Terceiro círculo: os cristãos, irmãos separados

61. Eis por fim o círculo, mais perto ainda de nós, do mundo que se intitula cristão. Neste campo o diálogo, que se chamou ecumênico, já está aberto, nalguns setores, está até em fase de realização inicial e positiva. Muita coisa poderíamos dizer sobre tema tão complexo e delicado. Mas o nosso discurso não abarca tudo. Limita-se a poucas alusões, no novas aliás. Com prazer fazemos nossa esta máxima: Ponhamos em evidência primeiramente o que nos é comum, antes de insistirmos no que nos divide. Boa e fecunda orientação para o nosso diálogo. Estamos dispostos a prossegui-lo cordialmente. Diremos mais: sobre tantos pontos de diferença quanto aos usos, à espiritualidade, às leis canônicas e ao culto, queremos estudar como se poderão satisfazer os legítimos desejos dos Irmãos cristãos ainda de nós separados. Nada desejamos tanto como abraçá-los numa perfeita união de fé e de caridade. Mas devemos também dizer que não podemos transigir sobre a integridade da fé e as exigências da caridade. Entrevemos desconfianças e resistências. Mas tendo a Igreja Católica tomado a iniciativa de refazer o redil único de Cristo, não deixará de proceder com toda paciência e toda delicadeza; não deixará de mostrar como as suas prerrogativas, que ainda mantêm longe dela os Irmãos separados, não são fruto de ambição histórica ou de especulação teológica fantasiosa, mas derivam da vontade de Cristo; e mostrará também que elas, compreendidas no seu verdadeiro significado, são para bem de todos, levam à unidade e liberdade comuns e à plenitude cristã também comum; a Igreja Católica não deixará, na oração e na penitência, de tornar-se idônea e digna para a desejada reconciliação.

62. Um pensamento, a esse respeito, nos aflige e é este: nós, fautor de tal reconciliação, somos considerados por muitos Irmãos separados como obstáculo à reconciliação; isto, por causa do primado de honra e de jurisdição, entregue por Cristo ao Apóstolo So Pedro e herança nossa dele recebida. Não dizem alguns que, se desaparecesse o primado do Papa, a unificação das igrejas separadas com a Igreja Católica seria mais fácil? Queremos pedir aos Irmãos separados que ponderem a inconsistência desta hipótese; e não só porque, sem Papa, a Igreja Católica não seria o que é, mas porque, faltando na Igreja de Cristo a autoridade pastoral suprema, eficaz e decisiva de Pedro, a unidade se arruinaria, e em vão se procuraria depois refazê-la segundo critérios que substituíssem o autêntico, que vem do próprio Cristo. "Haveria na Igreja tantos cismas como sacerdotes", escreve com razão São Jerônimo (Diál. contra Luciferiamos, n. 9). E queiram também considerar que este eixo central, na construção da santa Igreja, não quer constituir supremacia de orgulho espiritual e domínio humano, mas primado de serviço, de ministério e de amor. Não é retórica vã atribuir ao Vigário de Cristo o título de "servo dos servos de Deus".

Nestas disposições nossas germina o diálogo, que antes de se desenvolver em conversas fraternais, já é colóquio com o Pai celeste, expresso em súplica fundada na esperança.