9 DE OUTUBRO DE 1968. AUDIÊNCIA GERAL.

O serviço é um dos deveres inerentes à autoridade, e tal dever é tanto maior quanto mais importante é a autoridade. Esta noção resulta da natureza e das funções da sociedade humana. Decorre da idéia do bem comum e da utilidade pública, da idéia de igualdade entre os homens, e de inviolabilidade da pessoa humana. É, portanto, uma noção que deriva do dirento natural.

A história, contudo, nos demonstra como ela foi alterada e contestada pelas paixões humanas. O Cristo a reivindica no seu Evangelho (Lc 22, 25). Ela permanece na Igreja e a sociedade civil a adotou como lei, ainda que não é posta em prática no que concerne aos costumes.

Esta noção permanece também no Concílio e revive com ele. É um dos critérios que testemunham da renovação da vida da Igreja. Não é novidade, mas tradição.

Seja-nos permitido citar as palavras célebres de Manzoni, a respeito de seu personagem ideal, Frederico Borromeu, que estava "persuadido profundamente... de que não há justa superioridade de um homem sobre outro, senão a de o servir".

Devemos alegrar-nos, nós que facilmente somos movidos a falar mal de nosso tempo, pelo fato de que este princípio que estabelece a autoridade como serviço dos outros, não seja contestado hoje por ninguém. Na Igreja de Deus ele encontra um assentimento unânime, até quando certas aparências externas e certos hábitos, que pouco a pouco estão cedendo lugar a um novo estilo de vida, fazem pensar em idéias de poder arbitrário de interesse pessoal, de prestígio pomposo, de superioridade hereditária, que a história de séculos passados creditaram como legítimos e transmitiram em seguida como sendo algo inerente à natureza e ao exercício da autoridade.

A história contemporânea exige uma realidade bem diferente: a Igreja é serviço. Ainda que hoje e sempre a autoridade na Igreja seja necessária, porque querida pelo Cristo e dele derivada (Mt 16,18-19), e, por isso, conserva seu valor constitucional e místico, como veículo dos mistérios divinos (1 Cor 4,1), como intérprete da verdade (Lc 10,16), e da vontade do Cristo na sua Igreja (Jo 10,15), contudo, ela se reveste de mais a mais e manifestamente de atributos que lhe são próprios: atributos pastorais, atributos evangélicos. Afirma-se como serviço, portanto, com amor, sacrifício corajosamente assumido pelo bem de outros, para o bem do rebanho de Cristo, pela Igreja toda (Jo 10,11).

Esta visão purificada da estrutura eclesiástica, hierárquica e comunitária, presta-se para uma longa meditação, que sua atual vitalidade conduz a amplas considerações históricas, a novas resoluções de sinceridade eclesial e a uma sábia elaboração das leis canônicas. Leva-nos também a nos convencer de que todos na Igreja temos nossa "diaconia", nosso serviço a prestar. Nem a exaltação da personalidade humana de cada um, nem a reivindicação da liberdade religiosa na sociedade, nem o primado ativo concedido à consciência, esclarecida pela doutrina autorizada da Igreja sobre a lei divina, nos dispensam de oferecer com generosidade, docilidade e ordem, nosso serviço para o bem de nossos irmãos e para o desenvolvimento da vida da Igreja. E o que é mais importante nossos direitos pessoais encontram em tal serviço, sua expressão livre, honrosa e meritória.

É assim igualmente que esta vocação de serviço, que no ministério sacerdotal se torna missão total, não muda em nada as prerrogativas de funções da hierarquia, de sua autoridade dou jurisdicional e santificadora, como se resultassem democraticamente da comunidade eclesial, do Povo de Deus, como alguns hoje querem afirmar falsamente. Mas de fato elas decorrem de Deus, do Cristo, da ordem sagrada e do mandato de quem quer que na Igreja esteja constituído na hierarquia e são destinadas a assegurar o bem do Povo de Deus. Se hoje esta destinação toma importância primordial e comporta formas, no exercício da autoridade, que correspondem sempre mais à sua natureza espiritual e à sua finalidade pastoral, isto é, ao serviço que a justifica e exige que seja repleta de amor e de humildade, isto significa que quer refletir, de mais em mais em si mesma, a imagem do Cristo que vive naquele que na Igreja representa, favorece e perpetua sua missão de salvador.

Vede, caros filhos, que assim falando (e feita abstração de qualquer outro confrade nosso, constituído na hierarquia), fazemos menos nossa apologia que nossa humilde autocrítica. Por isso contamos com vossa indulgência e obediência e nos recomendamos às vossas orações.