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Os milagres acompanhavam por toda a parte as pregações de Xavier.
Vimos, na caria precedente, que de vários pontos opostos e afastados
concorria muita gente a pedir-lhe para recitar o Evangelho aos
doentes, então em grande número; que os doentes eram de ordinário
curados, e que com o fim de satisfazer a todos ao mesmo tempo, mandava
as crianças para o substituir.
Mas o que o Santo não diz, é que ele dava a essas crianças uma
medalha, um rosário, uma imagem ou qualquer outro objecto de
devoção, que trazia consigo, ou que havia tocado, o que era
bastante para lhe comunicar uma virtude miraculosa...
Um dia vieram dizer-lhe de Manapar que um homem, dos mais
importantes do país, estava possuído do demônio, e lhe pediam que
viesse livrá-lo. O apóstolo, cercado naquele momento duma imensa
multidão que instruía, chama um jovem, entrega-lhe um crucifixo que
trazia sempre sobre o peito, e lhe ordena que vá sem receio pôr em
fuga o demônio:
- "Não volteis sem que o tenhais expulsado vergonhosamente! disse
ele ao rapaz".
À chegada do pequeno mensageiro, o possesso faz ouvir os mais medonhos
uivos; os seus membros convulsos fazem horror de ver. O rapaz não se
assusta: canta as orações que o Santo Padre lhe havia ensinado,
ordena ao demônio que se retire e ao doente que beije o crucifixo do
Santo Padre; e o demônio obedece e abandona a sua vítima.
Francisco Xavier vai procurar um dos habitantes desta mesma cidade de
Manapar e roga-lhe que o escute por um momento, a fim de deixai
penetrar a luz no seu espírito, porque o desgraçado índio era ainda
idólatra e recusava a instrução de que tanto carecia. Ele
rebela-se contra o santo apóstolo e o repele, dizendo:
-"Nunca entrarei na igreja dos cristãos! Se eu tivesse algum dia
esta intenção, desejaria que me fosse proibida a entrada!"
Alguns dias depois, foi este índio atacado por homens armados que
haviam jurado a sua morte. Ele consegue escapar-se das suas mãos;
corre e procura um abrigo contra aqueles que o perseguem rugindo de
raiva, e não vê outro senão a igreja dos cristãos; ela está
aberta, mas ele acha-se ainda muito distante... Dirige-se para
ali a correr, enquanto os cristãos que se achavam reunidos no templo,
naquele momento, aterrados pelos gritos dos pagãos e temendo a
pilhagem de que as suas igrejas eram constantemente ameaçadas, se
apressam em fechar as portas. O desgraçado índio é morto pelos seus
inimigos mesmo à porta da igreja, que, na sua impiedade, ele
desejara ver fechar-se sobre si no dia em que pretendesse transpor os
seus umbrais...
Visitando o Santo uma aldeia da mesma Costa da Pescaria, encontrou
um pobre Paravá coberto de úlceras, falto de tudo, inteiramente nu
e sem forças já para suportai a vida. O coração de Xavier
comove-se profundamente à vista de tamanha dor e miséria.
Ajoelha-se junto do doente, e fala-lhe com a voz entrecortada pelas
lágrimas; consola-o com uma ternura paternal; lava as suas chagas,
das quais ninguém se atreveria a aproximar-se, tão repugnantes eram
elas, e cedendo ao seu ardente desejo de mortificações e de
sofrimentos, lembrando-se, além disto, da delicadeza da sua
natureza, que outrora chegava ao excesso, bebe, uma parte da água
que servira para lavar as chagas do índio!!!... Afasta-se em
seguida do lado do doente, que acabava de abraçar com afecto e
solícita caridade, e entrega-se à oração.
Alguns instantes depois, levanta-se e volta para junto do
doente... O Paravá olha para si, examina os seus membros,
tateia-os e abre os grandes olhos... Estava curado! Suas chagas
estavam cicatrizadas, seu corpo estava inteiramente limpo e não
parecia ter sofrido nunca!
Antônio de Miranda era o catequista do nosso Santo, e por este
título lhe era duplamente querido.
Uma noite, foi mordido por uma víbora que lhe causou a morte; o
veneno desses répteis é mortal nas Índias. O Santa Padre é
chamado; vai imediatamente, mas não vai ocupai-se dos seus
funerais; precisa dele para a instrução dos índios, a glória de
Deus e a salvação das almas carecem dos seus trabalhos
- "Antônio, diz-lhe o Santo, com voz forte e vibrante, em nome
de Jesus Cristo, levantai-vos!"
E Antônio que morrera na noite precedente, levantou-se cheio de
vida. As manchas do veneno que o matara desaparecem no mesmo
instante. A multidão, presente aquele prodígio, solta gritos de
alegria e de admiração ; lança-se aos pés do Santo Padre,
chama-o o grande Deus, e ele vê-se obrigado a explicar-lhe que
não é mais que o instrumento do grande Deus que reina nos Céus e
que o enviou às Índias para se fazei conhecer, fazer-se amar,
fazer-se servir por todos que o ouvem, e para bem doutros ainda, aos
quais espera levar o seu nome.
Em uma outra aldeia morreu uma menina dumas febres violentas e
perniciosas do país; a família desesperada, apela para o santo
Padre; ele corre e ressuscita a morta, em presença dum imenso
número de pagãos, que crêem imediatamente no Deus de Xavier e
solicitam a graça do batismo.
Igual prodígio se repete para com um rapaz que perecera da mesma
doença, e do mesmo modo numerosas conversões coroam este milagre.
Duma outra povoação vieram pedir ao Santo para que. acudisse a dar
a vida a uma criança. Na véspera caixa aquele pobre inocente em um
poço, donde o tiraram morto; porém o Deus do santo Padre
ressuscitara outros e pode também ressuscitar este. Os pagãos ali
estão, esperando e não querendo acreditar nos prodígios que tantos
outros viram e de que procuravam convencê-los.
Francisco Xavier não os faz esperar; chega com o mensageiro, e
vendo que a criança está moita, ora por alguns instantes a poucos
passos do cadáver; depois levantando-se, ordena à morte que deixe o
menino, e à vida que se aposse dele, e a morte e a vida obedecem à
ordem de Xavier invocada em nome de Jesus Cristo
Os pagãos não chamavam dali em diante o Santo apóstolo, senão o
grande Deus da natureza.
Quantos mais prodígios operava Francisco Xavier, maiores eram as
austeridades e mortificações a que se entregava. Sua alimentação
era a dos mais pobres de entre os índios: arroz e água e nada mais.
Habitava uma miserável cabana de pescador, dormia no chão.
O vice-rei forçara-o a aceitar um colchão e um cobertor; Xavier
vira um pobre deitado sobre folhas secas e lhe dera imediatamente o
cobertor e o colchão. Não dormia senão três horas, e não lhe
importava a dureza da sua cama para um sono de tão curta duração;
não tinha ele a censurar-se de alguns excessos da sua mocidade?
Viu-se como, nos arrebatamentos expansivos da sua alma, deplorava
aqueles anos que toda a sua vida devia expiar por mortificações tais,
que lhe parecia dever duvidar da salvação se não fossem completamente
cumpridas. Não podia esquecer-se de que por alguns anos deixara de
amar a Deus, a não ser de muito longe, para assim dizer, como o
amam muitos cristãos, agora que o zelo da sua glória o abrasa e o
devora. As fadigas, os sofrimentos, as privações, as
humilhações, são os seus maiores desejos, porque tudo quanto ele
sofria naquele apostolado tão penoso, era por Deus, e Deus sofrera
tanto por nós!
Ele sofre para salvar as almas e Jesus Cristo deu todo o seu sangue
pela salvação daquelas almas! Por isso o Santo apóstolo em nenhuma
conta tinha tudo quanto fazia por Deus, e cada vez que os prodígios
se multiplicassem nele, mais devedor se considerava.
Xavier havia já conquistado ao inferno uma grande extensão da
Costa; ele sòzinho não era suficiente para satisfazer as
necessidades de todas aquelas cristandades;além disso, a sua
presença era reclamada em Goa, onde tinha muitos negócios a
regular, e por isso embarcou em Novembro de 1543, com destino
àquela cidade, levando dois indígenas que devia deixar no Colégio
da Santa-Fé.
Chegado a Goa, deu ao Padre Paulo de Camerini todas as
instruções necessárias com respeito à direção e administração do
colégio; mandou o Padre Mancias para o Cabo Co morim, tornou a
ver e animar as almas que havia convertido para Deus, não se
esquecendo dos seus queridos leprosos nem dos seus afeiçoados
prisioneiros; finalmente, escolheu dois jovens para o ajudar no seu
apostolado; levou consigo João de Artiaga, artista de mérito e
fervoroso cristão, e um rapaz indígena destinado às funções de
catequista. Um mês lhe foi suficiente para dispor todas aquelas
coisas. Durante a sua curta permanência naquela cidade, teve a
consolação de ver chegar alguns Padres de Portugal que vinham
partilhar os seus trabalhos.
"Viemos encontrar o Padre Francisco em Goa,-mandava dizer o
Padre Melchior González aos seus irmãos da Europa; -suas
virtudes são tais, que eu não conheço comparação; ele está
possuído do amor divino no mais elevado grau; a sua santidade faz com
que o olhem como um mártir vivo, e eu nada vos posso dizer que se
aproxime do que tenho visto.
Depois da sua partida, deixou-nos um vácuo, que me parece não ter
mais companhia. Este valente soldado de Jesus Cristo não bebe nunca
vinho e é de mui forte constituição...".
De volta à Costa da Pescaria, donde ele escreveu a admirável carta
que atrás transcrevemos, o nosso Santo dedica-se a formar os dois
Padres, dos quais procura fazer dois santos apóstolos; volta às
suas prédicas, suas instruções, suas fadigas habituais de
povoação em povoação, sem que o embaracem as chuvas, os calores,
ou outro qualquer obstáculo. O seu zelo não conhece limites.
Entretém mui frequente correspondência com o Colégio de Goa, o
qual, dirige por cartas, e com o Padre Mandas a quem não cessa de
animar no novo cargo que lhe confiara
"Pelo amor que nós consagramos a Jesus Cristo, lhe dizia ele de
Punical, aproveitai todos os vossos momentos disponíveis para me dar
conhecimento de tudo que vos diz respeito é aos vossos colegas. Logo
que eu chegue a Manapar, darei notícias minhas. Não esqueçais o
que vos recomendei na. vossa partida: rogai a Deus a necessária
paciência no princípio para vos haverdes com aquela gente. Suponde.
que o país que habitais é um purgatório destinado a purificar-vos de
todas as vossas faltas, e admirai a infinita bondade que vos permite
expiar neste mundo os pecados da vossa mocidade, com grande benefício
no mérito e menos penas do que na outra vida".
Em todas as suas cartas a Francisco Maneias, Xavier se assinava:
"Vosso irmão que muito vos ama em Jesus Cristo: Francisco".
Quando chegou a Manapar ali encontrou cartas daquele Padre;
apressou-se em responder-lhe, dando-lhe conselhos próprios para
manter o bem já feito:
"Eu vos suplico, lhe diz ele, que trabalheis para com aqueles
homens, que são a escória do gênero humano, como o faria um bom pai
para com os filhos desnaturados. Não vos deixeis desanimar, qualquer
que seja a perversidade daqueles desgraçados, porque Deus os
suporta, com quanto eles o ofendam brutalmente; Ele poderia
exterminá-los e não o faz; ao contrário, não cessa de lhes fazer
bem. Se ele lhes retirasse por um só instante a sua mão benfazeja,
pereceriam todos de miséria.
Eu quereria que imitásseis aquele modelo; nele encontrareis a
igualdade de alma que se não deixa enfraquecer por qualquer
inquietação, por grave que seja".
E depois de o. ter animado a trabalhar, não obstante os obstáculos
e os maus resultados, o Santo acrescenta:
"Enquanto ao mais, a razão e os louváveis exemplos nos dizem que é
muitas vezes útil empregar-se a força para vencer a obstinação dos
mais rebeldes, naquela nação sujeita a Sua Alteza de Portugal.
"Mando-vos, pois, um oficial de justiça, concedido pelo juiz,
com ordem de condenar à multa de dois dinheiros de prata - um fanã -
e a três dias de prisão, toda a mulher, que não obstante as
proibições, beber daquele licor embriagante a que eles chamam urrac
[40]. Fareis publicar esta lei em todas as aldeias e povoações, a
fim de que alguma mulher surpreendida em estado de embriaguez, não
possa pretextar ignorância.
"Significai aos panchayat [41], que se se beber daqui em diante o
urrác em Punical, eu os tornarei responsáveis por este delito.
Compeli-os sèriamente a corrigirem-se antes da minha chegada, e a
vigiarem sobre os hábitos dos seus subordinados. Dizei-lhes que eu
se os encontro ainda entregues aos mesmos vícios, autorizado pelos
poderes que tenho do pretor, os farei conduzir a Cochim; e não
ficarão livres com esta viagem, que se não iludam, porque estou bem
resolvido a retirar-lhes todos os meios de voltarem a Punicáb".
Tal era, pois, a firmeza que o grande Xavier sabia juntar à sua
tão amável e tão insinuante caridade.
Todos os cuidados que ele empregava nas missões de que se achava
afastado,. não diminuíam em coisa alguma os seus trabalhos e as suas
conquistas; internava-se por aquelas terras, só, sem guia e sem
conhecimento dos sítios.
"Podeis fazer idéia da minha vida depois que aqui estou, escrevia
ele dum lugar cujo nome até ignorava; não compreendendo ninguém e
não podendo fazer-se compreender. Contudo, baptizo os
recém-nascidos, porque para isto não careço de intérprete, nem
tão-pouco para socorrer os pobres, que sabem perfeitamente fazer-me
compreender a sua miséria".
Os meninos cristãos eram de ordinário os seus mensageiros para
levarem as suas cartas; alguns de entre eles tanto se afeiçoaram ao
Santo que não o quiseram deixar; destes se servia ele para
catequistas e intérpretes. Deixara um ao Padre Maneias, de quem
falava na sua correspondência com o interesse de pai; nada é mais
comovedor da parte do admirável apóstolo, preocupado e absorvido por
tantos e tão magnânimos trabalhos, como a lembrança que encontramos
por aquela criança, numa carta datada de Livare a 23 de Abril de
1544:
"Dizei da minha parte ao pequeno Mateus que continue a ser
estudioso, a repetirem as lições que vós lhe dais, em voz alta, em
pleno catecismo, a pronunciá-las bem. Quando eu para lá fôr, lhe
farei um presente, que, estou certo, lhe causará muito prazer".
A fim de se poder dar uma idéia cabal das minudências em que ele
entrava na direção das missões de que se achava afastado, citaremos
o final da mesma carta:
"Dizei-me, acrescenta ele, se as crianças são exatas em concorrer
às orações, e quantas de entre elas as sabem de cor. Peço-vos
que não poupeis nem papel nem palavras, para lhas explicar e
fazer-lhas aprender. Aproveitai a primeira ocasião para me
satisfazer sobre todos estes pontos.
Que o Senhor seja convosco como desejo que seja para comigo! Que
tenhais saúde. Vosso Irmão que muito vos ama em Jesus Cristo;
FRANCISCO".
No entretanto o nosso Santo ampliava o reino de Jesus Cristo com um
progresso maravilhoso. Em Tuticorim, recebeu ele cartas do Padre
Mancias que lhe causaram o maior pesar pela impossibilidade em que se
via de poder ir ter com ele imediatamente, como desejava.
O coração e a alma de Xavier manifestam-se completamente na
resposta àquele Padre, e que não podemos resistir ao desejo de a dar
aqui, quase integralmente, visto ser o nosso fim fazer conhecer,
sobretudo, a vida intima do grande apóstolo do Oriente.
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"Meu querido irmão em Jesus Cristo.
Deus, a quem tudo é conhecido, sabe qual o prazer que eu
experimentaria se pudesse estar alguns dias convosco, de preferência a
conservar-me em Tuticorim, separado de vós por tão pequena
distância.
Mas, sendo a minha presença aqui de absoluta necessidade para
terminar as dificuldades que poderiam arrastar esta gente a contendas
perigosas, é irremediável que ambos nós saibamos sacrificar esta
consolação à preciosa vantagem que o serviço de Deus pode colher
desta pacificação, e que nos alegremos de estar onde não desejamos
estar, e onde nos retém a mui santa vontade do Senhor, o seu reino e
a sua glória.
Ainda mais uma vez vos imploro que não vos impacienteis contra essa
desgraçada gente, quaisquer que sejam os seus erros e as suas
reincidências. Conheço quão penoso nos é o ver-nos desviados a
cada instante dos nossos trabalhos sérios para nos ocuparmos dos seus
pequenos interesses; mas é necessário suportar estas importunações
com paciência e serenidade, e prestarmo-nos de bom grado a esses
contratempos que nos vêm por todos os lados.
Fazei quanto puderdes; adiai com afabilidade o que não puderdes
executar no mesmo momento; consolai com boas palavras aquele que não
puderdes servir escusai-vos com bondade por não poder fazer o que vos
pedem.
A esperança consola algum tanto aquele que não obtém desde logo o
que deseja.
Vós deveis a Deus inúmeras e continuadas ações de graças, e
creio que as rendeis devidamente, por vos ter colocado aonde não
podeis estar ocioso, quando mesmo o queirais, porque trabalhos sem
número vos roubam à porfia todos os momentos da vossa vida; mas o que
faz a sua recompensa é o tenderem todos eles para a glória de Deus.
Mando Pedro à vossa disposição; tornai-me Antônio logo que
esteja restabelecido, que, julgo, poderá estarem cinco ou seis
dias.
A qualquer necessidade a que vos vejais exposto, quer seja de
dinheiro, quer de conselhos, escrevei-me imediatamente; não vos
podem faltar oportunidades pelos que vão e vêm diariamente.
Suportai esse povo com uma paciência e bons modos tais,, que nada
vos possa alterar, com o fim de o arrancar ao vício e leva-lo ao
bem. Se alguns daqueles pobres índios são rebeldes a todos os vossos
esforços; se não podeis conquista-los pela vossa indulgência,
lembrai-vos que a missão que vos foi dada consiste em punir, a
propósito, aqueles que o merecem, e a tirar do mal para o bem os que
podem ser estimulados.
Que Deus vos conceda os socorros que eu lhe rogo para mim próprio!
Vosso irmão que muito vos ama em Jesus Cristo.
Francisco".
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