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Uma das características da Igreja pós-conciliar é a atenção
especial que ela dá à realidade humana, considerada em seu quadro
histórico, isto é, aos fatos, aos acontecimentos, aos fenômenos
de nosso tempo. Uma expressão do Concílio entrou na linguagem
corrente: fala-se de perscrutar "os sinais dos tempos". Na verdade
a expressão é uma reminiscência evangélica: "Não podeis
distinguir os sinais dos tempos", diz Jesus um dia a seus ouvintes
maliciosos (Mt 16,3).
Referia-se aos prodígios que fazia, e que deviam marcar o advento da
era messiânica. Hoje, porém, no mesmo plano, esta expressão
pode, se o quisermos, revestir uma significação nova da mais alta
importância. O papa João XXIII, com efeito, retomou-a na
Constituição apostólica, em que convocava o II Concílio
Ecumênico do Vaticano. Depois de acentuar as condições
espirituais do mundo atual, assim ele tentou reavivar a esperança da
Igreja: "Agrada-nos depositar uma confiança muito firme em nosso
divino Salvador, que nos exorta a reconhecer os sinais dos tempos",
de tal maneira que "possamos discernir, no meio destas espessas
trevas, os numerosos indícios que parecem predizer melhores tempos,
para a Igreja e para o gênero humano". Neste sentido, os sinais
dos tempos são presságios de melhores tempos.
A expressão "sinais dos tempos" passou para a linguagem corrente com
uma significação profunda, muito mais ampla e interessante: a da
interpretação teológica da história contemporânea. Que a
história considerada em suas grandes linhas tenha oferecido ao
pensamento cristão a ocasião e mesmo o convite a descobrir nela um
plano divino, nós o sabemos de há muito. Que é a História
Sagrada: senão a identificação de um pensamento divino, de uma
"economia" transcendente, na transcorrência de acontecimentos que
conduzem ao Cristo, e que dele derivam? Esta descoberta é
póstuma, porém: é uma síntese, formulada por vezes de maneira
discutível, que um historiador estabelece, quando os acontecimentos
fazem parte do passado, e podem ser julgados do ângulo de uma
perspectiva de conjunto. Tais acontecimentos podem ser encaixados,
por dedução, num quadro ideológico, que se inspira de preferência
em outras fontes doutrinais, em vez de na análise indutiva dos
acontecimentos. Ora, atualmente o pensamento moderno é convidado,
ao contrário, a decifrar dentro da realidade histórica e em
particular da realidade presente, os "sinais", isto é, as
indicações de um sentido que ultrapasse aquele, que um observador
passivo registrou.
Na perspectiva que temos em vista atualmente, trata-se de identificar
"no tempo", isto é, no curso dos acontecimentos, na história,
estes aspectos, estes "sinais", que podem dar-nos alguma idéia de
uma Providência imanente - aliás, habitual para os espíritos
religiosos - ou que podem ser indícios (o que nos interessa no
momento) de uma relação com o "Reino de Deus", com sua ação
secreta, ou - o que é melhor, -para nosso conhecimento e nosso
dever - com a possibilidade e exigência de uma ação apostólica e de
nossa disponibilidade a esta ação. Estes. índices parecem-nos
constituir os "sinais dos tempos".
Como o ensina o Concílio, a interpretação dos "tempos", a
saber, a realidade empírica histórica, que nos cerca e nos
impressiona, deve ser feita "à luz do Evangelho". A descoberta
dos "sinais dos tempos" interessa à consciência cristã. Resulta
de um confronto da fé com a vida, não para sobrepor artificial e
superficialmente um pensamento piedoso, aos dados de nossa
experiência, mas antes para ver como estes dados, por seu dinamismo
interno, por sua própria obscuridade, por vezes mesmo pela sua
imoralidade, reclamam um raio de fé, uma palavra evangélica, que os
classifique e os redima. A descoberta dos "sinais dos tempos" pode
também fazer-nos ver em que, muito naturalmente, correspondem aos
desígnios superiores, que sabemos cristãos e divinos (como a procura
da unidade, da paz, da justiça) e em que nossa eventual ação
caritativa e apostólica vem coincidir com a maturação de
circunstâncias favoráveis, indicando-nos que é chegada a hora para
um progresso simultâneo do reino de Deus, dentro do reino humano.
Este método nos parece indispensável, para evitar alguns perigos aos
quais nos poderia expor tão sedutora. procura dos "sinais dos
tempos". O primeiro perigo é o de certo profetismo carismático,
que se degenera em fantasias de devotos, interpretando como miraculosas
certas coincidências fortuitas e por vezes insignificantes.
O desejo exarcerbado de descobrir facilmente os "sinais dos tempos",
pode fazer-nos esquecer que muitas vezes os fatos observados podem ser
interpretados de maneira ambígua e muito menos devemos olvidar que é
necessário reconhecer ao "Povo de Deus", isto é, a todo o
crente, uma eventual capacidade de discernir os "sinais da presença
ou do plano de Deus". O "sentido da fé" pode conferir este dom de
sábia visão, mas a assistência do magistério hierárquico será
sempre oportuna e decisiva, quando a ambigüidade da interpretação
tiver que ser resolvida ou na certeza da verdade ou no interesse do bem
comum.
O segundo perigo seria o de considerar apenas de maneira
fenomenológica os fatos que se deseja tirar uma indicação dos
"sinais dos tempos". Ora, isto pode acontecer quando tais fatos
são assinalados e classificados, conforme esquemas puramente técnicos
e sociológicos. Realmente, reconhecemos de bom grado que a
sociologia é uma ciência de grande valor, tanto em si mesma como em
razão da finalidade, que na ocorrência nos interessa, isto é, a
pesquisa nos fatos de um sentido superior, que tenha valor de
indicador. Mas a sociologia não pode nem ser um critério moral,
tendo valor por si mesma, nem substituir a teologia. Este novo
humanismo científico poderia comprometer a autenticidade e a
originalidade do cristianismo, e de seus valores sobrenaturais.
Outro perigo podia surgir se se considerasse como predominante o
aspecto histórico deste problema. É verdade que a pesquisa tem como
objeto a história e o tempo, e procura tirar daí os sinais próprios
do domínio religioso, que para nós se resumem no advento central da
presença do Cristo no tempo e no mundo, de que derivam o Evangelho,
a Igreja e sua missão de salvação. O que significa que o elemento
imutável da verdade revelada não deveria estar subordinado à
mutabilidade dos tempos, nos quais se difunde e por vezes faz sua
aparição, como "sinais" que não o alteram, mas o deixam entrever
e o realizam na humanidade em marcha.
Tudo isso, porém, não quer senão convidar-nos a prestar
atenção, para os estudar, aos "sinais dos tempos", que tornarão
mais perspicazes, e mais atuais nosso julgamento cristão, e nosso
apostolado no meio da vaga de transformações do mundo contemporâneo.
É a antiga, ruas sempre viva, palavra do Senhor, que ressoa aos
nossos ouvidos: "Vigiai" (Lc 21,36).
Que a vigilância cristã seja para nós a arte de discernir os
"sinais dos tempos".
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