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Os remédios que se procuram por toda a parte aplicar à crise atual da
fé, são muitas vezes ilusórios. Há quem restringe a fé a poucas
proposições fundamentais, para conceder seu consenso ao conteúdo,
que na própria opinião constitui o autêntico sentido das fontes do
cristianismo e da Sagrada Escritura. Inútil afirmar que tal atitude
é arbitrária e desastrosa, nada obstante as aparências científicas
sob as quais se apresenta. Outros, ao contrário, empregando
critérios de um empirismo desconcertante, se arrogam o direito de
fazer uma escolha entre as numerosas verdades ensinadas pelo nosso
Credo, rejeitando as que não agradam, conservando as que julgaram
mais aceitáveis. Depois há também aqueles que procuram adaptar as
doutrinas da fé à mentalidade moderna, fazendo desta mentalidade,
seja ela materialista ou espiritualista, o método e o critério do
pensamento religioso.
O sistema cujo esforço tendia a traduzir as verdades da fé em termos
acessíveis à linguagem e à mentalidade de nosso tempo, era muito
louvável e compreensível, mas cedeu por vezes ao atrativo de um
sucesso mais fácil, quando passou em silêncio, alterando ou
atenuando alguns "dogmas difíceis". Mesmo legítima esta iniciativa
é perigosa. Não mereceria uma aceitação favorável, senão, em
apresentando a doutrina de forma acessível, se lhe conservasse toda a
sua integridade. "Que vossa palavra seja sim, sim; seja não,
não" (Mt 5,37; Tg 5,12), disse o Senhor, excluindo
toda ambigüidade.
Esta situação dramática da fé em nosso tempo, faz-nos pensar na
sábia advertência do Concílio: "A Tradição, a Escritura e o
Magistério da Igreja, por uma prudente disposição de Deus, são
de tal modo coerentes entre si e solidários, que não podem subsistir
os três, um sem outro". É verdade para a fé objetiva, para
sabermos exatamente o que devemos crer. Mas para a fé subjetiva, que
faremos, teremos ainda a fé, depois de termos ouvido, estudado,
meditado honestamente e assiduamente?
Podemos responder que sim, tendo em conta sempre o aspecto fundamental
e de certo modo perigoso da questão, a saber, que a fé constitui uma
graça: "Nem todos, diz são Paulo, escutaram o Evangelho"
(Rom 10,16). Nestas condições que será de nós? Estaremos
entre os privilegiados que receberam o dom da fé? Respondemos que
sim, mas trata-se de um dom que é preciso conservar como precioso,
é preciso defendê-lo, apreciá-lo, vivê-lo e, ao mesmo tempo
como o homem do Evangelho, repetir sempre: "Sim, senhor, creio,
mas ajuda-me que ainda sou incrédulo" (Mc 11,24).
Queremos, caros filhos, rezar, por exemplo, assim: Senhor,
creio. Quero crer em ti. Senhor, faz que minha fé seja total, sem
reserva, que penetre minha maneira de pensar e de julgar e as coisas
divinas e as coisas humanas.
Senhor, faz que minha fé seja livre, isto é, atraia o consenso de
minha adesão pessoal, que aceite as renúncias e deveres que implica e
traduza de maneira decisiva aquilo que constitui o melhor de minha
personalidade: creio em ti, Senhor.
Senhor, faz que minha fé seja fundada, fundada numa convergência
exterior de provas e no testemunho interior do Espírito Santo,
baseada na sua luz que ilumina e que dá confiança, em suas
conclusões que tranqüilizam, na sua assimilação que repousa.
Senhor, faz que minha fé seja forte, não receie os antagonismos dos
problemas, de cuja experiência nossa vida está cheia, nossa vida que
é ávida de mais luz. Não se intimide diante da oposição dos que a
contestam, a combatem, a recusam ou a negam. Mas que se robusteça
na experiência íntima de tua verdade, que resista à usura da
crítica, que se reforce na afirmação contínua, que lhe permita
superar as dificuldades dialéticas e espirituais, em cujo meio se
encena nossa existência temporal.
Senhor, faz que minha fé seja penetrada de alegria, invada minha
alma de paz e contentamento, dispondo-a a orar a Deus e conversar com
os homens, a ponto de, possuindo-a numa feliz beatitude interior,
poder iluminar os entretenimentos com Deus e com o próximo.
Senhor, faz que minha fé seja ativa e dê à nossa caridade os
motivos de sua expansão moral, para que seja na ação, no sofrimento
e na expectativa da revelação final, uma busca contínua de ti, um
testemunho incessante, e alimento ininterrupto de nossa esperança.
Senhor, faz que minha fé seja humilde. Que não tenha a ousadia de
se basear na experiência de minha razão e de meus sentimentos, mas
que se submeta ao testemunho do Espírito Santo, que não tenha outra
e melhor garantia senão sua docilidade à Tradição e à autoridade
do magistério da Santa Igreja. Amém.
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