15. Comparação entre as diversas formas de espiritualidade.

Acabamos de examinar um exemplo sobre a diversidade das atitudes que diferentes formas de se ordenar a ascese cristã podem manifestar diante de uma mesma situação. Deparando-se com a beleza da criação, Santa Clara, São Bernardo e Hugo de São Vítor tomam posições diversas que dependem, em última análise, do modo como foi concebida a orientação de sua ascese em direção à contemplação, pela qual o homem, através do exercício das virtudes teologais, se une, tanto quanto lhe é possível neste mundo, a Deus Criador e Redentor. Os exemplos poderiam multiplicar-se tanto nos fatos como nas possibilidades, pois, conforme afirma Pio XII,

"assim como na Igreja celeste há muitas moradas, assim também na Igreja terrestre a ascética não é monopólio de ninguém".

No entanto, mesmo diante desta sentença de Pio XII, a consideração dos três exemplos que foram apresentados levará alguns a se perguntarem se, examinados mais atentamente, não seria um deles, ou algum outro, um caminho mais correto e por isto talvez mais preferível do que os demais.

Supomos que a resposta a esta pergunta só poderia ser dada com honestidade subdividindo-a em dois aspectos. Do ponto de vista especulativo, quer nos parecer que a posição de Hugo de São Vitor é mais correta, por se aproximar mais do conjunto dos ensinamentos do Novo Testamento. De fato, o Novo Testamento, e nele, principalmente Jesus e São Paulo, apontam de modo indiscutível que a caridade, o amor sobrenatural por Deus acima de todas as coisas, uma virtude cuja sede é a vontade, não só é a maior de todas as virtudes como também é aquela sem a qual a posse de todas as outras, inclusive a fé, seria inútil. No entanto, apesar de afirmações tão claras neste sentido, o Novo Testamento fala e exorta com muito mais freqüência à virtude da fé, cuja sede é a inteligência, do que ao amor, como se quisesse, pelo número de referências, contrabalançar a atenção que deve ser dada efetivamente a ambas estas virtudes. Neste sentido, do ponto de vista especulativo, por se aproximar mais da própria posição do texto sagrado, Hugo de São Vítor parece situar-se mais corretamente.

Do ponto de vista prático, porém, a situação é inteiramente diversa, como pode reconhecer-se através dos próprios textos de Hugo de São Vitor, pois ele mesmo diz que possuímos a Deus pelo amor, e que, portanto, do ponto de vista prático não importa o caminho trilhado desde que, através dele, o homem efetivamente alcance o amor de Deus. Diz, de fato, Hugo de São Vitor no segundo livro dos Mistérios da Fé Cristã:

"A Escritura nos manifesta o quanto devemos amar o nosso bem que é Deus.

Não preceituou apenas que o amássemos, ou que amássemos apenas a Deus, mas que o amássemos o quanto pudéssemos.

A tua possibilidade será a tua medida; quanto mais o amares, mais o terás".

Toda forma de ascese legítima conduz, efetivamente, a uma profunda vivência do primeiro e maior de todos os mandamentos, caso contrário não seria uma forma autêntica de espiritualidade, e o grau de perfeição com que ela o faz não depende somente, e muitas vezes depende apenas secundariamente, de sua maior ou menor correção examinada do ponto de vista especulativo. Além da própria soberana liberdade de que Deus se utiliza ao conceder-nos a sua graça, muitos outros fatores, psicológicos, culturais, circunstanciais e inclusive espirituais, não apenas do indivíduo como também do meio onde ele vive, podem estar envolvidos em cada caso individual. De onde que deve considerar-se bem aventurado o homem que tiver podido encontrar aberta para si qualquer via concreta pela qual ele pode deparar-se com uma possibilidade real de alcançar uma vivência profunda do mandamento da caridade, pois virá a possuir a Deus apenas pelo amor que efetivamente tiver vivido, independentemente do grau de perfeição especulativa do caminho que o tiver conduzido até aí.