SEGUNDA PARTE. I. FORMAÇÃO SACERDOTAL.

Formação adequada

60. A reflexão sobre a beleza, importância e íntima conveniência da virgindade para os ministros de Cristo e da Igreja, impõe também àquele que exerce as funções de Mestre e de Pastor a obrigação de assegurar e promover a sua positiva observância, a partir do momento em que o candidato principia a preparar-se para acolher dom tão precioso.

De fato, as dificuldades e os problemas que tornam para alguns penosa, ou mesmo inteiramente impossível, a observância do celibato, derivam não raro duma formação sacerdotal que, em virtude das profundas mudanças destes últimos tempos, já não é de todo adequada a formar uma personalidade digna do "homem de Deus" (1Tm 6,11).

Execução das normas do Concílio

61. O Concílio Ecumênico Vaticano II indicou já, a este respeito, critérios e normas sapientíssimas, de harmonia com o progresso da psicologia e da pedagogia e mesmo com a mudança das condições dos homens e da sociedade contemporânea.[37] É vontade nossa publicar, o mais cedo possível, instruções adequadas onde este tema seja tratado com a necessária amplitude recorrendo para isso a peritos, a fim de podermos prestar um competente e oportuno auxílio aos que na Igreja têm o gravíssimo dever de preparar os futuros sacerdotes.

Resposta pessoal à vocação divina

62. O sacerdócio é ministério instituído por Cristo para serviço do seu Corpo Místico que é a Igreja. A esta compete admitir os que julgar aptos, isto é, aqueles a quem Deus concedeu o carisma do celibato juntamente com os outros sinais de vocação eclesiástica (cf. n.15).

Em virtude deste carisma corroborado pela lei canônica, o homem é chamado a responder com decisão livre e entrega total, subordinando o próprio eu ao beneplácito divino que o chama. Em concreto a vocação divina manifesta-se num indivíduo determinado, dotado de estrutura pessoal própria que a graça não costuma violentar. Por isso, no candidato ao sacerdócio, há de cultivar-se o sentido da receptividade do dom divino, e da disponibilidade nas relações com Deus, dando essencial importância aos meios sobrenaturais.

Plano da natureza e plano da graça

63. É também necessário que se atenda com toda a diligência ao estado biológico e psicológico do candidato, para poder guiá-lo e orientá-lo para o ideal do sacerdócio. A formação bem adequada há, portanto, de coordenar harmonicamente o plano da graça e o da natureza naquele em quem se reconhecem com clareza qualidades reais e verdadeira aptidão. A presença das qualidades há de reconhecer-se com o mais escrupuloso cuidado, mal se delineiem os sinais da vocação, sem bastar um juízo apressado e superficial. Recorra-se mesmo à assistência e ao auxílio dum médico ou psicólogo competente. Nem se deverá omitir uma séria investigação anamnéstica para se apurar a idoneidade do candidato, também na importantíssima linha dos fatores hereditários.

Inaptos

64. Os candidatos que se encontrem física, psicológica ou moralmente inaptos, devem ser logo dissuadidos de seguir a carreira do sacerdócio. Saibam os educadores que isto é para eles gravíssimo dever. Não se abandonem a falazes esperanças e a perigosas ilusões, e não permitam de modo algum que o candidato as nutra, com resultados nocivos para ele e para a Igreja. Uma vida tão inteira e amavelmente dedicada, no interior e no exterior, como a do sacerdote celibatário, exclui, de fato, candidatos com insuficiente equilíbrio psicofisico e moral. Não se deve pretender que a graça supra o que falta à natureza.

Desenvolvimento da personalidade

65. Uma vez verificada a idoneidade do candidato e depois de admitido a percorrer o itinerário que o há de levar à meta do sacerdócio, deverá cuidar-se do progressivo desenvolvimento da sua personalidade, com a educação física, intelectual e moral, no que respeita à regulação e ao domínio pessoal dos instintos, dos sentimentos e das paixões.

Necessidade de disciplina

66. Esta personalidade será comprovada pela firmeza de ânimo com que aceita a disciplina pessoal e comunitária que é a exigida pela vida sacerdotal. Tal disciplina, cuja falta ou insuficiência é de deplorar, pois expõe a graves riscos, não deve ser suportada só como imposição exterior, mas por assim dizer, deve ser interiorizada, inserida no complexo da vida espiritual como seu componente indispensável.

Iniciativa pessoal

67. A arte do educador deverá estimular os jovens a cultivar a virtude sumamente evangélica da sinceridade (cf. Mt 5,37) e da espontaneidade, favorecendo toda a boa iniciativa pessoal, para que o próprio candidato aprenda a conhecer-se e a medir as forças, a assumir conscientemente as próprias responsabilidades, e a adestrar-se no domínio de si mesmo que é de suma importância na educação sacerdotal.

Exercício da autoridade

68. O exercício da autoridade, cujo princípio deve em todo o caso manter-se firme, há de inspirar-se numa sapiente moderação e em sentimentos pastorais, e há de exercer-se como num colóquio e num treino gradual, que permita ao educador compreensão cada vez mais profunda da psicologia do jovem e dê a toda a obra educativa caráter eminentemente positivo e persuasivo.

Escolha consciente

69. A formação integral do candidato ao sacerdócio deve ter em vista uma escolha livre, calma, e convicta das graves obrigações que este há de vir a assumir responsavelmente, diante de Deus e da Igreja.

O ardor e a generosidade são qualidades admiráveis da juventude e, esclarecidas e amparadas, merecem-lhe, com a bênção do Senhor, a admiração e confiança da Igreja e de todos os homens. Mas, para que o entusiasmo não seja superficial e oco, não se lhes há de esconder nenhuma das verdadeiras dificuldades pessoais e sociais com que terão de enfrentar-se em virtude da sua escolha. E, juntamente com as dificuldades será justo que se ponha em relevo, com não menor verdade e clareza, a sublimidade desta escolha, a qual, se por um lado provoca na pessoa humana certo vazio físico e psíquico, por outro dá-lhe plenitude interior capaz de sublimá-la desde o íntimo da alma.

Ascese para a maturação da personalidade

70. Os jovens deverão convencer-se de que não podem percorrer o difícil caminho do aspirante ao sacerdócio, sem uma ascese particular e própria, superior à que se pede aos demais fiéis. Será ascese severa, mas não sufocante, exercício assíduo e meditado daquelas virtudes que fazem do homem um sacerdote: abnegação de si mesmo no mais alto grau - condição essencial para o seguimento de Cristo (Mt 16,24; Jo 12,25) -; humildade e obediência como expressão de verdade interior e de liberdade ordenada; prudência e justiça, fortaleza e temperança, virtudes sem as quais não pode existir vida religiosa verdadeira e profunda; sentido de responsabilidade, de fidelidade e de lealdade no assumir das próprias obrigações; desprendimento e espírito de pobreza, que dão tom e vigor à liberdade evangélica; castidade conquistada com perseverança e de harmonia com todas as outras virtudes naturais e sobrenaturais; contato sereno e seguro com o mundo a cujo serviço o candidato se irá dedicar por Cristo e o seu reino.

Assim, o aspirante ao sacerdócio adquirirá com o auxílio da divina graça personalidade equilibrada, forte e madura, síntese de elementos naturais e adquiridos, harmonia de todas as faculdades à luz da fé e da íntima união com Cristo que o escolheu para Si e para o ministério da salvação do mundo.

Períodos de tirocínio

71. Contudo, para se chegar a maior certeza da idoneidade do jovem para o sacerdócio e se poderem obter sucessivas provas de que atingiu a maturidade humana e sobrenatural, tendo em conta o fato de que "é mais difícil comportar-se bem na vida de apostolado por causa dos perigos externos", [38] será útil que a obrigação do celibato seja posta à prova, durante certos períodos de tirocínio, antes de se tornar estável e definitiva com o Presbiterado.[39]

Escolha do celibato como doação

72. Uma vez obtida a certeza moral de que a maturidade do candidato oferece garantias suficientes, poderá este assumir a grave e doce obrigação da castidade, como doação total de si mesmo ao Senhor e à Igreja.

Deste modo, a obrigação do celibato, que a Igreja vincula objetivamente à sagrada ordenação, é assumida de modo pessoal pelo próprio candidato, sob o influxo da graça divina e com plena consciência e liberdade. E óbvio que não hão de faltar os conselhos sábios e prudentes de provados mestres do espírito, para se tornar mais consciente esta grande e livre opção, mas nunca para impô-la. E nesse momento solene, que decidirá para sempre de toda a sua vida, o candidato sentirá, não o peso duma imposição externa, mas a alegria íntima duma escolha feita por amor de Cristo.