23 DE JANEIRO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

O Concílio é a resposta à boa vontade de todos aqueles que desejam viver e fazer viver o Cristo em nosso tempo. Não é somente um ensinamento doutrinal muito importante. É também um grande impulso moral. Oferece ao pensamento esplêndido quadro de verdades da fé sem pretender dar uma síntese metódica e completa, porque em numerosos itens refere-se à Sagrada Escritura e às fontes autênticas da tradição. Em outros oferece explicação e os desenvolve. No conjunto, entretanto, e é isto que precisamos acentuar, o Concílio constitui poderoso estímulo para agir. É uma doutrina e tende à ação. É dogmático e moral, quer esclarecer as almas e na prática oferecer novos rumos à nossa atividade, tanto pessoal como em comunidade.

Tais são as intenções da Igreja conciliar. Mas isto ocorre de fato na realidade em todo lugar e com todos? Que é que notamos? Será que vossa boa vontade e a da grande comunidade eclesial está tranqüila? Aí está toda a questão.

Notamos duas respostas negativas. A primeira é de impaciência, que deseja, tudo o que o Concílio previu seja realizado imediatamente. A impaciência se exprime pela intolerância, quando estima que convém partir para aplicações imediatas, mais revolucionárias do que reformadoras, sem ter em conta a coerência histórica e lógica das inovações que se introduzem na vida católica. Tal atitude toca as raias da imprudência, contenta-se com o superficial e cede ao prurido da novidade pela novidade e ao mimetismo em moda, que vai da contestação à desobediência. É bom lembrar a economia cronológica do Evangelho sobre este assunto. Não é fulgurante, mas afinal até bem cômoda, não fulmina com o fogo do céu, que quebra toda resistência. É a da semente que produz o fruto "na paciência", que no seu desenvolvimento progressivo descobre o respeito à liberdade, o método da caridade, a confiança não fatalista, mas sábia e esclarecida na ação de Deus, combinada com a do homem.

A outra resposta negativa é complexa e exigiria uma análise psicológica aprofundada e plena de interesse. Por que a Igreja pós-conciliar não se encontra hoje, sob certos aspectos, em situação melhor que antes? Por que tanta desobediência? Por que todas estas faltas à disciplina eclesiástica? Por que todas estas tentações de secularização? Por que tanta audácia nas propostas de transformação das estruturas da Igreja? Por que este desejo de assimilar a vida católica à vida mundana e. por que dar tanto crédito às considerações sociológicas, mais que às teológicas e espirituais? Por quê?

Crise de crescimento, dizem uns. É possível. Mas não é também uma crise de fé, e não se trata de uma crise de confiança entre alguns, que crêem mais na Igreja? Há quem se interroga sobre este fenômeno alarmante, quem fala de um estado de espírito dominado pela dúvida sistemática e debilitante, que reina nas fileiras do clero assim como entre os fiéis. Outros falam da falta de preparação, de timidez ou de indolência. Chega-se mesmo ao ponto de acusar tanto as autoridades como as comunidades eclesiásticas de medrosas e tímidas. Diz-se que tanto aquelas como estas, não se importando e deixando tudo correr sem advertir, corrigir ou reagir, favorecem certas correntes manifestamente desordenadas. Como se sofressem de um complexo de inferioridade, recebem acusações por cederem à influência de teses muito discutidas e muitas vezes em contradição com o espírito do Concílio. Estas se impõem na opinião pública, graça aos poderosos meios de comunicação social, e isto se deve também ao fato de serem dominados pelo receio do pior, diz-se, e por temor de não parecerem bastante modernos e bem abertos ao aggiornamento tão desejado.

Mas sabemos que se trata de fenômenos limitados, ainda que reais e não menos desprezíveis. Sabemos que a Igreja em seu conjunto dá prova de grande vitalidade, e coloca nossa época ao nível dos mais fecundos de sua história. Não há dúvidas de que em nossa Igreja tão "contestada" de fora como agitada por dentro, haja imensa reserva de boa vontade e de amor, cujos exemplos nos alegra ver em vós, caros filhos. Vós sois decididos e fiéis. Não quereis ficar passivos e inertes numa ação que a Igreja pós-conciliar empreendeu em vista de sua renovação aderindo mais estreitamente à sua origem evangélica e à sua inspiração doutrinal. E para responder às exigências de sua missão no mundo de hoje, quereis até ao limite de vosso fervor e generosidade desenvolver a boa vontade que trazeis no coração e estais persuadidos de que aqueles que guiam a Igreja em todos os níveis, não causarão decepção à vossa silenciosa e estimada disponibilidade. Que esteja convosco o Senhor.

Enquanto nós nos alegramos pelo reconforto que nos traz este autêntico espírito eclesial, também não deixamos de incentivá-lo pela nossa promessa (que o Senhor a guarde) de reconhecê-lo, secundá-lo e de o servir, confiando-o à ação do Espírito Santo.