VOLTA PARA A PENÍNSULA DE AQUÉM DO GÂNGES

Janeiro 1548 - Maio 1549


I. EMBARCA PARA COCHIM - VIAGEM TORMENTOSA - CARTA AO REI DE PORTUGAL

FRANCISCO XAVIER devia experimentar, na sua vida apostólica, todo o gênero de sofrimentos, de privações e de perigos. Deus queria satisfazer plenamente o ardente desejo que lhe havia criado no coração, de sofrer muito, de sofrer sempre, por seu amor e pela sua glória. Ele mesmo vai contar-nos, num fragmento duma das suas cartas dirigida aos seus irmãos de Roma, a sua perigosa viagem de Malaca à costa do Malabar.

Cochim, 20 de janeiro de 1548.

"...A minha volta de Malaca às Índias foi acompanhada dos maiores perigos. Durante três dias e três noites esteve o nosso navio envolvido na mais violenta e perigosa tempestade. Não me recordo de ter jamais visto outra tão horrorosa.

A maior parte dos passageiros, aterrados de medo perante a morte que se apresentava a cada instante sob as mais horríveis formas, juravam que se não exporiam nunca mais aos caprichos do pérfido elemento, se escapassem àquele perigo.

Os mercadores viram-se obrigados a deitarem ao mar todas as suas riquezas.

No meio de toda esta desesperadora vozearia.eu estava em oração, implorando a Deus a intercessão da Igreja militante, de todos os religiosos e familiares da nossa Companhia e de todos os cristãos; invocava o amor de Jesus Cristo pela Igreja; implorava os merecimentos de todos os bem-aventurados, e nomeadamente do Padre Pedro Fabro [51] e dos outros santos da nossa Companhia, para aplacar a cólera do Pai Celeste.

Depois, para encarecer, por assim dizer, o perdão dos meus inumeráveis pecados, dirigia-me à Santíssima Mãe de Deus, que obtém do seu divino Filho tudo quanto ela pede e depositando toda a minha esperança nos merecimentos infinitos de Jesus Cristo, nosso Redentor, nosso Salvador, gozava, assim sustentado durante aquela horrorosa tormenta, duma paz como não gozo hoje que o perigo passou.

Vejo-me verdadeiramente confundido, quando penso que eu, o mais vil dos homens, tenho sido cumulado de delicias tais, que derramava lágrimas de felicidade, enquanto o perigo que corríamos fazia com que uns gritassem de dor, e outros soltassem rugidos de desespero.

Pedia a Nosso Senhor que me não livrasse daquele perigo, se ele me não reservava para outros semelhantes ou ainda piores, se possível fosse, na vida a que me entregara para a glória do seu santo nome!

Deus me fez conhecer que devo às orações e aos santos sacrifícios dos nossos Padres que lutam neste mundo, ou triunfam já no Céu, o ter-me livrado de muitos pesares que cercavam o meu espírito e de outros tantos perigos que ameaçavam o meu corpo. Digo-vos isto para render a Deus e a vós, meus amados irmãos, o tributo de ação de graças que vos devo e para vos suplicar que unais as vossas às minhas, porque nunca dissimulo a minha insuficiência!

Quando o meu pensamento se dirige para vós, para a minha Companhia, que é a minha mãe, não me desanimo, prossigo no meu caminho! Mas a partida dos navios me obriga a ser lacônico e me força a concluir a minha carta. Quero, pois, terminá-la por este protesto:

"Se algum dia eu te olvidar, oh! Companhia de Jesus, oh! minha mãe! que eu me esqueça da minha mão direita e que perca o uso da razão!"

O perigo que produziu no nosso grande apóstolo tão sensíveis consolações, manifestara-se no estreito de Ceylão; o capitão nunca se vira tão desesperado.

Xavier, como fazia sempre nas proximidades de qualquer tempestade, ouviu as confissões e preparou a equipagem para a morte; depois, retirara-se para uma câmara, tendo só Deus por testemunha, para ali gozar de todas as consolações celestes, quando Francisco Pereira, vendo aumentar o perigo, veio procurá-lo para recolher ainda uma das suas santas palavras e receber a sua última bênção.

Ele vê o Santo Padre de joelhos, com a vista fixa no seu crucifixo, e tão longe deste mundo, que parece nada ver, nada ouvir e nem temer que o navio fosse levado naquele momento para cima de um banco de areia, onde a sua perda era inevitável, assim como a da equipagem. Pereira não se atreve a dirigir-lhe a palavra e retira-se respeitosamente.

Um instante depois, Xavier, saindo da sua contemplação veio pedir ao piloto a corda e o chumbo da sondagem: fez descer o chumbo até ao fundo, dizendo:

"Grande Deus! Pai, Filho e Espírito Santo, tende piedade de nós!"

No mesmo momento o navio detém-se, o mar acalma-se, toma-se ao largo, e ganha-se a salvamento o porto de Cochim.

Pouco depois da sua chegada àquela cidade, recebe o grande Xavier a visita de muitos capitães que, prestes a fazerem-se à vela para Lisboa, vinham pôr à sua disposição os seus navios; ele aproveita o oferecimento para escrever para a Europa.

S. FRANCISCO XAVIER AO REI DE PORTUGAL

"Cochim, 20 de Janeiro de 1548.

Senhor

As cartas dirigidas à nossa Companhia na Europa, e pelas quais dou conta do estado da religião nas terras de Malaca e nas Molucas, vos terão sido comunicadas, sem dúvida, e terão satisfeito os vossos desejos de conhecer estes pormenores. O mesmo navio levava a minha resposta às cartas com que vos dignastes honrar-nos, vós, Senhor, que pela afeição e benefícios que nos prodigalizais, tendes adquirido o título de principal protetor da nossa Companhia sobre a terra.

Deixo àqueles, cujo zelo pela religião, os leva daqui aos pés do vosso trono, o encargo de satisfazer Vossa Alteza sobre o que diz respeito a cristandade nas Índias, em geral.

Além das informações que eles vos darão, receberá Vossa Alteza, a respeito da ilha de Ceylão, uma memória de Pedro João da Vila do Conde, fiel ministro do Evangelho, que conhece perfeitamente aquela ilha. Ele redigiu aquela memória com a clareza, exactidão e desenvolvimento necessários para o descargo da sua consciência e da vossa, por que é tão importante para ele expôr-vos a verdade, como é importante para vós conhecê-la. A memória vai acompanhada duma carta dirigida a Vossa Alteza e de vários documentos de que eu tenho roteiro conhecimento.

Vossa Alteza procederá segundo a habitual prudência, se, nas ordens que expedir, e na distribuição dos empregos que vai fazer, puder aproveitar-se daqueles documentos que são verdadeiros e fiéis. Julgo que os nossos irmãos terão informado com exactidão e pormenorizadamente a Vossa Alteza acerca da situação das Igrejas de Comorim, de Goa e de outras partes espalhadas pelas Índias, e que cada dia se multiplicam.

Quanto a mim pessoalmente, depois de haver pensado e examinado maduramente sobre o estado destes negócios, pergunto a mim mesmo se deverei expor a Vossa Alteza o que me parece indispensável para a propagação da fé.

O meu ardor pela glória e serviço de Deus fazia-me todos os dias pegar na pena, e o desânimo fazia-ma cair das mãos todas as vezes. "Ah! dizia eu a mim próprio para quê? Jamais, sim, jamais os meus projetos serão acolhidos! ..."

Senhor, a este triste pensamento se revoltava imediatamente a minha consciência; ela me arguia se era sem fundamento que o Céu me inspirava aquele intento e me levava para ele todos os dias? Convencia-me então que era em resultado da sua vontade. "Mas, dizia eu ainda a mim mesmo, se deposito aos pés de Sua Alteza a causa das minhas dores, a minha carta não será um ato de acusação contra o meu príncipe na hora da sua morte? e não irá ela agravar mais o rigor daquele último julgamento, tirando-lhe o pretexto da ignorância?"

Ah! Senhor, crêde-me, eu vos suplico! a minha perplexidade tem sido bem grande! porque a minha consciência me diz que se desejo morrer aqui sob o rigor do clima e do calor, é unicamente com o fim de aliviar a Vossa Alteza, tanto quanto me é possível, do opressivo fardo que sobre vós pesa e de vos minorar algum tanto as desgraças terríveis do julgamento final.

A afeição que consagrais à nossa Companhia é, a meus olhos, dum tão grande valor, que não julgo comprar muito cara a vossa felicidade futura, sofrendo toda a espécie de tribulações e de contrariedades. Entre o meu dever e o perigo que correis, Senhor, são horríveis os tormentos que tem dilacerado a minha alma até ao momento em que tomei o partido de cumprir o dever que me impõe a minha consciência, expondo-vos com sinceridade os sentimentos por longo tempo reprimidos.

Eis aqui, Senhor, o que me faz abrir o coração e enxugar a dor:

Todos os vossos oficiais, todos aqueles que estão à testa dos negócios, se acham expostos a torpes invejas, mui ordinariamente dissimuladas por exterioridades de bondade, e sempre culpáveis, sempre perniciosas, elas os trazem em contínua oposição; eis a razão por que muitas coisas essenciais ao serviço de Deus são desprezadas.

Um diz: O meu direito é fazer isto, eu não deixarei a glória a um tal; um segundo: Isto que eu não feto, não consentirei que outros o façam; e um terceiro se queixa de que os outros nada fazem enquanto ele se acha sobrecarregado de trabalhos.

Em meio destas altercações, fomentam-se as paixões; cada um escreve segundo o seu interesse, não tendo por mira mais do que o seu engrandecimento; o egoísmo domina; o tempo foge e ninguém se ocupa dos interesses da religião.

As mesmas causas produzem os mesmos efeitos no serviço de Vossa Alteza: tudo quanto deveria concorrer para a vossa glória e para os vossos interesses é um acessório de somenos importância.

Para este mal eu não vejo mais que um remédio. Se se aplicasse este, o Evangelho faria bem depressa imensos progressos; os cristãos indígenas, hoje desprezados, seriam protegidos; nenhum índio nenhum português se atreveria a persegui-los nem a despojá-los dos seus bens.

Seria necessário que Vossa Alteza fizesse saber por cartas de ordem, ao vice-rei, aos governadores que servem nas Índias, e de viva voz àquelas que enviais para os comandos aqui, que a vossa expressa vontade é que se procure por todos os meios possíveis a consolidação e a propagação do Evangelho; que fareis responsáveis e tomareis severas contas desta parte essencial dos seus deveres, e que serão punidos ou remunerados aqueles que bem ou mal os cumprirem. Seria para desejar que as cartas de ordens viessem explicitas e claras para evitarem comentários e más interpretações; que sempre que se fizesse nelas menção de nós nominalmente, Vossa Alteza declarasse que não é em nenhum de nós em particular, nem em todos nós em geral que descansais a vossa consciência, mas sim naqueles que investis de autoridade em qualquer lugar que seja, e que todos os magistrados ficam na rigorosa obrigação de fazer instruir nos elementos da religião todos os infiéis submetidos ao seu domínio.

Seria necessário que o vice-rei e cada governador em particular, quando dessem contas da sua administração, vos expusessem com minuciosidade a situação da religião, cada um nos limites da sua jurisdição.

Vós deveríeis-lhes declarar que não daríeis fé senão e unicamente às suas informações. Comprometeríeis a vossa palavra real, nos alvarás que lhes são entregues para entrar em função, a punir severamente aqueles que não apresentassem senão um pequeno número de neófitos durante o seu governo, pois que o seu número pode crescer por toda a parte, e em cada dia, se os funcionários tomarem este negócio entre mãos.

Eu quereria que estas determinações consignassem o juramento solene de se punir na sua pessoa e nos seus bens, no seu regresso a Portugal, todo o funcionário que tivesse posto obstáculos à propagação do Evangelho; a sua fortuna deveria ser confiscada em benefício da confraria da Misericórdia, e a sua pessoa deveria sofrer alguns anos de prisão. Para evitar todo o pretexto de erro e não deixar a nenhum a idéia de poder subtrair-se à severidade da lei, delararíeis em termos positivos, que não seria admitida escusa alguma de qualquer natureza que ela fosse.

Eu poderia tornar palpável a Vossa Alteza a necessidade desta medida pelos factos que se dão de contínuo, mas isto seria fatigar-vos e apresentar, sem motivo, a história das minhas dores mais cruciantes. Dir-vos-ei, tão somente, que se o vice-rei eu os magistrados convencidos da vontade de Vossa Alteza, em um ano, sim, Senhor, em um ano a ilha de Ceylão toda inteira, todos os reis da Costa do Malabar, todo o vasto promontório de Comorim se lançariam nós braços da santa Igreja.

Mas tenho tão pouca esperança de ver jamais em vigor uma tal medida, que me arrependo, quase, de a haver proposto a Vossa Alteza, tanto mais porque tremo pelo receio de que esta carta e as advertências que ela contém tornem um dia mais inexorável o tribunal do Deus vivo! Senhor, eu ignoro se podereis alegar então que não quisestes dar fé às minhas cartas; o que eu sei, o que protesto, é que eu teria guardado silêncio se tivesse podido fazer isto sem cume.

Não tenho determinado definitivamente a minha viagem para o Japão, mas um dos motivos que me fazem decidir por esta partida é porque me desespero de obter jamais dos vossos funcionários o apoio necessário para a propagação e conservação da fé.

Conjuro-vós, Senhor, pelo amor que tendes a Deus Nosso Senhor, pelo zelo que vos anima para a sua glória, que venhais em auxílio dos vossos fiéis vassalos que habitam nas Índias, e ao meu especialmente, enviando-nos muitos pregadores da nossa Companhia! Posso atestar a Vossa Alteza que todas as vossas cidades e as vossas fortalezas das Índias têm uma extrema necessidade deste socorro.

Durante a minha permanência em Maloca e nas Molucas, eu pregava duas vezes todos domingos e dias de guarda, e muito me constrangia vendo quanto disso carecia o povo e a guarnição. Fazia a pregação à missa para os portugueses; depois do meio dia instruía seus filhos, seus escravos e os cristãos indígenas; explicava-lhes o catecismo, capítulo por capítulo.

Uma vez na semana reunia todas as mulheres e explicava-lhes os artigos do Credo ou os sacramentos da Penitência e da Eucaristia. A obra de Deus lançaria profundas raízes nestas terras se se observasse por toda a parte e sempre este método.

Nas cidades de guarnição, ensinava todos os dias catecismo aos filhos dos portugueses, aos domésticos, aos escravos e aos cristãos indígenas. O efeito destas instruções tem sido fazer desaparecer as superstições pagãs, às quais se entregavam os neófitos ignorantes.

Desço a estas minudências para com Vossa Alteza, afim de que possais julgar, pelo vosso discernimento, da necessidade de nos mandar pregadores, e eu vos suplico que os mandeis em grande número. Sem isto os cristãos, forçadamente abandonados a si mesmos, voltariam aos seus ídolos, e a maior parte dos portugueses esqueceriam as práticas do Cristianismo, e não seriam, para o futuro, mais que cristãos de nome.

Na minha volta de Maloca, cheguei a Cochim a 13 de Janeiro [52] deste ano, e ali encontrei o senhor arcebispo. Gozei de grandes consolações nas minhas conversações com ele; admirava a paciência com que suporta as maiores fadigas, visitando todas as cidades de guerra e todos os cristãos das circunvizinhanças de Meliapor, e cumprindo todos os deveres dum verdadeiro e bom pastor.

Por tantos e tão penosos trabalhos, ele não terá nesta vida outra recompensa mais que a que o mundo concede de ordinário aos Santos; ao menos é a única que lhe agouram certas pessoas desta terra. A sua paciência, passada por cruéis provas, que eu conheço, faz, no meu entender, da sua grandeza de alma, um objecto de admiração e de respeito.

Sei que algumas pessoas têm procurado denegrir a sua reputação com respeito à morte de D. Miguel Vás [53], e não duvido que tenham feito chegar a sua calúnia até junto do trono. Sobre isto, a minha consciência deve ao senhor arcebispo um testemunho verdadeiro e sincero. Posso afirmar, - com quanto não possa dizer nem escrever o que sei e donde o soube - posso afirmar, que ele é tão estranho àquele facto como eu que me achava nas Molucas quando se passou.

Ah! Senhor, eu vos conjuro pelo vosso amor a 'Deus, pelo temor que tendes de macular a vossa consciência, que nada decidais sobre este assunto que possa fazer doei o menos possível este venerável prelado: Se Vossa Alteza mostrasse dar fé a esta acusação, seria para aumentar a coragem de todos os caluniadores da Índia.

A generosidade de D. Pedro Gonçalves, vigário geral de Cochim, com respeito à nossa Companhia, é tal, que eu considero como um benefício feito a mim próprio a sua promoção ao cargo de reitor da vossa real capela, e a admissão de seu sobrinho no número dos vossas pagens.

Nossos irmãos, e eu especialmente, vos dirigimos sinceros agradecimentos. Vós compreendereis o nosso reconhecimento, quando souberdes que a casa do vigário geral é o hospício da Companhia de Jesus; que ele nos prodigaliza testemunhos de uma amizade pouco comum, que a sua hospitalidade excede os limites da caridade vulgar, a ponto de, não contente de nos dar tudo quanto tem, pôr os seus amigos em contribuição para prover ás nossas necessidades.

Rogo a Vossa Alteza, em nome da nossa Companhia, que lhe faça expedir, assim como a seu irmão, os alvarás necessários para eles receberem aqui os seus honorários. Um e outro são dignos deste favor. O primeiro recomenda-se pelo seu zelo infatigável na salvação das almas dos vossos vassalos, e o segundo pela exactidão e atividade de seu filho no serviço de Vossa Alteza.

Senhor, eu rogo a Deus que se digne penetrar-vos dos deveres inerentes à vossa dignidade, e que nos dê forças para os cumprir como desejaríeis ter feito na hora da vossa morte.

De Vossa Alteza, o servo,

Francisco Xavier."

O nosso admirável Santo devia ter uma elevada opinião do príncipe a quem escrevia assim; por que se esta carta é digna do grande Xavier, ela honra também o soberano que sabia acolher com reconhecimento aquela linguagem da liberdade apostólica, e dar direito a todos os pedidos que o zelo de Xavier lhe dirigia com tanta nobreza e dignidade.

O mesmo navio que levava quela carta ao rei, levava também uma para Santo Inácio, na qual encontramos o máximo da humildade tão profunda do nosso Santo, e os ternos sentimentos que conservava para com o seu amado Pai, não obstante a grande distância que os separava:

"...Deus conhece, escrevia ele, meu muito querido Pai, o desejo em que ardo de vos ver ainda uma vez nesta vida, para submeter á vossa sabedoria mil coisas que têm necessidade da vossa penetração e do vosso conselho. De mais, a obediência não conhece distâncias... Eu vejo já, nas Índias, muitos membros da nossa Companhia dispersos; mas não vejo entre eles nenhum médico para os nossos males espirituais!

Conjuro-vos, meu bom Pai, pela vossa amizade paternal, suplico-vos por Jesus Cristo vosso Senhor e meu, que lanceis uma visita de piedade sobre aqueles dos vossos filhos que a Providência chamou para as extremidades da terral Eu vos peço que nos envieis um homem de alta virtude e de raia santidade, cuja vigilância e vigor animem meu espírito que se deixa algumas vezes enfraquecer!

Espero que o Espírito de Deus que vos manifesta o nosso interior e vos descobre as posições dos nossos corações, vos sugerirá os meios de reavivar a nossa virtude entanguecida..."

Xavier escreveu ainda no mesmo dia ao Padre Simão Rodrigues, para Lisboa, pedindo-lhe pregadores da Companhia, e empenhando-se para que ele apoiasse pelo seu valimento os pedidos que dirigia ao rei:

"...É chegado o tempo, lhe mandava ele dizer, de desvendar os olhos a Sua Alteza, por que ele está mais próximo do que pensa do momento em que o Rei dos reis o citára para o seu tribunal e lhe fará ouvir estas aterradoras palavras: Dai-me contar da vossa administração [54]. Fazei, pois, de moda que ele nos envie socorros para propagar a fé enquanto é tempo..."

O grande apóstolo das Índias, como já dissemos, não conhecia o repouso. Depois de ter escrito todas aquelas cartas, embarcou para Comorim, a fim de visitar de novo os seus queridos Paravás, seus primeiros filhos em Jesus Cristo, que ele amava com verdadeira ternura paternal.