8. O tríplice entendimento das Sagradas Escrituras.

Expusemos, assim, brevemente, a ordem e o número dos livros sagrados, para que o estudante conheça a matéria que lhe é oferecida. Passemos agora ao restante do que nos interessa para a intenção da presente obra.

Antes de tudo o mais, deve-se saber que a Sagrada Escritura pode ser entendida de três maneiras, isto é, segundo a história, segundo a alegoria e segundo a tropologia ou, de acordo com outro modo de dizer, segundo o sentido literal, o sentido alegórico e o sentido moral.

É certo que nem tudo o que se encontra no discurso sagrado pode ser vertido nesta tríplice interpretação, como se cada lugar sempre contivesse simultaneamente uma história, uma alegoria e uma tropologia. Em muitos lugares da Escritura estas três coisas podem, de fato, ser encontradas, mas encontrá-las em todas é muito difícil ou mesmo impossível.

Ocorre no discurso sagrado o mesmo que se observa nos instrumentos musicais, nos quais somente as cordas produzem melodia, e não tudo o que puder ser percutido, embora as demais partes sejam incorporadas ao corpo do instrumento para interligarem as cordas entre si e para que, tensionando estas cordas, possam modulá-las a fim de produzir a suavidade da melodia. É deste mesmo modo que no discurso sagrado foram postas certas coisas que somente podem ser entendidas espiritualmente; outras, que estão a serviço do importante trabalho da formação das virtudes; outras ainda, que foram escritas para serem entendidas segundo o simples sentido histórico; há, finalmente, também os lugares que podem ser explicados convenientemente tanto segundo a história, como também segundo a alegoria e segundo a tropologia.

Vemos, assim, que Deus de modo admirável dispôs e interligou toda a Sagrada Escritura em suas partes para que tudo o que nela estivesse contido soasse com a suavidade da inteligência das cordas espirituais ou então, contendo seus mistérios esparsos na seqüência histórica e na dureza das letras, interligasse e se unisse à melodia do espírito como a concavidade da madeira do instrumento interliga em um só todo todas as cordas estendidas e recebe em si o som das cordas tornando-o mais doce aos ouvidos. Este som, de fato, é mais doce porque não foi formado apenas pelas cordas, mas também pelo corpo do instrumento. É assim que também o mel é mais agradável quando está no favo.

É necessário, portanto, ler a Sagrada Escritura sem que se queira buscar em toda a parte uma história, uma alegoria e uma tropologia. Cada uma destas coisas deve ser assinalada em seus devidos lugares segundo o que a razão o exija convenientemente. Será freqüente, todavia, que em uma só e mesma letra possamos encontrar a todas, na medida em que a verdade da história insinua através da alegoria um mistério espiritual e demonstra, através da tropologia, como se deve agir .