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Na extremidade oriental da Navarra espanhola, não longe da pequena
cidade de Sanguese e no vale de Aibar, eleva-se majestosamente um
escarpado rochedo cercado por uma fortaleza cuja origem remonta aos
primeiros tempos do feudalismo. Abrigada pelos Pirinéus e colocada
como sentinela avançada sobre os confins da Navarra, parece guardar a
entrada e desafiar o Aragão a transpor os limites da sua fronteira.
As ameias, cuja plataforma é cercada, as besteiras das suas fortes
muralhas, as seteiras em rocha dura que formam as suas trincheiras,
atestam ainda hoje os assaltos que teve de sustentar no tempo em que
cada um dos diversos soberanos que reinavam na velha Espanha estavam
continuamente em guerra com os seus vizinhos, cujos direitos
contestavam.
Este antigo solar ali situado como um ninho de águias, era somente
acessível por uma rampa natural que ia terminar ao primeiro andar,
cuja porta era guarnecida de grossas barras de ferro.
Do lado oposto descia-se pelo andar inferior, para um vale onde uma
igreja e algumas habitações, em mui pequeno número, formam a aldeia
dependente da jurisdição do castelo.
Esta antiga fortaleza é o castelo de Xavier.
No começo do século XV a única herdeira da família de Aznarez y
Xavier, descendente dos primeiros soberanos da Navarra [1], levou
este feudo para a casa de Azpilcueta pelo seu casamento com D.
Martinho, único descendente daquela nobre família e que ocupava um
dos primeiros cargos na corte. Na sua morte, não deixou D.
Martinho de Azpilcueta outros herdeiros do seu nome além de um filho
dedicado às ordens sacras, e uma filha que reunia em si todas as
qualidades desejáveis para poder honrar todos os títulos e feudos de,
seus pais.
O rei de Navarra, João III [2], tomando o lugar de pai da
bela e rica herdeira D. Maria de Azpilcueta de Aznarez y Xavier,
que reconhecia como sua parente, escolheu, de entre os fidalgos da sua
corte, aquele que julgou mais digno de uma tal aliança, e deu-lhe
por esposo D. João de Jasso, senhor de Idochim, que ele estimava
com afeição e ternura.
D. João era um dos homens mais distintos da sua época, presidira,
por longo tempo, o Conselho do seu soberano; exercera o cargo de seu
embaixador extraordinário junto dos reis católicos Fernando e Isabel
[3]; gozava de grande reputação nas letras, e o seu talento, a
sua inteligência e integridade nos negócios públicos, a completa
lealdade do seu caráter e a solidez das suas virtudes, granjearam-lhe
a estima e a afeição de todos os cortesãos.
Não querendo o rei de Navarro que se extinguissem, na pessoa de D.
Maria, as nobres famílias de que era única descendente, determinou
que D. João de Jasso acrescentasse, ao seu nome e às suas armas
os nomes e as armas dos Azpilcuetas e dos Xavieres.
Convencionou-se, além disso, e foi uma das condições do
contrato, que se deste casamento proviessem muitos filhos, o último
adotaria o apelido e as armas dos Xavieres com o fim de conservar,
pela descendência deste, a recordação da mercê que o rei Thibaud
I [4] fizera, 250 anos antes, à família de Aznarez, da
casa-forte, e das terras de Xavier, em remuneração dos bons e
leais serviços que ela havia prestado à coroa [5].
Deus abençoou generosamente a união de D. João e D. Maria,
não somente pelos numerosos filhos que lhes deu, mas também pela
graça que aprouve conceder a dois de entre eles. Todos os sues
filhos, a exceção do último, seguiram a carreira das armas na qual
se haviam nobilitado seus avôs, e todos se distinguiram nela, tanto
pelas suas virtudes como pelo seu valor a talento.
Uma só filha concedeu Deus aos votos de D. João e D. Maria,
feitos desde os primeiros anos da sua união. Bela e virtuosa, como
sua mãe, adquirira Madalena a confiança e a afeição da rainha
Isabel, que a chamou para junto de si na qualidade de sua dama de
honor a sua favorita.
Não podia, porém, Madalena, no meio do bulício a dos prazeres da
corte, dedicar-se, como desejava, as obras de caridade a às
orações, com fervorosa devoção Crescia-lhe de dia em dia o amor
de Deus, e a sua posição na corte absorvia-lhe todo o tempo que
desejava consagrar a religião. Todos os seus desejos eram
entregar-se inteiramente a Deus, porém via-se forçada a
distrair-se, e isto lhe se tornava intolerável. Finalmente, o seu
tédio pelas grandezas a prazeres do mundo cresceram a tal ponto, que
abandonou a corte e retirou-se para onde Deus a chamava.
As santas religiosas que a guerra forçara a abandonar a Franca,
vieram refugiar-se na Espanha, próximo de Valença, na pequena
cidade de Gandia, a ali viviam sob a rigorosa severidade da sua
ordem.
O mosteiro de Santa Clara de Gandia gozava do credito do mais
austero da Espanha, a foi sem dúvida por isso que D. Madalena de
Azpilcueta o escolheu e preferiu, e era certamente para ali que Deus
a chamava, porque desde o começo do seu noviciado causou a sua
santidade, tida como um prodígio, a maior admiração, a poucos anos
depois foi ela escolhida para suceder a abadessa que falecera.
Deus fazia conhecer muitas vezes os seus desígnios à devota
Madalena. Revelou-lhe um dia que a morte que lhe destinava seria
serena e tranqüila como o sono da inocência; porém fez-lhe
conhecer, ao mesmo tempo, uma das suas religiosas, anunciando-lhe a
morte mais tormentosa da natureza.
A caridosa abadessa empenhou-se desde logo para com Deus, suplicando
para si aquela morte de tormentos, e que a divina Bondade reservasse e
concedesse à sua religiosa a que fosse mais amena. Conheceu, por
inspiração divina, que a sua súplica seria atendida e bem depressa
teve a prova.
A religiosa que a abadessa vira na sua revelação, morreu, pouco
depois,, sem sofrimento algum e parecendo gozar antecipadamente das
alegrias celestes e que fazem a felicidade eterna. E mais tarde, em
1532, Madalena adoeceu, a gangrena corroeu o seu corpo
extinguindo-o lentamente, e baixou à sepultura sofrendo todos os
horrores que produzem essas humilhantes decomposições e as cruéis
dores que as acompanham. Mil vezes mais pesarosa com os sofrimentos da
alma do que com os do corpo, suportou este longo martírio com uma
coragem e resignação heróicas, e expirou bendizendo a Misericórdia
infinita que se comprazem em purificá-la assim nesta vida.
Francisco, era o último filho de D. João e D. Maria. Nascido
a 7 de Abril de 1506, no castelo de Xavier, cujo feudo se lhe
destinava, tomou dele o nome; porém tendo mostrado desde a infância
a mais verdadeira dedicação pelo estudo, a ponto de seus pais
conhecerem logo que ele tinha uma decidida vocação pela vida
eclesiástica, quiseram que seu irmão imediato, anterior na idade,
também adoptasse o apelido de Xavier, que desejavam conservar e
perpetuar na sua descendência.
Francisco cresceu e à medida que a sua robusta inteligência e talento
se desenvolvia, a sua dedicação pelo estudo tornava-se em paixão
profetizadora de ditoso futuro.
Os outros seus irmãos só aspiravam às distinções na profissão das
armas; Francisco, conquanto possuísse todos os predicados para nela
brilhar com todo o esplendor, não tinha por aquela carreira
inclinação alguma, e fácil era prever-se que não seguiria senão a
das ciências.
Cursou tudo quanto se lhe podia ensinar em Navarra, com a maior
brevidade e admirável distinção; e como uma tal facilidade e tais
progressos não podiam deixar seus pais em dúvida sobre a resolução
que tinham a tomar, resignaram-se estes a secundar as suas prodigiosas
disposições, mandando-o para a Universidade de Paris. Este
sacrifício era imenso. Já os filhos mais velhos se achavam apartados
da família, prometendo tornarem-se dignos do seu nome.
D. Madalena entrara, alguns anos antes, para o mosteiro de Santa
Clara, e desta numerosa família, o último filho, aquele que
recebera ás últimas carícias prodigalizadas à infância, o único
que ficava e fazia as delícias do lar paterno pelos amáveis dotes do
seu espirito, ia apartar-se também e para muito mais longe! Mas os
interesses do seu futuro assim o reclamavam, e seus pais souberam ser
generosos para com este seu filho muito amado.
Francisco tinha então dezoito anos, havia já concluído os seus
estudos preparatórios e desejava completar o curso de filosofia;
partiu, pois, em seguida, e logo que chegou a Paris entrou no
colégio de Santa Bárbara.
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