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Nós prestamos homenagem a vossa magistratura. A Sagrada Escritura
mediante as palavras constitutivas de são Paulo, atribui-nos esta
obrigação (I Cor 6,11; Mt 18,15-17). A Tradição
que tem origem na anterior ao Novo Testamento, torna-nos guardas
ciosos e executores dos serviços que na Igreja organizada e visível,
como é a nossa Igreja católica, a autoridade responsável deve
prestar, para a tutela dos direitos de cada membro da comunidade de
amor, que é precisamente a Igreja, assim como para a observância de
cada um dos respectivos deveres.
Nós hoje pretendemos manifestar nesta audiência, precisamente este
reconhecimento da justa relação entre a Igreja e o Direito
Canônico, embora aqui nos limitemos a considerar o vosso campo
particular, o judiciário, reafirmando a legitimidade, a dignidade e
a importância da vossa tarefa, não tanto pela íntima e paralela
analogia que existe entre a administração da justiça eclesiástica e
a justiça civil, quanto pela sua original derivação do desígnio
constitucional divino da Igreja, Corpo místico de Cristo, animado
pelo espírito de liberdade, de amor, de serviço e de unidade,
desígnio este que o recente Concílio nos recordou com a sua doutrina
eclesiológica.
Discutiu-se tanto sobre a existência de um Direito Canônico, ou
seja, de um sistema legislativo dentro da Igreja que se chegou ao
ponto de qualificar como "juridicismo", com certa reprovação e
ironia todas as suas solicitudes normativas, desqualificando,
portanto, este aspecto da vida eclesiástica, quase como se as
expressões imperfeitas da atividade legislativa na Igreja
justificassem a reprovação e a abolição desta atividade, em virtude
de interpretações inexatas de alguns passos da Sagrada Escritura
(Gal 2,16-18; Rom 4,15). Não se pensa que "uma
comunidade sem lei longe de ser ou de poder ser neste mundo a comunidade
de caridade, nunca foi nem nunca será mais do que a comunidade da
arbitrariedade". Além disso, não se observa o fato de se ter
manifestado, talvez nunca como no nosso tempo, tão mal disposto em
relação ao Direito Canônico, devido a uma determinada e abusiva
interpretação do recente Concílio, como se ele tivesse atenuado os
vínculos jurídicos e essenciais na Igreja, uma tendência prolífera
legislativa a qualquer nível eclesial, devido à impelente
necessidade de sigilar em cânones de nova insti- tuição as
inovações mais diversas e às vezes até ilógicas?
Este fato que certamente também contém propósitos de reformas sãs e
de desejáveis atualizações, que a Igreja hoje não só permite e
orienta, mas também promove, deixa-nos apreensivo, devido às
possíveis incoerências destas novidades jurídicas em relação à
doutrina e à norma que vigem nos ensinamentos da Igreja. Isto ainda
mais porque esta tendência a mudar a praxe eclesial segundo princípios
novos e discutíveis passa facilmente do campo jurídico para o campo
moral, invadindo-o e subvertendo-o com fermentos perigosos. Minando
primeiro o conceito óbvio de direito natural e depois a autoridade da
lei positiva religiosa ou civil, porque é exterior à autonomia
pessoal ou coletiva. Libertando de tal modo a consciência de um claro
conhecimento e da honesta consideração da obrigação moral objetiva,
torna-a por assim dizer livre e só, é verdade, mas infelizmente
constitui um critério cego da ação humana, abandonada assim à
deriva e exposta ao oportunismo de cada situação ou aos impulsos
instintivos, psicossomáticos, deixando de existir uma autêntica
ordem ou a imposição verdadeiramente pessoal de um limite, porque
são justificados por um falso ideal de libertação e por um sofístico
atestado da chamada e avassaladora moralidade permissiva.
Que resta do sentido do bem e do mal? Que resta da nobreza e da
grandeza do homem? É uma grande verdade: o homem sem lei deixa de ser
homem. É verdade praticamente que a lei sem uma autoridade que a
ensine, a interprete e a imponha, facilmente se torna obscura,
incômoda e desaparece. Assim como é verdade que a nossa liberdade
cristã deve distinguir-se da liberdade estigmatizada pelo apóstolo
Pedro: "Comportai-vos como homens livres, não como aqueles que
fazem da liberdade como que um véu para encobrir a malícia, mas como
servos de Deus" (1 Pdr 2,16). Nem podemos recorrer contra a
necessidade de uma lei, à liberdade de espírito ou à "liberdade
[em relação à lei judaica] para a qual Cristo nos libertou"
(Ga1 5,1). Porque exatamente ele, Cristo, também nos
disse: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas. Não vim
revogá-la, mas completá-la" (Mt 5,17). O complemento
será sua absorção e exaltação no mandamento que encerra todos os
outros, o amor de Deus e o amor ao próximo.
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