12 DE MARÇO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

Na reflexão que devemos fazer sobre os ensinamentos morais do Concílio, aparece um tema que nos acode sem cessar à memória, como um daqueles sobre que insistem os textos conciliares com mais vigor, e um dos mais importantes para a reconquista perpétua da autenticidade que a Igreja deve conseguir, de sua própria coesão, e da fidelidade à intenção original e criadora do Cristo a seu respeito. Esse tema é o que trata sobre o serviço.

Ora, quando falamos de serviço parece-nos descobrir dupla reação em nossos ouvintes. A primeira reação é, antes, negativa, na medida em que certos critérios fundamentais da educação humana e cristã lhe diz respeito. Dizíamos que o homem moderno não deseja sujeitar-se a nenhuma autoridade nem a nenhuma lei. O instinto de liberdade leva-o à licenciosidade, ao capricho e até à anarquia. No próprio seio da Igreja, a idéia de serviço e por isso mesmo de obediência, é contestada muitas vezes até mesmo nos seminários. É bom recordar que esta idéia de serviço é fundamental para cada cristão e mais ainda para o cristão chamado ao exercício de alguma função: seja de caridade, de apostolado,

de colaboração e de responsabilidade. É especialmente no âmbito eclesial, onde a solidariedade, a subsidiariedade, a unidade e o amor têm exigências contínuas e estimulantes. Não esqueçamos a exortação do Apóstolo: "Carregai os fardos uns dos outros e assim cumprireis a lei do Cristo" (Gal 6,2).

A segunda reação, que talvez não se exprima, porém no subconsciente é de satisfação possivelmente, porque se pensa que uma exortação ao serviço, se refere mais diretamente à autoridade, e a fere nas suas ambições e arbitrariedades, colocando-a em nível interior àqueles em favor dos quais é exercida.

É verdade. Aceitamos esta referência da idéia de serviço em relação à autoridade, ou melhor, ao exercício, à função, ao fim mesmo da autoridade, diríamos, à finalidade da hierarquia. Não quer dizer que ela receba seu poder da comunidade, como se verifica nos regimes democráticos, e seja responsável perante esta comunidade de sua razão de ser. Mas é certo que o "exercício hierárquico existe para a comunidade e não vice-versa". É certo ainda que a autoridade na Igreja, segundo a famosa forma augustiniana, não é para dominar, mas para ajudar. Não é para próprio prestígio, mas para a utilidade dos outros: ut nos vobis non tam praeesse quam prodesse delectet. A função hierárquica é serviço. É este um pensamento que procuramos ter sempre presente em nossa mente. Sentimos seu peso. Provamos ao mesmo tempo sua grande energia. Porque aquele poder que nos torna devedores de todos (Rom 1,14), e servidores de todos, pesa como insuportável responsabilidade sobre nossos frágeis ombros. Num duplo sentido em relação a Cristo, do qual tudo recebemos e ao qual tudo devemos, e em relação ao Povo de Deus, de quem ele, o Senhor nos fez pastor com todas as tremendas e sublimes conseqüências que esse título comporta. Mas ao mesmo tempo esse título de pastor é uma profissão, é, sobretudo, uma fonte de caridade. A autoridade na Igreja é serviço de caridade, é exercício de amor (Gal 51,13). O amor é a força de Deus que nos capacita a cumprir tarefas superiores e por vezes sobre-humanas, se necessário.

Também temos um desejo a vos exprimir, caros filhos: rezai por nós para que sejamos de fato fiel ao serviço que nos é confiado. Fiel ao Cristo, diríamos, e fiel a vós, e à Igreja. Sabemos de sobejo que nosso serviço exige que nossa vida corresponda ao modelo de perfeição cristã e que o aspecto exterior de nossa função apostólica revista um estilo de evidente autenticidade. Nisto temos a ajuda dos santos, de nossos irmãos e dos fiéis fervorosos. Ajudai-nos também pela vossa afeição e preces.