13 DE OUTUBRO DE 1972. AUDIÊNCIA GERAL.

Diletos filhos e filhas,

Desta vez o tema da nossa alocução, que é sempre breve e elementar, consistirá simples, mente na pergunta seguinte: o que pensais do sacerdote ou do padre, como geralmente se diz? É uma pergunta a que podereis responder no foro interior da vossa opinião, que habitualmente está num plano superficial em relação ao da consciência que é mais íntimo e exige reflexão.

Agora vamos dizer por que motivo surge em nós o desejo de obter uma resposta a esta pergunta. É porque nestes dias o tema do sacerdócio, que na opinião pública se apresenta como tema do sacerdote, ou seja, da pessoa ou das pessoas que estão revestidas do sacerdócio, é muito atual.

Sabeis que o assunto em questão está sendo estudado pelo sínodo dos bispos, reunido aqui em Roma, e que as sessões deste sínodo se realizam no Vaticano.

Todos e especialmente a Igreja falam dele com interesse muito grande e quase trepidante, como se fosse uma novidade e dissesse respeito, e realmente é assim, não só ao ministério sacerdotal, mas também à comunidade eclesial inteira e toda a missão da Igreja no mundo.

Não deveis esperar que vos exponhamos o que se diz e discute nas reuniões sinodais, nem os comentários que se fazem destas reuniões. Não vamos falar do sínodo, mas de vós que nos ouvis. Queremos saber, como já disse antes, o que pensais do padre. O que é o padre? O que faz? O que deveria fazer? Como gostaríeis que tosse? Interessa-vos a sua presença na sociedade? Para vós esta presença ainda é necessária? Apreciais a figura do padre? Ou ela vos desagrada? O que pensais de sua atividade? Desejais que ele seja marginalizado? Isto é, excluído do nosso mundo profano e secularizado? Desejais que desapareça? Como o julgais? Como o imaginais? Quais os aspectos do padre que vos desagradam? Quais são, pelo contrário, os que para vós merecem atenção, respeito e interesse? Como quereis que o padre seja?

Como vedes, a pergunta ramifica-se em muitas questões. Pode ser que estas questões vos levem a pensar em problemas ainda maiores, como os que se relacionam com o fato de derivarmos de uma tradição católica impregnada de atividades pastorais; com a existência da Igreja; com a liberdade religiosa admitida pelos cânones do direito moderno, pelo menos teoricamente; com a grande questão formulada ainda hoje em termos que não se podem suprimir: a afirmação "Deus existe" tem razão de ser? Que relação há entre esta existência suprema e transcendente e nossa pessoa, nossa consciência e nosso destino? Por fim, que sabemos. e que pensamos do Cristo? É verdade que ele vive e opera ainda hoje e sempre na Igreja, por meio de urna sua personificação, o sacerdócio ministerial?

Perguntas como estas, sobre este assunto teológico e existencial não teriam fim. É o que basta para justificar a nossa: o que pensais do padre?

Julgamos não errar ao crer que na vossa imaginação se apresentam duas figuras do padre.

Em primeiro lugar, as figuras das reminiscências literárias. A literatura apresentou-nos uma galeria de imagens que, de algum modo, ficaram impressas em nossa memória. Umas são grotescas; outras, veneráveis: umas caricaturas de padres; outras, imagens de santos. O sacerdote é uma pessoa que imagens presta às narrações literárias, que põe mais em relevo as personagens do que a própria cena, isto é, os fatos descritos. É uma pessoa cheia de características interiores, que exigem um confronto entre. a aparência exterior e a realidade interior, que ele deveria possuir. É uma figura que revela dois aspectos profundos. "Em mim - escreve Leo Trese - há um pouco de leão e um pouco de cordeiro. Há caridade e egoísmo. Há penitência e amor às comodidades. Há oração e irreligiosidade. Humildade e orgulho"'. Como escreveu são Paulo de si mesmo: "Trazemos este tesouro [o Evan gelho] em vasos de barro, para que tão excelso poder se reconheça vir de Deus e não de nós" (2 Cor 4,7; 1 Cor 2,5). Ora, a literatura deteve-se com tanta complacência a descrever este dualismo paradoxal, que. deixou o leitor em dificuldade ao escolher o tipo de sacerdote que deve preferir, para o condenar, menosprezar, admirar ou compreender, no seu segredo interior. Referimo-nos às figuras de eclesiásticos, delineadas por autores de renome, como Manzoni, Fogazzaro, Marino Moretti, Barbey d'Aurevilly, Chesterton, Bernanos, Cronin, Graham Greene, Marshall e outros.

Depois vem a segunda espécie também muito variada, a dos sacerdotes que realmente existiram: os santos como são Vicente de Paulo, são João Bosco, o Cura d'Ars e acrescentemos também Maximiliano Kolbe, que no domingo próximo será proclamado bem-aventurado.

Ao lado destes grandes homens que são inumeráveis, há ainda as imagens queridas e modestas de bons e santos sacerdotes, que, como supomos, tereis encontrado no vosso caminho: párocos, religiosos, professores, assistentes eclesiásticos, capelães e outros, que uniram ao dom carismático, propriamente ministerial da Palavra de Deus e da graça sacramental, alguma coisa de próprio, a sua arte humana e humilde de atrair, de acolher, ouvir, admoestar, compadecer-se, consolar, compreender, ajudar e também um estilo de vida próprio, pobre e virtuoso, que nos terá levado a fazer a seguinte reflexão: este é um verdadeiro padre.

Voltemos, porém, à nossa pergunta: o que pensais do sacerdote? Pode ser que tenhais descoberto alguns de seus defeitos. Mas por que motivo as deficiências dos sacerdotes provocam tanta reação? Por que provocam tantas críticas? Por que temos tanta facilidade em generalizá-Ias e condená-las? Já o dissemos. É porque desejaríamos encontrar sempre a perfeição no sacerdote. O sacerdote não é o homem de Deus? Não é seu representante, seu ministro?

Gostaríamos, porém, que esta óbvia consideração fosse aprofundada por vós. Se o sacerdote é o homem de Deus, é "um outro Cristo", é sinal que um fluxo de graça perpassou pela sua vida. Ele é um chamado, um escolhido, um preferido pela misericórdia do Senhor, que o amou de modo particular, marcou-o com caráter especial, tornou-o capaz de exercer poderes divinos e o atraiu, ao ponto de o fazer maturar em si o ato de amor mais intenso e mais perfeito de que o coração humano é capaz, a oblação total, perpétua e jubilosa de si mesmo. O sacerdote teve a coragem de fazer de sua vida uma oferta em benefício dos outros, em benefício de todos exatamente como Jesus.

Escutemos uma passagem do Concílio, entre muitas outras, sobre os sacerdotes, chamados com o termo tradicional presbíteros. Eles "... pela sagrada ordenação e pela missão que receberam das mãos do bispo, são promovidos a servir a Cristo Mestre, Sacerdote e Rei, de cujo ministério participam e pelo qual a Igreja neste mundo se constitui continuamente em Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo". É por este motivo que o Concílio, " ... para que nas situações pastorais humanas, freqüentemente tão mundanas, o ministério sacerdotal mantenha maior eficácia e se atenda melhor à vida dos sacerdotes..."', nos convidou a meditar na natureza, que é sobrenatureza, do sacerdócio e na sua missão humana e sobre-humana.

Haverá quem não conheça estas verdades, que fornecem os elementos para uma definição do sacerdote? Certamente todos nós as conhecemos. E ao refletirmos sobre elas, poderíamos acrescentar outros testemunhos, não para idealizar a figura do padre e a essência de sua missão, transformando-a num mito para nossa imaginação ou para a nossa devoção, mas para compreender melhor este nosso irmão que Jesus Cristo quis para si. Recordemos como são Paulo respondeu à pergunta que formulamos. "Considerem-nos todos como ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus" (1 Cor 4,1; 6,4; 1 Pdr 4,10).

Não merece o sacerdote que tenhamos uma idéia justa a seu respeito, que compreendamos sua transfiguração em ministro de Cristo, em propagador do reino de Deus? Tudo isto, não para fazermos. sua apologia com termos de compaixão de suas deficiências, mas para o estimarmos ainda mais, para sabermos que ele nos pertence e o considerarmos realmente nosso.

Pensai nestas verdades pelo menos durante o Sínodo.