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Hugo não ocupou somente uma cátedra em São Vítor; era também o
diretor da escola, tendo que fixar os objetivos do ensino e traçar o
caminho que deveriam seguir os professores e alunos. Nós conhecemos o
plano que ele havia adotado; e se o compararmos àquele que servia de
regra às escolas de seu tempo, constataremos que Hugo não se separa
das antigas tradições; ele até as respeita e as defende contra os
ataques dos inovadores temerários.
O curso dos estudos não era constituído no décimo segundo século
como o é atualmente. A literatura não tinha a importância que ela
adquiriu nos tempos modernos. Não era, porém, o medo dos autores
profanos que afastava os discípulos deste estudo, ou o temor de
tornar-se pagão lendo Cícero, Virgílio e Horácio. A cultura
literária nesta época não era senão uma preparação às demais
ciências e se estendia pouco além do domínio das gramáticas. Nós
sabemos por testemunhos positivos que as obras dos autores pagãos
estavam entre as mãos dos estudantes, e, é verdade, estudavam-se
os grandes modelos; mas este estudo era geralmente pouco sério. Toda
a atividade intelectual era encaminhada para as artes liberais onde a
literatura não ocupava senão um lugar muito acanhado.
Os ensinamentos que serviam de estudos preparatórios à Teologia se
limitavam, de fato, ao Trivium e ao Quadrivium.
O trivium, o primeiro dos dois ciclos, constituía-se de
gramática, retórica e lógica. O quadrivium, o segundo,
constituía-se de matemática, geometria, astronomia e música.
Apesar da diferença sugerida pelos nomes das quatro matérias, todas
podem, pelo menos genericamente, serem reduzidas à matemática. A
relação entre a geometria e matemática é evidente. A astronomia da
época era o estudo matemático das posições e movimentos dos corpos
celestes e da previsão dos fenômenos celestes ou relacionados com
eles, como os eclipses e as estações do ano. A música, pelo menos
a ensinada no Quadrivium, não era a arte musical, mas uma teoria da
harmonia entre os diversos sons produzidos pelos instrumentos. O
quadrivium remonta à obra filosófica de Platão, que, no livro
intitulado "A República", aponta o papel relevante da matemática
na formação do pensamento abstrato do aluno como pré-requisito para
o estudo da Filosofia, afirmando que nenhum aluno deveria iniciar os
estudos de Filosofia antes dos 30 anos de idade e sem terem sido
longamente treinados desde a primeira infância em uma vida moralmente
virtuosa e desde a adolescência no estudo destas quatro matérias. Na
época de Platão somente existia a Geometria Plana; em seu livro
"A República", Platão foi um dos primeiros homens da História
que levantou a necessidade de se desenvolver o estudo da Geometria no
Espaço, fundado em motivos puramente pedagógicos. Semelhantemente
ao que Hugo iria posteriormente afirmar no quinto livro do
Didascalicon, o ensino destas disciplinas não poderia ser imposto
pela força. Na República diz Platão que "o homem livre não deve
ser escravizado na aquisição de qualquer espécie de conhecimento,
pois o conhecimento que entra na alma pela força não cria raízes
nela". "Os que nestas disciplinas tiverem demonstrado sempre maior
agilidade passarão, quando tiverem alcançado a idade dos trinta
anos, a se dedicarem à Filosofia em que, sendo já capazes de
renunciar ao uso da vista e dos outros sentidos, procurarão atingir o
ser absoluto. Antes dessa idade, porém, não, porque tomarão a
filosofia como um jogo e, em vez de se proporem a investigar a
verdade, a transformarão em um jogo de contradições e fim de se
divertirem" (Nota do Trad.).
Todos os documentos desta época constatam a existência geral e o
caráter preparatório destes dois ciclos de estudos. Nós encontramos
em todos os lugares os mesmo objetos de ensino e mais ou menos a mesma
divisão das ciências. Hugo nada inovou sobre este ponto,
esforçando-se, porém, por ligar estes diversos estudos e um
pensamento filosófico que é a própria finalidade a que devemos nos
propor ao cultivá-los. Esta finalidade é o aperfeiçoamento do
homem.
Assim, a ciência não terá como finalidade direta o aumento da
fortuna pública e o aumento dos prazeres materiais. O corpo do homem
vale mais do que o mundo material, e sua alma vale mais do que o seu
corpo. Ora, em toda a obra, o fim é superior aos meios, porque os
meios são para o fim e não o fim para os meios. É, pois, reverter
esta ordem colocar a alma a serviço do corpo e o corpo a serviço da
matéria. É algo que deveria ser repetido constantemente a um século
materialista: a primeira finalidade da ciência é a perfeição do
homem, e não é senão sob esta condição que seus progressos e os
progressos das demais artes são também o progresso da humanidade.
Não somente Hugo tinha uma estima profunda da ciência por causa de
sua finalidade, que ele determina com tanta precisão mas também por
causa de seu objeto que ele considera sempre em Deus.
diz Hugo de São Vítor no sétimo do Didascalicon,
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"costuma amar a ciência por causa de suas obras.
Ele ama a agricultura, por exemplo,
por causa dos frutos que ela produz.
Mas se nós aplicarmos este princípio em Deus,
teremos que dizer que sua obra é mais excelente
que sua sabedoria,
e preferir a criatura ao Criador;
o que seria um erro.
De onde que é necessário reconhecer
que a ciência é preferível às suas obras,
e que deve ser amada por si mesma.
Se, porém,
às vezes a obra é preferida à sabedoria,
este julgamento não procede da verdade,
mas do erro;
porque a sabedoria é vida,
e o amor da sabedoria é a felicidade da vida.
É por isto que quando se diz,
nas Sagradas Escrituras,
que o Pai da sabedoria se compraz nela,
longe de nós pensarmos
que ele ama sua sabedoria por causa
das obras que ele produz por seu intermédio.
Devemos, ao contrário,
dizer que ele ama as suas obras
por causa de sua sabedoria.
De fato, tanto mais dignas de seu amor
são as obras de Deus,
quanto mais se aproximam de sua semelhança:
não é, portanto,
a sabedoria por causa das obras,
mas as suas obras que Deus ama por causa da sabedoria".
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Mas em que ordem deve o estudante se dedicar aos diversos ramos da
ciência? Hugo aqui permanece fiel ao velho método. Ele quer que se
percorra sucessivamente as diversas partes do trivium e do quadrivium,
cuja classificação ele remonta a Pitágoras. Ele inclusive se
queixa, no Didascalicon, que os estudantes de seu tempo se afastam
desta via batida e estudam sem ordem e sem fruto.
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