24 DE AGOSTO DE 1968. DISCURSO DE ABERTURA DA II CONFERÊNCIA DO EPISCOPADO DA AMÉRICA LATINA EM BOGOTÁ.

O futuro reclama um esforço, muita audácia e sacrifício, que lançam a Igreja numa profunda ansiedade. Estamos num momento de reflexão total. Sentimos entrar em nós como uma vaga que nos submerge, a inquietude característica de nosso tempo, especialmente destes países, voltados para seu completo desenvolvimento e agitados pela consciência de seus desequilíbrios econômicos, sociais, políticos e morais.

Os pastores da Igreja - não é verdade? - também incorporam esta ansiedade das populações, nesta fase da história da civilização. Também eles, profetas da fé e da graça, guias e mestres, tomam consciência da instabilidade que nos ameaça a todos.

Irmãos também nós partilhamos de vosso sofrimento e de vossa perplexidade. Do alto da barca mística da Igreja sentimos nós também a tempestade que nos circunda e assalta, e isto de maneira não menos aguda. Mas escutai de nossos lábios, irmãos, vós que sois pessoalmente mais fortes e mais capazes do que nós, a palavra que Jesus bradou a seus apóstolos, que navegavam, quando apareceu sobre as ondas. encapeladas, naquela noite cheia de perigos: "Sou eu, não tenham medo!" (Mt 14,27). Sim, nós queremos repetir o brado que emitiu o Mestre: "Não tenham medo!" (Lc 12,32). Para a Igreja este é um momento de coragem e de confiança no Senhor.

Permiti-nos condensar brevemente em algumas palavras os numerosos desejos que temos no coração em relação a vós, sobre o momento atual e o futuro próximo. Limitar-nos-emos a indicar uma tríplice orientação para vossa atividade de bispos, sucessores dos apóstolos, guardas e mestres da fé, e pastores do povo de Deus.

Primeiramente uma orientação espiritual. Queremos acentuar uma orientação espiritual pessoal.

Ninguém certamente irá contestar o fato de nós bispos, chamados ao exercício pia perfeição e santificação dos outros, termos o dever imanente e permanente de procurar para nós próprios a perfeição e a santificação. Não podemos olvidar as exortações solenes que nos foram dirigidas, no dia de nossa consagração episcopal. Não podemos dispensar-nos da prática de uma intensa vida interior. Não podemos anunciar a palavra de Deus, sem que antes a tenhamos meditado no silêncio da alma. Não podemos ser fiéis dispensadores dos mistérios divinos, sem que estejamos primeiro repletos de sua riqueza. Não podemos entregar-nos ao apostolado, se não soubermos apoiá-lo no exemplo de virtudes cristãs e sacerdotais. Somos muito observados: Spectaculum facti sumus mundi (1 Cor 4,9). O mundo nos observa hoje, de maneira particular no que concerne à pobreza, à simplicidade de vida, e ao grau de confiança que colocamos para nosso uso nos bens temporais. Os anjos também nos observam na transparente pureza de nosso amor único pelo Cristo, que se manifesta de maneira tão luminosa, portanto, também na firme e alegre observância de nosso celibato sacerdotal. A Igreja nos olha também quanto à fidelidade e comunhão, que nos une e quanto às leis que devemos sempre evocar de sua estrutura visível e orgânica.

Bendito seja este tempo atormentado e paradoxal que nós vivemos. Obriga-nos, por assim, dizer à santidade correspondente à nossa missão, tão representativa e tão cheia de responsabilidade, que nos obriga a recuperar na contemplação e na ascese, própria aos ministros do Espírito Santo, o íntimo tesouro de personalidade de que nos privaria a dedicação extremamente exaustiva aos deveres de nosso múnus.

Acresce ainda que, fazendo a ponte entre nós e nosso rebanho, as virtudes teologais assumem soberana importância, para cada um de nós e para nosso próximo.

Convidamos a Igreja a celebrar um "Ano de Fé", em recordação e homenagem pela volta da comemoração centenária do martírio dos santos apóstolos Pedro e Paulo, e como aos demais, também a vós chegou o eco de nossa profissão solene de fé. A fé é o fundamento, a raiz, a fonte a razão primeira de ser da Igreja, sabemo-lo muito bem. Sabemos também o quanto ela é ameaçada hoje pelas correntes mais subversivas do pensamento moderno. A desconfiança que se espalhou, até nos meios católicos, sobre a validade dos princípios fundamentais da razão, a saber, de nossa philosophia perenis, nos desarmou diante dos ataques, muitas vezes radicais e capciosos, de certos pensadores em moda. O "vazio" deixado nas escolas filosóficas, pelo abandono da confiança nos grandes mestres do pensamento cristão, é, muitas vezes, preenchido pela aceitação superficial e quase servil de filosofias em moda, por vezes tão simplistas como esquisitas. Estas abalaram nossa maneira normal, humana, sábia de pensar a verdade. Somos tentados pelo historicismo, pelo relativismo, pelo subjetivismo, pelo neopositivismo. Introduzem no domínio da fé um espírito de critica subversiva e falsa persuasão, isto é, que para aproximar e evangelizar os homens de nosso tempo, devemos renunciar ao patrimônio doutrinal acumulado desde séculos pela Igreja, e podemos assim - menos no uso de mais clareza na expressão do que alterando o conteúdo dogmático modelar um cristianismo novo, sobre a medida do homem e não sobre a medida da palavra autêntica de Deus.

Infelizmente, alguns teólogos mesmo entre nós, não estão no bom caminho. Temos grande estima e muita necessidade da função de bons e valorosos teólogos. Podem ser pesquisadores providenciais, fazer excelentes exposições da fé, se se mantiverem no quadro de inteligentes discípulos do magistério eclesiástico, constituído pelo Cristo, guarda e intérprete de sua mensagem de verdade, pela virtude do Espírito Santo.

Mas hoje alguns deles recorrem a expressões ambíguas de doutrina. Outros se arrogam a permissão de emitir opiniões, que lhes são próprias, às quais conferem a autoridade que eles mesmos contestam, mais ou menos abertamente, àquele (o papa) que de direito divino, possui este carisma cuidadosamente guardado e respeitado. Chegam até a admitir que cada um na Igreja pode pensar e crer como quer, retomando assim o livre exame, que quebrou a unidade desta mesma Igreja, e confundindo a legítima liberdade da consciência moral com a liberdade de pensamento, mal entendida e por vezes aberrante, falta de conhecimento suficiente das verdades religiosas autênticas.

Espero que não vos aborreça, veneráveis irmãos, constituídos vós mesmos mestres e pastores do Povo de Deus, exortando-vos desta maneira, em virtude do mandato imposto a Pedro pelo Cristo, de "confirmar seus irmãos" (Lc 22,32) e repetindo-vos pela voz mesma de Pedro: "Permanecei firmes na fé" (1 Pdr 5,9).

Compreendeis que deste princípio derivam outros critérios de vitalidade espiritual, duplamente benéficos: para nós e para o rebanho que nos foi confiado. Indicaremos os principais. Os Atos dos Apóstolos no-los evocam: a oração e o ministério da palavra (At 6,4). Vós sois sobejamente instruídos a este respeito.

Mas permiti-nos que vos recomendemos, no que toca à oração, a aplicação da reforma litúrgica, em suas belas inovações e nas regras que a regem, mas especialmente em sua finalidade principal, e em seu espírito: purificar e tornar autêntico o verdadeiro culto católico, fundado no dogma e consciente do mistério pascal, que encerra, renova e comunica. Associar o Povo de Deus à celebração hierárquica e comunitária dos veneráveis ritos da Igreja, ao da missa, que acompanhará com profunda e familiar compreensão, numa atmosfera de simplicidade e de beleza (especialmente vos recomendamos o canto sacro, litúrgico e coletivo), exercendo assim de maneira não somente formal, mas sincera e cordial, a caridade fraterna.

Quanto ao ministério da palavra, tudo o que for desempenhado em vista da instrução religiosa dos fiéis, instrução popular e cultural, orgânica e perseverante, será bem recebido. Não devemos mais ver o "analfabetismo" religioso entre nossas populações católicas.

Será bem recebido igualmente todo exercício da pregação ou da instrução, de que vós os bispos, seja individualmente, seja em grupos canonicamente constiuídos, quereis beneficiar o Povo de Deus. Falai, falai, pregai, escrevei, tomai posição, em harmonia de planos e metas, para a defesa e ilustração das verdades da fé, sobre a atualidade do Evangelho, sobre as questões que interessam à vida dos fiéis e à defesa dos costumes cristãos, sobre os métodos que conduzem ao diálogo com os irmãos separados, sobre os dramas, por vezes grandiosos e belos, por vezes sinistros e perigosos, da civilização contemporânea. A constituição pastoral do Concílio Gaudium et Spes oferece ensinamentos e incentivos de grande riqueza e de alto valor.

Enfim eis-nos chegados à orientação pastoral, que nos propusemos apresentar à vossa atenção. Estamos no domínio da caridade. O que já dissemos pode servir para traçar as primeiras linhas desta orientação, que por sua natureza deve se exercer em diversas direções concretas, segundo as exigências da caridade.

Parece-nos, porém, oportuno lembrar a este respeito dois pontos de doutrina. O primeiro é a dependência da caridade para com o próximo, em relação à caridade para com Deus. Vós não ignorais o ataque que esta doutrina sofre em nossos dias, tão clara e incontestavelmente derivada do Evangelho. Querem "secularizar" o cristianismo, deixando de lado sua referência essencial à verdade religiosa, à comunhão sobrenatural com a inefável e generosa caridade de Deus para com os homens, e ao dever do homem de responder a ela, e ousar amar a Deus chamando-o de Pai, para poder assim chamar de irmãos os outros homens. Querem chegar assim a libertar o cristianismo desta "forma de neurose que é a religião" (Harvey Cox), a banir toda a preocupação teológica, a dar ao cristianismo uma nova eficácia, inteiramente pragmática, a única a poder medir sua verdade e torná-la aceitável e operante na civilização moderna, profana e tecnológica.

O outro ponto doutrinal concerne à Igreja que dizem institucional, para lhe oporem outra que chamam de carismática. A primeira comunitária e hierárquica, visível e responsável, organizada e disciplinada, apostólica e sacramental, seria uma expressão já superada do cristianismo. A outra, ao contrário, espontânea e espiritual, seria capaz de interpretar o cristianismo para o homem adulto da civilização contemporânea e de responder aos problemas reais e urgentes de nosso tempo.

Não é para vós que o "Espírito Santo estabeleceu como bispos para apascentar a Igreja de Deus" (At 25,28) que temos necessidade de fazer a apologia da Igreja, tal qual a fundou o Cristo, e tal qual a Tradição fiel e coerente no-la transmite, ainda em nossos dias, em suas linhas constitucionais, que descrevem o verdadeiro Corpo místico de Cristo, vivificado pelo Espírito de Jesus. Basta-nos reafirmar nossa certeza da autenticidade e da verdade de nossa Igreja uma só, santa católica e apostólica, propondo-nos conformar sempre mais à missão de salvação, que lhe foi confiada pelo Cristo, sua fé, sua espiritualidade, sua aptidão em unir e salvar a humanidade (tão diversa em suas múltiplas condições, e agora tão flutuante), sua caridade, enfim, que compreende tudo e tudo suporta (1 Cor 13). Faremos em seguida um esforço de inteligência e amor para compreender tudo o que há de bom e de admissível, nas formas inquietas e muitas vezes aberrantes, de interpretação da mensagem cristã, para purificar sempre mais nossa profissão cristã e reconduzir estas experiências espirituais - que se chamem "seculares" ou "carismáticas" - na linha da verdadeira regra eclesial.

Estas considerações nos levam a recomendar à vossa caridade pastoral, certas categorias de pessoas, sobre as quais se volta nosso pensamento com ternura. Apenas as indicaremos, como nos obriga o interesse apostólico comum, que nos anima em relação a elas, certamente não para falar de tal interesse, tanto quanto merecem. Sabemos que estão já presentes à consideração desta assembléia, e nós não desejamos senão incentivar vossos trabalhos.

A primeira categoria destas pessoas são os padres. Que nos seja permitido dirigir-lhes afetuoso pensamento, deste lugar, neste instante presente. Os padres estão presentes em nosso espírito e em nossa lembrança todo o tempo. Também são objeto de nossa estima e de nossa confiança. Eles o são também na visão concreta da atividade da Igreja: são vossos primeiros e indispensáveis colaboradores, os mais diretos e os mais engajados "dispensadores dos mistérios de Deus" (1 Cor 4,1), isto é, da palavra, da graça e da caridade pastoral. São os modelos vivos da imitação do Cristo, são conosco os primeiros a participar do sacrifício do Senhor, são nossos irmãos e nossos amigos (Jo 15,15): devemos encorajá-los e os estimar muito. Se um bispo concentrasse seus cuidados mais assíduos, mais inteligentes, mais tolerantes e cordiais em formar, assistir, escutar e guiar, instruir, encorajar e advertir seu clero, ele teria feito um bom emprego de seu tempo, de seu coração, de sua atividade.

Que se tenha o cuidado de assegurar aos conselhos presbiterais e pastorais, a estabilidade e a missão que o Concílio quis. Que se previna prudentemente e com paternal compreensão e caridade, todo pronunciamento irregular e indisciplinado do clero. Que se cuide de o interessar às questões do ministério diocesano: que se ocupe de sua assistência em suas necessidades. Toda solicitude seja canalizada ao esforço de recrutamento e formação de alunos para seminários. Religiosos e religiosas sejam associados à atividade pastoral, conforme suas aptidões e possibilidades. Concentrando no clero nossas preocupações, estaremos certos de que o método produzirá o fruto que se espera: uma Igreja viva, santa, ordenada e florescente, em toda a América Latina.

Em seguida, veneráveis irmãos, indicamos à vossa sabedoria e caridade os jovens e estudantes. Nosso discurso não acabaria, se quiséssemos dizer algo sobre este tema. Que vos seja suficiente saber que o assunto nos parece de sumo interesse, e que o consideramos de grande atualidade. Enfim vós estais bem conscientes disso.

Afinal eis-nos levados a falar-vos de uma segunda categoria de homens, a vo-la recomendar, cone não menos calor, sejam eles de vossos fiéis ou não: os trabalhadores, tanto rurais como industriais ou assimilados.

Chegamos assim à terceira orientação que oferecemos à vossa consideração: a orientação social.

Lembremo-nos de que a Igreja, nestes últimos anos de sua secular tarefa de animadora da civilização, elaborou uma doutrina social, exposta em memoráveis documentos que faremos bem estudar e divulgar. As encíclicas sociais do pontificado romano e os ensinamentos do episcopado mundial, não devem ser esquecidos nem privados de aplicação prática. Não nos julgueis parcial, se lembramos agora a mais recente das encíclicas sociais, a que trata do desenvolvimento dos povos, Populorum Progressio. Muitos de vossos próprios documentos mereceriam também menção particular, tal como a "Declaração da igreja boliviana", de fevereiro último, assim como a de novembro de 1967, do episcopado do mundo brasileiro, intitulada "Missão da hieraquia no mundo de hoje", citamos também a conclusão do "seminário sacerdotal", realizada no Chile em outubro e novembro de 1967. Também a carta pastoral do episcopado mexicano, sobre o desenvolvimento e integração do país, publicada no primeiro aniversário da encíclica Populorum Progressio. Evocamos igualmente a ampla carta dos provinciais jesuítas, reunidos no Rio de Janeiro no mês de maio deste ano, e o documento dos padres salesianos de toda a América Latina, reunidos recentemente em Caracas.

Os testemunhos dados pela Igreja, sobre a verdade no terreno social, não faltam: façamos com que às palavras correspondam os fatos. Não somos técnicos, mas somos pastores que devemos promover o bem dos fiéis e estimular o esforço de renovação em ato, nos países em que se exerce nossa missão respectiva.

Nosso primeiro dever neste domínio é afirmar os princípios, observar, assinalar as necessidades, declarar os valores prioritários, apoiar os programas sociais e técnicos realmente úteis, e que trazem o cunho da justiça, no seu esforço para a instauração de uma ordem nova, e em vista do bem comum, formar padres e leigos no conhecimento dos problemas sociais, orientar leigos bem preparados para o grande trabalho de sua solução: tudo isto considèrado à luz do cristianismo, que coloca o homem em primeiro lugar e todos os demais bens e valores subordinados à sua promoção totalno tempo e à sua salvação na eternidade.

Ternos também deveres a cumprir. Estamos informados dos gestos generosos executados em algumas dioceses, que colocaram à disposição das populações necessitadas as propriedades de terra, que possuíam ainda, conforme planos bem estudados de reforma agrária, em vias de aplicação. É um exemplo digno de louvor e mesmo de imitação, lá onde será prudente e possível.

De toda á forma a Igreja se encontra hoje diante da vocação de pobreza, que era a do Cristo. Há na Igreja aqueles que já experimentam o desconforto que ela comporta, por falta, por vezes, de alimento e de recursos. Sejam eles reconfortados e ajudados por seus irmãos e pelos generosos fiéis, e sejam assim abençoados. A indigência da Igreja, na digna simplicidade de suas formas, é um testemunho de fidelidade ao Evangelho. Esta pobreza é a condição por vezes indispensável, de crédito em sua própria missão. É um exercício sobre-humano- da liberdade de espírito, ante os vínculos da riqueza, liberdade esta que proporciona ao apóstolo um suplemento de fortaleza.

Fortaleza? Sim porque nossa força está no amor. O egoísmo, o cálculo administrativo, destacado das finalidades religiosas e caritativas, a avareza, a ganância de possuir, considerada como um fim em si, o bem-estar supérfluo: tudo isto é obstáculo ao amor, é finalmente uma fraqueza, uma incapacidade ao dom de si mesmo, ao sacrifício. Superemos estes obstáculos, deixemos que o amor governe nossa missão de reconforto e de renovação.

Se devemos favorecer todo esforço honesto, dispendido na promoção, transformação e elevação dos pobres e de todos os que vivem em condições de inferioridade humana e social, e se não podemos solidarizar-nos com sistemas e estruturas que cobrem e favorecem as graves e deprimentes desigualdades de classes entre os cidadãos de um mesmo país, sem pôr em dia um plano efetivo, para remediar as condições insuportáveis de inferioridade de que sofre a população menos favorecida, repetimos ainda: não será o ódio, nem a violência, que constituem a força de nossa caridade.

Entre os diversos caminhos para uma regeneração social justa, não podemos escolher nem a via marxista atéia, nem a da revolta sistemática, muito menos a do sangue e da anarquia. Distingamos nossas responsabilidades, daquelès que fazem da violência um nobre ideal, um glorioso heroísmo, uma complacente teologia. Para reparar os erros do passado e curar os do presente, não cometamos novos erros: seriam contra o Evangelho, contra o espírito da Igreja, e contra os. próprios interesses do povo, contra o gênio feliz do momento presente, que é o da justiça em marcha para a fraternidade e a paz.

A transformação profunda e de grande envergadura de que, em múltiplas situações e ainda hoje, a sociedade tem urgência, havemos de a promover, amando mais insistentemente e ensinando a amar, com energia, sabedoria, perseverança, em atividades práticas, com confiança nos homens, seguros da ajuda paternal de Deus, e da força íntima do bem. O clero já nos compreende. Os jovens nos seguirão. Os pobres acolherão de boa vontade a boa-nova. Mister se faz esperar que os agentes econômicos e políticos, que já entrevêem o caminho justo, não façam o jogo de freios, mas de estimulantes na vanguarda.

Pudemos dizer em nossa recente encíclica, uma grave, excelente palavra pela defesa da honestidade, do amor e da dignidade do matrimônio. A. grande maioria da Igreja a acolheu com fervor e confiante obediência, não sem compreender que a regra acentuada por nós, comporta um sentido moral rigoroso, e intrépido espírito de sacrifício. Deus abençoará esta digna atitude cristã. Não se trata de uma corrida cega à superpopulação. Não diminui nem a responsabilidade nem a liberdade dos esposos, aos quais não impede uma razoável e honesta limitação de nascimentos. Não condena o uso de meios terapêuticos legítimos nem o progresso na pesquisa científica. Trata-se de uma educação ética e espiritual, coerente e profunda. Só exclui o uso de meios que profanam as relações conjugais, e que tendem a resolver os grandes problemas da população por meio de fáceis expedientes. No fundo é uma apologia da vida, que é dom de Deus, glória da família, força do povo.

Nós vos exortamos, Irmãos, a compreender bem a importância da delicada e difícil posição que, em homenagem à lei de Deus, estimamos como dever nosso reafirmar. Pedimo-vos ponhais em ação toda a vossa solicitude pastoral e social possível, para que esta posição seja mantida como convém, por aqueles aos quais anima um verdadeiro sentido humano.

E Deus queira que a própria discussão suscitada pela encíclica conduza a uma melhor consciência da vontade de Deus, a um modo de agir sem reservas e que, nestas grandes dificuldades pastorais e humanas, possamos desempenhar nosso serviço para o bem das almas, com o coração do Bom Pastor.