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34. O pouco, que a propósito do Sacrifício da Missa expusemos,
leva-nos a dizer também alguma coisa do Sacramento da Eucaristia.
Um e outro, Sacrifício e Sacramento, fazem parte do mesmo
Mistério, tanto que não é possível separar um do outro. O
Senhor imola-se de modo incruento no Sacrifício da Missa, que
representa o Sacrifício da Cruz e lhe aplica a eficácia salutar, no
momento em que, pelas palavras da consagração, começa a estar
sacramentalmente presente, como alimento espiritual dos féis, sob as
espécies de pão e de vinho.
35. Bem sabemos todos que vários são os modos da presença de
Cristo na sua Igreja. Esta verdade muito consoladora, que a
Constituição da Sagrada Liturgia expôs brevemente,[30] é
útil que a lembremos com mais demora. Cristo está presente à sua
Igreja enquanto esta ora, sendo Ele quem "roga por nós, roga em
nós e por nós é rogado; roga por nós como nosso Sacerdote; roga
em nós como nossa Cabeça; é rogado por nós como nosso
Deus".[31] Ele mesmo prometeu: "Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles".[32] Ele está
presente à sua Igreja enquanto ela pratica as obras de misericórdia;
isto não só porque, quando nós fazemos algum bem a um dos seus
irmãos mais humildes, o fazemos ao mesmo Cristo, [33] mas
também porque Cristo é quem faz estas obras por meio da sua Igreja,
não deixando nunca de socorrer os homens com a sua divina caridade.
Está presente à sua Igreja enquanto esta peregrina e anseia por
chegar ao porto da vida eterna: habita nos nossos corações por meio
da fé,[34] e neles difunde a caridade por meio da ação do
Espírito Santo, que nos dá.[35]
36. De outro modo, também verdadeiríssimo, Cristo está
presente à sua Igreja enquanto ela prega, sendo o Evangelho, assim
anunciado, Palavra de Deus, que é anunciada em nome de Cristo,
Verbo de Deus Encarnado, e com a sua autoridade e assistência,
para que haja "um só rebanho, cuja segurança virá de ser um só o
pastor".[36]
37. Está presente à sua Igreja, enquanto esta dirige e governa o
povo de Deus, porque de Cristo deriva o poder sagrado, e Cristo,
"Pastor dos Pastores", assiste os Pastores que o exercem,[37]
segundo a promessa feita aos Apóstolos: "Eu estarei convosco todos
os dias, até a consumação dos séculos".[38]
38. Além disso, de modo ainda mais sublime, está Cristo
presente à sua Igreja enquanto esta, em seu nome, celebra o
Sacrifício da Missa e administra os Sacramentos. Quanto à
presença de Cristo na oferta do Sacrifício da Missa, apraz-nos
recordar o que São João Crisóstomo, cheio de admiração, diz
com verdade e eloqüência: "Quero acrescentar uma coisa
verdadeiramente estupenda, mas não vos espanteis nem vos perturbeis.
Que coisa é? A oblação é a mesma, seja quem for o oferente,
chame-se ele Pedro ou Paulo; é a mesma que Jesus Cristo confiou
aos discípulos e agora realizam os sacerdotes: esta última não é
menor que a primeira, porque não são os homens que a tornam santa,
mas Aquele que a santificou. Como as palavras pronunciadas por Deus
são exatamente as mesmas que agora diz o sacerdote, assim a oblação
é também a mesma".[39]
39. E ninguém ignora serem os Sacramentos ações de Cristo, que
os administra por meio dos homens. Por isso, são santos por si
mesmos e, quando tocam nos corpos, infundem, por virtude de Cristo,
a graça nas almas.
40. Estas várias maneiras de presença enchem o espírito de
assombro e levam-nos a contemplar o Mistério da Igreja. Outra é,
contudo, e verdadeiramente sublime, a presença de Cristo na sua
Igreja pelo Sacramento da Eucaristia. Por causa dela, é este
Sacramento, comparado com os outros, "mais suave para a devoção,
mais belo para a inteligência, mais santo pelo que encerra";[40]
contém, de fato, o próprio Cristo e é "como que a perfeição da
vida espiritual e o fim de todos os Sacramentos".[41]
41. Esta presença chama-se "real", não por exclusão como se
as outras não fossem "reais", mas por antonomásia porque é
substancial, quer dizer, por ela está presente, de fato, Cristo
completo, Deus e homem.[42] Erro seria, portanto, explicar
esta maneira de presença imaginando uma natureza "pneumática", como
lhe chamam, do corpo de Cristo, natureza esta que estaria presente em
toda a parte; ou reduzindo a presença a puro simbolismo, como se tão
augusto Sacramento consistisse apenas num sinal eficaz "da presença
espiritual de Cristo e da sua íntima união com os féis, membros do
Corpo Místico".[43]
42. E certo que do simbolismo eucarístico, especialmente em
relação com a unidade da Igreja, muito trataram os Padres e os
Doutores Escolásticos, cuja doutrina resumiu o Concílio de
Trento, ensinando que o nosso Salvador deixou a Eucaristia à sua
Igreja "como símbolo... da unidade desta e da caridade que Ele
quis unisse intimamente todos os cristãos uns com os outros", "mais
ainda, como símbolo daquele corpo único, de que Ele é a
Cabeça".[44]
43. Logo nos primórdios da literatura cristã, assim escrevia o
autor desconhecido da "Didaquê ou Doutrina dos doze Apóstolos":
"Quanto à Eucaristia, dai graças deste modo: ...como este
pão, agora partido, estava antes disperso pelos montes, mas, ao ser
reunido, se tornou um só, do mesmo modo se reúna a tua Igreja, dos
confins da terra, no teu reino".[45]
44. Escreve igualmente São Cipriano, ao defender a unidade da
Igreja contra o cisma: "Por fim, os mesmos Sacrifícios do Senhor
põem em evidência a unanimidade dos cristãos, cimentada em caridade
firme e indivisível. Pois, quando o Senhor chama seu Corpo ao
pão, composto de muitos grãos juntos, indica o nosso povo reunido,
por Ele sustentado; e quando chama seu Sangue ao vinho, espremido de
muitos cachos e bagos, reduzidos à unidade, indica de maneira
semelhante o nosso rebanho, composto de uma multidão reduzida à
unidade".[46]
45. Antes que ninguém, já o dissera oApóstolo São Paulo,
dirigindo-se aos coríntios: "Nós, embora muitos, somos um só
corpo, visto que todos participamos desse único pão".[47]
46. O simbolismo eucarístico, se nos faz compreender bem o efeito
próprio do Sacramento, que é a unidade do Corpo Místico, não
explica todavia nem exprime a natureza que distingue este Sacramento
dos outros. A instrução dada constantemente pela Igreja aos
catecúmenos, o sentido do povo cristão, a doutrina definida pelo
Concílio Tridentino e as mesmas palavras que usou Cristo, ao
instituir a sagrada Eucaristia, vão mais longe: obrigam-nos a
professar "que a Eucaristia é a Carne do nosso Salvador Jesus
Cristo, a qual sofreu pelos nossos pecados e foi ressuscitada pelo
Pai na sua benignidade".[48] Às palavras do mártir Santo
Inácio apraz-nos acrescentar as de Teodoro de Mopsuéstia, neste
particular testemunha fiel da crença da Igreja: "O Senhor não
disse: Isto é o símbolo do meu Corpo e isto é o símbolo do meu
Sangue, mas, Isto é o meu Corpo e o meu Sangue, ensinando-nos a
não considerar a natureza visível que os sentidos atingem, mas a
(crer) que ela pela ação da graça se mudou em carne e
sangue".[49]
47. 0 Concílio Tridentino, baseando-se nesta fé da Igreja,
"afirma clara e simplesmente que, no augusto Sacramento da santa
Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho, Nosso
Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, está
presente verdadeira, real e substancialmente, sob a aparência destas
realidades sensíveis". Portanto, o nosso Salvador, está presente
com a sua humanidade não só à direita do Pai, segundo o modo de
existir natural, mas também no Sacramento da Eucaristia "segundo um
modo de existir, que nós, com palavras mal conseguimos exprimir, mas
com a inteligência iluminada pela fé podemos reconhecer como possível
a Deus, e que devemos aceitar firmissimamente como real".[50]
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