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12. Fiel ao ensino e exemplo do seu divino Fundador, que dava como
sinal da sua missão o anúncio da Boa Nova aos pobres,[11] a
Igreja nunca descurou a promoção humana dos povos aos quais levava a
fé em Cristo. Os seus missionários construíram, não só
igrejas, mas também asilos e hospitais, escolas e universidades.
Ensinando aos nativos a maneira de tirar melhor partido dos seus
recursos naturais, protegeram-nos, com freqüência, da cobiça dos
estrangeiros. Sem dúvida que a sua obra, pelo que tinha de humano,
não foi perfeita e alguns misturaram por vezes a maneira de pensar e de
viver do seu país de origem, com a pregação da autêntica mensagem
evangélica. Mas também souberam cultivar e promover as
instituições locais. Em muitas regiões foram contados entre os
pioneiros do progresso material e do desenvolvimento cultural. Basta
relembrar o exemplo do padre Charles de Foucauld, que foi considerado
digno de ser chamado, pela sua caridade, "Irmão universal", e
redigiu um precioso dicionário da língua tuaregue. Sentimo-nos na
obrigação de prestar homenagem a estes precursores, tantas vezes
ignorados, a quem a caridade de Cristo impelia, assim como aos seus
êmulos e sucessores, que ainda hoje continuam a servir generosa e
desinteressadamente aqueles que evangelizam.
13. Mas as iniciativas locais e individuais já não bastam. A
situação atual do mundo exige uma ação de conjunto a partir de uma
visão clara de todos os aspectos econômicos, sociais, culturais e
espirituais. Conhecedora da humanidade, a Igreja, sem pretender de
modo algum imiscuir-se na política dos Estados, "tem apenas um fim
em vista: continuar, sob o impulso do Espírito consolador, a obra
própria de Cristo, vindo ao mundo para dar testemunho da verdade,
para salvar, não para condenar, para servir, não para ser
servido".[12] Fundada para estabelecer já neste mundo o reino do
céu e não para conquistar um poder terrestre, a Igreja afirma
claramente que os dois domínios são distintos, como são soberanos os
dois poderes, eclesiástico e civil, cada um na sua ordem. [13]
Porém, vivendo na história, deve "estar atenta aos sinais dos
tempos e interpretá-los à luz do Evangelho".[14] Comungando
nas melhores aspirações dos homens e sofrendo de os ver
insatisfeitos, deseja ajudá-los a alcançar o pleno desenvolvimento
e, por isso, propõe-lhes o que possui como próprio: uma visão
global do homem e da humanidade.
14. O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento
econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer,
promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente
sublinhou um eminente especialista: "não aceitamos que o econômico
se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que
ele se incluiu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada
grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira".[15]
15. Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a
desenvolver-se, porque toda a vida é vocação. E dado a todos, em
germe, desde o nascimento, um conjunto de aptidões e de qualidades
para as fazer render: desenvolvê-las será fruto da educação
recebida do meio ambiente e do esforço pessoal, e permitirá a cada um
orientar-se para o destino que lhe propõe o Criador. Dotado de
inteligência e de liberdade, é cada um responsável tanto pelo seu
crescimento como pela sua salvação. Ajudado, por vezes
constrangido, por aqueles que o educam e rodeiam, cada um, sejam
quais forem as influências que sobre ele se exerçam, permanece o
artífice principal do seu êxito ou do seu fracasso: apenas com o
esforço da inteligência e da vontade, pode cada homem crescer em
humanidade, valer mais, ser mais.
16. Por outro lado, este crescimento da pessoa humana não é
facultativo. Como toda a criação está ordenada em relação ao
Criador, a criatura espiritual é obrigada a orientar espontaneamente
a sua vida para Deus, verdade primeira e soberano bem. Assim o
crescimento humano constitui como que um resumo dos nossos deveres.
Mais ainda, esta harmonia, pedida pela natureza e enriquecida pelo
esforço pessoal e responsável, é chamada a ultrapassar-se. Pela
sua inserção em Cristo vivificante, o homem entra num
desenvolvimento novo, num humanismo transcendente que o leva a atingir
a sua maior plenitude: tal é a finalidade suprema do desenvolvimento
pessoal.
17. Mas cada homem é membro da sociedade: pertence à humanidade
inteira. Não é apenas tal ou tal homem; são todos os homens, que
são chamados a este pleno desenvolvimento. As civilizações nascem,
crescem e morrem. Assim como as vagas na enchente da maré avançam
sobre a praia, cada uma um pouco mais que a antecedente, assim a
humanidade avança no caminho da história. Herdeiros das gerações
passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos
obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que
virão depois de nós aumentar o círculo da família humana. A
solidariedade universal é para nós não só um fato e um beneficio,
mas também um dever.
18. Este crescimento pessoal e comunitário ficaria comprometido se
se alterasse a verdadeira escala dos valores. É legítimo o desejo do
necessário, e o trabalho para o alcançar é um dever: "se alguém
não quer trabalhar, que também não coma".[16] Mas a
aquisição dos bens temporais pode levar à cobiça, ao desejo de ter
sempre mais e à tentação de aumentar o poder. A avareza pessoal,
familiar e nacional, pode afetar tanto os mais desprovidos como os mais
ricos e suscitar em uns e outros um materialismo que sufoca o
espírito.
19. Tanto para os povos como para as pessoas, possuir mais não é
o fim último. Qualquer crescimento é ambivalente. Embora
necessário para permitir ao homem ser mais homem, torna-o contudo
prisioneiro no momento em que se transforma no bem supremo que impede de
ver mais além. Então os corações se endurecem e os espíritos
fecham-se, os homens já não se reúnem pela amizade mas pelo
interesse, que bem depressa os opõe e os desune. A busca exclusiva
do ter, forma então um obstácolo ao crescimento do ser e opõe-se à
sua verdadeira grandeza: tanto para as nações como para as pessoas,
a avareza é a forma mais evidente do subdesenvolvimento moral.
20. Se a procura do desenvolvimento pede um número cada vez maior
de técnicos, exige cada vez mais sábios, capazes de reflexão
profunda, em busca de humanismo novo, que permita ao homem moderno o
encontro de si mesmo, assumindo os valores superiores do amor, da
amizade, da oração e da contemplação. [17]Assim poderá
realizar-se em plenitude o verdadeiro desenvolvimento, que é, para
todos e para cada um, a passagem de condições menos humanas a
condições mais humanas.
21. Deve-se dizer que vivem em condições menos humanas,
primeiramente os que são privados do mínimo vital pelas carências
materiais ou que por carências morais são mutilados pelo egoísmo. E
depois os que são oprimidos por estruturas opressivas, quer provenham
dos abusos da posse ou do poder, da exploração dos trabalhadores ou
da injustiça das transações. Mais humanas: a passagem da miséria
à posse do necessário, a vitória sobre os flagelos sociais, o
alargamento dos conhecimentos, a aquisição da cultura. São
condições mais humanas também: a consideração crescente da
dignidade dos outros, a orientação para o espírito de pobreza,
[18] a cooperação no bem comum, a vontade da paz; o
reconhecimento, pelo homem, dos valores supremos, e de Deus que é a
origem e o termo deles. E finalmente e sobretudo, a fé, dom de
Deus acolhido pela boa vontade do homem, e a unidade na caridade de
Cristo que nos chama a todos a participar como filhos na vida do Deus
vivo, Pai de todos os homens.
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