Pio XII

RADIOMENSAGEM DE 31 DE DEZEMBRO DE 1951

AOS DETIDOS NOS INSTITUTOS PENAIS


AOS DETIDOS NOS INSTITUTOS PENAIS

1. Vínculos especiais de paternal amor Nos ligam a todos os que sofrem, e, nessa solicitude assídua, vós não sois os últimos, diletos filhos e filhas da Itália e do mundo, vós que gemeis nos Institutos penais, para onde vos levaram, através de caminhos amargos, circunstâncias inexplicáveis por vezes até a vós próprios.

2. Mas nestes dias de solenidades natalícias, de que todo o cristão recolhe motivos de alegria, Nós sentimo-Nos mais perto de vós, porque vos vemos em maiores anseios de conforto e de clarões de esperança, no meio da solidão e das trevas.

3. E estamos também ao lado das vossas famílias, não raro desprovidas, com a vossa ausência, não só do pão mas também da alegria própria do Natal, que está em gozar dos sagrados mistérios da infância de Jesus no aconchego quente e afetuoso do santuário doméstico.

4. Mas, se esta doçura vos é negada alguma vez pelo rigor da justiça humana, outros confortos mais profundos e verdadeiros vos oferece o recém-nascido divino, deitado em dura palha por nosso amor, esse Jesus invocado com razão por todos, e em especial por vós, com as palavras da liturgia do Advento: "Veni, et educ vinctum de domo carceris" - Vem e solta o preso do cárcere (Ant. O Clavis; cf. Is 42, 7).

5. Todos, cá na terra, somos de algum modo réus e prisioneiros. Para todos veio Jesus. Mas para vós, veio-vos trazer uma libertação mais nobre e íntima, aquela que redime do jugo e das cadeias das paixões e do pecado, para levar a paz do espirito anunciada na Noite santa. Esta libertação opera o interior renovamento da vida, e conduz até à luz restauradora duma Epifania de redenção.

6. Se conseguirdes, nas asas da fé, libertar-vos das penas que vos afogam, não só gozareis essas alegrias secretas, mas de tal modo as possuireis que nada vo-las conseguirá nunca roubar: nem adversidades, nem asperezas do cárcere, nem possíveis erros da justiça terrena, nem incompreensões dos homens, nem sequer o remorso, pois este transformar-se-á, pela graça, em salutar e consolador arrependimento.

7. Reprovando e renegando alguns de vós, no mais íntimo da alma, um triste passado, vê-lo-ão destruído por completo pela fé e pelo amor; e, com a iluminação e elevação da fé, todos reconhecereis a vaidade do mundo à luz do espirito cristão, e descobrireis, na vossa condição presente, ocasiões preciosas e fontes sumamente fecundas de grandíssimos bens. Que providencial desígnio não poderá realizar-se em vós, se vos entregardes humildemente e de bom grado nas mãos de Deus, severas hoje sem dúvida, mas sempre benéficas!

8. Ainda que se tenha dado convosco, por assim dizer, "um mistério de iniquidade", Nós, pelo conhecimento que temos da fragilidade e fraqueza incomensurável, que muitas vezes cega o espirito humano, Nós compreendemos o triste drama que pode ter-vos surpreendido e enredado num concurso infeliz de circunstâncias. Nem sempre serão elas inteiramente imputáveis ao vosso livre alvedrio, se bem que as leis humanas, pela sua natural imperfeição, não possam ter em conta todas as atenuantes que diminuem a responsabilidade, nem consigam, menos ainda, perdoar todas as fraquezas. Seja como for, a vós pertence fazer que surja no vosso espírito um fulgor de redenção, análogo ao que rodeou Jesus, quando, na sua inocência, veio tomar sobre si as nossas culpas.

9. Assim, cada um de vós se tornará agente consciente da própria ressurreição morai, e merecerá a honra de ser ministro da justiça altíssima de Deus, uma vez que a violência não consiga exacerbar o vosso espírito, nem o abatimento vencê-lo. Para a justiça divina, é igualmente gloriosa a ordem inviolada e a ordem restaurada na expiação. Deste modo, cada um dos que se libertam da culpa, na realidade interior da própria consciência, deixa de ser réu e alvo de vingança, para se tornar colaborador de Deus no restabelecimento da ordem violada.

10. E como no céu se faz maior festa por um pecador que se converte, assim na terra toda a pessoa honesta se deve inclinar diante de quem caiu, talvez num momento de extravio, mas consegue depois a custo remir-se e levantar-se.

11. Portanto, os longos dias passados nesses lugares de pena, onde vos acompanha - como em prisão voluntária - o Nosso coração, estão longe de ser dias perdidos. Podereis acaso perder alguma poisa aos olhos de Deus, se conformais a vossa vontade com a vontade daquele que tem sempre desígnios de misericórdia e de vida, ainda quando exerce a justiça? Menos perdereis ainda quando empregardes o tempo em obras de caridade, interessando-vos pelos sofrimentos alheios, alentando, confortando e ajudando os irmãos que sofrem convosco.

12. Quando, pois, a inocência testemunhasse em favor da vossa consciência, e a apresentasse total ou parcialmente ilibada, e estivésseis convencidos que os rigores da justiça humana se fizeram sentir além de qualquer proporção com a culpa, oh!, não maldigais o destino adverso ou as criaturas falazes, mas abri antes a alma à confiança no triunfo final da verdade e do bem, confortai-vos com a certeza de estarem solidárias convosco todas as pessoas conscienciosamente honestas; sede de tal maneira fortes na desventura que consigais ser indulgentes com os erros de direito e de fato, a que infelizmente está sujeita a inevitável imperfeição do juízo humano, e trabalhando valorosamente pela vossa reintegração jurídica e moral, fazei que uma vida de imerecida expiação resplandeça de beleza sobre-humana, para além da mesma reparação do erro.

13. Muito mais dolorosa é a sorte daqueles que, em não poucos países, sofrem inocentes em conseqüência de leis iníquas, inspiradas em falsas concepções que presidem à vida da sociedade, ou ditadas por facciosas paixões políticas, ou então pelo blasfemo preconceito que considera crime o culto de Deus. Para estes filhos da Nossa predileção, perseguidos pela justiça, vai todo o Nosso afeto humano e sobrenatural de Pai. Compreendemos que atroz martírio, especialmente moral, os aflige. Mas se Deus Onipotente, que é a mesma justiça - cuja aplicação integral reserva para a mansão eterna, onde não haverá nem sombra de mal se o Onipotente, dizíamos, não impede às vezes que o inocente seja injustamente castigado na terra, isso significa que, respeitando soberanamente as leis da liberdade humana, não deixará sem sanções o seu desenfreado exercício, e que sabe tirar do mal maiores bens, reservando-os para as mesmas vítimas, e para a sociedade que lhes rega de lágrimas o escasso pão de que as nutre.

14. No entanto, se não deixamos de exortar os legisladores e magistrados a rever, reparar e sanar essas anomalias ou aberrações, que constituem desdouro da justiça, especialmente da cristã, e ultraje dos direitos divinos, - a vós, vítimas inocentes, repetimos a palavra reconfortante, do Anjo: "Forti animo esto, in proximo est, ut a Deo cureris", tem ânimo; Deus está próximo a curar-te (Tob 5, 10).

15. Mas até esse dia, está-vos assinada uma vocação extraordinária, diremos mesmo, de privilégio: expiar pelo mundo que na verdade é culpado. Esta expiação anda salutarmente unida às bem-aventuranças, anunciadas pelo Salvador no Sermão da Montanha: "bem-aventurados os que sofrem...; bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça. . . ; bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça... ; bem-aventurados sois quando vos perseguirem por causa de mim" (cf. Mt 5).

16. Oh! se vos fosse dado, amados filhos e filhas, espalhados por toda a face da terra, ver quão agradável é a vossa imolação aos olhos de Deus, quão grande é a sua eficácia para a salvação do mundo, e qual a confiança que o Vigário de Cristo ousa depositar sobre os vossos sofrimentos, para obter de Deus a paz sincera e a verdadeira salvação do mundo, nestes tristíssimos tempos!

17. Uma palavra enfim, ainda mais afetuosa e paterna, queremos dirigir a vós, que sois objeto da enternecida predileção do vosso Amigo divino, e que ainda na idade juvenil, já conheceis os amargos frutos da vida. Envenenados precocemente pela perversão da sociedade hodierna, postos em circunstâncias adversas à reta educação, sois talvez mais vítimas que culpados.

18. Sirva a vossa condição de severa advertência àqueles que, mais do que vós, são verdadeiramente culpáveis; aos que fazem da imprensa, dos espetáculos, das associações, e por vezes da mesma escola, meios de ganancioso lucro, se não mesmo de premeditada corrupção da infância, calcando aos pés a sagrada inocência das crianças, e acumulando imensas ruínas morais.

19. Amados jovens, o que aconteceu na vossa idade inexperiente, sepultai-o com o arrependimento cristão, numa total ressurreição para o ideal da honestidade e da virtude. Que as vossas dores presentes não despedacem as vossas esperanças, nem o entusiasmo da vossa juventude. O Menino Jesus olha-vos com particular benevolência. Ele vos sustentará, para que a frágil planta da vossa vida, salva desta prova, cresça como roble forte a desafiar as borrascas, servindo como exemplo de temor de Deus e de obediência às leis.

20. Amados filhos e filhas. Em correspondência aos celestes dons, que o Menino Jesus faz descer ao lugar da vossa dor, oferecei-lhe corajosa e generosamente, a Ele que desde o berço se ofereceu em expiação pelos pecados do mundo, as vossas penas e tristezas, com aquele ardor de fé que transforma as lágrimas em pérolas, a dor em alegria.

21. Longe de menosprezar o vosso dom, transformá-lo-a em título precioso de misericórdia, salvação e graça, para vós mesmos e para as vossas famílias, para o mundo inteiro e para a Igreja. Não menos que dos templos dedicados ao seu culto, também dos cárceres, dos campos de concentração, dos hospitais, de todos os lugares onde se sofre, chora e reza, suba ao céu o perfume do incenso que aplaca e salva. Nós suplicamos à divina Bondade que apresse para cada um de vós o dia da libertação, para que, de regresso ao seio das vossas famílias e da sociedade, - transformados e como que sublimados pela prova, aceite com fé cristã, - vos torneis a sua honra, e uma defesa contra o mal que a ameaça.

22. Com estes votos e a constante lembrança de vós, desça sobre vós e sobre os que vos são queridos, como penhor de alegrias celestes, a Nossa paternal Bênção Apostólica.