9. Nas Sagradas Escrituras também as coisas significam.

No discurso sagrado não apenas as palavras, mas também as coisas significadas pelas palavras têm por sua vez outras significações. Trata-se de algo que só muito raramente se observa em outros escritos. Os filósofos apenas conheceram as significações das palavras, embora as significações das coisas sejam mais excelentes do que as das palavras. Estas foram instituídas pelo uso, enquanto que aquelas foram impostas pela natureza.

As palavras são a voz dos homens, as coisas são a voz de Deus dirigida aos homens. Aquelas, quando pronunciadas, já perecem; estas, quando criadas, subsistem. A tênue voz é sinal dos sentidos; as coisas são simulacros da razão divina. O som produzido pela boca, mal principia a sua subsistência, já se desvanece. Por isso, assim como este som está para a razão da mente, assim também está qualquer espaço de tempo no qual as coisas subsistem para a eternidade. A razão da mente é uma palavra interior manifestada por uma palavra exterior que é o som da voz; assim também a divina sabedoria que o Pai exalou do seu coração, invisível em si mesma, pode ser conhecida pelas criaturas e nas criaturas.

Pode-se, deste modo, depreender quão profundo é o entendimento que deve ser buscado nas Sagradas Letras onde pela voz se chega ao intelecto, pelo intelecto à coisa, pela coisa à razão, pela razão se chega à verdade. Os menos instruídos, não considerando isto, julgam não haver nas Escrituras nada mais sutil em que possam exercer sua inteligência; por este motivo, apenas se ocupam com os escritos dos Apóstolos, já que nada mais conseguem apreender ali senão a superfície da letra, ignorando a força da verdade .