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Antes de abandonar seu retiro, Guilherme havia confiado a comunidade
de São Vítor a Guilduíno, o mais querido de seus discípulos.
Guilduíno era nativo de Paris, gozando de uma justa reputação,
que ele havia adquirido mais ainda pela sua sabedoria e virtude que pela
sua ciência. Luís VI o escolheu para seu confessor e o tratou
sempre com afeto filial. Sob a administração de Guilduíno a
comunidade de São Vítor tornou-se uma abadia rica e poderosa.
Nisto Luís VI o ajudou com uma munificiência verdadeiramente
real, outorgando-lhe uma carta que é como que a carta de fundação
de São Vítor.
Nesta carta Luís VI declara que depois de ter consultado os bispos
e os senhores de sua corte, resolve estabelecer na igreja de São
Vítor alguns cônegos regulares que se ocupem em orar a Deus por ele
e pelo seu reino, aos quais ele dota e enriquece por sua liberalidade
para que não se afastem deste santo exercício pela solicitude de
prover às necessidades da vida. Com esta carta, Luís VI dava aos
cônegos a inteira liberdade de escolha de seu abade, não sendo eles
obrigados a pedir o consentimento do rei nem de outras pessoas.
Entretanto, assim que tivesse sido feita a escolha do abade por eles
mesmos, pelos membros de sua comunidade ou de alguma outra casa
pertencente à sua ordem, eles teriam que apresentá-lo ao bispo de
Paris para receber a bênção abacial. Não se faz, nesta carta,
nenhuma menção da regra de Santo Agostinho.
A data desta carta tão importante é o quinto ano do reino de Luís
VI, e o ano 1113 de Jesus Cristo: esta data coincide com
aquela que pode ser lida em São Vítor no túmulo do mesmo rei. No
ano seguinte o Papa Pascoal II confirma a nova fundação.
O aumento dos rendimentos da fundação permite que os cônegos de
São Vítor se multipliquem. Ao morrer, Luís VI deixa como
legado 2.000 livros a 20 abadias de sua ordem. No ano de
1138 eles já formam uma congregação considerável. Quando
Guilduíno, o primeiro abade de São Vítor, veio a falecer, a
ordem contava com 44 casas.
A história é testemunha, também, que os cônegos fizeram um bom
uso de suas riquezas: foram consagradas ao amparo dos pobres e
sobretudo dos jovens estudantes que o amor da ciência atraía a
Paris. Há ainda hoje diversos documentos comprovando estas
afirmações. Os cônegos de São Vítor tratavam com a mesma
bondade estudantes franceses ou de qualquer outra nacionalidade. Entre
eles estava Pedro Lombardo, para lá encaminhado a pedido de São
Bernardo, o amigo mais devotado dos cônegos de São Vítor.
Caridosos e benfeitores para com aqueles que pediam o seu auxílio, os
cônegos vitorinos se mostraram também respeitosos e devotados para com
os bispos de Paris. Foram seus mais sábios conselheiros, os mais
firmes apoios de sua autoridade, que eles também frequentemente
compartilhavam, e os mais zelosos defensores de seus direitos.
A esta conduta deveram a estima e a confiança de todos. Os outros
seus contemporâneos celebraram sua piedade e sua ciência. O Papa
Inocêncio II, em uma carta endereçada a Estevão, bispo de
Paris, louva sua religião, sua regularidade, sua fiel observância
das regras canônicas e da disciplina da Igreja, dizendo que sua
conduta dá glória a Deus e que o seu exemplo edifica os povos.
Jacques de Vitry, em sua História Ocidental, louva sua
humildade, sua santidade e sua doutrina:
diz ele,
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"é como a chama do Senhor
elevada sobre o candelabro.
Ela ilumina não somente a cidade,
mas também os lugares mais afastados;
ela ensina os povos a conhecer a Deus;
ela os incentiva a amá-lo.
Desde sua origem",
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continua Jacques,
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"ela foi ornada e embelezada
por alguns doutores parisienses,
homens literatos e honestos,
que brilharam em seu meio
como estrelas cintilantes,
ou como pedras preciosas".
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Várias dioceses quiseram possuir religiosos cuja reputação era assim
tão grande e sua vida tão exemplar. Os grandes homens que se
formaram em seus meios justificaram esta reputação. A abadia de são
Vítor deu à Igreja sete cardeais, dois arcebispos, seis bispos,
cinquenta e quatro abades estabelecidos em diversos lugares e outros
homens que adquiriram uma merecida reputação em todos os ramos da
ciência cultivada nesta época.
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