2 DE FEVEREIRO DE 1968. CERIMÔNIA DE ENTREGA DE CÍRIOS AO SUMO PONTÍFICE.

A oferta de um dom, de um círio, que cada um de vós veio fazer ao papa, reveste-se de significado muito profundo, nos parece. Este significado é evidente: esta oferta quer ser um gesto de consolo filial para com o bispo de Roma, ato de respeito, gesto de obediência. Será bem isso? Se cada um de vós pudesse responder e explicar o sentido interior deste gesto exterior de piedosa e amável oferenda, diria certamente que a oferta deste círio é o sinal de sua própria submissão àquele que é posto como chefe da Igreja. Di-lo-ia não com o sentimento de se conformar a um costume de outros tempos ou a uma instituição estática, mas com a convicção de se colocar em harmonia com o plano divino, que não se muda com as vicissitudes da história, onde se quer permanecer fiel a semelhante plano na vida e na história da Igreja. Queremos dizer que acreditamos que, no cumprimento deste gesto, tendes consciência de interpretar os fundamentos teológicos e espirituais, que fazem da obediência eclesiástica a lei fundamental desta comunidade, fundada pelo Cristo que é a Igreja, e que é caracterizada e constituída por uma estrutura hierárquica.

Sabeis de sobejo que o Cristo se apresentou na pespectiva de uma obediência total, e obedecendo é que levou a cabo sua missão de salvação - factus oboediens -dando-se como exemplo para nós (1 Pdr 2,21).

Vossa oferta adquire, portanto, valor de resposta a uma opinião errônea, segundo a qual a maturidade do homem moderno, a reivindicação do papel proeminente da consciência pessoal, a exaltação da personalidade e da liberdade, a voz mesma do Concílio sobre estas questões de grande importância e atualidade, exporia em grande perigo a virtude da obediência, chegando mesmo a por em causa seus fundamentos racionais e teológicos. Mas uma crise desta espécie não pode abolir a obediência na Igreja de Deus.

Tal crise deveria, ao contrário, revalorizá-la, graças ao aprofundamento que o cristão avisado faria desta virtude, em função das transformações que a história trouxe às estruturas hierárquicas da Igreja, que já não coincidem com as estruturas hierárquicas temporais e com os ensinamentos, que o Concílio nos pede meditemos e observemos.

A obediência esclarecida, dizíamos, está em busca do plano divino, que vê no Povo de Deus, considerado não só como causa instrumental, mas também como causa criadora e eficiente, a presença e ação de representantes do Cristo, providos de sua autoridade pastoral, e dotados de carismas para o magistério, para a direção, e santificação no serviço e na salvação da comunidade dos fiéis. A Igreja é hierárquica. Não é inorgânica e muito menos democrática, no sentido em que a comunidade tivesse prioridade em matéria de fé e de autoridade, sobre aqueles que o Espírito Santo colocou à frente da Igreja de Deus (At 20,28). O Senhor quis, com efeito, que alguns irmãos tivessem o mandato irrecusável (2 Cor 4,4) de prestar serviço de autoridade e de governo aos outros, como princípio de unidade, de ordem, de solidariedade, de eficiência e sempre em vista de formar uma economia de verdade e de caridade, que se chama "sua Igreja".

É por isso que estamos felizes ao reconhecer nesta cerimônia uma espécie de apologia à obediência eclesiástica, que ainda hoje se verifica como direita e fiel. Esta cerimônia é também para nós uma oportuna ocasião para colocar em evidência o que deve ser vossa obediência: responsável, porque emana de superiores e de representantes de vossos institutos respectivos; voluntária, isto é, livre e espontânea, porque foi sem constrangimento que viestes hoje apresentar-nos vossa homenagem e vosso dom; filial e afetuosa, porque longe de criar uma distância entre vós e nossa função apostólica, aproxima-nos de vós, como filhos de um pai que não exige de vós senão a adesão de vossos corações ao Cristo e à Igreja. "Non quaero vestra, sed vos. Não procuro vossos bens, mas a vós mesmos" (2 Cor 22,14).