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Esta aula, proferida no anfiteatro da Universidade Marciana, nos
será muito útil para interpretar mais profundamente algumas
afirmações do Opúsculo sobre o Modo de Aprender de Hugo de São
Vitor. Hugo de São Vitor nos explica ali importantes diferenças
entre a meditação ou reflexão e a contemplação. Ele diz que a
meditação ou reflexão difere do pensamento na medida em que o
pensamento é assistemático e a reflexão é metódica. A atividade
que ele denomina de pensamento pode ser metódica, mas quando o é, o
é porque é conduzida em sua metodicidade pela leitura de um livro ou
por uma aula que está sendo acompanhada. O pensamento, para ser
metódico, não pode ser independente; se ele se desliga do livro ou
da aula condutora, vagueia a esmo; trata- se de uma atividade da
inteligência que não possui autonomia própria para ser metódica. A
reflexão, porém, já significa uma forma de pensamento mais elevada
porque autônoma; ela não necessita do fio condutor da aula ou da
leitura para possuir a metodicidade; é uma forma de pensamento mais
adulta e madura.
Mas a contemplação é uma forma de uso da inteligência ainda mais
possante, adulta e madura do que a reflexão; ela está situada diante
da reflexão ou meditação a uma distância ainda maior do que a
reflexão está situada do pensamento. A diferença consiste em que o
pensamento propriamente dito não apreende nada permanentemente; aquilo
sobre o que nos debruçamos apenas pelo pensamento é sempre algo
facilmente esquecido. Às vezes o pensamento produz algum resultado
permanente na alma, não sujeito a um fácil esquecimento, mas neste
caso verificamos que isto ocorreu na maiorias das vezes em ocasiões em
que aquilo que foi pensado havia sido conduzido, através da aula ou da
leitura, e o resultado permanente por ele produzido se deveu ao fato de
que, assim conduzido, o pensamento já possui características que
mais pertencem ao trabalho da reflexão. O pensamento por si mesmo
dificilmente produz resultados duradouros na alma. Já o que foi
verdadeiramente refletido não se esquece, torna-se uma conquista
pessoal. Ora, a matéria prima sobre a qual a contemplação se
debruça é precisamente isto que foi apreendido pela reflexão.
Ademais, a reflexão apreende uma ou poucas coisas de cada vez,
enquanto que a contemplação se coloca diante de muitas ou mesmo de
todas as coisas apreendidas. Isto não significa que a contemplação
só surge no homem quando termina todo o trabalho de reflexão pois,
aos contrário, o que se observa é que à medida em que o trabalho de
reflexão avança é que surge gradualmente o trabalho de contemplação
e a contemplação pode, e efetivamente cresce, juntamente com o
crescimento da reflexão. A contemplação pode desenvolver-se, e
efetivamente se desenvolve paralelamente à medida em que a reflexão
também se desenvolve, embora necessite de um amadurecimento prévio da
reflexão para poder manifestar seus primeiros sinais de presença.
Mas uma das diferenças mais radicais entre a reflexão e a
contemplação consiste não apenas em tudo isto, mas no fato de que a
reflexão não faz cair na real. Pela reflexão o homem pode aprender
definitivamente uma determinada coisa, mas continua agindo, sentindo,
desejando e até mesmo, no caso em que a inteligência se vê obrigada
a atuar em conjunto com as demais faculdades da psicologia humana,
intelegindo como se não tivesse aprendido nada. É pelo trabalho da
contemplação que todas estas coisas se integram. É pelo trabalho da
contemplação que caímos na real.
A contemplação é, deste modo, uma forma de trabalho intelectual
que produz efeitos visíveis no homem, isto é, efeitos que podem ser
notados claramente pelos outros homens que convivem com aquele que é
capaz da contemplação. A reflexão não produz estes efeitos
visíveis, porque ela se limita a apreender de um modo definitivo
alguma coisa que, porém, no que depender apenas da reflexão, não
produzirá efeitos fora da inteligência. Seus efeitos na
inteligência são também, menos profundos do que os da
contemplação. Neste sentido, a reflexão pode produzir efeitos
visíveis apenas através da uma conversa, na medida em que pela
conversa do homem habituado à reflexão externam-se as coisas que ele
aprendeu, e desde que ele não se veja obrigado a fazer um uso prático
deste conhecimento. Para que o homem possa se transformar, ao
contrário, em um exemplo vivente de sabedoria, é necessário
recorrer à outra operação da inteligência a que se chama de
contemplação. Neste sentido, só os que são capazes da
contemplação são verdadeiramente sábios e não só aparentam como
também se comportam como tais. Examinada sob esta perspectiva, a
contemplação se torna perfeita quando alcança uma interligação
permanente de todos os aspectos da psicologia humana com todas as coisas
que dizem respeito ao homem e à sua situação no mundo e diante de
Deus.
Às vezes, em pessoas muito dadas ao estudo, a reflexão pode produzir
alguns efeitos visíveis desta natureza; isto ocorre, porém, por
causa de que ela já estará possuindo algumas das características do
funcionamento da contemplação.
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