EFEITOS DO MULTÍPLICE DESCONHECIMENTO DA PESSOA HUMANA.

21. Quem tenha ainda dúvidas sobre tal estado de coisas, olhe para o populoso mundo da miséria, e pergunte às tão variadas categorias de indigentes que -respostas lhes costuma dar a sociedade, disposta como está a desconhecer a pessoa. Pergunte-se ao indigente vulgar, falto de qualquer recurso, que não raras vezes se encontra nas cidades, nas vilas e nos campos; pergunte-se ao pai de família necessitado, freqüentador assíduo dos Centros de assistência social, e cujos filhos não podem esperar por longínquos e vagos prazos duma idade de ouro sempre para vir. Pergunte-se .também a um povo inteiro em nível de vida inferior ou bastante baixo, que - .tomando lugar na família das nações ao lado de irmãos que vivem na suficiência ou até na abundância - espera em vão, duma Conferência internacional para outra, qualquer melhoramento estável da própria sorte.

22. Qual é a resposta que muitas vezes dá a sociedade hodierna ao desempregado que se apresenta na agência de emprego, predisposto já por hábito, quem sabe, a nova desilusão, mas ainda não resignado ao imerecido destino de se julgar um ser inútil? E qual é a resposta que se dá ao povo que, por mais que faça e se esforce, não consegue libertar-se das garras atrofiastes do desemprego em massa?

23. A .todos estes já de longa data se repete incessantemente que o seu caso não pode ser tratado pessoal e individualmente, que a solução deve ser encontrada numa regulamentação que se há de estabelecer, num sistema que abrangerá tudo, e que, sem prejuízo essencial da liberdade, conduzirá homens e coisas a uma crescente e mais coesa força de ação, resultante de maior utilização do progresso técnico. Quando se realizar tal sistema - assim se afirma - surgirá automaticamente a solução para todos: um nível de vida em constante -ascensão e o emprego geral em toda parte.

24. Estamos longe de pensar que o contínuo adiamento para uma futura e poderosa organização de homens e coisas, seja expediente mesquinho de quem não quer prestar socorro. julgamos pelo contrário que se trata de firme e sincera promessa, capaz de excitar confiança. Entretanto não se vê sobre que sólidos fundamentos possa apoiar-se tal promessa, uma vez que as experiências realizadas até agora conduzem antes ao ceticismo a respeito de tal sistema. Este ceticismo é, além disso, justificado por uma espécie de círculo fechado, em que o fim estabelecido e o método adotado correm um após outro sem jamais se encontrar nem harmonizar. Realmente, onde se quer assegurar a ocupação de todos, com a contínua elevação do nível de vida, tem-se motivo para perguntar ansiosamente até que ponto ele se poderá elevar sem provocar uma catástrofe, e sobretudo sem ocasionar a desocupação em massa. Parece deste modo que se deve procurar o mais alto grau possível de emprego, mas procurando ao mesmo tempo assegurar a sua estabilidade.

25. Nenhuma confiança pode portanto iluminar tal panorama, dominado pelo espectro daquela insolúvel contradição, nem se fugirá nunca das suas malhas, se se continua a contar apenas com o elemento da mais alta produtividade. E' mister considerar os conceitos de nível de vida e emprego de mão de obra não como fatores puramente quantitativos, mas como valores humanos no pleno sentido da palavra.

26. Quem portanto quer prestar auxilio às necessidades dos indivíduos e dos povos, não pode esperar a salvação dum sistema impessoal de homens e coisas, mesmo poderosamente desenvolvido sob o aspecto técnico. Todo o plano ou programa deve ser inspirado pelo princípio de que o homem - como sujeito, guarda e promotor dos valores humanos - está acima das coisas e mesma acima das aplicações do progresso técnico e que importa sobretudo preservar de uma nefasta "despersonalização" as formas fundamentais da ordem social mencionadas, e utilizá-las para criar e desesenvolver as relações humanas. Se as forças sociais forem dirigidas para esse fim, -não só realizarão uma função sua natural, mas trarão valioso contributo ü satisfação das necessidades atuais, porque lhes compete a missão de promover a perfeita solidariedade reciproca dos homens e dos povos.