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29. No campo social a alteração dos desígnios de Deus operou-se
na própria raiz, deformando a divina imagem do homem. A real
fisionomia da criatura, de origem e destino divinos, foi substituída
pelo falso retrato do homem autônomo na consciência, legislador de si
mesmo sem que ninguém lhe possa exigir responsabilidades,
irresponsável ante os seus semelhantes e ante o agregado social, sem
outro destino fora da terra, sem outro fim que o gozo dos bens
finitos, sem mais norma que a do fato consumado a da satisfação
indisciplinada das suas cúpidas ambições.
30. Daqui brotou, e se consolidou, ao longo de muitos lustros,
nas mais desvairadas aplicações da vida publica e privada, aquela
ordem excessivamente individualista, caída hoje, quase por toda a
parte, em grave crise. Mas nada de melhor, também, trouxeram os
sucessivos inovadores. Partindo das mesmas premissas falsas e
declinando por outros caminhos, conduziram a conseqüências não menos
funestas, até chegarem à total subversão da ordem divina, ao
desprezo da dignidade da pessoa humana, à negação das mais sagradas
liberdades fundamentais, ao predomínio de uma só classe sobre as
outras, à escravização de toda a pessoa e coisa em face do Estado
totalitário, à legitimação da violência e ao ateísmo militante.
31. Aos defensores de um e de outro sistema social, ambos longe e
contrários dos desígnios de Deus, chegue persuasivo o apelo a que
tornem aos princípios naturais e cristãos que fundamentam a justiça
efetiva no respeito das legitimas liberdades. E apague-se assim, com
o reconhecimento da igualdade de todos na inviolabilidade dos próprios
direitos, a luta inútil que exaspera os tinimos em ódio fraterno.
32. Mas além destes votos que são constante solicitude do Nosso
múnus apostólico, Nós queremos dirigir uma palavra de exortação
paterna àqueles que põem toda a sua esperança nas promessas da
doutrina e dos chefes que se professam explicitamente materialistas e
ateus.
33. Humildes e oprimidos, por mais triste que seja a vossa
condição, ficando em vós sempre de pé o direito de reivindicardes o
que é justo, e nos outros o dever de vo-lo reconhecerem, recordai
que possuís uma alma imortal e um destino transcendente.
34. Não queirais trocar os bens celestes e eternos pelos caducos e
temporais, especialmente nesta idade em que, por toda a parte, homens
honestos e próvidas instituições acolheram mais eficientemente o
vosso brado de socorro e compreenderam o vosso drama, decididos a
guiar-vos pelos caminhos da justiça.
35. A fé e esperança que depositais não raro em homens, tanto
mais generosos e persuasivos em prometer, quanto mais certos estão de
não poderem obter a rápida solução dos vossos problemas todos, que
eles sabem apresentar aos vossos olhos em plena luz, -problemas dos
quais algum, pela própria limitação da natureza humana, é
dificilmente solúvel, - essa fé e esperança, dizemos, reservai-a
primeiro para as promessas de Deus que não engana.
36. Os legítimos cuidados que vos ralam para conseguirdes o pão de
cada dia e conveniente habitação - indispensáveis para a vossa vida
e das vossas famílias - procurai que não se oponham aos destinos
celestes, não vos façam esquecer nem descuidar da alma e dos tesouros
imortais que Deus vos confiou nas almas dos vossos filhos, não vos
obscureçam a visão nem impeçam o conseguimento dos bens eternos que
serão a vossa felicidade perpétua e se concretizam no supremo valor
para que fomos criados: Deus nossa bem-aventurança. Só uma
sociedade iluminada pelos ditames da fé, respeitadora dos direitos de
Deus, com a certeza da conta que os chefes responsáveis hão de dar
ao juiz Supremo no íntimo da sua consciência e diante dos vivos e dos
mortos, - só uma sociedade assim saberá reconhecer e interpretar
retamente as vossas necessidades e justas aspirações, defender e
propugnar os vossos direitos, guiar-vos sabiamente no cumprimento dos
vossos deveres, segundo a jerarquia dos valores e a harmonia da
convivência doméstica e civil estabelecidas pela natureza.
37. Não esqueçais que, sem Deus, a prosperidade material é,
para quem a não possui, uma ferida atormentadora, mas para quem a tem
é uma sedução mortal. Sem Deus a cultura intelectual e estética
é um rio cortado da nascente e da foz: reduz-se a pântano,
enche-se de areia e lodo.
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