28 DE JANEIRO DE 1972. AUDIÊNCIA AOS MEMBROS DO TRIBUNAL DA ROTA ROMANA, NA ABERTURA DO ANO JUDICIÁRIO.

Nós prestamos homenagem a vossa magistratura. A Sagrada Escritura mediante as palavras constitutivas de são Paulo, atribui-nos esta obrigação (I Cor 6,11; Mt 18,15-17). A Tradição que tem origem na anterior ao Novo Testamento, torna-nos guardas ciosos e executores dos serviços que na Igreja organizada e visível, como é a nossa Igreja católica, a autoridade responsável deve prestar, para a tutela dos direitos de cada membro da comunidade de amor, que é precisamente a Igreja, assim como para a observância de cada um dos respectivos deveres.

Nós hoje pretendemos manifestar nesta audiência, precisamente este reconhecimento da justa relação entre a Igreja e o Direito Canônico, embora aqui nos limitemos a considerar o vosso campo particular, o judiciário, reafirmando a legitimidade, a dignidade e a importância da vossa tarefa, não tanto pela íntima e paralela analogia que existe entre a administração da justiça eclesiástica e a justiça civil, quanto pela sua original derivação do desígnio constitucional divino da Igreja, Corpo místico de Cristo, animado pelo espírito de liberdade, de amor, de serviço e de unidade, desígnio este que o recente Concílio nos recordou com a sua doutrina eclesiológica.

Discutiu-se tanto sobre a existência de um Direito Canônico, ou seja, de um sistema legislativo dentro da Igreja que se chegou ao ponto de qualificar como "juridicismo", com certa reprovação e ironia todas as suas solicitudes normativas, desqualificando, portanto, este aspecto da vida eclesiástica, quase como se as expressões imperfeitas da atividade legislativa na Igreja justificassem a reprovação e a abolição desta atividade, em virtude de interpretações inexatas de alguns passos da Sagrada Escritura (Gal 2,16-18; Rom 4,15). Não se pensa que "uma comunidade sem lei longe de ser ou de poder ser neste mundo a comunidade de caridade, nunca foi nem nunca será mais do que a comunidade da arbitrariedade". Além disso, não se observa o fato de se ter manifestado, talvez nunca como no nosso tempo, tão mal disposto em relação ao Direito Canônico, devido a uma determinada e abusiva interpretação do recente Concílio, como se ele tivesse atenuado os vínculos jurídicos e essenciais na Igreja, uma tendência prolífera legislativa a qualquer nível eclesial, devido à impelente necessidade de sigilar em cânones de nova insti- tuição as inovações mais diversas e às vezes até ilógicas?

Este fato que certamente também contém propósitos de reformas sãs e de desejáveis atualizações, que a Igreja hoje não só permite e orienta, mas também promove, deixa-nos apreensivo, devido às possíveis incoerências destas novidades jurídicas em relação à doutrina e à norma que vigem nos ensinamentos da Igreja. Isto ainda mais porque esta tendência a mudar a praxe eclesial segundo princípios novos e discutíveis passa facilmente do campo jurídico para o campo moral, invadindo-o e subvertendo-o com fermentos perigosos. Minando primeiro o conceito óbvio de direito natural e depois a autoridade da lei positiva religiosa ou civil, porque é exterior à autonomia pessoal ou coletiva. Libertando de tal modo a consciência de um claro conhecimento e da honesta consideração da obrigação moral objetiva, torna-a por assim dizer livre e só, é verdade, mas infelizmente constitui um critério cego da ação humana, abandonada assim à deriva e exposta ao oportunismo de cada situação ou aos impulsos instintivos, psicossomáticos, deixando de existir uma autêntica ordem ou a imposição verdadeiramente pessoal de um limite, porque são justificados por um falso ideal de libertação e por um sofístico atestado da chamada e avassaladora moralidade permissiva.

Que resta do sentido do bem e do mal? Que resta da nobreza e da grandeza do homem? É uma grande verdade: o homem sem lei deixa de ser homem. É verdade praticamente que a lei sem uma autoridade que a ensine, a interprete e a imponha, facilmente se torna obscura, incômoda e desaparece. Assim como é verdade que a nossa liberdade cristã deve distinguir-se da liberdade estigmatizada pelo apóstolo Pedro: "Comportai-vos como homens livres, não como aqueles que fazem da liberdade como que um véu para encobrir a malícia, mas como servos de Deus" (1 Pdr 2,16). Nem podemos recorrer contra a necessidade de uma lei, à liberdade de espírito ou à "liberdade [em relação à lei judaica] para a qual Cristo nos libertou" (Ga1 5,1). Porque exatamente ele, Cristo, também nos disse: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas. Não vim revogá-la, mas completá-la" (Mt 5,17). O complemento será sua absorção e exaltação no mandamento que encerra todos os outros, o amor de Deus e o amor ao próximo.