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A oferta de um dom, de um círio, que cada um de vós veio fazer ao
papa, reveste-se de significado muito profundo, nos parece. Este
significado é evidente: esta oferta quer ser um gesto de consolo
filial para com o bispo de Roma, ato de respeito, gesto de
obediência. Será bem isso? Se cada um de vós pudesse responder e
explicar o sentido interior deste gesto exterior de piedosa e amável
oferenda, diria certamente que a oferta deste círio é o sinal de sua
própria submissão àquele que é posto como chefe da Igreja.
Di-lo-ia não com o sentimento de se conformar a um costume de outros
tempos ou a uma instituição estática, mas com a convicção de se
colocar em harmonia com o plano divino, que não se muda com as
vicissitudes da história, onde se quer permanecer fiel a semelhante
plano na vida e na história da Igreja. Queremos dizer que
acreditamos que, no cumprimento deste gesto, tendes consciência de
interpretar os fundamentos teológicos e espirituais, que fazem da
obediência eclesiástica a lei fundamental desta comunidade, fundada
pelo Cristo que é a Igreja, e que é caracterizada e constituída
por uma estrutura hierárquica.
Sabeis de sobejo que o Cristo se apresentou na pespectiva de uma
obediência total, e obedecendo é que levou a cabo sua missão de
salvação - factus oboediens -dando-se como exemplo para nós (1
Pdr 2,21).
Vossa oferta adquire, portanto, valor de resposta a uma opinião
errônea, segundo a qual a maturidade do homem moderno, a
reivindicação do papel proeminente da consciência pessoal, a
exaltação da personalidade e da liberdade, a voz mesma do Concílio
sobre estas questões de grande importância e atualidade, exporia em
grande perigo a virtude da obediência, chegando mesmo a por em causa
seus fundamentos racionais e teológicos. Mas uma crise desta espécie
não pode abolir a obediência na Igreja de Deus.
Tal crise deveria, ao contrário, revalorizá-la, graças ao
aprofundamento que o cristão avisado faria desta virtude, em função
das transformações que a história trouxe às estruturas hierárquicas
da Igreja, que já não coincidem com as estruturas hierárquicas
temporais e com os ensinamentos, que o Concílio nos pede meditemos e
observemos.
A obediência esclarecida, dizíamos, está em busca do plano
divino, que vê no Povo de Deus, considerado não só como causa
instrumental, mas também como causa criadora e eficiente, a presença
e ação de representantes do Cristo, providos de sua autoridade
pastoral, e dotados de carismas para o magistério, para a direção,
e santificação no serviço e na salvação da comunidade dos fiéis.
A Igreja é hierárquica. Não é inorgânica e muito menos
democrática, no sentido em que a comunidade tivesse prioridade em
matéria de fé e de autoridade, sobre aqueles que o Espírito Santo
colocou à frente da Igreja de Deus (At 20,28). O Senhor
quis, com efeito, que alguns irmãos tivessem o mandato irrecusável
(2 Cor 4,4) de prestar serviço de autoridade e de governo aos
outros, como princípio de unidade, de ordem, de solidariedade, de
eficiência e sempre em vista de formar uma economia de verdade e de
caridade, que se chama "sua Igreja".
É por isso que estamos felizes ao reconhecer nesta cerimônia uma
espécie de apologia à obediência eclesiástica, que ainda hoje se
verifica como direita e fiel. Esta cerimônia é também para nós uma
oportuna ocasião para colocar em evidência o que deve ser vossa
obediência: responsável, porque emana de superiores e de
representantes de vossos institutos respectivos; voluntária, isto
é, livre e espontânea, porque foi sem constrangimento que viestes
hoje apresentar-nos vossa homenagem e vosso dom; filial e afetuosa,
porque longe de criar uma distância entre vós e nossa função
apostólica, aproxima-nos de vós, como filhos de um pai que não
exige de vós senão a adesão de vossos corações ao Cristo e à
Igreja. "Non quaero vestra, sed vos. Não procuro vossos bens,
mas a vós mesmos" (2 Cor 22,14).
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