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Como bem sabeis, o Concílio pôs em melhor evidência o caráter
comunitário da Igreja, como aspecto constitutivo e fundamental.
Considerado à parte, não se diz tudo ainda da Igreja, que aparece
como o Corpo místico de Cristo, numa observação mais adequada,
organizado na unidade e distinção de órgãos e funções. A
comunhão, semi dúvida, em sua dupla referência de comunhão com
Deus em Cristo, e de Cristo com os que nele crêem, e virtualmente
com toda a humanidade, atraiu de modo particular a meditação do
Concílio, especialmente quando realçou a. comunhão existente no
episcopado. Lembrando que o episcopado sucede legitimamente aos
apóstolos, que estes constituíam um grupo particular, eleito e
intencionado por Cristo, pareceu feliz a decisão de retomar o
conceito e o termo de colegialidade, referindo-se à ordem episcopal.
"Assim como por disposição do Senhor, são Pedro e os demais
apóstolos, constituem um colégio apostólico, paralelamente o romano
Pontífice, sucessor de Pedro e os bispos, sucessores dos apóstolos
estão unidos entre si", diz o Concilio.
Assim nós somos o primeiro a fazer nosso este grato dever que decorre
da evocação do plano divino sobre o múnus apostólico, que anuncia
ao Povo de Deus a mensagem da fé, confere-lhe os mistérios da
graça, e o guia pelo seu caminho na terra e no tempo. Este dever é
de conferir mais ampla e operante eficiência ao caráter colegial dos
bispos, sendo nisso orientado pela concepção fundamental da
fraternidade, que une em comunhão todos os seguidores do Cristo.
Esta fraternidade reveste mais ampla plenitude nos bispos, enquanto
herdeiros do título que o próprio Cristo atribuiu aos discípulos que
escolheu, chamados por ele apóstolos (Lc 6,13), confidentes do
mistério do reino de Deus (Mt 4,11), seus amigos (Jo
15,14-15), suas testemunhas (At 1,8), destinados à
grande missão de anunciar e aplicar o Evangelho (Mt 28,19),
em espírito de humildade (Jo 13,14) e de serviço (Lc
22,26) no ministério para a edificação do Corpo de Cristo
(Ef 4,12).
Acreditamos ter dado uma prova de nossa vontade de incrementar
praticamente a colegialidade episcopal, seja instituindo o Sínodo dos
bispos, seja reconhecendo as conferências episcopais, seja associando
alguns irmãos nossos no episcopado ao ministério próprio da Cúria
Romana, os quais são pastores residentes em suas dioceses. E se a
graça do Senhor nos assistir e a fraterna concórdia facilitar nossas
relações; mútuas, o exercício da colegialidade, em outras formas
canônicas, poderá ter mais ampla evolução. As discussões do
Sínodo extraordinário, definindo a natureza e os poderes das
conferências episcopais, e suas relações quer com esta Sé
Apostólica, quer entre si mesmas, poderão ilustrar a existência e
o desenvolvimento da colegialidade episcopal em termos canônicos
oportunos, confirmando a doutrina dos concílios I e II do Vaticano
sobre o poder do sucessor de são Pedro e a do Colégio dos bispos,
com o papa, cabeça.
Antes de iniciar os trabalhos do próximo Sínodo, detenhamo-nos um
momento, irmãos, na celebração do mistério eucarístico, ponto
culminante da unidade do Corpo místico, para lembrarmos a nós
mesmos, não tanto o aspecto jurídico da colegialidade, nem as
expressões em que se manifestou historicamente, nem sequer o que é
contudo mais importante e que supomos presente em nossa mente, o
pensamento do Cristo, que a concebeu e instituiu, mas o valor moral e
espiritual que a colegialidade deve assumir em cada um de nós e em
todos nós em conjunto.
Reflitamos por isso: existe entre nós, escolhidos para sucessores
dos apóstolos, um vínculo especial, o vínculo da colegialidade.
Que é a colegialidade senão uma comunhão, uma solidariedade, uma
fraternidade e caridade mais plena e exigente que a relação de amor
cristão entre fiéis, ou entre os seguidores do Cristo, associados
em outros grupos diversos? A colegialidade é caridade. Se o fato de
pertencer ao Corpo místico de Cristo leva são Paulo a exclamar:
"Um de nós está sofrendo? Todos então sofrem com ele. Um de
nós é honrado? Todos nós nos alegramos com ele" (1 Cor
12,26), qual deve ser então a vibração espiritual da
sensibilidade comum, pelos interesses gerais e também particulares da
Igreja, no coração dos que nela tem maiores deveres? A
colegialidade é co-responsabilidade. Que manifestação mais clara
do caráter de seus autênticos discípulos quis o Senhor que tivesse o
grupo de apóstolos sentados à ceia do último adeus, senão a de um
mútuo amor: "Se tiverdes amor uns para com os outros, todos
reconhecerão então que sois meus discípulos (Jo 13,35)? A
colegialidade é um amor evidente, que os bispos devera alimentar entre
si. E como a colegialidade insere cada um de nós no círculo da
estrutura apostólica, destinada a edificar a Igreja no mundo, ela
nos obriga a uma caridade universal. A caridade colegial não tem
limites. A quem, finalmente, senão aos apóstolos fiéis, o
Senhor dirigiu suas últimas recomendações, sublimadas com a
oração extática, que encerra os discursos finais da última ceia
para que eles sejam um (Jo 17,23)? A colegialidade é
unidade.
De forma que, assim pensamos, ao tratar das relações dos bispos,
reunidos nas novas associações territoriais, chamadas conferências
episcopais, e também das relações dessas mesmas conferências com a
Sé Apostólica e entre si, uma consideração deve ocupar o primeiro
lugar em nossos espíritos: a da caridade, que, na unidade da fé,
deve enformar a comunhão hierárquica da Igreja.
Portanto, que estes dois princípios, a caridade e a unidade,
caracterizem as linhas diretrizes do progresso pós-conciliar,
orientando a comunhão eclesial ao nível superior, marcado pela
colegialidade episcopal. Duas nos parecem estas linhas: a primeira,
dar honra e confiança à ordem episcopal. Nosso empenho será
reconhecer em nossos irmãos no episcopado, de forma mais justa, a
plenitude de prerrogativas e faculdades que derivam do caráter
sacramental de sua eleição para as funções pastorais na Igreja, e
de sua efetiva comunhão com esta Sé Apostólica. Não será
contida nem interrompida esta linha, se a aplicação do princípio de
subsidiariedade, para o qual se dirige, for orientada por uma sábia e
humilde prudência, de modo que o bem comum da Igreja não fique,
comprometido por múltiplas e excessivas autonomias particulares,
nocivas à caridade e à unidade, que devem fazer da Igreja "um só
coração e uma só alma" (At 4,32) e fautoras de emulações
ambiciosas e egoísmos fechados.
Esta linha tampouco será desmentida, se for ressaltado outro
critério do pluralismo, de modo que este não atinja a fé, que não
poderia admiti-lo, nem a disciplina geral da Igreja, que não
permite a arbitrariedade e a confusão em prejuízo da harmonia
fundamental do pensamento e do costume, na estrutura do Povo de
Deus, em detrimento da própria colegialidade de tamanha
importância.
A outra linha derivada da alta estima que devemos à reconhecida
colegialidade episcopal, e que será por nós lealmente procurada,
leva o episcopado a uma participação mais orgânica e a uma
responsabilidade corresponsável, mais solidária no governo da Igreja
universal. Cremos com muita confiança - como, aliás muitos o
desejam e foi com alegria e esperança que recebemos esta informação
- que isto se realize e sirva para o bem comum, para o alívio e
reconforto de nossa missão apostólica, para testemunho mais claro da
única fé e da caridade sincera, que se deverão encontrar no vértice
mais elevado da Igreja, na hierarquia, mais que em outras partes, e
hoje mais do que nunca, refletidas com novo esplendor e maior vigor.
Já começamos a percorrer este caminho e por ele continuaremos,
veneráveis irmãos, com a graça divina e com vosso favor.
Mas sobre este ponto é bom que fique claro, que o governo da Igreja
não deve assumir os aspectos nem as formas dos governos temporais,
guiados hoje por instituições democráticas, às vezes exageradas ou
por formas totalitárias, contrárias à dignidade do homem que a elas
é submetido. O governo da Igreja tem uma forma própria original,
que visa a refletir em suas expressões a sabedoria e a vontade de seu
divino Fundador.
A tal respeito devemos recordar nossa responsabilidade suprema, que o
Cristo nos quis confiar, entregando a Pedro as chaves do Reino, e
constituindo-o a base do edifício eclesiástico. Deu-lhe um
delicadíssimo carisma, o de confirmar os irmãos (Lc 22,32).
Recebeu dele a mais alta e firme profisão de fé (Mt 16,17;
Jo 6,68) e lhe pediu a tríplice e singular confissão de amor,
para traduzi-lo na virtude primordial da caridade pastoral (Jo
21,15s).
Tal responsabilidade grave, a Tradição e os Concílios atribuem a
nosso específico ministério de Vigário de Cristo, Chefe do
Colégio Apostólico, Pastor Universal e servo dos servos de
Deus, e que não poderá ser condicionado pela autoridade, mesmo
suprema do Colégio Episcopal, que somos o primeiro a querer
dignificar, defender e promover, mas que nunca seria tal se lhe
faltasse nosso apoio.
Caridade e unidade. Esta é nossa meditação, na abertura do
Sínodo extraordinário, sobre o qual invocamos, com a celebração
do sacrifício eucarístico, as luzes e a assistência do Espírito
Santo.
Nesta festa da Maternidade divina de Maria, não será o momento,
dedicado à meditação e afirmação da colegialidade, de nos
recolhermos, com espírito intimamente comovido, na lembrança dos
apóstolos no cenáculo, esperando o Paráclito, "perseverando
unânimes na oração, com algumas mulheres e com Maria, Mãe de
Jesus" (At 1,14)?
Nesta união de espírito, não será também este o momento de fazer
nossas as aclamações da quinta-feira santa: Onde há amor e
caridade, Deus está presente. O amor de Cristo nos reuniu na
unidade. Neste amor só temos alegria e prazer. Respeitemos, mas
amemos o Deus que vive. De todo o coração amemos uns aos outros
sinceramente. Amém. Amém.
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