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59. Se há homens que proclamam no mundo o Evangelho da
salvação, fazem-no por ordem, em nome e com a graça de Cristo
Salvador. "E como podem pregar, se não forem enviados?
[81]escrevia aquele que foi, sem dúvida alguma, um dos maiores
evangelizadores. Ninguém, pois, pode fazer isso se não for
enviado.
Mas, então quem é que tem a missão de evangelizar? O Concílio
Ecumênico Vaticano II respondeu claramente a esta pergunta: "Por
mandato divino, incumbe à Igreja o dever de ir por todo o mundo e
pregar o Evangelho a toda a criatura", [82] E noutro texto o
mesmo Concílio diz ainda: "Toda a Igreja é missionária, a obra
da evangelização é um dever fundamental do povo de Deus".[83]
Já recordamos esta ligação íntima entre a Igreja e a
evangelização. Quando a Igreja anuncia o reino de Deus e o
edifica, insere-se a si própria no âmago do mundo, como sinal e
instrumento desse reino que já é e que já vem. O mesmo Concílio
referiu com justeza, as palavras bem significativas de Santo
Agostinho, sobre a ação missionária dos doze: "pregaram a palavra
da verdade e geraram as Igrejas".[84]
60. O fato de a Igreja ser enviada e mandada para a evangelização
do mundo, é uma observação que deveria despertar em nós uma dupla
convicção.
A primeira é a seguinte: evangelizar não é para quem quer que seja
um ato individual e isolado, mas profundamente eclesial. Assim,
quando o mais obscuro dos pregadores, dos catequistas ou dos pastores,
no rincão mais remoto, prega o Evangelho, reúne a sua pequena
comunidade, ou administra um sacramento, mesmo sozinho, ele perfaz um
ato de Igreja e o seu gesto está certamente conexo, por relações
institucionais, como também por vínculos invisíveis e por raízes
recônditas da ordem da graça, à atividade evangelizadora de toda a
Igreja. Isto pressupõe, porém, que ele age, não por uma missão
pessoal
que se atribuísse a si próprio, ou por uma inspiração pessoal, mas
em união com a missão da Igreja e em nome da mesma.
Donde, a segunda convicção: se cada um evangeliza em nome da
Igreja, o que ela mesma faz em virtude de um mandato do Senhor,
nenhum evangelizador é o senhor absoluto da sua ação evangelizadora,
dotado de um poder discricionário para realizar segundo critérios e
perspectivas individualistas tal obra, mas em comunhão com a Igreja e
com os seus Pastores.
A Igreja é ela toda inteiramente evangelizadora, como frisamos
acima. Ora isso quer dizer que, para com o conjunto do mundo e para
com cada parcela do mundo onde ela se encontra, a Igreja se sente
responsável pela missão de difundir o Evangelho.
61. Chegados a este ponto da nossa reflexão, queremos deter-nos
um pouco, convosco, Irmãos e Filhos, sobre uma questão
particularmente importante nos nossos dias.
Nas suas celebrações litúrgicas, no seu testemunho diante dos
juízes e dos carrascos e nos seus escritos apologéticos, os primeiros
cristãos exprimiam de boa mente a sua fé profunda na Igreja e
designavam-na como espalhada por todo o universo. E que eles tinham a
consciência plena de fazer parte de uma grande comunidade que nem o
espaço nem o tempo poderiam delimitar: "Desde o justo Abel até o
último dos eleitos",[85] "até as extremidades da
terra",[86] "até ao fim do mundo".[87]
Foi assim que o Senhor quis a sua Igreja: universal, uma grande
árvore de modo que as aves do céu venham abrigar-se sob os seus
ramos,[88] rede que recolhe toda a espécie de peixes [89] ou
que Pedro retira cheia com cento e cinqüenta e três grandes
peixes,[90] rebanho que um só pastor apascenta; [91] Igreja
universal, sem limites nem fronteiras, a não ser, infelizmente, as
do coração e do espírito do homem pecador.
62. Entretanto, esta Igreja universal encarna-se de fato nas
Igrejas particulares; e estas são constituídas por tal ou tal
porção da humanidade em concreto, que fala uma determinada linguagem
e é tributária de uma certa herança cultural, de uma visão do
mundo, de um passado histórico e, enfim, de um substrato humano
específïco. A abertura para as riquezas da Igreja particular
corresponde a uma sensibilidade especial do homem contemporâneo.
Guardemo-nos bem, no entanto, de conceber a Igreja universal como
sendo o somatório, ou, se se preferir dizê-lo, a federação mais
ou menos anômala de Igrejas particulares essencialmente diversas. No
pensamento do Senhor é a Igreja, universal por vocação e por
missão, que, ao lançar as suas raízes na variedade dos terrenos
culturais, sociais e humanos, se reveste em cada parte do mundo de
aspectos e de expressões exteriores diversas.
Assim, toda a Igreja particular que se separasse voluntariamente da
Igreja universal perderia a sua referência ao desígnio de Deus e
empobrecer-se-ia na sua dimensão eclesial. Mas, por outro lado,
uma Igreja "toto urbe diffusa" (espalhada por todo o mundo)
tornar-se-ia uma abstração se ela não tomasse corpo e vida
precisamente através das Igrejas particulares. Só uma atenção
constante aos dois polos da Igreja nos permitirá aperceber-nos da
riqueza desta relação entre Igreja universal e Igrejas
particulares.
63. As Igrejas particulares profundamente amalgamadas não apenas
com as pessoas, como também com as aspirações, as riquezas e as
limitações, as maneiras de orar, de amar, de encarar a vida e o
mundo, que caracterizam este ou aquele aglomerado humano, tem o papel
de assimilar o essencial da mensagem evangélica, de a transpor, sem a
mínima traição à sua verdade essencial, para a linguagem que esses
homens compreendam e, em seguida, de a anunciar nessa mesma
linguagem.
Uma tal transposição há de ser feita com o discernimento, a
seriedade, o respeito e a competência que a matéria exige, no campo
das expressões litúrgicas, [92] como de igual modo no que se
refere à catequese, à formulação teológica, às estruturas
eclesiais secundárias e aos ministérios.
E aqui linguagem deve ser entendida menos sob o aspecto semântico ou
literário do que sob aquele aspecto que se pode chamar antropológico e
cultural.
O problema é sem dúvida delicado. A evangelização perderia algo
da sua força e da sua eficácia se ela porventura não tomasse em
consideração o povo concreto a que ela se dirige, não utilizasse a
sua língua, os seus sinais e símbolos; depois, não responderia
também aos problemas que esse povo apresenta, nem atingiria a sua vida
real. De outro lado, a evangelização correria o risco de perder a
sua alma e de se esvaecer se fosse despojada ou fosse desnaturada quanto
ao seu conteúdo, sob o pretexto de a traduzir melhor; o mesmo
sucederia, se ao querer adaptar uma realidade universal a um espaço
localizado, se sacrificasse essa realidade ou se destruísse a
unidade, sem a qual já não subsiste a universalidade. Ora, sendo
assim, só uma Igreja que conserva a consciência da sua
universalidade e demonstra de fato ser universal, pode ter uma mensagem
capaz de ser entendida por todos, passando por cima de demarcações
regionais.
Uma legítima atenção para com as Igrejas particulares não pode
senão vir a enriquecer a Igreja. Tal atenção, aliás, é
indispensável e urgente. Ela corresponde às aspirações mais
profundas dos povos e das comunidades humanas, a descobrirem cada vez
mais a sua fisionomia própria.
64. Esse enriquecimento, porém, exige que as Igrejas
particulares mantenham a sua abertura profunda para a Igreja
universal. É bem que seja realçado, de resto, que os cristãos mais
simples, mais fiéis ao Evangelho e mais abertos ao verdadeiro sentido
da Igreja, são aqueles que têm uma sensibilidade absolutamente
espontânea em relação a esta dimensão universal; eles sentem,
instintiva e vigorosamente, a necessidade dela; reconhecem-se nela
com facilidade, vibram com ela e sofrem no mais íntimo do seu ser
quando, em nome de teorias que eles não compreendem, se vêem
constrangidos numa Igreja desprovida dessa universalidade, Igreja
regionalista e sem horizontes.
Conforme a história demonstra, aliás, sempre que tal ou tal Igreja
particular, algumas vezes com as melhores intenções e baseando-se em
argumentos teológicos, sociológicos, políticos ou pastorais, ou
mesmo no desejo de uma certa liberdade de movimentos ou de ação, se
desligou da Igreja universal e do seu centro vivo e visível, essa
Igreja só muito dificilmente escapou, se é que escapou, a dois
perigos igualmente graves: o perigo, de um lado, do isolacionismo
estiolante, e depois, em breve tempo, da desagregação, com cada
uma das suas células a separar-se dela, como ela própria se separou
do núcleo central; e de outro lado, o perigo de perder a sua
liberdade, uma vez que, desligada do centro e das outras Igrejas que
lhe comunicavam vigor e energia, ela se veio a encontrar sozinha, à
mercê das mais variadas forças de escravização e de exploração.
Quanto mais uma Igreja particular estiver ligada, por vínculos
sólidos de comunhão, à Igreja universal, na caridade e na
lealdade, na abertura para o magistério de Pedro, na unidade da
"lex orandi" (norma da oração), que é também a "lex credendi"
(norma para crer), e no cuidado pela unidade com todas as demais
Igrejas que compãem a universalidade, tanto mais essa Igreja estará
em condições de traduzir o tesouro da fé na legítima variedade das
expressões da profissão de fé, da oração e do culto, da vida e do
comportamento cristão e do influxo irradiante do povo em que a mesma
fé se acha inserida. E, a par disto, mais ela será verdadeiramente
evangelizadora, ou seja, capaz de ir beber no patrimônio universal
para fazer com que dele aproveite esse seu povo; e, depois, capaz de
comungar com a Igreja universal a experiência e a vida desse mesmo
povo, para benefício de todos.
65. Neste sentido, precisamente, houvemos por bem dizer uma
palavra clara e repassada de afeto paterno, na altura do encerramento
das sessões do Sínodo, insistindo sobre a função do sucessor de
São Pedro como princípio visível, vivo e dinâmico da unidade
entre as Igrejas e, por conseguinte, da universalidade da única
Igreja. [93] Insistíamos também na mesma ocasião na grave
responsabilidade que sobre nós incumbe, mas que nós compartilhamos
com os nossos Irmãos no Episcopado, de manter inalterável o
conteúdo da fé católica que o Senhor confiou aos Apóstolos:
traduzido em todas as linguagens, este conteúdo nunca há de sofrer
amputações ou ser mutilado; mas sim, revestido pelos símbolos
próprios de cada povo, explicitado com as expressões teológicas que
têm em conta os meios culturais, sociais e até mesmo raciais
diversos, ele deve permanecer o conteúdo da fé católica tal como o
magistério eclesial o recebeu e o transmite.
66. Toda a Igreja, portanto, é chamada para evangelizar; no seu
grêmio, porém, existem diferentes tarefas evangelizadoras que hão
de ser desempenhadas. Tal diversidade de serviços na unidade da mesma
missão é que constitui a riqueza e a beleza da evangelização.
Passamos a recordar, em breves palavras, essas tarefas.
Queremos, antes de mais nada, assinalar nas páginas do Evangelho o
encarecimento com que o Senhor confia aos apóstolos a função de
anunciar a Palavra. Ele próprio os escolheu, [94] formou-os
durante os diversos anos de familiaridade, [95] constituiu-os
[96] e deu-lhes o mandato[97] para serem testemunhas e mestres
autorizados da mensagem da salvação. E os doze, por seu turno,
enviaram os seus sucessores que continuam a pregar a Boa Nova,
atendo-se à linha apostólica.
67. O sucessor de Pedro é assim, pela vontade de Cristo,
encarregado do ministério preeminente de ensinar a verdade revelada.
O Novo Testamento apresenta-nos por várias vezes Pedro "cheio do
Espírito Santo" a tomar a palavra em nome de todos.[98] É
precisamente por isso que São Leão Magno fala dele como sendo
aquele que mereceu ter o primado do apostolado.[99] É por isso,
ainda, que a voz da Igreja nos mostra o Papa "no vértice - in
apice, in specula - do apostolado".[100] O Concílio
Ecumênico Vaticano II houve por bem reaf'irmar isso mesmo, quando
declarou que "o mandamento de Cristo de pregar o Evangelho a toda a
criatura (cf. Mc.16,15) impende primária e imediatamente aos
Bispos, com Pedro e sob Pedro".[101]
O poder pleno, supremo e universal [102] que Cristo confia ao
seu Vigário para o governo pastoral da sua Igreja, acha-se
especialmente, portanto, na atividade de pregar e de mandar pregar a
Boa Nova da salvação, que o Papa exerce.
68. Unidos ao sucessor de Pedro, os Bispos, sucessores dos
apóstolos, recebem pela virtude da ordenação episcopal, a
autoridade para ensinar na Igreja a verdade revelada. Eles são os
mestres da fé.
Aos Bispos são associados no ministério da evangelização, como
responsáveis por um título especial, aqueles que, por força da
ordenação sacerdotal, agem em nome de Cristo, [103] dado que
são, enquanto educadores do povo de Deus na fé, pregadores, ao
mesmo tempo que ministros da eucaristia e dos outros sacramentos.
Todos nós, portanto, enquanto Pastores, somos convidados a tomar
consciência, mais do que qualquer outro membro da Igreja, deste
dever. Aquilo que constitui a singularidade do nosso serviço
sacerdotal, aquilo que dá unidade profunda às mil e uma tarefas que
nos solicitam ao longo do dia e da nossa vida, aquilo, enfim, que
confere às nossas atividades uma nota específica, é essa finalidade
presente em todo o nosso agir: "anunciar o Evangelho de
Deus".[104]
Está nisto um traço bem vincado da nossa identidade, que dúvida
alguma jamais haveria de fazer desvanecer, que nunca objeção alguma
deveria eclipsar. Como Pastores, nós fomos escolhidos pela
misericórdia do supremo Pastor, [105] apesar da nossa
insuficiência, para proclamar com autoridade a Palavra de Deus,
para reunir o povo de Deus que andava disperso, para alimentar este
mesmo povo com os sinais da ação de Cristo que são os sacramentos,
para o encaminhar para a via da salvação, para o manter naquela
unidade de que nós somos, em diferentes planos, instrumentos ativos e
vivos, para animar constantemente esta comunidade congregada em torno
de Cristo na linha da sua vocação mais íntima. E sempre que nós,
na medida das nossas limitações, perfazemos tudo isto, é uma obra
de evangelização aquilo que nós de fato realizamos. Nós, como
Pastor da Igreja universal, os nossos Irmãos Bispos à frente das
suas Igrejas particulares e os sacerdotes e diáconos unidos aos seus
próprios Bispos, de quem são os colaboradores, por uma comunhão
que tem a sua origem no sacramento da ordem e na caridade da Igreja.
69. Os religiosos, por sua vez, têm na sua vida consagrada um
meio privilegiado de evangelização eficaz. Pelo mais profundo do seu
ser, eles situam-se de fato no dinamismo da Igreja, sequiosa
doAbsoluto de Deus e chamada à santidade. É dessa santidade que
dão testemunho. Eles encarnam a Igreja desejosa de se entregar ao
radicalismo das bem-aventuranças. Eles são, enfim, pela sua mesma
vida, sinal de uma total disponibilidade para Deus, para a Igreja e
para os irmãos. E em tudo isto, portanto, têm os religiosos uma
importância especial no quadro de testemunho que, conforme frisamos em
precedência, é primordial na evangelização.
Este seu testemunho silencioso, de pobreza e de despojamento, de
pureza e de transparência, de entrega para a obediência, pode
tornar-se, ao mesmo tempo que uma interpelação para o mundo e para a
própria Igreja, uma pregação eloqüente, capaz de tocar o
coração mesmo dos não-cristãos de boa vontade, sensíveis a certos
valores.
Com uma tal perspectiva, fácil se torna adivinhar o papel
desempenhado na evangelização pelos religiosos e pelas religiosas
consagrados à oração, ao silêncio, à penitência e o
sacrifício. Outros religiosos, em grande número, dedicam-se
diretamente ao anúncio de Cristo. A sua ação missionária
dependerá, evidentemente, da hierarquia e deve ser coordenada com a
pastoral que a mesma hierarquia deseja pôr em prática. Mas, quem é
que não avalia a imensa quota-parte com que eles têm contribuído e
continuam a contribuir para a evangelização? Graças à sua
consagração religiosa, eles são por excelência voluntários e
livres para deixar tudo e ir anunciar o Evangelho até as extremidades
da terra. Eles são empreendedores, e o seu apostolado é muitas
vezes marcado por uma originalidade e por uma feição própria, que
lhes granjeiam forçosamente admiração. Depois, eles são
generosos: encontram-se com freqüência nos postos de vanguarda da
missão e a arrostar com os maiores perigos para a sua saúde e para a
sua própria vida. Sim, verdadeiramente a Igreja deve-lhes muito!
70. Os leigos, a quem a sua vocação específica coloca no meio do
mundo e à frente de tarefas as mais variadas na ordem temporal, devem
também eles, através disso mesmo, atuar uma singular forma de
evangelização.
A sua primeira e imediata tarefa não é a instituição e o
desenvolvimento da comunidade eclesial, esse é o papel específico dos
Pastores, mas sim, o pôr em prática todas as possibilidades
cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes, nas
coisas do mundo. O campo próprio da sua atividade evangelizadora é o
mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da
economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da
vida internacional, dos "mass media" e, ainda, outras realidades
abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a
educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e
o sofrimento. Quanto mais leigos houver impregnados do Evangelho,
responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente
nas mesmas, competentes para as promover e conscientes de que é
necessário fazer desabrochar a sua capacidade cristã muitas vezes
escondida e asfixiada, tanto mais essas realidades, sem nada perder ou
sacrificar do próprio coeficiente humano, mas patenteando uma
dimensão transcendente para o além, não raro desconhecida, se
virão a encontrar ao serviço da edificação do reino de Deus e, por
conseguinte, da salvação em Jesus Cristo.
71. No conjunto daquilo que é o apostolado evangelizador dos
leigos, não se pode deixar de pôr em realce a ação evangelizadora
da família. Nos diversos momentos da história da Igreja, ela
mereceu bem a bela designação sancionada pelo Concílio Ecumênico
Vaticano II: "Igreja doméstica".[106] Isso quer dizer
que, em cada família cristã, deveriam encontrar-se os diversos
aspectos da Igreja inteira. Por outras palavras, a família, como a
Igreja, tem por dever ser um espaço onde o Evangelho é transmitido
e donde o Evangelho irradia.
No seio de uma família que tem consciência desta missão, todos os
membros da mesma família evangelizam e são evangelizados. Os pais,
não somente comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem receber deles
o mesmo Evangelho profundamente vivido. E uma família assim
torna-se evangelizadora de muitas outras famílias e do meio ambiente
em que ela se insere. Mesmo as famílias surgidas de um matrimônio
misto têm o dever de anunciar Cristo à prole, na plenitude das
implicações do comum batismo; além disso, incumbe-lhes a tarefa
que não é fácil, de se tornarem artífices da unidade.
72. As circunstâncias de momento convidam-nos a prestar uma
atenção muito especial aos jovens. O seu aumento numérico e a sua
crescente presença na sociedade e os problemas que os assediam devem
despertar em todos o cuidado de lhes apresentar, com zelo e
inteligência, o ideal evangélico, a fim de eles o conhecerem e
viverem. Mas, por outro lado, é necessário que os jovens, bem
formados na fé e na oração, se tornem cada vez mais os apóstolos da
juventude. A Igreja põe grandes esperanças na sua generosa
contribuição nesse sentido; e nós próprios, em muitas ocasiões,
temos manifestado a plena confiança que nutrimos em relação aos
mesmos jovens.
73. Assim, a presença ativa dos leigos nas realidades temporais
assume toda a sua importância. No entanto, é preciso não descurar
ou não deixar no esquecimento outra dimensão: os leigos podem também
sentir-se chamados ou vir a ser chamados para colaborar com os
próprios Pastores ao serviço da comunidade eclesial, para o
crescimento e a vida da mesma, pelo exercício dos ministérios muito
diversificados, segundo a graça e os carismas que o Senhor houver por
bem depositar neles.
Não é sem experimentar intimamente uma grande alegria que nós vemos
uma legião de Pastores, religiosos e leigos, apaixonados pela sua
missão evangelizadora, a procurarem moldes mais adaptados para
anunciar eficazmente o Evangelho; e encorajamos a abertura que, nesta
linha e com esta preocupação, a Igreja demonstra ter alcançado nos
dias de hoje. Abertura para a reflexão, em primeiro lugar; e
depois, abertura para ministérios eclesiais susceptíveis de
rejuvenescer e de reforçar o seu próprio dinamismo evangelizador.
É certo que, ao lado dos ministérios ordenados, graças aos quais
alguns fiéis são colocados na ordem dos Pastores e passam a
consagrar-se de uma maneira particular ao serviço da comunidade, a
Igreja reconhece também o lugar de ministérios não-ordenados, e
que são aptos para assegurar um especial serviço da mesma Igreja.
Um relance sobre as origens da Igreja é muito elucidativo e fará com
que se beneficie de uma antiga experiência nesta matéria dos
ministérios, experiência que se apresenta válida, dado que ela
permitiu à Igreja consolidar-se, crescer e expandir-se. O atender
assim às fontes, deve ser completado ainda pela atenção às
necessidades atuais da humanidade e da mesma Igreja. O ir beber
nestas fontes sempre inspiradoras, e o nada sacrificar destes valores,
mas saber adaptar-se às exigências e às necessidades atuais,
constituem a base sobre que há de assentar a busca sapiente e o colocar
na devida luz os ministérios de que a Igreja precisa e que bom número
dos seus membros hão de ter a peito abraçar para uma maior vitalidade
da comunidade eclesial.
Tais ministérios virão a ter um verdadeiro valor pastoral na medida
em que se estabelecerem com um respeito absoluto da unidade e
aproveitando-se da orientação dos Pastores, que são precisamente
os responsáveis e os artífices da mesma unidade da Igreja.
Tais ministérios, novos na aparência mas muito ligados a
experiências vividas pela Igreja ao longo da sua existência, por
exemplo, os de catequistas, de animadores da oração e do canto, de
cristãos devotados ao serviço da Palavra de Deus ou à assistência
aos irmãos em necessidade, ou ainda os de chefes de pequenas
comunidades, de responsáveis por movimentos apostólicos, ou outros
responsáveis, sáo preciosos para a implantação, para a vida e para
o crescimento da Igreja e para a sua capacidade de irradiar a própria
mensagem à sua volta e para aqueles que estão distantes. Nós somos
devedores também da nossa estima particular a todos os leigos que
aceitam consagrar uma parte do seu tempo, das suas energias e às vezes
mesmo a sua vida toda, ao serviço das missões.
Para todos os obreiros da evangelização é necessária uma
preparação séria; e é necessária de modo muito particular para
aqueles que se dedicam ao ministério da Palavra. Animados pela
convicção, incessantemente aprofundada, da nobreza e da riqueza da
Palavra de Deus, aqueles que têm a missão de a transmitir devem
dedicar a maior atenção à dignidade, à precisão e à adaptação
da sua linguagem. Todos sabem que a arte de falar se reveste hoje em
dia de uma grandíssima importância. E como poderiam então os
pregadores e os catequistas descurá-la?
Nós auspiciamos vivamente que, em todas as Igrejas particulares, os
Bispos velem pela formação adequada de todos os ministros da
Palavra. Essa preparação séria fará aumentar neles a
indispensável segurança, como também o entusiasmo para anunciar nos
dias de hoje Jesus Cristo.
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