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Digamos uma palavra, uma só e de passagem sobre um fenômeno que se
observa nos meios que se dizem religiosos e cristãos: o da religião
antropocêntrica, isto é, de uma religião orientada para o homem
como principal centro de interesse, ao passo que a religião deve ser,
pela sua natureza mesma, teocêntrica, orientada para Deus primeiro,
como seu princípio e seu fim último. Secundariamente, voltada para
o homem, procurado e amado em função de sua origem divina e por
conseqüência em função de relações e deveres que disso resultam.
Falou-se então de religião vertical e de religião horizontal. É a
segunda de caráter filantrópico e social, que se impõe entre os que
não têm uma visão soberana da ordem ontológica, isto é, do real e
do objetivo, da religião. Será que desejamos negar a importância
que a fé católica liga ao interesse devido ao homem? Certamente que
não. Nem queremos atenuar este interesse, que nos obriga, a nós
cristãos, sobremaneira e sem cessar. Não esqueçamos que seremos
julgados sobre o amor efetivo que tivermos comunicado a nosso próximo e
em particular àquele que se acha em necessidade, àquele que sofre e
ao decaído. Sobre este ponto não fazemos nenhuma reserva
injustificada, mas devemos nos lembrar sempre de que o princípio do
amor do próximo é o amor de Deus. Aquele que esquecesse a razão
pela qual nós nos proclamamos irmãos uns dos outros isto é, que
Deus é nosso pai, de todos nós aquele poderia também esquecer num
dado momento os grandes deveres de tal fraternidade e não ver mais no
seu semelhante um verdadeiro irmão, mas um estranho, um rival ou
inimigo. Se na religião se dá prioridade à corrente humanitária,
corre-se o risco de transformar a teologia em sociologia e de esquecer
a hierarquia fundamental dos seres e dos valores. "Sou o Senhor,
teu Deus, não terás outro deus além de mim", é o que lemos no
Antigo Testamento (Êx 20,1) e em o Novo, quando o Cristo
ordena: "Amar a Deus ... é o maior mandamento. O segundo lhe
é semelhante: Amarás teu próximo como a ti mesmo" (Mt
22,37-39).
Faz-se mister não esquecer que a preponderância dada ao aspecto
sociológico sobre o aspecto teológico propriamente dito, pode criar
outro perigo: o de submeter a doutrina da Igreja a critérios
humanos, relegando-se a segundo plano os critérios intangíveis da
Revelação e do magistério oficial da Igreja. Que se tomem em
consideração no exercício do ministério pastoral, as necessidades
humanas, muitas vezes graves e urgentes, pode-se admitir
evidentemente e mesmo promover, sob condição, porém, que tal
consideração não implique a depreciação da prioridade e
autenticidade da ortodoxia teológica.
A fé aceita e posta em prática não implica a negação dos deveres
de caridade e das graves e prementes necessidades de ordem social. Ao
contrário, proporciona inspiração e força para isso.
É ao mesmo tempo também proteção, apoio, primeiro contra a
tentação de que o homem caia no "temporalismo", a saber, a
tendência de dar o primeiro lugar aos interesses temporais -tentação
de que a religião deve se defender, hoje mais do que nunca- em
seguida contra a tentação mais grave ainda, a de querer instaurar
nova ordem social, não somente sem a caridade, mas, o que é pior,
com a violência, substituindo um poder todo-poderoso e egoísta a
outros, tido como superado, frustrado e injusto.
Moral sem Deus, religião sem Cristo e sem Igreja, humanismo sem
noção autêntica do homem, não podem conduzir a bom porto. Que
nossa fé nos preserve destes erros fatais e que em nossa busca de
perfeição pessoal e social esta fé continue a nos ser sempre luz e
guia.
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