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Diletos filhos e filhas,
Desta vez o tema da nossa alocução, que é sempre breve e
elementar, consistirá simples, mente na pergunta seguinte: o que
pensais do sacerdote ou do padre, como geralmente se diz? É uma
pergunta a que podereis responder no foro interior da vossa opinião,
que habitualmente está num plano superficial em relação ao da
consciência que é mais íntimo e exige reflexão.
Agora vamos dizer por que motivo surge em nós o desejo de obter uma
resposta a esta pergunta. É porque nestes dias o tema do sacerdócio,
que na opinião pública se apresenta como tema do sacerdote, ou seja,
da pessoa ou das pessoas que estão revestidas do sacerdócio, é muito
atual.
Sabeis que o assunto em questão está sendo estudado pelo sínodo dos
bispos, reunido aqui em Roma, e que as sessões deste sínodo se
realizam no Vaticano.
Todos e especialmente a Igreja falam dele com interesse muito grande e
quase trepidante, como se fosse uma novidade e dissesse respeito, e
realmente é assim, não só ao ministério sacerdotal, mas também à
comunidade eclesial inteira e toda a missão da Igreja no mundo.
Não deveis esperar que vos exponhamos o que se diz e discute nas
reuniões sinodais, nem os comentários que se fazem destas reuniões.
Não vamos falar do sínodo, mas de vós que nos ouvis. Queremos
saber, como já disse antes, o que pensais do padre. O que é o
padre? O que faz? O que deveria fazer? Como gostaríeis que
tosse? Interessa-vos a sua presença na sociedade? Para vós esta
presença ainda é necessária? Apreciais a figura do padre? Ou ela
vos desagrada? O que pensais de sua atividade? Desejais que ele seja
marginalizado? Isto é, excluído do nosso mundo profano e
secularizado? Desejais que desapareça? Como o julgais? Como o
imaginais? Quais os aspectos do padre que vos desagradam? Quais
são, pelo contrário, os que para vós merecem atenção, respeito e
interesse? Como quereis que o padre seja?
Como vedes, a pergunta ramifica-se em muitas questões. Pode ser
que estas questões vos levem a pensar em problemas ainda maiores, como
os que se relacionam com o fato de derivarmos de uma tradição
católica impregnada de atividades pastorais; com a existência da
Igreja; com a liberdade religiosa admitida pelos cânones do direito
moderno, pelo menos teoricamente; com a grande questão formulada
ainda hoje em termos que não se podem suprimir: a afirmação "Deus
existe" tem razão de ser? Que relação há entre esta existência
suprema e transcendente e nossa pessoa, nossa consciência e nosso
destino? Por fim, que sabemos. e que pensamos do Cristo? É
verdade que ele vive e opera ainda hoje e sempre na Igreja, por meio
de urna sua personificação, o sacerdócio ministerial?
Perguntas como estas, sobre este assunto teológico e existencial não
teriam fim. É o que basta para justificar a nossa: o que pensais do
padre?
Julgamos não errar ao crer que na vossa imaginação se apresentam
duas figuras do padre.
Em primeiro lugar, as figuras das reminiscências literárias. A
literatura apresentou-nos uma galeria de imagens que, de algum modo,
ficaram impressas em nossa memória. Umas são grotescas; outras,
veneráveis: umas caricaturas de padres; outras, imagens de santos.
O sacerdote é uma pessoa que imagens presta às narrações
literárias, que põe mais em relevo as personagens do que a própria
cena, isto é, os fatos descritos. É uma pessoa cheia de
características interiores, que exigem um confronto entre. a
aparência exterior e a realidade interior, que ele deveria possuir.
É uma figura que revela dois aspectos profundos. "Em mim - escreve
Leo Trese - há um pouco de leão e um pouco de cordeiro. Há
caridade e egoísmo. Há penitência e amor às comodidades. Há
oração e irreligiosidade. Humildade e orgulho"'. Como escreveu
são Paulo de si mesmo: "Trazemos este tesouro [o Evan gelho] em
vasos de barro, para que tão excelso poder se reconheça vir de Deus
e não de nós" (2 Cor 4,7; 1 Cor 2,5). Ora, a
literatura deteve-se com tanta complacência a descrever este dualismo
paradoxal, que. deixou o leitor em dificuldade ao escolher o tipo de
sacerdote que deve preferir, para o condenar, menosprezar, admirar ou
compreender, no seu segredo interior. Referimo-nos às figuras de
eclesiásticos, delineadas por autores de renome, como Manzoni,
Fogazzaro, Marino Moretti, Barbey d'Aurevilly, Chesterton,
Bernanos, Cronin, Graham Greene, Marshall e outros.
Depois vem a segunda espécie também muito variada, a dos sacerdotes
que realmente existiram: os santos como são Vicente de Paulo, são
João Bosco, o Cura d'Ars e acrescentemos também Maximiliano
Kolbe, que no domingo próximo será proclamado bem-aventurado.
Ao lado destes grandes homens que são inumeráveis, há ainda as
imagens queridas e modestas de bons e santos sacerdotes, que, como
supomos, tereis encontrado no vosso caminho: párocos, religiosos,
professores, assistentes eclesiásticos, capelães e outros, que
uniram ao dom carismático, propriamente ministerial da Palavra de
Deus e da graça sacramental, alguma coisa de próprio, a sua arte
humana e humilde de atrair, de acolher, ouvir, admoestar,
compadecer-se, consolar, compreender, ajudar e também um estilo de
vida próprio, pobre e virtuoso, que nos terá levado a fazer a
seguinte reflexão: este é um verdadeiro padre.
Voltemos, porém, à nossa pergunta: o que pensais do sacerdote?
Pode ser que tenhais descoberto alguns de seus defeitos. Mas por que
motivo as deficiências dos sacerdotes provocam tanta reação? Por
que provocam tantas críticas? Por que temos tanta facilidade em
generalizá-Ias e condená-las? Já o dissemos. É porque
desejaríamos encontrar sempre a perfeição no sacerdote. O sacerdote
não é o homem de Deus? Não é seu representante, seu ministro?
Gostaríamos, porém, que esta óbvia consideração fosse
aprofundada por vós. Se o sacerdote é o homem de Deus, é "um
outro Cristo", é sinal que um fluxo de graça perpassou pela sua
vida. Ele é um chamado, um escolhido, um preferido pela
misericórdia do Senhor, que o amou de modo particular, marcou-o com
caráter especial, tornou-o capaz de exercer poderes divinos e o
atraiu, ao ponto de o fazer maturar em si o ato de amor mais intenso e
mais perfeito de que o coração humano é capaz, a oblação total,
perpétua e jubilosa de si mesmo. O sacerdote teve a coragem de fazer
de sua vida uma oferta em benefício dos outros, em benefício de todos
exatamente como Jesus.
Escutemos uma passagem do Concílio, entre muitas outras, sobre os
sacerdotes, chamados com o termo tradicional presbíteros. Eles
"... pela sagrada ordenação e pela missão que receberam das mãos
do bispo, são promovidos a servir a Cristo Mestre, Sacerdote e
Rei, de cujo ministério participam e pelo qual a Igreja neste
mundo se constitui continuamente em Povo de Deus, Corpo de Cristo e
Templo do Espírito Santo". É por este motivo que o Concílio,
" ... para que nas situações pastorais humanas, freqüentemente
tão mundanas, o ministério sacerdotal mantenha maior eficácia e se
atenda melhor à vida dos sacerdotes..."', nos convidou a meditar
na natureza, que é sobrenatureza, do sacerdócio e na sua missão
humana e sobre-humana.
Haverá quem não conheça estas verdades, que fornecem os elementos
para uma definição do sacerdote? Certamente todos nós as
conhecemos. E ao refletirmos sobre elas, poderíamos acrescentar
outros testemunhos, não para idealizar a figura do padre e a essência
de sua missão, transformando-a num mito para nossa imaginação ou
para a nossa devoção, mas para compreender melhor este nosso irmão
que Jesus Cristo quis para si. Recordemos como são Paulo respondeu
à pergunta que formulamos. "Considerem-nos todos como ministros de
Cristo e administradores dos mistérios de Deus" (1 Cor 4,1;
6,4; 1 Pdr 4,10).
Não merece o sacerdote que tenhamos uma idéia justa a seu respeito,
que compreendamos sua transfiguração em ministro de Cristo, em
propagador do reino de Deus? Tudo isto, não para fazermos. sua
apologia com termos de compaixão de suas deficiências, mas para o
estimarmos ainda mais, para sabermos que ele nos pertence e o
considerarmos realmente nosso.
Pensai nestas verdades pelo menos durante o Sínodo.
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