XII. CONFIANÇA NA PROVIDENCIA

Pedro de Zarate e Bermeo, comendador da ordem dos cavaleiros do Santo Sepulcro, de Jerusalém, via com profunda dor o estado de degradação em que os povos sírios tinham caído. Todas as heresias, todas as seitas pareciam ter-se reunido naquele desgraçado país aos muçulmanos; os judeus afluíam ah e só os católicos pareciam estar excluídos.

O cavaleiro Zarate veio a Roma e solicitou do Papa o estabelecimento de três colégios da Companhia de Jesus:o primeiro em Jerusalém, onde todos os hereges e cismáticos iam freqüentemente em peregrinação; o segundo em Constantinopla, para a conversão dos muçulmanos senhores da Síria; o terceiro para a ilha de Chipre, centro do cisma grego. Júlio III concede imediatamente tudo o que lhe é pedido para a glória de Deus. A bula que autorizava os três colégios erige uma arquiconfraria do Santo Sepulcro em Jerusalém.

Inácio de Loiola não havia abandonado o projecto que tão vivamente enchera o seu coração no começo da sua conversão. Sabia que, se a Providência lhe tinha fechado aquele caminho, depois de lho ter mostrado, um dia viria em que se abriria para a sua Companhia. Sabia que os obstáculos se aplanariam cedo ou tarde, e que os seus filhos penetrariam, no momento indicado pelo dedo de Deus, nesse solo tão abundantemente abençoado e tão indignamente profanado !... Não se poupou a esforços para secundar o zelo do cavaleiro Zarate; escreveu aos soberanos, aos príncipes, a alguns fidalgos ricos e poderosos; pediu o auxilio de todos para a obra de que a sua grande alma apreciava todo o alcance, mas não obteve os resultados que esperava. O negócio correu morosamente, os conselheiros dos soberanos eram de opinião que o dinheiro fosse gasto em multiplicar os estabelecimentos dos jesuítas nos seus próprios Estados, para bem espiritual dos seus súbditos, de que eram responsáveis, e os mesmos príncipes compreendiam pouco a grandeza e a necessidade duma obra cujo teatro estava tão distante.

Entretanto, tendo uma pessoa rica e zelosa confiança numa empresa tão desejada por Inácio de Loiola, deixou, no testamento, quinhentos ducados para a fundação do colégio de Jerusalém. Mas logo se levantou a oposição duma ordem religiosa que estando já estabelecida em Jerusalém, receou que faltassem os recursos necessários para viver se outros religiosos os fossem diminuir, partilhando as esmolas que a sustentavam. Quis pois obter de Inácio uma renúncia jurídica ao direito, que lhe conferia a bula de Júlio III, de fundar um colégio em Jerusalém. O nosso Santo recusou-se energicamente a fazer esta renúncia. Escreveu ao comendador Zarate, então junto de Filipe II, nos Países Baixos

"Ninguém sabe o que quer fazer o Senhor Nosso Deus pelos inúteis instrumentos da nossa mínima Companhia. Não me parece, pois, conforme à razão e ao espirito de Deus Nosso Senhor fechar a porta da Terra Santa a um colégio da nossa Sociedade. E quando eu renunciasse a isso pessoalmente, não -vejo que este ato fosse válido para o future e pudesse ligar a Companhia. Além disso, não creio poder, em consciência, prestar-me a tal renúncia. É verdade que não vejo as coisas dispostas de maneira a prever que possa ser fundado um colégio ali durante a minha vida, mas é mais fácil nunca fundar o colégio do que ligar a Companhia para o futuro".

O nosso Santo não viu, com efeito, a Companhia penetrar na Palestina, e os seus sucessores não foram mais felizes. Deus reservava esta obra de salvação para o nosso século. Somente hoje é que a Companhia de Jesus viu abrir-se para ela uma porta da Síria; a de Jerusalém está-lhe ainda fechada, mas misericórdia de Deus é infinita e acabará a obra começada. Não está talvez longe o dia em que Santo Inácio de Loiola se regozije no céu de ver os filhos da sua grande família realizarem os projetos da sua juventude e cumprirem o primeiro voto que ele fez na sua Vigília das armas em Monserrate, que renovou tantas vezes na sua gruta de Manresa e de que não cessou de falar aos seus primeiros discípulos durante alguns. anos.

Os colégios de Constantinopla e de Chipre, autorizados pela mesma bula, em 15 5 q., ficaram igualmente em projecto. A Companhia só se podia dar a si mesma; não tendo outros recursos senão as esmolas, estava na impossibilidade de fundar e não podia senão aceitar as fundações que lhe propunham. Teve que renunciar por então à Grécia e à Turquia, como tinha renunciado à Palestina, e esperar a hora da Providência. O Padre Laynez, aflito com este insucesso, disse ao nosso Santo:

- Agora que toda a esperança para a Terra Santa está perdida, dar-me-ia por feliz em ir às Índias trabalhar na conversão dos infiéis.

- Quanto a mim, - disse Inácio - não tenho esse desejo, e, se o tivesse, repeli-lo-ia.

- Porquê, meu Padre? - perguntou-lhe o seu amigo surpreendido.

- Não estamos comprometidos por voto, - acrescentou o Santo - a irmos aonde apraza ao Soberano Pontífice mandar-nos? Devo, pois, estar disposto a ir para qualquer parte, e o Oriente não me deve atrair mais que o Ocidente. Se eu tivesse, como Vossa Reverência, qualquer preferência, combatê-la-ia, e trataria de me pôr numa perfeita indiferença a respeito de tudo o que possa ser-me ordenado. Asseguro que, velho e enfermo, como estou, não hesitaria, ao primeiro sinal de Sua Santidade, em partir a pé, de bordão na mão, para me dirigir a Espanha ou a outra qualquer parte, ou embarcar, sem a menor provisão, num navio qualquer, mesmo sem velas e sem governo. Neste estado de obediência, não terei nenhuma repugnância que vencer; julgar-me-ia até muito feliz.

- Mas, Padre, - lhe disse um dos seus religiosos - que faria Vossa Reverência então da sua prudência?

- A prudência, - replicou o nosso Santo - não é a virtude que obedece; é a virtude daquele que manda. A prudência daquele que obedece é sacrificar a prudência à obediência.

Numa doença grave, em 1550, foi tratado por um jovem médico que, atribuindo os seus sofrimentos a um resfriado; o fez calafetar no quarto de maneira a não deixar penetrar nele o ar exterior, receitou-lhe tisanas a ferver, mandou-o cobrir de cobertores, isto durante os mais fortes calores do verão. O Santo, devorado pela febre, sentiu que este tratamento lhe era nocivo, mas obedeceu, e dando-se por feliz por encontrar uma ocasião de obedecer, mesmo com perigo de vida, submeteu-se sem se queixar e sem dar mostras de desejai o menor alívio.

Entretanto, os religiosos aterrorizavam-se com os progressos da doença, com a incessante transpiração que esgotava as forças do doente, com os frequentes desmaios, que lhes faziam recear que o não pudessem chamar à vida, com tudo isso, enfim, que parecia anunciar-lhes o fim próximo daquele que amavam. Chamaram o dr. Alexandre Petrônio, um dos mais célebres médicos de Roma, muito dedicado ao santo doente. Petrônio indignou-se contra um tratamento tão oposto àquele que se devia ter prescrito, mandou arejar o quarto, tirar os cobertores e refrescar o paciente.

Receando os Padres as conseqüências desta brusca mudança, disseram a Inácio que pedisse a Deus a sua cura:

- É inútil, - respondeu ele.

- Mas, Padre, peça-a, não por si nem por nós, mas somente no interesse da Companhia.

- É inútil, - replicou o santo fundador. Pela graça de Deus Nosso Senhor, os nossos primeiros Padres são bons, os segundos serão melhores, e, a estes, sucederão outros melhores ainda, porque aos trabalhos interiores, juntarão a disciplina interior, sendo então observadas todas as partes dela.

O dr. Petrônio recomendou-lhe que pusesse de parte qualquer preocupação que o pudesse comover, porque a sua fraqueza era tal que se não podia ainda responder pela sua cura. Inácio, desejando obedecer em tudo, reflecte, procura, pergunta-se o que poderia comovê-lo e não encontra nada. Alguns momentos depois:

- Encontrei; - disse ele - o que me poderia comover era a destruição da Companhia; mas se a culpa não fosse minha, vê-la-ia dissolver como um grão de sal num copo de água, e bastar-me-ia um quarto de hora passado aos pés de Nosso Senhor para reconquistar toda a minha tranquilidade e liberdade de espirito.

Os colégios de Roma tinham muita necessidade de socorros; porque Inácio, confiando sempre na terna solicitude da Providência, não cessava de aumentar o número dos alunos, e por conseqüência o dos Padres. Ainda que não houvesse cinco réis na casa professa ou nos colégios, o santo fundador não rejeitava um noviço ou um aluno

- Aquele que quer fazer grandes coisas por Deus, - dizia ele - não deve consultar só a sua cabeça e os seus braços; a sua inteligência é fraca e o seu poder limitado.

- Meu Padre, - dizia-lhe um dos seus religiosos, aterrorizado com o aumento do Colégio Romano - como é que Vossa Reverência, com a prudência que o caracteriza em todas as coisas, recebe tantos súbditos? É um aumento de despesa que nos pode ser fatal?

- Quando se trabalha pela maior glória de Deus, - respondeu o santo fundador - é mister lutar contra ventos e marés, e, quando a situação parece mais desesperada, confiar mais ainda em Deus.

Via-se que os presentes e as esmolas eram sempre em proporção das necessidades. A confiança de Inácio foi constantemente justificada, muitas vezes miraculosa, sempre providencial. O Padre Bobadilha perguntou-lhe um dia, em que haviam chegado alguns Padres, chamados pelo seu Geral, onde contava ir buscar o preciso para alimentar tanta gente. O Santo enumera as esmolas habituais que recebe.

- Isso não chega para acudir a metade das despesas indispensáveis, - replicou Bobadilha.

Inácio encara-o surpreendido e responde-lhe:

- Pois não devemos nós ter confiança na Providência? Não teremos confiança em Deus, que tanto como a piedosa liberalidade dos fiéis, nos tem sempre animado? Quanto a mim, tenho a certeza de encontrar na mão do Pai celeste o que me faltasse na dos fiéis, e quando mesmo essa mão divina me não fornecesse nada, estaria ainda certo de encontrar nela o necessário.

O Colégio Romano continha vinte e oito religiosos; querendo o santo fundador elevar este número até cem, e não contando com os recursos habituais ou prováveis, mas somente com os fundos da Providência, ordenou ao Padre Olivier Manare, reitor do Colégio, que arranjasse as coisas convenientemente para este aumento.

Uma ordem de Inácio era uma ordem do céu para todos os seus religiosos. O Padre Olivier, que dá estas informações nas memórias que deixou, não respondeu que não havia dinheiro; que na casa professa e no Colégio havia apenas cinco ducados; que o Padre João de Polanco la contraíra um empréstimo para a construção destinada ao aumento do Colégio; enfim, que não tendo o preciso para acudir às necessidades actuais, não vê onde possa ir buscar o necessário para mais setenta e dois religiosos. Bastou ao Padre reitor que o seu santo Padre Geral tivesse ordenado, para que ele se preparasse para obedecer. Procurou o Padre Polanco que lhe entregou os cinco ducados, único recurso no momento

- Não os quero, - lhe disse Olivier - guarde-os Vossa Reverência para os seus operários.

- Procurarei esmolas, - respondeu João de Polanco e contrairei novo empréstimo, que por certo a Providência se encarregará de pagar, porque o nosso Padre Inácio ordenou que gastássemos. Tenhamos confiança.

Convencionado isto os dois religiosos procederam em conformidade com a vontade do seu superior. Um dia, Inácio foi ver os aposentos destinados a alojar todos os Padres, que breve chegariam. O Padre Polanco e o reitor do Colégio acompanham-no. Mostra-se satisfeito, mas, chegando ao último andar, abrem-lhe as portas das águas-furtadas, onde vê camas, cadeiras, mesas para escrever, e dizem-lhe:

- Eis os quartos dos nossos Padres.

- Oh ! - diz o Santo ao Padre Polanco - aqui é que hão-de dormir os nossos irmãos? É aqui que eles hão-de viver? Mas o inverno aproxima-se! Onde está o tecto de estuque? Os nossos irmãos hão-de habitar sob estas telhas, a contemplarem constantemente os astros?

- Padre, não temos mais dinheiro nem há a quem pedi-lo emprestado.

- É preciso estucar o tecto, Padre Polanco; -respondeu tranqüilamente o Santo - não devemos deixar os nossos irmãos dormir aqui; Deus fará o resto. A pobreza é um muro e apoio duma Ordem religiosa; Deus quer, pois, que os seus servos vivam de pobreza, mas não exige deles a miséria a que Vossa Reverência os condena.

O Padre Polanco saiu no dia seguinte para arranjar dinheiro emprestado; porque o Padre Geral dera uma ordem e era necessário executá-la, apesar de todas as impossibilidades aparentes. O santo religioso encontrou a alguns passos de casa, um Navarro, o Arcediago Mondragone.

- Padre Polanco - lhe diz ele - faça o favor de me guardar cinquenta escudos de ouro; estarão mais seguros na sua mão do que na minha; pedir-lhos-ei à medida que me forem necessários, e se Vossa Reverência tiver necessidade deles, pode gastá-los e restituir-mos mais tarde.

No mesmo dia, um português deu-lhe a guardar uma soma ainda mais considerável, e com a mesma faculdade de se servir dela. Pouco depois vendo os benfeitores da Companhia os trabalhos que se faziam, e sabendo que o santo fundador era muito sábio e muito prudente para os ter empreendido sem necessidade, enviaram esmolas em tal abundância, que chegaram para pagar as dívidas e para prover às exigências do momento.

O Colégio Germânico achou-se, por seu turno, tão desprovido, que o reitor, Guido Roilitz, procurou o Padre Geral e disse-lhe que lhe faltava o necessário. Inácio ouviu-o, pareceu compartilhar do seu embaraço, e disse-lhe, sorrindo:

- Padre Guido, que acepipes tenciona Vossa Reverência dar aos alunos durante as festas do Natal?

- Oh! meu Padre, - respondeu o reitor - nem sequer têm pão, porque o padeiro não quer fiar mais.

- Então, - respondeu o Santo - Deus lho dará; tenha confiança. Entretanto, compre alguns cabritos e qualquer outra coisa para recrear esses jovens e deixe a Deus Nosso Senhor o cuidado do resto.

No dia seguinte, o Papa Júlio III enviava quinhentos ducados a Santo Inácio. O bom Padre Geral dividiu imediatamente aquela quantia entre os dois colégios. Pouco depois, Júlio III passava a melhor vida.

Inácio tinha calculado que, compondo-se o Colégio Romano de duzentas pessoas, religiosos e alunos, era bom ter facilidade de fazer tomar o ar e o repouso do campo àqueles que tivessem necessidade disso, e havia comprado, para este fim, no ano precedente, um terreno junto de Santa Balbina, no local dos banhos de Antonino. Não hesitou, apesar da carência de recursos motivada pelos flagelos que assolavam os Estados romanos, em prosseguir a empresa começada. Fez construir uma casa assaz vasta e muito bem dividida para ser habitada por todos os enfermos das casas de Roma e receber os jovens que quisessem ali enviar a tomar um pouco de descanso. Alguns Padres disseram-lhe a propósito disto

- Como é que Vossa Reverência, dispende tanto dinheiro em construções, quando o que temos mal nos chega para viver? Não seria melhor reservar alguns recursos para a ocasião em que o necessário possa faltar?

- Prefiro a saúde do menor dos nossos irmãos, - respondeu ele - a todos os tesouros da -terra.

Alguns dias depois, o Padre Polanco vinha dizer-lhe que era necessário pagar aos operários do Colégio Romano e que só tinha uns poucos de vinténs:

- Vou falar nisso a Nosso Senhor, - disse-lhe o Santo.

E encerrou-se para ficar só com Deus. Quando acabou a sua oração, mandou chamar os Padres Laynez, Cristóvão de Madrid, e João de Polanco e olhando-os com a expressão duma doce alegria:

- Não sou profeta nem filho de profeta, - lhes disse mas posso assegurar-lhes uma coisa: é que Nosso Senhor nos não abandonará. Padre Polanco, faça subsistir o Colégio somente mais seis meses, que eu cuidarei dele depois.

No mesmo instante, dois ricos personagens enviaram uma soma considerável de dinheiro; nos dias seguintes vieram novas esmolas.

- É realmente um milagre de cada dia, - dizia o Padre Gonçalves da Câmara, então em Roma. Num tempo em que todos são forçados a restringir-se, é um milagre da Providência a existência das nossas casas vivendo unicamente dos recursos da caridade.

- O contrário é que seria um milagre, - respondeu o Padre Inácio. Sim, se Deus deixasse sem socorros aqueles que só nele confiam, seria um milagre. Chegou Vossa Reverência até hoje, Padre Gonçalves, sem notar que os nossos recursos são sempre proporcionados às nossas necessidades?

Sirvamos Nosso Senhor, e Ele nos proverá do necessário. Quanto a mim, receberia tão facilmente mil novos discípulos como recebi cem ultimamente, porque ao Senhor Nosso Deus não é mais difícil fazer viver mil do que cem.

Algumas vezes sucedeu que, no momento em que se tocava para a refeição, não havia um só pedaço de pão em casa. Dirigiam-se todavia ao refeitório, e todas as vezes, no último momento, apareciam abundantes provisões.

Um dia encontrou-se a casa desprovida ao mesmo tempo de pão, de vinho, de lenha e de dinheiro. Nesse mesmo dia, uma pessoa piedosa enviou um carro de lenha. O porteiro manda entrar o carro, e fecha a porta: volta-se para entrar... e vê no corredor alguns sacos de arroz e algumas pipas de vinho! Por onde tinham entrado aquelas provisões? Quem as tinha mandado? Nunca se soube... O santo fundador conhecia talvez o segredo, mas a sua humildade soube guardá-lo.

Num momento, em que os socorros com que ele podia contar lhe faltaram totalmente, apresentaram-se-lhe alguns alunos e grande número de noviços. A prudência humana aconselhava que lhes fechasse a porca; mas a confiança de Inácio ordenou que a abrissem. No dia seguinte, à noite o Irmão João Croce, ecônomo da casa, voltava de S. João de Latrão, quando, perto do Coliseu, um desconhecido se aproxima, mete-lhe um rolo na mão e desaparece. Este rolo continha cem escudos de ouro. Alguns dias depois, o mesmo Irmão sai ao romper do dia para ir fazer as compras; aproxima-se-lhe um homem, e, sem lhe dizer uma só palavra, mete-lhe uma bolsa na pião e afasta-se. O irmão sente que a bolsa é pesada; não teve tempo de ver o desconhecido, e, mesmo que tivesse, não lhe veria os traços fisionômicos, porque mal se via ainda. "Se fosse um mau espírito"? disse consigo o Irmão. O bom Irmão perturba-se com este pensamento, treme de medo, e diz que aquele mau espírito esteve a zombar dele e lhe deu talvez dinheiro falso para o comprometer. A dois passos está uma igreja aberta, e o Irmão entra para se tranqüilizar pela oração. Pede a Deus que primeiro o acalme, porque lhe parece ter ainda junto de si o espírito maligno encarregado de o perder pelo dinheiro falso e depois pede-lhe que não permita tal desgraça. Acabada a oração, quis examinai o conteúdo da bolsa antes de sair da igreja e vê que são peças de ouro, que julga serem de boa lei! Não se enganava. Quanto ao doador ficou desconhecido, como o do Coliseu e como tantos outros.

O Padre Polanco, procurando um dia papéis numa grande mala que deixava sempre aberta, encontra um rolo que não suspeitava estaria lá e cujo peso o admira; sente que é dinheiro, que precisamente naquele momento lhe faltava. Abre o rolo e vê que continha escudos de ouro tão brilhantes como se acabassem de ser cunhados. O Padre leva-os ao nosso Santo, que agradece à Providência, e diz em seguida ao bom Padre

- Padre Polanco, nunca se deve desconfiar daquele a quem é tão fácil executar como querer.

Por isso João Polanco dizia muitas vezes aos seus irmãos:

- Não me inquieto nunca de saber se tenho dinheiro, mas somente se o Padre Inácio ordena, porque a sua palavra é de ouro.

O Padre Martinho Olave escrevia a Ribadeneira, então em Flandres

"Para estar convencido da eminente santidade do nosso Padre Inácio, não tenho necessidade de ver doentes curados ou mortos ressuscitados por ele; o que se passa diariamente em Roma em favor das nossas casas, desde que eu aqui estou, é mais que suficiente para me provar que ele é um Santo".