16 DE OUTUBRO DE 1968. AUDIÊNCIA GERAL.

Nossas reflexões sobre o Concílio ao qual consagramos cada semana estes nossos colóquios familiares, nos movem a vos falar de um problema difícil, ou para melhor nos exprimir, impopular: o da obediência na Igreja.

É uma questão muito comprometida: em primeiro lugar, pelo vento de liberdade que sopra sobre toda mentalidade moderna, oposta às limitações e pressões impostas por uma autoridade superior à espontaneidade e autonomia da pessoa humana assim como a grupos; em segundo lugar, pela apologia da liberdade sob seus diferentes aspectos: liberdade pessoal, como exigência da dignidade humana; liberdade dos filhos de Deus proclamada no Evangelho; liberdade de conversão; liberdade da Igreja e liberdade na Igreja; liberdade religiosa no esquema das leis cívicas; liberdade de pesquisa científica; de associação; de informação etc.

Esta apologia, nós a encontramos espalhada nos documentos conciliares. Como desde então podemos ainda falar de obediência, depois de tantas afirmações tão conformes ao espírito humano, à maturidade da psicologia contemporânea, ao desenvolvimento da sociedade civil e à intolerância das novas gerações ante a disciplina?

A palavra "obediência" nem é mais tolerada em nossas conversações, em assuntos, portanto, que pela força das coisas, permanece sua realidade: na pedagogia, na legislação, nas relações hierárquicas, nas leis militares etc. As palavras: personalidade, consciência, autonomia, responsabilidade, conformidade ao bem comum ... superam as demais e, todos o sabem, não se trata de uma transformação apenas de terminologia, que se apresenta sobre este ponto, na sociedade, mas de mudança profunda de idéias e sabemos como isto se traduz em fatos e nos acontecimentos, grandes ou pequenos.

A obediência comporta dois elementos exteriores em cada indivíduo e em cada grupo: ouvir outra voz diferente da própria, e agir em conformidade com esta voz que possui tom de ordem, ou testemunha uma autoridade que pressiona o ouvinte a um modo de pensar e de vida, do qual ele não é autor e cujo "porquê" não compreende. A importância excessiva concedida aos critérios subjetivos já não permite compreender a que título outro critério extrínseco - a autoridade pode intervir na expressão espontânea e natural de um ser ou de um grupo humano. Os filósofos de ontem servem ainda de mestres aos de hoje, que não recuam diante das conseqüências extremas da contestação, da rebelião ou mesmo da anarquia e do niilismo. Disto houve aplicações violentas nestes últimos tempos.

Como se as negações mais ou menos radicais desta antiga virtude cívica e cristã não bastassem para desacreditar a obediência junto aos jovens, multiplicam-se ainda as afirmações exageradas e intoleráveis: as da opressão totalitária, imposta pelos sistemas aperfeiçoados de força e de legalismo policial; as da pressão publicitária, exercida pelos formidáveis meios de comunicação de "massa", como se diz atualmente, e aceita por milhões de ouvintes dóceis, que dão crédito aos que lêem, aos que ouvem e aos que vêem. Assim é que o homem moderno deve obedecer? Será que este desencadeamento de vozes, idéias, exemplos, maneiras, concertações simultâneas não é uma servidão, uma obediência inconsciente e agradável, por assim dizer, que diminui e avilta a autonomia da personalidade?

E se do domínio profano passamos ao religioso e mais precisamente ao de nossa vida católica, será que esta também não é dominada por um dogmatismo que sufoca a liberdade de pensar e de consciência? Quantas coisas haveria para dizer sobre este assunto, em particular considerando as recentes repercussões suscitadas por determinados atos do magistério da Igreja! Qual sua competência? dizem. Qual sua autoridade? Qual sua estabilidade?

Não falaremos deste vasto problema, que para não se deformar deveria ser tratado de maneira ponderada e adequada, o que nos parece impossível no momento.

Queríamos somente, caríssimos filhos, que, assistindo a este encontro e ouvindo estas modestas palavras, rendeis homenagem à virtude cristã da obediência, deixar-vos uma noção reabilitada desta virtude. Teríamos muito a dizer sobre seu primado relativo: a obediência não está em estreito parentesco com a ordem particular e universal, com o equilíbrio e harmonia da sociedade seja qual for? E com o bem comum? Com a vitória sobre as falhas e faltas de senso individuais? Com a obtenção de bons resultados coletivos e sociais? Onde acabaria a lei, a autoridade, a comunidade, se não houvesse o culto da obediência? No domínio da Igreja, em que se reduziria a unidade da fé e da caridade, se uma convergência de vontades, garantida pelo poder autorizado, obedecendo à vontade superior de Deus, não propusesse nem exigisse uma harmonização de pensamentos e de atos? Será que todo o plano de nossa salvação não depende da prática da obediência, em toda a liberdade e com inteira responsabilidade? Que é o pecado senão uma desobediência ao mandamento de Deus, e que é nossa salvação senão uma adesão humilde e alegre ao plano misericordioso, que o Cristo instaurou, para quem lhe obedece como discípulo; como fiel e como testemunha? Não poderíamos contemplar numa síntese de obediência nossa profissão de fé cristã, nossa inserção na Igreja, nossa integração santificante e beatificante na vontade de Deus?

O fiat que pronunciamos a cada instante em nossa prece: "Que seja feita tua vontade", não é o ato mais habitual e o mais completo de nossa obediência ao supremo e íntimo mandamento divino? Não seria fácil estabelecer a feliz relação que existe entre a verdadeira obediência e a liberdade, a consciência, a responsabilidade, a personalidade, a maturidade, a força moral e toda prerrogativa da dignidade humana, assim como nosso lugar e nossa função na comunidade eclesial, se tivéssemos apenas a paciência de recapitular os títulos legítimos, as exigências e os limites da obediência, tais quais no-la descreve a Sagrada Escritura e a doutrina autêntica da Igreja?

Como poderíamos ainda falar de paz sem nos referirmos ao princípio que produz, dentro e fora de nós, esta ordem, que precisamente gera a paz, a saber, a obediência. Oboedientia et pax, fórmula do venerável cardeal Barônio, depois de João XXIII autor da encíclica Pacem in terris (Prov 21,28).

Sim teríamos tantas coisas a dizer sobre o tema! Escreveu-se muito sobre este assunto nestes últimos anos.

Mas hoje só vos diremos uma coisa: o mistério da obediência no Cristo Senhor nosso; mistério irradiando do Evangelho todo, mistério que define o Cristo como nosso Salvador (Mt 11,25; 26,39; Jo 5,37; Rom 5,19; Flp 2,8); mistério de que participamos, de maneira tal que "deste aspecto fundamental da obediência não somente ao Cristo, mas do Cristo, que nos é comunicada, emana o sentido cristão da obediência".

Podíamos prosseguir e descobrir com satisfação a equivalência neste nível da obediência e do amor. Haveria tanto para dizer do novo estilo que a obediência, permanecendo essencialmente idêntica, reveste na Igreja após o Concílio. Falamos a respeito em nossa primeira encíclica Ecclesiam Suam. Vamos selar toda esta doutrina, esta nova pedagogia, esta nova prática da obediência, com uma evocação da exortação que o apóstolo Pedro, sobre cujo túmulo falamos, dirigia aos primeiros cristãos: "Comportai-vos como filhos obedientes por causa da revelação de Jesus Cristo" (l Pdr 1,13-14; Hebr 13,17).

Isto para vossa dignidade de cristãos, para vossa fidelidade e ventura.