36. Relações adicionais entre pensamento, meditação e contemplação.

Esta aula, proferida no anfiteatro da Universidade Marciana, nos será muito útil para interpretar mais profundamente algumas afirmações do Opúsculo sobre o Modo de Aprender de Hugo de São Vitor. Hugo de São Vitor nos explica ali importantes diferenças entre a meditação ou reflexão e a contemplação. Ele diz que a meditação ou reflexão difere do pensamento na medida em que o pensamento é assistemático e a reflexão é metódica. A atividade que ele denomina de pensamento pode ser metódica, mas quando o é, o é porque é conduzida em sua metodicidade pela leitura de um livro ou por uma aula que está sendo acompanhada. O pensamento, para ser metódico, não pode ser independente; se ele se desliga do livro ou da aula condutora, vagueia a esmo; trata- se de uma atividade da inteligência que não possui autonomia própria para ser metódica. A reflexão, porém, já significa uma forma de pensamento mais elevada porque autônoma; ela não necessita do fio condutor da aula ou da leitura para possuir a metodicidade; é uma forma de pensamento mais adulta e madura.

Mas a contemplação é uma forma de uso da inteligência ainda mais possante, adulta e madura do que a reflexão; ela está situada diante da reflexão ou meditação a uma distância ainda maior do que a reflexão está situada do pensamento. A diferença consiste em que o pensamento propriamente dito não apreende nada permanentemente; aquilo sobre o que nos debruçamos apenas pelo pensamento é sempre algo facilmente esquecido. Às vezes o pensamento produz algum resultado permanente na alma, não sujeito a um fácil esquecimento, mas neste caso verificamos que isto ocorreu na maiorias das vezes em ocasiões em que aquilo que foi pensado havia sido conduzido, através da aula ou da leitura, e o resultado permanente por ele produzido se deveu ao fato de que, assim conduzido, o pensamento já possui características que mais pertencem ao trabalho da reflexão. O pensamento por si mesmo dificilmente produz resultados duradouros na alma. Já o que foi verdadeiramente refletido não se esquece, torna-se uma conquista pessoal. Ora, a matéria prima sobre a qual a contemplação se debruça é precisamente isto que foi apreendido pela reflexão. Ademais, a reflexão apreende uma ou poucas coisas de cada vez, enquanto que a contemplação se coloca diante de muitas ou mesmo de todas as coisas apreendidas. Isto não significa que a contemplação só surge no homem quando termina todo o trabalho de reflexão pois, aos contrário, o que se observa é que à medida em que o trabalho de reflexão avança é que surge gradualmente o trabalho de contemplação e a contemplação pode, e efetivamente cresce, juntamente com o crescimento da reflexão. A contemplação pode desenvolver-se, e efetivamente se desenvolve paralelamente à medida em que a reflexão também se desenvolve, embora necessite de um amadurecimento prévio da reflexão para poder manifestar seus primeiros sinais de presença. Mas uma das diferenças mais radicais entre a reflexão e a contemplação consiste não apenas em tudo isto, mas no fato de que a reflexão não faz cair na real. Pela reflexão o homem pode aprender definitivamente uma determinada coisa, mas continua agindo, sentindo, desejando e até mesmo, no caso em que a inteligência se vê obrigada a atuar em conjunto com as demais faculdades da psicologia humana, intelegindo como se não tivesse aprendido nada. É pelo trabalho da contemplação que todas estas coisas se integram. É pelo trabalho da contemplação que caímos na real.

A contemplação é, deste modo, uma forma de trabalho intelectual que produz efeitos visíveis no homem, isto é, efeitos que podem ser notados claramente pelos outros homens que convivem com aquele que é capaz da contemplação. A reflexão não produz estes efeitos visíveis, porque ela se limita a apreender de um modo definitivo alguma coisa que, porém, no que depender apenas da reflexão, não produzirá efeitos fora da inteligência. Seus efeitos na inteligência são também, menos profundos do que os da contemplação. Neste sentido, a reflexão pode produzir efeitos visíveis apenas através da uma conversa, na medida em que pela conversa do homem habituado à reflexão externam-se as coisas que ele aprendeu, e desde que ele não se veja obrigado a fazer um uso prático deste conhecimento. Para que o homem possa se transformar, ao contrário, em um exemplo vivente de sabedoria, é necessário recorrer à outra operação da inteligência a que se chama de contemplação. Neste sentido, só os que são capazes da contemplação são verdadeiramente sábios e não só aparentam como também se comportam como tais. Examinada sob esta perspectiva, a contemplação se torna perfeita quando alcança uma interligação permanente de todos os aspectos da psicologia humana com todas as coisas que dizem respeito ao homem e à sua situação no mundo e diante de Deus.

Às vezes, em pessoas muito dadas ao estudo, a reflexão pode produzir alguns efeitos visíveis desta natureza; isto ocorre, porém, por causa de que ela já estará possuindo algumas das características do funcionamento da contemplação.