|
Se lançarmos um olhar retrospectivo para o ano que termina, ano rico
de acontecimentos felizes e desafortunados para a humanidade e se
perguntarmos em particular, o que este ano representou para a Igreja,
verificamos que são lançadas respostas e julgamentos muito diversos,
não somente na imprensa, que continuou a ocupar-se dos problemas da
Igreja de maneira peculiar e com sumo interesse, mas também por
pessoas que participam diretamente da vida da Igreja e têm aí mais
responsabilidade que os demais.
Entre alguns, as respostas e os julgamentos exprimem otimismo quase
sem reservas. Se, porém, este otimismo é suavizado em certos
pontos, é porque eles se deixam impressionar por apreensões,
receios, previsões inquietantes, em suma, pelo pessimismo externado
por outros, que aliás eles julgam excessivo e sem fundamento. Os
otimistas estimam que esta maneira de ver representa verdadeiro perigo
para a Igreja de hoje. Porque isto poderia levar a um mau julgamento
e finalmente sufocar os fermentos e impulsos que constituem outros
tantos indícios de renovação e de vitalidade.
Tais indícios, ao contrário, devem ser acolhidos com serenidade e
incentivados como com promisso de purificação e de solidez progressiva
da Igreja. Pois só assim ela chegará a ser mais autêntica e a
melhor responder tanto à vontade de seu divino Fundador, como às
necessidades impostas pelos tempos atuais.
Colocado pelo Cristo como fundamento visível e Pastor universal da
Igreja, enquanto somos sucessor de Pedro, não podemos deixar de
observar com olhos particularmente atentos e vigilantes, a vida e a
penosa evolução da Igreja. Não podemos senão procurar e descobrir
nesta evolução os aspectos positivos e eventualmente os negativos. De
um lado, para agradecer a Deus pelos primeiros e nos esforçar para os
manter e promover, de outra parte, examinar os aspectos negativos. É
o que vamos fazer e o que devemos, em união de espírito, coração e
vontade, com nossos irmãos no episcopado, responsáveis em grau
elevado dos destinos dá Igreja.
Nesta perspectiva, será que nosso juízo sobre a situação atual da
Igreja e sua vivência ao longo deste ano, vai ser otimista ou
pessimista?
Responderemos que, graças a Deus, nos parece que se pode descobrir
uma larga faixa de bem e de esperança maior do que os elementos
considerados negativos e, mesmo sobre este ponto, parece-nos
legítimo crer firmemente numa recuperação.
O que nos leva a adotar essa atitude, é a garantia confirmada pela
experiência de uma resoluta fidelidade, consciente e inquebrantável
- quase sem exceção, diríamos - da totalidade dos nossos irmãos
no episcopado, à Igreja e ao humilde sucessor de Pedro, vigário de
Cristo, nosso Senhor. Esta fidelidade externada e reafirmada nas
situações e nos momentos difíceis, dá à Igreja esta serena
segurança que lhe vem da união do colégio episcopal com seu chefe.
Aliás, conhecemos também por experiência a fidelidade comovente e
sincera da grande maioria de nossos filhos que estão unidos a nós,
seja pela graça do sacerdócio, seja pela redenção do Cristo, que
nos torna a todos participantes de sua graça e promessas eternas.
Somos também animados pelos testemunhos reconfortantes e reiterados
que nos vêm de todas as partes do mundo. Em particular daquelas
regiões que ficaram por muito tempo separadas de nós, em razão de
condições que lhes são impostas, e onde a religião e a liberdade da
Igreja sofrem ainda limitações e restrições injustas. Dir-se-ia
que estas medidas lhes fazem sentir mais vivamente a necessidade de
união de alma e de comunhão hierárquica ao centro da Igreja.
Estreitam os laços de caridade para com o Pai e os irmãos,
reafirmando a vontade de pertencer - na vida como na morte, em todas
as privações, se preciso mesmo ao sacrifício da própria vida - a
esta Igreja una, santa, católica, fundamentada sobre a base
apostólica e construída sobre a rocha contra a qual, em virtude da
graça redentora, as forças adversas não prevalecerão, segundo a
promessa do Cristo.
Mas então que dizer das peripécias - numerosas e bem conhecidas -
que deixam falar de "crise" na Igreja, crise de fé e de
disciplina? Não podemos nem queremos dedicar-nos aqui a um exame
aprofundado dos fatos que chamam sempre nossa atenção de pastor e de
pai. Estamos sempre pronto a nos mostrar compreensivo diante do
mal-estar, das aspirações é das impaciências de pessoas que por
vezes adotam uma linguagem e atitude que poderiam ser tomadas por
revolta e desconfiança. Quereríamos dar-lhes uma resposta da melhor
maneira possível, mas ao mesmo tempo é nosso dever, e se faz mister
salvaguardar o depósito sagrado das verdades e das normas de vida que
foram confiadas à Igreja pelo seu fundador. Estas devemos
guardá-las intatas, absolutamente tais quais nos foram transmitidas,
sem deixar contudo de apresentá-las e aplicá-las de forma
correspondente às necessidades do mundo de hoje.
Contudo, não podemos calar a dor que nos aflige ao ver por vezes
incompreendidos ou final interpretados os nossos intentos e até a nossa
palavra. O receio de que certo número -felizmente ainda pequeno,
mas para nós sempre demais elevado - de nossos filhos e por meio deles
mais outros menos protegidos e mais vulneráveis venha a se afastar do
caminho reto, atraídos pelo amor da novidade e das mudanças, de que
lhes caibam estas palavras do Apóstolo: "A veritate quidem auditum
avertent, ad fabulas autem convertuntur, eles rejeitarão ouvir a
verdade, para se voltarem para as fábulas" (2 Tim 4,4), não
é uma visão acanhada das coisas, mas sim é isto que nos leva a
insistir em pontos que consideramos fundamentais para a ortodoxia
doutrinal e para a boa organização da vida da Igreja. Alguns,
infelizmente, mesmo sacerdotes ou pessoas consagradas à perfeição
religiosa, parecem ter perdido a nitidez dos contornos e a garantia da
verdade. Isto acontece em particular no que diz respeito aos
ensinamentos da fé e aos princípios da assim chamada disciplina
eclesiástica, que nada mais é do que a livre, voluntária e
insistente aceitação das relações, fundadas na confiança e no
respeito, entre a autoridade, proveniente de um mandato divino, e a
obediência que se impõe a todos quantos querem participar do mistério
da obediência do próprio Cristo. Foi o próprio Cristo que os
estabeleceu como elementos essenciais, providenciais e característicos
de sua Igreja, e constituem não tanto um exército rigorosamente
organizado, mas antes uma grande família, em que reine o amor, um
povo imenso orgânica e hierarquicamente reunido, na diversidade dos
cargos e das funções, e não menos unido quanto à responsabilidade
comum, perante Deus e os irmãos (1 Cor 12,4-31).
De fato, é óbvio que somente à medida em que saberá manter o amor
à verdade, unida e por assim dizer soldada, como a quis o divino
Fundador, a Igreja poderá exercer sua missão de luz e de
santificação, entre os homens. Poderá assim oferecer ao mundo sua
preciosa colaboração na conquista da paz, na elevação da humanidade
e no progresso, pois, a isso parece confirmá-la sua natureza que é
sociedade de amor.
É por motivos tais que no término deste ano da Fé, celebrado em
memória do décimo nono centenário do martírio dos apóstolos Pedro
e Paulo, não quisemos faltar ao nosso dever de reafirmar, como um
Amém solene, em presença de toda a Igreja em seu nome, o Credo
que será ao mesmo tempo o nosso e o do Povo de Deus.
É por esta razão também e para não frustrar o chamado, a
espectativa e a necessidade do Povo de Deus, que foi necessário
déssemos nossa resposta de pastor da Igreja toda inteira, aos
problemas suscitados pelo homem assim como pelo cristão de hoje, sobre
a questão eterna da responsabilidade paternal e uma honesta regulação
de nascimentos. Esta resposta, nós a meditamos longamente, porque
fizemos questão que fossem examinados escrupulosamente todos os
recentes argumentos e todas as objeções contrárias ao ensinamento
constante e unânime da Igreja, que de novo nos aparece na sua
severa, mas serena certeza. Não ignoramos as reações diversas
provocadas por nossa tomada de posição. Anotamos todas estas
reações com o respeito que temos para cone todos, tendo a firme
intenção de não faltar em tempo oportuno com as devidas respostas que
nos aparecerão necessárias, em particular sobre o plano das
preocupações pastorais. Presentemente estamos persuadidos de que
nosso ensinamento será acolhido com profundo espírito de fé, e que
será estudado e meditado com calma e em toda a sua extensão, e
reconhecido de acordo com os costumes e sentimentos cristãos. Será
aceito como salvaguarda providencial da honestidade e da dignidade do
amor, e interpretado como iniciação a uma moralidade superior, e
sincera espiritualidade da vida conjugal, será recebido e posto em
prática como uma defesa da instituição familiar e da saúde social e
enfim será abençoado e receberá recompensas que reverterão em
benefícios da vida pre sente e prepararão à futura. A tarefa da
santa Igreja de Deus, tarefa aceita com amor e confiança, não
deixa de ser sempre pesada para nossas modestas forças. Conduz-nos a
contar sempre mais com a ajuda preciosa e a colaboração, não só do
Sacro Colégio e dos organismos de nossa Cúria, mas também, e
especialmente hoje, de nossos irmãos no episcopado dispersos no mundo
a serviço das diversas dioceses.
Estudamos diferentes meios para assegurar com mais eficácia a esta
Sé Apostólica e à Igreja toda, o benefício de sua experiência,
de seus conselhos e responsabilidade.
Neste sentido, decidimos convocar em 1969 uma assembléia
extraordinária do Sínodo dos bispos que, se Deus quiser, se
abrirá no dia 11 de outubro próximo e terá por finalidade examinar
as formas suscetíveis de garantir melhor cooperação e contatos mais
úteis entre as diferentes conferências episcopais e a Santa Sé e
entre as próprias conferências episcopais.
A importância que damos a esta possibilidade de ajuda mútua, baseada
no princípio da colaboração colegial e de comum responsabilidade,
que o II Concílio Ecumênico do Vaticano aprovou e incentivou,
nos impulsionou a tomar esta decisão e temos confiança de que com a
ajuda de Deus será coroada de êxito e dará mui proveitosos
resultados para a Igreja.
|
|