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A noção segundo a qual a humildade é o primeiro princípio não só
do aprendizado, mas também de toda a vida espiritual da qual o
aprendizado é um aspecto, não é própria de Hugo de São Vitor,
mas comum a toda a tradição cristã e particularmente muito clara em
Santo Agostinho, de onde provavelmente Hugo de São Vitor a
recebeu em toda a sua luz.
No entanto, há muitas afirmações igualmente claras tanto nas
Escrituras como na tradição cristã de que é a fé, e com isto
aparentemente não a humildade, o primeiro princípio da vida
espiritual. Assim é que na Epístola aos Hebreus encontra-se
escrito que
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"Sem fé é impossível agradar a Deus,
porque é necessário
que o que se aproxima de Deus
creia que Ele existe
e que é remunerador
daqueles que o buscam",
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colocando-se com isto, como é de fato, que a fé é o primeiro dos
requisitos da vida espiritual. Nos Evangelhos Cristo repete
constantemente àqueles aos quais concede um milagre que havia sido "a
sua fé que os salvou", e ao longo das suas epístolas São Paulo
repete incessantemente que é pela fé que o homem se justifica; ora,
a justificação é o próprio início da vida espiritual. Ademais,
sem a graça não se pode falar da vida espiritual, e é um dado que
já foi várias vezes comentado entre nós que a fé é o primeiro dos
efeitos que se manifestam na alma humana pelo trabalho da graça, num
sentido análogo àquele em que diz o Gênesis, ao narrar a criação
do mundo, que logo após Deus ter criado o céu e a terra, seu
espírito pairou sobre a mesma; disse então Deus:
e a "luz existiu" (Gen. 1,3).
E se tudo isto é realmente assim, deve-se então dizer que é a
fé, e não a humildade, que é o primeiro princípio da vida
espiritual. Como explicar, pois, diante disto, que Hugo de São
Vitor, fazendo eco de Santo Agostinho e do conjunto da tradição
cristã, diga que este princípio é a humildade?
Deve-se responder a isto dizendo que, ontologicamente falando, é
efetivamente a fé, e não a humildade, o primeiro princípio da vida
espiritual, porque a vida espiritual não se inicia sem o trabalho da
graça e a primeira e mais elementar de todas as manifestações da
atividade da graça no homem é aquilo a que chamamos de fé, e não a
humildade. A humildade não necessariamente requer a atividade da
graça para poder existir no homem, embora na prática seja muito
auxiliada por ela e dificilmente encontra-se num grau elevado sem a sua
presença. Mas em princípio o homem pode possuí-la apenas por sua
própria natureza, apenas por ser homem, ao contrário da fé, a qual
não pode se dar sem o auxílio sobrenatural da graça. A vida
sobrenatural no homem principia, portanto, necessariamente pela fé e
não pela humildade.
No entanto, a Sagrada Escritura ensina também constantemente que
Deus se aproxima dos humildes e se afasta dos orgulhosos. Não se
aproxima, neste sentido, fisicamente, pois Deus já está em toda a
parte, por ter a tudo criado do nada e a tudo continuamente conservar
em sua existência. Deus aproxima-se, porém, pela graça, com o
que concede aos homens participarem de sua própria vida divina, graça
cuja primeira manifestação é a luz da vida da fé. A humildade é
assim, neste sentido, não o próprio início da vida espiritual, mas
uma predisposição para recebê-la.
É neste sentido que no início do Opúsculo sobre os Frutos da Carne
e do Espírito Hugo de São Vitor sequer chama a humildade de
virtude, embora de fato seja uma virtude, mas apenas de o fundamento
delas, enquanto que é à fé que ele chama de a primeira de todas as
virtudes, embora efetivamente a fé seja a primeira das virtudes apenas
se estas forem tomadas no plano propriamente sobrenatural:
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"A humildade é o fundamento
de todas as virtudes",
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diz Hugo de São Vitor,
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"porque,
conforme diz o Evangelho
de São Lucas,
`Todo o que se humilha
será exaltado', e
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`aos pobres de espírito
se abrirá o Reino dos Céus".
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"A fé", continua Hugo de S. Vitor,
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"a primeira das virtudes,
se aproxima da humildade,
porque, conforme diz
a Epístola aos Hebreus,
`Sem fé é impossível
agradar a Deus',
e também
`o justo vive da fé'.
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