A negação de Deus: obstáculo ao diálogo

55. Sabemos, porém, que neste círculo ilimitado há muita, muitíssima gente por desgraça, que não professa nenhuma religião, sabemos até que muitos se dizem ateus, em variadíssimas formas. E sabemos que existem alguns que fazem profissão clara da sua impiedade e a defendem como programa de educação humana e de atividade política, na ingênua mas fatal persuasão de irem libertar o homem de concepções velhas e falsas sobre a vida e o mundo, para as substituírem, segundo dizem, por uma concepção científica, conforme as exigências do progresso moderno.

É o fenômeno mais grave do nosso tempo. Estamos fïrmemente convencidos que a teoria, sobre a qual se funda a negação de Deus, está fundamentalmente errada, não corresponde às exigências últimas e inderrogáveis do pensamento, subtrai à ordem racional do mundo as suas bases autênticas e fecundas, introduz na vida humana não uma fórmula de solução mas um dogma cego, que a degrada e desola, e arruina pela raiz todos os sistemas sociais que nele pretendem fundar-se. Não é libertação, mas drama que tenta apagar a luz do Deus vivo. Por isso resistiremos nós, com todas as forças, a esta negação avassaladora, pelo amor supremo da verdade, pelo compromisso sacrossanto de confessarmos Cristo e o seu Evangelho, com a maior fidelidade pelo amor apaixonado, irrenunciável, à sorte da humanidade, e na esperança invencível de o homem moderno vir ainda a descobrir, na mensagem religiosa do catolicismo, que é chamado a uma civilização imortal mas sempre em progresso, a caminho da perfeição natural e sobrenatural do homem. A graça de Deus torna-o capaz de possuir pacífica e honestamente os bens temporais e abre-o à esperança dos bens eternos.

56. Estas razões que nos obrigam, como obrigaram os nossos Predecessores e com eles todos quantos têm a peito os valores religiosos, a condenar os sistemas ideológicos negadores de Deus e opressores da Igreja, sistemas muitas vezes identificados com regimes econômicos, sociais e políticos, e entre estes de maneira especial o comunismo ateu. Poder-se-ia dizer que, rigorosamente, não somos nós que os condenamos, mas que esses sistemas e os regimes que os personificam se colocam em oposição radical de idéias conosco e praticam atos de opressão. A nossa queixa é, afinal, mais que sentença de juiz, lamentação de vítima.

Em tais condições, a hipótese de diálogo torna-se bastante difícil, para não dizer impossível, ainda que mesmo hoje não temos nenhum propósito de afastar de nós as pessoas que seguem os sobreditos sistemas e apóiam esses regimes. Para quem ama a verdade, a discussão é sempre possível. Obstáculos, porém, de índole moral dificultam-na muitíssimo, por falta de liberdade suficiente de juízo e de ação, e por abuso dialético da palavra, que deixa de ser expressão da verdade objetiva para se por ao serviço de fins utilitários pré-estabelecidos.