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Francisco Xavier ia acrescentar mil e oitocentas léguas à distância
imensa que o separava, havia sete anos, dos que lhe eram mais caros,
das suas mais santas afeições. Mas, no dia do seu sacrifício, ele
se votara à glória de Deus, e à sua maior glória, votara-se à
salvação das almas, votara-se, finalmente, à imolação contínua
de si próprio, e isto para sempre!
E desde aquele momento, o generoso apóstolo, devorado da necessidade
de sofrer pelo Deus que ele amava com tão ardente amor, era
insaciável de privações e de fadigas, de perigos e de trabalhos.
Os seus amigos de Goa renovaram, naquela circunstância, as cenas de
oposição e de desgosto, que se deram em remate para impedir que ele
tentasse explorar as ilhas de Moro. Faziam-lhe as mais aterradoras
descrições dos perigos da navegação naqueles mares semeados de
escolhos, especialmente em ocasião em que os navios portugueses,
expulsos de todos os portos da China, e afastados das suas águas,
não podiam prestar o menor socorro a quem por audaz coragem afrontasse
aqueles perigos. Mas o intrépido Xavier destruía as solicitações
de amizade com a mesma dignidade e firmeza como em Ternate:
conserva-se firme na sua idéia.
"Os capitães Jorge Álvares e Álvaro Vaz têm a coragem de se
exporem àqueles perigos pelos interesses dos seus negócios, disse ele
a alguns dos seus amigos empenhados em o reterem, e por que vos
persuadis que eu serei mais infeliz do alue eles o têm sido até ao
presente? Porque quereis imaginar que o navio em que eu embarcasse
seria aprisionado pelos piratas com preferência aos deles? porque o
tifo me seria mais nocivo? Vós ides correr todos os perigos por um
miserável interesse de comércio, e quereis impedir que eu me exponha
pela salvação das almas, pela glória de Deus?
Confesso que me vejo penalizado pela vossa pouca fé, e que me custa a
acusação de imprudência; aflige-me ver que os missionários têm
tido até aqui menos coragem que os negociantes. Agradeço-vos,
contudo, a vossa solicitude; a vossa amizade enche-me de alegria o
coração, mas vejo-me obrigado a resistir-lhe.
A divina Providência tem-me protegido sempre, sempre me tem
socorrido, nada alterará, pois, a minha confiança nela. Não me
tem livrado já de milhares de perigos no mar? Não foi ela também
que me salvou da espada dos Badegás e dos venenos da ilha de Moro?
E vós quereríeis persuadir-me agora que não devo confiar-me?
Demais, a minha missão não se limita às Índias; vim com a
intenção e o desejo de levar a fé até às extremidades da terra, se
possível fosse! Irei, pois, ao Japão!"
Que podiam os amigos do nosso Santo? Admirá-lo e calarem-se: foi
o que fizeram, orando ardentemente pela sua conservação.
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"...Eu empreendo esta viagem com alegria, escrevia o santo
apóstolo ao seu amado Padre Inácio; o futuro sorri-me pelas
brilhantes esperanças que nutro do bom êxito dos meus trabalhos no
meio daqueles povos.
Os japoneses, todos pagãos, não têm entre si nem judeus nem
maometanos, e são muito curiosos nas ciências divinas e naturais
...
...Eu irei imediatamente apresentar-me ao imperador, depois às
academias e às universidades, e ali espero fazer triunfar o
Evangelho! Paulo de Santa-Fé assegura-me que por uma tradição
daquele país, as superstições do Japão vieram de Cenic, cidade
situada além da China e do Catai [61].
Logo que me veja estabelecido em meio daquele povo, pôr-vos-ei ao
facto dos seus costumes, da sua literatura e do sistema do seu
governo. Farei mais, darei esses esclarecimentos minuciosos à
Universidade de Paris, para que ela os transmita às outras
Universidades da Europa. Levarei em minha companhia o Padre Cosme
de Torres e os três japoneses de que já vos falei.
Contam-se mil e trezentas léguas de Goa ao Japão [62]; é
necessário passar o estreito de Malaca, dobrar o cabo e seguir ao
longo das costas da China.
Não tenho expressões para vos descrever a alegria que sinto quando
penso nesta empresa! Ver-me-ei exposto aos maiores perigos que o
Oceano pode oferecer: o das tempestades, que são frequentes e
terríveis naquelas paragens; o dos escolhos, dos bancos de areia,
dos ventos e das vagas que são temíveis naqueles mares desconhecidos,
com pilotos inexperientes; finalmente o dos piratas que infestam
aqueles perigosos mares.
Os perigos desta travessia são tais, que os nossos marinheiros se
consideram muito felizes quando podem salvar um navio por três que se
arriscam.
Tudo isto mais me anima. Deus dá-me uma tal convicção de que
arvorarei a Cruz de Jesus Cristo sobre aquele solo pagão, que não
recuaria por maiores que fossem ainda os perigos! Podereis julgar das
razões desta convicção pelas memórias que eu vos enviai sobre aquele
país...".
"Creio que vós tendes em Roma e em outros pontos, muitos religiosos
nossos que não têm disposição nem para a pregação nem para o
ensino dos colégios. Eles seriam muito melhor utilizados aqui para as
nossas missões, uma vez que sejam exercitados na prática de todas as
virtudes, de uma pureza angélica e de uma força de corpo e de
espírito capaz de suportar grandes trabalhos e sofrimentos.
...Não é um pequeno trabalho, asseguro-vos, o de fazer aqui
cristãos e conservá-los! É, pois, essencial para nós, que somos
os filhos do vosso coração, que nos sustenteis pela força das vossas
orações.
Sabeis quanto se sofre em formar e dirigir os que nunca conheceram a
Deus nem a razão, e que olham como uma verdadeira calamidade a
necessidade de mudar de hábitos criminosos, considerados por eles como
uma segunda natureza!
A permanência naqueles climas é muito prejudicial e penosa, já por
causa dos sucessivos calores do estio, já por causa das chuvas e dos
temporais que ali reinam todo o inverno.
Em Socotorá, nas Molucas, no cabo Comorim, apenas se encontra o
necessário para viver; e contudo, os trabalhos do corpo e do
espírito aí são imensos, incríveis! É necessário combater sempre
resistir sempre com os índios! acrescentai a isto a extrema
dificuldade das suas diferentes línguas e dos seus numerosos dialetos.
Finalmente, os perigos para a vida da alma e para a vida do corpo são
tão grandes como frequentes. Contudo, e para que todos os nossos
irmãos rendam a Deus imortais ações de graças, posso
assegurar-vos que todos os vossos filhos que estão nas Índias são
amados, e, di-lo-ei até, ternamente queridos de todas as classes
do povo: dos pagãos, dos cristãos, dos portugueses, dos índios,
dos cidadãos, dos magistrados e dos superiores eclesiásticos...
... Por toda a parte onde existem cristãos, disfruta-se dos
nossos trabalhos. Nas Molucas contam-se quatro dos nossos obreiros
evangélicos; em Malaca, dois; no cabo Comorim, seis; em
Coulão, dois; em Baçaim, dois em Socotorá, quatro; e não
obstante as enormes distâncias, todos estão sob a direção de um
só.
Goa acha-se afastada das Molucas mais de mil léguas [63],
Malaca, de quinhentas; Comorim, de duzentas; Coulão, de cento e
vinte e cinco; Baçaim, de sessenta; Socotorá, de trezentas. Em
todos os pontos onde estão os nossos irmãos, há um que tem
autoridade sobre os outros; mas aqueles que dirigem são tão virtuosos
e tão prudentes, que os subordinados encontram a felicidade na
obediência ...
...Vós praticareis uma boa ação, bem agradável a Deus e a
todos nós que estamos em exílio tão longe de vós, escrevendo-nos
uma carta de instruções espirituais, uma carta que fosse como que o
vosso testamento, pela qual legaríeis aos vossos filhos das Índias as
riquezas espirituais que tendes recebido de Deus tão abundantemente.
Fazei-nos, eu vos rogo, esta caridade, se o vosso tempo puder
prestar-se aos nossos desejos!
...Para mim, não vos peço mais que uma graça, e é de designar
um dos nossos Padres para celebrar, durante um ano, o santo
sacrifício em S. Pedro in Montorio onde o santo Apóstolo foi
crucificado, e de me dar, por um dos nossos, notícias
circunstanciadas sobre a situação da nossa Companhia, o número dos
professores e dos seus colégios, seus trabalhos, e os frutos que ela
produz; porque eu dei ordem de fazerem remeter as cartas que vierem de
Roma para Malaca, de onde mas enviarão para o Japão, por várias
vias, depois de se extraírem muitas cópias.
Oh! vós meu venerável Padre, que sois verdadeiramente o pai da
minha alma! é de joelhos que eu vos escrevo, como se estivesse junto
de vós; é com os dois joelhos em terra que vos conjuro que insteis
com a divina Majestade, em todas as vossas orações, e em vossos
santos sacrifícios, que me faça conhecer a sua santa vontade, até
que eu tenha um sopro de vida, e que me dê forças para a cumprir!
Peço o mesmo socorro a todos os nossos Padres e Irmãos.
Vosso filho e servo em Nosso Senhor.
Francisco Xavier.
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Esta longa carta foi escrita de joelhos por Francisco Xavier; ele
não escrevia nunca de outro modo a Santo Inácio. E era com o
coração cheio daquela viva e santa ternura pelo Pai da sua alma, seu
único Pai em Jesus Cristo, que o heróico apóstolo ia interpor mil
e oitocentas léguas leais entre aquela querida afeição e ele! E
isto, depois de ter calculado que as cartas de Roma não poderiam
chegar-lhe ao Japão senão dois anos depois da sua data!...
Mas, como vimos, a grande alma de Xavier estava ávida de
trabalhos, de sofrimentos, de sacrifícios de todo o gênero, e ele
próprio acaba de nos dizer, que se tivesse de sacrificar-se muito
mais ainda, não teria hesitado: a glória de Deus o chamava ao
Japão! E ele escrevia ao Padre Simão Rodrigues:
"O cristão prefere a cruz ao repouso".
O Padre Gaspar Barzeu, partiu para Orznuz nos princípios do mês
de Abril de 1549. Xavier, que devia partir oito dias depois
dele, escreveu ao Padre Paulo Camerini recomendações em que
patenteia toda a sabedoria, prudência, doçura e terna caridade do
nosso Santo. A sua pouca extensão permite-nos reproduzir aqui a
carta na íntegra,
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Abril, de 1549.
"A graça e o amor de Nosso Senhor Jesus Cristo sejam sempre
convosco! Amém.
De partida para o Japão, venho rogar-vos, pelo zelo que vos anima
para o serviço de Deus, e pela vossa adesão ao nosso Padre Inácio
e à Companhia de Jesus, meu querido Paulo, que, conserveis, nas
vossas relações com Antônio Gomes, a mais profunda humildade e uma
grande circunspecção, de modo que possais viver com ele em doce paz,
e que mereçais a sua amizade conservando a sua estima. Procedereis de
igual modo com os nossos Padres dispersos pelas Índias.
Conquanto eu os conheça muito intimamente para me achar persuadido de
que eles não carecem absolutamente de um superior para os dirigir no
seu ministério, devo designar-lhes um a quem tenham de obedecer, a
fim de que não percam o mérito e o hábito da obediência; demais, a
nossa regra também o quer assim.
É, pois, para me conformar com ela que vos nomeio superior de todos
os nossos Padres e de todos os nossos noviços residentes em Goa ou
nas Índias. Invisto-vos de toda a autoridade sobre eles com as
modificações que vos indicarei, confiado nos vossos conhecimentos,
vossa prudência e vossa modéstia. Exercereis estes poderes até que
uma autoridade superior e legítima vo-los retire, na forma prescrita
pelos nossos estatutos.
Eis aqui agora as restrições que eu julgo dever pôr nos vossos
poderes. Escutai-as:
Entendo que Antônio Gomes exerça uma autoridade plena e absoluta
sobre todos os noviços portugueses ou indígenas que não fazem parte
do seminário. Confiro-lhe a livre administração das rendas e
dinheiros do colégio, tanto nas cobranças a fazer como nas despesas
que ele julgar necessárias e convenientes.
Não tendes pois, nenhuma inspeção na sua administração, não
tendes a pedir-lhe contas dela. Deixareis igualmente à sua
discrição a admissão ou rejeição dos alunos portugueses ou
índios, não interponhais nunca a vossa autoridade em nenhuma das suas
decisões.
Se acontecer que vejais as coisas debaixo dum ponto de vista diferente
do seu, comunicai-lhe a vossa opinião, aconselhai-o e acompanhai
até esses conselhos de rogos e de instâncias; mas não useis nunca de
autoridade, nem lha façais sentir em nenhuma das vossas palavras. É
a ele somente que dou o direito de punir as crianças das duas classes.
É ele unicamente que fica encarregado da disciplina interna, da
distribuição de cargos, da admissão ou da despedida dos
domésticos.
Entendo que ele deve gozar, no exercício das suas funções, de toda
a liberdade, de toda a segurança, sem ter a recear interpelações ou
oposições da parte de quem quer que seja.
Em nome da obediência que tendes votado com toda a liberdade ao nosso
Padre Inácio, cujo órgão sou eu, vos suplico, e isto é da maior
importância, evitai cuidadosamente toda a altercação, toda a
discussão, mesmo toda a aparência de dissabor ou indiferença para
com Antônio Gomes! Dai, ao contrário testemunhos recíprocos, e
não equívocos, da mais sincera cordialidade, dá mais estreita
união, trabalhando, cada um de seu lado, e segundo os meios que
tendes, para a glória de Deus e para o bem comum da Companhia, de
maneira a não dar pretexto a nenhum murmúrio exterior ou interior.
Logo que os nossos Irmãos, que se acham em missões nas cidades e
aldeias do cabo Comorim, - o Padre Nicolau em Coulão, o irmão
Cipriano em Meliapor, Melchior Gonçalves em Baçaim; Francisco
Peres em Meliapor, ou aqueles que estão nas Molucas, João da
Beira e seus companheiros-, logo que eles vos escrevam para
solicitardes do magistrado ou do arcebispo quaisquer graças temporais,
que, em certas ocasiões, lhes podem ser de grande necessidade,
deixai tudo para vos ocupar exclusivamente do objecto do seu pedido,
entendendo-vos com Antônio Gomes, a fim de que ele, do seu lado,
empregue generosa e prontamente todos os meios ao seu alcance.
Quando escreverdes àqueles queridos obreiros evangélicos, que
suportam os rigores do sol e do calor, que andam cobertos de suor e de
pó, evitai sempre deixar correr da pena a mais ligeira gota de fel, a
mínima censura! Animai-os, ao contrário, por todos os meios que
achardes mais suaves e mais consoladores na caridade do vosso
coração.
Evitai escrupulosamente tudo quanto possa dar-lhes o mais ligeiro
pretexto de queixa ou de sentimento, tudo quanto possa ofendê-los ou
desconsolar. Provede prontamente e com a generosidade possível à sua
sustentação, ao seu vestuário, a tudo quanto a saúde exigir.
Avaliai as imensas e contínuas, fadigas que eles suportam tão
corajosamente, dia e noite, no serviço de Deus, sem a menor
consolação humana! Isto respeita sobretudo àqueles que estão nas
Molucas e no Cabo Comorim, porque eles têm uma pesada cruz a
suportar! Ah! guardai-vos em nome de Deus, de agravar a sua
situação e de os fazer gemer sob aquele peso.
É um dever de justiça tão importante para vós que guardais as
bagagens, socorrer os nossos Irmãos que estão constantemente em
armas, que eu vos conjuro, em nome de Deus Nosso Senhor, em nome
do Padre Inácio, que nada desprezeis por eles!
Quanto a vós, meu querido irmão, recomendo-vos que continueis a
trilhar a senda da virtude, como o tendes feito até aqui; que
espalheis em torno de vós a luz do exemplo, e que não deixeis escapar
nenhuma ocasião de me escrever. Conto receber numerosas cartas vossas
dando-me notícias pormenorizadas do que vos diz respeito
pessoalmente, sobre a Companhia em geral, sobre a boa inteligência
que reinar entre vós e Antônio Gomes, sobre cada um dos nossos
Irmãos que trabalham no cabo Comorim, sobre o Irmão Cipriano que
está em Meliapor, sobre os nossos Irmãos que chegarão neste ano da
Europa. Enviar-me-eis o número daqueles cujo talento distinto faz
destiná-los para pregadores, o dos Padres e o daqueles que não
tiverem ainda Ordens. Não me deixareis ignorar nada do que diz
respeito às suas famílias, seu número, seus nomes, suas idades,
suas qualidades, suas forças físicas, e suas virtudes.
Para esta correspondência duas vias, ao menos, vos serão abertas:
duas vezes por ano um navio da marinha real se aparelha em Goa, o
primeiro para chegar em Setembro a Bandá, o segundo parte em Abril
para as Molucas; mas ambos eles tocam em Malaca, onde o nosso
Irmão Peres receberá as cartas a mim dirigidas, e será encarregado
de mas enviar para o Japão.
Vós me fareis um grande obséquio se todas as semanas relerdes esta
resenha das minhas intenções que, à última hora da partida, vos
deixo para recordação da minha pessoa, ainda mais do que dos meus
desejos. Conto por elas chamar-vos, a vós e a todos os nossos
dedicados cristãos a atrair para mim, pelas vossas orações, todas
as bênçãos de Deus.
Recomendo a Antônio Gomes, que se chegarem de Portugal bons
pregadores, envie alguns para as missões circunvizinhas, por exemplo
a Cochim, onde ardentemente se deseja um membro da nossa Companhia;
para a costa de Cambaia e Diu. Faço-vos também a mesma
recomendação, meu Paulo; tratai isto de combinação com Antônio
Gomes.
Se os multiplicados afazeres e cuidados, que vireis a ter com a vossa
administração, não vos deixarem tempo suficiente para satisfazer a
todos os meus desejos, ordenai a um dos nossos coadjutores
portugueses, que colha tudo quanto se diz de um lado e de outro sobre
as nossas missões, especialmente sobre a de Ormuz, onde está o
Padre Gaspar; tomai também conhecimento de todas as notícias
importantes que se espalham em Goa.
Na partida de cada navio para Malaca, fareis de tudo um maço, a mim
dirigido, ao qual acrescentareis o que tiverdes de particular a
comunicar-me sobre os diferentes estabelecimentos dependentes do
colégio de Goa, e sobre as suas localidades, circunstâncias estas
que não podeis conhecer ainda.
Não vos tendo a experiência ensinado ainda coisa alguma com respeito
aos costumes da costa do Comorim, de Meliapor, de Coulão, das
Molucas, de Malaca e de Ormuz, não deveis desviar nenhum dos
obreiros evangélicos dos postos que eles aí ocupam; porque, sem o
quererdes, poderíeis por uma ordem inoportuna, destruir uma árvore
próxima a produzir excelentes frutos. Poderíeis fazer abortar os
mais bem concebidos projetos e cujo bom êxito, objecto de longos e
penosos trabalhos, estaria a ponto de se apresentar, e faríeis, com
as melhores intenções, um dano considerável à religião e à
salvação das almas.
Eu vou escrever ao Padre Antônio Criminale para se não arredar do
posto que lhe está designado, não obstante qualquer determinação
que tenha, e a não consentir, que a pedido de quem quer que seja, se
desvie algum dos obreiros que, sob as suas ordens, trabalham no
Comorim, ao menos até que as circunstâncias o levem a permitir a
deslocação sem inconveniente.
Escrevo também, recomendando outro tanto a cada um dós que dirigem
ou ocupam diferentes postos, a fim de que não deixem destruir a sua
obra pelo desvio de obreiros necessários ali, e que transferidos ou
retirados inconsideradamente, fariam inutilizai as esperanças mais bem
fundadas para o engrandecimento do império de Jesus Cristo.
Não interponhais, pois, a vossa autoridade em nenhuma dessas
mudanças, e nada ordeneis senão depois dum aturado exame.
Proíbo-vos de fazer vir a Goa, contra sua vontade, algum dos
nossos irmãos doentes ou indispostos; certificai-vos de antemão da
sua anuência; igualmente quero que aqueles que por motivos graves
venham para junto de vós sem permissão ou ordem, sejam bem acolhidos
e tratados com a mais terna caridade, provendo-se às suas
necessidades. Se, inquietados por um espírito mau, eles vierem por
sua vontade ou por conselho de seus irmãos, buscar um remédio a seus
males espirituais na penitência ou num recolhimento dalguns dias,
proporcionai-lhes todos os socorros com uma solicitude paternal, a fim
de não pôr a sua alma em perigo.
Termino rogando-vos instantemente a mais rigorosa exactidão em tudo
quanto acabo de vos prescrever, oh! meu querido Paulo!
Sou inteiramente vosso.
Francisco.
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Compreende-se a que grau devia levar a virtude da obediência, aquele
que possuía um tal sentimento de autoridade e de ordem em todas as
coisas, e quão suave e paternal devia ser a autoridade que ele exercia
sobre os seus Irmãos. É o mais admirável conjunto de firmeza e de
doçura que jamais homem algum possuiu.
Além disto, quem foi nunca mais amado e mais ternamente venerado do
que Francisco Xavier?
Chegara o momento da partida.
A 14 de Abril de 1549, o heróico apóstolo embarcou a bordo
duma fusta que o conduzia a Cochim onde devia encontrar um navio de
partida para Malaca, e ali um outro para ir ao Japão.
O Padre Cosme de Torres, o Irmão João Fernandes [64],
Paulo de Santa-Fé e seus dois domésticos, embarcaram com ele.
Levava também, mas para os deixar, um em Malaca e outro nas
Molucas, os Padres Manuel Morais e Afonso de Castro.
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