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7. Ademais, - e é talvez este o ponto mais importante - sob o
fulgor sinistro da guerra que os envolve, no ardor escaldante da
fornalha em que se encontram, os povos como que despertaram de um longo
torpor. Tomaram diante do Estado e dos governantes uma nova atitude,
interrogativa, crítica, desconfiada. Ensinados por uma experiência
amarga, opõem-se com maior violência aos monopólios de um poder
ditatorial, indevassável e intangível, e requerem um sistema de
governo mais compatível com a dignidade e a liberdade dos cidadãos.
8. Estas multidões, irrequietas, revolvidas pela guerra até nas
mais profundas camadas, estão hoje dominadas pela persuasão (a
principio talvez vaga e confusa, mas já agora incoercível) de que,
se não tivesse faltado a possibilidade de sindicar e corrigir a
atividade dos poderes públicos, o mundo não teria sido arrastado na
voragem desastrosa da guerra; e que a fim de evitar para o futuro a
repetição de semelhante catástrofe, faz-se mister proporcionar ao
mesmo povo garantias eficazes.
9. Em tal disposição de ânimos, seria talvez para
maravilhar-nos, se a tendência democrática domina os povos e obtém
largamente o sufrágio e consenso daqueles que aspiram a colaborar mais
eficazmente nos destinos dos indivíduos e da sociedade?
10. Basta-nos recordar que, segundo os ensinamentos da Igreja,
"não é proibido preferir governos mitigados de forma popular,
salva, porém, a doutrina católica acerca da origem e uso do poder
público", e que "a Igreja não reprova nenhuma das diversas formas
de governo, desde que sejam aptas a proporcionar o bem estar dos
cidadãos" (Leão XIII, Encíclica Libertas •, de 20 de
junho de 1888, fim).
11. Se, portanto, nesta solenidade que comemora a um tempo a
benignidade do Verbo encarnado e a dignidade do homem (dignidade
entendida não só sob o aspecto pessoal, mas também na vida
internacional), Nós dirigimos a Nossa atenção ao problema da
democracia, para examinar as normas por que deve ser regulada a fim de
poder chamar-se uma verdadeira e sã democracia, condizente às
circunstâncias da hora atual - isto indica claramente que o cuidado e
solicitude da Igreja se volta não tanto para a sua estrutura e
organização exterior (as quais dependem das aspirações próprias de
cada povo), quanto para o homem como tal que, longe de ser o objeto e
um elemento passivo da vida social, é ao Contrário, e deve ser e
permanecê-lo, o seu sujeito, o fundamento e o fim.
12. Suposto que a democracia, entendida num sentido lato, admite
várias formas, e pode verificar-se tanto nas monarquias como nas
repúblicas, duas questões ainda se apresentam ao nosso exame:
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1) Que caracteres devem distinguir os homens que vivem na democracia e sob
o regime democrático?
2) Que caracteres devem possuir os homens
que na democracia têm o poder público nas mãos?
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