TRÍPLICE CONVITE AOS GOVERNANTES DOS POVOS

15. Quem vê e medita em tudo isto fica intimamente convencido da gravidade da hora e sente a necessidade de pôr ante os que governam os povos, os que têm nas suas mãos os destinos do mundo, e de cujas resoluções depende o êxito e o progresso ou a quebra da paz, uma tríplice consideração:

16. 1 A primeira condição para corresponder à expectativa dos povos, para atenuar e gradualmente dissipar as perturbações que padecem no interior, para afastar as perigosas tensões internacionais, consiste em que todas as vossas energias e toda a vossa boa vontade concorram para pôr termo ao intolerável estado atual de incerteza, e acelerar o mais possível o advento de uma paz definitiva entre todos os Estados, apesar das dificuldades que nenhuma inteligência serena pode deixar de ver.

17. A natureza humana, vítima, durante os largos anos de guerra e do após-guerra, de inumeráveis e indizíveis sofrimentos, deu provas de uma incrível capacidade de resistência. Mas esta força tem limites, atingidos já por milhões de seres. A corda está já demasiado tensa. Um nada bastaria para rompe-la, e a rotura poderia ter conseqüências irremediáveis. - A Humanidade aspira a poder ter mais uma vez esperança. Todos quantos sabem que só uma rápida volta às normais relações econômicas, jurídicas e espirituais entre os povos pode preservar o mundo de incalculáveis agitações e desordens, que aproveitariam somente às forças obscuras do mal, têm vivo interesse em que se chegue à paz de maneira rápida e completa. - Fazei, portanto, que o ano ora a findar seja o último da vã e não satisfeita expectação, e que o novo veja a realização da paz.

18. 2 O ano da realização. Este pensamento leva ao segundo apelo, que todo o homem reto dirige àqueles que governam os povos. Vós anelais justamente - e como poderia ser de outra maneira? a que vossos nomes fiquem escritos em letras de ouro na história e nos dípticos dos benfeitores do gênero humano. A simples dúvida de que, pelo contrário, possam, um dia, os vossos nomes, embora sem culpa voluntária, ser postos no pelourinho, entre os fautores da sua ruína, horroriza-vos. Ponde, pois, em jogo todas as energias da vontade e da capacidade para imprimir ao vosso labor em favor da paz o selo de uma verdadeira justiça, de uma previdente prudência, de um sincero serviço aos interesses solidários de toda a família humana.

19. A profunda prostração em que a horrível guerra lançou a humanidade exige imperiosamente ser superada e curada por meio de uma paz moralmente elevada e incensurável, que ensine as futuras gerações a desterrar todo o espírito de violência brutal e a dar de novo à idéia do Direito a primazia, que iniquamente lhe havia sido arrebatada.

20. Apreciamos, porém, como é devido, o árduo e nobre trabalho daqueles governantes que, surdos às enganosas vozes da vingança e do ódio, se dedicaram e se dedicam ainda sem descanso à consecução de tão alto ideal. Mas, apesar dos seus generosos esforços, quem poderá afirmar que as discussões e as negociações, no ano que corre para o ocaso, hajam produzido -resultado claro, logicamente ordenado em suas linhas principais, capaz de despertar em todos os povos a confiança num porvir de tranqüilidade e justiça?

21. Sem dúvida, uma guerra tão funesta, desencadeada por injusta agressão e prolongada além do razoável, isto é, até quando já estava irreparavelmente perdida, não podia simplesmente terminar com uma paz seta garantias que impeçam a repetição de semelhantes violências. - Mas todas as disposições repressivas e preventivas devem conservar caráter de meio e, por conseguinte, estar sempre subordinadas ao último e elevado fim de uma verdadeira paz, que consiste em associar gradualmente, com as necessárias garantias, vencedores e vencidos, num labor de reconstrução, para utilidade tanto da família inteira das nações como de cada um dos seus membros.

22. Todo o observador equânime deve reconhecer que estes indiscutíveis princípios grandemente progrediram entre muitos no ano que finda, como conseqüência também das dolorosas repercussões sofridas pelos interesses vitais dos próprios Estados vencedores.

23. Sirva também de satisfação notar que algumas vozes autorizadas e competentes se erguem cada -vez mais contra o ilimitado aproveitamento das presentes condições por parte de algum dos Estados vencedores, e contra uma excessiva restrição nas condições de vida e no ressurgimento econômico dos vencidos. - Em algumas zonas o contacto imediato com a indizível miséria do após-guerra despertou em muitos corações a consciência de uma responsabilidade mútua e solidária em favor da efetiva mitigação e da definitiva extinção de mal tão grande, sentimento que, honrando uns, serve de alento a outros.

24. Apareceu nestes últimos tempos um fator novo para estimular o desejo da paz e a decisão de procurá-la com mais eficácia. O poder de novos instrumentos de destruição, que a técnica moderna intensificou e continua intensificando sem cessar, até apresentá-los aos olhos da humanidade, horrorizada, como espectros do inferno, fez com que uma das questões principais nas discussões internacionais ou com aspectos totalmente novos e ânsias nunca sentidas até agora, seja o problema do desarmamento, suscitando se a esperança de que chegue a ser realidade o que antes apenas foi uma aspiração.

25. Apesar destes motivos de esperança tão bem fundados, pelos quais ninguém mais do que a Igreja se pode alegrar, parece que no estado atual das coisas deve prever-se com grande probabilidade que os futuros trabalhos de paz não sejam mais que "opus imperfectum", onde não poucos dos seus próprios autores reconhecerão antes o resultado de transações entre as tendências ou as pretensões das diversas forças políticas do que a expressão de suas idéias pessoais fundadas em conceitos verdadeiros é justos, do direito e da equidade, da humanidade e da cordura.

26. 3 Esta consideração conduz por si mesma ao terceiro apelo aos governantes dos povos. Se quereis dar estabilidade interna ao vosso labor em prol da futura ordenação e da segurança da paz; se quereis impedir que mais cedo ou mais tarde se quebre por sua própria dureza, pela dificuldade prática de execução, por seus inerentes defeitos e faltas, por suas omissões e insuficiências, hoje acaso inevitáveis; por seus longínquos efeitos reais e psíquicos, que agora não é possível calcular, procurai deixar prevista a possibilidade de correção através de um procedimento claramente determinado, quando a maioria dos povos, a voz da razão e da equidade revelem que tais modificações são oportunas e desejáveis ou quiçá até necessárias.

27. Uma máquina pode parecer de perfeição indiscutível pela sua precisão rigorosamente matemática, mas depois mostrar-se gravemente defeituosa na realidade das provas, onde está facilmente sujeita a muitos incidentes, tecnicamente imprevistos. Quanto mais, na ordem moral, social e política, um projeto pode parecer excelente no papel, fruto de laboriosas discussões, mas sucumbir na prova do tempo e da experiência, onde os fatores psicológicos têm um posto de primeira ordem! Na realidade não se pode prever tudo. E', por isso, prudente deixar uma porta aberta aos futuros retoques e aos possíveis reajustamentos.

28. Obrando assim, mostrareis vossa fidelidade às palavras pronunciadas em circunstâncias memoráveis por intérpretes autorizados da opinião pública. Estareis seguros de não trazer nenhum prejuízo aos vossos interesses, dareis a toda a família humana um exemplo luminoso demonstrando que não há caminho mais seguro para a desejada paz do que aquele que se funda em reeducar a Humanidade no espírito da solidariedade fraterna.