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Os protestantes da Alemanha, a quem a partida precipitada de
Bobadilha tinha dado coragem, redobraram de ardor e de
audácia para propagar as suas funestas doutrinas. O clero
alemão, desprovido da ciência necessária para lutar contra a
heresia, deixava-lhe ganhar terreno de maneira a fazer recear
que trasbordaria breve por todos os lados.
Atemorizado com os seus progressos sempre crescentes, o duque
de Baviera escreveu a Inácio de Loiola e pediu-lhe defensores
da fé da Igreja, escolhidos entre os mais aguerridos do seu
exército. O santo fundador enviou-lhe Salmeron e Canísio, a
quem o príncipe confiou as primeiras cadeiras de teologia da
Universidade de Ingolstadt. Fizeram ali tais prodígios que,
um ano depois, o rei Fernando pedia a Inácio que lhe enviasse
uma pequena colônia de jesuítas para estabelecer um colégio
em Viena; os príncipes desejariam ter em todas as suas
cidades alguns dos valentes soldados da Companhia de Jesus;
mas, por numerosos que fossem já, era impossível responder
favoravelmente a todos os soberanos.
O rei Fernando pedia Lejay; o duque de Ferrara possuía-o e
queria conservá-lo; Inácio julgava a sua presença importante
na Alemanha; foi mister empenhar o Cardeal Farnese para levar
o duque de Ferrara a fazer o sacrifício do Padre Lejay em
favor do rei, e sobretudo dos católicos dos seus Estados.
Entretanto morria o Papa Paulo III e Júlio III substituiu-o
na cadeira de S. Pedro. Acabava de conceder ao mundo um
jubileu, e Inácio, aproveitando esta circunstância, chamou
para junto de si todos os principais religiosos da sua Ordem
espalhados na Europa. Simão Rodrigues foi o único dos mais
antigos que faltou a esta reunião: tendo o rei de Portugal
suplicado ao santo fundador que permitisse que Simão ficasse
junto dele, Inácio não recusou este favor a um príncipe que
foi o primeiro que se declarou caloroso protetor da Companhia
e tinha ajudado muito ao seu desenvolvimento.
Quando todos estes Padres estavam reunidos em Roma, Inácio
submeteu-lhes as Constituições, das quais só conheciam a
prática. Todos, formados na escola do santo fundador ou na
dos seus primeiros discípulos, seguiam a regra estabelecida
na casa a que chegavam, e levavam-na depois às que iam
fundar. A regra estava viva por toda a parte, sem estar
escrita em nenhuma. Além disso, é sabido com que exactidão e
cuidado o nosso Santo dirigia por cartas todas as residências
e todos os colégios da Companhia. Mas era necessário havei
Constituições escritas e aprovadas para o futuro, e já vimos
como, auxiliado pelas luzes divinas, Santo Inácio trabalhava
nelas. Todavia, exprimiu o desejo de as não submeter à
aprovação da Santa Sé senão depois de terem sido aprovadas
pela Companhia [55]. Todos os Padres as aceitaram, artigo por
artigo, com tanto respeito como se tivessem vindo do céu, à
medida que se iam lendo.
Inácio teve um outro fim guando chamou a Roma os mais
distintos membros da sua Ordem; mas ninguém então o
suspeitava. Acabado o exame das Constituições, tendo-as
aprovado todos os Padres, e estando regulados os negócios da
Companhia nas suas assembléias, esperavam receber ordem de
partida, quando um dia Santo Inácio lhes marca uma reunião
para o dia seguinte. Obedeceram. A hora indicada, todos
estavam presentes: esperavam o seu Padre Geral para saber
dele o motivo da reunião; mas não é o muito amado Padre que
se apresenta, é uma carta sua, dirigida à Congregação; com
ordem de se ler imediatamente. Reproduzimos esta carta como
se encontra em Bartoli:
"Aos meus caríssimos irmãos em Nosso Senhor, membros da
Companhia de Jesus."
"JESUS !"
" Depois de ter reflectido maduramente, e sem que nenhuma
perturbação exterior ou interior tenha podido influenciar-me
na minha determinação, venho agora, sob as vistas de Deus,
que me julgará para a eternidade, expor-vos o que sinto, a
fim de procurar a sua glória e o seu serviço. Tendo
considerado atenta e humildemente a multidão dos meus pecados
e as minhas inumeráveis imperfeições, tanto da alma como do
corpo, reconheci que estou bem longe de possuir as qualidades
necessárias para governar a Companhia, o que ainda agora faço
para obedecer à ordem que ela me deu. Peço, pois, a todos, em
presença do Senhor, e após graves reflexões, que escolham
outro chefe que possa governá-los melhor que eu; e por
motivos que me parecem sólidos, peço que o cargo que me foi
imposto seja confiado doravante a outro, ainda que ele
devesse desempenhá-lo mediocremente, conquanto melhor que
eu."
"É pois, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, um só
Deus em três pessoas, que eu o ponho em vossas mãos; e peço
do fundo da minha alma ao Senhor e aos Padres reunidos para
este fim que aceitem a minha demissão motivada diante da
divina Majestade. Se entre aqueles a quem pertence julgar e
pronunciar, houver diversidade de sentimentos, peço-lhes,
pelo amor e respeito que devemos a Deus nosso Senhor, que se
reúnam comigo para Lhe suplicar que fada conhecer a sua
divina vontade, a fim de que ela se cumpra para a sua maior
glória e bem geral das almas e da Companhia".
A leitura desta carta consternou a assembléia; mas
imediatamente se levantou uma oposição unânime contra o
desejo do santo fundador. Louvavam, admiravam-lhe a
humildade, mas recusavam aceitar a demissão do cargo que
exercia com tanta habilidade e que reconheciam ter-lhe sido
imposto pelo próprio Deus. Quem poderia dirigir, governar a
Companhia tão bem como aquele que a havia fundado à custa de
tantas fadigas, de sofrimentos, de perseguições de todo o
gênero? Todavia procedeu-se à votação: um só foi favorável à
aceitação da demissão; era o bom Padre Oviedo.
O Padre André Oviedo tinha tanta simplicidade como ciência e
talento; eia a candura em pessoa, e esta simplicidade
primitiva do boro Padre era proverbial na Companhia. Quando
lhe chegou a vez, respondeu energicamente:
- Sou de opinião que se aceite.
- Que se aceite? - exclamaram os Padres, não acreditando no
que ouviam. E por que? Qual o motivo por que pensa assim
Vossa Reverência?
- Parece-me que se não deve, em caso algum, resistir ao
reverendo -Padre Inácio.
- No que ele ordena, sim, tem Vossa Reverência toda a razão;
mas, no caso presente, por que aceitar o que da sua parte é
apenas um ato da sua humildade, e não da sua vontade para bem
da Companhia?
- Por que ele tem luzes que nós não temos.
- É também verdade, mas o nosso Padre é um Santo, e os Santos
não fazem justiça a si mesmos; crêem-se sempre desprovidos
das virtudes necessárias para o cargo que ocupam. Vossa
Reverência acredita na incapacidade do nosso Padre Inácio?
Foi um raio de luz para o Padre Oviedo. Convenceu-se sem
replicar, e, pela vez primeira na sua vida, consentiu em. não
ser da mesma opinião que o seu venerado Padre Inácio..
O santo fundador recebeu a resposta dos seus queridos filhos
com verdadeira dor, correndo-lhe as lágrimas; mas submeteu-se
à vontade de todos como à do próprio Deus, e resignou-se a
levar até ao fim o pesado fardo do governo. Deus provou em
breve que tinha dirigido os espíritos e os corações na
decisão dos Padres reunidos.
Francisco de Bórgia, duque de Gandia, tinha feito os seus
votos como membro da Companhia de Jesus, como já dissemos;
mas por conselho do santo fundador, ficou no inundo;
praticando a regra tanto quanto possível, e esperando o
momento mais favorável para declarar a sua vocação a Carlos V
e pedir-lhe consentimento. No ano precedente, chamando Inácio
de Loiola a Roma os Padres que ali estavam reunidos,
convidara Francisco de Bórgia a vir também com os de Espanha
e de Portugal. Sendo este convite uma ordem para ele, o duque
de Gandia dirigiu-se a Roma e permaneceu na casa dos
jesuítas, mas num aposento separado no corpo do edifício por
eles ocupado. Podia assim conversar todos os dias com o santo
fundador, ouvir os seus conselhos espirituais, fortificar a
sua vocação e tratar dos interesses e aumento da Companhia,
que ele apoiava coro todo o seu crédito e fortuna.
Falando-lhe um dia Inácio do bem que resultava dos colégios
já estabelecidos, Francisco de Bórgia concebeu no mesmo
instante o projecto de fundar um na Cidade Eterna, e ofereceu
seis mil escudos de ouro para a primeira pedra. Havia muito
tempo que o nosso Santo desejava esta fundação, mas
parecendo-lhe invencíveis as dificuldades, tinha adiado a
execução e esperava a hora da Providência. Esta hora acabava
de soar. E meteu- ombros à empresa.
- O fundador do colégio romano será Vossa Reverência, Padre
Francisco,-disse o nosso Santo ao duque de Gandia.
- Peço a Vossa Reverência,- respondeu o príncipe que me não
considere como tal e que reserve essa honra para aquele que
um dia fizer uma fundação digna da capital do mundo católico.
Era uma palavra profética. Mais tarde, Gregório XIII mandou
construir para o Colégio Romano o edifício que hoje se
admira.
As condições de admissão neste colégio eram muito simples.
Recebiam-se todos os alunos, ricos ou pobres, sem retribuição
nas classes. Admitiam-se apenas aqueles que fossem
apresentados pelos prefeitos, depois de se lhes ter
perguntado se estavam resolvidos a obedecer, a portar-se
convenientemente e a abster-se de palavras repreensíveis. Os
seus nomes eram inscritos num livro e consideravam-se como
filhos da casa se o seu procedimento se mantinha bom.
Assistiam à missa todos os dias, ao sermão no dia de prédica,
ao catecismo aos domingos e dias de festa e confessavam-se
todos os meses. Aqueles que se não podiam corrigir, eram
despedidos.
Esta gratuidade de ensino atraiu logo grande número de
alunos; os professores das classes pagantes indignaram-se;
alguns chegaram a ir às classes dos jesuítas para insultar os
professores na presença dos alunos; não duvidavam até acusar
de ignorância esses religiosos, cuja reputação de ciência era
universal.
Inácio de Loiola aproveitou bem esta ocasião para dar aos
seus queridos filhos uma admirável lição de humildade.
Persuadido de que o que sucedia em Roma podia acontecer
noutro colégio de Itália, porque o ensino era gratuito em
todos os da Companhia, escreveu aos reitores a
recomendar-lhes, no caso que os taxassem de ignorância, que
respondessem simplesmente, com a maior doçura com toda a
humildade
"Sabemos, é certo, muito menos do que quiséramos saber; mas o
pouco que sabemos, damo-lo de bom grado a Deus e ao próximo".
O Colégio Romano tomou em pouco tempo considerável
desenvolvimento; o edifício era insuficiente para o número de
estudantes internos que acudiam de toda a parte, e as
famílias atemorizavam-se com o empenho dos jovens em procurar
o ensino dos Jesuítas de preferência a qualquer outro, e
sobretudo com a sua simpatia pelo Colégio de Roma. Inácio não
se incomodava com esta disposição das famílias, mas pedia a
Deus que protegesse o Colégio Romano, sobre o qual tinha tão
belas esperanças no futuro, e que o esclarecesse sobre as
medidas a tomar para acabar com as queixas que vinham de
alguns pontos da Itália. Uma circunstância imprevista veio em
seu auxílio.
Octávio César, filho do secretário do duque de Monte-Leone,
entrara na Companhia de Jesus em Messina, e só obteve o
consentimento de seu pai depois da sua admissão.
Concedido este consentimento, as coisas corriam às mil
maravilhas para o jovem noviço, quando o Padre Geral o chama
a Roma. Octávio obedece a esta ordem; mas seu pai corre, diz
que não consentiu na entrada de seu filho na Companhia e
queixa-se ao Papa. Júlio III encarrega o Cardeal Caraffa de
proceder a um inquérito.
A mãe de Octávio chega a Roma, exige seu filho, acusa Inácio
de lho ter tirado, chora, grita, lamenta-se, corre duma casa
a outra, põe a cidade em alvoroço e faz tal barulho que o
Cardeal Caraffa, apesar do inquérito estar apenas começado,
ordena a Inácio de Loiola, sob pena de suspensão, que
entregue o jovem noviço a seus pais. Antes de obedecer, o
santo fundador vai expor a questão ao Papa, que manda o
contrário do que mandou o Cardeal Caraffa, e declara que a
admissão de Octávio César na Companhia de Jesus se fez com a
necessária regularidade.
Depois desta decisão, Inácio dirigiu uma circular a todos os
reitores da sua Ordem proibindo-lhes absolutamente que
convidassem os estudantes a entrar na Companhia, e que
recebessem, sem autorização formal de seus pais, os que a ela
fossem chamados pela voz de Deus.
Esta resolução produziu sensação. As famílias, tranqüilas,
não mais temeram o colégio dos jesuítas; o número dos
estudantes aumentou consideravelmente em todos os da Itália,
no de Roma principalmente, e Inácio teve a consolação de ver
todos os esforços do inimigo tornar-se em glória de Deus e
honra da Companhia de Jesus.
Não era bastante para o zelo do nosso Santo ter fundado o
Colégio Romano. Via com dor a ignorância e a incúria do clero
da Alemanha, e havia muito tempo desejava fundar, na capital
do mundo cristão, uma casa de estudos especialmente dedicada
aos jovens Alemães. Nela hauririam a ciência e a piedade: as
vocações eclesiásticas desenvolver-se-iam, e o clero dos
Estados da Alemanha, recrutando-se nesse seminário, seria um
dia capaz de resistir à heresia, de lutar vantajosamente
contra ela, e de conservar a fé da Igreja naquele desgraçado
país.
Este projecto era belo, era grande, era digno de Inácio de
Loiola; mas demandava, para ser executado, despesas imensas,
que ele não podia fazer, e um concurso de, vontades que seria
difícil obter. O nosso Santo limitava-se, pois, a orar e a
esperar o momento da Providência; para o Colégio Romano já
soara; soaria também para o Colégio Germânico. Inácio não o
duvidava.
Um dia, era em 1552, o Cardeal Moroni, que fora Núncio
apostólico na Alemanha, disse ao nosso Santo:
- Meu Padre, Vossa Reverência devia trazer a Roma certo
número de estudantes alemães para os formar na ciência
teológica e nas virtudes sacerdotais.
- Se Vossa Eminência quiser arranjar os meios, - respondeu
ele - fá-lo-ei da melhor vontade, pois Deus inspirou-me esse
desejo há muito tempo e espero que da realização dele Lhe
advirá muita glória. Mas para isso é necessário a aprovação
de Sua Santidade, o seu concurso e o de todas as pessoas que
estejam nas condições de nos secundarem.
O Cardeal ocupou-se sem demora deste- importante negócio, que
mandou propor ao Papa pelo Cardeal Santa Cruz. O Sacro
Colégio, reunido para este efeito por Júlio III, aprovou o
projecto, todos os membros se apressaram a oferecer o seu
concurso, o Papa prometeu quinhentos escudos de oiro todos os
anos, decidiu-se que cinco Cardeais seriam protetores do
Colégio Germânico, que os jesuítas o dirigiriam e que Inácio
de Loiola elaboraria os estatutos.
Esta decisão foi comunicada ao nosso Santo, que,
apressando-se a obedecer à ordem do Soberano Pontífice,
tratou imediatamente de redigir os estatutos, cujo plano
estava há muito tempo no seu pensamento. Enviou-os depois ao
Cardeal Carpi, que os apresentou e submeteu ao exame do Papa;
foram aprovados e o Colégio Germânico fundado. A bula de
ereção autoriza que nele haja cursos de filosofia e de
teologia e dá ao reitor o direito de conferir graus, mesmo o
de doutor, naquelas duas faculdades.
Inácio de Loiola escreveu aos seus religiosos que estavam na
Alemanha e ordenou-lhes que anunciassem aos- Bispos a
fundação deste seminário, convidando-os a enviar a ele
estudantes. Estabeleceu o colégio nos dois edifícios juntos
ao da casa professa, nomeou reitor o Padre Fruste, francês,
cuja ciência e virtude nada deixavam a desejar, e inaugurou
28 de Outubro, festa dos Apóstolos S. Simão e S. Judas. Foi o
Padre Ribadeneira que pronunciou, em presença de alguns
Cardeais e de numerosos Bispos, o discurso de abertura,
indicando o fim da fundação, as vantagens que a Igreja dela
podia esperar e a necessidade de a sustentar. Os cursos só
começaram a 22 de Novembro. Na véspera, festa da
Apresentação, os jovens estudantes, em número de vinte[56],
comprometeram-se solenemente, por escrito, a permanecer fiéis
à fé católica.
Assim foi fundado na Igreja o primeiro seminário. O Padre
Laynez, que tinha o coração e o pensamento de Inácio de
Loiola, havia já, proposto aos Bispos reunidos no Concílio de
Trento que estabelecessem, nas suas dioceses, escolas deste
gênero. Mas, aproveitando a idéia, os Prelados acharam a
realização difícil e não lhe deram execução. Só mais tarde,
vendo o Cardeal Moroni os maravilhosos progressos do Colégio
Germânico, insistiu sobre a utilidade das escolas
sacerdotais, e conseguiu fazer criar algumas segundo o modelo
da de Roma. É, pois, também a Inácio de Loiola que se deve a
primeira idéia e a criação dos-seminários, que hoje estão
espalhados por todo o mundo. Entretanto, os protestantes
alemães, furiosos com aquela instituição, não se limitaram a
publicar pelos seus escritos e pregações, que os jesuítas
estavam vendidos ao Papa e aos Cardeais e que Companhia de
Jesus era "o flagelo da Alemanha e da reforma evangélica";
sabendo que com isso nada mais conseguiriam do que excitar o
zelo desses santos religiosos, julgaram mais expedito e mais
seguro tentar a sua conversão. Se tivessem podido tornar
herege a Companhia de Jesus, seria para eles um brilhante
triunfo. Empregaram, pois, os esforços.
Um Calabrês, de nome Miguel, apresentou-se na casa dos
jesuítas em Roma e pediu para entrar no noviciado. Os seus
olhos baixos, a sua modéstia, a sua palavra doce, a sua
fisionomia inteligente, tudo nele seduzia e predispunha em
seu favor. Inácio de Loiola recebeu-o e deu-lhe o Padre
Olivier Manare por companheiro. Havia já passado algum tempo
na santa casa, que não cessava de edificar, quando,
ocupando-se um dia do refeitório, que tinha sido encarregado
de preparar, perguntou ao Padre Olivier
- Por que estão aqui estas imagens?
- Para nos inspirar bons e santos pensamentos pela vista dos
assuntos que representam ou para nos lembraras virtudes dos
Santos cujas imagens vemos.
- Ah! como as opiniões diferem! - replicou Miguel. Conheci na
Alemanha homens de muita ciência, doutores, que censuram as
honras prestadas às imagens e dizem até que essas honras são
condenáveis. Apóiam-se nestas palavras de S. João:
Acautelai-vos dos simulacros.
- Esses doutores são menos instruídos do que Miguel pensa, ou
são hereges, porque essas palavras de S. João só se aplicam
às imagens dos falsos deuses e não às de Nosso Senhor Jesus
Cristo ou dos Santos.
Miguel pareceu humildemente convencido e não prolongou a
conversa. Alguns dias depois, disse ao Padre Olivier:
- Pode Vossa Reverência explicar o que S. Pedro entendia
quando escrevia: Os irmãos que então em Babilônia vos saúdam?
Que Babilônia era esta?
- O apóstolo falava de Roma, - respondeu o Padre-, porque
então havia nela uma tal confusão de religiões que merecia
ser assim chamada.
- Os teólogos da Alemanha, - replicou Miguel - explicam-na
também assim, com a diferença de que asseguram que S. Pedro
falava assim de Roma porque o Anticristo devia um dia ali
reinar sobre a sede que David chama a cadeira de pestilência.
O Padre Manare está suficientemente edificado acerca das
doutrinas do noviço; mas queria falar delas com documentos
que o apoiassem. Depois de ter notado algumas das suas
proposições, fingiu-se abalado nas suas crenças e convidou-o
a fazer julgar pelo Padre Mercuriano três pontos de doutrina
de que ele duvidava, pedindo-lhe para os escrever. Miguel
aceita e formula por escrito as suas proposições.
O Padre Olivier Manare leva ao Padre Inácio este escrito e as
notas que tinha tomado e conta-lhe tudo o que se passou.
entre ele e Miguel. Santo Inácio ouviu o Cardeal Caraffa,
depois do que ordenou que ao herege fosse tirado o hábito
religioso e despediu-o.
Algum tempo depois, uma pessoa desconhecida enviava de
Veneza, a título de esmola, uma caixa de livros para a
biblioteca dos jesuítas de Roma. Abre-se a caixa: vêem-se
obras ortodoxas e todos se regozijam, porque, então, os
livros eram raros e custosos; mas, depois de se tirarem os
primeiros, só se encontram autores luteranos. O nosso Santo
mandou-os queimar imediatamente.
Estas duas tentativas parecem suficientes aos hereges
alemães.
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