26 DE FEVEREIRO DE 1968. AUDIÊNCIA AOS VIGÁRIOS E PREGADORES DA QUARESMA EM ROMA.

Caros padres, e vós os jovens especialmente, é possível que sejais assaltados pela impetuosidade da vaga que agita o mundo aqui e ali, ou pelo menos que vos deixeis arrastar por seu refluxo faccioso, sob a forma de questões, dúvidas, negações, novidades improvisadas, que hoje se desencadeiam sobre o ministério sacerdotal em outros países, pondo em questão sua verdadeira concepção, sua função primária, sua posição exata, sua realidade original e autêntica.

O padre assim atacado, se interroga a si mesmo, contesta sua vocação, discute a forma canônica do sacerdócio católico, receia ser enganado, escolhendo este gênero de vida, ressente o celibato, não mais como uma imolação livre e total, aceita por amor, mas como um fardo contra a natureza. Enfim, volta os olhos sobre o mundo, do qual se desapegou e contra o qual se protegeu, para melhor conhecê-lo, evangelizar e servir. Não o considera mais com um sentimento de amor apostólico, mas com uma profunda saudade. Imagina que mergulhando na realidade temporal e social deste mundo poderia melhor resgatá-lo, ou pelo menos nele encontrar seu próprio equilíbrio interior, apaziguando suas inquietudes.

Irmãos e filhos, se alguma vez tais pensamentos sobressaltarem vosso espírito, que nossa exortação vos sirva de poderoso reconforto para vossa fidelidade sacerdotal. Não podemos tratar de maneira exaustiva uma questão semelhante, em vista dos múltiplos problemas que suscita, e que circunstâncias dignas de séria análise exacerbaram. Repetimos apenas uma palavra do divino Mestre: "Nolite timere. Não tenhais medo" (Mc 6,50). Não vos deixeis impressionar por teorias e experiências que não têm em conta o julgamento razoável e legítimo da Igreja. Não duvideis de vossa fé, vossa escolha, vossa irreversível decisão. Não vos subtraiais ao amor que o Cristo vos testemunhou. Sede felizes por constituirdes seus humildes ministros. Amai com paixão sempre renovada aquilo que é modesto, penoso, mas sublime no ministério sacerdotal, ao qual vos chamou o Espírito Santo e a isso vos qualificou.

Quiséramos que a próxima Quaresma fosse a ocasião de confirmar em cada um de vós uma tríplice certeza. A primeira e antes de tudo, a certeza da relação original, irrevogável e inefável, que nos liga ao Cristo e que chamamos de sacerdócio. O sacerdócio, não apenas um simples múnus eclesiástico. um simples serviço prestado à comunidade. É um sacramento, uma santificação interior. Um sacramento que confere ao padre poderes particulares e maravilhosos, que o autorizam a agir em nome do Cristo, in persona Christi. Deste fato lhe resulta "um caráter" muito especial, indelével, que, em relação ao Cristo, torna o padre seu instrumento vivo, e estabelece entre um e outro uma corrente de amor particular e inexaurível. "Vos amici mei estis. Vos sois meus amigos" (Jo 15,14).

Nossa vida espiritual deveria ser alimentada, continuamente, pela consciência de nossa ordenação e da escolha que fez de nós o Cristo por amor: "Ego elegi vos. Eu vos escolhi" (Jo 15,16). Se ti vontade imanente do cristo, tio mesmo tempo amante e vigoroso, de se servir de nossa humilde pessoa para agir, colocada para sempre à sua disposição, fosse percebida por nós como um apelo à uma intimidade confiante, nossa vida espiritual não conheceria as alternativas de fé e de dúvida, de fervor e de frieza.

A segunda certeza que deveria sustentar nassa consciência sacerdotal é a da relação que nos liga de maneira total e irrevogável ao serviço dos irmãos. O sacerdote não mais se pertence a si mesmo. A finalidade do sacerdócio é a diaconia, isto é, o serviço sem reserva e sem condição, do Corpo místico de Cristo, da Igreja, do Povo de Deus e dos homens. Esta tomada de consciência do fato, de que não se pertence mais a si, que se entregou ao amor para sempre, que se tornou servidor dos outros, pode proporcionar ao padre uma reconfortante segurança, o qual conhece seus próprios limites, suas necessidades, estando constantemente tentado a "refazer suas atitudes", a procurar seu próprio prestígio e interesse, desviando, por conseguinte, a destinação que caracteriza a vida sacerdotal.

Daí decorre uma terceira certeza, dura quem sabe, em razão de suas exigências inexoráveis, mas sobremaneira reconfortante, a da santidade que deve dar o estilo à vida de um homem que, de um lado, foi escolhido pelo Cristo para ser seu ministro, doutro, tem por missão transmitir aos demais "os mistérios de Deus" (1 Cor 4,1).

Ora, este ministério não é impessoal, burocrático, puramente canônico, mas deve ser vivo, personificar de algum modo a palavra pregada, em outros termos, o ministro da palavra deve fazer um esforço vital, para espelhar o exemplo do que prega, e se portar realmente como "alter Christus, outro Cristo". Esta atitude de ser obrigado à santidade, confere ao padre um entusiasmo particular. Livre de ambições egoístas, não terá nada a recear nem dentro de si mesmo, nem dos outros. Repleto de humildade e de coragem, caminha para a consumação de seu sacrifício, à exemplo do sacrifício do Cristo, para a perfeição e plenitude da caridade.