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30. Volvendo agora o olhar para o futuro, problema primacial e
urgente é o da paz interna de cada povo. Infelizmente a luta pela
vida, a preocupação do trabalho e do pão dividem em campos adversos
homens que habitam a mesma terra e são filhos da mesma pátria. Dum e
doutro lado apresentam a exigência, sem dúvida legítima, de serem
considerados e tratados não como objetos mas como sujeitos da vida
social, sobretudo no Estado e na economia nacional.
31. Por isso, muitas vezes e com insistência cada vez maior,
temos Nós apontado a luta contra o desemprego e o esforço pela
obtenção duma bem entendida segurança social, como condição
indispensável para se unirem num só corpo todos os membros dum povo,
dos mais altos aos mais humildes.
32. Sendo assim, ousará acaso lisonjear-se de servir a causa da
paz interna, quem procurar ver hoje, nos grupos que se opõem aos seus
próprios interesses, a fonte de todas as dificuldades e um obstáculo
ao ressurgimento e ao progresso?
33. Ousarão lisonjear-se de servir a causa da paz interna aquelas
organizações que, para defender interesses dos seus membros, não
recorram já às normas do direito e do bem comum, mas se apoiem na
força do número organizado e na fraqueza dos dentais? Ou estes não
contam só por não estarem igualmente organizados ou por tenderem a
subordinar o uso da força às regras do direito e do bem comum?
34. A paz interna, portanto, não a podem esperar os povos senão
de homens que na defesa dos próprios interesses particulares e das
próprias opiniões - sejam eles governantes ou governados, chefes ou
súditos se não obstinem nem se amesquinhem dentro da própria visão
das coisas, mas saibam pelo contrário alargar o horizonte e elevar as
vistas ao que exige o bem de todos. A lamentação, que se ouve em
bastantes países, de se verem as gerações novas deploravelmente
alheias à vida pública, não virá também de, só muito pouco ou
muito raramente, lhes ser apresentado 0 exemplo, belo e fascinados,
de homens como os descritos agora?
35. Mais fundo que as inegáveis dificuldades políticas e
econômicas, esconde-se pois outra miséria, mais grave ainda, a
espiritual e moral: grande número de espíritos tacanhos e corações
mesquinhos, de egoístas e oportunistas, desses que. se associam ao
mais poderoso do momento, que se deixam levar - seja ilusão ou
pusilanimidade - pelo espetáculo das grandes -assas, pelos clamores
da opinião pública ou pelo delírio da excitação. Por iniciativa
própria, não dariam eles um só passo para caminhar decididamente à
luz do espírito de Deus e dos princípios eternos, com imperturbável
confiança na Providência. No esquecimento deste dever dum
cristianismo vivo está a miséria verdadeira e intima dos povos.
36. Como o cupim vai devorando as casas, assim esta miséria
corrói interiormente os povos e os torna incapazes da própria
missão. Foi assim que os fundamentos do regime industrial capitalista
sofreram mudanças essenciais, aceleradas pela guerra mas de há muito
preparadas. Povos que durante séculos haviam sido dominados, abrem o
caminho da própria independência; outros, até agora privilegiados
procuram conservar a própria situação por caminhos antigos e
novos... O anseio, cada vez mais forte e generalizado, duma
segurança social, não passa da repercussão dum estado de espirito de
povos, em cujo seio muitas coisas, que eram ou pareciam
tradicionalmente inabaláveis, se tornaram caducas e incertas.
37. E esta comunhão de incertezas e de perigos, criada pelas
circunstâncias, por que não produz também, dentro de cada povo, a
natural solidariedade? As preocupações de quem dá trabalho não
são acaso, sob este aspecto, as mesmas dos operários? A produção
industrial não está hoje mais que nunca ligada à produção
agrícola, pelo influxo recíproco dos destinos de ambas? E vós,
vós que permaneceis insensíveis ante as angústias do prófugo,
errante e sem lar, não vos deveríeis sentir solidários com ele, uma
vez que amanhã poderá ser igual a vossa sorte?
38. Por que não se há de tornar para todos caminho de salvação
esta solidariedade de quantos vivem desassossegados e em perigo? Por
que não há de este espírito de solidariedade constituir ponto de
apoio da ordem natural da sociedade, nas suas três formas essenciais
- família, propriedade e Estado -para chamá-las a uma
colaboração orgânica, adaptada às condições do presente? As
condições do presente dizemos, pois, não obstante todas as
dificuldades, elas são sempre um dom de Deus destinado a robustecer o
nosso espírito cristão.
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