A videira e os ramos

14. Abstemo-nos deliberadamente de pronunciar qualquer juízo, nesta Encíclica, sobre os pontos doutrinais relativos à Igreja, apresentados ao exame do Concílio, que nos compete presidir: a tão alta e autorizada reunião queremos por agora deixar liberdade de estudo e de palavra, reservando ao nosso múnus apostólico, de mestre e pastor colocado à frente da Igreja de Deus, o momento e modo de exprimir o nosso juízo. Muita alegria sentiremos se o pudermos apresentar em plena conformidade com os Padres conciliares.

Mas não podemos deixar de aludir de algum modo aos frutos, que esperamos hão de provir tanto do Concílio como do esforço a que nos referíamos, que a Igreja deve realizar para conseguir consciência mais plena e vigorosa de si mesma. São esses frutos que temos agora em vista no nosso ministério apostólico, enquanto iniciamos os trabalhos, doces e ingentes ao mesmo tempo, que são, por assim dizer, o programa do nosso pontificado; e vo-lo expomos, Veneráveis Irmãos, com bastante brevidade mas sinceramente, esperando que nos queirais ajudar a pô-lo em execução mediante o vosso conselho, a vossa adesão e o vosso concurso. Pensamos que, patenteando-vos o nosso espírito, o patenteamos a todos os féis da Igreja de Deus e que o eco da nossa voz chegará mesmo aos que se encontram para além dos confins definidos do redil de Cristo.

15. O primeiro fruto da tomada de consciência mais profunda da Igreja quanto a si mesma é a descoberta renovada da sua relação vital com Cristo, coisa bem conhecida, mas fundamental, indispensável, e nunca suficientemente compreendida, meditada e pregada. Que se deveria dizer sobre este capítulo central de todo o nosso patrimônio religioso? Felizmente, vós já conheceis bem esta doutrina; nem nós agora lhe acrescentaremos nada, simplesmente a recomendação de a terdes sempre presente como objeto principal e como diretriz tanto da vossa vida espiritual como da vossa pregação. Mais que a nossa palavra exortatória, valerá a do nosso mencionado predecessor na sobredita Encíclica "Mystici Corporis": "É necessário que nos habituemos a ver a Cristo na Igreja. Pois é Cristo quem vive na sua Igreja, quem por ela ensina, governa e confere a santidade; é também Cristo quem se manifesta de vários modos nos seus vários membros da sua sociedade" (AAS, 35,1943, p. 238). Muito agradável nos seria deter-nos nas reminiscências da Sagrada Escritura, dos Santos Padres, dos Doutores e dos Santos que afluem ao nosso espírito, quando reconsideramos este ponto luminoso da nossa fé. Não nos diz o próprio Jesus que ele é a videira e nós os sarmentos? (cf. Jo l5,lss). Não se apresenta à nossa mente toda a doutrina riquíssima de São Paulo, que não se cansa de nos recordar: "Vós sois uma só coisa em Cristo Jesus" (Gl 3,28) e de nos recomendar: "...cresçamos em tudo em direção àquele que é a cabeça, Cristo, pelo qual todo o corpo... realiza o seu crescimento" (Ef 4,15-16) e de nos lembrar: "...Cristo é tudo em todos"? (Cl 3,11). Baste-nos recordar, entre os mestres, a Santo Agostinho: "... alegremo-nos e demos graças por termos sido feitos não só cristãos, mas Cristo. Entendeis, Irmãos, compreendeis a misericórdia de Deus para conosco? Admirai, alegrai-vos: fomos feitos Cristo. Pois, se Ele é a cabeça, nós somos os membros; homem completo somos Ele e nós... Logo a plenitude de Cristo constituem-na a cabeça e os membros. Que vem a ser a cabeça e os membros? Cristo e a Igreja" (In Jo. tract. 21,8: PL 35,1568).