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Diletos filhos e filhas
O Concílio fez ressoar em nossos ouvidos outra palavra, entre as
mais repetidas e cheias de significado, de um significado que revela e
renova o semblante da Igreja: a que se refere ao laicato.
Saudamos esta palavra como um termo fundamental da Constituição da
Igreja, como uma definição que diz respeito a todos nós e como um
programa, que faz parte da mesma missão apostólica da Igreja.
Nestes últimos anos, antes e depois do Concílio, falou-se tanto
deste tema, que parece supérfluo tomá-lo como objeto de novas
considerações. Mas não é inútil dedicar-lhe um momento de
reflexão, para obter aquilo que mais nos interessa: fazer com que os
ensinamentos originais e característicos do Concílio, operem na
nossa consciência eclesial.
O termo "leigo" não é original na nossa nomenclatura, porque já
tinha sido estudado e empregado antes mesmo do Concílio, no
significado que este mesmo adotou. Já em 1946 por exemplo assim
se exprimia o nosso grande e venerável predecessor Pio XII:
"Eles, principalmente eles, os leigos, devem possuir uma
consciência cada vez mais clara, não só de pertencer à Igreja,
mas também de ser a Igreja, quer dizer a comunidade dos fiéis que
estão aqui na terra, sob a guia do chefe comum o Papa, e dos bispos
em comunhão com ele. Eles são a Igreja".
É porém um termo característico, porque o II Concílio cio
Vaticano dedica aos leigos longas passagens de seus documentos, e
muitas vezes refere-se explicitamente a ele. Basta recordar que a
Constituição Dogmática sobre a Igreja, intitulada Lumen
Gentium, consagra aos leigos todo o capítulo IV, e que um decreto
especial foi inteiramente dedicado aos leigos, o Apostolicam
Actuositatem. Não se pode ter uma idéia adequada, embora
sumária, dos ensinamentos do Concílio, se não se atribui um lugar
especial ao laicato.
Mas prestemos atenção ao significado polivalente da palavra
"leigo". A etimologia leva-nos a identificá-la com o termo:
"popular". "Laos" em grego, significa povo. Por este motivo,
para nós, ó leigo é aquele que pertence ao Povo de Deus. O
Concílio pôs em relevo esta expressão, quase para fazer dela o
equivalente histórico, social e espiritual da Igreja. É uma
expressão que deve ser integrada com as outras, que procuram definir a
Igreja, especialmente com aquela que é o ápice de todas, a de
Corpo místico de Cristo.
Para a Igreja, leigo é aquele que é inserido nela, como membro
vivo e operante, por meio dos sacramentos da iniciação cristã, o
primeiro dos quais é o batismo. Um aspecto negativo limita a
fisionomia eclesial do leigo, porque ele não recebe a ordenação
sacramental, que faz do cristão, isto é, do leigo, ministro
detentor de um poder particular diaconal ou sacerdotal, e também
porque não pertence oficialmente ao estado religioso. O leigo não é
um padre, o leigo não é um religioso. Isto foi suficiente para que
o termo "leigo" viesse a assumir, na linguagem comum, o significado
de profano, recordemos o verso de Horácio: "odi profanum vulgus et
arceo, odeio a plebe profana e a detesto", e até de secular e depois
de a-religioso, ou, pior ainda, como se diz hoje de laicista, e
muitas vezes de anti-religioso e anticlerical.
Conservemos, porém, o significado que nossa família eclesial
atribui ao termo "leigo", para recordar que para nós, ele quer
dizer que somos, individualmente, cidadãos do Povo de Deus,
membros da Igreja, fiéis, cristãos. Procuremos ter grande
consideração por este título, por causa da dupla dignidade que o
Concílio lhe atribui. Podemos simplificar conceitualmente deste
modo: a dignidade do seu ser e a dignidade de sua missão, ou, por
outras palavras, a dignidade de seus direitos e a dignidade de seus
deveres. Podemos encontrar a Carta dos direitos do leigo católico no
primeiro documento que citamos, a Lumen Gentium. Seus deveres
estão amplamente descritos no Decreto, que também citamos, sobre a
atividade dos leigos, atividade que recebe a qualificação de
apostolado.
Estas belíssimas e memoráveis páginas ensinam-nos muita coisa que
devemos dizer, estudar e fazer. Exortamos a todos a conhecê-las
melhor. Assim podemos ver que a estrutura do laicato tem suas raízes
na constituição interior e sacramental da própria Igreja. Que o
laicato, nascido do batismo, corroborado pela confirmação e
alimentado pela Eucaristia, constitui a base de igualdade de todos os
que possuem a sorte de ser membros da Igreja: todos nós somos
iguais, todos somos irmãos (Mt 23,8), todos estamos animados
pelo mesmo Espírito vivificante e santificante (1 Cor 12,4).
Que a unidade é o princípio e o termo da vida da Igreja, a sua
exigência vital, aquela que gera e justifica a pluralidade das
funções operativas e hierárquicas do mesmo corpo eclesiástico,
que, por isso, é um povo sacerdotal (Apoc 1,6; 1 Pdr
2,4-10), ou seja, dedicado ao culto divino e à santificação
própria e do mundo, formado e governado por um sacerdócio, que
participa, mais plenamente, do sacerdócio de Cristo e que possui
faculdades próprias, sobre-humanas e específicas, para o serviço
dos irmãos. Assim a estrutura mística e visível da Igreja aparece
mais evidente no seu caráter unitário e comunitário, e ao mesmo
tempo orgânico e hierárquico, carismático e também institucional.
Este é um ponto que hoje merece atenta consideração.
E do apostolado dos leigos que podemos dizer? É uma vocação, por
isso livre, porém moralmente obrigatória. Uma das verdades
afirmadas com maior energia é a seguinte: a participação na missão
da Igreja está aberta a todos os cristãos seus filhos. Está
aberta, mas é obrigatória, porque não devem existir membros inertes
e passivos no corpo místico de Cristo. Todos e cada um devem
colaborar de maneira e em medida diversas, mas com responsabilidade
comum, na obra apostólica da Igreja.
Falou-se muito deste ponto, mas dada a indiferença de tantos
católicos, e a desconfiança que muitas pessoas manifestam, em nossos
dias perante as formas associativas, o proselitismo e o anseio de
comunicar aos outros a fé e a caridade da Igreja, pode-se perguntar
se o apostolado ativo, organizado e comunitário está em fase de
progresso ou encontra-se paralisado e em decadência.
Felizmente são muitos os modos com que esta vitalidade da fé e da
caridade, que hoje chamamos apostolado, se manifesta.
Isto faz nascer a esperança e merece compreensão e apoio:
Permanece, contudo, uma fórmula clássica, aquela que estabelece
relações estreitas e orgânicas, entre a atividade apostólica dos
leigos e a hierarquia eclesiástica, e que ainda se chama, quase por
antonomásia, Ação Católica. Recomendamo-la sem cessar ao
clero, pedindo que a favoreça e assista. Recomendamo-la aos leigos
mais corajosos e generosos, a fim de que nela saibam infundir sua
intuição das necessidades dos tempos, a riqueza das suas energias e a
comunhão total com a Igreja de Deus.
A todos os leigos que não julgam severa ou fora de propósito esta
nossa exortação, e a todos vós aqui presentes damos a nossa afetuosa
bênção apostólica.
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