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O homem moderno, como nós todos, aliás, pode-se dizer, está
persuadido de que "tudo muda". A observação da vida atual nos
dá, com efeito, a impressão de que tudo está se transformando, e
que tudo está em movimento. Nada que interesse a nossa experiência
aparece estável e seguro, tudo muda, tudo evolui tudo cai em
decadência e tudo se renova. Estamos presos e invadidos por este
sentimento de instabilidade das coisas e se à primeira vista este
sentimento inspira certo medo e algum remorso, bem depressa se
transforma, porém, num sentimento de complacência, porque notamos
que este importante e geral fenômeno de mutação recebe nomes
importantes, tais como evolução, progresso, dinamismo,
descoberta, conquista, superação, desenvolvimento, renascimento,
novidade etc.
Desde então, a questão religiosa está aí, e é precisamente sobre
este problema que, em termos bastante simples, vos convidamos a
refletir um instante. A questão é a seguinte: Será que a
religião não estaria também sujeita a importantes mudanças? De
fato, para ficar no domínio que nos diz respeito, será que a
religião não está também em vias de mutação?
A este respeito, pedimo-vos encarecidamente o seguinte: prestai
atenção à complexidade da questão religiosa. Pode-se considerar a
questão religiosa sob o aspecto subjetivo, a saber, sob o aspecto que
é próprio ao homem, o lado intelectual, psicológico e filosófico.
Todos sabemos a que espécies de mutações, a que arbitrariedades, a
que extravagâncias, dúvidas, negações, em suma, a que
metamorfoses foi submetida a idéia religiosa. A discussão está
sempre aberta. Mas afirmamos que nossa razão, nossa experiência,
nossa fé, estão hoje, mais do que nunca, em condições de se
afirmar, como no passado, com muito brilhantismo e de continuar a dar
novos testemunhos de pensamento e de vida, sustentando o choque e as
discussões das objeções próprias ao pensamento, seja filosófico,
seja literário e prático de nossos dias.
Isto quer significar que o homem, este ser de cem faces, pode assumir
aspectos e atitudes muito diversos, proteiformes com respeito à
religião, mas permanece homem, essencialmente como é, não só
capaz, mas desejoso de Deus. Melhor, quanto mais homem é e se
torna, tanto maior se manifesta nele a exigência de Deus. Por
isso, a religião, entendida com relação virtual com a divindade,
não muda com as expressões da vida humana. Neste ponto não temos
senão que fazer votos de um novo florescimento de estudos e
investigações religiosas, isto é, de literatura religiosa,
filosófica, literária, apologética, catequética e artística. É
questão de linguagem. Renovemos a terminologia religiosa.
É necessário, porém, ter em vista o aspecto objetivo da religião,
a saber, a sua verdade, o seu conteúdo, a sua realidade. Para nós
que cremos, para nós católicos de fé unívoca, esta religião
conservada e defendida, explicada por uma instituição providencial,
chamada magistério eclesiástico, que sempre está repetindo as
palavras de Jesus: "A minha doutrina não é minha, mas daquele que
me enviou" (Jo 7,17), é o que não muda por motivo da
evolução dos tempos e dos costumes. Deve ser aceita na sua
formulação genuína, originária e autorizada, ainda que difícil,
mesmo que em contraste com a psicologia de quem a escuta, embora
misteriosa. Vós vos lembrais de como termina a discussão no
Evangelho, sobre a Eucaristia, em Cafarnaum. Os ouvintes achavam
que era absurdo esse ensinamento do Senhor: "Isto é muito duro,
quem o pode admitir?" (Jo 6,60). E Jesus abandonado pela
multidão dos ouvintes, dirige-se aos discípulos, também estes
atônitos e indecisos: "Quereis vós também retirar-vos?" (Jo
6,67).
Isto é grave. Principalmente hoje, quando o homem não quer aceitar
senão o que compreende. E o interessante é que também o homem
moderno é mais do que nunca cliente e aluno de quem tem autoridade no
campo científico. Mas devemos viver da fé, aceitando a palavra de
Deus, mesmo se ultrapassa nossa inteligência Fazemos duas
observações: a fé é obscura, mas não é cega, isto é, possui
motivos que a justificam interior e exteriormente. Muitas vezes já
dissemos com santo Agostinho: "Habet namque f ides oculos suos.
Com efeito a fé tem olhos". Mais ainda a fé pode ser estudada,
aprofundada, confrontada com o saber natural e aplicada. Poderíamos
até dizer que ela se verifica na experiência da vida. A fé vivida
torna-se luz. Amada, torna-se força. Meditada, torna-se
espírito. Por isso, permanecendo íntegra e pura, a fé pode muito
bem compenetrar todas as transformações honestas, novas e grandiosas
da vida atual, e assim se revela a nós como é: princípio de vida
eterna.
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