O AÇOITE DA FOME

37. Não podemos terminar esta Nossa mensagem de Natal sem aludir às dores e às necessidades, conseqüência da grave situação alimentícia e sanitária, nas nações castigadas pela guerra. - Já a 5 de Abril deste ano lançamos um apelo aos governantes e aos povos daqueles países que com suas reservas pudessem vir em auxílio das populações famintas. Realmente fez-se muito. Ante às trágicas desventuras que afligem principalmente os débeis, os anciãos e as crianças, o mundo civilizado não ficou insensível, nem foi surdo, e é mister louvar o sentimento humano e cristão daqueles homens e daqueles povos que fizeram o preciso para criar diversas socorro. Seguindo as rotas ensangüentadas dos exércitos levaram auxilio de todas as espécies às vítimas da guerra; salvaram a honra da Humanidade, tão amesquinhada pela violência e pelo ódio.

38. Prouvera a Deus que estes tesouros de energias e de socorros, caritativamente empregados em assistir os mais miseráveis e em salvá-los da última ruína, houvessem sido suficientes para remediar as necessidades. Não é assim desgraçadamente. E por isso Nos vemos obrigados a renovar o apelo da primavera passada. Em vastos territórios da Europa, do Extremo Oriente erguem-se ameaçadores, os espectros da mais espantosa carestia e da negra fome. - Falta o pão, no sentido literal da palavra, a populações inteiras, que, por conseguinte, se vão definhando miseravelmente, consumidas, debilitadas, vitimas das enfermidades e da miséria, perigosamente agitadas por surdos estímulos de desesperados rancores e de profundas agitações sociais. - Tal é o tremendo perigo que obscurece o amanhecer do Ano Novo, perigo tanto mais grave quanto, por alguns sintomas que deixam transparecer incerteza e cansaço, aquele magnânimo labor de solidariedade humana parece próximo do seu fim, sem haver chegado a remediar os males que viera socorrer.

39. E' certamente natural que os favorecidos péla fortuna sejam propensos a pôr-se de lado, olvidando os males alheios. Cerrando os olhos e o coração às desgraças do próximo, desconhecido ou distante, crêem que podem justificar ante sua consciência o isolamento e o desinteresse para com as necessidades dos demais. As exigências pessoais esgotam os produtos que as artes da caridade arrecadavam e os meios de auxílio deixam de pôr-se ao serviço do socorro efetivo a que os havia destinado a caridade fraternal. - Por isso repetimos a todos os que podem abrir a mão para .ajudar: Não se esfrie vosso zelo, vossa ajuda seja pronta e generosa. Abata-se todo o estreito egoísmo, toda a vacilação mesquinha, toda a amargura, toda a indiferença e todo o rancor. Volva-se vosso olhar somente para a miséria e sobretudo para a ansiedade de milhões de crianças e de jovens, entre os quais a fome faz estragos. Assim dareis e recebereis ao mesmo . tempo o inefável presente de Natal: "Paz na terra aos homens de boa vontade".

40. Efetivamente, nada é tão propício para criar as indispensáveis premissas espirituais da paz como o socorro dispensado com generosidade, de Estado a Estado, entre povos e povos, sem olhar a fronteiras, de tal maneira que, aplacados por toda parte os sentimentos de rivalidade .e de vingança, refreadas as ânsias de domínio, desterrada a idéia de um privilegiado isolamento, aprendam os povos com suas próprias desventuras a conhecer-se, a tolerar-se e a ajudar-se, e sobre as ruínas de uma civilização, esquecida dos preceitos evangélicos, se reconstrua a cidade cristã, onde é lei suprema o amor.

41. Com estes votos desejamos a todos os que Nos escutam, nesta véspera de Natal, "a paz de Deus, que sobrepuja todo o entendimento" (Filip 4, 7), e com toda a efusão da Nossa alma damos a todos os Nossos amados filhos e filhas do mundo inteiro, como penhor das melhores graças do Verbo de Deus feito Homem, Nossa paternal Bênção Apostólica.