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A novidade é o aspecto sob o qual nos apresenta a vida atual. Já
nos acostumamos a este importante fenômeno de transformação.
Alastra-se por todos os campos, atinge todo instrumento, toda pessoa
ou instituição de modo tão rápido e universal que temos a impressão
de estar sendo arrastados e tragados por uma corrente irresistível,
que à maneira de rio caudaloso nos imerge e leva de roldão. Devemos
notar também que a geração presente se acha inebriada por essa
mudança. Chama-a de progresso e nela participa, ou melhor, nela
colabora com energia e entusiasmo e muitas vezes sem nenhuma reserva.
O passado passou para o esquecimento, a tradição está
interrompida, os costumes foram abandonados. Notam-se até sinais de
impaciência e intolerância nos lugares em que certa estabilidade e
lentidão procuram evitar ou frear em alguns setores aquela
transformação que alguns desejam se estenda a todos os setores, a que
outros julgam necessária, benéfica e libertadora.
Deste modo fala-se de revolução sempre, e por toda a parte se
manifesta a contestação, muitas vezes sem motivos ou fins que a
justifiquem. Novidade, novidade, tudo é posto em questão, tudo
deve estar em crise. Como, de fato, muita coisa tem necessidade de
correção, reforma e renovação, visto que no dia de hoje o homem
tomou consciência tanto das deficiências de que está repleta sua
vida, como das possibilidades prodigiosas com que se podem produzir
meios e formas novas de existência, tudo isso rouba-lhe a
tranqüilidade, apodera-se dele um louco frênesi a vertigem o exalta
e às vezes a insensatez o invade, impelindo-o contra tudo: eis o que
é a contestação global - na cega esperança de que uma nova ordem
(palavra antiga), um mundo novo, uma palingenésia que ainda não se
pode prever bem, estejam fatalmente por surgir. Este tema de
reflexão, da ordem teórica passou a ser sentimento comum, opinião
pública, lei histórica. Assim é a vida de hoje. Não queremos
contestar inteiramente esta contestação, esta necessidade de
renovação que por muitas razões e em certas formas é legítima e
mesmo necessária. Claro que há "modus in rebus": é mister certa
medida. Mas as exigências são reais. Queremos até recordar,
filhos caríssimos, que outro impulso, além do que é dado por nosso
momento histórico, cultural e social, aumenta em nós e justifica com
novas razões a aspiração por uma vida nova. É o impulso dado pela
consciência do homem moderno, especialmente do homem religioso pelo
recente Concílio. Que o Concílio tenha tido e tenha ainda agora
como fim último a renovação de toda a Igreja e de toda a atividade
humana, mesmo na esfera profana, é uma verdade que transparece em
todos os seus documentos e no próprio fato da realização do
Concílio. É, portanto, oportuno refletir e perguntar a nós mesmos
se meditamos bem neste fim principal da grande assembléia ecumênica.
Também esta se inscreve na grandiosa linha do movimento moderno de
transformação, de dinamismo que caracteriza nosso período
histórico, e tende a produzir uma renovação. Mas de que
renovação se trata? A resposta a esta pergunta é complexa porque
são muitos os setores aos quais se deveria aplicar tal renovação.
Esta multiplicidade deu pretexto também para intenções
arbitrárias, que alguns quiseram atribuir ao Concílio.
Referimo-nos à assimilação da vida cristã aos costumes profanos e
mundanos, à orientação chamada horizontal da religião, que não se
dirige mais primariamente ao amor e culto de Deus sobre todas as
coisas, mas ao amor e culto do homem, à sociologia considerada como
critério principal e determinante do pensamento teológico e da ação
pastoral, à promoção de uma presumida e inconcebível "república
conciliar", e assim por diante.
A multiplicidade de que falamos deu ocasião a tentativas de
aggiornamento, em vários pontos da vida católica, acerca dos quais a
discussão ainda está aberta e a aplicação em fase de experiência.
Falou-se especialmente e ainda se fala das "estruturas" da Igreja,
com intenções que nem sempre têm presente as razões que as
justificam e os perigos que derivariam da sua alteração ou da sua
demolição. Deve-se notar que o interesse pela renovação da parte
de muitos, mirou apenas à transformação exterior e impessoal do
edifício eclesiástico e a aceitação das formas e do espírito da
Reforma protestante, em vez de ter como finalidade principal aquela
renovação primeira e essencial que o Concílio queria, a saber: a
renovação moral, pessoal e interior, renovação esta que deve
rejuvenescer a Igreja na consciência de seu mistério, da sua adesão
ao Cristo, de sua vitalidade por meio do Espírito Santo, da sua
organização fraterna e hierárquica, de sua missão no mundo, de sua
finalidade ultra-terrena que a torna em sua passagem pelo tempo uma
peregrinante pobre e bondosa. "Toda renovação da Igreja, diz
sabiamente o decreto conciliar sobre o ecumenismo, (nº6), consiste
essencialmente na fidelidade crescente à própria vocação".
Passando da consideração comunitária à do indivíduo acrescenta:
"Não existe verdadeiro ecumenismo sem conversão interior"
(nº7).
Caros filhos, quiséramos convidar-vos todos a meditar esta
intenção fundamental do Concílio: a de nossa reforma interior e
moral.
Estamos persuadidos de que a voz do Concílio passou em nossas almas
como o sopro do Espírito, como um chamado pessoal a tornar-nos
verdadeiros cristãos, católicos autênticos, membros vivos e ativos
do corpo místico do Senhor, que é a Igreja? Compreendemos que o
Concílio é para cada um de nós um chamado à autenticidade cristã,
à harmonização da fé e da vida, à manifestação real em
pensamento e ato da caridade? Meditamos nesta sublime e tão natural,
contudo, nesta palavra do Concílio que deseja que todo discípulo do
Cristo seja santo e perfeito, não importa sua condição? São
Paulo no-la repete: In novitate vitae ambulemos. É preciso que
andemos em vida nova (Rom 6,4; 12,2).
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