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A Companhia de Jesus desenvolvia-se rapidamente em Portugal e
na Espanha. Os aspirantes surgiam, com pactos, à voz do Padre
Fabro e à do Padre Araoz, cuja eloqüência electrizava os
espanhóis. Diz-se que, percorrendo as diversas províncias da
sua pátria, com Pedro Fabro, era obrigado a pregar ao ar
livre para satisfazer a multidão, que se acotovelava junto
dele. Colocavam um púlpito na praça, a multidão reunia-se em
volta dele, as janelas das
casas guarneciam-se de gente, chegavam a subir aos telhados
para ouvir a sua poderosa palavra e as lágrimas da mais viva
contrição corriam de todos os olhos. Os Exercícios
Espirituais, dados pelos dois Padres, levaram a reforma a
todos os conventos, cuja disciplina se havia relaxado;
acenderam no clero o espirito sacerdotal, muito enfraquecido
em grande número de sacerdotes e sobretudo entre os párocos
das freguesias rurais; enfim, determinaram numerosas vocações
religiosas e produziram em toda a parte frutos maravilhosos.
Pedro Fabro acabava de fundar um colégio em Valhadolid, e o
rei de Portugal nomeara-o Patriarca da Etiópia, apesar da sua
saúde, gasta por tantas fadigas, causar grande inquietação
aqueles que o amavam. Recebeu entretanto ordem de abandonar a
Espanha e de se dirigir a Roma, para ir em seguida ao
Concilio de Trento, aonde o Papa queria enviá-lo, com o mesmo
título e para o mesmo fim que Laynez e Salmeron. Sabendo esta
notícia, os seus amigos, consternados, convidam-no a
demorar-se algum tempo a fim de se restabelecer.
- Empreender essa viagem, - disseram-lhe - no estado de saúde
em que se encontra, é correr à morte.
- Não é necessário viver; - respondeu o Santo - mas é
necessário obedecer.
Partiu no mês de Maio de 1546; passando em Gandia, coloca, a
primeira pedra dum colégio fundado a expensas do duque
Francisco de Bórgia. Em Barcelona, aonde chegou no mês de
junho, apesar da febre que o devorava e do calor sufocante da
atmosfera, prega e converte. Enfim, chegando a Roma, morre no
dia i de Agosto de 1546, nos braços do seu muito amado Pai
espiritual, que o cobre de bênçãos e de lágrimas; todos os
Padres choram também com grande dor:
- Foi de muita utilidade; - diziam os Padres ao Padre
Geral-fez tanto bem ! Trabalhou tanto para glória de Deus !
fez brilhar tanto a Companhia! Terá um sucessor digno?
- Terá, sim, - respondeu Inácio em tom de inspirado. Não nos
aflijamos com esta grande perda, que Deus breve reparará para
a Companhia dando-lhe um personagem que contribuirá
maravilhosamente para a difundir e ilustrar pelas suas
eminentes virtudes, seu raro talento, sua grande capacidade e
seu zelo verdadeiramente apostólico.
Este personagem era o duque de Gandia, Francisco de Bórgia.
Havia muito tempo que Deus dera a conhecer ao nosso Santo que
um fidalgo de Espanha entraria na Companhia e seria uma das
suas mais belas glórias, um dos seus maiores santos. Naquele
mesmo ano de 1546, tendo o duque de Gandia perdido sua
esposa, apressou-se a corresponder ao chamamento divino
consagrando-se à vida religiosa. O duque amava ternamente sua
esposa, D. Leonor de Castro, de quem tinha oito filhos; mas
sentia-se impelido a uma vida mais perfeita e havia prometido
a Deus abandonar tudo para seguir a sua voz, se a duquesa
falecesse antes dele. Deus chamou a si D. Leonor no dia 27 de
Maio de 15 46, e, alguns meses depois o duque de Gandia
escrevia a Inácio de Loiola a pedir-lhe que o recebesse no
número dos seus noviços.
D. João da Vega, que vimos embaixador de Carlos V em Roma,
fora nomeado vice-rei da Sicília, e, apenas estabelecido no
seu governo, sentiu necessidade de. chamar os jesuítas para
reformar os costumes, fazer reviver a fé, educar a juventude
e fazer descer as bênçãos do céu sobre a Sicília. Depois de
ter tomado as suas medidas, escreveu ao santo fundador da
Companhia de Jesus, expôs-lhe as necessidades espirituais do
país que lhe foi confiado, disse-lhe que o material de dois
colégios estava pronto e só esperava os Padres, e
suplicou-lhe que lhos enviasse para a cidade de Messina e
para a de Palermo, já preparadas para os receber.
O Santo reuniu os seus Padres de Roma, participou-lhes o
pedido de D. João da Vega e acrescentou:
"Orem durante três dias por esta intenção, pedindo a Deus
Nosso Senhor que nos faça conhecer a sua santíssima vontade,
que me inspire na escolha daqueles que devem ir e que
disponha os que quer que vão para esse destino. No quarto
dia, cada um me responderá por escrito a estes três pontos:
1º É-lhes indiferente ir à Sicília ou permanecer em Roma, e a
resolução do Superior, que ocupa junto de nós o lugar de
Deus, ser-lhes-á preferível a tudo? 2º Se forem enviados à
Sicília, estarão dispostos a ensinar, a desempenhar as
funções que exigem a ciência e o trabalho da inteligência, ou
a exercer os empregos domésticos? 3º Se forem ocupados no
ensino ou no estudo, estarão dispostos a estudar as
disciplinas ou a reger a classe que lhes for designada pelo
superior? Enfim, julgarão que tudo o que lhes for mandado
pela obediência será o melhor para as suas pessoas e o mais
útil para sua salvação?
Havia perto de quarenta Padres naquele momento nas casas de
Roma; todos, sem exceção, enviaram, no quarto dia, a Santo
Inácio, a resposta por escrito declarando estarem prontos a
partir, não somente para a Sicília, mas para as Índias e para
qualquer parte do mundo, e que aceitariam os ministérios mais
elevados ou mais humildes, ao primeiro sinal do seu muito
amado Padre, do seu venerado mestre em Jesus Cristo.
O santo geral da Companhia escolheu então doze Padres para os
colégios de Messina e de Paterno, todos pertencentes a nações
diferentes, à exceção de dois, que pertenciam ao mesmo país.
Todo o espirito, porém, de rivalidade nacional se perdia no
noviciado; a Companhia não contava senão irmãos nas suas
falanges de heróis.
Por essa época, o Sumo Pontífice pediu ao nosso Santo que
empregasse a sua caridade e influência na pacificação dos
habitantes de Tivoli e de S. Ângelo, que estavam sempre de
armas na mão. Ávidos do sangue uns dos outros, só respiravam
vingança; e, não tendo produzido resultado as medidas tomadas
pela autoridade, o Papa só tinha esperança na intervenção de
Inácio de Loiola.
O Santo dirigiu-se a Tivoli, a casa de Luís de Mendonça, que
o acolheu com alegria e veneração; viu Margarida de Áustria,
duquesa de Parma, da qual dependia a Senhoria de S. Angelo;
entende-se com os magistrados de Tivoli e de S. Ângelo, fala
com os habitantes, e consegue acalmá-los e fazer-lhes,
aceitar a arbitragem do Cardeal La Cueva. Luís de Mendonça,
contente com esta pronta pacificação, oferece uma casa, um
jardim e uma igreja a Inácio para um estabelecimento da
Companhia e o santo fundador toma posse dele no dia 8 -de
Setembro, festa da Natividade da Santíssima Virgem, a quem a
igreja era dedicada.
Numerosos cristãos estavam cativos havia muito tempo nos
reinos de Fez e de Marrocos. O rei de Portugal, compadecido
dos seus sofrimentos, pede a Inácio de Loiola a heróica
dedicação dos seus discípulos para levarem a esses
desgraçados a consolação e a esperança. Inácio envia os
Padres João Nunes e Luís Gonçalves da Câmara a trabalhar na
libertação e no sustento espiritual daqueles infelizes
escravos.
O pirata Dragut, chamado Barba-roxa, espalhava o terror no
Mediterrâneo. Carlos V envia uma frota contra ele e o Padre
Laynez acompanha a expedição e prodigaliza os cuidados do seu
ministério ao exército imperial.
Pouco depois, D. João III abre ao zelo da Companhia os vastos
campos da América meridional; são conhecidos os prodígios que
ela ali operou.
O Concílio de Trento foi de novo e indefinidamente adiado; os
espíritos de parte a parte exasperados, hostilizavam-se
incessantemente; tomaram-se armas, os protestantes tinham
sofrido uma derrota, e o imperador Carlos V, querendo acalmar
a agitação sempre crescente dos alemães, publicou uma fórmula
de fé obrigatória para os seus súbditos, esperando que a
Igreja decidisse pela voz do Concílio. Esta fórmula, chamada
o Interior continha artigos contrários à fé e à disciplina da
Igreja e foi atacada pelos teólogos.
O Padre Bobadilha, então na corte de Carlos V, e amado dos
senhores que rodeavam o poderoso monarca, foi um dos mais
ardentes em atacar a doutrina heterodoxa do soberano, e
deixou-se arrastar pelo seu zelo, mesmo em presença de Carlos
V, até esquecer o respeito devido a uma cabeça coroada. Não
contente de combater a doutrina do Interior, deixou escapar
algumas palavras amargas para o seu imperial autor,
censurando-lhe a condescendência para com os hereges e
acrescentando: "Nada é mais de molde a sustentar divisões do
que uma falsa paz".
Carlos V, magoado coxas a liberdade do Padre Bobadilha,
mandou-lhe intimar ordem de sair dos seus estados. O Jesuíta,
satisfeito com receber esta humilhação pela defesa da
verdade, parte, abandona a Alemanha e dirige-se a Roma, onde
o Interior era apreciado como merecia. Inácio de Loiola
recusa, no primeiro momento, a entrada na casa professa a
Bobadilha:
"Não posso receber, - disse-lhe - numa casa da Companhia um
homem assaz imprudente que esquece o que deve à majestade
imperial quando defende a doutrina da Igreja".
O Papa aprova o Padre Bobadilha em segredo, a corte romana
aprova-o igualmente; rasas Inácio censura-o publicamente, e,
depois de ter dado deste modo uma reparação a Carlos V,
recebe Bobadilha de todo o coração. O geral tinha punido e
censurado; o pai perdoava e abençoava.
Os acontecimentos não tardaram a justificar o procedimento do
nosso Santo para coxas a imprudência do excessivamente zeloso
jesuíta. A cólera do imperador deu coragem aos protestantes e
teve um lamentável eco em Espanha, onde a Companhia obtinha
muitos e importantes triunfos por não ter inimigos.
A temeridade do Padre Bobadilha, a medida rigorosa de Carlos
V, o triunfo dos hereges, tudo isto foi explorado pelo
espírito malévolo de Melchior Cano, dominicano, doutor da
Universidade de Salamanca e grande pregador. Atacou os
jesuítas nos seus escritos, nos sermões, de todos os modos:
os jesuítas eram os precursores do Anticristo, eram inimigos
da Igreja e do Papa, hereges, cismáticos, hipócritas... O
povo fica espantado com esta descoberta; pergunta a si mesma
como pôde deixar-se iludir pelas aparências de santidade dos
Padres jesuítas a ponto de os venerar mais profundamente do
que venerava os religiosos doutras Ordens. Mas todos os
dominicanos de Salamanca estão longe de partilhar as opiniões
de Melchior Cano. Um deles, João Pena, responde aos seus
ataques contra os jesuítas com a mais completa apologia
Defende-os nos seus sermões e nos seus escritos, assim como
na sua Cadeira da Universidade. Melchior Cano acusa-os de não
serem autorizados pela Igreja, e Pena opõe-lhe a bula de
Paulo III, que os reconheceu e exigiu a Companhia em Ordem.
religiosa. Condena os Exercícios Espirituais, que acusa de
encerrar todas as espécies de segredos culpáveis, e opõe-lhe
a bula dada pelo Papa, alguns meses antes, para aprovar e
recomendar ao mundo o livro desses Exercícios e a sua
prática. Enfim, o superior geral dos Dominicanos, sabendo o
procedimento de Cano, declara-se abertamente amigo e
admirador da Companhia de Jesus; todos os esforços do
malévolo religioso só conseguem fazer-lhe perder a estima e a
confiança de que gozava e lançar novo brilho sobre a
Companhia, que ele se esforçava por esmagar e desonrar.
Apesar das fadigas que lhe causavam estas lutas constantes, o
santo fundador não negligenciava o seu governo.
Estava ao corrente de tudo o que interessava cada uma. das
casas da Ordem, e levava a sua atenção até a informar-se dos
progressos dos alunos de todos os colégios da Companhia. Os
professores da Sicília davam-lhe conta do seu trabalho, todas
as semanas. Os dos colégios de Espanha enviavam-lhe todas as
teses de filosofia e de teologia, assim como as composições
em prosa ou em verso, que ele queria receber tais quais saíam
das mãos dos jovens, antes de terem sofrido a menor correção.
Lia tudo e fazia em seguida examinar esses escritos por
outros, na sua presença. Não cessava de recomendar aos
estudantes que não tivessem em vista senão a Deus, nos seus
estudos, e que se persuadissem bem de que este trabalho,
empreendido e sustentado para a maior glória do mesmo Deus,
lhes era mais útil do que longas orações.
Quem se admira com razão de ver um só homem atender a tão
grandes e tão pequenas ocupações, pergunta se ele podia, sem
milagre, dar a Deus tempo tão considerável e governar e
dirigir a sua casa de Roma, de modo que aproveitasse as
menores disposições de cada um daqueles que a compunham,
corresponder-se com todos os superiores das casas espalhadas
no mundo; ocupar-se dos colégios, que acabamos de indicar;
tratar os negócios da Igreja com o Papa e os Cardeais que o
consultavam; sustentar correspondência com alguns soberanos
da Europa; dirigir todos os dias novas fundações distantes;
enfim, continuar, na Cidade Eterna, as suas obras de caridade
e misericórdia, de que sempre dava exemplo aos seus numerosos
discípulos.
Inácio já não era novo, e a sua saúde, fraquíssima, era
muitas vezes violentamente abalada por doenças inquietadoras.
É, pois, permitido pensar que Deus multiplicava os prodígios
em favor do Santo para honra e glória da nova Companhia e
para admiração do mundo.
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