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Na reflexão que devemos fazer sobre os ensinamentos morais do
Concílio, aparece um tema que nos acode sem cessar à memória, como
um daqueles sobre que insistem os textos conciliares com mais vigor, e
um dos mais importantes para a reconquista perpétua da autenticidade
que a Igreja deve conseguir, de sua própria coesão, e da fidelidade
à intenção original e criadora do Cristo a seu respeito. Esse tema
é o que trata sobre o serviço.
Ora, quando falamos de serviço parece-nos descobrir dupla reação
em nossos ouvintes. A primeira reação é, antes, negativa, na
medida em que certos critérios fundamentais da educação humana e
cristã lhe diz respeito. Dizíamos que o homem moderno não deseja
sujeitar-se a nenhuma autoridade nem a nenhuma lei. O instinto de
liberdade leva-o à licenciosidade, ao capricho e até à anarquia.
No próprio seio da Igreja, a idéia de serviço e por isso mesmo de
obediência, é contestada muitas vezes até mesmo nos seminários.
É bom recordar que esta idéia de serviço é fundamental para cada
cristão e mais ainda para o cristão chamado ao exercício de alguma
função: seja de caridade, de apostolado,
de colaboração e de responsabilidade. É especialmente no âmbito
eclesial, onde a solidariedade, a subsidiariedade, a unidade e o amor
têm exigências contínuas e estimulantes. Não esqueçamos a
exortação do Apóstolo: "Carregai os fardos uns dos outros e assim
cumprireis a lei do Cristo" (Gal 6,2).
A segunda reação, que talvez não se exprima, porém no
subconsciente é de satisfação possivelmente, porque se pensa que uma
exortação ao serviço, se refere mais diretamente à autoridade, e a
fere nas suas ambições e arbitrariedades, colocando-a em nível
interior àqueles em favor dos quais é exercida.
É verdade. Aceitamos esta referência da idéia de serviço em
relação à autoridade, ou melhor, ao exercício, à função, ao
fim mesmo da autoridade, diríamos, à finalidade da hierarquia.
Não quer dizer que ela receba seu poder da comunidade, como se
verifica nos regimes democráticos, e seja responsável perante esta
comunidade de sua razão de ser. Mas é certo que o "exercício
hierárquico existe para a comunidade e não vice-versa". É certo
ainda que a autoridade na Igreja, segundo a famosa forma
augustiniana, não é para dominar, mas para ajudar. Não é para
próprio prestígio, mas para a utilidade dos outros: ut nos vobis non
tam praeesse quam prodesse delectet. A função hierárquica é
serviço. É este um pensamento que procuramos ter sempre presente em
nossa mente. Sentimos seu peso. Provamos ao mesmo tempo sua grande
energia. Porque aquele poder que nos torna devedores de todos (Rom
1,14), e servidores de todos, pesa como insuportável
responsabilidade sobre nossos frágeis ombros. Num duplo sentido em
relação a Cristo, do qual tudo recebemos e ao qual tudo devemos, e
em relação ao Povo de Deus, de quem ele, o Senhor nos fez pastor
com todas as tremendas e sublimes conseqüências que esse título
comporta. Mas ao mesmo tempo esse título de pastor é uma
profissão, é, sobretudo, uma fonte de caridade. A autoridade na
Igreja é serviço de caridade, é exercício de amor (Gal
51,13). O amor é a força de Deus que nos capacita a cumprir
tarefas superiores e por vezes sobre-humanas, se necessário.
Também temos um desejo a vos exprimir, caros filhos: rezai por nós
para que sejamos de fato fiel ao serviço que nos é confiado. Fiel ao
Cristo, diríamos, e fiel a vós, e à Igreja. Sabemos de sobejo
que nosso serviço exige que nossa vida corresponda ao modelo de
perfeição cristã e que o aspecto exterior de nossa função
apostólica revista um estilo de evidente autenticidade. Nisto temos a
ajuda dos santos, de nossos irmãos e dos fiéis fervorosos.
Ajudai-nos também pela vossa afeição e preces.
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