... TORNA-O CEGO ÀS VERDADES RELIGIOSAS.

9. Quando se deixa embriagar pelo "espirito técnico", bem mais graves são os danos que o homem sofre no setor das verdades propriamente religiosas e nas relações com o sobrenatural. O evangelista São João alude também a essas trevas, que o Verbo de Deus encarnado veio dissipar. Impedem a compreensão espiritual dos mistérios de Deus:

10. Não que a técnica, em si mesma, leve a renegar os valores religiosos, por força da lógica; esta, como dissemos, conduz antes a descobri-los. Mas esse "espírito técnico" põe o homem em condição desfavorável para procurar, ver e aceitar as verdades e os bens sobrenaturais. A mente, que se deixa seduzir pela concepção da vida ditada pelo "espírito técnico", fica insensível, desinteressada e, portanto, cega diante das obras de Deus, de natureza completamente diversas da técnica, como são os mistérios da fé cristã. E o próprio remédio -que consistiria num redobrado esforça para estender o olhar para além da barreira das trevas e para estimular na alma o interesse pelas realidades sobrenaturais -. é inutilizado logo de inicio pelo mesmo "espírito técnico". Este, com efeito, torna os homens incapazes de reconhecer a extrema instabilidade e superficialidade do nosso tempo. Tal defeito devem ne- reconhecê-lo, como uma das suas consequências, aqueles mesmos que aprovam verdadeira e sinceramente o progresso técnico. - Os homens impregnados do "espírito técnico" dificilmente encontram acalma, a serenidade e a interioridade requeridas para poderem reconhecer o caminho que leva ao Filho de Deus feito homem. Esses chegarão pelo contrário a denegrir o Criador e a sua obra, declarando construção defeituosa a natureza humana, por a capacidade e ação do cérebro e dos outros órgãos, necessàriamente limitada, impedir a realização de cálculos e projetos tecnológicos. -Estão ainda menos aptos para compreender e estimular os altíssimos mistérios da vida e da economia divina, como o mistério do Natal em que a união do Verbo Eterno com a natureza humana põe em jogo realidades e grandezas bem diferentes das consideradas pela técnica. O pensamento deles segue outros caminhos e outros métodos, dominado peia unilateral sugestão daquele "espírito técnico" que não reconhece, nem aprecia como realidades, senão o que pode exprimir-se em relações numéricas e cálculos utilitários. Julgam assim decompor a realidade nos seus elementos, mas tal conhecimento fica à superfície e move-se numa direção apenas. - E evidente que o homem, adotando o método técnico como único instrumento da investigação da verdade, deve renunciar a penetrar, por exemplo, as profundas realidades da vida orgânica e, mais ainda, as da vida espiritual, as realidades vivas do indivíduo e da sociedade humana, por não poderem decompor-se em relações quantitativas. Dum espirito assim conformado, como se poderá pretender assentimento e admiração diante das imponentes realidades a que fomos elevados por Jesus Cristo, mediante a sua Encarnação e Redenção, a sua Revelação e a sua Graça? Prescindindo mesmo da cegueira religiosa que deriva do "espírito técnico", o homem, quando possuído por ele, é diminuído no seu pensamento, nisso precisamente que o torna imagem de Deus. Deus é inteligência infinitamente compreensiva, ao passo que o "espirito técnico" faz tudo para coarctar no homem a livre expansão da inteligência. - Ao técnico, mestre ou discípulo, que pretende salvar-se desta diminuição, não basta simplesmente profunda formação intelectual, mas é sobretudo necessária formação religiosa. Esta, ao contrário dó que se tem por vezes afirmado, é a mais apta para proteger o seu pensamento contra influências unilaterais. Então desaparecerá a estreiteza do conhecimento; então a criação há de aparecer iluminada em todas as dimensões, especialmente quando se esforçar diante do presépio por compreender "qual é a largueza, o comprimento, e a altura, e a profundidade, e o conhecimento da caridade de Cristo" (cf. Ef 3, 18-19). Em caso contrário, a idade técnica realizará a sua monstruosa obra-prima de transformar o homem num gigante do mundo físico, à custa do espírito reduzido a pigmeu do mundo sobrenatural e eterno.