29 DE OUTUBRO DE 1971. DISCURSO DURANTE A LITURGIA REALIZADA POR OCASIÃO DO ENCERRAMENTO DA I ASSEMBLÉIA DO PRESBITÉRIO ROMANO.

Aceitamos com prazer o convite de nosso Cardeal Vigário para assistir ao encerramento deste congresso pastoral, primeiro que tudo, porque nos proporciona a ocasião de estarmos no meio de vós, sacerdotes e religiosos romanos, consagrados ao sagrado ministério, de nos encontrarmos convosco e de sentirmos e demonstrarmos que somos o vosso bispo.

Com efeito, não há nada que possa corresponder melhor aos desejos e sentimentos de um bispo do que estar no meio de seus sacerdotes, senti-los perto de si, e dar-lhes a saber, também de um modo sensível, que vivendo em comunhão com seu bispo, são objeto de seu interesse e da sua assistência.

Além disso é a primeira vez que temos a oportunidade de tomar contato com o clero romano, constituído em presbitério, segundo as recentes prescrições conciliares e de o saudar, sentindo uma profunda satisfação ao verificar que esta nova instituição se dedicou imediatamente ao estudo de temas de elevado interesse comum.

Podemos assim exprimir pessoalmente e de viva voz o nosso apreço por este gênero de iniciativas, destinadas a experimentar e a promover aquela comunhão mais intensa, de sentimentos e de ação, ensinada pelo Concílio, entre o clero de uma diocese. Julgamos realmente que esta circulação de estudos e de idéias, esta aceleração de atividades pastorais, este confronto e intercâmbio de experiências, e esta comum formulação emuladora de novos programas, constituem um dos melhores resultados do Concílio. Não se trata de uma ostentacão de palavras vãs em prejuízo de uma operosidade efetiva, mas de um esforço meditado e compartilhado para superar uma praxe consuetudinária, que o tempo tornou indolente e superficial. Também para infundir na caridade pastoral, ou seja, no ministério, o dinamismo que lhe compete, para remontar às razões e exigências teológicas do mesmo ministério, para aplicar com precisão unânime e confiante, as novas normas que a autoridade eclesiástica emana, e utilizar apostolicamente a margem de liberdade discricional, deixada pela lei ao zelo do pastor de almas, para que o exercício do ministério seja adaptado às necessidades, às aspirações, e às circunstâncias locais.

É esta, portanto, a nossa saudação, a nossa palavra de estímulo e a nossa bênção. Mas talvez nos pergunteis: e não nos diz sequer uma palavra sobre o tema?

Sentimos certa hesitacão em entrar no âmago do tema específico deste Congresso, tema que, segundo nos informaram, é "a nova mentalidade para a renovada celebração dos sacramentos". Nossa hesitação é causada pela amplitude do próprio tema e pelas conferências que já ouvistes sobre o assunto, inspiradas, segundo nosso parecer, pela ciência e pela competência. Apraz-nos encomiá-las mais dó que acrescentar-lhes outras considerações.

Se quereis que digamos uma simples palavra de apreço pelo título que propõe o objeto deste congresso, esta palavra é de aprovação. Apesar da brevidade de seu enunciado, aparece duas vezes nele o conceito de novidade. No seu duplo aspecto este conceito de novidade tem dois gumes. O primeiro é positivo, indica incremento, desenvolvimento vital, sinal característico dos valores autenticamente cristãos, ou seja, conserva-se sempre igual a si mesmo, e sempre fecundo como uma árvore, que é sempre a mesma, quando cresce, floresce e frutifica nas estações próprias. O outro aspecto é negativo: repudia tudo o que a tradição nos oferece, mesmo o que ela tem de intangível, e fiando-se na mudança como tal, introduz no campo doutrinal e moral da Igreja elementos arbitrários e heterogêneos que deformam sua verdadeira doutrina e as linhas que a constituem.

Em nosso caso, porém, este recurso ao conceito de novidade é, sem dúvida, positivo, legítimo e até mesmo necessário, quando se refere à nossa mentalidade que, como se diz, deve ser nova. Dizer a homens de Igreja que devem renovar sua mentalidade, à primeira vista parece uma ofensa, como se eles se tivessem afastado do caminho justo, ou estivessem oprimidos pelo peso de uma senilidade moral. Também parece perigoso, como se a desejada renovação de sua mentalidade, permitisse considerar sem valor a formação que receberam, e abandonar-se ao capricho de pensamentos e experiências.

Mas não é assim. A renovação da mentalidade de que se fala É: a que sacode o hábito inerte de se limitar a :fórmulas cômodas e antiquadas de pensar e de agir, de evitar o esforço da reflexão, quer sobre as verdades teológicas que, pela densidade e profundidade do seu conteúdo, deveriam alimentar sempre a contemplação, a investigação e a celebração de quem fez delas a luz da própria vida espiritual. Quer também sobre as realidades exteriores, ou seja, sobre as exigências pastorais e as condições do mundo, realidades essas que se encontram, como todos sabemos, num processo de contínua e profunda mudança. Por mentalidade nova compreendemos a inteligência pronta e aberta, o respeito devido ao preceito do Cristo, sobre a obrigação da vigilância muitas vezes repetido, a conservação da juventude de que fala são Paulo, quando nos exorta: "Por isso não desfalecemos. Ainda que em nós se destrua o homem exterior, o interior renova-se diariamente" (2 Cor 4,16), acrescentando quase textualmente para nosso caso, que devemos renovar espiritualmente a nossa inteligência (Ef 4,25).

Ora, gostaríamos realmente que o clero romano, depois do Concílio do qual, talvez ainda não tenhamos avaliado toda a importância e responsabilidade que tem para nós, adquirisse uma mentalidade adequada à hora presente. Não se trata de uma libertação arrogante do patrimônio de bons pensamentos e de usos locais, que herdamos de nossa educação, nem de aceitar cegamente com adesão servil as idéias e as inovações de proveniência estrangeira e de tendências discutíveis. Trata-se sim de haurir de nossa romanidade uma nova e autêntica espiritualidade, na qual a fé, com a sua certeza e o seu convite a urna perene meditação e à caridade com a sua exigência e a sua universalidade, infundem na alma sacerdotal do padre, especialmente do que se dedica ao ministério pastoral, um modo de pensar, uma mentalidade, a que poderíamos chamar característica, pelo fato de, como diz são Cipriano, ser plasmada e fundada segundo o exemplo da Igreja católica, que é exatamente esta Igreja romana, na qual se realiza mística e historicamente um desígnio divino, e que longe de inspirar orgulho ou vaidade, egoísmos banais ou interesses terrenos, nos deve tornar cada vez mais conscientes, pois pertencemos ao clero romano, do nosso dever de exemplo, de serviço, de zelo e de incomparável amor a Cristo Senhor e à sua Igreja. Sim, vejamos se conseguimos imprimir uma profunda espiritualidade interior nesta nossa condição de vida que nos insere no mistério da Roma católica.

Se estivermos persuadidos desta realidade, ser-nos-á fácil refletir sobre a outra novidade, enunciada pelo vosso tema: a da nova pastoral dos sacramentos. Neste campo a novidade é imposta principalmente pela reforma litúrgica. Sabeis qual é. Mas, além da simples aplicação ritual, justificam-na duas observações. Uma refere-se à sua coerência teológica. A outra à sua fecundidade pastoral. Evidentemente é oportuna e até necessária uma reflexão teológica. Primeiramente, sobre o próprio conceito de sacramento, que é uma ação divina realizada por uma ação humana. A primeira, causa principal da graça. A segunda, instrumento e condição.

Este encontro misterioso da ação transcendente de Deus com a ação ministerial do homem, merece contínua reflexão, admiração sempre nova e constante vivacidade de sentimentos, até porque seu caráter existencial e sua incessante repetição, se quisermos que a ação sacramental não venha a decair num formalismo exterior, e quase supersticioso, exigem esta atenção infatigável e esta descoberta sempre nova.

Em segundo lugar, esta reflexão doutrinal é exigida pela natureza do sacramento, que sabemos ser o símbolo, o sinal de uma intervenção e de uma colação eficaz da graça divina. Ser sinal quer dizer ser linguagem. Significa que o sacramento no seu próprio elemento sensível oferece o tema, escolhido por Cristo, da inexaurível meditação, que leva ao encontro do desígnio divino, segundo o qual Cristo nos quer fazer compreender um pouco do mistério ao qual nos quer associar. Significa, portanto, que a nossa mentalidade, em relação à vida sacramental, deve esforçar-se continuamente por penetrar o significado de símbolo sacramental.

Pensai no batismo. São Paulo exorta-nos a esta passagem da experiência exterior do sinal sensível, para a compreensão do seu significado, que se realiza numa específica comunicação da graça, ou seja, de misteriosa vida divina, à nossa humilde vida humana: "Ignorais, porventura, que todos nós, que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? Pelo batismo sepultamo-nos juntamente com ele, para que assim como Cristo ressuscitou dos mortos, mediante a glória do Pai, assim caminhemos nós também numa vida nova" (Rom 6,3-4).

Em quantas verdades sobrenaturais profundas e estupendas nos faz pensar o símbolo eucarístico do pão e do vinho, a primeira das quais é a unidade do Corpo místico! Em que plenitude de amor nos faz pensar o matrimônio, como sinal da caridade que existe entre Cristo e a Igreja pela qual ele se imolou! (Ef 5,25). E assim por diante.

Tudo isto quer dizer que a mentalidade nova, com que devemos celebrar os sacramentos, consiste não só no estilo verdadeiramente digno da sufi celebração, em que transparece a fé trepidante e feliz do ministro, mas também numa catequese apropriada sobre cada um dos sacramentos. Pode-se dizer que em nossos costumes religiosos, só a primeira comunhão é objeto desta solicitude.

A pastoral renovada deve estudar e aplicar métodos muito mais aperfeiçoados, também para a celebração dos outros sacramentos. A pedagogia sacramental deve ser mais desenvolvida na vida pastoral. A eficácia causadora da graça é toda e principalmente de Deus, que opera no mesmo ato sacramental, ex opere operato, como dizem os teólogos. Mas a eficácia instrumental, que condiciona esta misteriosa ação divina, depende do homem, ex opere operantes, do ministro do sacramento, de quem o recebe, e também da comunidade eclesial, que participa na celebração e na colação dos sacramentos.

O que devemos desejar, então, para que a pastoral sacramental seja renovada? Devemos desejar uma preparação catequética e espiritual maior, uma celebração ritual e comunitária mais perfeita, tanto da parte dos ministros como da parte dos fiéis, e uma inserção mais consciente do fato sacramental na vida concreta. O sacramento tende a produzir efeitos permanentes e morais. Mas vós sabeis tudo isto perfeitamente.

Se a vossa atividade pastoral se aperfeiçoar, no campo do ministério sacramental, será um ótimo fruto deste congresso. Este ano quereis deter vossa atenção no sacramento do matrimônio. Que vasto e novo campo de ministério é o da família cristã, especialmente antes de sua fundação, depois de sua inauguração religiosa e por fim no seu sucessivo andamento.

A pastoral da família apresenta-se hoje como sendo a mais oportuna a mais empenhativa, e também a mais fecunda em resultados benéficos e duradouros. É verdade que pode exigir do pastor de almas um trabalho intenso e delicado, mas também lhe dá as maiores satisfações e os maiores méritos. Esperamo-lo de todo o coração.