3 DE ABRIL DE 1969. HOMILIA PRONUNCIADA EM SÃO JOÃO DO LATRÃO DURANTE A MISSA DA QUINTA-FEIRA SANTA.

Qual a significação essencial, o efeito sobrenatural, a res como dizem os teólogos, deste alimento sacrifical, pelo qual o Cristo se dá a nós e nós nos inserimos nele? É uma unidade nova e misteriosa, que deve resultar precisamente da participação à Eucaristia, porque esta é que dá o nome à celebração de amor fiel e reconhecido, este "ágape", esta comunhão sacrifical. É a unidade do corpo místico, é a Igreja, corpo místico de Cristo, que vive da fé, da esperança e da caridade. Neste sentido, nenhuma palavra é mais clara do que a do Apóstolo: "Formamos um só corpo, mesmo sendo muitos, porque participamos todos de um mesmo pão" (1 Cor 10,17).

Irmãos, sobre este pensamento é que desejávamos deter nossa reflexão, sobre o rito, ou seja, sobre a ceia pascal que celebramos neste momento. Evidentemente não se trata de um pensamento novo e original. Seria triste se fosse. Mas trata-se do pensamento verdadeiro, fecundo e oportuno da nossa Páscoa. É de fato o pensamento da união, diríamos mais, da unidade, desta unidade misteriosa, vital, exigente, que deve reanimar-se em nós para nos fazer viver em seguida dela mesma, ser nossa luz na vida prática e social, e caracterizar a nossa adesão à Igreja católica romana. É a união, unidade entre nós.

É oportuno que nos lembremos disso. Porque se fala tanto de união do mundo! A história da humanidade apesar das rupturas, das lutas e dos contrastes que n separam, caminha para a unidade.

Chegará ela a esta meta ou serão vãos seus esforços de solidariedade mundial? E se um dia aí chegasse, poder-se-ia dizer ou falar de sucesso ou retrocesso, em razão da "dimensão única" que a caracterizaria, a saber, da perda de suas expressões livres e múltiplas? A humanidade tem urgência em se unir na solidariedade e no amor. Mas onde encontrará o modelo e a fonte para isso?

Fala-se de unidade no pluralismo das denominações cristãs. Quando, porém, esta unidade se tornará efetiva e perfeita, senão quando se der a unanimidade na profissão da única fé, condição indispensável para a participação à mesma comunhão eucarística?

Fala-se de uma renovação na doutrina e na consciência da Igreja de Deus. Mas como poderá ser autêntica e persistente a Igreja viva e verdadeira, se o conjunto que a forma e a define "corpo místico", espiritual e social, se acha hoje tantas vezes e tão gravemente corroído pela contestação e pelo esquecimento de sua estrutura hierárquica, falsificada em seu divino e indispensável carisma constitutivo que é a autoridade pastoral? Como poderá arrogar-se o título de Igreja, povo unido, ainda que localmente fracionado, histórica e legitimamente diversificado, quando um fermento praticamente cismático a divide e subdivide, fragmentando-a em grupos, acima de tudo zelosos de sua arbitrária e no fundo egoística autonomia, mascarada de pluralismo cristão ou de liberdade de consciência? Como poderá ser construída por uma atividade, que se pretenderia chamar apostólica, quando é guiada por tendências centrífugas propositadamente, e quando se desenvolve, não a mentalidade do amor comunitário, mas sim a da polêmica particularista, ou quando prefere perigosas e equívocas simpatias, necessitadas de irredutíveis reservas, às amizades fundadas em princípios basilares, indulgentes para com os defeitos comuns, e necessitadas, de colaborações convergentes? Fala-se ainda de Igreja e de Igreja católica, a nossa. Mas podemos dizer a nós mesmos que ela, em seus membros, em suas instituições, na sua atividade, acha-se deveras animada por aquele espírito de união e caridade que a torne digna de celebrar, sem hipocrisia e sem a costumeira insensibilidade, a nossa santa missa cotidiana? Será que também entre nós não existem aqueles "cismas" ou aquelas "divisões" dolorosamente denunciadas na primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, cujos ensinamentos nos são propostos na leitura de hoje? Precisamos sempre construir aquela caridade, aquela unidade virtuosa de sentimentos e relações que a Eucaristia sublimará nas palavras testamentárias do Cristo.

Aqui, neste momento que precede imediatamente nossa comunhão com Cristo, que nos unifica a nós seus seguidores e membros, renovemos nossa maneira íntima de pensar e agir. Renunciemos ao espírito de emulação e discórdia, à sutil tentação da maledicência entre nós irmãos. Sendo necessário abramos o coração ao perdão para todos que nos tenham injuriado, como também prometemos reconciliação com quaisquer pessoas de nossas relações. Como nos podemos achegar ao banquete cristão da caridade e da unidade sem esta paz no coração?

Há uma graça que queremos pedir hoje a Jesus: "Que ele dê à sua Igreja, a esta Igreja de Roma, chamada para 'presidir a caridade', a graça de permanecer sempre, e se aperfeiçoar na sua própria unidade interior, como o exige a Páscoa do Senhor. Amém".