30 DE OUTUBRO DE 1968. AUDIÊNCIA GERAL.

Os remédios que se procuram por toda a parte aplicar à crise atual da fé, são muitas vezes ilusórios. Há quem restringe a fé a poucas proposições fundamentais, para conceder seu consenso ao conteúdo, que na própria opinião constitui o autêntico sentido das fontes do cristianismo e da Sagrada Escritura. Inútil afirmar que tal atitude é arbitrária e desastrosa, nada obstante as aparências científicas sob as quais se apresenta. Outros, ao contrário, empregando critérios de um empirismo desconcertante, se arrogam o direito de fazer uma escolha entre as numerosas verdades ensinadas pelo nosso Credo, rejeitando as que não agradam, conservando as que julgaram mais aceitáveis. Depois há também aqueles que procuram adaptar as doutrinas da fé à mentalidade moderna, fazendo desta mentalidade, seja ela materialista ou espiritualista, o método e o critério do pensamento religioso.

O sistema cujo esforço tendia a traduzir as verdades da fé em termos acessíveis à linguagem e à mentalidade de nosso tempo, era muito louvável e compreensível, mas cedeu por vezes ao atrativo de um sucesso mais fácil, quando passou em silêncio, alterando ou atenuando alguns "dogmas difíceis". Mesmo legítima esta iniciativa é perigosa. Não mereceria uma aceitação favorável, senão, em apresentando a doutrina de forma acessível, se lhe conservasse toda a sua integridade. "Que vossa palavra seja sim, sim; seja não, não" (Mt 5,37; Tg 5,12), disse o Senhor, excluindo toda ambigüidade.

Esta situação dramática da fé em nosso tempo, faz-nos pensar na sábia advertência do Concílio: "A Tradição, a Escritura e o Magistério da Igreja, por uma prudente disposição de Deus, são de tal modo coerentes entre si e solidários, que não podem subsistir os três, um sem outro". É verdade para a fé objetiva, para sabermos exatamente o que devemos crer. Mas para a fé subjetiva, que faremos, teremos ainda a fé, depois de termos ouvido, estudado, meditado honestamente e assiduamente?

Podemos responder que sim, tendo em conta sempre o aspecto fundamental e de certo modo perigoso da questão, a saber, que a fé constitui uma graça: "Nem todos, diz são Paulo, escutaram o Evangelho" (Rom 10,16). Nestas condições que será de nós? Estaremos entre os privilegiados que receberam o dom da fé? Respondemos que sim, mas trata-se de um dom que é preciso conservar como precioso, é preciso defendê-lo, apreciá-lo, vivê-lo e, ao mesmo tempo como o homem do Evangelho, repetir sempre: "Sim, senhor, creio, mas ajuda-me que ainda sou incrédulo" (Mc 11,24).

Queremos, caros filhos, rezar, por exemplo, assim: Senhor, creio. Quero crer em ti. Senhor, faz que minha fé seja total, sem reserva, que penetre minha maneira de pensar e de julgar e as coisas divinas e as coisas humanas.

Senhor, faz que minha fé seja livre, isto é, atraia o consenso de minha adesão pessoal, que aceite as renúncias e deveres que implica e traduza de maneira decisiva aquilo que constitui o melhor de minha personalidade: creio em ti, Senhor.

Senhor, faz que minha fé seja fundada, fundada numa convergência exterior de provas e no testemunho interior do Espírito Santo, baseada na sua luz que ilumina e que dá confiança, em suas conclusões que tranqüilizam, na sua assimilação que repousa.

Senhor, faz que minha fé seja forte, não receie os antagonismos dos problemas, de cuja experiência nossa vida está cheia, nossa vida que é ávida de mais luz. Não se intimide diante da oposição dos que a contestam, a combatem, a recusam ou a negam. Mas que se robusteça na experiência íntima de tua verdade, que resista à usura da crítica, que se reforce na afirmação contínua, que lhe permita superar as dificuldades dialéticas e espirituais, em cujo meio se encena nossa existência temporal.

Senhor, faz que minha fé seja penetrada de alegria, invada minha alma de paz e contentamento, dispondo-a a orar a Deus e conversar com os homens, a ponto de, possuindo-a numa feliz beatitude interior, poder iluminar os entretenimentos com Deus e com o próximo.

Senhor, faz que minha fé seja ativa e dê à nossa caridade os motivos de sua expansão moral, para que seja na ação, no sofrimento e na expectativa da revelação final, uma busca contínua de ti, um testemunho incessante, e alimento ininterrupto de nossa esperança.

Senhor, faz que minha fé seja humilde. Que não tenha a ousadia de se basear na experiência de minha razão e de meus sentimentos, mas que se submeta ao testemunho do Espírito Santo, que não tenha outra e melhor garantia senão sua docilidade à Tradição e à autoridade do magistério da Santa Igreja. Amém.