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39. Mas a Igreja esbarra aqui numa dificuldade particular,
originada das presentes condições da sociedade. O esforço pela
ordenação cristã do mundo, enquanto fator principal de
pacificação, é ao mesmo tempo estímulo a que se forme justo
conceito da verdadeira liberdade. Porque a ordem cristã, enquanto
organização de paz, é essencialmente ordem de liberdade. E' o
concurso solidário de homens e povos livres, dirigidos a realizar
progressivamente, em todos os campos da vida, os desígnios de Deus
sobre a humanidade. E' fato doloroso porém que hoje não se estima,
ou já não se possui a verdadeira liberdade. Em tais condições, a
convivência humana, como ~ organização de paz, internamente
acha-se enfraquecida e lânguida, e externamente em perigo constante.
40. Aqueles, por exemplo, que no campo econômico ou social,
desejam fazer cair tudo sobre a sociedade, até mesma a direção e
segurança das próprias existências, ou esperam hoje o alimento
espiritual cotidiano cada vez menos de si próprios - isto é, das
próprias convicções e conhecimentos - e cada vez mais tudo já
preparado pela imprensa, rádio, cinema e televisão, como hão de
ter conceito da verdadeira liberdade, como a hão de estimar e
desejar, se ela desapareceu das suas vidas?
41. Não passam de simples rodas nos diversos organismos sociais,
deixaram de ser homens livres capazes de assumir e aceitar uma parte de
responsabilidade na administração pública. Por isso, se os ouvimos
gritar - Abaixo a guerra!, - como havemos de ter confiança? Em
verdade, não é a voz deles, é a voz anônima do grupo social a que
estão ligados.
42. Esta é a condição dolorosa que peia igualmente a ação da
Igreja nos seus esforços de pacificação, no seu. apelo à
consciência da verdadeira liberdade humana, elemento indispensável,
na concepção cristã, da ordem social enquanto organização de paz.
Seria vão repetir tal apelo a homens destituídos dessa consciência e
mais inútil ainda dirigi-lo a uma sociedade reduzida a puro
automatismo.
43. Tal é por desgraça a fraqueza generalizada dum mundo que tem
gosto de chamar-se com ênfase "mundo livre". Mas ilude-se ou não
se conhece a si mesmo: a sua força não está na verdadeira
liberdade. E' novo perigo, ameaçador da paz, que é necessário
denunciar à luz da ordem social cristã. Dai deriva também, em
bastantes homens de autoridade no chamado "mundo livre", certa
aversão contra a Igreja, considerada como reclamadora importuna de
alguma coisa não possuída mas ambicionada, que, por estranha
inversão das idéias, com injustiça se pretende que ela própria não
mostra: queremos dizer a estima e o respeito da genuína liberdade.
44. Mas o convite da Igreja encontra ainda menor ressonância no
campo oposto. Neste, de fato, pretende-se estar de posse da
verdadeira liberdade, porque a vida social não se agita ao sabor da
inconsciente quimera do indivíduo autônomo, nem torna a ordem
pública indiferente :) mais possível aos valores que apresentam como
absolutos, mas tudo está estreitamente ligado e dirigido para a
conservação e desenvolvimento duma determinada coletividade.
45. O resultado porém do sistema aludido não tem sido feliz, nem
se tornou nele mais fácil a ação da Igreja, porque nele é ainda
menos defendido o verdadeiro conceito da liberdade e da responsabilidade
pessoal. E como poderia ser de outro modo onde Deus não ocupa o seu
posto soberano, nem gravitam à sua volta a vida e atividade do mundo?
A sociedade não passa neste caso de enorme máquina, cuja ordem é
só aparente, porque deixou de ser a ordem da vida, do espírito, da
liberdade e da paz. Como numa máquina, a sua atividade exerce-se
materialmente, destruindo a dignidade e a liberdade humana.
46. Numa sociedade assim, o contributo da Igreja para a paz e a
sua recomendação duma ordem verdadeira, dentro da verdadeira
liberdade, encontram-se em condições bastante desfavoráveis. Os
pretensos valores sociais absolutos podem, ainda assim, entusiasmar
certos jovens em momento tão importante da vida, enquanto outros e
não poucos no campo adverso, desiludidos prematuramente por
experiências amargas, se entregam ao ceticismo, ao tédio e ao
desinteresse pela vida pública e social.
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