4. Alguns temas centrais do Opúsculo sobre o Modo de Aprender.

Uma das idéias fundamentais em torno da qual construíu-se a pedagogia vitorina está contida no Opúsculo sobre o Modo de Aprender. Nele Hugo afirma que há três operações básicas da alma racional, as quais constituem entre si uma hierarquia, e que, em conseqüência, se desenvolvem uma pressupondo a outra, o exercício da anterior constituindo-se em um aprendizado para o exercício da posterior. Estas três operações são as seguintes:

O pensamento,
a meditação
a contemplação.

A operação básica da alma racional, o pensamento, é definida por Hugo de S. Vitor como ocorrendo

"quando a mente é tocada transitoriamente pela noção das coisas, ao se apresentar a própria coisa, pela sua imagem, subitamente à alma, seja entrando pelo sentido, seja surgindo na memória".

Entre os ensinamentos de Hugo está a relação que existe entre o pensamento e a leitura ou o estudo. Na maioria das vezes em que Hugo se refere à leitura, ele está se referindo na realidade àquilo que hoje denominaríamos de "assistir uma aula" ou "estudar um livro". A importância do estudo, diz Hugo de S. Vitor, está no fato de que ele é, na realidade, um modo de estimular a primeira operação da inteligência que é o pensamento. A afirmação pode parecer evidente, mas deixa de sê-lo quando consideramos, em primeiro lugar, que a maioria das pessoas que estudam hoje em dia não o fazem com esta finalidade, mas com a intenção de, através dele, adquirirem algum tipo de informação. Não estudam para estimular com isto o pensamento, e muito menos se dão conta pensam que estimular o pensamento pode ser uma via para o acesso a formas superiores de utilização da inteligência. Ademais, dizer, segundo Hugo de S. Vitor, que o estudo é um modo de estimular a primeira operação da inteligência é uma afirmação que carrega implicitamente uma outra segundo a qual, por outro lado, o estudo não é mais, pelo menos diretamente, o modo adequado de estimular as operações seguintes da inteligência, que são a meditação ou reflexão e a contemplação. Percebe-se, nesta concepção, que o estudo é considerado como algo importante, mas ao mesmo tempo limitado, porque ele não pode estimular as operações seguintes da inteligência, que são a meditação e a contemplação, a não ser indiretamente, na medida em que o estudo estimula o pensamento, que é o primeiro estágio pressuposto pelos demais. Isto significa que, na pedagogia vitorina, requer-se uma teoria do estudo em que o mestre saiba utilizar-se dele para produzir o pensamento, mas em que ao mesmo tempo compreenda também que existem outros processos mentais mais elevados que devem igualmente ser desenvolvidos e que podem vir a ser impedidos por uma concepção errônea por parte do mestre que não conseguisse compreender que estes não dependem mais diretamente apenas do estudo.

A segunda operação da inteligência, continua Hugo de São Vitor, é a meditação. Poderia-se, para traduzir a palavra utilizando a linguagem moderna, fazer-se uso também do termo reflexão. A meditação, ou reflexão profunda, é uma operação da inteligência que se baseia no pensamento e é

"um assíduo e sagaz reconduzir do pensamento, esforçando-se para explicar algo obscuro, ou procurando penetrar no que nos é oculto".

Segundo as palavras de Hugo no Opúsculo sobre o Modo de Aprender,

"No estudo, mediante regras e preceitos, somos instruídos a partir das coisas que estão escritas. O estudo também é uma investigação do sentido por uma alma disciplinada. A reflexão toma, depois, por sua vez, seu princípio do estudo, embora não se realize por nenhuma das regras ou preceitos do estudo. A reflexão é uma cogitação freqüente com conselho, que investiga prudentemente a causa e a origem, o modo e a utilidade de cada coisa".

Mas, acima da reflexão ou meditação, e baseando-se nela, existe ainda o que Hugo chama de contemplação. Ele explica o que é contemplação e no que difere da meditação do seguinte modo:

"A contemplação é uma visão livre e perspicaz da alma de coisas que existem entre si de modo amplamente disperso.

Entre a meditação e a contemplação o que parece ser relevante é que a meditação é sempre de coisas ocultas à nossa inteligência; a contemplação, porém, é de coisas que, segundo a sua natureza, ou segundo a nossa capacidade, são manifestas; e que a meditação sempre se ocupa em buscar alguma coisa única, enquanto que a contemplação se estende à compreensão de muitas, ou também de todas as coisas.

A meditação é, portanto, um certo vagar curioso da mente, um investigar sagaz do obscuro, um desatar o que é intrincado.

A contemplação é aquela vivacidade da inteligência, a qual, já possuindo todas as coisas, as abarca em uma visão plenamente manifesta, e isto de tal maneira que aquilo que a meditação busca, a contemplação possui".

Estas passagens do Opúsculo sobre o Modo de Aprender nos mostram uma das mais fundamentais preocupações da pedagogia de Hugo de S. Vitor, a de levar o discípulo do pensamento à contemplação.

Vários outros temas são mencionados ou tratados no Opúsculo sobre o Modo de Aprender. Dentre eles merece uma referência especial nestas notas aquele que é precisamente o primeiro de todos. Hugo, efetivamente, inicia o texto deste opúsculo com alguns curtos parágrafos que tratam da humildade, aplicados à situação específica em que se encontra o aluno. Ele afirma primeiramente que

"A humildade é o princípio do aprendizado".

Sobre a humildade, continua Hugo, escreveu-se já muita coisa. Neste opúsculo ele não nos quer relembrar de todas, mas apenas de alguns pontos que dizem respeito especificamente a um estudante. Entre as coisas para que então ele nos chama a atenção estão os seguintes três conselhos:

Não ter como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura.

Não se envergonhar de aprender de ninguém.

Quando tiver alcançado a ciência, não desprezar aos demais.

O Opúsculo sobre o Modo de Aprender, não obstante o seu reduzido tamanho, abarca mais assuntos do que estes poucos que acabamos de mencionar. Quisemos iniciar estas notas reportando a estes em vez de a outros por se tratarem dos seus aspectos que mais serão comentados a seguir.