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1. Vínculos especiais de paternal amor Nos ligam a todos os que
sofrem, e, nessa solicitude assídua, vós não sois os últimos,
diletos filhos e filhas da Itália e do mundo, vós que gemeis nos
Institutos penais, para onde vos levaram, através de caminhos
amargos, circunstâncias inexplicáveis por vezes até a vós
próprios.
2. Mas nestes dias de solenidades natalícias, de que todo o
cristão recolhe motivos de alegria, Nós sentimo-Nos mais perto de
vós, porque vos vemos em maiores anseios de conforto e de clarões de
esperança, no meio da solidão e das trevas.
3. E estamos também ao lado das vossas famílias, não raro
desprovidas, com a vossa ausência, não só do pão mas também da
alegria própria do Natal, que está em gozar dos sagrados mistérios
da infância de Jesus no aconchego quente e afetuoso do santuário
doméstico.
4. Mas, se esta doçura vos é negada alguma vez pelo rigor da
justiça humana, outros confortos mais profundos e verdadeiros vos
oferece o recém-nascido divino, deitado em dura palha por nosso
amor, esse Jesus invocado com razão por todos, e em especial por
vós, com as palavras da liturgia do Advento: "Veni, et educ
vinctum de domo carceris" - Vem e solta o preso do cárcere (Ant.
O Clavis; cf. Is 42, 7).
5. Todos, cá na terra, somos de algum modo réus e prisioneiros.
Para todos veio Jesus. Mas para vós, veio-vos trazer uma
libertação mais nobre e íntima, aquela que redime do jugo e das
cadeias das paixões e do pecado, para levar a paz do espirito
anunciada na Noite santa. Esta libertação opera o interior
renovamento da vida, e conduz até à luz restauradora duma Epifania
de redenção.
6. Se conseguirdes, nas asas da fé, libertar-vos das penas que
vos afogam, não só gozareis essas alegrias secretas, mas de tal modo
as possuireis que nada vo-las conseguirá nunca roubar: nem
adversidades, nem asperezas do cárcere, nem possíveis erros da
justiça terrena, nem incompreensões dos homens, nem sequer o
remorso, pois este transformar-se-á, pela graça, em salutar e
consolador arrependimento.
7. Reprovando e renegando alguns de vós, no mais íntimo da alma,
um triste passado, vê-lo-ão destruído por completo pela fé e pelo
amor; e, com a iluminação e elevação da fé, todos reconhecereis
a vaidade do mundo à luz do espirito cristão, e descobrireis, na
vossa condição presente, ocasiões preciosas e fontes sumamente
fecundas de grandíssimos bens. Que providencial desígnio não
poderá realizar-se em vós, se vos entregardes humildemente e de bom
grado nas mãos de Deus, severas hoje sem dúvida, mas sempre
benéficas!
8. Ainda que se tenha dado convosco, por assim dizer, "um
mistério de iniquidade", Nós, pelo conhecimento que temos da
fragilidade e fraqueza incomensurável, que muitas vezes cega o
espirito humano, Nós compreendemos o triste drama que pode ter-vos
surpreendido e enredado num concurso infeliz de circunstâncias. Nem
sempre serão elas inteiramente imputáveis ao vosso livre alvedrio, se
bem que as leis humanas, pela sua natural imperfeição, não possam
ter em conta todas as atenuantes que diminuem a responsabilidade, nem
consigam, menos ainda, perdoar todas as fraquezas. Seja como for, a
vós pertence fazer que surja no vosso espírito um fulgor de
redenção, análogo ao que rodeou Jesus, quando, na sua
inocência, veio tomar sobre si as nossas culpas.
9. Assim, cada um de vós se tornará agente consciente da própria
ressurreição morai, e merecerá a honra de ser ministro da justiça
altíssima de Deus, uma vez que a violência não consiga exacerbar o
vosso espírito, nem o abatimento vencê-lo. Para a justiça
divina, é igualmente gloriosa a ordem inviolada e a ordem restaurada
na expiação. Deste modo, cada um dos que se libertam da culpa, na
realidade interior da própria consciência, deixa de ser réu e alvo
de vingança, para se tornar colaborador de Deus no restabelecimento
da ordem violada.
10. E como no céu se faz maior festa por um pecador que se
converte, assim na terra toda a pessoa honesta se deve inclinar diante
de quem caiu, talvez num momento de extravio, mas consegue depois a
custo remir-se e levantar-se.
11. Portanto, os longos dias passados nesses lugares de pena, onde
vos acompanha - como em prisão voluntária - o Nosso coração,
estão longe de ser dias perdidos. Podereis acaso perder alguma poisa
aos olhos de Deus, se conformais a vossa vontade com a vontade daquele
que tem sempre desígnios de misericórdia e de vida, ainda quando
exerce a justiça? Menos perdereis ainda quando empregardes o tempo em
obras de caridade, interessando-vos pelos sofrimentos alheios,
alentando, confortando e ajudando os irmãos que sofrem convosco.
12. Quando, pois, a inocência testemunhasse em favor da vossa
consciência, e a apresentasse total ou parcialmente ilibada, e
estivésseis convencidos que os rigores da justiça humana se fizeram
sentir além de qualquer proporção com a culpa, oh!, não maldigais
o destino adverso ou as criaturas falazes, mas abri antes a alma à
confiança no triunfo final da verdade e do bem, confortai-vos com a
certeza de estarem solidárias convosco todas as pessoas
conscienciosamente honestas; sede de tal maneira fortes na desventura
que consigais ser indulgentes com os erros de direito e de fato, a que
infelizmente está sujeita a inevitável imperfeição do juízo
humano, e trabalhando valorosamente pela vossa reintegração jurídica
e moral, fazei que uma vida de imerecida expiação resplandeça de
beleza sobre-humana, para além da mesma reparação do erro.
13. Muito mais dolorosa é a sorte daqueles que, em não poucos
países, sofrem inocentes em conseqüência de leis iníquas,
inspiradas em falsas concepções que presidem à vida da sociedade, ou
ditadas por facciosas paixões políticas, ou então pelo blasfemo
preconceito que considera crime o culto de Deus. Para estes filhos da
Nossa predileção, perseguidos pela justiça, vai todo o Nosso
afeto humano e sobrenatural de Pai. Compreendemos que atroz
martírio, especialmente moral, os aflige. Mas se Deus
Onipotente, que é a mesma justiça - cuja aplicação integral
reserva para a mansão eterna, onde não haverá nem sombra de mal se o
Onipotente, dizíamos, não impede às vezes que o inocente seja
injustamente castigado na terra, isso significa que, respeitando
soberanamente as leis da liberdade humana, não deixará sem sanções
o seu desenfreado exercício, e que sabe tirar do mal maiores bens,
reservando-os para as mesmas vítimas, e para a sociedade que lhes
rega de lágrimas o escasso pão de que as nutre.
14. No entanto, se não deixamos de exortar os legisladores e
magistrados a rever, reparar e sanar essas anomalias ou aberrações,
que constituem desdouro da justiça, especialmente da cristã, e
ultraje dos direitos divinos, - a vós, vítimas inocentes,
repetimos a palavra reconfortante, do Anjo: "Forti animo esto, in
proximo est, ut a Deo cureris", tem ânimo; Deus está próximo a
curar-te (Tob 5, 10).
15. Mas até esse dia, está-vos assinada uma vocação
extraordinária, diremos mesmo, de privilégio: expiar pelo mundo que
na verdade é culpado. Esta expiação anda salutarmente unida às
bem-aventuranças, anunciadas pelo Salvador no Sermão da
Montanha: "bem-aventurados os que sofrem...; bem-aventurados os
que têm fome e sede de justiça. . . ; bem-aventurados os que
sofrem perseguição por amor da justiça... ; bem-aventurados sois
quando vos perseguirem por causa de mim" (cf. Mt 5).
16. Oh! se vos fosse dado, amados filhos e filhas, espalhados por
toda a face da terra, ver quão agradável é a vossa imolação aos
olhos de Deus, quão grande é a sua eficácia para a salvação do
mundo, e qual a confiança que o Vigário de Cristo ousa depositar
sobre os vossos sofrimentos, para obter de Deus a paz sincera e a
verdadeira salvação do mundo, nestes tristíssimos tempos!
17. Uma palavra enfim, ainda mais afetuosa e paterna, queremos
dirigir a vós, que sois objeto da enternecida predileção do vosso
Amigo divino, e que ainda na idade juvenil, já conheceis os amargos
frutos da vida. Envenenados precocemente pela perversão da sociedade
hodierna, postos em circunstâncias adversas à reta educação, sois
talvez mais vítimas que culpados.
18. Sirva a vossa condição de severa advertência àqueles que,
mais do que vós, são verdadeiramente culpáveis; aos que fazem da
imprensa, dos espetáculos, das associações, e por vezes da mesma
escola, meios de ganancioso lucro, se não mesmo de premeditada
corrupção da infância, calcando aos pés a sagrada inocência das
crianças, e acumulando imensas ruínas morais.
19. Amados jovens, o que aconteceu na vossa idade inexperiente,
sepultai-o com o arrependimento cristão, numa total ressurreição
para o ideal da honestidade e da virtude. Que as vossas dores
presentes não despedacem as vossas esperanças, nem o entusiasmo da
vossa juventude. O Menino Jesus olha-vos com particular
benevolência. Ele vos sustentará, para que a frágil planta da
vossa vida, salva desta prova, cresça como roble forte a desafiar as
borrascas, servindo como exemplo de temor de Deus e de obediência às
leis.
20. Amados filhos e filhas. Em correspondência aos celestes
dons, que o Menino Jesus faz descer ao lugar da vossa dor,
oferecei-lhe corajosa e generosamente, a Ele que desde o berço se
ofereceu em expiação pelos pecados do mundo, as vossas penas e
tristezas, com aquele ardor de fé que transforma as lágrimas em
pérolas, a dor em alegria.
21. Longe de menosprezar o vosso dom, transformá-lo-a em título
precioso de misericórdia, salvação e graça, para vós mesmos e
para as vossas famílias, para o mundo inteiro e para a Igreja. Não
menos que dos templos dedicados ao seu culto, também dos cárceres,
dos campos de concentração, dos hospitais, de todos os lugares onde
se sofre, chora e reza, suba ao céu o perfume do incenso que aplaca e
salva. Nós suplicamos à divina Bondade que apresse para cada um de
vós o dia da libertação, para que, de regresso ao seio das vossas
famílias e da sociedade, - transformados e como que sublimados pela
prova, aceite com fé cristã, - vos torneis a sua honra, e uma
defesa contra o mal que a ameaça.
22. Com estes votos e a constante lembrança de vós, desça sobre
vós e sobre os que vos são queridos, como penhor de alegrias
celestes, a Nossa paternal Bênção Apostólica.
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