4. Uma pedagogia centrada no aluno.

A primeira impressão que temos ao analisar as obras pedagógicas de Hugo de São Vítor é o fato de todas elas se dirigirem, na íntegra, ao aluno; não ao professor, para quem nada têm a dizer sobre organização escolar; não a mais ninguém, senão unicamente ao aluno, não obstante a tarefa de Hugo fosse a de organizar a escola em todos os seus aspectos.

Esta aparente enorme lacuna se explica pelo fato de que a pedagogia no século XII era manifestamente centrada no aluno e não no professor.

Em dois textos do século XIII, geralmente mais conhecidos entre os estudiosos modernos do que as obras de Hugo de S. Vítor, São Tomás de Aquino (1) afirma que no ensino o professor não pode, por necessidade ontológica, ser a causa principal do conhecimento. Esta causa é a atividade do aluno; o papel do mestre não é o de infundir a ciência, mas a de auxiliar o discípulo. "Assim como o médico é dito causar a saúde no enfermo através das operações da natureza, assim também o mestre", diz Tomás de Aquino, "é dito causar a ciência no discípulo através da operação da razão natural do discípulo, e isto é ensinar"(2) . Se o mestre tentar seguir uma conduta diversa, diz ainda Tomás, o resultado será que ele "não produzirá no discípulo a ciência, mas apenas a opinião ou a fé"(3).

Nos textos de São Tomás de Aquino estas conclusões são deduzidas a partir de princípios da filosofia aristotélica; como, porém, quando muito, dificilmente se conhece atualmente da pedagogia desta época alguma coisa além destes dois textos, torna-se difícil ao homem de hoje imaginar ao que S. Tomás de Aquino estava se referindo na prática.

Os textos de Hugo de S. Vítor fornecem em parte uma ilustração para tais princípios. Ao redigir uma série de textos para organizar os métodos educacionais que seriam usados em sua escola, Hugo não dirigiu quase uma única palavra aos professores, e sim aos alunos. É exatamente o contrário do que vemos na literatura pedagógica do século XX: toda a literatura sobre metodologia é escrita para a leitura do professor, não do aluno. Aquele era um ensino centrado no aluno; este, embora às vezes se diga o contrário, é um ensino centrado no mestre.

Os resultados destes modos diversos de encarar a pedagogia são também diversos. O primeiro, encontrado no mestre, tende a tornar-se uma transferência mecânica de conhecimento do professor para o aluno; o segundo, centrado no aluno, tende a tornar-se uma aventura do espírito. A escola centrada no mestre só irá produzir um discípulo melhor do que o mestre por acaso, quando o discípulo, apesar do método utilizado, puder fugir espontaneamente às regras desta pedagogia; a escola centrada no aluno tende a produzir por sua natureza um certo número de alunos melhores do que o mestre. Consequência destes fatos é que os professores da escola centrada no mestre são, no que depende da escola, a cada geração possuidores de um nível cada vez mais baixo, enquanto que na escola centrada no aluno a tendência é a oposta.

É um fato conhecido na história da educação que desde a renascença, quando o centro de gravidade do ensino passou a deslocar-se, todas as gerações sempre têm reclamado que o nível do ensino estava caindo, e que o ensino na geração anterior era melhor do que o então ministrado. Tal constatação pode parecer à primeira vista paradoxal, porque, pensamos nós, se isto fosse realmente verdade, após tanto tempo, há muito que o ensino teria sido totalmente pulverizado. A explicação para este fenômeno é que realmente houve muitos momentos históricos desde então em que o ensino não só não decaiu, como inclusive subiu de nível, e às vezes acentuadamente. Mas, se isto aconteceu, não se deveu a fatores internos à pedagogia, e sim a contingências externas ao método educacional: a fundação, por exemplo, de uma nova ordem religiosa; uma reforma educacional; os decretos de algum príncipe. Nestes momentos dava-se uma melhora da qualidade de ensino para, a partir daí, entregue às suas forças intrínsecas, cair gradualmente sem perspectiva aparente de reversão, senão por uma nova interferência externa.