10 DE JULHO DE 1968. AUDIÊNCIA.

Digamos uma palavra, uma só e de passagem sobre um fenômeno que se observa nos meios que se dizem religiosos e cristãos: o da religião antropocêntrica, isto é, de uma religião orientada para o homem como principal centro de interesse, ao passo que a religião deve ser, pela sua natureza mesma, teocêntrica, orientada para Deus primeiro, como seu princípio e seu fim último. Secundariamente, voltada para o homem, procurado e amado em função de sua origem divina e por conseqüência em função de relações e deveres que disso resultam. Falou-se então de religião vertical e de religião horizontal. É a segunda de caráter filantrópico e social, que se impõe entre os que não têm uma visão soberana da ordem ontológica, isto é, do real e do objetivo, da religião. Será que desejamos negar a importância que a fé católica liga ao interesse devido ao homem? Certamente que não. Nem queremos atenuar este interesse, que nos obriga, a nós cristãos, sobremaneira e sem cessar. Não esqueçamos que seremos julgados sobre o amor efetivo que tivermos comunicado a nosso próximo e em particular àquele que se acha em necessidade, àquele que sofre e ao decaído. Sobre este ponto não fazemos nenhuma reserva injustificada, mas devemos nos lembrar sempre de que o princípio do amor do próximo é o amor de Deus. Aquele que esquecesse a razão pela qual nós nos proclamamos irmãos uns dos outros isto é, que Deus é nosso pai, de todos nós aquele poderia também esquecer num dado momento os grandes deveres de tal fraternidade e não ver mais no seu semelhante um verdadeiro irmão, mas um estranho, um rival ou inimigo. Se na religião se dá prioridade à corrente humanitária, corre-se o risco de transformar a teologia em sociologia e de esquecer a hierarquia fundamental dos seres e dos valores. "Sou o Senhor, teu Deus, não terás outro deus além de mim", é o que lemos no Antigo Testamento (Êx 20,1) e em o Novo, quando o Cristo ordena: "Amar a Deus ... é o maior mandamento. O segundo lhe é semelhante: Amarás teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22,37-39).

Faz-se mister não esquecer que a preponderância dada ao aspecto sociológico sobre o aspecto teológico propriamente dito, pode criar outro perigo: o de submeter a doutrina da Igreja a critérios humanos, relegando-se a segundo plano os critérios intangíveis da Revelação e do magistério oficial da Igreja. Que se tomem em consideração no exercício do ministério pastoral, as necessidades humanas, muitas vezes graves e urgentes, pode-se admitir evidentemente e mesmo promover, sob condição, porém, que tal consideração não implique a depreciação da prioridade e autenticidade da ortodoxia teológica.

A fé aceita e posta em prática não implica a negação dos deveres de caridade e das graves e prementes necessidades de ordem social. Ao contrário, proporciona inspiração e força para isso.

É ao mesmo tempo também proteção, apoio, primeiro contra a tentação de que o homem caia no "temporalismo", a saber, a tendência de dar o primeiro lugar aos interesses temporais -tentação de que a religião deve se defender, hoje mais do que nunca- em seguida contra a tentação mais grave ainda, a de querer instaurar nova ordem social, não somente sem a caridade, mas, o que é pior, com a violência, substituindo um poder todo-poderoso e egoísta a outros, tido como superado, frustrado e injusto.

Moral sem Deus, religião sem Cristo e sem Igreja, humanismo sem noção autêntica do homem, não podem conduzir a bom porto. Que nossa fé nos preserve destes erros fatais e que em nossa busca de perfeição pessoal e social esta fé continue a nos ser sempre luz e guia.