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57. É por isto que o diálogo cessa. A Igreja do silêncio, por
exemplo, cala-se falando apenas com o seu sofrimento; e faz-lhe
companhia a amargura de uma sociedade inteira, deprimida e aviltada,
em que os direitos do espírito são dominados pelos direitos dos que
discricionariamente lhe impõem a sorte. Supondo mesmo que
principiávamos o nosso discurso, como poderia ele abrir diálogo
nestas circunstâncias? Teria necessariamente de ser "voz que brada
no deserto" (Mc 1,3). Silêncio, brado, paciência, amor
apesar de tudo, tornam-se neste caso o testemunho único que a Igreja
pode dar, que nem a morte pode extinguir.
Mas se firme e franca deve ser a afirmação e defesa da religião e
dos valores humanos que ela proclama e defende, não está isento de
intenção pastoral o esforço por descobrir, no íntimo do ateu
moderno, os motivos da sua perturbação e das suas negações.
Reconhecemos que são complexos e múltiplos; daí a necessidade de
sermos cautos em julgar e eficazes em refutar. Vemos nascer esses
motivos, às vêzes da exigência de uma apresentação do mundo divino
mais elevada e pura do que a predominante talvez em certas formas
imperfeitas de linguagem e de culto, que deveríamos procurar tornar
quanto possível límpidas e transparentes, a fim de exprimirem melhor
os conceitos sagrados que representam.
58. Uma inquietação os domina, muitas vezes generosa mas não
isenta de paixão e de utopia, um sonho de justiça e de progresso a
serviço de finalidades sociais divinizadas. Tomam estas o lugar do
Absoluto e do Necessário, são manifestações da necessidade
indestrutível do Princípio e do Fim divino, cuja transcendência e
imanência tocará ao nosso paciente e esclarecido magistério
desvelar. Vemo-los valer-se, por vezes com entusiasmo ingênuo,
dum recurso escrupuloso à racionalidade humana, com o intuito de
apresentar uma concepção científica do universo. Recurso este tanto
menos discutível, quanto mais fundado na lógica do pensamento muitas
vezes no diferente da que nós temos na escolástica. Recurso que,
pelo seu valor intrínseco, leva em última análise (bem contra a
vontade dos que pensam descobrir nele uma arma inexpugnável em favor do
ateísmo!), a uma armação nova e final, tanto metafísica como
lógica, do Deus supremo. Não haverá entre nós quem ajude este
processo obrigatório do pensamento, que o cientista político ateu
interrompe voluntariamente num dado ponto, apagando a luz mais clara
que faz compreender o universo, a chegar à concepção da realidade
objetiva do universo cósmico, a qual restitui ao espírito o sentido
da presença divina, e aos lábios as humildes e balbuciantes sílabas
duma oração pacificante? Vemo-los também movidos, às vezes, de
nobres sentimentos, desprezando a mediocridade e o egoísmo de tantos
ambientes sociais contemporâneos, e prontos a vir buscar ao nosso
Evangelho formas e linguagem de solidariedade e de compreensão
humana. Não seremos capazes um dia de reconduzir às fontes, que
são cristãs, essas expressões de valores morais?
Recordando que o nosso predecessor, de venerada memória, o Papa
João XXIII, escreveu na Encíclica "Pacem in Terris", que
as doutrinas de tais movimentos, uma vez elaboradas e definidas, se
mantêm sempre as mesmas, mas que os movimentos não podem deixar de
evoluir nem de subtrair-se a mudanças mesmo profundas (cf. AAS
55,1963, p. 300), não perdemos a esperança de que eles
venham um dia a entabular com a Igreja um colóquio positivo,
diferente do que ele poderia ser atualmente para nós. Agora só daria
lugar a lástimas e a gemidos irreprimíveis.
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