Pio XII

RADIOMENSAGEM DE NATAL DE 1947

O MUNDO NA CURVA DE SEU DESTINO


INTRODUÇÃO

1. A festividade do Natal e o Ano Novo já próximo anunciam-se com sinais advertidores, índices do futuro. - Os votos tradicionais, que se permutam nesta data e ascendem ao céu entre nuvens de incenso e de orações, não podem nem querem, apesar da íntima sinceridade do amor que os dita, fazer perder de vista as condições da hora presente, nas quais se encontram, numa curva do seu destino, a Europa e o mundo inteiro, cuja gravidade é indubitável, cuja evolução para o bem ou para o mal é incalculável e cujas conseqüências são imprevisíveis: - Ainda no ano passado, nesta mesma ocasião, Nós endereçamos a Nossa Mensagem de Natal a todos os católicos, e ao mesmo tempo a todos os ho- mens de bom-senso e de boa vontade. Quem jamais teria bastante ânimo para pressagiar à humanidade, esgotada de guerra e faminta de paz, isto que é hoje uma dura e inegável realidade?

2. Os sinos de Natal continuarão a bimbalhar festivamente, como há séculos; mas para muitos corações fechados, amargurados, turbados, eles soarão num deserto, onde não mais despertarão qualquer eco vivo. - Transcorrido mais um ano do após guerra, cheio de misérias e de sofrimentos, de desilusões e de privações, cada qual que tenha olhos para ver e ouvidos para ouvir, deve deter-se à vista deste fato doloroso e humilhante: a Europa e o mundo - até à remota e martirizada China - estão hoje mais do que nunca longe da verdadeira paz, de uma completa e perfeita cura de seus males, do estabelecimento de uma nova ordem na harmonia, no equilíbrio e na justiça.

3. Os fautores da negação e da discórdia, com toda a sorte de aproveitadores que rastejam em seu seguimento, rejubilam-se com o pensamento ou a ilusão de que a sua hora se aproxima. - Os amigos da paz, os promotores de uma reconciliação estável entre os povos, ao contrário, sentem o coração confranger-se de ânsia, diante do contraste entre a riqueza moral e social da boa nova de Belém e a miséria de um mundo que se afasta de Cristo.

4. Mas os verdadeiros cristãos, para os quais toda a vida, sua luz e seu mérito consiste no sentire cum Ecclesia, conhecem e compreendem, melhor que qualquer outro, o sentido e o valor de épocas como a nossa, épocas de trevas densas e, ao mesmo tempo, de fulgurante luz, quando o inimigo de Cristo recolhe tragicamente larga messe de almas, mas quando também muitos bons se tornam melhores; quando os corações generosos se elevam aos cimos do heroísmo vitorioso, e quando, igualmente muitos tépidos e pusilânimes, escravos -do respeito humano, receosos do sacrifício, tombam na mediocridade, degeneram na vileza, semelhantes àqueles "que não foram rebeldes - nem foram fiéis a Deus, mas viveram para si" (Div. Com. Inf. 3, 38-39).

5. Na luta titânica entre os dois espíritos opostos, que se disputam o mundo, se é o ódio suficiente para agrupar em torno do espírito do mal homens que tudo empreendem para dividir a humanidade, o que não poderá fazer o amor para reunir numa liga, vasta como o mundo, todos quantos, pela elevação de vistas, pela nobreza de sentimentos, pela comunhão de sofrimentos, uniram-se por vínculos bem mais fortes e apertados que as diferenças ou divergências que os poderiam separar?

6. Aos milhões de homens dispostos a aderir a essa liga mundial, cuja lei fundamental é a mensagem de Belém e cujo Chefe invisível é o Rei pacífico nascido no presépio, endereçamos nesta hora a Nossa fervorosa exortação.