INDIVISÍVEL UNIDADE DA IGREJA

10. A Igreja é um todo indivisível, porque Cristo, com a sua Igreja, é uno e indivisível. Cristo, como Cabeça da Igreja, para Nos servirmos de um profundo pensamento de S. Agostinho (sermão 341, c. 1; Migne PL., tomo 39; col. 1943), é totas Christus, Cristo inteiro. Esta integridade de Cristo, segundo o santo Doutor, significa a indivisível unidade da Cabeça e do Corpo, "in plenitude Ecclesiae", naquela plenitude de vida da Igreja que une todas as zonas e todos os tempos da Humanidade redimida, sem exceção alguma.

11. Estabelecida firmemente com tão profunda raiz, a Igreja, presente como se acha no meio de toda a história do gênero humano, no campo agitado e revolto de energias divergentes e de tendências opostas, embora exposta a todos os assaltos dirigidos contra a sua indivisível integridade, está tão longe de ser por eles abalada que da sua própria vida de integridade e de unidade irradia e difunde sempre novas forças salutares e unificadoras na humanidade lacerada e dividida, forças de unificante graça divina, forças do espírito unificante, de que todos têm tanta fome; verdades que sempre e em todas as partes valem, ideais que ardem sempre e em todas as partes.

12. Por isto se vê que era e é um sacrílego atentado contra o totus Christus, Cristo em sua integridade, e ao mesmo tempo um golpe nefasto contra a unidade do gênero humano, o haver pretendido ou pretender tornar a Igreja como prisioneira ou escrava deste ou daquele povo particular e confiná-las nos estreitos limites de uma nação ou também desterrá-la. Este desmembramento da integridade da Igreja diminuiu e diminui - tanto mais quanto por mais tempo se prolonga - nos povos que são vítimas dele o bem da sua efetiva e plena vida.

13. Porém o individualismo nacional e estatal dos últimos séculos não pretendeu somente vulnerar a integridade da Igreja, debilitar e pôr obstáculo às suas forças unitárias e unificadoras, aquelas mesmas forças que exerceram outrora uma função essencial na formação da unidade do Ocidente europeu. Um liberalismo antiquado quis, sem a Igreja e contra ela, criar a unidade mediante uma cultura laica e um humanismo secularizado. Aquém e além, como fruto da sua ação dissolvente, e ao mesmo tempo, como seu inimigo, sucedeu-lhe o totalitarismo. Numa palavra, qual foi, após pouco mais d: dm século, o resultado de todos aqueles esforços sem a Igreja e muitas vezes contra ela? O túmulo da sã liberdade humana, as organizações forçadas, um mundo que em brutalidade e barbárie, em destruições e ruínas, mas, sobretudo, em funesta desunião e em falta de segurança, não havia conhecido outro Igual.

14: Num tempo turbulento como é o nosso, a Igreja, por seu bem próprio e da humanidade, deve procurar por todos os meios fazer valer sua indivisível e indivisa integridade. Ela tem que ser, hoje mais do que nunca, supranacional. Este espírito deve penetrar e imbuir a sua Cabeça visível, o Sacro Colégio, toda a ação da Santa Sé, sobre a qual agora gravitam importantes deveres relacionados não só com o presente, mas mais ainda com o futuro.

15. Aqui se trata principalmente de um fato do espírito, de ter o sentimento justo desta supranacionalidade e não de medi-la, ou de calculá-la com proporções matemáticas ou na base de estatísticas rigorosas sobre a nacionalidade de cada uma das pessoas. Nos largos períodos de tempo, em que, por disposição dá Providência, a nação italiana mais que .outras tem dado à Igreja a sua Cabeça e muitos colaboradores ao governo central da Santa Sé, a Igreja no seu conjunto conservou sempre intacto o seu caráter supranacional. Mais ainda, precisamente por esta via, não poucas circunstancias hão contribuído para preservá-la de perigos, que de outra maneira se poderiam ter feito sentir mais. Para citar um exemplo, recordem-se as batalhas renhidas nos séculos passados pela hegemonia dos Estados nacionais europeus e das grandes dinastias.

16. Ainda depois da conciliação entre a Igreja e o Estado, mediante os tratados de Latrão, o clero italiano no seu conjunto, sem nenhum prejuízo do seu natural e legitimo amor da pátria, continuou fiel sustentáculo e patrocinador da supranacionalidade da Igreja. Nós desejamos e pedimos que assim permaneça, sobretudo o clero jovem, na Itália e em todo o orbe católico; de todos os modos, as delicadas circunstâncias presentes exigem particular cuidado e tutela daquela supranacionalidade e indivisível unidade da Igreja.