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Este encontro se efetua nas vésperas de um acontecimento cujo sentido
e importância temos o prazer de acentuar. Queremos nos referir ao
encerramento do "Ano da Fé", que proclamamos para comemorar digna
e utilmente o décimo nono centenário da morte gloriosa dos apóstolos
Pedro e Paulo.
A cerimônia de encerramento que temos a intenção de celebrar
solenemente à tarde do dia 30 de junho, será, por assim dizer, o
remate de longo período de reflexão, de prece, de resoluções,
durante o qual a Igreja católica envidou esforços para reafirmar
clara e resolutamente, tanto no interior de si como fora, sua adesão
e abandono à palavra esclarecedora e vivificante de seu Fundador e
Mestre, repetindo-lhe com o mesmo entusiasmo e confiança as palavras
do Príncipe dos Apóstolos: Domine ad quem ibimus? Verba vitae
aeternae habes: "Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de
vida eterna" (Jo 6,68). É à luz desta fé, de tanta vida e
de tanto consolo, que queremos como sempre, ver, procurar compreender
e interpretar os acontecimentos deste tempo que passa: os da Igreja
antes de tudo, mas também os do mundo, no qual ela vive e trabalha,
sobretudo na perspectiva que tanto nos preocupa, a de salvaguarda da
paz e do progresso autêntico dos povos.
Envoltos e por assim dizer penetrados desta luz, alguns destes
acontecimentos que podem parecer inexplicáveis, se esclarecem com
lógica tal que muitas vezes ultrapassa a dos homens que neles são
protagonistas Então muitas esperanças que a imperiosa realidade havia
debilitado e quase desvanecido, reencontram vigor consolador.
Temos necessidade desta visão clara e justa, deste otimismo
sobrenatural em nossas esperanças, quando, por exemplo, vemos
multiplicar-se e impor-se em situações aparentemente sólidas e
estabelecidas, violentas explosões de cólera que se transformam em
lutas intestinas e revoltas, provocando por sua parte réplica e
repressão violentas. Assim nascem as incompreensões, os
ressentimentos, os ódios, cujas conseqüências lastimáveis e
perigosas são difíceis de prever e de sobretudo de desviar.
Depois dos exemplos exaltantes, magnânimos e sublimes, dados pelos
homens que criaram um novo ideal social e movimentos de grande
importância e eficácia, que professam nobre e corajosa
"não-violência", eis que surge de novo em certos meios a
violência, como se fosse moda.
Chegou-se mesmo a formular teorias para explicar, justificar e
engrandecer esta violência, mesmo nas manifestações armadas e
homicidas. Esta seria, diz-se, às vezes, a única salutar
resposta à opressão, à violência institucionalizada, à ordem que
é acusada de ser de fato desordem estabelecida, à legalidade
formalista que encobriria reais ilegalidades.
Para justificar tais teorias, alguns apelam para considerações
hauridas do pensamento cristão e de suas exigências. É assim que se
ouve falar de uma "teologia da violência", derivada de uma
"teologia da revolução".
Profundamente comovido pela situação penosa em que se encontram
indivíduos, classes sociais e até nações ou grupos de povos;
sensível à voz do sofrimento, ao brado que se levanta de tantas
partes do mundo para suplicarem socorros e mudanças necessárias;
levado pela nossa missão própria de fazer-nos aberta e francamente
protetor de uma justiça cada vez melhor entre os homens, não
hesitamos em repetir o quanto compartilhamos de todo o sofrimento
humano, o quanto deploramos todo o ato ou negligência culpável que
causam tudo isso, e o quanto exortamos a todos aqueles que têm
possibilidade, a empreender por toda a parte onde seja necessário,
uma ação decisiva e corajosa para remediar eficazmente e com
solicitude as situações que a consciência humana e em particular a
consciência cristã não podem tolerar.
Mas ao mesmo tempo sentimos como um dever advertir nossos filhos e
todos os homens que se acautelem contra a fácil e ilusória tentação
de crer que a mudança de uma ordem imperfeita, obtida na desordem e na
precipitação, traga em si a garantia de uma ordem boa ou ao menos
melhor, lá onde o ambiente não foi preparado; de crer sobretudo que
a violência, mesmo ditada por uma revolta refletida contra a
injustiça, assegure automaticamente, por assim dizer, a
instauração da justiça, enquanto a experiência nos ensina que, na
maioria dos casos, o contrário é que é verdadeiro.
Reservando-nos a intenção de voltar a este problema importante se a
ocasião se apresentar oportunamente, desejamos presentemente
lembrar a nossos filhos, especialmente aos mais jovens e aos mais
conscientes das exigências evangélicas, a necessidade de reavivar
este espírito de caridade em si mesmos, um dos frutos mais belos e
eficazes de uma fé vivida e sincera. Estendendo-se a todos em nome
do Cristo, esta fé permite do modo mais eficiente encontrar o caminho
para "vencer o mal pelo bem" e instaurar na terra este "reino de
justiça, de amor e de paz", que é o reflexo das harmonias
superiores do reinado de Cristo.
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