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9. Nesta luz aparecem-nos claramente as notas características do
amor conjugal, acerca das quais é da máxima importância ter uma
idéia exata.
É, antes de mais, um amor plenamente humano, quer dizer, ao mesmo
tempo espiritual e sensível. Não é, portanto, um simples ímpeto
do instinto ou do sentimento; mas é também, e principalmente, ato
da vontade livre, destinado a manter-se e a crescer, mediante as
alegrias e as dores da vida cotidiana, de tal modo que os esposos se
tornem um só coração e uma só alma e alcancem juntos a sua
perfeição humana.
É depois, um amor total, quer dizer, uma forma muito especial de
amizade pessoal, em que os esposos generosamente compartilham todas as
coisas, sem reservas indevidas e sem cálculos egoístas. Quem ama
verdadeiramente o próprio consorte, não o ama somente por aquilo que
dele recebe, mas por ele mesmo, por poder enriquecê-lo com o dom de
si próprio.
É, ainda, amor fiel e exclusivo, até à morte. Assim o concebem,
efetivamente, o esposo e a esposa no dia em que assumem, livremente e
com plena consciência, o compromisso do vínculo matrimonial.
Fidelidade que por vezes pode ser difícil; mas que é sempre nobre e
meritória, ninguém o pode negar. O exemplo de tantos esposos,
através dos séculos, demonstra não só que ela é consentânea com a
natureza do matrimônio, mas que é dela, como de fonte, que flui uma
felicidade íntima e duradoura.
É, finalmente, amor fecundo que não se esgota na comunhão entre os
cônjuges, mas que está destinado a continuar-se, suscitando novas
vidas. "O matrimônio e o amor conjugal estão por si mesmos
ordenados para a procriação e educação dos filhos. Sem dúvida,
os filhos são o dom mais excelente do matrimônio e contribuem
grandemente para o bem dos pais".[8]
10. Sendo assim, o amor conjugal requer nos esposos uma
consciência da sua missão de "paternidade responsável", sobre a
qual hoje tanto se insiste, e justificadamente, e que deve também ser
compreendida com exatidão. De fato, ela deve ser considerada sob
diversos aspectos legítimos e ligados entre si.
Em relação com os processos biológicos, paternidade responsável
significa conhecimento e respeito pelas suas funções: a inteligência
descobre, no poder de dar a vida, leis biológicas que fazem parte da
pessoa humana [9].
Em relação às tendências do instinto e das paixões, a paternidade
responsável significa o necessário domínio que a razão e a vontade
devem exercer sobre elas.
Em relação às condições físicas, econômicas, psicológicas e
sociais, a paternidade responsável exerce-se tanto com a
deliberação ponderada e generosa de fazer crescer uma família
numerosa, como com a decisão, tomada por motivos graves e com
respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo
indeterminado, um novo nascimento.
Paternidade responsável comporta ainda, e principalmente, uma
relação mais profunda com a ordem moral objetiva, estabelecida por
Deus, de que a consciência reta é intérprete fel. O exercício
responsável da paternidade implica, portanto, que os cônjuges
reconheçam plenamente os próprios deveres, para com Deus, para
consigo próprios, para com a família e para com a sociedade, numa
justa hierarquia de valores.
Na missão de transmitir a vida, eles não são, portanto, livres
para procederem a seu próprio bel-prazer, como se pudessem
determinar, de maneira absolutamente autônoma, as vias honestas a
seguir, mas devem, sim, conformar o seu agir com a intenção
criadora de Deus, expressa na própria natureza do matrimônio e dos
seus atos e manifestada pelo ensino constante da Igreja [10].
11. Estes atos, com os quais os esposos se unem em casta intimidade
e através dos quais se transmite a vida humana, são, como recordou o
recente Concílio, "honestos e dignos" [11]; e não deixam de
ser legítimos se, por causas independentes da vontade dos cônjuges,
se prevê que vão ser infecundos, pois que permanecem destinados a
exprimir e a consolidar a sua união. De fato, como o atesta a
experiência, não se segue sempre uma nova vida a cada um dos atos
conjugais. Deus dispôs com sabedoria leis e ritmos naturais de
fecundidade, que já por si mesmos distanciam o suceder-se dos
nascimentos. Mas, chamando a atenção dos homens para a observância
das normas da lei natural, interpretada pela sua doutrina constante, a
Igreja ensina que qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à
transmissão da vida[12].
12. Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, está
fundada sobre a conexão inseparável que Deus quis e que o homem não
pode alterar por sua iniciativa, entre os dois significados do ato
conjugal: o significado unitivo e o significado procriador.
Na verdade, pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo
tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a
geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do
homem e da mulher. Salvaguardando estes dois aspectos essenciais,
unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido
de amor mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima
vocação do homem para a paternidade. Nós pensamos que os homens do
nosso tempo estão particularmente em condições de apreender o
caráter profundamente razoável e humano deste princípio fundamental.
13. Em boa verdade, justamente se faz notar que um ato conjugal
imposto ao próprio cônjuge, sem consideração pelas suas condições
e pelos seus desejos legítimos, não é um verdadeiro ato de amor e
nega, por isso mesmo, uma exigência da reta ordem moral, nas
relações entre os esposos. Assim, quem refletir bem, deverá
reconhecer de igual modo que um ato de amor recíproco, que prejudique
a disponibilidade para transmitir a vida que Deus Criador de todas as
coisas nele inseriu segundo leis particulares, está em contradiçâo
com o desígnio constitutivo do casamento e com a vontade do Autor da
vida humana. Usar deste dom divino, destruindo o seu significado e a
sua finalidade, ainda que só parcialmente, é estar em contradição
com a natureza do homem, bem como com a da mulher e da sua relação
mais íntima; e, por conseguinte, é estar em contradição com o
plano de Deus e com a sua vontade. Pelo contrário, usufruir do dom
do amor conjugal, respeitando as leis do processo generativo,
significa reconhecer-se não árbitros das fontes da vida humana, mas
tão somente administradores dos desígnios estabelecidos pelo
Criador. De fato, assim como o homem não tem um domínio ilimitado
sobre o próprio corpo em geral, também o não tem, com particular
razão, sobre as suas faculdades geradoras enquanto tais, por motivo
da sua ordenação intrínseca para suscitar a vida, da qual Deus é
princípio. "A vida humana é sagrada, recordava João XXIII;
desde o seu alvorecer compromete diretamente a ação criadora de
Deus"[13].
14. Em conformidade com estes pontos essenciais da visão humana e
cristã do matrimônio, devemos, uma vez mais, declarar que é
absolutamente de excluir, como via legítima para a regulação dos
nascimentos, a interrupção direta do processo generativo já
iniciado, e, sobretudo, o aborto querido diretamente e procurado,
mesmo por razões terapêuticas [14].
É de excluir de igual modo, como o Magistério da Igreja
repetidamente declarou, a esterilização direta, quer perpétua quer
temporária, tanto do homem como da mulher.[15]
É, ainda, de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato
conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o
desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como
fim ou como meio, tornar impossível a procriação [16].
Não se podem invocar, como razões válidas, para a justificação
dos atos conjugais tornados intencionalmente infecundos, o mal menor,
ou o fato de que tais atos constituiriam um todo com os atos fecundos,
que foram realizados ou que depois se sucederam, e que, portanto,
compartilhariam da única e idêntica bondade moral dos mesmos. Na
verdade, se é lícito, algumas vezes, tolerar o mal menor para
evitar um mal maior, ou para promover um bem superior [17], nunca
é lícito, nem sequer por razões gravíssimas, fazer o mal, para
que daí provenha o bem [18]; isto é, ter como objeto de um ato
positivo da vontade aquilo que é intrinsecamente desordenado e,
portanto, indigno da pessoa humana, mesmo se for praticado com
intenção de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares,
ou sociais. É um erro, por conseguinte, pensar que um ato conjugal,
tornado voluntariamente infecundo, e por isso intrinsecamente
desonesto, possa ser coonestado pelo conjunto de uma vida conjugal
fecunda.
15. A Igreja, por outro lado, não considera ilícito o recurso
aos meios terapêuticos, verdadeiramente necessários para curar
doenças do organismo, ainda que daí venha a resultar um impedimento,
mesmo previsto, à procriação, desde que tal impedimento não seja,
por motivo nenhum, querido diretamente. [19]
16. Contra estes ensinamentos da Igreja, sobre a moral conjugal,
objeta-se hoje, como já fizemos notar mais acima (n. 3), que é
prerrogativa da inteligência humana dominar as energias proporcionadas
pela natureza irracional e orientá-las para um fim conforme com o bem
do homem. Ora, sendo assim, perguntam-se alguns, se atualmente
não será talvez razoável em muitas circunstâncias recorrer à
regulação artificial dos nascimentos, uma vez que, com isso, se
obtém a harmonia e a tranqüilidade da família e melhores condições
para a educação dos filhos já nascidos. A este quesito é
necessário responder com clareza: a Igreja é a primeira a elogiar e
a recomendar a intervenção da inteligência, numa obra que tão de
perto associa a criatura racional com o seu Criador; mas, afirma
também que isso se deve fazer respeitando sempre a ordem estabelecida
por Deus.
Se, portanto, existem motivos sérios para distanciar os
nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas
dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que
então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às
funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos
infecundos e, deste modo, regular a natalidade, sem ofender os
princípios morais que acabamos de recordar [20].
A Igreja é coerente consigo própria, quando assim considera lícito
o recurso aos períodos infecundos, ao mesmo tempo que condena sempre
como ilícito o uso dos meios diretamente contrários à fecundação,
mesmo que tal uso seja inspirado em razões que podem aparecer honestas
e sérias. Na realidade, entre os dois casos existe uma diferença
essencial: no primeiro, os cônjuges usufruem legitimamente de uma
disposição natural; enquanto que no segundo, eles impedem o
desenvolvimento dos processos naturais. É verdade que em ambos os
casos os cônjuges estão de acordo na vontade positiva de evitar a
prole, por razões plausíveis, procurando ter a segurança de que ela
não virá; mas, é verdade também que, somente no primeiro caso
eles sabem renunciar ao uso do matrimônio nos períodos fecundos,
quando, por motivos justos, a procriação não é desejável, dele
usando depois nos períodos agenésicos, como manifestação de afeto e
como salvaguarda da fidelidade mútua.
Procedendo assim, eles dão prova de amor verdadeira e integralmente
honesto.
17. Os homens retos poderão convencer-se ainda mais da
fundamentação da doutrina da Igreja neste campo, se quiserem
refletir nas conseqüências dos métodos da regulação artificial da
natalidade. Considerem, antes de mais, o caminho amplo e fácil que
tais métodos abririam à infïdelidade conjugal e à degradação da
moralidade. Não é preciso ter muita experiência para conhecer a
fraqueza humana e para compreender que os homens - os jovens
especialmente, tão vulneráveis neste ponto - precisam de estímulo
para serem féis à lei moral e não se lhes deve proporcionar qualquer
meio fácil para eles eludirem a sua observância. É ainda de recear
que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais,
acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o
equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como
simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua
companheira, respeitada e amada.
Pense-se ainda seriamente na arma perigosa que se viria a pôr nas
mãos de autoridades públicas, pouco preocupadas com exigências
morais. Quem poderia reprovar a um governo o fato de ele aplicar à
solução dos problemas da coletividade aquilo que viesse a ser
reconhecido como lícito aos cônjuges para a solução de um problema
familiar? Quem impediria os governantes de favorecerem e até mesmo de
imporem às suas populações, se o julgassem necessário, o método
de contracepção que eles reputassem mais eficaz? Deste modo, os
homens, querendo evitar dificuldades individuais, familiares, ou
sociais, que se verificam na observância da lei divina, acabariam por
deixar à mercê da intervenção das autoridades públicas o setor mais
pessoal e mais reservado da intimidade conjugal.
Portanto, se não se quer expor ao arbítrio dos homens a missão de
gerar a vida, devem-se reconhecer necessariamente limites
intransponíveis no domínio do homem sobre o próprio corpo e as suas
funções; limites que a nenhum homem, seja ele simples cidadão
privado, ou investido de autoridade, é lícito ultrapassar. E esses
mesmos limites não podem ser determinados senão pelo respeito devido
à integridade do organismo humano e das suas funções naturais,
segundo os princípios acima recordados e segundo a reta inteligência
do "princípio de totalidade", ilustrado pelo nosso predecessor Pio
XII. [21]
18. É de prever que estes ensinamentos não serão, talvez,
acolhidos por todos facilmente: são muitas as vozes, amplificadas
pelos meios modernos de propaganda, que estão em contraste com a da
Igreja. A bem dizer a verdade, esta não se surpreende de ser, à
semelhança do seu divino fundador, "objeto de contradição";
[22] mas, nem por isso ela deixa de proclamar, com humilde
firmeza, a lei moral toda, tanto a natural como a evangélica.
A Igreja não foi a autora dessa lei e não pode portanto ser árbitra
da mesma; mas, somente depositária e intérprete, sem nunca poder
declarar lícito aquilo que o não é, pela sua íntima e imutável
oposiçâo ao verdadeiro bem comum do homem.
Ao defender a moral conjugal na sua integridade, a Igreja sabe que
está contribuindo para a instauração de uma civilização
verdadeiramente humana; ela compromete o homem para que este não
abdique da própria responsabilidade, para submeter-se aos meios da
técnica; mais, ela defende com isso a dignidade dos cônjuges. Fiel
aos ensinamentos e ao exemplo do Salvador, ela mostra-se amiga
sincera e desinteressada dos homens, aos quais quer ajudar, agora
já, no seu itinerário terrestre, "a participarem como filhos na
vida do Deus vivo, Pai de todos os homens". [23]
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