IX. OS PRIMEIROS DISCÍPULOS

Entre os professores de nomeada da Universidade de Paris, distinguia-se um jovem fidalgo da Navarra espanhola, do qual muitas vezes tinham falado a Inácio de Loiola. Ocupava a cadeira de filosofia no colégio de Beauvais [38]. O nosso Santo quis vê-lo, foi ouvi-lo, e, conhecendo todas as qualidades que brilhavam no jovem professor, esclarecido além disso por uma luz sobrenatural, viu logo tudo o que a Igreja podia esperar de tal engenho reunido a tão belos dotes, às mais atraentes qualidades externas, a tudo o que pode seduzir, arrastar e encantar. Desde aquele dia, contou com a Providência para o ajudar a entrar em relações com o elegante navarro, cuja família conhecia, mas a quem queria ocultar o nome da sua.

Até então, todos os discípulos do nosso Santo lhe tinham sido arrebatados pela Providência ou pelo mundo, e não tinha encontrado em alguns outros as qualidades próprias para desempenharem o fim que se propunha. Vendo D. Francisco Xavier, Inácio não teve a menor dúvida sobre os desígnios de Deus a seu respeito; mas era necessário aproximar-se dele e ganhá-lo para a causa evangélica, o que não era fácil.

Francisco Xavier, último filho de D. João Jasso, senhor de Idocin, e de D. Maria de Azpilcueta de Aznar y Xavier nasceu no castelo de Xavier, perto de Sanguesa, na Navarra, no dia 7 de Abril de 1506. Esta casa feudal, com as terras dependentes, que devia formar o apanágio de D. Francisco, tinha o seu nome[39].

Apaixonado pelo estudo desde a sua infância, o que anunciava uma inteligência superior, seus pais quiseram secundar o seu ardente desejo de saber, e tinham-no enviado à Universidade de Paris para aprender filosofia. Tinha então dezoito anos. Alojara-se no colégio de Santa Bárbara a fim de seguir mais facilmente o curso do doutor João Penha e encontrou ali um estudante cujo espírito, caráter e gosto pela ciência o havia encantado. Era Pedro Fabro, da mesma idade que ele, mas de nascimento diferente.

Filho dum pobre agricultor da vila de Vilaret, na diocese de Genebra, Pedro foi guardador de rebanhos nos primeiros anos; mas a sua terna piedade e o seu desejo de aprender tinham decidido seus pais a - colocá-lo na casa de um professor das vizinhanças. O menino fez rápidos progressos; um de seus tios, religioso cartuxo, entendeu que deviam ensinar-lhe latim, e Pedro, depois de ter feito os seus estudos em Sabóia, veio seguir o curso de filosofia no colégio de Santa Bárbara.

Chegado a Paris ao mesmo tempo que D. Francisco, tinha-se sentido inclinado para ele, e, sendo reciproco este atrativo, ambos se ligaram pela mais estreita amizade. Ocupava o mesmo quarto, tinham seguido juntos os mesmos cursos, tomado os graus ao mesmo tempo, e, depois, apesar de D. Francisco ser professor no colégio de Beauvais e de Pedro repetir a sua filosofia em Santa Bárbara, os dois amigos, sempre ternamente unidos, nada tinham mudado à sua vida de intimidade.

Inácio ganhara facilmente a confiança de Pedro Fabro; mas encontrava em D. Francisco Xavier uma resistência contra a qual qualquer outro teria desanimado. A natureza orgulhosa do jovem professor sentia tanto menos gosto pelas máximas evangélicas, quanto aquele que as apresentava às suas meditações tinha uma aparência muito humilde e pobre. Quanto mais o zelo de Inácio voltava à carga, tanto mais o orgulho e a vaidade de Xavier se revoltavam contra a sua perseverança. Quanto mais o nosso Santo procurava aproximar-se de Xavier, tanto mais este buscava fugir-lhe.

Mas o santo apóstolo não desanimou, e, apesar dos epigramas e dos sarcasmos de D. Francisco, persistiu em testemunhar-lhe os sentimentos da mais terna caridade.

Pedro Fabro, profundamente magoado com a antipatia que Xavier manifestava ao nosso Santo, aproveitava todas as ocasiões para lhe encarecer o mérito. Havia já alguns meses que ele repetia a Inácio as lições do doutor Penha, a pedido este último, quando lhe veio a feliz inspiração de propor a Francisco que o deixasse entrar como terceiro companheiro no seu quarto comum. D. Francisco, que nada sabia recusar a Pedro, consentiu.

Mais perto de Xavier, o santo apóstolo fez-se conhecer melhor; mas o seu exterior humilhava sempre o elegante navarro e parecia um intransponível obstáculo a qualquer aproximação mais intima.

Inácio empregava todos os meios sem resultado: prestava-lhe serviços, admirava-lhe o talento, aplaudia os seus triunfos, e enviava-lhe espectadores e alunos capazes de lhe apreciarem as brilhantes faculdades. Xavier era-lhe reconhecido; mas quando o nosso Santo lhe repetia: "De que serve ao homem ganhar o universo, se perde a sua alma?" o jovem mundano respondia ou com uma ironia ou com o silêncio da indiferença.

Humanamente, levava um modo de viver irrepreensível: o seu nobre caráter, o seu generoso coração, os seus elevados sentimentos protegiam-no contra as más paixões. Recebera uma educação cristã, cumpria fielmente os mais importantes deveres do cristianismo; não queria, porém, de modo algum seguir a perfeição evangélica, para a qual Inácio o desejava arrastar. Era jovem, belo, de boa estirpe, lisonjeado no mundo pelas suas excelentes qualidades, e sobretudo estimado; tinha apego aos seus triunfos e não queria sacrificá-los. Via diante de si um belo futuro e renunciar a ele no começo da carreira parecia-lhe uma impossibilidade, uma loucura. Mas Deus permitiu que um dia João de Madeva lhe falasse de Inácio, lhe descobrisse a sua nobre origem, o nome de família e os grandes sacrifícios que fizera por Deus. Xavier, compreendendo então todo o heroísmo do pobre voluntário de que tanto zombava, testemunhou-lhe mais respeito e afeição, mas resistiu muito tempo ainda às suas exortações.

Pedro Fabro, ao contrário, tinha posto toda a sua alma nas mãos do santo apóstolo, e seguia cegamente a sua direção. Depois de dois anos de perseverança, julgando Inácio chegado o momento de se certificar da vontade de Deus sobre o seu discípulo, disse-lhe um dia:

- Pedro, logo que eu haja terminado os estudos teológicos, desejo ir à Palestina trabalhar com todas as minhas forças na conversão dos judeus e dos muçulmanos que vivem naquela santa estância.

Pedro Fabro lançou-se-lhe logo nos braços e disse-lhe muito comovido

- Mestre e pai da minha alma, leve-me consigo, pois quero segui-lo por toda a parte!

Alguns meses depois, Fabro, sempre resolvido a compartilhar a vida humilde e pobre do seu santo mestre, partia para a Sabóia a fim de regular os seus negócios de família e dizer o derradeiro adeus aos parentes.

Durante os oito meses que durou a sua ausência, Inácio redobrou de cuidados e de esforços junto de Xavier, a quem amava ternamente, cujas qualidades raras admirava e que ele sentia ser chamado à mais alta santidade. O jovem e belo navarro resistia já mui fracamente. A sua alma, tão pura como nobre, tinha compreendido o nada das grandezas humanas e da glória, que ambicionava; lutava havia muito tempo já contra a graça, quando enfim, no verão desse mesmo ano, 1533, se confessou vencido. Abandonando-se Xavier desde esse: momento à direção do Santo, deu-se inteiramente a Deus, e correu a passos de gigante no caminho dos conselhos evangélicos.

Esta brilhante conquista, que devia ser tão gloriosa para a Igreja, custara mais de três anos de cuidados, de paciência e de esforços de todo o gênero a Inácio de Loiola.