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1. Houve jamais na história do gênero humano, na história da
Igreja, um Natal e um Ano Novo, em que, de forma mais viva que no
presente, arda nos corações e se manifeste a ânsia de ver
desaparecer o contraste entre a pacífica mensagem de Belém e as
agitações interiores e exteriores de um mundo que, com tanta
freqüência, abandona o reto caminho da verdade e da justiça?
2. A Humanidade, apenas saída dos horrores de uma guerra cruel,
cujas conseqüências ainda a enchem de aflição, contempla estupefata
o abismo aberto entre as esperanças de ontem e as realizações de
hoje, abismo que esforços, ainda os mais tenazes, dificilmente
logram encerrar, porque o homem, que é capai de destruir, não é
sempre por si só idôneo a restaurar.
3. Há já quase dois anos que se calou o ribombar do canhão. O
jogo das armas nos campos de batalha deu a uma das partes beligerantes
uma vitória fulgurante, e à outra, uma derrota sem precedentes.
Poucas vezes na história do mundo havia a espada traçado uma linha
divisória tão nítida entre vencedores e vencidos. - já passou a
embriaguez jubilosa e exuberante da vitória. As inevitáveis
dificuldades manifestaram-se com toda a sua crueza. - E como se
manifestaram elas! Por cima de todos os desígnios e de todas as
disposições humanas está a palavra do Senhor: "Ex fructibus eorum
cognoscetis eos" (Mt 7, 20). Pelos seus frutos os
conhecereis.
4. Uma coisa fica fora de dúvida: os frutos da vitória e suas
repercussões não só têm sido até agora indizivelmente amargos para
os vencidos, mas também se têm feito sentir como fonte de múltiplas
ânsias e de perigosas divisões entre os vencedores. -Os reflexos
destas divisões foram-se sucessivamente acentuando cada vez mais,
até ao ponto de ninguém que ame verdadeiramente a Humanidade, e
menos ainda a Igreja de Cristo, sempre solícita no cumprimento da
sua missão, poder cerrar os olhos ante semelhante espetáculo.
5. A Igreja, enviada pelo divino Salvador a todos os povos para
conduzi-los à salvação eterna, não pretende intervir e tomar
partido nas controvérsias sobre matérias puramente terrenas. - Ela
é Mãe, e não peçais a uma mãe que favoreça ou se oponha a um ou
a outro de seus filhos. Todos devem encontrar e experimentar
igualmente nela aquele amor perspicaz e generoso, aquela íntima e
inalterável ternura que dá força aos filhos fiéis para marchar com
passo mais firme pelo largo caminho da verdade e da luz e inspira aos
extraviados e errantes a ânsia de acolher-se de novo à sua direção
maternal.
6. Talvez nunca a Igreja de Cristo, nunca seus ministros e seus
fiéis de toda a classe e condição tenham tido tanta necessidade,
como agora entre as angústias dos tempos presentes, ante as quais
parecem fenecer as dolorosas vicissitudes do passado, deste amor
luminoso, sempre disposto ao sacrifício, que não conhece fronteiras
na terra nem prejuízos humanos.
7. Somente, pois, o espírito de caridade e o sagrado dever do
Nosso apostólico ministério Nos fazem abrir os lábios nesta'
véspera de Natal; só eles Nos induzem a dirigir-Nos ao mundo
inteiro e a confiar às ondas etéreas, para que a levem até aos
confins da terra, a expressão de Nossas solicitudes e de Nossos
temores, de Nossas preces e de Nossas mais ardentes esperanças, na
certeza de que muitos corações nobres -e compreensivos, mesmo fora
da comunhão católica, se farão eco deste Nosso grito de angústia e
Nos prestarão a sua eficaz colaboração.
8. Não temos intenção de criticar, senão de estimular. Não de
acusar, senão de socorrer. Movem Nosso coração, e quiséramos
reavivá-los tia alma dos que Nos escutam, desígnios de paz e não
de aflição (Jer 29, 11). - Não ignoramos que as Nossas
palavras e as Nossas intenções correm perigo de ser mal interpretadas
ou desfiguradas com mira na propaganda política. - Mas a
possibilidade de tais comentários errôneos ou malévolos não poderia
cerrar Nossos lábios. Ter-Nos-íamos por indignos de Nosso
oficio e da cruz que o Senhor colocou sobre os Nossos débeis ombros,
creríamos atraiçoar as almas, que esperam de Nós a luz da verdade e
um guia seguro, se, para evitar sinistras interpretações,
hesitássemos fazer, numa hora tão crítica, tudo o que pudéssemos
para despertar as consciências adormecidas e chamá-las ao cumprimento
dos deveres da santa milícia de Cristo.
9. Nenhum direito de veto, venha de onde vier, poderia prevalecer
contra o preceito de Jesus Cristo: "Ide e ensinai". Com
inquebrantável obediência ao divino Fundador da Igreja, Nos
esmeramos e continuaremos a esmerar-Nos até onde cheguem Nossas
forças, no cumprimento de Nossa missão de defensor da verdade, de
tutor do Direito e de propugnador dos eternos princípios da humanidade
e do amor. Bem pode ser que no exercício deste dever topemos com
resistências e incompreensões. Mas conforta-Nos a recordação do
que aconteceu ao próprio Redentor e aos que seguiram suas pisadas, e
mais uma vez Nos lembra o humilde, mas confiante pensamento do
Apóstolo S. Paulo: "Mui pouco se me dá o ser julgado em
qualquer juízo humano, pois o que me julga é o Senhor" (1 Cor
4, 3-4).
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