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No discurso sagrado não apenas as palavras, mas também as coisas
significadas pelas palavras têm por sua vez outras significações.
Trata-se de algo que só muito raramente se observa em outros
escritos. Os filósofos apenas conheceram as significações das
palavras, embora as significações das coisas sejam mais excelentes do
que as das palavras. Estas foram instituídas pelo uso, enquanto que
aquelas foram impostas pela natureza.
As palavras são a voz dos homens, as coisas são a voz de Deus
dirigida aos homens. Aquelas, quando pronunciadas, já perecem;
estas, quando criadas, subsistem. A tênue voz é sinal dos
sentidos; as coisas são simulacros da razão divina. O som produzido
pela boca, mal principia a sua subsistência, já se desvanece. Por
isso, assim como este som está para a razão da mente, assim também
está qualquer espaço de tempo no qual as coisas subsistem para a
eternidade. A razão da mente é uma palavra interior manifestada por
uma palavra exterior que é o som da voz; assim também a divina
sabedoria que o Pai exalou do seu coração, invisível em si mesma,
pode ser conhecida pelas criaturas e nas criaturas.
Pode-se, deste modo, depreender quão profundo é o entendimento que
deve ser buscado nas Sagradas Letras onde pela voz se chega ao
intelecto, pelo intelecto à coisa, pela coisa à razão, pela razão
se chega à verdade. Os menos instruídos, não considerando isto,
julgam não haver nas Escrituras nada mais sutil em que possam exercer
sua inteligência; por este motivo, apenas se ocupam com os escritos
dos Apóstolos, já que nada mais conseguem apreender ali senão a
superfície da letra, ignorando a força da verdade .
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