25 DE ABRIL DE 1968. AUDIÊNCIA GERAL.

O período histórico e espiritual que a Igreja atravessa hoje, especialmente em certos países, não é nada calmo e constitui, para os pastores da Igreja e para nós, motivo de viva apreensão e por vezes profunda amargura. Em parte isto ocorre porque o mundo moderno todo, está embriagado pelo êxito de suas conquistas no domínio científico e técnico e perde com isso o sentido de Deus, lentamente. De outra parte, é porque estas conquistas exigem a morte de Deus, conforme a expressão infeliz de alguns, a saber, uma mentalidade atéia e afastada de toda a religião. Mas a verdade é que o progresso, que caracteriza o mundo atual, exigiria antes um sentido de Deus mais elevado e penetrante, uma religião mais viva e pura, que possa coroar o saber humano. Afinal, dizíamos, nossa apreensão e amargura não provêm só do fato desta apostasia prática tão espalhada, mas ainda e especialmente da inquietude que perturba certos setores do mundo católico e afeta a sensibilidade de quem arca na Igreja com o peso da responsabilidade.

Ninguém ignora que depois do Concílio a Igreja experimentou um grandioso impulso, e somos o primeiro a reconhecer isto e a favorecê-lo. Entretanto a Igreja sofreu e sofre ainda de um turbilhão de idéias e de latos que definitivamente não derivam de um bom espírito nem testemunham a renovação de vida que o Concílio prometeu e promoveu. Uma idéia ambígua abriu caminho em conhecidos meios católicos: a idéia de mudança, que para alguns substituiu a idéia de atualização, aggiornamento. Desejado pelo papa João de venerável memória ;i ele foi atr ibuído, contra toda a cvidência e justiça, que foi fiel pastor da Igreja, princípios não de inovação, mas por vezes de destruição do ensinamento e da disciplina da Igreja.

É bem claro que muitas coisas podem ser corrigidas e modificadas, naquilo que concerne à vida católica. Muitas doutrinas podem ser aprofundadas, completadas e expostas em termos mais compreensivos. Numerosas leis podem ser simplificadas e melhor adaptadas às necessidades de nosso tempo. Mas duas coisas em particular não suportam ser postas em questão: as verdades da fé, definidas com autoridade pela tradição e pelo magistério eclesiástico e as leis constitucionais da Igreja que impõem naturalmente obediência ao ministério do governo pastoral. Tais leis foram estabelecidas pelo Cristo e a sabedoria da Igreja as desenvolveu e estendeu aos diversos membros do corpo místico e visível da Igreja, para guiar e reconfortar a comunidade multiforme do Povo de Deus.

Dizemos renovação, sim; mudanças arbitrárias, não; história da Igreja sempre viva e renovada, sim; historicismo destruidor dos fundamentos dogmáticos tradicionais, não; desenvolvimento teológico segundo as diretivas do Concílio, sim; teologia adaptada às teorias subjetivas e livres, muitas vezes, oriundas de fontes adversas, não; uma Igreja aberta à caridade ecumênica, a um diálogo responsável e ao reconhecimento dos valores cristãos existentes em nossos irmãos separados, sim; um irenismo que renunciaria às verdades da fé ou que teria tendência a se adaptar a certos princípios negativos, que contribuíram para afastar do centro da comunhão católica tantos irmãos cristãos, não; liberdade religiosa para todos no quadro da sociedade civil, sim; liberdade de adesão pessoal a uma religião em função de uma escolha refletida, ditada pela consciência, sim; liberdade de consciência encarada como critério de verdade religiosa, que não seja fundada sobre um ensinamento sério e autorizado, não. E assim por diante.

Por conseqüência, caros filhos, a Igreja tem necessidade hoje de vosso discernimento e de vossa fidelidade. É esta esperança, para nossa grande consolação, que vossa visita nos proporciona. A Igreja tem necessidade da lucidez de espírito de seus filhos e de sua inquebrantável fidelidade.