23 DE JUNHO DE 1969. ALOCUÇÃO DE PAULO VI AOS MEMBROS DO SACRO COLÉGIO QUE LHE APRESENTARAM FELICITAÇÕES PELO ONOMÁSTICO.

Atrás destas dificuldades às quais fizestes alusão, parece-nos esconderem graves perigos para a Igreja de Deus e constituírem pesadas responsabilidades para os que as causam. Duas maiores entre muitas, a saber: um menor senso da ortodoxia doutrinal quanto ao cioso "depósito" da fé (1 Tim 6,20) que a Igreja herdou da originária pregação dos apóstolos, expressa na Sagrada Escritura e na autêntica Tradição, e que ela escrupulosamente meditou e atestou em seu responsável ensino sob a direção prometida por Cristo (Jo 16,13) do Espírito Santo. A segunda que nos parece causa de múltiplos males, que todos devemos deplorar, se deveras amamos a Igreja, é certa desconfiança, quanto ao exercício do ministério hierárquico, que por mandato do Cristo une e guia o Povo de Deus, nos vários níveis de sua estrutura.

Hoje não é fácil ter um posto de responsabilidade na Igreja. Não é fácil dirigir uma diocese, e bem compreendemos as condições em que devem exercer sua missão os nossos irmãos no episcopado.

Não podemos permanecer insensíveis às críticas, nem sempre exatas nem justas, nem respeitosas e oportunas, que de várias partes se fazem à Sé Apostólica, sob o apelativo mais facilmente vulnerável de Cúria Romana. Ser-nos-ia fácil e talvez mesmo necessário, retificar certas asserções relativas a estas densas e reclamadas objeções. Mas pensamos que o Povo de Deus informado da verdade das coisas, e iluminado pela esperança que procede da caridade, poderá fazê-lo por si mesmo.

Diremos apenas que meditamos serenamente as queixas feitas a esta Sé Apostólica, com duplo sentimento na alma: o da sincera e humilde objetividade, pronta a observar e considerar as razões plausíveis destas contrastantes atitudes, disposta a modificar as posições puramente jurídicas existentes, quando resulte razoável fazê-lo, desejosos como somos de renovar, contínua e interiormente, o espírito da legislação canônica por um serviço melhor da Igreja, e por um desenvolvimento benéfico e eficaz de sua missão no mundo contemporâneo, e igualmente com a propensão de compreender e acolher as boas aspirações particulares de um legítimo pluralismo na unidade.

Prova desta nossa intenção, condividida por vós e por toda a Cúria Romana, são a convocação do sínodo extraordinário, e o grande trabalho em curso da revisão do direito canônico, através de amplas e múltiplas consultas. Como são os contínuos atos de nós emanados, e pelos dicastérios da própria Cúria, como seja o longamente estudado e de iminente publicação, com respeito à função dos representantes pontifícios, em conformidade com o voto do Concílio. O mesmo se diga dos numerosos e subseqüentes documentos acerca da reforma litúrgica, também esta querida pelo Concílio, cuja vontade tencionamos mandar executar fielmente.

Podemos também acrescentar que é nosso desejo acolher, com amorosa atenção, as várias vozes que se manifestaram na Igreja, acerca da renovação da vida sacerdotal, para escutar-lhes as aspirações, em conformidade com o verdadeiro conceito do sacerdócio católico, e de seu indispensável ministério, a sua conveniente preparação, seu melhor aperfeiçoamento, sua orgânica participação na vida diocesana, e sua mais eficaz inserção na sociedade moderna.

Outro sentimento é o de uma grande confiança, que não queremos negar às mesmas pessoas de quem provêm as contestações e os desvios. A isto já fizemos alusão, porque queremos admitir nestes filhos da santa Igreja uma retidão intencional fundamental, e queremos juntamente reconhecer a necessidade contínua, que nossas coisas têm de correção e de aperfeiçoamento. Necessidade tanto mais urgente, quanto maiorês são as exigências modernas, de uma contínua renovação eclesial. Contudo, como é óbvio, nossa maior confiança pela defesa e pelo incremento da Igreja, nesta hora importante, está na própria Igreja, está no episcopado, no clero, nos religiosos, no laicato católico, nas fileiras incalculáveis de almas boas que em silêncio pregam, trabalham, sofrem pela causa do reino do Cristo.

A quantos chegue o conhecimento desta nossa confiança, em sua colaboração, saibam que nos são caros, que os exortamos a crescer no fervor e na operosidade, que rezamos por eles e que de coração os abençoamos (Flp 1,8-11).