16 DE OUTUBRO DE 1968. AUDIÊNCIA CONCEDIDA AOS CARDEAIS, AOS MEMBROS E PERITOS DO CONSELHO PARA O ESTABELECIMENTO DA CONSTITUIÇÃO DA SANTA LITURGIA.

Não podemos deixar passar em silêncio alguns modos de agir que se observam em várias partes da Igreja e nos causam muita preocupação e pesar.

Pensamos principalmente num estado de espírito de muitos, que dificilmente aceitam tudo aquilo que procede da autoridade eclesiástica, ou foi legitimamente ordenado por ela. Assim sucede que até as próprias conferências episcopais, em matéria litúrgica, às vezes atuam por iniciativa própria além do que seria justo. Também se realizam muitas vezes experiências arbitrárias, e ritos claramente contrários às normas estabelecidas pela Igreja. A todos é evidente que esta forma de proceder não apenas escandaliza gravemente os fiéis, mas também dificulta a ordenada realização da renovação litúrgica, que a todos pede prudência, vigilância e sobretudo disciplina.

Muito mais nos preocupa o comportamento daqueles que pretendem despojar o culto litúrgico de seu caráter sacro, e por isso erroneamente afirmam que se não deve empregar objetos e ornamentos sagrados, mas sim que devem ser substituídos por outros usados na vida comum e vulgar. Alguns chegam mesmo a levar sua temeridade, a ponto de aplicarem este critério até mesmo ao lugar sacro das celebrações. Devemos declarar que tais opiniões não apenas contradizem o caráter autêntico da sagrada liturgia, como também o verdadeiro conceito da religião católica.

Da mesma forma se deverá evitar ao simplificar ritos, fórmulas e atos litúrgicos, ir além do conveniente, sem levar bastante em conta a enorme importância que se deve reconhecer aos "sinais" litúrgicos. Isso nos levaria diretamente a tirar força e eficácia à sagrada liturgia. Com efeito, uma coisa é suprimir nos ritos sagrados tudo o que hoje parece supérfluo ou se tornou anacrônico e inútil, e outra coisa é privar a liturgia daqueles sinais e dignidade que, se mantidos dentro dos justos limites, são absolutamente necessários ao povo cristão, para que possa entender as coisas misteriosas, e verdades que se ocultam por trás do véu dos ritos externos.

Sendo assim, grande e importante é vossa tarefa, queridos filhos, para que consigais que a sagrada liturgia mostre diante dos homens o autêntico esplendor de sua face, e obtenha eficácia para promover a vida espiritual da sociedade. E não é só. Devereis também procurar que, com o correr do tempo, não diminua o fervor pela renovação litúrgica, que hoje de maneira salutar o Povo de Deus está manifestando.

É evidente que nesta matéria se deve avançar por etapas, pois a tarefa que empreendestes exige se leve em conta a devida preparação dos fiéis. Por isso, deverão os novos ritos ser introduzidos no tempo e modo que parecerem mais oportunos, para que mais facilmente sejam recebidos e compreendidos.

Que nos seja, enfim, permitido recordar-vos um ponto que muito recomendamos à vossa diligência: a procura que vossos trabalhos não se afastem dos costumes e normas da tradição romana em que esta liturgia nasceu, desenvolveu-se e chegou a seu fastígio. Ao fazer-vos esta recomendação, não nos move de maneira alguma a consideração da história ou do lugar, nem a preocupação de aumentar nossa autoridade. Move-nos, porém, um critério e uma consideração relacionada com a doutrina teológica e com a própria constituição da Igreja, que tem em Roma o centro de sua unidade e catolicidade.