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O método de Hugo está ligado naturalmente aos princípios gerais de
sua doutrina. De fato, se todos os seres são palavras reveladoras,
se todas as obras exteriores de Deus formam um grande livro que exprime
sua sabedoria e sua verdade, nós devemos chegar ao seu conhecimento
assim como se chega pela palavra ao conhecimento do pensamento, e pelo
sinal ao conhecimento da idéia, isto é, pela meditação e pela
contemplação. É com base nisto que Hugo se põe a traçar as suas
regras. Nós as encontramos em mil lugares de seus escritos. Ele
próprio as recolheu e as resumiu em um pequeno tratado intitulado
"Sobre o Modo de Aprender e de Meditar", o qual nos foi
conservado por Dom Martinho.
O texto deste pequeno, mas precioso trabalho, encontrado na PL
176 de Migne, traz o título "De modo dicendi et meditandi".
Considerando, porém, o desenvolvimento de todo o opúsculo, e,
ademais, seus parágrafos iniciais, julgamos que o original latino
estaria mais correto grafado "De modo Discendi et Meditandi", que
talvez seja o seu verdadeiro título (Nota do Tradutor).
Três coisas são necessárias ao verdadeiro estudante para realizar
progressos na ciência: certas disposições na vontade, certas
qualidades na inteligência, e uma sábia cultura.
A primeira disposição é uma grande estima pela verdade, que nos
leve a não negligenciar nenhum conhecimento; a segunda é não se
envergonhar de aprender, mesmo com aqueles que nos são inferiores; a
terceira é a de praticar a humildade quando já possuirmos a ciência.
O engenho se desenvolve pela leitura e pela meditação, que são os
dois grandes meios pelos quais a verdade se comunica à inteligência.
A meditação começa pela leitura, mas ela não é submetida às suas
regras.
A leitura é o começo da ciência, e a meditação o seu coroamento.
Aquele que ama a meditação e que se torna familiar com ela por um
exercício freqüente prepara para si mesmo uma vida agradável e
encontrará, na tribulação, uma grande consolação. É ela
sobretudo que separa nossa alma do ruído tumultuoso das coisas
terrenas, e que nos faz gozar, ainda nesta vida, como que as
primícias da bem aventurança eterna. Na meditação a alma aprende a
conhecer, pelas criaturas, aquele que as fez.
Hugo distingue três graus na meditação: o pensamento, a
meditação propriamente dita e a contemplação.
Ele estabelece esta distinção entre a meditação e a
contemplação: a meditação tem como objeto uma verdade ainda
obscura, e a contemplação uma verdade evidente. Na meditação o
espírito procura descortinar um véu; na contemplação ele goza da
verdade que possui. A contemplação começa pelas criaturas, e se
eleva ao Criador, repousando nEle.
É, portanto, pela meditação e pela contemplação que se alcança a
ciência. Não é somente a curiosidade que nos deve mover em busca da
verdade, deve ser também o desejo da perfeição, porque, para
Hugo, a finalidade da ciência é o pleno desenvolvimento das
faculdades do homem. A ciência coloca o homem em possessão da
verdade que é o princípio da vida, e dá ao amor o seu objeto
próprio. A inteligência marcha em conquista da verdade; o amor
repousa em sua posse; é o triunfo após o combate, a paz depois da
guerra. A inteligência principia a obra, o amor a coroa. A
ciência não deverá jamais separar estas duas grandes faculdades; ela
deverá desenvolver e aperfeiçoar tanto uma quanto a outra, de outra
maneira não cultivaria senão uma parte do homem e seria incompleta.
Esta doutrina era comum na Idade Média e, embora Hugo a tivesse
desenvolvido de um modo que lhe é característico, é também a
doutrina de São Boaventura e de São Tomás de Aquino. Eles não
pregam a negação da razão e a destruição da ciência; não pregam
uma absorção da alma em Deus que faça desaparecer a personalidade
humana; não negam a Criação, ao contrário, a idéia da criação
é o seu ponto de partida.
A doutrina pedagógica de Hugo faz parte de uma filosofia generosa e
elevada: ela repousa sobre princípios sérios que merecem ao menos que
se os estudem antes de condená-los. Nós os poderíamos resumir em
alguns pontos básicos:
Todas as obras exteriores de Deus são manifestações de seu
pensamento e de seu Verbo, assim como a palavra é a manifestação do
pensamento humano.
Esta manifestação é feita pela Criação: é o mundo natural;
pela Encarnação: é o mundo sobrenatural.
Para se chegar à verdadeira ciência de Deus pelas suas obras, é
necessário ter o coração puro, porque a verdadeira ciência une a
alma a Deus, e o pecado é um obstáculo a esta união. A
meditação é o caminho que a ela nos conduz.
Sendo o objetivo da ciência a perfeição do homem, isto é, o pleno
desenvolvimento de sua atividade e de sua vida, deverá exercitar a
inteligência e o amor, e fornecer a estas duas faculdades o alimento
que lhes é necessário.
A ciência será sempre imperfeita sobre a terra: não será senão no
outro termo de nossa peregrinação que nós encontraremos, em nosso
fim, aquela plena possessão da verdade pela inteligência e pelo
amor.
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