|
Julgamos que muitas das tristes crises espirituais e morais, de
pessoas formadas e inseridas nos diversos níveis do organismo
eclesiástico, se deve ao arrefecimento ou talvez à falta de uma vida
de oração regular e intensa, sustentada até ontem por sábios
hábitos exteriores, e por cujo abandono a oração se extinguiu e som
ela a fidelidade e a alegria.
Hoje desejamos com estas simples palavras fortalecer em vós a vida de
oração, qualquer seja vossa idade e vosso estado. Supomos que cada
um de vôs conheça, de algum modo, o próprio problema no que diz
respeito ao dever e à necessidade da oração. Julgamos mesmo que a
ela permaneceis fiéis, e que desejais aperfeiçoá-la em si mesma,
principalmente por meio do impulso que lhe deu o Concílio e' que de
novo a harmonizou com a profanidade moderna e honesta da vida de nossos
dias. Gostaríamos de que cada um de vós se colocasse numa daquelas
categorias que a observação elementar oferece ã nossa comum
experiência.
A primeira categoria é talvez a mais vasta. Nela se encontram as
almas espiritualmente adormecidas. O fogo não está apagado, mas
coberto de cinzas. A semente não está morta, mas, como diz o
Evangelho, acha-se sufocada pela vegetação circundante "das
preocupações do século presente" e da "ilusão das riquezas" (Mt
13,7-22). A tendência a secularizar toda a atividade exclui
gradualmente oração do costume público e dos hábitos privados.
Será que se recita ainda a oração da manhã e da noite, com a
consciência de infundir com ela um significado transcendente, um valor
duradouro ao dia que desaparece? Que se recita ainda o breviário,
que se assiste ao coro, mas será que aí está também o coração?
índice desta fraqueza espiritual é o peso que a oração imprime ao
ritmo de uma observância destituída de devoção. Sua duração
parece sempre muito longa, sua forma merece a acusação de
incompreensível e estranha. Tal oração perdeu as asas. Não é
mais gosto, alegria e paz da alma.
Uma segunda categoria que aumentou muito em número e perplexidade.
após as reformas litúrgicas do Concílio, é a dos suspeitosos, dos
críticos, dos descontentes. Molestados nos seus hábitos de
piedade, estes espíritos não se resignam, senão a contragosto, às
novidades, não procuram entender as suas razões, não julgam boas as
novas expressões do culto, e persistem em lamentar que a reforma atual
priva as fórmulas de outrora de seu antigo sabor, atitude esta que
impede apreciar aquilo que a Igreja, nesta primavera litúrgica,
oferece às almas abertas ao sentido e à linguagem dos novos ritos,
comprovados pela sabedoria e pela autoridade de reforma
pós-conciliar. Um esforço não difícil de adesão e compreensão,
proporcionaria uma experiência da dignidade, simplicidade e
antigüidade modernizada das novas liturgias, e levaria a sua
consolação e animação da celebração comunitária, ao santuário
da personalidade individual. A vida interior conferir-lhe-ia uma
plenitude superior.
A terceira categoria é a daqueles que dizem bastar-lhes a caridade
para com Deus e o próximo, minimizando ou pondo de lado a caridade
para com Deus. Todos sabem que força negativa assumiu esta atitude
espiritual, segundo a qual não é a oração, e sim a ação que
mantém, desperta e autêntica, a vida cristã. O sentido social
infiltra-se no sentido religioso. A objeção demolidora transborda
de ume literatura audaciosa, e mesmo atrevida, na opinião pública e
na mentalidade popular e se difunde também em alguns grupos, chamados
"espontâneos", que, procurando para si com inquietude uma
religiosidade mais intensa, diferente da religiosidade tradicional da
Igreja, por eles denominada autoritária e artificial, acabam por
perder a verdadeira religiosidade, substituindo-a por , uma simpatia
humana, bela e digna por si mesma, mas que logo perde o conteúdo
teológico e a virtude da caridade.
Que consistência real, que mérito transcendente pode ter uma
religiosidade em que a doutrina da fé, da relação com o Absoluto,
com o Deus Uno e Trino, o drama da redenção e o mistério da
graça e da Igreja são ordinariamente passados em silêncio e
preteridos em benefício dos comentários da situação social, e do
momento político e histórico?
Haveria tanto para dizer sobre o assunto, mas não agora. Que nos
baste chamar a atenção dos espíritos generosos, sedentos do
Evangelho e de uma religião pessoal, contra o fundamento ilusório de
tal tendência, e contra os perigos que ela pode gerar, porque os
resultados, até sobre o plano humano, podem ser absolutamente
contrários, aos que se procuravam, isto é, contrários à
liberdade, à verdade, ao amor, à unidade, à paz e à realidade
religiosa, vivida na sociedade e na história.
Tentemos classificar-nos na categoria daqueles aos quais Jesus pede
que levem acesas suas lâmpadas: "Sint lucernae ardentes in manibus
vestris" (Lc 12,35).
|
|