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Atrás destas dificuldades às quais fizestes alusão, parece-nos
esconderem graves perigos para a Igreja de Deus e constituírem
pesadas responsabilidades para os que as causam. Duas maiores
entre muitas, a saber: um menor senso da ortodoxia doutrinal quanto
ao cioso "depósito" da fé (1 Tim 6,20) que a Igreja herdou
da originária pregação dos apóstolos, expressa na Sagrada
Escritura e na autêntica Tradição, e que ela escrupulosamente
meditou e atestou em seu responsável ensino sob a direção prometida
por Cristo (Jo 16,13) do Espírito Santo. A segunda que nos
parece causa de múltiplos males, que todos devemos deplorar, se
deveras amamos a Igreja, é certa desconfiança, quanto ao exercício
do ministério hierárquico, que por mandato do Cristo une e guia o
Povo de Deus, nos vários níveis de sua estrutura.
Hoje não é fácil ter um posto de responsabilidade na Igreja. Não
é fácil dirigir uma diocese, e bem compreendemos as condições em
que devem exercer sua missão os nossos irmãos no episcopado.
Não podemos permanecer insensíveis às críticas, nem sempre exatas
nem justas, nem respeitosas e oportunas, que de várias partes se
fazem à Sé Apostólica, sob o apelativo mais facilmente vulnerável
de Cúria Romana. Ser-nos-ia fácil e talvez mesmo necessário,
retificar certas asserções relativas a estas densas e reclamadas
objeções. Mas pensamos que o Povo de Deus informado da verdade das
coisas, e iluminado pela esperança que procede da caridade, poderá
fazê-lo por si mesmo.
Diremos apenas que meditamos serenamente as queixas feitas a esta Sé
Apostólica, com duplo sentimento na alma: o da sincera e humilde
objetividade, pronta a observar e considerar as razões plausíveis
destas contrastantes atitudes, disposta a modificar as posições
puramente jurídicas existentes, quando resulte razoável fazê-lo,
desejosos como somos de renovar, contínua e interiormente, o
espírito da legislação canônica por um serviço melhor da Igreja,
e por um desenvolvimento benéfico e eficaz de sua missão no mundo
contemporâneo, e igualmente com a propensão de compreender e acolher
as boas aspirações particulares de um legítimo pluralismo na
unidade.
Prova desta nossa intenção, condividida por vós e por toda a
Cúria Romana, são a convocação do sínodo extraordinário, e o
grande trabalho em curso da revisão do direito canônico, através de
amplas e múltiplas consultas. Como são os contínuos atos de nós
emanados, e pelos dicastérios da própria Cúria, como seja o
longamente estudado e de iminente publicação, com respeito à
função dos representantes pontifícios, em conformidade com o voto do
Concílio. O mesmo se diga dos numerosos e subseqüentes documentos
acerca da reforma litúrgica, também esta querida pelo Concílio,
cuja vontade tencionamos mandar executar fielmente.
Podemos também acrescentar que é nosso desejo acolher, com amorosa
atenção, as várias vozes que se manifestaram na Igreja, acerca da
renovação da vida sacerdotal, para escutar-lhes as aspirações, em
conformidade com o verdadeiro conceito do sacerdócio católico, e de
seu indispensável ministério, a sua conveniente preparação, seu
melhor aperfeiçoamento, sua orgânica participação na vida
diocesana, e sua mais eficaz inserção na sociedade moderna.
Outro sentimento é o de uma grande confiança, que não queremos
negar às mesmas pessoas de quem provêm as contestações e os
desvios. A isto já fizemos alusão, porque queremos admitir
nestes filhos da santa Igreja uma retidão intencional fundamental, e
queremos juntamente reconhecer a necessidade contínua, que nossas
coisas têm de correção e de aperfeiçoamento. Necessidade tanto
mais urgente, quanto maiorês são as exigências modernas, de uma
contínua renovação eclesial. Contudo, como é óbvio, nossa maior
confiança pela defesa e pelo incremento da Igreja, nesta hora
importante, está na própria Igreja, está no episcopado, no
clero, nos religiosos, no laicato católico, nas fileiras
incalculáveis de almas boas que em silêncio pregam, trabalham,
sofrem pela causa do reino do Cristo.
A quantos chegue o conhecimento desta nossa confiança, em sua
colaboração, saibam que nos são caros, que os exortamos a crescer
no fervor e na operosidade, que rezamos por eles e que de coração os
abençoamos (Flp 1,8-11).
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