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Antigüidade
35. Muito instrutivo seria, embora demasiado longo, o estudo dos
documentos históricos sobre o celibato eclesiástico. Uma alusão
apenas. Os Padres e escritores eclesiásticos da antiguidade cristã
dão testemunho da difusão, tanto no Oriente como no Ocidente, da
livre prática do celibato nos sagrados ministros,[20] em virtude
da grande conveniência dele com a total dedicação ao serviço de
Cristo e da Igreja.
Igreja do Ocidente
36. Desde os inícios do século IV, a Igreja do Ocidente, por
meio das decisões de vários Concílios provinciais e dos Sumos
Pontífices, corroborou, difundiu e sancionou esta prática.[21]
Foram sobretudo os supremos Pastores e Mestres da Igreja de Deus,
guardas e intérpretes do patrimônio da fé e dos santos costumes
cristãos, quem promoveu, defendeu e restaurou o celibato
eclesiástico nas épocas sucessivas da história, ainda mesmo quando
no próprio clero surgiam oposições a ele e os costumes da sociedade
favoreciam pouco os heroísmos da virtude. A obrigação do celibato
foi solenemente sancionada pelo Concílio Ecumênico de Trento
[22] e por fim inserida no Código de Direito Canônico
(can.132 § 1).
Recente magistério pontifício
37. Os Sumos Pontífices mais recentes empregaram o seu
ardentíssimo zelo e doutrina em iluminar o clero e estimulá-lo a essa
observância. [23] Não queremos deixar de render aqui especial
homenagem à piíssima memória do nosso imediato predecessor, ainda
vivo no coração do mundo, o qual, no Sínodo Romano e com a
sincera anuência do nosso clero da Urbe, pronunciou as seguintes
palavras: "Amargura-nos saber... que alguns fantasiam sobre o
desejo ou a conveniência, que haveria para a Igreja católica, em
renunciar ao que por tantos séculos foi e continua a ser uma das mais
nobres e mais puras glórias do sacerdócio. A lei do celibato
eclesiástico, com o empenho de fazê-la prevalecer, continua a
evocar as batalhas dos tempos heróicos, quando a Igreja teve que
lutar e venceu, evoca o triunfo do seu trinômio glorioso, que será
sempre emblema de vitória: Igreja de Cristo, livre, casta e
católica".[24]
Igreja do Oriente
38. Se é diferente a legislação da Igreja Oriental em matéria
de disciplina celibatária para o clero, como foi finalmente
estabelecido no Concílio Trulano do ano 692 [25] e abertamente
reconhecido pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, [26]
deve-se a uma situação histórica, também diversa, daquela parte
nobilíssima da Igreja, à qual o Espírito Santo conformou
providencial e sobrenaturalmente o seu influxo.
Aproveitamos esta ocasião para exprimir os nossos sentimentos de
estima e de respeito por todo o clero das Igrejas Orientais, e para
reconhecer nele os exemplos de fidelidade e de zelo que o tornam digno
de sincera veneração.
A voz dos Padres Orientais
39. Mas a apologia que os Padres Orientais fizeram da virgindade
é-nos igualmente motivo de conforto para perseverarmos na observância
da disciplina sobre o celibato do clero. Ainda hoje faz eco no nosso
coração, por exemplo, a voz de São Gregório Nisseno, quando
nos recorda que "a vida virginal é a imagem da felicidade que nos
espera no mundo que há de vir". [27] Nem é menos confortante o
louvor, em que ainda hoje meditamos, dado por São João
Crisóstomo ao sacerdócio quando pretendia fazer ressaltar a
necessária harmonia que deve reinar entre a vida particular do ministro
do altar e a dignidade de que está revestido, em função dos seus
deveres sagrados: "...quem se aproxima do sacerdócio, deve ser
puro como se estivesse no céu". [28]
Indicações significativas na tradição oriental
40. Além disso, não será inútil observar que, mesmo no
Oriente, somente os sacerdotes celibatários são sagrados bispos, e
nunca os sacerdotes podem contrair matrimônio depois da ordenação; o
que faz compreender como também aquelas venerandas Igrejas possuem,
em certo modo, o princípio do sacerdócio celibatário e o de certa
conveniência do celibato para o sacerdócio cristão, do qual os
bispos têm o auge e a plenitude. [29]
Fidelidade da Igreja ocidental à própria tradição
41. Em todo o caso, a Igreja ocidental nâo pode faltar em sua
fidelidade à própria antiga tradiçâo; nem poderá passar pela
cabeça de ninguém que ela tenha seguido durante séculos um caminho
que, em vez de favorecer a riqueza espiritual dos indivíduos e do
Povo de Deus, a tenha de algum modo comprometido, ou levado a
oprimir, com arbitrárias intervenções jurídicas, a livre expansão
das mais profundas realidades da natureza e da graça.
Alguns casos particulares
42. Em virtude da norma fundamental do governo da Igreja
católica, a que aludimos acima (n.15), se, por um lado,
permanece firme a lei que exige a escolha livre e perpétua do celibato
naqueles que são admitidos às Ordens sacras, por outro, poderá
admitir-se o estudo das condições peculiares de sacerdotes casados,
membros de Igrejas ou comunidades cristãs ainda separadas da comunhão
católica, os quais desejando aderir à plenitude desta comunhão e
nela exercer o sagrado ministério, forem admitidos às funções
sacerdotais. Mas há de ser de tal forma que não causem prejuízo à
disciplina vigente sobre o sagrado celibato.
E como prova de que a autoridade da Igreja não se recusa ao
exercício deste poder, temos o fato, previsto pelo recente Concílio
Ecumênico, da concessão do diaconado também a homens casados de
idade madura. [30]
Confirmação
43. Tudo isto porém não significa relaxamento da lei vigente, nem
tampouco deve ser interpretado como prelúdio da sua abolição. Em
vez de se favorecer esta hipótese que enfraquece nos ânimos a força e
o amor, pelos quais o celibato se torna seguro e feliz, e obscurece a
verdadeira doutrina que justifica a sua existência e glorifica o seu
esplendor, há de promover-se o estudo em defesa do conceito
espiritual e do valor moral da virgindade e do celibato. [31]
Confiança da Igreja
44. A virgindade consagrada é certamente dom especial. Mas a
Igreja inteira da nossa época, representada solene e universalmente
pelos seus Pastores responsáveis, e respeitando, como dizíamos, a
disciplina das Igrejas orientais, manifestou a sua plena certeza no
Espírito de "que o dom do celibato, tão em harmonia com o
sacerdócio do Novo Testamento, será concedido liberalmente pelo
Pai, desde que os participantes do sacerdócio de Cristo pelo
sacramento da Ordem, e toda a Igreja, humilde e insistentemente o
peçam". [32]
Oração do Povo de Deus
45. Nós convocamos em espírito todo o Povo de Deus para que em
cumprimento do dever de fomentar as vocações sacerdotais, [33] se
dirija insistentemente ao Pai comum, ao divino Esposo da Igreja e ao
Espírito Santo que é a sua alma, pedindo que pela intercessão da
bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Cristo e da Igreja,
derramem especialmente no nosso tempo esse dom divino, do qual o Pai
não é certamente avaro, e façam que as almas se disponham a
recebê-lo com espírito de fé profunda, e de amor generoso.
Assim, neste nosso mundo que necessita da glória de Deus (cf. Rom
3,23), os sacerdotes, tornando-se cada vez mais perfeitamente
conformes ao único e sumo Sacerdote, serão irradiante glória de
Cristo (cf. 2Cor 8,23), e por meio deles resplandecerá "a
glória da graça" de Deus, no mundo atual (cf. Ef 1,6).
Mundo atual e celibato consagrado
46. Sim, Veneráveis e caríssimos Irmãos no sacerdócio, que
amamos "com a ternura de Jesus Cristo" (Fl 1,8), o mundo em
que hoje vivemos, perturbado por uma crise de crescimento e de
transformação, justamente orgulhoso dos valores e das conquistas
humanas, tem neste momento, necessidade urgente do testemunho de vidas
consagradas aos mais altos e sagrados valores espirituais, para que
não lhe falte a rara e incomparável luz das mais sublimes conquistas
do espírito.
Escassez numérica de sacerdotes
47. Nosso Senhor Jesus Cristo não temeu contar a um punhado de
homens, que todos teríamos julgado insuficientes tanto em número como
em qualidade, o encargo imenso da evangelização do mundo até então
conhecido; e ordenou a essa "pequena grei" que não tivesse receio
(cf. Lc 12,32), porque alcançaria com Ele e por Ele, a
vitória sobre o mundo (Jo 16,33) graças à constante
assistência que lhe daria (Mt 28,20). Advertiu-nos também
Jesus de que o Reino de Deus possui uma força íntima e secreta,
que o faz crescer e chegar à messe sem que o homem saiba como (cf.
Mc 4,26-29). Essa messe do Reino de Deus é grande, e os
operários ainda são poucos, como ao princípio; ou por outra, nunca
chegaram a ser tão numerosos, que se pudessem dizer suficientes
segundo os cálculos humanos. Mas o Senhor do Reino exige que se
reze, para que o Dono da messe mande operários para o seu campo (Mt
9,37-38). Os planos e a prudência dos homens não podem
sobrepor-se à misteriosa sabedoria daquele que, na história da
salvação, desafiou a sabedoria e o poder do homem com a sua
insensatez e fraqueza (1Cor 1,20-31).
Coragem da fé
48. Nós fazemos apelo à coragem da fé, para exprimir a profunda
convicção que a Igreja nutre de que uma resposta mais responsável e
generosa à graça, uma confiança mais explicita e qualificada na sua
força misteriosa e transformadora, um testemunho mais aberto e
completo dado ao mistério de Cristo, nunca a farão errar na sua
missão salvadora para com o mundo inteiro, sejam quais forem os
cálculos humanos e as aparências exteriores. Não esqueçamos que
tudo podemos naquele que é o único a dar força às almas (cf. Fl
4,13) e incremento à sua Igreja (cf.1Cor 3,6-7).
Raiz do problema
49. Não se pode acreditar sem reservas que, abolido o celibato
eclesiástico, as vocações sacerdotais cresceriam por isso mesmo e de
forma considerável: a experiência contemporânea das Igrejas e das
comunidades eclesiais que permitem o matrimônio aos seus ministros,
parece depor em contrário. A rarefação das vocações sacerdotais
deve ser procurada principalmente noutras causas: por exemplo, na
perda ou na diminuição do sentido de Deus e do que é sacro nos
indivíduos e nas famílias, e na perda da estima pela Igreja como
instituição de salvação mediante a fé e os sacramentos. O
problema tem portanto que ser estudado na sua verdadeira raiz.
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