8. A disposição das coisas pelas suas partes.

Quanto à disposição dos tempos, seja suficiente a título de exemplo o quanto já foi dito. Passemos a tratar agora daquela ordem que pode ser considerada em cada coisa segundo a adequada disposição de suas partes. Esta última é, na verdade, intrínseca; as demais, segundo o lugar e o tempo, são extrínsecas. E aqui não menos admirável é a eficácia da sabedoria que tão adequadamente distribuiu em tudo cada coisa de tal modo que nunca a união das partes gerasse a repugnância das qualidades.

Eis, para que ponhamos como exemplo um pouco do muito que poderíamos, quanta sabedoria do Criador não resplandesce na composição do corpo humano? Na sua parte superior o homem é uniforme, na sua parte inferior, dividido em dois; pois é uniforme o que há de principal na mente, isto é, a razão, que diz respeito às coisas invisíveis, e gêmea é a concupiscência, a qualidade da alma que se estende para baixo às coisas terrenas. Os braços se estendem para os lados e as pernas para baixo, fixando a estatura do corpo humano, porque a aplicação ao trabalho estende a alma, enquanto que o afeto dos desejos a fixa. A extensão do corpo humano termina pelas mãos ou pelos pés em cinco dedos; pois, tenda a alma para o lado pela aplicação ao trabalho, ou fixe-se para baixo pelo desejo do afeto, cinco são os sentidos pelos quais sai para o exterior. Os dedos são divididos por três intervalos de articulações, que nas mãos se originam de uma só palma, nos pés se originam de uma só planta; pois de uma só sensualidade se originam os cinco sentidos, nos quais por uma primeira divisão encontramos o sentido, depois o sentir e finalmente o sensível. Em cada um dos dedos a cabeça das extremidades das articulações são cobertas por unhas, como se fossem capacetes, para que onde quer que as mãos ou os pés encontrem obstáculo, protegidos pela sua presença, possam permanecer ilesos. Semelhantemente, as coisas terrenas que nos protegem nas necessidades, à semelhança das unhas que estão além dos sentidos, quando não mais se fazem necessárias podem ser cortadas sem que se as sintam como se estivessem para além da carne.

Eis a face humana; com que divisão racional lhe foram colocados os instrumentos dos sentidos! O lugar supremo cabe à visão nos olhos. Depois, a audição nos ouvidos; em seguida, o olfato no nariz; e finalmente, o gosto na boca. Sabemos que todos os outros sentidos vêm do exterior para o interior; somente a visão do interior sai para o exterior, distinguindo-se entre os demais por discernir as coisas situadas externamente com admirável agilidade. Como se fosse capaz de especulação, é com justos motivos que detém entre todos o lugar mais eminente, sendo capaz de prever, diante do perigo, aquilo que está para acontecer aos demais sentidos. Depois dela, o segundo lugar, pelo lugar e pela nobreza, pertence ao ouvido. Em seguida, ao olfato. Quanto ao gosto, porém, que nada pode sentir a não ser aquilo que toca, merecidamente, por ser o mais tardo entre todos os sentidos, ocupa o ínfimo dos lugares. O tato não possui uma sede especial, sendo universal porque coopera com todos os sentidos. De onde que entre os dedos o polegar, que significa o tato, corresponde sozinho a todos os demais dedos reunidos em um só todo, porque sem o tato nenhum sentido pode existir.

Vê também como no corpo humano os ossos são colocados internamente, na medida em que pela força deles o corpo é sustentado; em seguida, a carne veste os ossos, para que a dureza deles seja percebida pelo tato sem aspereza. Por último, a pele reveste a carne, e pela sua tenacidade protege o corpo dos acidentes externos. Fazei atenção também a como aquilo que é mole e enfermiço é posto no meio, como que em lugar mais seguro, para que não se despedace nem por falta de suporte interno, nem por falta de proteção externa.

Tudo isto que, porém, exemplificamos em uma só coisa, na verdade pode ser encontrado em todos os gêneros de coisas. De fato, é assim que a casca protege as árvores, as penas e bicos as aves, as escamas os peixes, e para cada uma das coisas, segundo a competência de sua natureza, a providência do Criador instituiu sua proteção.

Até aqui falamos da posição. Passemos agora ao movimento.