2 DE JULHO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

Nosso desejo é acolher hoje as grandes palavras do Concílio, aquelas que lhe definem o espírito e que numa síntese dinâmica formam a mentalidade de quantos dentro e fora da Igreja se referem ao Concílio. Uma delas é a palavra novidade. É uma palavra simples, muito empregada e bastante simpática aos homens de nosso tempo. Considerada num contexto religioso é maravilhosamente fecunda. Mal compreendida, porém, pode tornar-se explosiva. É contudo uma palavra que nos foi dada como ordem e programa. Foi-nos comunicada como esperança. É, aliás, uma palavra que nos vem diretamente da sagrada escritura: "Diz o Senhor: eis que faço uma coisa nova". São palavras de Isaías (43,19), às quais são Paulo faz eco (2 Cor 5,17) e o Apocalipse (21,5) repete: "Eis que faço todas as coisas novas". Jesus, nosso Mestre, não é também ele um inovador diz: "Vocês aprenderam o que foi dito aos antigos... eu, porém, lhes digo" (Mt 5,33-34). Repete o mesmo no sermão da montanha. O batismo, iniciação à vida cristã, não é uma regeneração? "Devemos caminhar num caminho novo" (Rom 16,4). Assim é sempre ao longo da tradição cristã, em que tudo se orienta para a perfeição. Sem cessar volta-se a esta idéia de novidade, quando fala de conversão, de reforma, de ascetismo ou de perfeição. O cristianismo é como uma árvore, em primavera perpétua, produzindo sem cessar novas flores e novos frutos. É uma idéia dinâmica, uma vitalidade inexaurível, uma magnificência.

É exatamente desta maneira que se apresenta o Concílio: renovação e "aggiornamento". Esse termo, lançado pelo papa João, entrou no uso da linguagem corrente, mesmo fora da Itália.

Duas palavras que nos falam de novidade. Uma se refere antes ao aspecto interior espiritual. A outra se refere ao exterior, ao canônico e institucional. A nós muito agrada o fato de que este "espírito de renovação" (assim é que se exprime o Concílio no fim da Optatam Totius) seja por todos compreendido e vivido. Este espírito corresponde à característica dominante de nosso tempo, que se acha todo em rápida e imensa transformação, isto é, em vias de novidade em todos os setores da vida moderna. Surge um confronto imediato ao espírito: tudo se transforma menos a religião? Não se produz entre o cristianismo e a realidade da vida, uma dicotomia, um hiato, uma recíproca incompreensão, uma hostilidade mútua? Um se mantém imóvel enquanto a vida avança. Como poderão entrosar-se? Como pode o cristianismo pretender influenciar a vida de hoje? Aí está a razão das reformas empreendidas pela Igreja, especialmente após o Concílio. Haja vista o episcopado com a preocupação de promover a renovação adequada às necessidades presentes, as ordens religiosas prontas a reformarem seus estatutos, o laicado católico se especializa e coordena seus esforços na reestruturação da Igreja. Haja vista a reforma litúrgica cuja extensão e importância todos conhecem. A educação cristã está reexaminando os seus métodos de pedagogia e toda a legislação canônica em vias de uma revisão renovadora.

E quantas outras consoladoras e promissoras novidades germinam na Igreja atestando nova vitalidade, que também nestes anos tão difíceis para a religião evidencia uma contínua inspiração do Espírito Santo. O progresso do ecumenismo guiado pela fé e pela caridade, basta por si só para mostrar um desenvolvimento quase imprevisível no caminho e na vida da Igreja. A esperança que é o olhar da Igreja em direção do futuro, enche seu coração e revela como palpita numa nova e amorosa expectativa. A Igreja não é velha, é antiga. O tempo não a recurva. E se se mantém fiel aos princípios intrínsecos e extrínsecos de sua misteriosa existência, o tempo não a envelhece, antes a rejuvenesce. Não teme as novidades: delas vive. Qual árvore que tem na raiz sua segurança e o alimento, a seiva, ela retira de si mesma a primavera para todos os ciclos da história.

Talvez vos recordeis das palavras que o Cardeal Suhard, arcebispo de Paris, escrevia em 1947, numa de suas cartas pastorais que se tornou famosa, Essor ou déclin de l'Église: "A guerra não é um entreato, mas um epílogo. A era que se inaugura depois dela assemelha-se a um prólogo". O mesmo podemos dizer do Concílio. Este marcou o início de um novo ciclo, cujas características novas de que fizemos menção, ninguém pode negar. Mas o exame destas novidades nos obriga a nos interrogar se todos estes fenômenos novos vindos à tona depois do Concílio, são bons.

Poderiamos contentar-nos em apelar para vosso julgamento sadio, para tentar semelhante exame. Alguns verificaram que a novidade não tende necessariamente para algo melhor. Novidade em si é mudança. Ora, a mudança deve ser considerada menos em si do que no seu conteúdo e finalidade. Será que hoje, o que é novo nos leva realmente a um cristianismo melhor? Que critérios podem nos ajudar para julgar da legitimidade do que é novo na vida da Igreja? Há quem verifica fenômenos que revelam não um progresso novo, mas uma nova decadência. Outros falam não de evolução, mas de revolução, não de enriquecimento, mas de decomposição.

O "novo" na vida católica é uma questão extremamente complexa. Limitemo-nos a uma severa observação, como esta: o novo na Igreja não pode ser conseguido por meio de uma ruptura com a tradição. O espírito revolucionário invadiu muitos cristãos e bons cristãos. A ruptura que nós podemos aceitar é a da conversão. A ruptura com o pecado, mas não com o patrimônio da fé e da vida, de que somos herdeiros felizes, mas também responsáveis. As inovações necessárias e oportunas, às quais devemos aspirar, não podem vir de um corte arbitrário que nos separasse da raiz viva, transmitida a nós pelo Cristo desde o momento em que apareceu no mundo e fez da Igreja o "instrumento e sinal" da validade de nosso encontro com Deus. Bem ao contrário para nós a novidade de ordinário consiste no retorno à tradição autêntica e à sua fonte que é o Evangelho.

"A novidade da vida religiosa comporta a volta contínua às fontes", diz-nos o Concílio. O que diz dos religiosos vale, em geral, para todo o povo de Deus. Quem quer que substitua sua própria experiência espiritual, seu sentimento de fé subjetiva, sua interpretação pessoal da palavra de Deus, cria certamente uma novidade, mas isto é ruína. Do mesmo modo aquele que menospreza na história da Igreja o ministério carismático que ela representa para a salvaguarda e transmissão da doutrina e da vida cristã, pode criar novidades cheias de atrativo, mas falta-lhes o poder vital e salvador. Nossa religião que é a verdade, e a realidade divina na história do homem, não se inventa e, propriamente falando, não se descobre. Ela é recebida, embora antiga é sempre viva, sempre nova, isto é, não perece e está sempre pronta a reflorescer sob novas e autênticas formas. "É claro, diz o Concílio, que a santa Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, por sábia disposição de Deus, são de tal modo conexos e solidários entre si que nenhuma destas realidades pode subsistir sem outra".

Qualquer contestatário impaciente dirá talvez que isto é imobilismo, é uma esclerose que congela o cristianismo em fórmulas rígidas e superadas, e o que ele quer é um cristianismo dinâmico. Pois bem, também nós, mais do que ninguém, queremos um cristianismo vivo. Presentemente não vos faremos uma exposição, seria longo, sobre os métodos a seguir para revivescer e na ocorrência ressuscitar nosso cristianismo. Indicaremos apenas algumas fases do processo. Lembremo-nos bem de que o primeiro passo é a renovação interior e pessoal. "Renovai-vos em vosso espírito e pensamento", recomenda são Paulo (Ef 4,23) : é a verdadeira, a primeira novidade cristã, a nossa. Todos e cada um deve tender a ela. Em seguida se quereis refletir nisso, a novidade de vida cristã na vida cristã e na Igreja, pode provir, parte, de uma purificação, processo que está em curso, aliás, está sempre em curso. Parte, pode provir de um aprofundamento. Quem de fato pode dizer que compreendeu tudo, que tudo apreciou no seu justo valor, do tesouro da palavra, da graça e do mistério de que somos portadores? Quanto poderia o cristianismo progredir por este método! Enfim a novidade pode derivar-se de uma adaptação. Trata-se menos de inventar um cristianismo novo para tempos novos, que de dar ao cristianismo autêntico aplicações novas de que é capaz e de que necessita.