FUNESTAS CONSEQÜÊNCIAS

9. A conseqüência de tudo isto foi, que as mútuas relações da vida social tomaram um caráter puramente físico e mecânico. Com desprezo de todo o razoável resguardo e moderação sobrepôs-se o império da coação externa, a simples posse do poder às normas da ordem reguladora da convivência humana, emanadas de Deus, que estabelecem as relações naturais e sobrenaturais do direito e do amor para com os indivíduos e para com a sociedade. A majestade e a dignidade da pessoa humana e das sociedades particulares foi cerceada, aviltada e suprimida pela idéia da força que cria o direito; a propriedade particular para uns tornou-se num poder direto de desfrutar o trabalho alheio, noutros gerou inveja, descontentamento e ódio; e a organização que daí nasceu, converteu-se em forte arma de luta para fazer prevalecer os interesses de classe. Em alguns países um conceito ateu e anticristão do Estado com os seus vastos tentáculos enleou de tal modo o indivíduo, que quase o despojou da independência, não menos na vida particular que na pública.

10. Quem poderá hoje maravilhar-se, se esta oposição radical aos princípios da doutrina cristã veio enfim a converter-se em ardente choque de tensões internas e externas, que levou a esse extermínio de vidas humanas e destruição de bens, que estamos vendo e a que assistimos com profunda pena? A guerra, funesta conseqüência e fruto das condições sociais descritas, bem longe de lhes sustar o influxo e o desenvolvimento, promove-o, acelera-o, amplifica-o, com tanto maior ruína, quanto mais se prolonga, tornando a catástrofe cada vez mais geral.

11. Das nossas palavras contra o materialismo do último século e do tempo presente, argumentaria mal, quem deduzisse uma condenação do progresso técnico. Não; Nós não condenamos o que é dom de Deus; o qual, como faz surgir o pão das leiras da terra, assim nos dias da criação do mundo escondeu nas entranhas mais profundas do solo tesouros de fogo, de metais, de pedras preciosas, a fim de que um dia a mão do homem os escavasse para a sua necessidade, para as suas obras, para o seu progresso. A Igreja, mãe de tantas Universidades da Europa, que ainda hoje exalta e reúne os mais ousados mestres das ciências, perscrutadores da natureza, não ignora porém que de todos os bens e até da liberdade, se pode fazer um uso digno de louvor e de prêmio, ou pelo contrário de censura e condenação. Assim sucedeu que o espírito e a tendência com que muita vez se usou do progresso técnico foram causa de que na hora que passa, a técnica deva expiar o seu erro e ser como punidora de si mesma, criando instrumentos de ruína, que destróem hoje o que ontem edificou.