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D. Beltrão Yánez de Onaz y Loyola, descendente duma das mais
ilustres e das mais antigas famílias da Biscaia, havia
esposado D. Marina Sáenz de Licona y Balda, que pertencia à
mesma província e cujo nascimento e virtudes a tornavam digna
desta nobre aliança.
Deus havia-lhe dado já sete filhos e três filhas quando
Inácio veio ao mundo, pelos anos de 1491[1], no castelo de
Loiola, artigo solar da família [2]. Sabendo que era mãe dum
oitavo filho, D. Marina ergueu os olhos ao céu, e lançando-os
em seguida para seu marido, disse-lhe:
- Deus queira que este querido filho tenha disposições menos
belicosas que seus irmãos, e que possamos educa-lo e
conserva-o a nosso lado.
- Oxalá, - respondeu Beltrão - que este tenha gosto pelo
estudo.
- Deus o queira ! - repetiu a nobre castelã - mas não me
acostumarei a essa idéia, porque tenho muitas vezes espetado
em vão.
O filho predestinado foi baptizado na igreja de S. Sebastião,
sua freguesia [3], em Azpeitia, e não levou muito tempo a
demonstrar que sua mãe tivera razão em não confiar nas
pacificas inclinações, que tanto desejava nele.
Desde os primeiros anos, Inácio mostrou-se mais vivo, mais
turbulento, mais arrebatado ainda que seus irmãos; e, apesar
das suas ratas qualidades de espirito e de coração, foi
impossível acadimá-lo ao estudo. Não ouvindo falar senão de
cercos e de assaltos, de batalhas e de vitórias, de altos
feitos e de brilhantes renomes, cresceu com o desejo de
cingir um dia uma espada e de se distinguir por sua vez em
proezas guerreiras.
O duque de Nájera, que gozava de grande favor na corte e era
próximo parente de D. Beltrão, tinha afeto paternal a Inácio.
A natureza franca, o coração leal, a alma ardente e generosa
deste menino tinham para ele os maiores encantos; até os seus
arrebatamentos e a sua altivez precoce lhe não desagradavam.
- Bravo! rapaz, - lhe dizia algumas vezes - a historia
militar de Espanha há-de registar um dia o teu nome.
- Ah! - murmurava docemente D. Marina - não repara, senhor
duque, no coração da pobre mãe De todos os meus filhos, não
terei a consolação de conservar nenhum junto de mim. O mais
velho já está exposto a todos os perigos da guerra` - e os
outros seguir-lhe-ão brevemente o exemplo.
- Compreendo a sua dor e solicitude - lhe dizia o duque; mas,
em Espanha como em França, nobreza obriga.
D. Marina não chegou a experimentar a dor que tanto temia.
Deus não tardou a chamá-la a Si, e Inácio foi confiado a sua
tia, D. Maria de Guevara, que habitava Arévalo, perto de
Avila, e que o educou como se fora seu filho. Alguns anos
mais tarde, o duque de Najera, seu tio, grande de Espanha,
fê-lo admitir na escola dos pajens do rei [4].
Fernando, o Católico, encantado com a sua graça, inteligência
e beleza, testemunhou-lhe desde logo uma preferência, que le
atraiu a dos cortesãos. A vaidade do belo pajem cresceu um
pouco, mas dominando esta fraqueza a nobreza do meu coração e
a delicadeza dos seus sentimentos, soube fazer-se amar de
todos, até daqueles que o invejavam.
Terminada a sua educação, Inácio de Loiola não abandonou a
corte. Ausentava-se de tempos a tempos para fazer os seus
primeiros ensaios na carreira das armas sob a direção do
duque de Najera, mas voltava após cada campanha e fixava a
sua residência na corte. Um interesse do coração o atraía no
palácio dos soberanos: Inácio rendia homenagens a uma
princesa, de que a história nos oculta o nome, e não era
repelido [5]. Mas a distância não podia ser transposta:
Inácio não podia esperar uma aliança com uma princesa de
sangue; limitava-se, por isso, a usar as suas cores e dar por
vezes uma cutilada àqueles que ousavam falar da sua
temeridade ou recusar à princesa a palma da formosura.
Entretanto Carlos V tinha sucedido a Fernando, o Católico; a
guerra havia rebentado no exterior em alguns pontos ao mesmo
tempo; e, no interior, as principais províncias de Espanha,
ciosas da sua antiga independência, tentavam reconquistá-la
com as armas na mão. Este estado de rebelião contínua exigia,
em diversos lugares, a presença dum exército forte e
aguerrido, dirigido por oficiais distintos e de experimentada
fidelidade. O Duque de Nájera, D. António Manrique, comandava
um desses corpos de exército.
Inácio continuava na corte, e, se se batia, era em duelo,
todas as vezes que se lhe oferecia ocasião.
Um dia recebem-se no palácio notícias do exército de Nápoles
e sabe-se que os filhos de Beltrão de Oñaz se distinguem com
igual valor. Inácio envergonha-se da sua inação e pede ao
duque de Nájera uma companhia de homens de armas, que ele se
propõe conduzir à vitória. A sua ardente e poética,
imaginação sonha com a glória de se assinalar também com
esplendor e de voltar em seguida a depor aos pés da princesa,
de que se constituiu cavaleiro, os louros colhidos no campo
da honra. D. Antônio acede com alegria ao desejo do seu
sobrinho, dá-lhe uma companhia no corpo que está sob suas
ordens, e D. Inácio abandona a corte, prometendo não entrar
lá de novo senão como vencedor. Tinha então vinte e seis
anos.
Neste momento os castelhanos caiam sobre a Biscaia e acabavam
de se apoderar de Nájera. D. Antônio Manrique marcha sobre
aquela cidade e põe-lhe cerco; Inácio acompanha-o. Os
sitiados defendem-se tão vigorosamente como são atacados; têm
provisões consideráveis e receia-se que o cerco seja assaz
longo. Inácio, que já tinha mostrado prodígios de coragem, de
inteligência e de habilidade, fala aos seus soldados,
excita-lhes o ardor, é o primeiro a subir ao assalto e toma a
praça no meio dos aplausos do exército. Esta glória não lhe
basta: a cidade é entregue à pilhagem, a mais rica parte do
saque é para o jovem capitão, cuja valentia decidiu da
vitória; o nosso herói recusa-a e abandona-a à sua companhia.
Este duplo rasgo de desinteresse e de generosidade é acolhido
por aclamações entusiásticas dos oficiais e dos soldados.
Inácio de Loiola era certamente sensível aos testemunhos de
estima e admiração que recebia; mas somos forçados a
confessar que, no meio deste triunfo, um pensamento o
preocupava singularmente. Era compor uns versos destinados a
oferecer aquela gloriosa vitória à princesa, cujas cores
usava: assim o pediam os costumes da época e o uso da corte
onde Inácio fora educado.
Depois da pacificação de Castela, Inácio voltou a Valência e
achou a mais bela recompensa nos elogios que lhe fizeram nas
felicitações que recebeu. Depois de longa permanência na
sorte, abandonou-a de novo para se dirigir aonde a honra o
chamava
Sendo D. Antônio Manrique, vice-rei de Navarra, obrigado a Ir
tomar posse do seu governo, Inácio seguiu-o com uma parte dos
seus homens de armas. Não levou muito tempo que um correio
não viesse anunciar a D. Antônio que o Conde de España, André
de Foix, marchava sobre a Espanha, à frente dum corpo de
exército considerável.
O vice-rei dirigiu-se a toda a pressa à província de Castela
pata procurar ali um reforço de tropas navarras, e deixou o
comando das tropas de Pamplona a seu sobrinho, no momento em
que os franceses desciam os Pirenéus para reconquistar a
Navarra espanhola em nome de Henrique de Albret.
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