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Já tivemos a ocasião de vos falar no decurso de audiências gerais,
como esta, sobre certas expressões que depois do Concílio tiveram na
linguagem corrente um sucesso particular. Uma delas é o
"pluralismo". Não foi o Concílio que a inventou, ainda que seja
encontrada textualmente em certos documentos, conciliares. Pode-se
dizer, contudo, que favoreceu o uso desta expressão, pondo em
evidência a idéia e a realidade que exprime e autorizando sua
aplicação nos domínios mais amplos e diversos do saber e da vida.
Será que nós somos pluralista? A resposta a esta questão será
também pluralista. Sim, nós o somos, precisamente porque somos
católicos, isto é, universais. Nenhuma tela impõe limite à
consideração da realidade, da verdade. Nossa Vocação é o todo.
Somos totalitários na visão do universo, da humanidade, da
história e do mundo. Para tudo o que concerne à experiência
humana, repetimos a célebre sentença de Terêncio: "Homo sum, et
nihil a me alienum puto. Sou homem e estimo que nada do que é humano
me seja estranho". Quem quer que receie a visão completa da vida e a
posse daquilo que vale a pena possuir, professando naturalmente a
religião católica, cede a um preconceito irrefletido. Poderíamos
até afirmar que só a religião católica é que possui a visão
global, a sabedoria superior do mundo, do ser humano e dos destinos do
tempo e da vida.
Mas o de que não se deve esquecer são a legitimidade e os limites de
nosso pluralismo religioso. Em vez de o explicar, digamos a título
de exemplo uma simples palavra, a respeito das objeções feitas por
alguns sobre o pluralismo, introduzido pela Igreja na liturgia,
depois do Concílio. Com santo Agostinho em seu comentário ao salmo
quarenta e quatro, vamos comparar a liturgia com a veste suntuosa da
rainha (Igreja) de que fala a Bíblia. "Qual é a veste desta
rainha? pergunta santo Agostinho. Ela é preciosa e variada: são
os mistérios da doutrina, anunciados em todas as línguas. Uma é a
língua da África, outra é a da Síria, outro é o idioma grego,
outro é o hebraico e muitos mais ainda. É destas línguas que é
feito o tecido multicor da veste da rainha. Mas assim como toda aquela
variedade da veste se harmoniza numa unidade, assim todas as línguas
convergem harmoniosamente numa e mesma fé. Haja matizes e variedade
na veste, mas não fissuras".
O mesmo poderíamos dizer do pluralismo teológico. Mas por causa das
próprias leis da verdade revelada e da interpretação da palavra de
Deus, convém que neste ponto tenhamos muita prudência. Pode-se
admitir que a palavra humana não exprima sempre com perfeição a
profundidade insondável do conteúdo de uma fórmula dogmática.
Igualmente se pode admitir, que a mesma verdade dogmática ofereça
uma virtuosidade de interpretação no anúncio do quérigma, isto é,
sob uma forma apologética, catequética, oratória ou parenética.
Em suma, é o que vem afirmar a validade das várias escolas
teológicas e espirituais. Mas não seríamos fiéis à univocidade da
palavra de Deus, ao magistério que deriva desta palavra, se nos
atribuíssemos a faculdade de "livre exame" de interpretação
subjetiva, de subordinação da doutrina definida aos critérios das
ciências profanas, e, pior ainda, aos gostos da opinião pública e
às desorientações hoje tão acentuadas da mentalidade especulativa e
prática da literatura corrente. Sabemos que a Igreja católica é
muito exigente neste ponto decisivo de nossas relações com Cristo,
com a tradição e com nosso destino de salvação.
A fé não é pluralista. Mesmo no que se refere ao invólucro das
formas que a exprimem a fé é muito delicada e exigente. A Igreja
tem cuidado de que a palavra que enuncia a fé não venha trair sua
verdade substancial e exige isso. Por acaso, poderíamos acusá-la
de observar aquela retilínea exigência do Evangelho, em que Jesus
diz: "Que vossa palavra seja sim, sim; não, não" (Mt
5,37; Tg 5,12)? A saber, que vossa linguagem seja clara,
reta, honesta, unívoca, sem subentendidos, sem reticências, sem
incoerências, sem erros.
Caros filhos, sede abertos a toda a verdade, que é imensa,
extremamente rica, sempre capaz de explicações novas. Sede abertos
à verdade que o próprio Espírito Santo nos ensina (Jo
15,13) da qual a Igreja é mestra, guarda e intérprete
autorizada (Gal 1,8), mas sejamos nós próprios altivos,
ciumentos e felizes pela unidade inquebrantável e fecunda da fé, em
que unicamente se encontram a verdade e a salvação.
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