3 DE SETEMBRO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

Bendizemos ao Senhor ao verificar que o movimento litúrgico, assumido e promovido pelo Concílio, invadiu a Igreja e conquistou as consciências do clero e dos fiéis. A prece coral do corpo místico, que é a Igreja, estende-se e anima o Povo de Deus. Torna-se consciente e comunitária. Um aumento de fé e de graça perpassa por ele. Assim desperta a fé sobrenatural, e a esperança escatológica guia a espiritualidade eclesiástica, a caridade retoma seu primado, vivificante e operante, e isto exatamente neste século, surdo às vozes do espírito profano e quase pagão.

Desejamos encorajar todos aqueles que prestam o melhor de seus talentos, trabalho e coração ao grande esforço, por infundir em toda a comunidade católica um novo e vivo alento de sábia oração. A revisão em curso das formas e dos textos litúrgicos, exige muito estudo e trabalho da parte de quem a prepara, grande paciência e assiduidade de quem a executa, não pequena confiança e colaboração filial de quem a ela se deve conformar, modificando as próprias devoções habituais e renunciando ao próprio gosto.

Esta reforma apresenta certos perigos especialmente o da arbitrariedade. Assim nasce o perigo da desagregação espiritual da sociedade eclesiástica, da excelência da oração e da dignidade do rito. As múltiplas mudanças introduzidas na oração tradicional e comum, podem servir de pretexto para tanto. Seria um grande dano se, ao conceber o uso das línguas modernas, certas adaptações a costumes locais, certa abundância de textos e de novos ritos e outros não poucos desenvolvimentos do culto divino, se a solicitude da santa mãe Igreja formasse a opinião de que não mais existe uma norma comum, fixa e obrigatória da oração da Igreja, podendo cada um presumir organizá-la ou desorganizá-la a bel-prazer. Não seria mais pluralismo no campo lícito, mas deformidade e, algumas vezes não só ritual como também substancial (assim a intercomunhão com quem não possui sacerdócio válido).

Essa desordem que infelizmente se verifica em vários lugares traz graves prejuízos à Igreja, pelo obstáculo a uma reforma disciplinada, qualificada e por ela autorizada, pela nota dissonante na harmonia formal e espiritual do concerto da oração eclesiástica, pelo critério religioso subjetivo, que alimenta no clero e nos fiéis, pela confusão e pela fraqueza que cria na pedagogia religiosa das comunidades, exemplo que não é bom nem fraterno.

Pretexto para tais arbitrariedades pode ser o desejo de ter um culto mais de acordo com o próprio gosto, um culto mais compreensível, mais adaptado às condições daqueles que dele participam, quando não se pretende até expressar um culto mais espiritual. Queremos entrever em semelhantes tentativas algum sentimento, que a sabedoria dos pastores saberá levar em conta. Nossa congregação para o culto publicou uma instrução sobre a celebração da missa, em ambientes reservados, fora dos lugares consagrados.

Mas queremos exortar as pessoas de boa vontade, sacerdotes e fiéis, a não serem indulgentes com esse indócil particularismo. Ele ofende, além das prescrições canônicas, o coração do culto católico, que é a comunhão, a comunhão com Deus e com os irmãos, da qual é mediador o sacerdócio ministerial, autorizado pelo bispo. Tal particularismo tende a criar "igrejinhas", seitas talvez. A saber, a distanciar-se da celebração da caridade total, a prescindir da "estrutura- institucional" (como se diz), da Igreja autêntica, real e humana, para entregar-se à ilusão de possuir um cristianismo livre e puramente carismático. Mas na realidade amorfo, diluído e joguete de todo vento (Ef 4,14) de paixão, de moda ou de interesse temporal e político.

Essa tendência a livrar-se gradual e obstinadamente da autoridade e da comunhão da Igreja, pode infelizmente ir longe. Não como foi dito por alguns às catacumbas, mas para fora da Igreja. Por fim pode constituir uma fuga, uma ruptura e, portanto, um escândalo e uma ruína. Não constrói, mas destrói. Quem não se lembra das repetidas e ainda impressionantes exortações de santo Inácio de Antioquia, o célebre mártir do início do segundo século: "Um só altar, como um só bispo", porque o bispo é o princípio e o fundamento da Igreja local, como o papa o é da Igreja universal.

Vê-se assim a relação entre a Igreja e a oração. Disso não falaremos no momento, mas pensamos que aqueles que têm, seja "o senso da Igreja", seja também o desejo de orar de um modo válido e vivo, facilmente farão uma idéia. É preciso, caros filhos, orar com e pela Igreja.