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Caros padres, e vós os jovens especialmente, é possível que sejais
assaltados pela impetuosidade da vaga que agita o mundo aqui e ali, ou
pelo menos que vos deixeis arrastar por seu refluxo faccioso, sob a
forma de questões, dúvidas, negações, novidades improvisadas,
que hoje se desencadeiam sobre o ministério sacerdotal em outros
países, pondo em questão sua verdadeira concepção, sua função
primária, sua posição exata, sua realidade original e autêntica.
O padre assim atacado, se interroga a si mesmo, contesta sua
vocação, discute a forma canônica do sacerdócio católico, receia
ser enganado, escolhendo este gênero de vida, ressente o celibato,
não mais como uma imolação livre e total, aceita por amor, mas como
um fardo contra a natureza. Enfim, volta os olhos sobre o mundo, do
qual se desapegou e contra o qual se protegeu, para melhor
conhecê-lo, evangelizar e servir. Não o considera mais com um
sentimento de amor apostólico, mas com uma profunda saudade. Imagina
que mergulhando na realidade temporal e social deste mundo poderia
melhor resgatá-lo, ou pelo menos nele encontrar seu próprio
equilíbrio interior, apaziguando suas inquietudes.
Irmãos e filhos, se alguma vez tais pensamentos sobressaltarem vosso
espírito, que nossa exortação vos sirva de poderoso reconforto para
vossa fidelidade sacerdotal. Não podemos tratar de maneira exaustiva
uma questão semelhante, em vista dos múltiplos problemas que
suscita, e que circunstâncias dignas de séria análise exacerbaram.
Repetimos apenas uma palavra do divino Mestre: "Nolite timere.
Não tenhais medo" (Mc 6,50). Não vos deixeis impressionar
por teorias e experiências que não têm em conta o julgamento
razoável e legítimo da Igreja. Não duvideis de vossa fé, vossa
escolha, vossa irreversível decisão. Não vos subtraiais ao amor
que o Cristo vos testemunhou. Sede felizes por constituirdes seus
humildes ministros. Amai com paixão sempre renovada aquilo que é
modesto, penoso, mas sublime no ministério sacerdotal, ao qual vos
chamou o Espírito Santo e a isso vos qualificou.
Quiséramos que a próxima Quaresma fosse a ocasião de confirmar em
cada um de vós uma tríplice certeza. A primeira e antes de tudo, a
certeza da relação original, irrevogável e inefável, que nos liga
ao Cristo e que chamamos de sacerdócio. O sacerdócio, não apenas
um simples múnus eclesiástico. um simples serviço prestado à
comunidade. É um sacramento, uma santificação interior. Um
sacramento que confere ao padre poderes particulares e maravilhosos,
que o autorizam a agir em nome do Cristo, in persona Christi. Deste
fato lhe resulta "um caráter" muito especial, indelével, que, em
relação ao Cristo, torna o padre seu instrumento vivo, e estabelece
entre um e outro uma corrente de amor particular e inexaurível. "Vos
amici mei estis. Vos sois meus amigos" (Jo 15,14).
Nossa vida espiritual deveria ser alimentada, continuamente, pela
consciência de nossa ordenação e da escolha que fez de nós o Cristo
por amor: "Ego elegi vos. Eu vos escolhi" (Jo 15,16). Se
ti vontade imanente do cristo, tio mesmo tempo amante e vigoroso, de
se servir de nossa humilde pessoa para agir, colocada para sempre à
sua disposição, fosse percebida por nós como um apelo à uma
intimidade confiante, nossa vida espiritual não conheceria as
alternativas de fé e de dúvida, de fervor e de frieza.
A segunda certeza que deveria sustentar nassa consciência sacerdotal
é a da relação que nos liga de maneira total e irrevogável ao
serviço dos irmãos. O sacerdote não mais se pertence a si mesmo.
A finalidade do sacerdócio é a diaconia, isto é, o serviço sem
reserva e sem condição, do Corpo místico de Cristo, da Igreja,
do Povo de Deus e dos homens. Esta tomada de consciência do fato,
de que não se pertence mais a si, que se entregou ao amor para
sempre, que se tornou servidor dos outros, pode proporcionar ao padre
uma reconfortante segurança, o qual conhece seus próprios limites,
suas necessidades, estando constantemente tentado a "refazer suas
atitudes", a procurar seu próprio prestígio e interesse,
desviando, por conseguinte, a destinação que caracteriza a vida
sacerdotal.
Daí decorre uma terceira certeza, dura quem sabe, em razão de suas
exigências inexoráveis, mas sobremaneira reconfortante, a da
santidade que deve dar o estilo à vida de um homem que, de um lado,
foi escolhido pelo Cristo para ser seu ministro, doutro, tem por
missão transmitir aos demais "os mistérios de Deus" (1 Cor
4,1).
Ora, este ministério não é impessoal, burocrático, puramente
canônico, mas deve ser vivo, personificar de algum modo a palavra
pregada, em outros termos, o ministro da palavra deve fazer um
esforço vital, para espelhar o exemplo do que prega, e se portar
realmente como "alter Christus, outro Cristo". Esta atitude de
ser obrigado à santidade, confere ao padre um entusiasmo particular.
Livre de ambições egoístas, não terá nada a recear nem dentro de
si mesmo, nem dos outros. Repleto de humildade e de coragem, caminha
para a consumação de seu sacrifício, à exemplo do sacrifício do
Cristo, para a perfeição e plenitude da caridade.
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