ACIMA DAS TEMPESTADES DO MUNDO

4. A luz celeste desta alegria e deste conforto sustenta a confiança daqueles em quem vive e resplandece; e não a pode obscurecer nem perturbar qualquer contrariedade ou trabalho, inquietação ou sofrimento que se levante ou murmure cá debaixo da terra semelhante àquela

" .. lodoletta che in aere si spazia
prima cantando, e poi face contenta
dell'ultima dolcezza che Ia sazia".

Par. XX, 73

Onde outros se aterram, onde as águas amargas da aflição e da desesperação submergem os pusilânimes, as alertas em que Cristo vive podem tudo, elevam-se acima das desordens e tempestades do mundo com coragem e ardor sempre igual, até ao ponto de cantar a ordem, a justiça e as magnificências de Deus. Sob as tempestades, sentem-se maiores que os redemoinhos, a terra que pisam e os mares que sulcam, mais do que pelo espirito imortal, pela elevação dos corações para Deus, sursum corda, pela oração e união com Deus, habemus ad Dominum.

5. Para Deus, misericordioso e onipotente, Veneráveis Irmãos e queridos Filhos, elevamos o Nosso olhar e a Nossa súplica, como a melhor e mais eficaz expressão da Nossa gratidão pêlos vossos fervorosos rotos de Natal, os quais são também uma oração feita ao Pai Celeste, "donde voem toda a graça e todo 0 dom perfeito" (Tgo I, 17). Faça ele com que, nesta união de orações, cada um de vós obtenha, junto do presépio do seu Filho Unigênito que se fez homem e habitou entre nós, aquela medida plena, acogulada, abundante e a transbordar da alegria do Natal, que só ele pode dar; de sorte que, animados e sustentados por tão grande alegria, possais, generosa e virilmente, como soldados de Cristo, prosseguir o caminho, através do deserto da vida terrena, até àquele poente, em que, na aurora da eternidade, resplandecerá, diante do vosso olhar ansioso, a montanha do Senhor; e em cada um de vós, renascido para uma vida de alegria indefectível, se realizará a oração da Igreja para o Natal: "Contemplar com confiança, como juiz, o Filho único que agora acolhemos alegremente como Redentor" (Orar. in Vig. Nat.).

6. Mas esta hora em que a vigília da Santa Festa do Natal nos traz a doce alegria da vossa presença, junta-se com a lembrança saudosa, tão viva em nós - e sem dúvida não menos viva em vós -do Nosso glorioso Predecessor de santa memória (tão piedosamente invocado pelo Nosso Venerável Irmão Cardeal Decano); e recordamos as suas palavras, proferidas há apenas um ano, palavras inesquecíveis, solenes e graves, oriundas do intimo do seu coração de Pai, palavras que vós ouvistes conosco trespassados de dor muito viva, como o nunc dimittis do velho Simeão; palavras proferidas nesta sala, nesta mesma vigília, como que repassadas do peso do pressentimento, para não dizer da visão profética, de próximas desventuras; palavras de exortação suplicante, de heróico sacrifício da sua pessoa, cujos acentos inflamados ainda hoje Nos comovem a alma.