28 DE MAIO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

O homem moderno, como nós todos, aliás, pode-se dizer, está persuadido de que "tudo muda". A observação da vida atual nos dá, com efeito, a impressão de que tudo está se transformando, e que tudo está em movimento. Nada que interesse a nossa experiência aparece estável e seguro, tudo muda, tudo evolui tudo cai em decadência e tudo se renova. Estamos presos e invadidos por este sentimento de instabilidade das coisas e se à primeira vista este sentimento inspira certo medo e algum remorso, bem depressa se transforma, porém, num sentimento de complacência, porque notamos que este importante e geral fenômeno de mutação recebe nomes importantes, tais como evolução, progresso, dinamismo, descoberta, conquista, superação, desenvolvimento, renascimento, novidade etc.

Desde então, a questão religiosa está aí, e é precisamente sobre este problema que, em termos bastante simples, vos convidamos a refletir um instante. A questão é a seguinte: Será que a religião não estaria também sujeita a importantes mudanças? De fato, para ficar no domínio que nos diz respeito, será que a religião não está também em vias de mutação?

A este respeito, pedimo-vos encarecidamente o seguinte: prestai atenção à complexidade da questão religiosa. Pode-se considerar a questão religiosa sob o aspecto subjetivo, a saber, sob o aspecto que é próprio ao homem, o lado intelectual, psicológico e filosófico. Todos sabemos a que espécies de mutações, a que arbitrariedades, a que extravagâncias, dúvidas, negações, em suma, a que metamorfoses foi submetida a idéia religiosa. A discussão está sempre aberta. Mas afirmamos que nossa razão, nossa experiência, nossa fé, estão hoje, mais do que nunca, em condições de se afirmar, como no passado, com muito brilhantismo e de continuar a dar novos testemunhos de pensamento e de vida, sustentando o choque e as discussões das objeções próprias ao pensamento, seja filosófico, seja literário e prático de nossos dias.

Isto quer significar que o homem, este ser de cem faces, pode assumir aspectos e atitudes muito diversos, proteiformes com respeito à religião, mas permanece homem, essencialmente como é, não só capaz, mas desejoso de Deus. Melhor, quanto mais homem é e se torna, tanto maior se manifesta nele a exigência de Deus. Por isso, a religião, entendida com relação virtual com a divindade, não muda com as expressões da vida humana. Neste ponto não temos senão que fazer votos de um novo florescimento de estudos e investigações religiosas, isto é, de literatura religiosa, filosófica, literária, apologética, catequética e artística. É questão de linguagem. Renovemos a terminologia religiosa.

É necessário, porém, ter em vista o aspecto objetivo da religião, a saber, a sua verdade, o seu conteúdo, a sua realidade. Para nós que cremos, para nós católicos de fé unívoca, esta religião conservada e defendida, explicada por uma instituição providencial, chamada magistério eclesiástico, que sempre está repetindo as palavras de Jesus: "A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou" (Jo 7,17), é o que não muda por motivo da evolução dos tempos e dos costumes. Deve ser aceita na sua formulação genuína, originária e autorizada, ainda que difícil, mesmo que em contraste com a psicologia de quem a escuta, embora misteriosa. Vós vos lembrais de como termina a discussão no Evangelho, sobre a Eucaristia, em Cafarnaum. Os ouvintes achavam que era absurdo esse ensinamento do Senhor: "Isto é muito duro, quem o pode admitir?" (Jo 6,60). E Jesus abandonado pela multidão dos ouvintes, dirige-se aos discípulos, também estes atônitos e indecisos: "Quereis vós também retirar-vos?" (Jo 6,67).

Isto é grave. Principalmente hoje, quando o homem não quer aceitar senão o que compreende. E o interessante é que também o homem moderno é mais do que nunca cliente e aluno de quem tem autoridade no campo científico. Mas devemos viver da fé, aceitando a palavra de Deus, mesmo se ultrapassa nossa inteligência Fazemos duas observações: a fé é obscura, mas não é cega, isto é, possui motivos que a justificam interior e exteriormente. Muitas vezes já dissemos com santo Agostinho: "Habet namque f ides oculos suos. Com efeito a fé tem olhos". Mais ainda a fé pode ser estudada, aprofundada, confrontada com o saber natural e aplicada. Poderíamos até dizer que ela se verifica na experiência da vida. A fé vivida torna-se luz. Amada, torna-se força. Meditada, torna-se espírito. Por isso, permanecendo íntegra e pura, a fé pode muito bem compenetrar todas as transformações honestas, novas e grandiosas da vida atual, e assim se revela a nós como é: princípio de vida eterna.