II. VIDA SACERDOTAL

Conquista incessante

73. Não creia o sacerdote que a ordenação tudo tornará fácil e o livrará definitivamente de qualquer tentação ou perigo. A castidade não se adquire de uma vez para sempre, mas é resultado de laboriosa conquista e de reafirmação cotidiana. O mundo de hoje deu grande relevo ao valor positivo do amor nas relações entre os sexos, mas multiplicou também as dificuldades e os riscos nesta matéria. Importa, por isso, que o sacerdote, para salvaguardar com todo o cuidado o bem da castidade e para reforçar-lhe o significado sublime, reflita lúcida e serenamente sobre a sua condição de homem exposto ao combate espiritual contra as seduções da carne que lhe vêm de si mesmo e do mundo, e isto com a intenção incessantemente renovada de aperfeiçoar sempre mais a sua irrevogável oferta, que o obriga a uma fidelidade plena, sincera e real.

Meios sobrenaturais

74. O sacerdote de Cristo encontrará nova força e nova alegria à medida que for aprofundando, na meditação e na oração de cada dia, os motivos da sua entrega e a convicção de que escolheu a melhor parte. Há de, por isso, implorar com humildade e perseverança, a graça da fidelidade, que nunca é recusada a quem a pede com coração sincero e, ao mesmo tempo, recorre aos meios naturais e sobrenaturais de que dispõe. E sobretudo, não há de descuidar aquelas normas ascéticas, que estão garantidas pela experiência da Igreja e que não são menos necessárias nas circunstâncias atuais do que o foram noutros tempos.[40]

Intensa vida espiritual

75. Antes de mais nada, procure o sacerdote cultivar, com todo o amor que a divina graça lhe inspira, a intimidade com Cristo, tirando todo o proveito desse inexaurível e beatificante mistério. Procure igualmente adquirir conhecimento sempre mais profundo do mistério da Igreja, pois fora deste contexto o seu estado de vida correria o risco de parecer-lhe inconsistente e incôngruo.

A piedade sacerdotal, alimentada na fonte puríssima da Palavra de Deus e da Santíssima Eucaristia, vivida no drama da Sagrada Liturgia, animada por terna e esclarecida devoção à Virgem, Mãe do Sumo e eterno Sacerdote e Rainha dos Apóstolos,[41] pô-lo-á em contato com as fontes da autêntica vida espiritual, único e solidíssimo fundamento em que há de assentar a observância da sagrada virgindade.

Espirito do ministério sacerdotal

76. Com a graça e a paz no coração, poderá o sacerdote enfrentar com grandeza de ânimo as múltiplas obrigações da sua vida e do seu ministério. E se as cumprir, com fé e com zelo, encontrará nelas outras tantas ocasiões de demonstrar a sua total consagração a Cristo e ao seu Corpo místico para santificação de si mesmo e do próximo. A caridade de Cristo que o impele (cf. 2Cor 5,14), ajudá-lo-á também, não a renunciar aos melhores sentimentos do seu íntimo, mas a sublimá-los e a aprofundá-los em espírito de consagração, à imitação de Cristo, Sumo Sacerdote, que participou intimamente da vida dos homens, os amou e por eles sofreu (cf. Hb 4,15); à semelhança do Apóstolo Paulo, que participava das angústias de todos (c£ lCor 9,22; 2Cor 11,29) para irradiar no mundo a luz e a força "da Boa Nova da graça de Deus" (cf. At 20,24).

Proteção contra os perigos

77. Santamente cioso da sua integral doação ao Senhor, saiba o sacerdote defender-se contra aquelas inclinações do sentimento que põem em jogo uma afetividade não suficientemente iluminada e guiada pelo espírito, e procure nâo buscar justificações espirituais e apostólicas para o que, na realidade, sâo perigosas inclinações do coração.

Ascética viril

78. Para viver do Espírito e conformar-se com Ele (cf. Gl 5,25), a vida sacerdotal exige intensidade espiritual genuína e segura, ascética interior e exterior verdadeiramente viril. Pois, quem pertence a Cristo por um título especial, crucificou nele e por ele a própria carne com as paixões e concupiscências (Gl 5,24), não tendo receio de enfrentar, por isso, duras e contínuas provas (cf. 1Cor 9,26-27). Assim, poderá o ministro de Cristo manifestar melhor ao mundo os frutos do Espírito, que são: "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio" (Gl 5,22-23).

Fraternidade sacerdotal

79. O gênero de vida, o ambiente e a atividade próprias do ministro de Deus, são também causas de incremento, proteção e defesa da castidade sacerdotal. Por isso, é necessário que se fomente ao máximo aquela "íntima fraternidade sacramental", [42] da qual gozam todos os sacerdotes em virtude da sagrada ordenação. Jesus, nosso Senhor, ensinou-nos a urgência do mandamento novo da caridade, e deu-nos dele exemplo admirável no mesmo momento em que instituía o sacramento da Eucaristia e do sacerdócio católico (cf. Jo 13,15;23-35), e pediu ao Pai celeste, que o amor com que o Pai o tinha amado desde sempre, estivesse nos seus ministros e Ele neles (cf. Jo 17,26).

Comunhão sacerdotal de espírito e vida

80. Há de ser, portanto, perfeita a comunhão de espírito entre os sacerdotes, e intenso o intercâmbio de orações, de serena amizade e de auxílios de toda a espécie. Nunca será demasiado recomendar aos sacerdotes a utilidade de certa vida comum entre eles, inteiramente orientada ao ministério propriamente espiritual; a prática de freqüentes encontros, com fraternas trocas de idéias, de conselhos e de experiências; a promoção de associações que favoreçam a santidade sacerdotal.

Caridade para com os irmãos em perigo

81. Reflitam os sacerdotes na advertência feita pelo Concílio Vaticano II [43] sobre a sua participação comum no sacerdócio, para se sentirem vivamente responsáveis pelos colegas perturbados por dificuldades que vão expor a sérios perigos o dom divino que possuem. Mostrem entranhas de caridade ardente por eles, uma vez que têm mais necessidade de amor, de compreensão, de orações, de ajuda discreta mas eficaz, e têm justo motivo para contar com a caridade sem limites dos que são e devem ser os seus mais autênticos amigos.

Renovação da eleição

82. Quereríamos finalmente, a título de complemento e de recordação deste nosso colóquio epistolar convosco, veneráveis Irmãos no Episcopado, Sacerdotes e ministros do altar, sugerir que cada um de vós tomasse a resolução de, todos os anos, no aniversário da respectiva ordenação, ou todos unidos em espírito na Quinta-feira Santa, nesse dia misterioso da instituição do sacerdócio, renovar a doação total e cheia de fé a Cristo Senhor, reavivar assim a consciência da própria eleição para o divino serviço, e repetir, com humildade e coragem, a promessa de indefectível fidelidade ao amor único e à castíssima oblação feita (cf. Rm 12,1).