15 DE JANEIRO DE 1969. AUDIÊNCIA.

A novidade é o aspecto sob o qual nos apresenta a vida atual. Já nos acostumamos a este importante fenômeno de transformação. Alastra-se por todos os campos, atinge todo instrumento, toda pessoa ou instituição de modo tão rápido e universal que temos a impressão de estar sendo arrastados e tragados por uma corrente irresistível, que à maneira de rio caudaloso nos imerge e leva de roldão. Devemos notar também que a geração presente se acha inebriada por essa mudança. Chama-a de progresso e nela participa, ou melhor, nela colabora com energia e entusiasmo e muitas vezes sem nenhuma reserva. O passado passou para o esquecimento, a tradição está interrompida, os costumes foram abandonados. Notam-se até sinais de impaciência e intolerância nos lugares em que certa estabilidade e lentidão procuram evitar ou frear em alguns setores aquela transformação que alguns desejam se estenda a todos os setores, a que outros julgam necessária, benéfica e libertadora.

Deste modo fala-se de revolução sempre, e por toda a parte se manifesta a contestação, muitas vezes sem motivos ou fins que a justifiquem. Novidade, novidade, tudo é posto em questão, tudo deve estar em crise. Como, de fato, muita coisa tem necessidade de correção, reforma e renovação, visto que no dia de hoje o homem tomou consciência tanto das deficiências de que está repleta sua vida, como das possibilidades prodigiosas com que se podem produzir meios e formas novas de existência, tudo isso rouba-lhe a tranqüilidade, apodera-se dele um louco frênesi a vertigem o exalta e às vezes a insensatez o invade, impelindo-o contra tudo: eis o que é a contestação global - na cega esperança de que uma nova ordem (palavra antiga), um mundo novo, uma palingenésia que ainda não se pode prever bem, estejam fatalmente por surgir. Este tema de reflexão, da ordem teórica passou a ser sentimento comum, opinião pública, lei histórica. Assim é a vida de hoje. Não queremos contestar inteiramente esta contestação, esta necessidade de renovação que por muitas razões e em certas formas é legítima e mesmo necessária. Claro que há "modus in rebus": é mister certa medida. Mas as exigências são reais. Queremos até recordar, filhos caríssimos, que outro impulso, além do que é dado por nosso momento histórico, cultural e social, aumenta em nós e justifica com novas razões a aspiração por uma vida nova. É o impulso dado pela consciência do homem moderno, especialmente do homem religioso pelo recente Concílio. Que o Concílio tenha tido e tenha ainda agora como fim último a renovação de toda a Igreja e de toda a atividade humana, mesmo na esfera profana, é uma verdade que transparece em todos os seus documentos e no próprio fato da realização do Concílio. É, portanto, oportuno refletir e perguntar a nós mesmos se meditamos bem neste fim principal da grande assembléia ecumênica. Também esta se inscreve na grandiosa linha do movimento moderno de transformação, de dinamismo que caracteriza nosso período histórico, e tende a produzir uma renovação. Mas de que renovação se trata? A resposta a esta pergunta é complexa porque são muitos os setores aos quais se deveria aplicar tal renovação. Esta multiplicidade deu pretexto também para intenções arbitrárias, que alguns quiseram atribuir ao Concílio. Referimo-nos à assimilação da vida cristã aos costumes profanos e mundanos, à orientação chamada horizontal da religião, que não se dirige mais primariamente ao amor e culto de Deus sobre todas as coisas, mas ao amor e culto do homem, à sociologia considerada como critério principal e determinante do pensamento teológico e da ação pastoral, à promoção de uma presumida e inconcebível "república conciliar", e assim por diante.

A multiplicidade de que falamos deu ocasião a tentativas de aggiornamento, em vários pontos da vida católica, acerca dos quais a discussão ainda está aberta e a aplicação em fase de experiência. Falou-se especialmente e ainda se fala das "estruturas" da Igreja, com intenções que nem sempre têm presente as razões que as justificam e os perigos que derivariam da sua alteração ou da sua demolição. Deve-se notar que o interesse pela renovação da parte de muitos, mirou apenas à transformação exterior e impessoal do edifício eclesiástico e a aceitação das formas e do espírito da Reforma protestante, em vez de ter como finalidade principal aquela renovação primeira e essencial que o Concílio queria, a saber: a renovação moral, pessoal e interior, renovação esta que deve rejuvenescer a Igreja na consciência de seu mistério, da sua adesão ao Cristo, de sua vitalidade por meio do Espírito Santo, da sua organização fraterna e hierárquica, de sua missão no mundo, de sua finalidade ultra-terrena que a torna em sua passagem pelo tempo uma peregrinante pobre e bondosa. "Toda renovação da Igreja, diz sabiamente o decreto conciliar sobre o ecumenismo, (nº6), consiste essencialmente na fidelidade crescente à própria vocação". Passando da consideração comunitária à do indivíduo acrescenta: "Não existe verdadeiro ecumenismo sem conversão interior" (nº7).

Caros filhos, quiséramos convidar-vos todos a meditar esta intenção fundamental do Concílio: a de nossa reforma interior e moral.

Estamos persuadidos de que a voz do Concílio passou em nossas almas como o sopro do Espírito, como um chamado pessoal a tornar-nos verdadeiros cristãos, católicos autênticos, membros vivos e ativos do corpo místico do Senhor, que é a Igreja? Compreendemos que o Concílio é para cada um de nós um chamado à autenticidade cristã, à harmonização da fé e da vida, à manifestação real em pensamento e ato da caridade? Meditamos nesta sublime e tão natural, contudo, nesta palavra do Concílio que deseja que todo discípulo do Cristo seja santo e perfeito, não importa sua condição? São Paulo no-la repete: In novitate vitae ambulemos. É preciso que andemos em vida nova (Rom 6,4; 12,2).