MALACA - ILHAS MOLUCAS - VOLTA A MALACA

Setembro 1545 - Janeiro 1548


I. EM MALACA - CURA OS DOENTES - MORTA QUE RESSUSCITA

O nosso infatigável Santo desembarcou em Malaca, a 25 de Setembro, depois da mais feliz viagem, e com a consolação de haver operado muitas conversões no mar, entre os marinheiros e passageiros...

Apresentou-se, sem demora, em casa do governador da cidade, a fim de obter dele os meios de seguir para Macassar; mas o governador, fazendo-lhe saber que um outro santo Padre estava já em missão naquela ilha, e que nenhum capitão sairia com aquele destino senão dali a alguns meses, Xavier conheceu que a vontade de Deus era que ele trabalhasse em Malaca, e no mesmo dia começou as suas pregações.

Estabeleceu-se no hospital, entre os pobres e os doentes, que para ele eram sempre os membros sofredores de Jesus Cristo; e neste pensamento chegou a amá-los com tão grande afeição que, se pudesse, não os deixaria nunca mais.

Na mesma tarde percorreu as principais ruas da cidade, agitando, de vez em quando, uma pequena campainha e repetindo em alta voz:

" Orai pelas pobres almas que estão em pecado mortal!"

A voz do apóstolo era suave, melodiosa, penetrante como uma voz do Céu, e os pecadores que o ouviam nas horas de prazer e de loucas dissipações, sentiam-na vibrar como um remorso no fundo da sua alma, não obstante a agitação exterior a que se entregavam.

A reputação de Xavier havia-o precedido desde muito em Malaca; havia também muito tempo que desejavam e esperavam ver ali, um dia, aquele a quem chamavam o santo Padre, e que todas as Índias portuguesas olhavam como o seu bem e sua propriedade. Por isso, desde a manhã do dia imediato ao da sua chegada, via-se o povo dirigir-se em massa para o hospital; todos desejavam ver o santo Padre dos portugueses e dos indianos, cujos inumeráveis prodígios tinham produzido tão grande eco por todos os países tributários de Portugal; todas as mães queriam apresentar-lhe seus filhos.

O amável Santo não se recusou a este empenho. Malaca era uma cidade perdida de vícios; ele desejava reformar os seus costumes, e para isto carecia de conquistar desde logo os corações.

Sabendo que o largo do hospital estava repleto de povo, que pedia em grandes alaridos para ver o santo Padre, Francisco Xavier apresentou-se àquela multidão e dirigiu-lhe algumas palavras tão amáveis que produziram lágrimas. Depois aproximou-se das crianças que todas lhe estendiam os braços; abençoou-as e chamou a cada uma pelo seu nome de batismo, como se já as conhecesse.

As mães choram de enternecimento e de felicidade; as crianças mostram compreender e apreciar a graça concedida à sua inocência; agitam-se nos braços de suas mães, sorrindo para o apóstolo, que as abençoava, enquanto os de maior idade procuram aproximar-se dele para beijarem a orla inferior da sua pobre batina, e alguns mais felizes conseguem beijar as suas mãos. Ele ia a. entrar no hospital quando um grande grito partiu daquela vasta praça:

-"Santo Padre! santo Padre! não vos retireis sem nos abençoar a todos!"

E toda aquela multidão se pôs de joelhos, e levantando as mãos para o santo Padre, suplicaram que abençoasse os pais assim como abençoara os filhos. Xavier lanceou-lhes a sua bênção, convidando-os a que viessem ouvir as suas pregações e instrução.

Desde a manhã seguinte o concurso foi prodigioso; a catedral não tinha capacidade para conter a multidão que se apresentava a ouvir o apóstolo venerado; mas aqueles cuja presença ele mais desejava, porque eram os mais culpados, não se viam ali!...

Contudo, a perseverança com que ele percorria, todas as tardes, as ruas da cidade agitando a sua campainha e repetindo: "Rogai a Deus pelas pobres almas que estão em pecado. mortal", foi coroada dos mais felizes resultados.

Em cada uma daquelas tardes muitos pecadores caíam em si ao ouvirem aquela voz que parecia vir do Céu para os tirar do abismo em que se achavam submergidos, escutavam o grito da sua consciência; viam o seu desgraçado estado, e apoderando-se das suas almas o arrependimento, fazia-os ir aos pés daquele cujo zelo e caridade assim os chamava.

Alguns resistiram, contudo, àquela voz do remorso, e Xavier, moderando o seu zelo, a fim de mais seguramente os chamar, procurou atraí-los a si pelo encanto do seu espírito e pela graça das suas maneiras.

João de Eiro assegurava que nunca vira o santo Padre tão amável como em Malaca; nunca descobrira tanto atrativo na sua angélica doçura. Conseguiu subjugar assim todos os espíritos. Um daqueles que mais tempo lhe resistira, dizia:

- "O Padre Xavier é o senhor da cidade; ele possui todos os corações".

Aqueles corações que o nosso Santo possuía tão completamente, deu-os ele todos a Deus; a regeneração foi completa em toda aquela cidade, pouco antes tão pervertida, a frequência dos sacramentos foi restabelecida, e concorriam ao tribunal da penitência com tanto empenho, que o apóstolo não era bastante para acudir àquele excesso de trabalho, conquanto parecesse multiplicar-se, porque ninguém se queria confessar senão a ele.

Além disto, em parte alguma operara Xavier tantas milagres como em Malaca; parecia que o poder divino se tornara seu, pois que tanto se comprazia Deus em conceder tudo às suas orações.

Um dia, Francisco Xavier toma a mão dum pobre doente, prodigalizando-lhe as consolações que o seu coração sabia achar para todas as dores... e eis que o doente se vê curado no mesmo instante! Isto foi bastante; a notícia propagou-se imediatamente, dizendo-se que bastava só tocar-se nas mãos benditas do santo Padre para ficarem curadas as doenças mais rebeldes.

Desde então, todos que sofriam procuravam chegar-se ao Padre Xavier e tocar ao menos na ponta da sua batina os doentes que conseguiam esta felicidade voltavam curados. Bem depressa ele se viu cercado em todas as ruas por onde passava; levavam os doentes para junto dele, pediam-lhe que parasse, que os tocasse, que os abençoasse, e o coração do apóstolo, não podendo resistir àqueles lamentos de dor e de esperança, tocava os doentes invocando o doce nome de Jesus, e os doentes eram curados. Suplicavam-lhe que entrasse nas casas dos doentes impossibilitados de sair; ele entrava neles, ordenava aos enfermos que se levantassem em nome de Jesus, e os enfermos levantavam-se àquele nome.

Antônio Fernandes, jovem de quinze anos, achava-se perigosamente doente, e sua mãe, desconsolada pelos maus resultados da ciência, vai consultar uma célebre feiticeira, apesar de ser cristã; havia sido pagã e sucumbia à tentação que a perseguia de recorrer ao seu antigo oráculo.

A feiticeira Naí leva ao jovem doente um cordão com o qual liga o seu braço e retira-se. Pouco depois, o jovem perdia a fala e lutava em horrorosas convulsões; os médicos, que foram chamados, declaram que ele não resistirá àquela crise. Uma amiga de Joana Fernandes diz-lhe então

- Se chamásseis o santo Padre, ele curaria o vosso filho, tenho a certeza disso.

- Que lhe supliquem, pois, que venha! exclamou a infeliz mãe em soluços.

E o santo Padre correu imediatamente; mas o doente fez ouvir gritos de raiva à sua aproximação, e as suas convulsões redobraram. Xavier, oprimido pelo pensamento de que Deus permitira que o demônio se apossasse do jovem em que se haviam empregado meios culpáveis, pôs-se de joelhos, fez em alta voz a leitura da Paixão de Nosso Senhor, lançou água benta sobre o doente, e as convulsões e os gritos cessaram.

- Dai de comer a vosso filho, disse ele à mãe; amanhã direi missa por ele e logo que esteja em estado de andar o levareis à missa por nove dias consecutivos, à igreja de Nossa Senhora do Monte.

Depois desta recomendação, o Santo desapareceu, e na manhã seguinte, enquanto oferecia o santo sacrifício, Antônio levantava-se cheio de saúde.

Esta cura produziu alvoroço em Malaca pelas circunstâncias que a haviam precedido, e ocupavam-se ainda dela, quando se soube que uma mãe, no desespero de ver morrer a sua única filha, corria por todos os lados à procura do santo Padre, que se dizia ausente. Ele estava efetivamente ausente e a criança morreu deixando a mãe louca de dor, e perguntando todos os dias pela volta do santo Padre. Finalmente soube da sua chegada; corre ao hospital, põe-se de joelhos aos pés de Xavier e diz-lhe, como outrora a irmã de Lázaro a Nosso Senhor:

- Meu Padre! se vós tivésseis estado aqui, minha filha, minha única filha, não morreria! Eu vos suplico, meu santo Padre, restituí-ma! Se vós quiserdes invocar tão somente o nome de Jesus, ela ressuscitará! Eu vos suplico, meu Padre, fazei-o!

A alma do nosso Santo regozija-se pela sinceridade daquela fé; o seu coração comove-se por uma tão grande dor; eleva os olhos para o céu, invoca o santo nome de Jesus, e diz àquela desconsolada mãe:

- Ide, feliz mãe, vossa filha está viva.

- Mas, meu Padre, há já três dias que ela está sepultada!

- Não importa; ide, fazei abrir a sepultura e aí a achareis viva.

A mãe corre à igreja, faz levantar a pedra que cobre o corpo de sua querida filha e encontra-a cheia de vida e de saúde. As testemunhas deste facto eram numerosas; todos o atestaram sob juramento.

Tão grandes milagres converteram um grande número de judeus e maometanos; ninguém resistia à vista daqueles prodígios constantemente renovados.

Xavier recebeu em Malaca, por um navio vindo de Goa, cartas de Roma e de Portugal. Elas anunciavam um reforço de obreiros evangélicos: os Padres Antônio Criminale, e Nicolau Lancilotti, italianos, e João da Beira, português, haviam chegado a Goa com o novo vice-rei Dom João de Castro.

O nosso Santo, depois de ter agradecido a Deus pela consolação que lhe traziam as notícias dos seus irmãos de Roma e a chegada dos três membros da sua querida Companhia, escreveu ao colégio de Goa para dar pronto destino aos novos missionários. Mandou que os Padres Criminale e da Beira fossem para a Costa da Pescaria com o Padre Mancias, e que o Padre Lancilotti ficasse no colégio como professor.

Até então, Francisco Xavier evangelizava Malaca, havia três meses, com o mais feliz resultado, e dispunha-se a levar a fé às Molucas, quando um dia, durante a sua oração, Deus lhe fez conhecer que a cidade que ele acabava de reformar à custa de tantos trabalhos e na qual havia operado tantos milagres, não tardaria a abismar-se em novas desordens, e que em punição dos seus crimes seria assolada por uma guerra de muitos anos e dizimada por uma peste horrorosa.

Penetrado de doloroso sentimento, transmitiu o santo Padre as ameaças divinas à população, que pressurosa o cercava - no momento da sua partida.

Exortou-os, vertendo lágrimas, a que vivessem sempre como bons cristãos, a fim de evitar a punição que a justiça de Deus reservava à sua recaída no pecado...

Mas no ano imediato, na ausência de Xavier, cada um se deixou arrastar pelo amor dos prazeres, as práticas santas foram insensivelmente abandonadas, resvalou-se por aquele rápido precipício, e viram-se submergidos num abismo de vícios sobre os quais caíram todos os castigos que o grande apóstolo havia predito.