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É preciso voltar à oração pessoal. Por que dizemos "voltar"?
Porque temos a impressão, que desejaríamos fosse desmentida pelos
fatos, (como felizmente acontece em muitos casos), de que hoje até
os honestos e fiéis, mesmo os consagrados ao Senhor, rezam menos do
que antes. Dizendo isso sentimos o dever de prová-lo, e dizer
porquê. Mas não será agora que o faremos. Isto exigiria muito
tempo. Preferimos convidar cada um a se perguntar depois: ainda se
reza hoje? O homem atual sabe rezar? Sente obrigação de
fazê-lo? Sente a necessidade? Mesmo o cristão tem ele
facilidade, gosto, e se sente obrigado a rezar? Tem ele amor às
formas de oração que a piedade da Igreja, embora não as declare
oficiais, isto é, litúrgicas, tanto ensinou e recomendou, tais
como o rosário, a via-sacra, e especialmente a meditação, a
adoração eucarística, o exame de consciência, a leitura
espiritual? Ninguém há de atribuir a diminuição da oração
pessoal, sobretudo, da vida espiritual, da religiosidade inferior,
da "piedade", entendida como devoção, como expressão do dom do
Espírito Santo, pelo qual nos dirigimos a Deus no íntimo da alma
com o nome familiar e tão grande de Pai, à liturgia, ou seja, à
celebração comunitária e eclesial da Palavra de Deus e dos
mistérios da Redenção.
Pois a liturgia, graças a um intenso e longo movimento religioso,
coroado, ou melhor, canonizado pelo recente Concílio, assumiu
incremento, dignidade, acessibilidade, participação na consciência
e na vida espiritual do Povo de Delis. Esperamos que ainda aumente
no futuro próximo.
A liturgia tem seu primado e plenitude próprios e por si mesma
eficácia que todos devemos reconhecer e promover. Mas a liturgia,
por sua natureza pública e oficial na Igreja, não substitui e não
empobrece a religião pessoal. A liturgia não é somente rito, é
mistério e como tal exige a adesão consciente e fervorosa de todos os
que nela tomam parte. Supõe a fé, a esperança e a caridade, e
muitas outras virtudes e sentimentos, atos e condições como a
humildade, o arrependimento, o perdão das ofensas, a intenção, a
atenção, a expressão mental e vocal, que dispõem o fiel para
mergulhar na realidade divina, que a celebração litúrgica torna
presente e operante.
A religião pessoal, sendo possível a qualquer pessoa, é condição
indispensável para a autêntica e consciente participação
litúrgica. Mas ela é o fruto, a conseqüência desta
participação, destinada justamente a santificar as almas e a
corroborar nelas o sentido de união com Deus, com Cristo, com a
Igreja e com os irmãos de toda a humanidade.
Se existe alguma diminuição da religiosidade pessoal deverá ser
procurada bem noutra direção. Tentai perguntar-vos ainda: por que
é que hoje a vida interior, no sentido de vida de oração, é menos
intensa e menos fácil aos homens de nosso tempo, isto é, a nós
mesmos? Esta pergunta exigiria resposta extremamente complexa e
difícil, que por ora podemos sintetizar assim: somos mais educados
para a vida exterior, que assumiu desenvolvimento e fascínio
maravilhosos, que para a vida interior cujas leis e satisfações pouco
conhecemos. Nosso pensamento se dirige principalmente para o reino
sensível, fala-se em "civilização da imagem", rádio, TV,
fotografia, símbolos e estruturas mentais etc., e para o domínio
social, ou seja, para a convivência e relações com os demais.
Estamos voltados para fora, extrovertidos.
Mesmo a teologia muitas vezes cede o passo à sociologia. A própria
consciência moral é superada pela psicologia, reivindicando uma
liberdade que, abandonada a si mesma, fá-la procurar fora de si
muitas vezes no mimetismo da moda a própria orientação. Onde está
Deus? Onde está o Cristo? Onde está a vida religiosa, da qual
ainda e sempre sentimos uma obscura necessidade, mas insatisfeita?
Não ignorais que tal estado de coisas constitui o drama espiritual e
podemos dizer humano e civil de nosso tempo. Mas agora, com relação
a nós, filhos da Igreja, basta recordar com um breve pensamento de
santo Agostinho: "Intus eras et ego foras. Tu estavas dentro e eu
fora", que o ponto de encontro essencial com o mistério
religioso, com Deus, reside em nós mesmos, dentro da cela interior
de nosso espírito, reside naquela atividade pessoal, que chamamos
oração. É nesta atitude de procura, de espera, de escuta, de
súplica e docilidade (Jo 6, 45), que a ação divina nos atinge
normalmente, dando-nos luz e senso das coisas reais e invisíveis do
seu reino: faz-nos bons, fortes e fiéis, faz-nos tais como Deus
nos quer.
A vós, irmãos e irmãs consagrados ao Senhor, que tendes o direito
e o dever de manter vossos felizes colóquios com Deus, a vós os
jovens ávidos de encont rar a chave de um século novo, a vós
cristãos que quereis descobrir a síntese possível, purificadora e
benéfica da vida, tal qual pode ser vivida hoje, e ao mesmo tempo a
síntese da fé que vos é sempre cara, a vós homens de nosso tempo,
lançados no turbilhão de vossas ocupações absorventes e que
experimentais a necessidade de uma certeza, de um reconforto que nada
no mundo pode dar, a todos, dizemos: "Rezai, irmãos. Orate
fratres". Esforçai-vos sem relaxar jamais, para fazer jorrar do
fundo de vossa alma, num tom muito íntimo este "Tu" dirigido ao
Deus inefável, a este "Outro" misterioso, que nos observa, nos
espera e nos ama. Com toda a certeza não sereis desiludidos nem
abandonados. Ao contrário experimentareis a alegria nova de uma
resposta inebriante: "Ecce adsum. Eis-me aqui" (Is 58,9).
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