VI. RECOMENDAÇÕES - PARTE PARA O JAPÃO

Francisco Xavier ia acrescentar mil e oitocentas léguas à distância imensa que o separava, havia sete anos, dos que lhe eram mais caros, das suas mais santas afeições. Mas, no dia do seu sacrifício, ele se votara à glória de Deus, e à sua maior glória, votara-se à salvação das almas, votara-se, finalmente, à imolação contínua de si próprio, e isto para sempre!

E desde aquele momento, o generoso apóstolo, devorado da necessidade de sofrer pelo Deus que ele amava com tão ardente amor, era insaciável de privações e de fadigas, de perigos e de trabalhos.

Os seus amigos de Goa renovaram, naquela circunstância, as cenas de oposição e de desgosto, que se deram em remate para impedir que ele tentasse explorar as ilhas de Moro. Faziam-lhe as mais aterradoras descrições dos perigos da navegação naqueles mares semeados de escolhos, especialmente em ocasião em que os navios portugueses, expulsos de todos os portos da China, e afastados das suas águas, não podiam prestar o menor socorro a quem por audaz coragem afrontasse aqueles perigos. Mas o intrépido Xavier destruía as solicitações de amizade com a mesma dignidade e firmeza como em Ternate: conserva-se firme na sua idéia.

"Os capitães Jorge Álvares e Álvaro Vaz têm a coragem de se exporem àqueles perigos pelos interesses dos seus negócios, disse ele a alguns dos seus amigos empenhados em o reterem, e por que vos persuadis que eu serei mais infeliz do alue eles o têm sido até ao presente? Porque quereis imaginar que o navio em que eu embarcasse seria aprisionado pelos piratas com preferência aos deles? porque o tifo me seria mais nocivo? Vós ides correr todos os perigos por um miserável interesse de comércio, e quereis impedir que eu me exponha pela salvação das almas, pela glória de Deus?

Confesso que me vejo penalizado pela vossa pouca fé, e que me custa a acusação de imprudência; aflige-me ver que os missionários têm tido até aqui menos coragem que os negociantes. Agradeço-vos, contudo, a vossa solicitude; a vossa amizade enche-me de alegria o coração, mas vejo-me obrigado a resistir-lhe.

A divina Providência tem-me protegido sempre, sempre me tem socorrido, nada alterará, pois, a minha confiança nela. Não me tem livrado já de milhares de perigos no mar? Não foi ela também que me salvou da espada dos Badegás e dos venenos da ilha de Moro? E vós quereríeis persuadir-me agora que não devo confiar-me?

Demais, a minha missão não se limita às Índias; vim com a intenção e o desejo de levar a fé até às extremidades da terra, se possível fosse! Irei, pois, ao Japão!"

Que podiam os amigos do nosso Santo? Admirá-lo e calarem-se: foi o que fizeram, orando ardentemente pela sua conservação.

"...Eu empreendo esta viagem com alegria, escrevia o santo apóstolo ao seu amado Padre Inácio; o futuro sorri-me pelas brilhantes esperanças que nutro do bom êxito dos meus trabalhos no meio daqueles povos.

Os japoneses, todos pagãos, não têm entre si nem judeus nem maometanos, e são muito curiosos nas ciências divinas e naturais ...

...Eu irei imediatamente apresentar-me ao imperador, depois às academias e às universidades, e ali espero fazer triunfar o Evangelho! Paulo de Santa-Fé assegura-me que por uma tradição daquele país, as superstições do Japão vieram de Cenic, cidade situada além da China e do Catai [61].

Logo que me veja estabelecido em meio daquele povo, pôr-vos-ei ao facto dos seus costumes, da sua literatura e do sistema do seu governo. Farei mais, darei esses esclarecimentos minuciosos à Universidade de Paris, para que ela os transmita às outras Universidades da Europa. Levarei em minha companhia o Padre Cosme de Torres e os três japoneses de que já vos falei.

Contam-se mil e trezentas léguas de Goa ao Japão [62]; é necessário passar o estreito de Malaca, dobrar o cabo e seguir ao longo das costas da China.

Não tenho expressões para vos descrever a alegria que sinto quando penso nesta empresa! Ver-me-ei exposto aos maiores perigos que o Oceano pode oferecer: o das tempestades, que são frequentes e terríveis naquelas paragens; o dos escolhos, dos bancos de areia, dos ventos e das vagas que são temíveis naqueles mares desconhecidos, com pilotos inexperientes; finalmente o dos piratas que infestam aqueles perigosos mares.

Os perigos desta travessia são tais, que os nossos marinheiros se consideram muito felizes quando podem salvar um navio por três que se arriscam.

Tudo isto mais me anima. Deus dá-me uma tal convicção de que arvorarei a Cruz de Jesus Cristo sobre aquele solo pagão, que não recuaria por maiores que fossem ainda os perigos! Podereis julgar das razões desta convicção pelas memórias que eu vos enviai sobre aquele país...".

"Creio que vós tendes em Roma e em outros pontos, muitos religiosos nossos que não têm disposição nem para a pregação nem para o ensino dos colégios. Eles seriam muito melhor utilizados aqui para as nossas missões, uma vez que sejam exercitados na prática de todas as virtudes, de uma pureza angélica e de uma força de corpo e de espírito capaz de suportar grandes trabalhos e sofrimentos.

...Não é um pequeno trabalho, asseguro-vos, o de fazer aqui cristãos e conservá-los! É, pois, essencial para nós, que somos os filhos do vosso coração, que nos sustenteis pela força das vossas orações.

Sabeis quanto se sofre em formar e dirigir os que nunca conheceram a Deus nem a razão, e que olham como uma verdadeira calamidade a necessidade de mudar de hábitos criminosos, considerados por eles como uma segunda natureza!

A permanência naqueles climas é muito prejudicial e penosa, já por causa dos sucessivos calores do estio, já por causa das chuvas e dos temporais que ali reinam todo o inverno.

Em Socotorá, nas Molucas, no cabo Comorim, apenas se encontra o necessário para viver; e contudo, os trabalhos do corpo e do espírito aí são imensos, incríveis! É necessário combater sempre resistir sempre com os índios! acrescentai a isto a extrema dificuldade das suas diferentes línguas e dos seus numerosos dialetos.

Finalmente, os perigos para a vida da alma e para a vida do corpo são tão grandes como frequentes. Contudo, e para que todos os nossos irmãos rendam a Deus imortais ações de graças, posso assegurar-vos que todos os vossos filhos que estão nas Índias são amados, e, di-lo-ei até, ternamente queridos de todas as classes do povo: dos pagãos, dos cristãos, dos portugueses, dos índios, dos cidadãos, dos magistrados e dos superiores eclesiásticos...

... Por toda a parte onde existem cristãos, disfruta-se dos nossos trabalhos. Nas Molucas contam-se quatro dos nossos obreiros evangélicos; em Malaca, dois; no cabo Comorim, seis; em Coulão, dois; em Baçaim, dois em Socotorá, quatro; e não obstante as enormes distâncias, todos estão sob a direção de um só.

Goa acha-se afastada das Molucas mais de mil léguas [63], Malaca, de quinhentas; Comorim, de duzentas; Coulão, de cento e vinte e cinco; Baçaim, de sessenta; Socotorá, de trezentas. Em todos os pontos onde estão os nossos irmãos, há um que tem autoridade sobre os outros; mas aqueles que dirigem são tão virtuosos e tão prudentes, que os subordinados encontram a felicidade na obediência ...

...Vós praticareis uma boa ação, bem agradável a Deus e a todos nós que estamos em exílio tão longe de vós, escrevendo-nos uma carta de instruções espirituais, uma carta que fosse como que o vosso testamento, pela qual legaríeis aos vossos filhos das Índias as riquezas espirituais que tendes recebido de Deus tão abundantemente.

Fazei-nos, eu vos rogo, esta caridade, se o vosso tempo puder prestar-se aos nossos desejos!

...Para mim, não vos peço mais que uma graça, e é de designar um dos nossos Padres para celebrar, durante um ano, o santo sacrifício em S. Pedro in Montorio onde o santo Apóstolo foi crucificado, e de me dar, por um dos nossos, notícias circunstanciadas sobre a situação da nossa Companhia, o número dos professores e dos seus colégios, seus trabalhos, e os frutos que ela produz; porque eu dei ordem de fazerem remeter as cartas que vierem de Roma para Malaca, de onde mas enviarão para o Japão, por várias vias, depois de se extraírem muitas cópias.

Oh! vós meu venerável Padre, que sois verdadeiramente o pai da minha alma! é de joelhos que eu vos escrevo, como se estivesse junto de vós; é com os dois joelhos em terra que vos conjuro que insteis com a divina Majestade, em todas as vossas orações, e em vossos santos sacrifícios, que me faça conhecer a sua santa vontade, até que eu tenha um sopro de vida, e que me dê forças para a cumprir!

Peço o mesmo socorro a todos os nossos Padres e Irmãos.

Vosso filho e servo em Nosso Senhor.

Francisco Xavier.

Esta longa carta foi escrita de joelhos por Francisco Xavier; ele não escrevia nunca de outro modo a Santo Inácio. E era com o coração cheio daquela viva e santa ternura pelo Pai da sua alma, seu único Pai em Jesus Cristo, que o heróico apóstolo ia interpor mil e oitocentas léguas leais entre aquela querida afeição e ele! E isto, depois de ter calculado que as cartas de Roma não poderiam chegar-lhe ao Japão senão dois anos depois da sua data!...

Mas, como vimos, a grande alma de Xavier estava ávida de trabalhos, de sofrimentos, de sacrifícios de todo o gênero, e ele próprio acaba de nos dizer, que se tivesse de sacrificar-se muito mais ainda, não teria hesitado: a glória de Deus o chamava ao Japão! E ele escrevia ao Padre Simão Rodrigues:

"O cristão prefere a cruz ao repouso".

O Padre Gaspar Barzeu, partiu para Orznuz nos princípios do mês de Abril de 1549. Xavier, que devia partir oito dias depois dele, escreveu ao Padre Paulo Camerini recomendações em que patenteia toda a sabedoria, prudência, doçura e terna caridade do nosso Santo. A sua pouca extensão permite-nos reproduzir aqui a carta na íntegra,

AO PADRE PAULO CAMERINI

Abril, de 1549.

"A graça e o amor de Nosso Senhor Jesus Cristo sejam sempre convosco! Amém.

De partida para o Japão, venho rogar-vos, pelo zelo que vos anima para o serviço de Deus, e pela vossa adesão ao nosso Padre Inácio e à Companhia de Jesus, meu querido Paulo, que, conserveis, nas vossas relações com Antônio Gomes, a mais profunda humildade e uma grande circunspecção, de modo que possais viver com ele em doce paz, e que mereçais a sua amizade conservando a sua estima. Procedereis de igual modo com os nossos Padres dispersos pelas Índias.

Conquanto eu os conheça muito intimamente para me achar persuadido de que eles não carecem absolutamente de um superior para os dirigir no seu ministério, devo designar-lhes um a quem tenham de obedecer, a fim de que não percam o mérito e o hábito da obediência; demais, a nossa regra também o quer assim.

É, pois, para me conformar com ela que vos nomeio superior de todos os nossos Padres e de todos os nossos noviços residentes em Goa ou nas Índias. Invisto-vos de toda a autoridade sobre eles com as modificações que vos indicarei, confiado nos vossos conhecimentos, vossa prudência e vossa modéstia. Exercereis estes poderes até que uma autoridade superior e legítima vo-los retire, na forma prescrita pelos nossos estatutos.

Eis aqui agora as restrições que eu julgo dever pôr nos vossos poderes. Escutai-as:

Entendo que Antônio Gomes exerça uma autoridade plena e absoluta sobre todos os noviços portugueses ou indígenas que não fazem parte do seminário. Confiro-lhe a livre administração das rendas e dinheiros do colégio, tanto nas cobranças a fazer como nas despesas que ele julgar necessárias e convenientes.

Não tendes pois, nenhuma inspeção na sua administração, não tendes a pedir-lhe contas dela. Deixareis igualmente à sua discrição a admissão ou rejeição dos alunos portugueses ou índios, não interponhais nunca a vossa autoridade em nenhuma das suas decisões.

Se acontecer que vejais as coisas debaixo dum ponto de vista diferente do seu, comunicai-lhe a vossa opinião, aconselhai-o e acompanhai até esses conselhos de rogos e de instâncias; mas não useis nunca de autoridade, nem lha façais sentir em nenhuma das vossas palavras. É a ele somente que dou o direito de punir as crianças das duas classes. É ele unicamente que fica encarregado da disciplina interna, da distribuição de cargos, da admissão ou da despedida dos domésticos.

Entendo que ele deve gozar, no exercício das suas funções, de toda a liberdade, de toda a segurança, sem ter a recear interpelações ou oposições da parte de quem quer que seja.

Em nome da obediência que tendes votado com toda a liberdade ao nosso Padre Inácio, cujo órgão sou eu, vos suplico, e isto é da maior importância, evitai cuidadosamente toda a altercação, toda a discussão, mesmo toda a aparência de dissabor ou indiferença para com Antônio Gomes! Dai, ao contrário testemunhos recíprocos, e não equívocos, da mais sincera cordialidade, dá mais estreita união, trabalhando, cada um de seu lado, e segundo os meios que tendes, para a glória de Deus e para o bem comum da Companhia, de maneira a não dar pretexto a nenhum murmúrio exterior ou interior.

Logo que os nossos Irmãos, que se acham em missões nas cidades e aldeias do cabo Comorim, - o Padre Nicolau em Coulão, o irmão Cipriano em Meliapor, Melchior Gonçalves em Baçaim; Francisco Peres em Meliapor, ou aqueles que estão nas Molucas, João da Beira e seus companheiros-, logo que eles vos escrevam para solicitardes do magistrado ou do arcebispo quaisquer graças temporais, que, em certas ocasiões, lhes podem ser de grande necessidade, deixai tudo para vos ocupar exclusivamente do objecto do seu pedido, entendendo-vos com Antônio Gomes, a fim de que ele, do seu lado, empregue generosa e prontamente todos os meios ao seu alcance.

Quando escreverdes àqueles queridos obreiros evangélicos, que suportam os rigores do sol e do calor, que andam cobertos de suor e de pó, evitai sempre deixar correr da pena a mais ligeira gota de fel, a mínima censura! Animai-os, ao contrário, por todos os meios que achardes mais suaves e mais consoladores na caridade do vosso coração.

Evitai escrupulosamente tudo quanto possa dar-lhes o mais ligeiro pretexto de queixa ou de sentimento, tudo quanto possa ofendê-los ou desconsolar. Provede prontamente e com a generosidade possível à sua sustentação, ao seu vestuário, a tudo quanto a saúde exigir.

Avaliai as imensas e contínuas, fadigas que eles suportam tão corajosamente, dia e noite, no serviço de Deus, sem a menor consolação humana! Isto respeita sobretudo àqueles que estão nas Molucas e no Cabo Comorim, porque eles têm uma pesada cruz a suportar! Ah! guardai-vos em nome de Deus, de agravar a sua situação e de os fazer gemer sob aquele peso.

É um dever de justiça tão importante para vós que guardais as bagagens, socorrer os nossos Irmãos que estão constantemente em armas, que eu vos conjuro, em nome de Deus Nosso Senhor, em nome do Padre Inácio, que nada desprezeis por eles!

Quanto a vós, meu querido irmão, recomendo-vos que continueis a trilhar a senda da virtude, como o tendes feito até aqui; que espalheis em torno de vós a luz do exemplo, e que não deixeis escapar nenhuma ocasião de me escrever. Conto receber numerosas cartas vossas dando-me notícias pormenorizadas do que vos diz respeito pessoalmente, sobre a Companhia em geral, sobre a boa inteligência que reinar entre vós e Antônio Gomes, sobre cada um dos nossos Irmãos que trabalham no cabo Comorim, sobre o Irmão Cipriano que está em Meliapor, sobre os nossos Irmãos que chegarão neste ano da Europa. Enviar-me-eis o número daqueles cujo talento distinto faz destiná-los para pregadores, o dos Padres e o daqueles que não tiverem ainda Ordens. Não me deixareis ignorar nada do que diz respeito às suas famílias, seu número, seus nomes, suas idades, suas qualidades, suas forças físicas, e suas virtudes.

Para esta correspondência duas vias, ao menos, vos serão abertas: duas vezes por ano um navio da marinha real se aparelha em Goa, o primeiro para chegar em Setembro a Bandá, o segundo parte em Abril para as Molucas; mas ambos eles tocam em Malaca, onde o nosso Irmão Peres receberá as cartas a mim dirigidas, e será encarregado de mas enviar para o Japão.

Vós me fareis um grande obséquio se todas as semanas relerdes esta resenha das minhas intenções que, à última hora da partida, vos deixo para recordação da minha pessoa, ainda mais do que dos meus desejos. Conto por elas chamar-vos, a vós e a todos os nossos dedicados cristãos a atrair para mim, pelas vossas orações, todas as bênçãos de Deus.

Recomendo a Antônio Gomes, que se chegarem de Portugal bons pregadores, envie alguns para as missões circunvizinhas, por exemplo a Cochim, onde ardentemente se deseja um membro da nossa Companhia; para a costa de Cambaia e Diu. Faço-vos também a mesma recomendação, meu Paulo; tratai isto de combinação com Antônio Gomes.

Se os multiplicados afazeres e cuidados, que vireis a ter com a vossa administração, não vos deixarem tempo suficiente para satisfazer a todos os meus desejos, ordenai a um dos nossos coadjutores portugueses, que colha tudo quanto se diz de um lado e de outro sobre as nossas missões, especialmente sobre a de Ormuz, onde está o Padre Gaspar; tomai também conhecimento de todas as notícias importantes que se espalham em Goa.

Na partida de cada navio para Malaca, fareis de tudo um maço, a mim dirigido, ao qual acrescentareis o que tiverdes de particular a comunicar-me sobre os diferentes estabelecimentos dependentes do colégio de Goa, e sobre as suas localidades, circunstâncias estas que não podeis conhecer ainda.

Não vos tendo a experiência ensinado ainda coisa alguma com respeito aos costumes da costa do Comorim, de Meliapor, de Coulão, das Molucas, de Malaca e de Ormuz, não deveis desviar nenhum dos obreiros evangélicos dos postos que eles aí ocupam; porque, sem o quererdes, poderíeis por uma ordem inoportuna, destruir uma árvore próxima a produzir excelentes frutos. Poderíeis fazer abortar os mais bem concebidos projetos e cujo bom êxito, objecto de longos e penosos trabalhos, estaria a ponto de se apresentar, e faríeis, com as melhores intenções, um dano considerável à religião e à salvação das almas.

Eu vou escrever ao Padre Antônio Criminale para se não arredar do posto que lhe está designado, não obstante qualquer determinação que tenha, e a não consentir, que a pedido de quem quer que seja, se desvie algum dos obreiros que, sob as suas ordens, trabalham no Comorim, ao menos até que as circunstâncias o levem a permitir a deslocação sem inconveniente.

Escrevo também, recomendando outro tanto a cada um dós que dirigem ou ocupam diferentes postos, a fim de que não deixem destruir a sua obra pelo desvio de obreiros necessários ali, e que transferidos ou retirados inconsideradamente, fariam inutilizai as esperanças mais bem fundadas para o engrandecimento do império de Jesus Cristo.

Não interponhais, pois, a vossa autoridade em nenhuma dessas mudanças, e nada ordeneis senão depois dum aturado exame.

Proíbo-vos de fazer vir a Goa, contra sua vontade, algum dos nossos irmãos doentes ou indispostos; certificai-vos de antemão da sua anuência; igualmente quero que aqueles que por motivos graves venham para junto de vós sem permissão ou ordem, sejam bem acolhidos e tratados com a mais terna caridade, provendo-se às suas necessidades. Se, inquietados por um espírito mau, eles vierem por sua vontade ou por conselho de seus irmãos, buscar um remédio a seus males espirituais na penitência ou num recolhimento dalguns dias, proporcionai-lhes todos os socorros com uma solicitude paternal, a fim de não pôr a sua alma em perigo.

Termino rogando-vos instantemente a mais rigorosa exactidão em tudo quanto acabo de vos prescrever, oh! meu querido Paulo!

Sou inteiramente vosso.

Francisco.

Compreende-se a que grau devia levar a virtude da obediência, aquele que possuía um tal sentimento de autoridade e de ordem em todas as coisas, e quão suave e paternal devia ser a autoridade que ele exercia sobre os seus Irmãos. É o mais admirável conjunto de firmeza e de doçura que jamais homem algum possuiu.

Além disto, quem foi nunca mais amado e mais ternamente venerado do que Francisco Xavier?

Chegara o momento da partida.

A 14 de Abril de 1549, o heróico apóstolo embarcou a bordo duma fusta que o conduzia a Cochim onde devia encontrar um navio de partida para Malaca, e ali um outro para ir ao Japão.

O Padre Cosme de Torres, o Irmão João Fernandes [64], Paulo de Santa-Fé e seus dois domésticos, embarcaram com ele.

Levava também, mas para os deixar, um em Malaca e outro nas Molucas, os Padres Manuel Morais e Afonso de Castro.