24. Relação entre fé e humildade.

A noção segundo a qual a humildade é o primeiro princípio não só do aprendizado, mas também de toda a vida espiritual da qual o aprendizado é um aspecto, não é própria de Hugo de São Vitor, mas comum a toda a tradição cristã e particularmente muito clara em Santo Agostinho, de onde provavelmente Hugo de São Vitor a recebeu em toda a sua luz.

No entanto, há muitas afirmações igualmente claras tanto nas Escrituras como na tradição cristã de que é a fé, e com isto aparentemente não a humildade, o primeiro princípio da vida espiritual. Assim é que na Epístola aos Hebreus encontra-se escrito que

"Sem fé é impossível agradar a Deus, porque é necessário que o que se aproxima de Deus creia que Ele existe e que é remunerador daqueles que o buscam",

Heb. 11, 6

colocando-se com isto, como é de fato, que a fé é o primeiro dos requisitos da vida espiritual. Nos Evangelhos Cristo repete constantemente àqueles aos quais concede um milagre que havia sido "a sua fé que os salvou", e ao longo das suas epístolas São Paulo repete incessantemente que é pela fé que o homem se justifica; ora, a justificação é o próprio início da vida espiritual. Ademais, sem a graça não se pode falar da vida espiritual, e é um dado que já foi várias vezes comentado entre nós que a fé é o primeiro dos efeitos que se manifestam na alma humana pelo trabalho da graça, num sentido análogo àquele em que diz o Gênesis, ao narrar a criação do mundo, que logo após Deus ter criado o céu e a terra, seu espírito pairou sobre a mesma; disse então Deus:

"Exista a luz",

e a "luz existiu" (Gen. 1,3).

E se tudo isto é realmente assim, deve-se então dizer que é a fé, e não a humildade, que é o primeiro princípio da vida espiritual. Como explicar, pois, diante disto, que Hugo de São Vitor, fazendo eco de Santo Agostinho e do conjunto da tradição cristã, diga que este princípio é a humildade?

Deve-se responder a isto dizendo que, ontologicamente falando, é efetivamente a fé, e não a humildade, o primeiro princípio da vida espiritual, porque a vida espiritual não se inicia sem o trabalho da graça e a primeira e mais elementar de todas as manifestações da atividade da graça no homem é aquilo a que chamamos de fé, e não a humildade. A humildade não necessariamente requer a atividade da graça para poder existir no homem, embora na prática seja muito auxiliada por ela e dificilmente encontra-se num grau elevado sem a sua presença. Mas em princípio o homem pode possuí-la apenas por sua própria natureza, apenas por ser homem, ao contrário da fé, a qual não pode se dar sem o auxílio sobrenatural da graça. A vida sobrenatural no homem principia, portanto, necessariamente pela fé e não pela humildade.

No entanto, a Sagrada Escritura ensina também constantemente que Deus se aproxima dos humildes e se afasta dos orgulhosos. Não se aproxima, neste sentido, fisicamente, pois Deus já está em toda a parte, por ter a tudo criado do nada e a tudo continuamente conservar em sua existência. Deus aproxima-se, porém, pela graça, com o que concede aos homens participarem de sua própria vida divina, graça cuja primeira manifestação é a luz da vida da fé. A humildade é assim, neste sentido, não o próprio início da vida espiritual, mas uma predisposição para recebê-la.

É neste sentido que no início do Opúsculo sobre os Frutos da Carne e do Espírito Hugo de São Vitor sequer chama a humildade de virtude, embora de fato seja uma virtude, mas apenas de o fundamento delas, enquanto que é à fé que ele chama de a primeira de todas as virtudes, embora efetivamente a fé seja a primeira das virtudes apenas se estas forem tomadas no plano propriamente sobrenatural:

"A humildade é o fundamento de todas as virtudes",

diz Hugo de São Vitor,

"porque, conforme diz o Evangelho de São Lucas,

`Todo o que se humilha será exaltado', e

Lucas 14

`aos pobres de espírito se abrirá o Reino dos Céus".

Mateus 5

"A fé", continua Hugo de S. Vitor,

"a primeira das virtudes, se aproxima da humildade, porque, conforme diz a Epístola aos Hebreus,

`Sem fé é impossível agradar a Deus',

e também

`o justo vive da fé'.

Hebreus 11