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48. Todavia, para que ninguém entenda mal este modo de presença
que supera as leis da natureza e constitui no seu gênero o maior dos
milagres,[51] é necessário escutar com docilidade a voz da
Igreja docente e orante. Esta voz, que repete continuamente a voz de
Cristo, ensina-nos que neste Sacramento Cristo se torna presente
pela conversão de toda a substância do pão no seu Corpo e de toda a
substância do vinho no seu Sangue; conversão admirável e sem
paralelo, que a Igreja Católica chama, com razão e propriedade,
"transubstanciação".[52] Depois da transubstanciação as
espécies do pão e do vinho tomam nova significação e nova
finalidade, deixando de pertencer a um pão usual e a uma bebida
usual, para se tornarem sinal de coisa sagrada e sinal de alimento
espiritual; mas só adquirem nova significação e nova finalidade por
conterem nova "realidade", a que chamamos com razão
"ontológica". Com efeito, sob as ditas espécies já não há o
que havia anteriormente, mas outra coisa completamente diversa: isto
não só porque assim julga a fé da Igreja, mas porque é uma
realidade objetiva, pois, convertida a substância ou natureza do pão
e do vinho, no Corpo e no Sangue de Cristo, nada fica do pão e do
vinho, além das espécies; debaixo destas, está Cristo completo,
presente na sua "realidade" física, mesmo corporalmente, se bem que
não do mesmo modo como os corpos se encontram presentes localmente.
49. Por isso, tanto recomendaram os Santos Padres que os fiéis,
ao considerarem este augustíssimo Sacramento, não se fiassem nos
sentidos, que testemunham as propriedades do pão e do vinho, mas sim
nas palavras de Cristo, que têm poder de mudar, transformar e
"transubstanciar" o pão e o vinho no seu Corpo e Sangue; na
verdade, como repetem os mesmos Padres, a força que opera este
prodígio é a própria força de Deus Onipotente, que no princípio
do tempo criou do nada todo o universo.
50. Diz São Cirilo de Jerusalém, ao concluir o discurso acerca
dos Mistérios da fé: "Assim instruído e acreditando com a maior
certeza que aquilo que parece pão não é pão, apesar do sabor que
tem, mas sim o Corpo de Cristo; e que o que parece vinho não é
vinho, apesar de assim parecer ao gosto, mas sim o Sangue de
Cristo... tu fortalece o teu coração, comendo aquele pão como
coisa espiritual, e alegra a face da tua alma".[53]
51. Insiste São João Crisóstomo: "Quem faz que as coisas
oferecidas se tornem o Corpo e o Sangue de Cristo não é o homem,
é Cristo que foi crucificado por nós. Como representante,
pronuncia o sacerdote as palavras rituais; a eficácia e a graça vêm
de Deus. Diz 'isto é o meu Corpo:' esta palavra transforma as
coisas oferecidas".[54]
52. E com o celebérrimo Bispo de Constantinopla está em perfeito
acordo Cirilo, Bispo de Alexandria, ao escrever no comentário ao
Evangelho de São Mateus: "(Cristo) afirmou de maneira
categórica 'isto é o meu Corpo e isto é o meu Sangue' não vás
tu julgar que as realidades visíveis são figura, mas fiques sabendo
que Deus Onipotente transforma, de modo misterioso, algumas das
coisas oferecidas, no Corpo e no Sangue de Cristo; quando destes
participamos, recebemos a força vivificante e santificadora de
Cristo".[55]
53. O Bispo de Milão, Santo Ambrósio, assim descreve a
conversão eucarística: "Persuadamo-nos que já não temos o que a
natureza formou, mas o que a bênção consagrou; e que a força da
bênção é maior que a força da natureza, porque a bênção, muda
até a natureza". E querendo confirmar a verdade do Mistério,
exemplifica com muitos milagres contados na Sagrada Escritura, como
Jesus que nasce da Virgem Maria, e depois, passando a falar da obra
da criação, assim conclui: "A palavra de Cristo, que pode fazer
do nada aquilo que não existia, não poderá mudar as coisas que
existem naquilo que não eram? Criar coisas não é menos que
mudá-las".[56]
54. Mas não é necessário multiplicar testemunhos. Mais útil
será recordar a firmeza da fé que mostrou a Igreja, ao resistir
muito unânime a Berengário. Levado pelas dificuldades que sugere a
razão humana, foi ele quem primeiro se atreveu a negar a conversão
eucarística; a Igreja condenou-o repetidamente, se não se
retratasse. Gregório VII, nosso predecessor, obrigou-o a
prestar um juramento nestes termos: "Creio de coração e confesso de
palavra que o pão e o vinho, colocados sobre o altar, se convertem
substancialmente, pelo mistério da oração sagrada e das palavras do
nosso Redentor, na verdadeira, própria e vivificante Carne e no
Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo; e que, depois de
consagrados, são o verdadeiro Corpo de Cristo, que nascido da
Virgem e oferecido pela salvação do mundo, esteve suspendido na
Cruz e agora está assentado à direita do Pai; como também o
verdadeiro Sangue de Cristo, que saiu do seu peito. Não está
Cristo somente como figura e virtude do Sacramento, mas também na
propriedade da natureza e na realidade da substância".[57]
55. Com estas palavras concordam (admirável exemplo da firmeza da
fé católica!) os Concílios Ecumênicos de Latrão, de
Constança, de Florença e, por fim, de Trento, naquilo que
constantemente ensinaram acerca do mistério da conversão
eucarística, quer expusessem a doutrina da Igreja quer condenassem
erros.
56. Depois do Concílio Tridentino, o nosso predecessor Pio
VI, opondo-se aos erros do Sínodo de Pistóia, recomendou
seriamente aos párocos, encarregados de ensinar, que não deixassem
de falar da transubstanciação, que figura entre os artigos da
fé.[58] Na mesma linha, o nosso predecessor Pio XII, de
feliz memória, recordou quais são os limites que não devem
ultrapassar aqueles que aprofundam o Mistério da
transubstanciação.[59] E nós mesmos no recente Congresso
Eucarístico Nacional italiano, realizado em Pisa, demos, em
obediência ao nosso dever apostólico, testemunho público e solene da
fé da Igreja.[60]
57. Esta mesma Igreja não só ensinou mas viveu a fé na presença
do Corpo e do Sangue de Cristo na Eucaristia, adorando sempre tão
grande Sacramento com culto latrêutico, que só a Deus compete.
Deste culto escreve Santo Agostinho: "A mesma carne, com que
andou (o Senhor) na terra, essa mesma nos deu a comer para nossa
salvação; ninguém come aquela Carne sem primeiro a adorar...;
não só não pecamos adorando-a, mas pecaríamos se a não
adorássemos".[61]
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