|
21. Num setor particular da vida social, onde durante um século
surgiram movimentos e ásperos conflitos, há hoje calma, ao menos
aparente, a saber, no mundo vasto e sempre crescente do trabalho, no
exército imenso dos operários, dos assalariados e dos subordinados.
Se considerarmos o presente, com suas necessidades bélicas, como um
elemento positivo, semelhante tranqüilidade poderá dizer-se
exigência necessária e fundada; mas se olharmos a situação hodierna
sob o ponto de vista da justiça, ou seja como um legítimo e regulado
movimento operário, a tranqüilidade será apenas aparente enquanto
tal objetivo não for alcançado.
22. Levada sempre por motivos religiosos, a Igreja condenou os
vários sistemas do socialismo marxista e condena-os ainda hoje como é
seu dever e direito permanente de preservar os homens de correntes e
influências que põem em risco a sua salvação eterna. Mas a Igreja
não pode ignorar ou deixar de ver que 0 operário, no esforço de
melhorar a sua condição choca com qualquer engenho que, longe de ser
conforme à natureza, contrasta com a ordem do Deus e com o objetivo
que ele assinalou aos bens terrenos.
Por mais falsos, condenáveis e perigosos que tenham sido e sejam os
caminhos seguidos, quem, sobretudo se é sacerdote ou cristão,
poderia permanecer surdo ao grito que se levanta dos profundos e, num
mundo dum Deus justo, clama por justiça e espirito de fraternidade?
Tal coisa seria um silêncio culpado e injustificável diante de
Deus, e além disso contrário ao sentir iluminado do apóstolo, o
qual, assim como inculca que cumpre ser resolutos contra o erro, sabe
também que devemos manter-nos cheios de atenções para com os que
erram, com a alma aberta para compreender as suas aspirações,
esperanças e motivos.
23. Deus, ao abençoar os nossos progenitores, disse-lhes:
"Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra e dominai-a" (Gn 1,
28). E, ao primeiro chefe de família, dizia depois: "Comerás
o pão com o suor de teu rosto" (Gn 3, 19). A dignidade da
pessoa humana exige, pois, normalmente, como fundamento natural para
viver, o direito ao uso dos bens da terra; a tal direito corresponde a
obrigação fundamental de facultar uma propriedade privada
possivelmente a todos. As normas jurídicas positivas, reguladoras da
propriedade privada, podem mudar e conceder um uso mais ou menos
circunscrito; mas se querem contribuir para a pacificação da
comunidade, deverão impedir que o operário, que é ou será pai de
família, seja condenado a uma dependência e escravidão econômica,
inconciliável com os seus direitos de pessoa.
24. Quer esta servidão derive da prepotência do capital privado,
quer venha do poder do Estado, o efeito não muda; antes, pelo
contrário, sob a pressão de um Estado que tudo domina e regula por
completo a vida pública e privada, penetrando até no campo das
concepções e persuasões e da consciência, semelhante falta de
liberdade pode ter conseqüências ainda mais onerosas, como a
experiência o manifesta e testemunha.
|
|