11. Exemplo da Regra de São Bento.

Temos na Regra de São Bento um exemplo bastante claro de uma forma de ascese que reconhece ela própria ordenar-se a algo que lhe é posterior, ao qual estamos chamando nestas notas de contemplação. No início de sua regra São Bento nos afirma que teve a intenção de, com ela, constituir

"uma escola do serviço do Senhor".

Ele afirma que há algumas coisas nela que podem parecer para alguns um pouco rigorosas, mas recomenda para o monge que assim isto lhe parecer que não se assuste e não julgue segundo as aparências. Na realidade a intenção de São Bento, conforme ele mesmo no-lo diz, não foi a de estabelecer

"coisas ásperas ou pesadas",

mas a de dispor tudo com eqüidade. O que haja que possa parecer áspero na regra se deve ao fato de que ela foi concebida para produzir a "emenda dos vícios" e "a conservação da caridade". Estas expressões significam que a regra de São Bento, segundo as suas próprias palavras, corresponde àquilo a que chamamos de ascese, cujo objetivo é o cultivo das virtudes; de fato, dizer que uma regra foi concebida para produzir a emenda dos vícios e dizer que ela foi concebida para o florescimento da vida das virtudes é a mesma coisa, pois o único modo alguém pode ter para se emendar dos vícios é o cultivo das virtudes que lhes são opostas. A expressão "conservação da caridade" deve ser entendida como enquadrada neste mesmo contexto, pois na vida da graça a caridade é o vínculo que une entre si todas as demais virtudes.

Porém, logo a seguir, o próprio São Bento nos diz que todo o aparente rigor de sua regra é provisório, pois ele se ordena a uma vivência mais profunda da vida da fé, à qual porém ele acena em termos genéricos e que corresponde, no que vimos descrevendo nestas notas, à vida em que a realidade a que chamamos de contemplação cai se tornando sempre mais dominante:

"Devemos, pois",

diz São Bento,

"constituir uma escola de serviço do Senhor. Nesta instituição esperamos nada estabelecer de áspero ou de pesado. Mas se aparecer alguma coisa um pouco mais rigorosa, ditada por motivo de eqüidade, para emenda dos vícios ou conservação da caridade, não fujas logo, tomado de pavor, do caminho da salvação, que nunca se abre senão por um estreito início. Mas, com o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração e com inenarrável doçura de amor é percorrido o caminho dos mandamentos de Deus".

Prólogo da Regra 45-49

Da mesma forma, no último capítulo de sua regra, São Bento nos avisa de novo que através dela ele se preocupou principalmente em legislar sobre o princípio da vida monástica, isto é, sobre o início da própria vida cristã vivida no contexto de um mosteiro. Porém, ao mesmo tempo ele nos dá muitas vezes a entender que o fêz de tal modo que aquele que a tiver realizado acabará por encontrar, através dela mesma, alguma coisa de maior sobre o que São Bento não quis legislar mas para o qual ele quis ordenar a sua legislação e que ele tinha em vista quando escreveu a sua regra. Neste último capítulo ele fornece algumas indicações sobre onde o monge que estiver se aproximando disto a que se ordena a sua regra poderá encontrar uma orientação mais explícita; inútil dizer que esta orientação lhe será de pouca utilidade prática se antes ele não tivesse se conformado ao modo de vida prescrito pela regra, pois se assim não o fosse, São Bento certamente já teria orientado seus monges a procuraram estas outras fontes em vez de convidá-los primeiramente à observância de sua regra. Mas àqueles que já observam a sua regra e

"se apressam para a pátria celeste",

ele recomenda em especial as Conferências de João Cassiano e as Vidas dos Padres do deserto; ora, as Conferências de Cassiano são um texto que se abre, em sua primeira conferência, com uma dissertação explícita sobre a contemplação como fim do monge.

"Escrevemos esta regra",

diz São Bento,

"para demonstrar que os que a observamos nos mosteiros temos alguma honestidade de costumes ou algum início de vida monástica. Além disso, para aquele que se apressa para a perfeição da vida monástica, há as doutrinas dos Santos Padres, cuja observância conduz o homem ao cume da perfeição. Que página, com efeito, ou que palavra de autoridade divina no Antigo e Novo Testamento não é uma norma retíssima de vida humana? Ou que livros dos Santos Padres católicos ressoam outra coisa senão o que nos faça chegar, por caminho direito, ao nosso Criador? E também as Conferências dos Padres, (escritas por Cassiano), as Instituições (dos Cenobitas, também escritas por ele), as suas vidas (as vidas dos Padres do deserto), e também a regra de nosso santo pai Basílio, que outra coisa são senão instrumentos das virtudes dos monges que vivem bem e são obedientes? Tu, pois, quem quer que sejas, que te apressas para a pátria celeste, realiza com o auxílio de Cristo esta mínima regra de iniciação aqui escrita e então, por fim, chegarás, com a proteção de Deus, aos maiores cumes da doutrina e das virtudes de que falamos acima".

Regra, c. 73