VII. DESENVOLVIMENTO DA COMPANHIA

A Companhia de Jesus desenvolvia-se rapidamente em Portugal e na Espanha. Os aspirantes surgiam, com pactos, à voz do Padre Fabro e à do Padre Araoz, cuja eloqüência electrizava os espanhóis. Diz-se que, percorrendo as diversas províncias da sua pátria, com Pedro Fabro, era obrigado a pregar ao ar livre para satisfazer a multidão, que se acotovelava junto dele. Colocavam um púlpito na praça, a multidão reunia-se em volta dele, as janelas das casas guarneciam-se de gente, chegavam a subir aos telhados para ouvir a sua poderosa palavra e as lágrimas da mais viva contrição corriam de todos os olhos. Os Exercícios Espirituais, dados pelos dois Padres, levaram a reforma a todos os conventos, cuja disciplina se havia relaxado; acenderam no clero o espirito sacerdotal, muito enfraquecido em grande número de sacerdotes e sobretudo entre os párocos das freguesias rurais; enfim, determinaram numerosas vocações religiosas e produziram em toda a parte frutos maravilhosos.

Pedro Fabro acabava de fundar um colégio em Valhadolid, e o rei de Portugal nomeara-o Patriarca da Etiópia, apesar da sua saúde, gasta por tantas fadigas, causar grande inquietação aqueles que o amavam. Recebeu entretanto ordem de abandonar a Espanha e de se dirigir a Roma, para ir em seguida ao Concilio de Trento, aonde o Papa queria enviá-lo, com o mesmo título e para o mesmo fim que Laynez e Salmeron. Sabendo esta notícia, os seus amigos, consternados, convidam-no a demorar-se algum tempo a fim de se restabelecer.

- Empreender essa viagem, - disseram-lhe - no estado de saúde em que se encontra, é correr à morte.

- Não é necessário viver; - respondeu o Santo - mas é necessário obedecer.

Partiu no mês de Maio de 1546; passando em Gandia, coloca, a primeira pedra dum colégio fundado a expensas do duque Francisco de Bórgia. Em Barcelona, aonde chegou no mês de junho, apesar da febre que o devorava e do calor sufocante da atmosfera, prega e converte. Enfim, chegando a Roma, morre no dia i de Agosto de 1546, nos braços do seu muito amado Pai espiritual, que o cobre de bênçãos e de lágrimas; todos os Padres choram também com grande dor:

- Foi de muita utilidade; - diziam os Padres ao Padre Geral-fez tanto bem ! Trabalhou tanto para glória de Deus ! fez brilhar tanto a Companhia! Terá um sucessor digno?

- Terá, sim, - respondeu Inácio em tom de inspirado. Não nos aflijamos com esta grande perda, que Deus breve reparará para a Companhia dando-lhe um personagem que contribuirá maravilhosamente para a difundir e ilustrar pelas suas eminentes virtudes, seu raro talento, sua grande capacidade e seu zelo verdadeiramente apostólico.

Este personagem era o duque de Gandia, Francisco de Bórgia. Havia muito tempo que Deus dera a conhecer ao nosso Santo que um fidalgo de Espanha entraria na Companhia e seria uma das suas mais belas glórias, um dos seus maiores santos. Naquele mesmo ano de 1546, tendo o duque de Gandia perdido sua esposa, apressou-se a corresponder ao chamamento divino consagrando-se à vida religiosa. O duque amava ternamente sua esposa, D. Leonor de Castro, de quem tinha oito filhos; mas sentia-se impelido a uma vida mais perfeita e havia prometido a Deus abandonar tudo para seguir a sua voz, se a duquesa falecesse antes dele. Deus chamou a si D. Leonor no dia 27 de Maio de 15 46, e, alguns meses depois o duque de Gandia escrevia a Inácio de Loiola a pedir-lhe que o recebesse no número dos seus noviços.

D. João da Vega, que vimos embaixador de Carlos V em Roma, fora nomeado vice-rei da Sicília, e, apenas estabelecido no seu governo, sentiu necessidade de. chamar os jesuítas para reformar os costumes, fazer reviver a fé, educar a juventude e fazer descer as bênçãos do céu sobre a Sicília. Depois de ter tomado as suas medidas, escreveu ao santo fundador da Companhia de Jesus, expôs-lhe as necessidades espirituais do país que lhe foi confiado, disse-lhe que o material de dois colégios estava pronto e só esperava os Padres, e suplicou-lhe que lhos enviasse para a cidade de Messina e para a de Palermo, já preparadas para os receber.

O Santo reuniu os seus Padres de Roma, participou-lhes o pedido de D. João da Vega e acrescentou:

"Orem durante três dias por esta intenção, pedindo a Deus Nosso Senhor que nos faça conhecer a sua santíssima vontade, que me inspire na escolha daqueles que devem ir e que disponha os que quer que vão para esse destino. No quarto dia, cada um me responderá por escrito a estes três pontos: 1º É-lhes indiferente ir à Sicília ou permanecer em Roma, e a resolução do Superior, que ocupa junto de nós o lugar de Deus, ser-lhes-á preferível a tudo? 2º Se forem enviados à Sicília, estarão dispostos a ensinar, a desempenhar as funções que exigem a ciência e o trabalho da inteligência, ou a exercer os empregos domésticos? 3º Se forem ocupados no ensino ou no estudo, estarão dispostos a estudar as disciplinas ou a reger a classe que lhes for designada pelo superior? Enfim, julgarão que tudo o que lhes for mandado pela obediência será o melhor para as suas pessoas e o mais útil para sua salvação?

Havia perto de quarenta Padres naquele momento nas casas de Roma; todos, sem exceção, enviaram, no quarto dia, a Santo Inácio, a resposta por escrito declarando estarem prontos a partir, não somente para a Sicília, mas para as Índias e para qualquer parte do mundo, e que aceitariam os ministérios mais elevados ou mais humildes, ao primeiro sinal do seu muito amado Padre, do seu venerado mestre em Jesus Cristo.

O santo geral da Companhia escolheu então doze Padres para os colégios de Messina e de Paterno, todos pertencentes a nações diferentes, à exceção de dois, que pertenciam ao mesmo país. Todo o espirito, porém, de rivalidade nacional se perdia no noviciado; a Companhia não contava senão irmãos nas suas falanges de heróis.

Por essa época, o Sumo Pontífice pediu ao nosso Santo que empregasse a sua caridade e influência na pacificação dos habitantes de Tivoli e de S. Ângelo, que estavam sempre de armas na mão. Ávidos do sangue uns dos outros, só respiravam vingança; e, não tendo produzido resultado as medidas tomadas pela autoridade, o Papa só tinha esperança na intervenção de Inácio de Loiola.

O Santo dirigiu-se a Tivoli, a casa de Luís de Mendonça, que o acolheu com alegria e veneração; viu Margarida de Áustria, duquesa de Parma, da qual dependia a Senhoria de S. Angelo; entende-se com os magistrados de Tivoli e de S. Ângelo, fala com os habitantes, e consegue acalmá-los e fazer-lhes, aceitar a arbitragem do Cardeal La Cueva. Luís de Mendonça, contente com esta pronta pacificação, oferece uma casa, um jardim e uma igreja a Inácio para um estabelecimento da Companhia e o santo fundador toma posse dele no dia 8 -de Setembro, festa da Natividade da Santíssima Virgem, a quem a igreja era dedicada.

Numerosos cristãos estavam cativos havia muito tempo nos reinos de Fez e de Marrocos. O rei de Portugal, compadecido dos seus sofrimentos, pede a Inácio de Loiola a heróica dedicação dos seus discípulos para levarem a esses desgraçados a consolação e a esperança. Inácio envia os Padres João Nunes e Luís Gonçalves da Câmara a trabalhar na libertação e no sustento espiritual daqueles infelizes escravos.

O pirata Dragut, chamado Barba-roxa, espalhava o terror no Mediterrâneo. Carlos V envia uma frota contra ele e o Padre Laynez acompanha a expedição e prodigaliza os cuidados do seu ministério ao exército imperial.

Pouco depois, D. João III abre ao zelo da Companhia os vastos campos da América meridional; são conhecidos os prodígios que ela ali operou.

O Concílio de Trento foi de novo e indefinidamente adiado; os espíritos de parte a parte exasperados, hostilizavam-se incessantemente; tomaram-se armas, os protestantes tinham sofrido uma derrota, e o imperador Carlos V, querendo acalmar a agitação sempre crescente dos alemães, publicou uma fórmula de fé obrigatória para os seus súbditos, esperando que a Igreja decidisse pela voz do Concílio. Esta fórmula, chamada o Interior continha artigos contrários à fé e à disciplina da Igreja e foi atacada pelos teólogos.

O Padre Bobadilha, então na corte de Carlos V, e amado dos senhores que rodeavam o poderoso monarca, foi um dos mais ardentes em atacar a doutrina heterodoxa do soberano, e deixou-se arrastar pelo seu zelo, mesmo em presença de Carlos V, até esquecer o respeito devido a uma cabeça coroada. Não contente de combater a doutrina do Interior, deixou escapar algumas palavras amargas para o seu imperial autor, censurando-lhe a condescendência para com os hereges e acrescentando: "Nada é mais de molde a sustentar divisões do que uma falsa paz".

Carlos V, magoado coxas a liberdade do Padre Bobadilha, mandou-lhe intimar ordem de sair dos seus estados. O Jesuíta, satisfeito com receber esta humilhação pela defesa da verdade, parte, abandona a Alemanha e dirige-se a Roma, onde o Interior era apreciado como merecia. Inácio de Loiola recusa, no primeiro momento, a entrada na casa professa a Bobadilha:

"Não posso receber, - disse-lhe - numa casa da Companhia um homem assaz imprudente que esquece o que deve à majestade imperial quando defende a doutrina da Igreja".

O Papa aprova o Padre Bobadilha em segredo, a corte romana aprova-o igualmente; rasas Inácio censura-o publicamente, e, depois de ter dado deste modo uma reparação a Carlos V, recebe Bobadilha de todo o coração. O geral tinha punido e censurado; o pai perdoava e abençoava.

Os acontecimentos não tardaram a justificar o procedimento do nosso Santo para coxas a imprudência do excessivamente zeloso jesuíta. A cólera do imperador deu coragem aos protestantes e teve um lamentável eco em Espanha, onde a Companhia obtinha muitos e importantes triunfos por não ter inimigos.

A temeridade do Padre Bobadilha, a medida rigorosa de Carlos V, o triunfo dos hereges, tudo isto foi explorado pelo espírito malévolo de Melchior Cano, dominicano, doutor da Universidade de Salamanca e grande pregador. Atacou os jesuítas nos seus escritos, nos sermões, de todos os modos: os jesuítas eram os precursores do Anticristo, eram inimigos da Igreja e do Papa, hereges, cismáticos, hipócritas... O povo fica espantado com esta descoberta; pergunta a si mesma como pôde deixar-se iludir pelas aparências de santidade dos Padres jesuítas a ponto de os venerar mais profundamente do que venerava os religiosos doutras Ordens. Mas todos os dominicanos de Salamanca estão longe de partilhar as opiniões de Melchior Cano. Um deles, João Pena, responde aos seus ataques contra os jesuítas com a mais completa apologia Defende-os nos seus sermões e nos seus escritos, assim como na sua Cadeira da Universidade. Melchior Cano acusa-os de não serem autorizados pela Igreja, e Pena opõe-lhe a bula de Paulo III, que os reconheceu e exigiu a Companhia em Ordem. religiosa. Condena os Exercícios Espirituais, que acusa de encerrar todas as espécies de segredos culpáveis, e opõe-lhe a bula dada pelo Papa, alguns meses antes, para aprovar e recomendar ao mundo o livro desses Exercícios e a sua prática. Enfim, o superior geral dos Dominicanos, sabendo o procedimento de Cano, declara-se abertamente amigo e admirador da Companhia de Jesus; todos os esforços do malévolo religioso só conseguem fazer-lhe perder a estima e a confiança de que gozava e lançar novo brilho sobre a Companhia, que ele se esforçava por esmagar e desonrar.

Apesar das fadigas que lhe causavam estas lutas constantes, o santo fundador não negligenciava o seu governo.

Estava ao corrente de tudo o que interessava cada uma. das casas da Ordem, e levava a sua atenção até a informar-se dos progressos dos alunos de todos os colégios da Companhia. Os professores da Sicília davam-lhe conta do seu trabalho, todas as semanas. Os dos colégios de Espanha enviavam-lhe todas as teses de filosofia e de teologia, assim como as composições em prosa ou em verso, que ele queria receber tais quais saíam das mãos dos jovens, antes de terem sofrido a menor correção. Lia tudo e fazia em seguida examinar esses escritos por outros, na sua presença. Não cessava de recomendar aos estudantes que não tivessem em vista senão a Deus, nos seus estudos, e que se persuadissem bem de que este trabalho, empreendido e sustentado para a maior glória do mesmo Deus, lhes era mais útil do que longas orações.

Quem se admira com razão de ver um só homem atender a tão grandes e tão pequenas ocupações, pergunta se ele podia, sem milagre, dar a Deus tempo tão considerável e governar e dirigir a sua casa de Roma, de modo que aproveitasse as menores disposições de cada um daqueles que a compunham, corresponder-se com todos os superiores das casas espalhadas no mundo; ocupar-se dos colégios, que acabamos de indicar; tratar os negócios da Igreja com o Papa e os Cardeais que o consultavam; sustentar correspondência com alguns soberanos da Europa; dirigir todos os dias novas fundações distantes; enfim, continuar, na Cidade Eterna, as suas obras de caridade e misericórdia, de que sempre dava exemplo aos seus numerosos discípulos.

Inácio já não era novo, e a sua saúde, fraquíssima, era muitas vezes violentamente abalada por doenças inquietadoras. É, pois, permitido pensar que Deus multiplicava os prodígios em favor do Santo para honra e glória da nova Companhia e para admiração do mundo.