O TÍTULO JURÍDICO E A NATUREZA DA MISSÃO PACIFICADORA DA IGREJA.

15. Título jurídico? Olhai. Em lugar algum o encontrareis tão claro e tão palpável como no presépio de Belém. O Menino, que nele se reclina, é o Filho eterno de Deus feito homem, e o seu nome é "Princeps pacis", o Príncipe da paz. Príncipe e instituidor da paz, tal é o caráter do Salvador e Redentor de todo o gênero humano. A sua missão, alta e divina, é estabelecer a paz entre cada um dos homens e Deus, entre os homens uns com os outros e entre as nações.

16. Esta missão e este propósito de paz não nascem, porém, de pusilanimidade e fraqueza, capazes de opor ao mal e aos maus apenas resignação e paciência. Tudo na fragilidade do Menino de Belém é oculta majestade e força represada, retida apenas pelo amor, as quais tornam os corações dos homens capazes de promover e conservar a paz, e lhes dão vigor para vencer e dissipar tudo o que poderia comprometê-la.

17. Mas o nosso Divino Salvador é também Cabeça invisível da Igreja; e por isso a missão de paz que tem, continua a subsistir e a exercer-se na igreja. Cada ano o regresso do Natal reaviva nesta a íntima consciência do titulo que a habilita a contribuir para a obra da paz, titulo único, que transcende todas as coisas terrenas e deriva imediatamente de Deus, título que é elemento essencial da sua natureza e do seu poder religioso.

18. De novo se prostra a Igreja este ano diante do presépio, e recebe do Divino Infante a missão do Príncipe da paz. Junto dele, embebe-se dos sentimentos de verdadeira humanidade, verdadeira no sentido mais pleno da palavra, porque é a própria humanidade de Deus, seu Criador, Redentor e Restaurador. Fixos com afeto os olhos no rosto do Príncipe da paz, infinitamente amável, ela sente o latejar do seu coração a anunciar o amor que abraça todos os homens, e inflama-se de ardente zelo pela missão pacificadora do seu Senhor e Cabeça, missão que é também da Igreja.

19. A consciência desta missão revelou-se sempre viva e ativa na Igreja, especialmente no Romano Pontífice, sua cabeça visível; por isso o Nosso grande predecessor Leão XIII relembrou com pleno direito a ação pacificadora dos Papas, quando em 1899, na véspera da primeira Conferência da paz, pronunciou estas palavras: "E o que os moveu (aos Romanos Pontífices) foi a consciência dum ministério altíssimo, foi o impulso duma espiritual paternidade que irmana e salva!" (Alocução ao Sacro Colégio dos Cardeais, 11 de Abril de 1899. Leonis XIII P. M. Acta, vol. XIX, Romae, p. 271). E ainda hoje se dá o mesmo, como dissemos.

20. Quando, porém, a Igreja e o seu Supremo Pastor se volvem da intimidade - suave, pacificadora e reconfortante - do Menino de Belém, para contemplar o mundo que vive longe de Cristo, sentem-se repassados por uma corrente de ar gelado. Esse mundo não fala senão de paz, mas... não tem paz; reivindica para si, a fim de a estabelecer, todos os títulos jurídicos possíveis e impossíveis, mas não conhece ou não reconhece a missão pacificadora que emana imediatamente de Deus, a missão de paz da autoridade religiosa da Igreja.

21. Pobres míopes, cujo restrito campo visual não se estende além das possibilidades que se podem encontrar na hora presente, nem ultrapassa as cifras das possibilidades militares e económicas! Como haviam eles de fazer a menor idéia do peso e importância da autoridade religiosa na solução dos problemas da paz? Espíritos superficiais, incapazes de ver, em toda a verdade e amplidão, o valor e a força criadora do Cristianismo, como não haveriam de sentir ceticismo e desprezo a respeito do poder pacificador da igreja? Outros porém - e queira Deus sejam maioria - dar-se-ão conta, mais ou menos conscientemente, que esbulhando a autoridade religiosa da Igreja dos requisitos para uma ação eficaz em favor da paz, só se conseguiu tornar mais profunda a condição trágica do conturbado mundo hodierno.

22. O abandono da fé cristã levou não poucos a este quase intolerável excesso. E poder-se-ia dizer que Deus, ao delito do afastamento de Cristo, respondeu com o flagelo duma ameaça permanente à paz e com o pesadelo angustioso da guerra. Incomparável, como o seu título jurídico, para a obra da paz, é ainda assim o valor do contributo que a Igreja lhe presta.