12 DE FEVEREIRO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

Devemos fazer uma observação sobre a supremacia e exclusividade que hoje se procura atribuir à consciência na orientação do comportamento humano. Ouve-se dizer muitas vezes como aforisma indiscutível que toda a moralidade do homem deve consistir em seguir a própria consciência. Afirma-se este princípio tanto para emancipá-lo das exigências de uma norma extrínseca, como da obediência a uma autoridade que tenta impor certas leis à atividade livre e espontânea do homem. Este deveria ser a lei de si mesmo, sem o liame de outras intervenções em seus atos. Não dizemos nada de novo quando respondemos aos que limitam com esse critério o âmbito da própria vida moral, quer ter por guia a própria consciência não só é bom, mas até necessário. Quem age contra a própria consciência está fora do caminho reto (Rom 14,23). Mas é preciso antes de tudo que se considere que a consciência não é por si árbitro do valor moral das ações que ela sugere. A consciência é intérprete de uma norma interior e superior que não é criada por ela. É iluminada pela intuição de certos princípios normativos inatos na razão humana. Não é a fonte do bem e do mal. É a advertência a percepção de uma voz que por isso mesmo se chama voz da consciência. É a indicação da conformidade das ações com a exigência intrínseca que o homem tem de tender à verdade e à perfeição. É, em outras palavras, a intimação subjetiva e imediata de uma lei, que devemos chamar natural, embora hoje muita gente não queira mais ouvir falar de lei natural.

Porventura não é em relação com essa lei compreendida rio seu significado autêntico que nasce no homem o sentido da responsabilidade, e com isto a sensação de boa consciência e de merecimento ou também de remorso e de culpa? Consciência e responsabilidade são dois termos que se relacionam entre si.

Em segundo lugar, devemos observar que a consciência para ser norma válida do agir humano deve ser reta, isto é, deve ser verdadeira e segura de si. Não deve ser incerta nem culpavelmente errônea, o que, infelizmente, pode acontecer com muita facilidade, por causa da fraqueza da razão humana, quando abandonada a si mesma, quando não instruída.

A consciência, com efeito, deve ser educada. A pedagogia da consciência é necessária para o homem todo, pois este é um ser em desenvolvimento interior, que vive num ambiente exterior muito complexo e exigente. A consciência não é a única voz que pode guiar a atividade humana. É apenas uma voz que a esclarece e fortifica, quando a voz da lei, portanto, da legítima autoridade, se une à sua. Em outras palavras, a voz da consciência não é sempre infalível nem objetivamente suprema. E isto é verdade especialmente no campo da ação sobrenatural, no qual a razão não é capaz por si mesma de conhecer o caminho do bem, e por isso deve recorrer à fé para ditar ao homem a norma da justiça que Deus exige de nós por meio da revelação. "O justo vive da fé", diz são Paulo (Gal 3,11).

Quando se anda durante a noite, isto é quando se caminha no mistério da vida cristã, não bastam os olhos para se caminhar bem, é preciso levar uma lanterna, é necessário luz. Essa "luz do Cristo" não deforma, não mortifica, não contradiz a luz de nossa consciência mas a torna mais clara e mais capaz de seguir a Cristo pelo caminho reto de nossa peregrinação em direção à visão eterna.

Procuremos agir sempre com uma consciência reta e forte, esclarecida pela sabedoria do Cristo.

A publicação nesta semana da encíclica Humanae Vitae sobre a regulação dos nascimentos, deu motivo a que vos falássemos sobre o assunto, como um dever.

Conheceis o texto deste documento pontifical, ou ao menos seu conteúdo essencial, que não é somente a promulgação de uma lei negativa, isto é, a exclusão de toda ação que tenha por fim tornar impossível a procriação (nº14), mas antes de tudo a exposição positiva de uma moral conjugal em função de sua missão de amor e de fecundidade "na missão integral do homem e de sua vocação não somente natural e terrestre, mas também sobrenatural e eterna" (nº7). É um esclarecimento sobre o capítulo fundamental da vida pessoal, conjugal, familiar e social do homem, mas não trata de maneira exaustiva de tudo o que concerne ao ser humano no domínio do casamento, da família, da honestidade dos costumes, domínio imenso sobre o qual o magistério da Igreja poderia tornar a falar numa perspectiva mais vasta, mais orgânica e sintética.

Esta encíclica responde a perguntas, dúvidas e tendências, sobre as quais, cada um sabe, se abriu uma discussão bastante vasta e viva nestes últimos tempos, e que comprometeram seriamente nossa função doutrinal e pastoral. Não vos falaremos no momento deste documento, em parte por causa da delicadeza e da gravidade do assunto, que nos parece ultrapassar a simplicidade familiar deste discurso hebdomadário, e doutra parte porque a respeito desta encíclica não faltam publicações e estão-se multiplicando para todos aqueles que se interessam pelo problema. Simplesmente vos diremos algumas palavras não tanto sobre a encíclica, mas sobre alguns sentimentos que nos invadiram a alma durante o longo período de sua preparação.

O primeiro sentimento foi o de nossa grave responsabilidade. Foi este que nos levou e nos sustentou no coração da questão durante os quatro anos que consagramos ao estudo e à elaboração da encíclica. Não vos ocultamos que este sentimento nos fez sofrer muito espiritualmente. Nunca tínhamos sentido como nessa ocasião o peso de nosso cargo. Estudamos, lemos, discutimos tanto quanto podíamos e rezamos bastante. Certas circunstâncias relativas ao assunto vos são bem conhecidas: tínhamos que responder à Igreja e à humanidade toda inteira. Em função da fé em nossa liberdade e em nosso cargo apostólico, devíamos levar em consideração uma tradição doutrinal, não secular, mas recente, isto é, a de nossos três predecessores imediatos. Estávamos obrigados a fazer nosso o ensinamento do Concílio, que tínhamos promulgado nós mesmos. Estávamos dispostos a aceitar, até onde o pudéssemos fazer, as conclusões, ainda que de caráter consultativo, da comissão criada pelo papa João, de venerável memória, e ampliada por nós, mas ao mesmo tempo tínhamos que ser prudentes. Não ignorávamos as vivas discussões, levantadas com tanta paixão quanto autoridade sobre tão grave problema. Ouvimos a voz poderosa da opinião pública, da imprensa e a voz, mais fraca, mas não menos penetrante para nosso coração de pai e pastor, de tantas pessoas e em particular de tantas mulheres respeitáveis, angustiadas por este problema difícil, que sua própria experiência tornava ainda mais difícil. Lemos os relatórios científicos sobre a desconcertante questão demográfica no mundo, baseados muitas vezes em depoimentos de especialistas e em programas de governo.

Recebemos de toda a parte publicações, algumas das quais inspiradas no exame de certos aspectos científicos da questão, outros baseadas na consideração realista das múltiplas e graves condições sociológicas ou das mutações, hoje tão imperiosas, que se produzem repentinamente em todos os setores da vida moderna.

Repetidas vezes tivemos a impressão de estarmos submergido, por assim dizer, debaixo desta avalanche de documentos, e muitas vezes, humanamente falando, sentimos a insuficiência de nossa pobre pessoa ante o terrível dever apostólico de nos pronunciarmos sobre o assunto. Bas- tantes vezes trememos ante o dilema de uma fácil condescendência às opiniões correntes, ou de uma decisão insuportável à sociedade atual, ou que fosse arbitrariamente muito pesada para a vida conjugal.

Aproveitamos inúmeras consultações particulares de personalidades de alto valor moral, científico e pastoral. Invocando a luz do Espírito Santo, colocamos nossa consciência em livre e plena disponibilidade à voz da verdade, procurando interpretar a lei divina, que víamos derivar-se das exigências intrínsecas do amor humano autêntico, das estruturas essenciais da instituição do casamento, da dignidade pessoal dos esposos, de sua missão a serviço da vida assim como a serviço da santidade do matrimônio cristão. Refletimos sobre os dados estáveis da doutrina tradicional e atual da Igreja e em particular sobre os ensinamentos do recente Concílio. Pesamos as conseqüências de uma e outra decisão. Finalmente não tivemos nenhuma dúvida sobre o dever que se impunha de pronunciar nossa sentença nos termos expressos pela presente encíclica.

Outro sentimento que nos guiou sempre no trabalho foi o da caridade, da sensibilidade pas- toral, ante os que são chamados a realizar integralmente sua personalidade na vida conjugal e na família. De bom grado acatamos a concepção personalista, que foi a do Concílio, sobre a so- ciedade conjugal, dando assim ao amor que a gera e alimenta, o lugar eminente que lhe convém na apreciação subjetiva do matrimônio. Acolhemos em seguida todas as sugestões formuladas no plano da liceidade para facilitar a observância da lei reafirmada. Tivemos por bem acrescentar à exposição doutrinal algumas indicações práticas de caráter pastoral. Rendemos homenagem aos homens de ciência pelas diligências de seus estudos sobre o processo biológico da natalidade e pela justa aplicação dos remédios terapêuticos e da lei moral que lhes são inerentes. Reconhecemos a liberdade dos esposos, isto é, sua responsabilidade, enquanto ministros dos desígnios de Deus sobre a vida humana, interpretados pelo magistério da Igreja, para seu bem pessoal e para o de seus filhos. Lembramos também a finalidade superior que inspira a doutrina e a prática da Igreja, a saber, a de servir os homens, compreendê-los e ajudá-los em suas dificuldades, formá-los num senso agudo de suas responsabilidades e numa corajosa concepção dos grandes e comuns deveres da vida, e dos sacrifícios inerentes à prática da virtude, e na edificação de um lar fecundo e feliz.

Foi enfim um sentimento de esperança que assistiu na redação difícil desta encíclica. Esperança de que em função de sua virtude própria e de sua verdade humana, por assim dizer, esta encíclica seria bem acolhida, apesar da diversidade das opiniões largamente espalhadas e das dificuldades, que o caminho traçado pode apresentar àquele que deseja nele engajar-se lealmente e também àquele que deve ensinar francamente o mesmo, com a ajuda de Deus, bem entendido. Esperança de que os sábios saberiam descobrir no documento o fio natural que o liga à concepção cristã da vida e que nos autoriza a incorporar as palavras de são Paulo: "Nos autem sensum Christi habemus, nós temos o pensamento do Cristo" (1 Cor 2,16). Esperança, enfim, de que os esposos cristãos saberiam compreender a que ponto nossas palavras, por severas e árduas que possam parecer, não querem senão interpretar a autenticidade de seu amor, chamado a transfigurar-se na imitação do amor de Cristo pela Igreja, sua esposa. Esperança de que estes esposos, como os primeiros, saberiam desenvolver toda a iniciativa prática, que tenda a ajudar as famílias em suas necessidades, a fazê-las desabrochar na integridade de seu amor e a inspirar na família moderna sua espiritualidade própria, fonte de perfeição para cada um de seus membros e testemunho moral na sociedade.

Como vedes, caros filhos, é uma questão particular, que se refere a um aspecto extremamente delicado e grave da existência humana. Do mesmo modo que nos aplicamos a estudá-lo e fazer sua exposição com a franqueza e a caridade que tal problema exigia de nosso magistério e de nosso ministério, assim também pedimos a todos aqueles, seja quem forem, que estejam diretamente interessados por esta questão, de examiná-la com o respeito que merece, no vasto e luminoso quadro da vida cristã.