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41. Num tempo em que os povos se acham frente a deveres que não
encontraram talvez nunca, em curva alguma da sua história, eles
sentem ferver em seu coração atormentado o desejo impaciente e como
que inato de tomar as rédeas do próprio destino, com maior autonomia
que no passado, esperando que assim lhes será mais fácil defender-se
contra as irrupções periódicas do espírito de violência, que,
como uma torrente de lava incandescente, a nada poupa de quanto lhes é
caro e sagrado.
42. Graças a Deus, podem-se crer passados os tempos em que a
apelação aos princípios morais e evangélicos para a vida dos
Estados e dos povos, era desdenhosamente excluída como irreal. Os
acontecimentos destes anos de guerra se encarregaram de refutar, do
modo mais cruel que se teria podido imaginar, os propagandistas de
semelhantes doutrinas. O desdém por eles ostentado contra aquele
pretendido irrealismo, mudou-se numa espantosa realidade:
brutalidade, iniquidade, destruição, aniquilamento.
43. Se o futuro pertencer à democracia, uma parte essencial de sua
realização deverá pertencer à religião de Cristo e à Igreja,
mensageira da palavra do Redentor e continuadora da sua missão
salvadora. Ela de fato ensina e defende as verdades, comunica as
forças sobrenaturais da graça, para realizar a ordem dos seres e dos
fins estabelecida por Deus, fundamento último e norma diretiva de
toda democracia.
44. Com a sua mesma existência a Igreja se ergue de frente ao
mundo, qual farol esplendoroso a recordar constantemente esta ordem
divina. A sua história reflete claramente sua missão providencial.
As lutas que, constrangida pelo abuso da força, deveu sustentar pela
defesa da liberdade recebida de Deus, foram ao mesmo tempo lutas pela
verdadeira liberdade do homem.
45. A Igreja tem a missão de anunciar ao mundo, ansioso por
melhores e mais perfeitas formas de democracia, a mensagem mais alta e
mais necessária quê possa existir: a dignidade do homem, a vocação
à filiação divina. É o grito poderoso que ressoa, do presépio de
Belém até os extremos confins da terra, aos ouvidos dos homens, num
tempo em que esta dignidade é mais dolorosamente rebaixada.
46. O mistério do Santo Natal proclama esta inviolável dignidade
humana com um vigor e uma autoridade inapelável, que ultrapassa
infinitamente aquela a que poderiam chegar todas as possíveis
declarações dos direitos do homem. Natal, a grande festa do Filho
de Deus aparecido em carne, a festa em que o céu se inclina para a
terra com uma inefável graça e benevolência, é também o dia em que
a cristandade e a humanidade, diante do Presépio, na contemplação
da benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei, se tornam mais
intimamente conscientes da estreita união que Deus estabeleceu entre
eles. O berço do Salvador do mundo, do Restaurador da dignidade
humana em toda a sua plenitude, é o ponto indicado da aliança de
todos os homens de boa vontade. Lá ao pobre mundo, dilacerado pelas
discórdias dividido pelos egoísmos, envenenado pelos ódios, será
concedida a luz, restituído o amor e será dado encaminhar-se, em
cordial harmonia, para o escopo comum, a fim de achar finalmente, na
paz de Cristo, a cura de suas feridas.
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