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22. "Enchei a terra e dominai-a"[19]: logo desde a primeira
página, a Bíblia ensina-nos que toda a criação é para o homem,
com a condição de ele aplicar o seu esforço inteligente em
valorizá-la e, pelo seu trabalho, por assim dizer, completá-la em
seu serviço. Se a terra é feita para fornecer a cada um os meios de
subsistência e os instrumentos do progresso, todo o homem tem
direito, portanto, de nela encontrar o que lhe é necessário. O
recente Concílio lembrou-o: "Deus destinou a terra e tudo o que
nela existe ao uso de todos os homens e de todos os povos, de modo que
os bens da criação afluam com eqüidade às mãos de todos, segundo a
regra da justiça, inseparável da caridade".[20] Todos os
outros direitos, quaisquer que sejam, incluindo os de propriedade e de
comércio livre, estão-lhe subordinados: não devem portanto
impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização; e é um
dever social grave e urgente conduzi-los à sua finalidade primeira.
23. "Se alguém, gozando dos bens deste mundo, vir o seu irmão
em necessidade e lhe fechar as entranhas, como permanece nele a
caridade de Deus?".[21] Sabe-se com que insistência os
Padres da Igreja determinaram qual deve ser a atitude daqueles que
possuem em relação aos que estão em necessidade: "não dás da tua
fortuna, assim afirma santo Ambrósio, ao seres generoso para com o
pobre, tu dás daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te
atribuis a ti, foi dado em comum para uso de todos. A terra foi dada
a todos e não apenas aos ricos".[22] Quer dizer que a
propriedade privada não constitui para ninguém um direito
incondicional e absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu
uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o
necessário. Numa palavra, "o direito de propriedade nunca deve
exercer-se em detrimento do bem comum, segundo a doutrina tradicional
dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos". Surgindo algum
conflito "entre os direitos privados e adquiridos e as exigências
comunitárias primordiais", é ao poder público que pertence
"resolvê-lo, com a participação ativa das pessoas e dos grupos
sociais".[23]
24. O bem comum exige por vezes a expropriação, se certos
domínios formam obstáculos à prosperidade coletiva, pelo fato da sua
extensão, da sua exploração fraca ou nula, da miséria que daí
resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos
interesses do país. Afirmando-o com clareza, [24] o Concílio
também lembrou, não menos claramente, que o rendimento disponível
não está entregue ao livre capricho dos homens, e que as
especulações egoístas devem ser banidas. Assim, não é
admissível que cidadãos com grandes rendimentos, provenientes da
atividade e dos recursos nacionais, transfiram uma parte considerável
para o estrangeiro, com proveito apenas pessoal, sem se importarem do
mal evidente que com isso causam à pátria.[25]
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