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2. As mudanças que se verificaram foram efetivamente notáveis e de
vários gêneros. Trata-se, antes de mais, do rápido
desenvolvimento demográfico. Muitos são os que manifestam o receio
de que a população mundial cresça mais rapidamente do que os recursos
à sua disposição, com crescente angústia de tantas famílias e de
povos em vias de desenvolvimento. De tal modo que é grande a
tentação das Autoridades de contrapor a este perigo medidas
radicais. Depois, as condições de trabalho e de habitação, do
mesmo modo que as novas exigências, tanto no campo econômico como no
da educação, não raro tornam hoje difícil manter convenientemente
um número elevado de filhos.
Assiste-se também a uma mudança, tanto na maneira de considerar a
pessoa da mulher e o seu lugar na sociedade, quanto no considerar o
valor a atribuir ao amor conjugal no matrimônio, como ainda no apreço
a dar ao significado dos atos conjugais, em relação com este amor.
Finalmente, deve-se sobretudo considerar que o homem fez progressos
admiráveis no domínio e na organização racional das forças da
natureza, de tal maneira que tende a tornar extensivo esse domínio ao
seu próprio ser global: ao corpo, à vida psíquica, à vida social
e até mesmo às leis que regulam a transmissão da vida.
3. O novo estado de coisas faz surgir novos quesitos. Assim, dadas
as condições da vida hodierna e dado o significado que têm as
relações conjugais para a harmonia entre os esposos e para a sua
fidelidade mútua, não estaria indicada uma revisão das normas
éticas vigentes até agora, sobretudo se se tem em consideração que
elas não podem ser observadas sem sacrifícios, por vezes heróicos?
Mais ainda: estendendo o chamado "princípio de totalidade" a este
campo, não se poderia admitir que a intenção de uma fecundidade
menos exuberante, mas mais racionalizada, transforma a intervenção
materialmente esterilizaste num sensato e legítimo controle dos
nascimentos? Por outras palavras, não se poderia admitir que a
fecundidade procriadora pertence ao conjunto da vida conjugal, mais do
que a cada um dos seus atos? Pergunta-se também, se, dado o
sentido de responsabilidade mais desenvolvido do homem moderno, não
chegou para ele o momento de confiar à sua razão e à sua vontade,
mais do que aos ritmos biológicos do seu organismo, a tarefa de
transmitir a vida.
4. Tais problemas exigiam do Magistério da Igreja uma reflexão
nova e aprofundada sobre os princípios da doutrina moral do
matrimônio: doutrina fundada sobre a lei natural, iluminada e
enriquecida pela Revelação divina.
Nenhum fiel quererá negar que compete ao Magistério da Igreja
interpretar também a lei moral natural. É incontestável, na
verdade, como declararam muitas vezes os nossos predecessores,[1]
que Jesus Cristo, ao comunicar a Pedro e aos Apóstolos a sua
autoridade divina e ao enviá-los a ensinar a todos os povos os seus
mandamentos, [2] os constituía guardas e intérpretes autênticos
de toda a lei moral, ou seja, não só da lei evangélica, como
também da natural, dado que ela é igualmente expressão da vontade
divina e que a sua observância é do mesmo modo necessária para a
salvação.[3]
Em conformidade com esta sua missão, a Igreja apresentou sempre, e
mais amplamente em tempos recentes, um ensino coerente, tanto acerca
da natureza do matrimônio, como acerca do reto uso dos direitos
conjugais e acerca dos deveres dos cônjuges.[4]
5. A consciência desta mesma missão levou-nos a confirmar e a
ampliar a Comissão de Estudo, que o nosso predecessor, de
venerável memória, João XXIII tinha constituído, em março
de 1963. Esta Comissão, que incluía também alguns casais de
esposos, além de muitos estudiosos das várias matérias pertinentes,
tinha por finalidade: primeiro, recolher opiniões sobre os novos
problemas respeitantes à vida conjugal e, em particular, à
regulação da natalidade; e depois, fornecer os elementos oportunos
de informação, para que o Magistério pudesse dar uma resposta
adequada à expectativa não só dos fiéis, mas mesmo da opinião
pública mundial. [5]
Os trabalhos destes peritos, assim como os pareceres e os conselhos
que se lhes vieram juntar, enviados espontaneamente ou adrede
solicitados, de bom número dos nossos irmãos no episcopado,
permitiram-nos ponderar melhor todos os aspectos deste assunto
complexo. Por isso, do fundo do coração, exprimimos a todos o
nosso vivo reconhecimento.
6. As conclusões a que tinha chegado a Comissão não podiam,
contudo, ser consideradas por nós como definitivas, nem
dispensar-nos de um exame pessoal do grave problema; até mesmo
porque, no seio da própria Comissão, não se tinha chegado a um
pleno acordo de juízos, acerca das normas morais que se deviam propor
e, sobretudo, porque tinham aflorado alguns critérios de soluções
que se afastavam da doutrina moral sobre o matrimônio, proposta com
firmeza constante, pelo Magistério da Igreja.
Por isso, depois de termos examinado atentamente a documentação que
nos foi preparada, depois de aturada reflexão e de insistentes
orações, é nossa intenção agora, em virtude do mandato que nos
foi confiado por Cristo, dar a nossa resposta a estes graves
problemas.
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