14 DE MAIO DE 1969. AUDIÊNCIA GERAL.

Já tivemos a ocasião de vos falar no decurso de audiências gerais, como esta, sobre certas expressões que depois do Concílio tiveram na linguagem corrente um sucesso particular. Uma delas é o "pluralismo". Não foi o Concílio que a inventou, ainda que seja encontrada textualmente em certos documentos, conciliares. Pode-se dizer, contudo, que favoreceu o uso desta expressão, pondo em evidência a idéia e a realidade que exprime e autorizando sua aplicação nos domínios mais amplos e diversos do saber e da vida.

Será que nós somos pluralista? A resposta a esta questão será também pluralista. Sim, nós o somos, precisamente porque somos católicos, isto é, universais. Nenhuma tela impõe limite à consideração da realidade, da verdade. Nossa Vocação é o todo. Somos totalitários na visão do universo, da humanidade, da história e do mundo. Para tudo o que concerne à experiência humana, repetimos a célebre sentença de Terêncio: "Homo sum, et nihil a me alienum puto. Sou homem e estimo que nada do que é humano me seja estranho". Quem quer que receie a visão completa da vida e a posse daquilo que vale a pena possuir, professando naturalmente a religião católica, cede a um preconceito irrefletido. Poderíamos até afirmar que só a religião católica é que possui a visão global, a sabedoria superior do mundo, do ser humano e dos destinos do tempo e da vida.

Mas o de que não se deve esquecer são a legitimidade e os limites de nosso pluralismo religioso. Em vez de o explicar, digamos a título de exemplo uma simples palavra, a respeito das objeções feitas por alguns sobre o pluralismo, introduzido pela Igreja na liturgia, depois do Concílio. Com santo Agostinho em seu comentário ao salmo quarenta e quatro, vamos comparar a liturgia com a veste suntuosa da rainha (Igreja) de que fala a Bíblia. "Qual é a veste desta rainha? pergunta santo Agostinho. Ela é preciosa e variada: são os mistérios da doutrina, anunciados em todas as línguas. Uma é a língua da África, outra é a da Síria, outro é o idioma grego, outro é o hebraico e muitos mais ainda. É destas línguas que é feito o tecido multicor da veste da rainha. Mas assim como toda aquela variedade da veste se harmoniza numa unidade, assim todas as línguas convergem harmoniosamente numa e mesma fé. Haja matizes e variedade na veste, mas não fissuras".

O mesmo poderíamos dizer do pluralismo teológico. Mas por causa das próprias leis da verdade revelada e da interpretação da palavra de Deus, convém que neste ponto tenhamos muita prudência. Pode-se admitir que a palavra humana não exprima sempre com perfeição a profundidade insondável do conteúdo de uma fórmula dogmática. Igualmente se pode admitir, que a mesma verdade dogmática ofereça uma virtuosidade de interpretação no anúncio do quérigma, isto é, sob uma forma apologética, catequética, oratória ou parenética. Em suma, é o que vem afirmar a validade das várias escolas teológicas e espirituais. Mas não seríamos fiéis à univocidade da palavra de Deus, ao magistério que deriva desta palavra, se nos atribuíssemos a faculdade de "livre exame" de interpretação subjetiva, de subordinação da doutrina definida aos critérios das ciências profanas, e, pior ainda, aos gostos da opinião pública e às desorientações hoje tão acentuadas da mentalidade especulativa e prática da literatura corrente. Sabemos que a Igreja católica é muito exigente neste ponto decisivo de nossas relações com Cristo, com a tradição e com nosso destino de salvação.

A fé não é pluralista. Mesmo no que se refere ao invólucro das formas que a exprimem a fé é muito delicada e exigente. A Igreja tem cuidado de que a palavra que enuncia a fé não venha trair sua verdade substancial e exige isso. Por acaso, poderíamos acusá-la de observar aquela retilínea exigência do Evangelho, em que Jesus diz: "Que vossa palavra seja sim, sim; não, não" (Mt 5,37; Tg 5,12)? A saber, que vossa linguagem seja clara, reta, honesta, unívoca, sem subentendidos, sem reticências, sem incoerências, sem erros.

Caros filhos, sede abertos a toda a verdade, que é imensa, extremamente rica, sempre capaz de explicações novas. Sede abertos à verdade que o próprio Espírito Santo nos ensina (Jo 15,13) da qual a Igreja é mestra, guarda e intérprete autorizada (Gal 1,8), mas sejamos nós próprios altivos, ciumentos e felizes pela unidade inquebrantável e fecunda da fé, em que unicamente se encontram a verdade e a salvação.