8 DE OUTUBRO DE 1968. AUDIÊNCIA GERAL.

Ainda uma vez nos volta ao espírito uma pergunta que fazemos a nós mesmos: de que é que a Igreja tem necessidade hoje?

É um fato, que a Igreja hoje, neste momento, passa por necessidades urgentes. Isto por dois motivos: aliás, opostos. Por um lado, pelos males internos e externos que a afligem. Por outro, pela missão que deve cumprir e pelas possibilidades que se lhe apresentam, de oferecer ao mundo contemporâneo um testemunho cristão renovado.

Esta experiência de suas próprias necessidades, e esta consciência dos deveres a cumprir, levam a Igreja a procurar socorro fora da esfera humana e temporal. Impelem-na à oração, à invocação da ajuda divina e à busca daquela misteriosa e prodigiosa assistência, que Jesus Cristo prometeu a seus apóstolos, no fim de sua permanência visível na terra: eu estarei, melhor, "eu estou convosco todos os dias até o fim dos tempos"(Mt 28,20).

Neste recurso de súplica à ação do Senhor, que age no interior da alma da Igreja e na psicologia do Povo Cristão, verifica-se um fato muito conhecido, muito comum e para nós quase espontâneo, mas que é sempre singular, tanto assim que nossos irmãos separados ainda criticam de certo modo sua legitimidade e eficácia. Trata-se do fato de se recorrer a uma intercessão ou mediação, ou em termos banais, a uma recomendação.

A quem recorremos e para chegar a quem? Recorremos a Maria, para chegar a Jesus. Para todos nós, que somos discípulos da escola espiritual e doutrinal da Igreja, este recurso não tem nada de estranho, nada de ilógico, nada de inútil. Sabemos muito bem que "há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo homem, que se deu em resgate por todos" (1Tim 2,5) e que a causa de nossa salvação é somente o Cristo (Hebr 5,9). Mas sabemos também que a economia da salvação comporta uma colaboração humana "dispositiva e ministerial", como diz santo Tomás de Aquino, que admite uma preparação, uma introdução à fonte da graça, uma intervenção que não causa. mas facilita de modo maravilhoso a circulação da caridade, a comunhão, a solidariedade, que se verifica no plano divino de nossa redenção. Esta intervenção nós denominamos intercessão. Trata-se de uma intervenção que tem muita importância no culto dos santos, e obviamente e em grau eminente no culto especialíssimo devido e tributado à Mãe de Cristo, àquela que mais do que nenhuma outra criatura tomou parte - e que parte! - única, ativa e santíssima na encarnação (Gal 4,4) e na paixão redentora de Jesus (Lc 2,35; Jo 19, 25).

Por isso, vamos repetir, com nosso grande predecessor Leão XIII, nosso múnus apostólico, e a "dificílima situação dos tempos atuais levam-nos cada dia mais, e quase nos impelem a zelar com tanto maior solicitude, pela tutela e incolumidade da Igreja, quanto mais graves são suas provações", e quanto mais delicado é o momento atual, e quanto mais urgente é a necessidade da paz, ferida e ameaçada no mundo, por exemplo, no Vietnã, na África, no Oriente Médio, na Irlanda e em outros pontos da terra onde se sofre.

Foram estas muitas razões que nos induziram a dirigir à Igreja a exortação, em que pedíamos que se recorresse ao patrocínio materno de Nossa Senhora, de modo especial durante este mês de outubro, em que se celebra a festa do santo rosário.

A esta altura deveríamos falar do rosário, e dizer por que razão uma piedosa prática de devoção se tornou motivo, mais do que objeto, de uma festa especial. Mas o que desejamos insistentemente recordar agora a vossa atenção e a vossa piedade é a conveniência de tomarmos o terço e de recitá-lo com simplicidade e fervor dos humildes, dos pequeninos, dos devotos, dos aflitos e dos confiantes. Sim. de rezá-lo pela paz na Igreja e no mundo. O quarto centenário da autorizada determinação da forma dessa devoção mariana, feita por são Pio V, anima-nos a essa renovação, que tacitamente o próprio Concílio recomendou. Certas formas de música popular moderna, que se baseiam num ritmo intenso, sublinhando uma palavra ou pensamento, poderiam fazer-nos superar as reservas, que às vezes são aduzidas contra o rosário, por ser ele uma repetição monótona de orações.

Temos necessidade do auxílio da santa Virgem. Um atormentado e famoso escritor espiritualista e realista, Charles Péguy, comparava o Pai-nosso e a Ave-Maria do terço a navios que viajam vitoriosamente para o Pai. Também nós devemos tentar esta experiência mística.

E não se diga que procedendo assim "instrumentalizamos" a oração e o culto à Virgem Maria em favor de nossas necessidades temporais, e que com a religião assim praticada, cedemos à tentação do utilitarismo que penetra em todas as formas da vida moderna.

Antes de tudo, não há modo de mal em fazer da oração uma confissão de nossos limites, de nossas necessidades, de nossa confiança, em obter do alto o que com nossas forças não podemos conseguir. Não foi por acaso o próprio Cristo que nos ensinou isto: "Pedi e recebereis, procurai e achareis, batei e a porta vos será aberta"? (Mt 7,7).

A respeito do rosário podemos acrescentar ainda duas outras observações. A primeira é esta: a oração de petição, que está na intenção comum de quem recita o rosário, transforma-se em oração contemplativa, por meio da apresentação diante dos olhos espirituais do orante, dos assim chamados "mistérios do rosário", que fazem dessa piedosa prática mariana uma meditação cristológica, habituando-nos a estudar a figura do Cristo, do melhor ponto de observação que é a Virgem Maria. O rosário fixa-nos em Cristo, nos episódios de sua vida, e de sua teologia não só com Maria, mas também na medida de nossas possibilidades, do mesmo modo que ela. que é certamente quem mais do que ninguém pensou nele (Lc 2,19; 2,51; 8,21; 11,28) , comprendeu-o e o amou.

A segunda é esta: o rosário. para quem tem confiança, estabelece um diálogo com Maria. Eleva quem o recita até ela. Obriga-o a receber as influências de seu fascínio, de seu estilo evangélico e de seu exemplo educativo e transformador. É uma escola que nos faz cristãos. Trata-se de uma vantagem quase imprevista, mas muito preciosa e muito de acordo com nossas necessidades fundamentais.

Ouvi, caros filhos, nosso convite à oração. Na cadeia de suas invocações repetidas e meditadas, ela fortifica nossa esperança, assimila-nos a Cristo e obtém-nos a paciência, a paz e a alegria que ele nos quer dar.