mistério da obediência do próprio Cristo. Foi o próprio Cristo que os estabeleceu como elementos essenciais, providenciais e característicos de sua Igreja, e constituem não tanto um exército rigorosamente organizado, mas antes uma grande família, em que reine o amor, um povo imenso orgânica e hierarquicamente reunido, na diversidade dos cargos e das funções, e não menos unido quanto à responsabilidade comum, perante Deus e os irmãos (1 Cor 12,4-31).

De fato, é óbvio que somente à medida em que saberá manter o amor à verdade, unida e por assim dizer soldada, como a quis o divino Fundador, a Igreja poderá exercer sua missão de luz e de santificação, entre os homens. Poderá assim oferecer ao mundo sua preciosa colaboração na conquista da paz, na elevação da humanidade e no progresso, pois, a isso parece confirmá-la sua natureza que é sociedade de amor.

É por motivos tais que no término deste ano da Fé, celebrado em memória do décimo nono centenário do martírio dos apóstolos Pedro e Paulo, não quisemos faltar ao nosso dever de reafirmar, como um Amém solene, em presença de toda a Igreja em seu nome, o Credo que será ao mesmo tempo o nosso e o do Povo de Deus.

É por esta razão também e para não frustrar o chamado, a espectativa e a necessidade do Povo de Deus, que foi necessário déssemos nossa resposta de pastor da Igreja toda inteira, aos problemas suscitados pelo homem assim como pelo cristão de hoje, sobre a questão eterna da responsabilidade paternal e uma honesta regulação de nascimentos. Esta resposta, nós a meditamos longamente, porque fizemos questão que fossem examinados escrupulosamente todos os recentes argumentos e todas as objeções contrárias ao ensinamento constante e unânime da Igreja, que de novo nos aparece na sua severa, mas serena certeza. Não ignoramos as reações diversas provocadas por nossa tomada de posição. Anotamos todas estas reações com o respeito que temos para cone todos, tendo a firme intenção de não faltar em tempo oportuno com as devidas respostas que nos aparecerão necessárias, em particular sobre o plano das preocupações pastorais. Presentemente estamos persuadidos de que nosso ensinamento será acolhido com profundo espírito de fé, e que será estudado e meditado com calma e em toda a sua extensão, e reconhecido de acordo com os costumes e sentimentos cristãos. Será aceito como salvaguarda providencial da honestidade e da dignidade do amor, e interpretado como iniciação a uma moralidade superior, e sincera espiritualidade da vida conjugal, será recebido e posto em prática como uma defesa da instituição familiar e da saúde social e enfim será abençoado e receberá recompensas que reverterão em benefícios da vida pre sente e prepararão à futura. A tarefa da santa Igreja de Deus, tarefa aceita com amor e confiança, não deixa de ser sempre pesada para nossas modestas forças. Conduz-nos a contar sempre mais com a ajuda preciosa e a colaboração, não só do Sacro Colégio e dos organismos de nossa Cúria, mas também, e especialmente hoje, de nossos irmãos no episcopado dispersos no mundo a serviço das diversas dioceses.

Estudamos diferentes meios para assegurar com mais eficácia a esta Sé Apostólica e à Igreja toda, o benefício de sua experiência, de seus conselhos e responsabilidade.

Neste sentido, decidimos convocar em 1969 uma assembléia extraordinária do Sínodo dos bispos que, se Deus quiser, se abrirá no dia 11 de outubro próximo e terá por finalidade examinar as formas suscetíveis de garantir melhor cooperação e contatos mais úteis entre as diferentes conferências episcopais e a Santa Sé e entre as próprias conferências episcopais.

A importância que damos a esta possibilidade de ajuda mútua, baseada no princípio da colaboração colegial e de comum responsabilidade, que o II Concílio Ecumênico do Vaticano aprovou e incentivou, nos impulsionou a tomar esta decisão e temos confiança de que com a ajuda de Deus será coroada de êxito e dará mui proveitosos resultados para a Igreja.