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30. Mas não queremos renunciar a duas alusões em particular, que
nos parecem referir-se a necessidades e deveres primordiais, e podem
oferecer orientações gerais para a renovação eficaz da vida
eclesial.
Aludimos primeiramente ao espírito de pobreza. Pensamos que ele é
tantas vezes proposto no Sagrado Evangelho, e que tão intimamente se
integra no plano do nosso destino para o reino de Deus, que é tão
ameaçado pela apreciação dos bens hoje, predominante na mentalidade
moderna, e tão necessário para nos fazer entender tantas fraquezas e
ruínas do tempo passado e para nos levar igualmente a compreender qual
deve ser o nosso teor de vida e qual o melhor método para anunciar às
almas a religião de Cristo, e, por fim, tão difícil de praticar
como é devido, que nos atrevemos a mencioná-lo explicitamente nesta
nossa mensagem, não por termos o propósito de publicar especiais
medidas canônicas a este respeito, mas antes para vos pedirmos,
Veneráveis Irmãos, o conforto da vossa concordância, do vosso
conselho e do vosso exemplo. Esperamos que vós, autorizada expresso
dos melhores impulsos do Espírito de Cristo comunicados à santa
Igreja, manifesteis como devem os Pastores e os fiéis adaptar hoje
à pobreza a linguagem e a prática da vida. "Tende em vós o mesmo
sentimento de Cristo Jesus" (Fl 2,5), recomenda-nos o
Apóstolo; esperamos também que indiqueis como devemos propor à vida
da Igreja os critérios diretivos que devem fundar a nossa confiança
mais na ajuda de Deus e nos bens do espírito, do que nos meios
temporais. Eles devem recordar-nos a nós, e ensinar ao mundo, a
sua primazia sobre os bens econômicos; e também que devemos limitar e
subordinar a posse e uso destes ao que for útil para o conveniente
exercício da nossa missão apostólica.
31. A brevidade desta alusão ao valor e obrigação do espírito de
pobreza, nota característica do Evangelho de Cristo, não nos
dispensa de recordar que esse espírito não nos impede compreender e
utilizar devidamente a realidade econômica, que se tornou gigantesca e
fundamental no progresso da civilização moderna, especialmente em
todos os seus reflexos humanos e sociais. Julgamos até que a
libertação interior, produzida pelo espírito de pobreza
evangélica, aumenta a nossa sensibilidade e capacidade para
compreendermos os fenômenos relacionados com os fatores econômicos.
Essa libertação ensinar-nos-á a apreciar a riqueza e o progresso,
que dela podem originar-se, de maneira exata, embora muitas vezes
severa mas justificada; inspirar-nos-á o mais vivo e generoso
interesse pela indigência e também o desejo de que os bens econômicos
não sejam fonte de lutas, de egoísmos e de orgulho entre os homens,
mas, pela justiça e pela eqüidade, sirvam o bem comum, sendo cada
vez mais bem distribuídos. O discípulo do Evangelho é capaz de
apreciar acertadamente e de cooperar com dedicação em tudo quanto se
refere a estes bens econômicos, inferiores aos espirituais e eternos,
mas necessários à vida presente: a ciência, a técnica e sobretudo
o trabalho tornam-se para nós objeto de interesse vivíssimo; e o
pão que produzem torna-se sagrado para a mesa e para o altar. Os
ensinamentos sociais da Igreja não deixam dúvidas sobre este ponto;
e aproveitamos com gosto esta ocasião para reafirmar a nossa adesão a
essa doutrina salutar.
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