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Parece-nos que é ainda no espírito e nos ensinamentos do recente
Concílio que devemos procurar o tema para este colóquio familiar.
Supomos, caros visitantes, que muito naturalmente estais em pleno
direito de questionar sobre o que pensa o papa, qual a linha de seu
pensamento. Eis nossa resposta: Continuamos a pensar no Concílio.
Não terminou no dia que terminaram suas sessões de trabalho, como
acontece a todo fato histórico, circunscrito ao tempo. Foi o ponto
de partida para a renovação da Igreja, que deve desenvolver-se
progressivamente, e se estender à vida de toda a comunidade, que
forma a totalidade da Igreja: O Concílio nos deixou uma soma de
ensinamentos, que não devemos não somente não esquecer, mas pelo
contrário ter presente ao espírito, para os conhecer melhor e os
colocar em prática em nossa vida. O Concílio vai prosseguir,
alimentando a meditação da Igreja, para lhe insuflar nova
mentalidade, imprimir-lhe novo comportamento, transformá-la,
promover sua propagação e a santificar.
Sabemos bem que toda uma literatura nasceu do Concílio, que continua
a oferecer-nos novos trabalhos. Sabemos igualmente quantas obras e
instituições foram criadas depois do Concílio, seguindo suas
diretivas, e todos não ignoram que progressos doutrinais derivaram
deve e. alimentam os estudos e a cultura. Peçamos ao Espírito
Santo, para que este impulso doutrinal e canônico se persiga com
sucesso. Presentemente, porém, temos uma pergunta: que podem fazer
ou que devem fazer os fiéis em função do Concílio, tomados
individualmente ou em comunidade? A resposta nos leva a considerar de
maneira peculiar as exigências morais decorrentes dos ensinamentos e da
duração mesma do Concílio. Quer dizer que todos devemos refletir
nas aplicações lógicas que devemos favorecer, no espírito, do
Concílio, tanto em nossa maneira de pensar como de agir, admitindo
que cada um dentre nós esteja de acordo em atribuir a este grande
acontecimento uma importância prática e benéfica, não somente para
a Igreja, mas também para nossa vida moral, e para assegurar a
renovação de nossa vida cristã de maneira concreta e pessoal.
Será bom começar esta meditação traçando imediatamente a linha
reta, que seguiremos para evitar dois perigosos eventuais desvios. O
primeiro seria de crer que o Concílio tenha aberto uma era de tal modo
nova, que permita uma desvalorização, ruptura, intolerância com
respeito à tradição da Igreja. Em muitas pessoas existe um estado
de alma que não suporta, absolutamente, o que foi de ontem, da
Igreja. Homens, instituições, costumes, doutrinas, tudo enfim
que traz a marca do passado, é sem mais colocado de parte. Nestes
irrefreáveis inovadores, um espírito de crítica implacável,
condena todos os sistemas eclesiásticos de ontem. Não vêem senão
culpas e defeitos, incapacidade e ineficiência nas expressões de vida
católica do passado, o que acarreta conseqüências, que se prestam a
muitas e graves considerações, e que obscurecem o sentido histórico
da vida da Igreja, que, apesar de tudo, continua a ser a preciosa
característica de nossa cultura. Substituem-na por uma fácil
simpatia por tudo aquilo que está fora da Igreja. O adversário
parece simpático e até mesmo um exemplo, enquanto que o amigo se
torna antipático e intolerável. Quando este processo não é
moderado, dá lugar até à persuasão de que é licito formular a
hipótese de uma igreja completamente diversa da nossa de hoje. Uma
igreja criada - dizem - para os tempos novos. Uma igreja em que
sejam abolidos quaisquer vínculos de obediência que moleste, qualquer
limite à liberdade pessoal, qualquer forma de sacralidade que
obrigue. Este desvio é, infelizmente, possível. Esperemos,
porém, que o caráter com que se apresenta, muito evidente e
excessivo, denuncie seu erro. O aggiornamento, isto é, a
renovação da Igreja, patrocinada pelo Concílio, certamente não
tende para esta desintegração da sua comprovada realidade histórica e
institucional.
Outro desvio seria o de confundir o costume com a tradição, e por
isso o de crer que o Concílio deve ser considerado como um
acontecimento, que terminou e já não tem eficiência, o de crer que
os verdadeiros inimigos da Igreja promovem e acolhem as novidades, que
derivam do próprio Concílio. A Tradição, isto é, o costume -
dizem - é que deve prevalecer. Também estes defensores do
imobilismo formal do costume eclesiástico, talvez por excesso de
amor, acabam por exprimir seu zelo. polemizando com os amigos de
casa, como se estes ainda fossem mais infiéis e perigosos do que os de
fora.
Mas, então, onde o caminho certo? Aquele que a autoridade
responsável de pastores da Igreja e a nossa traça à comunidade
eclesial. A voz dos pastores não se cala. Os bons a escutam. Eles
não a ignoram, mas a tomam em consideração. Estamos firmemente
persuadidos de que a Igreja pode conservar os quadros eficazes, e
realizar sua missão de salvação e de par, nesta hora critica de sua
história, e grave para o mundo, se de uma parte a missão pastoral é
exercida livre, clara e energicamente, com amor, e se de outra a
comunidade do clero e dos fiéis a compreende e a secunda.
Aonde conduz este caminho?
Esta questão entra no quadro de idéias que vos propúnhamos no
começo desta palestra, a saber, procurar conhecer que linha
espiritual e moral (no momento apenas nos limitaremos à linha
espiritual) o Concílio oferece à Igreja, pois é precisamente esta
que seguem as diretivas pastorais.
Como conclusão, contentar-nos-emos com indicar alguns caracteres
preliminares. Por exemplo, o da lógica, absolutamente evidente e
necessária. O cristão deve refazer sua unidade espiritual e moral.
Não basta levar o nome, é preciso viver como cristão. É a antiga
máxima fundamental do Apóstolo: Justus ex f ide vivit, o homem
justo, o cristão autêntico, tira de sua fé a lei, o estilo, a
força de sua vida. Não vive apenas da fé, mas conforme a fé. É
o eixo da renovação desejada pelo Concílio.
Podemos ainda citar dois critérios fundamentais, que apenas
enunciaremos para não vos aborrecer por mais tempo neste discurso.
Ei-los: é preciso colocar o Cristo no cume, no centro, na fonte
de nossa vida, isto é, de nossos pensamentos e de nossa maneira de
viver. Deve tornar-se o mestre, o exemplo, o pão de nossa vida
pessoal. É preciso entrar na concepção comunitária da vida
cristã, tanto no plano da vida interior, como da vida pessoal, quer
dizer, ingressar na ordem da caridade. Não esqueçamos que a
caridade é o sinal distintivo dos que seguem a Cristo (Jo
13,35).
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