24 DE JUNHO DE 1968. AUDIÊNCIA AO SACRO COLÉGIO, POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO AO SANTO PADRE DOS VOTOS DE FELICITAÇÕES.

Este encontro se efetua nas vésperas de um acontecimento cujo sentido e importância temos o prazer de acentuar. Queremos nos referir ao encerramento do "Ano da Fé", que proclamamos para comemorar digna e utilmente o décimo nono centenário da morte gloriosa dos apóstolos Pedro e Paulo.

A cerimônia de encerramento que temos a intenção de celebrar solenemente à tarde do dia 30 de junho, será, por assim dizer, o remate de longo período de reflexão, de prece, de resoluções, durante o qual a Igreja católica envidou esforços para reafirmar clara e resolutamente, tanto no interior de si como fora, sua adesão e abandono à palavra esclarecedora e vivificante de seu Fundador e Mestre, repetindo-lhe com o mesmo entusiasmo e confiança as palavras do Príncipe dos Apóstolos: Domine ad quem ibimus? Verba vitae aeternae habes: "Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna" (Jo 6,68). É à luz desta fé, de tanta vida e de tanto consolo, que queremos como sempre, ver, procurar compreender e interpretar os acontecimentos deste tempo que passa: os da Igreja antes de tudo, mas também os do mundo, no qual ela vive e trabalha, sobretudo na perspectiva que tanto nos preocupa, a de salvaguarda da paz e do progresso autêntico dos povos.

Envoltos e por assim dizer penetrados desta luz, alguns destes acontecimentos que podem parecer inexplicáveis, se esclarecem com lógica tal que muitas vezes ultrapassa a dos homens que neles são protagonistas Então muitas esperanças que a imperiosa realidade havia debilitado e quase desvanecido, reencontram vigor consolador.

Temos necessidade desta visão clara e justa, deste otimismo sobrenatural em nossas esperanças, quando, por exemplo, vemos multiplicar-se e impor-se em situações aparentemente sólidas e estabelecidas, violentas explosões de cólera que se transformam em lutas intestinas e revoltas, provocando por sua parte réplica e repressão violentas. Assim nascem as incompreensões, os ressentimentos, os ódios, cujas conseqüências lastimáveis e perigosas são difíceis de prever e de sobretudo de desviar.

Depois dos exemplos exaltantes, magnânimos e sublimes, dados pelos homens que criaram um novo ideal social e movimentos de grande importância e eficácia, que professam nobre e corajosa "não-violência", eis que surge de novo em certos meios a violência, como se fosse moda.

Chegou-se mesmo a formular teorias para explicar, justificar e engrandecer esta violência, mesmo nas manifestações armadas e homicidas. Esta seria, diz-se, às vezes, a única salutar resposta à opressão, à violência institucionalizada, à ordem que é acusada de ser de fato desordem estabelecida, à legalidade formalista que encobriria reais ilegalidades.

Para justificar tais teorias, alguns apelam para considerações hauridas do pensamento cristão e de suas exigências. É assim que se ouve falar de uma "teologia da violência", derivada de uma "teologia da revolução".

Profundamente comovido pela situação penosa em que se encontram indivíduos, classes sociais e até nações ou grupos de povos; sensível à voz do sofrimento, ao brado que se levanta de tantas partes do mundo para suplicarem socorros e mudanças necessárias; levado pela nossa missão própria de fazer-nos aberta e francamente protetor de uma justiça cada vez melhor entre os homens, não hesitamos em repetir o quanto compartilhamos de todo o sofrimento humano, o quanto deploramos todo o ato ou negligência culpável que causam tudo isso, e o quanto exortamos a todos aqueles que têm possibilidade, a empreender por toda a parte onde seja necessário, uma ação decisiva e corajosa para remediar eficazmente e com solicitude as situações que a consciência humana e em particular a consciência cristã não podem tolerar.

Mas ao mesmo tempo sentimos como um dever advertir nossos filhos e todos os homens que se acautelem contra a fácil e ilusória tentação de crer que a mudança de uma ordem imperfeita, obtida na desordem e na precipitação, traga em si a garantia de uma ordem boa ou ao menos melhor, lá onde o ambiente não foi preparado; de crer sobretudo que a violência, mesmo ditada por uma revolta refletida contra a injustiça, assegure automaticamente, por assim dizer, a instauração da justiça, enquanto a experiência nos ensina que, na maioria dos casos, o contrário é que é verdadeiro.

Reservando-nos a intenção de voltar a este problema importante se a ocasião se apresentar oportunamente, desejamos presentemente lembrar a nossos filhos, especialmente aos mais jovens e aos mais conscientes das exigências evangélicas, a necessidade de reavivar este espírito de caridade em si mesmos, um dos frutos mais belos e eficazes de uma fé vivida e sincera. Estendendo-se a todos em nome do Cristo, esta fé permite do modo mais eficiente encontrar o caminho para "vencer o mal pelo bem" e instaurar na terra este "reino de justiça, de amor e de paz", que é o reflexo das harmonias superiores do reinado de Cristo.