V. VIAGEM TEMPESTUOSA

O navio em que o nosso Santo embarcou, escapou felizmente aos perigos da pirataria, mas sofreu violenta tempestade, que obrigou o capitão a lançar carga ao mar. No meio dos gritos de desespero dos passageiros e da triste desanimação dos marinheiros, Inácio de Loiola conservava a sua tranquilidade habitual, e procurava no fundo da sua consciência as faltas que podia ter que censurar-se. Julgou reconhecer então que não tinha correspondido suficientemente às graças e aos favores extraordinários com que havia sido cumulado. E mais nada; mas isto foi o bastante para o penetrar duma tão viva dor que ele nunca mais a esqueceu; muito tempo depois falava disso, vertendo lágrimas, aos seus mais íntimos confidentes. Entretanto Deus salvou o navio que levava o seu eleito, a tempestade cessou e foi possível abordar a Génova sem outro acidente.

O nosso peregrino dirigiu-se a Bolonha, sempre a pé, sempre mendigando, e meteu-se nas montanhas. Cheio de coragem e de confiança em Deus, ia e trepava sempre, sem saber onde iria dar, quando de repente se encontrou às bordas dum espantoso abismo, do fundo do qual sé fazia ouvir o ruído surdo duma torrente impetuosa.

O Santo não tinha outra resolução a tomar, e assim o compreendeu, senão a de arrepiar caminho. Orou durante alguns instantes e em seguida quis retomar o caminho por onde veio. Volta-se e vê-se numa grande elevação que causava vertigens. É certo que tinha chegado ali auxiliando-se das, mãos e dos joelhos, agarrando-se a tudo que podia; mas, completamente ocupado de Deus, cuja glória lhe fazia afrontar tantas dificuldades e arcar com tantos perigos, subiu, subiu, sempre, continuou a subir, não pensando que seria obrigado a descer a montanha que subia a tanto custo. Agora, só via abismos e precipícios em volta de si!

Pedia a Deus que viesse em seu auxílio, porque os socorros humanos não podiam chegar aonde ele se encontrava. Depois de ter orado um momento, abandonou-se à Providência e tentou a terrorífica e impossível descida, que devia levá-lo ao ponto de onde partira algum tempo antes. Arrasta-se, apoia-se nas saliências das rochas, às sarças, aos arbustos, a tudo o que encontra, fere as mãos e os joelhos, fica com a roupa em pedaços e não cessa de ver o perigo iminente com que cada um dos seus movimentos lhe ameaçava a vida...

A sua coragem não enfraquece, a sua confiança mantém-se, é por Deus que ele sofre, é por Ele que vai por esse caminho impraticável, semeado de tantos escolhos, eriçado de tantas dificuldades, e que parecia a imagem daquele que teria a percorrer, através dos séculos, a santa Companhia, de que era fundador.

Enfim, encontra-se no fundo da montanha, agradece à divina Providência, que o preservou de todos os perigos, e pede-lhe que o guie nesses lugares desconhecidos. Deus ouve-o e ajudá-lo-á.

Lembrando-se depois dos perigos que correu naquela ocasião e das fadigas por que passou, Inácio dizia que nunca tinha experimentado ao mesmo tempo tantos sofrimentos de espírito e de corpo, e que nunca se vira em semelhantes perigos.

O Santo estava enfim na estrada de Bolonha, e sentiu necessidade de passar alguns dias nesta cidade para tomar um descanso indispensável depois de tantas fadigas. Mas esta viagem devia ser dolorosa até ao fim. Tendo as chuvas enxarcado os caminhos, o santo peregrino tinha constantemente os pés na água, enterrava-se na lama até aos tornozelos e andava muito vagarosamente.