10. Uma primeira explicação sobre a natureza da contemplação.

Se tivéssemos que dizer em poucas palavras o que se quer significar com aquilo a que se chama de contemplação, possivelmente a mais perfeita de todas as explicações que já foram dadas até hoje, mas que, ainda assim, é insuficiente para dar ao leitor uma idéia do tamanho da riqueza da realidade que com isto se descreve, é aquela que nos foi deixada por Jesus no quarto capítulo do Evangelho de São João. Neste capítulo São João nos conta que Jesus, sentado à beira de um poço, viu aproximar-se dele uma samaritana que lhe dirigiu a seguinte pergunta:

"Senhor, vejo que és profeta. Responde, então, à minha pergunta: os samaritanos adoram sobre este monte, mas os judeus dizem que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar a Deus. Quem está certo?"

Jesus responde-lhe:

"Mulher, crê-me que é chegada a hora em que não adorareis o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém. A salvação vem dos judeus, mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, porque é destes adoradores que o Pai deseja".

A adoração em espírito e verdade de que fala Jesus é uma expressão felicíssima para designar aquilo que na tradição cristã tem sido chamado também de contemplação. Por espírito entende-se a atuação dos dons do Espírito Santo, que é a causa da contemplação nas almas que, pela fé em Cristo, vivem em estado de graça e se purificaram através da vida das virtudes; pela verdade entende-se o próprio objeto da contemplação. Neste sentido, a contemplação é algo que se manifesta no homem quando, pelo auxílio da graça que nos chega através de Cristo, pela perfeita renúncia a si mesmo, por uma profunda e contínua prática das virtudes, pelo estudo, pela reflexão e pela oração, é concedida ao homem a possibilidade de um exercício intenso e simultâneo das virtudes teologais da fé, esperança e caridade, que é aquilo que se chama de contemplação.

Pode-se perceber, através desta explicação suscinta, que a contemplação é algo que se torna possível ao homem após uma profunda e prolongada prática da vida espiritual, resumidamente abarcada pelas expressões de renúncia a si mesmo, prática das virtudes, estudo, reflexão e oração. Os diversos modos como estas coisas podem ser exercidas e combinadas de forma coerente entre si constituem aquilo a que se chama de espiritualidade; o objetivo delas, o exercício intenso e simultâneo das virtudes teologais da fé, esperança e caridade, que é a contemplação, é um mesmo objetivo para todas.

Pode-se perceber, também, pelo que foi dito, que o desenvolvimento da vida espiritual pode dividir-se, em linhas gerais, em duas partes. A primeira, que difere segundo cada escola de espiritualidade, é aquela cuja descrição genérica foi abarcada pelas expressões de renúncia, virtude, estudo, reflexão e oração; a isto chama-se de ascese. A segunda é aquela em que a principal característica é a manifestação predominante da realidade a que se chama de contemplação. Na vida espiritual corretamente ordenada a primeira parte se orienta para a segunda.