24 DE MAIO DE 1972. AUDIÊNCIA GERAL.

Cristo Senhor, ao predizer a missão do Espírito Santo, sintetizou o conjunto destes efeitos do próprio Paráclito numa só palavra, que aparece freqüentemente no Evangelho de são João, é usada muitas vezes na linguagem religiosa contemporânea, a qual já explicamos noutra ocasião. É a palavra "testemunho". Seria útil examina-la novamente, para conhecermos sua dupla aplicação. Segundo o ensinamento do Senhor, existe de fato um testemunho interior, que poderíamos dizer passivo, ou seja, recebido, ouvido, constituído pelos dons, pelos carismas que o Espírito Santo concede generosamente a quem o recebe. Escolhemos, por comodidade de síntese, uma frase de Jesus entre as que proferiu na última Ceia: "Quando vier o Paráclito, o Espírito de. Verdade, dará testemunho de mim" (Jo 15,26; 14,26; 16,17). É o testemunho da verdade relativa a Deus, a Cristo, ao Evangelho, que se tornou luminosa interiormente.

Também há um testemunho exterior no qual, por íntima inspiração do Espírito (Mt 10,20) , o próprio homem se torna testemunha, ou seja, instrumento da verdade: "Quando vier o Consolador - diz Jesus aos seus discípulos - também vós dareis testemunho" (Jo 15,27). É este o aspecto em que agora detemos a nossa atenção.

O Pentecostes transforma os discípulos em testemunhas, ou melhor, em apóstolos. É ainda Jesus quem diz aos seus, desta vez na iminência de sua ascensão: "Ides receber uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém por toda Judéia e Samaria, até aos confins do mundo" (At 1,8). Recordai a cena do Pentecostes. É uma metamorfose, pode dizer-se, que se realiza nos discípulos. Invade-os uma energia nova. A palavra irrompe de suas almas. Consultemos os Atos dos Apóstolos. Quando a multidão acorreu, atraída pelo fragor do fenômeno inexplicável, e pela exaltação do grupo que aclamava "as grandezas de Deus" (At 2,11) nas mais diversas línguas e começou a interpretar com ironia o comportamento daquela assembléia. exultante com a plenitude interior da inspiração espiritual, lemos naquela maravilhosa narração que "Pedro levantou-se com os onze e falou em alta voz" (At 2, 14). Foi o discurso inaugural da pregação cristã. O apóstolo começou com ênfase e certeza profética a pregar Cristo Salvador, no meio do tumulto da multidão indisposta e amendrontada.

Ao testemunho exterior suscitado pelo Espírito Santo, podemos chamar apostolado.

Sabeis a este respeito duas coisas óbvias, especialmente depois do recente Concílio, ou seja, o termo "apostolado" compreende toda a atividade exterior da Igreja, destinada à sua finalidade primária, a da Salvação mediante Cristo, atividade esta que se tornou tanto mais consciente e urgente, quanto mais abertos e fechados, sob diferentes aspectos, se encontram atualmente os caminhos dos homens perante o quérigma, isto é, a pregação evangélica. O Concílio ensina justamente: "A Igreja nasceu para que, propagando o reino de Cristo a toda a terra, para a glória de Deus Pai, todos os homens se tornem participantes da Redenção salvadora, e por eles todo o mundo seja realmente ordenado para Cristo"'. Ainda sabeis que a própria vocação cristã é por natureza vocação para o apostolado, vale dizer, o apostolado foi reconhecido como atividade inerente ao próprio fato de ser cristão, o que elevou o conceito de leigo cristão ao de colaborador do apostolado hierárquico propriamente dito.

Também todos sabemos que esta consciência apostólica, missionária, difusiva do cristão, chamado à fé e contemplado com a graça, ainda não foi adquirida por muitos que, apesar disso, se dizem cristãos.

Isto significa que a virtude do Pentecostes ainda não foi compreendida e experimentada, como aconteceu no princípio do cristianismo, por aquilo que ela é: um impulso para testemunhar a própria fé, apta a defender e difundir um direito-dever, que nasce do coração de quem foi destinado para o dom do Espírito de Cristo, um estudo amoroso e generoso, que se deve realizar em colaboração com Cristo, arquiteto e construtor, sobre o fundamento lançado por ele próprio, a sua Igreja.

O apostolado, nas suas inúmeras formas, consiste nesta edificação positiva, que se torna um sinal visível e, portanto, social e histórico, da autêntica moção do Espírito nas almas daqueles que recorrem ao mesmo Espírito para se considerarem cristãos.

Nesta altura, impõe-se uma reflexão bastante séria sobre o apostolado, o qual se tornou um tema muito fecundo de pensamento e de ação nos católicos contemporâneos. Trata-se de uma reflexão geral: a que ponto, se encontra o apostolado em nosso tempo? Devemos dar graças ao Senhor, por se observar uma riquíssima florescência de atividades de todos os gêneros, no Povo de Deus, para anunciar e afirmar o nome de cristãos. Louvores sejam prestados a todos aqueles que oferecem engenho, ação, nome, meios, orações, sofrimentos, solidariedade e interesse ao esforço atual do apostolado católico, quer sejam homens, mulheres, jovens, leigos, ministros ou religiosos: Gostaríamos que todos, e cada um individualmente, soubessem que são estimados pela Igreja, especialmente por quem reveste nela responsabilidades particulares. Agradecemos a todos eles, encorajando-os e abençoando-os. Pedimos ao Espírito Santo que lhes infunda seus dons, de modo que todos aqueles que exercem apostolado, dentro ou fora do âmbito eclesial, sintam a sua energia interior e se vejam amparados, interiormente, pela convicção e pelo júbilo que deriva da profissão cristã positiva e militante.

Mas todos devemos recordar que a atitude coerente, constante e corajosa da profissão cristã, ou seja, do apostolado, está sempre ameaçada, no nosso complexo ser humano, por muitas formas de reflorescente e insidiosa fraqueza.

O cristão e especialmente o apóstolo tem a obrigação de ser forte, corajoso, franco e livre, como convém a um seguidor de Cristo (At 4,20; Lc 12,8-12). Afinal, existe sempre e até naqueles que deveriam ter maior responsabilidade - pensamos com pesar em Pedro que renegou orgulhosamente o Cristo, na hora crítica de sua paixão - uma instabilidade incurável, acompanhada de carência de humildade e fortaleza, do ponto de vista subjetivo, e destituída do auxílio do Espírito Santo, do ponto objetivo. Esta. labilidade, freqüente e insensívelmente faz com que a nossa personalidade venha a cair naquele campo magnético, circunstante e envolvente, que se chama respeito humano, conformismo com o ambiente, medo paralisante do juízo, da ironia e dos escritos dos outros. Recordamos nestes dias a observação de Pascal sobre a opinião pública, que, segundo ele, mina nossas forças. Hoje, que esta atmosfera pública parece prevalecer sobre a autonomia da pessoa, devemos recordar que estamos expostos ao risco de fugir ao apelo exterior da Igreja, e ao interior da consciência, que induzem à observância do compromisso cristão. Proclamamo-nos livres, mas freqüentemente vítimas do respeito humano, o somos bem pouco.

Além disso uma forma que hoje está na moda, até na profissão cristã, a contestação habitual, algumas vezes deletéria e mesmo inconsiderada, faz desviar do álveo da caridade, e também da verdade, energias muito louváveis, as quais deveriam servir para o apostolado construtivo. O comportamento deste costume contestatário, que hoje infelizmente caracteriza não poucas iniciativas, é uma falsificação do apostolado (1Tim 6,20; 2 Tim 2,14). Desejaríamos que realmente o Espírito, pelo qual elas se dizem guiadas, talvez para se subtrairem à harmonia da comunhão eclesial e ao respeito devido a quem é ministro da autoridade, as reconduzisse à honra da função estimulante que possuem, para o benefício da autêntica renovação eclesial e social, e à verdadeira caridade da comunhão própria da índole cristã.