IX. RENÚNCIA AO GENERALATO

Os protestantes da Alemanha, a quem a partida precipitada de Bobadilha tinha dado coragem, redobraram de ardor e de audácia para propagar as suas funestas doutrinas. O clero alemão, desprovido da ciência necessária para lutar contra a heresia, deixava-lhe ganhar terreno de maneira a fazer recear que trasbordaria breve por todos os lados.

Atemorizado com os seus progressos sempre crescentes, o duque de Baviera escreveu a Inácio de Loiola e pediu-lhe defensores da fé da Igreja, escolhidos entre os mais aguerridos do seu exército. O santo fundador enviou-lhe Salmeron e Canísio, a quem o príncipe confiou as primeiras cadeiras de teologia da Universidade de Ingolstadt. Fizeram ali tais prodígios que, um ano depois, o rei Fernando pedia a Inácio que lhe enviasse uma pequena colônia de jesuítas para estabelecer um colégio em Viena; os príncipes desejariam ter em todas as suas cidades alguns dos valentes soldados da Companhia de Jesus; mas, por numerosos que fossem já, era impossível responder favoravelmente a todos os soberanos.

O rei Fernando pedia Lejay; o duque de Ferrara possuía-o e queria conservá-lo; Inácio julgava a sua presença importante na Alemanha; foi mister empenhar o Cardeal Farnese para levar o duque de Ferrara a fazer o sacrifício do Padre Lejay em favor do rei, e sobretudo dos católicos dos seus Estados.

Entretanto morria o Papa Paulo III e Júlio III substituiu-o na cadeira de S. Pedro. Acabava de conceder ao mundo um jubileu, e Inácio, aproveitando esta circunstância, chamou para junto de si todos os principais religiosos da sua Ordem espalhados na Europa. Simão Rodrigues foi o único dos mais antigos que faltou a esta reunião: tendo o rei de Portugal suplicado ao santo fundador que permitisse que Simão ficasse junto dele, Inácio não recusou este favor a um príncipe que foi o primeiro que se declarou caloroso protetor da Companhia e tinha ajudado muito ao seu desenvolvimento.

Quando todos estes Padres estavam reunidos em Roma, Inácio submeteu-lhes as Constituições, das quais só conheciam a prática. Todos, formados na escola do santo fundador ou na dos seus primeiros discípulos, seguiam a regra estabelecida na casa a que chegavam, e levavam-na depois às que iam fundar. A regra estava viva por toda a parte, sem estar escrita em nenhuma. Além disso, é sabido com que exactidão e cuidado o nosso Santo dirigia por cartas todas as residências e todos os colégios da Companhia. Mas era necessário havei Constituições escritas e aprovadas para o futuro, e já vimos como, auxiliado pelas luzes divinas, Santo Inácio trabalhava nelas. Todavia, exprimiu o desejo de as não submeter à aprovação da Santa Sé senão depois de terem sido aprovadas pela Companhia [55]. Todos os Padres as aceitaram, artigo por artigo, com tanto respeito como se tivessem vindo do céu, à medida que se iam lendo.

Inácio teve um outro fim guando chamou a Roma os mais distintos membros da sua Ordem; mas ninguém então o suspeitava. Acabado o exame das Constituições, tendo-as aprovado todos os Padres, e estando regulados os negócios da Companhia nas suas assembléias, esperavam receber ordem de partida, quando um dia Santo Inácio lhes marca uma reunião para o dia seguinte. Obedeceram. A hora indicada, todos estavam presentes: esperavam o seu Padre Geral para saber dele o motivo da reunião; mas não é o muito amado Padre que se apresenta, é uma carta sua, dirigida à Congregação; com ordem de se ler imediatamente. Reproduzimos esta carta como se encontra em Bartoli:

"Aos meus caríssimos irmãos em Nosso Senhor, membros da Companhia de Jesus."

"JESUS !"

" Depois de ter reflectido maduramente, e sem que nenhuma perturbação exterior ou interior tenha podido influenciar-me na minha determinação, venho agora, sob as vistas de Deus, que me julgará para a eternidade, expor-vos o que sinto, a fim de procurar a sua glória e o seu serviço. Tendo considerado atenta e humildemente a multidão dos meus pecados e as minhas inumeráveis imperfeições, tanto da alma como do corpo, reconheci que estou bem longe de possuir as qualidades necessárias para governar a Companhia, o que ainda agora faço para obedecer à ordem que ela me deu. Peço, pois, a todos, em presença do Senhor, e após graves reflexões, que escolham outro chefe que possa governá-los melhor que eu; e por motivos que me parecem sólidos, peço que o cargo que me foi imposto seja confiado doravante a outro, ainda que ele devesse desempenhá-lo mediocremente, conquanto melhor que eu."

"É pois, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, um só Deus em três pessoas, que eu o ponho em vossas mãos; e peço do fundo da minha alma ao Senhor e aos Padres reunidos para este fim que aceitem a minha demissão motivada diante da divina Majestade. Se entre aqueles a quem pertence julgar e pronunciar, houver diversidade de sentimentos, peço-lhes, pelo amor e respeito que devemos a Deus nosso Senhor, que se reúnam comigo para Lhe suplicar que fada conhecer a sua divina vontade, a fim de que ela se cumpra para a sua maior glória e bem geral das almas e da Companhia".

A leitura desta carta consternou a assembléia; mas imediatamente se levantou uma oposição unânime contra o desejo do santo fundador. Louvavam, admiravam-lhe a humildade, mas recusavam aceitar a demissão do cargo que exercia com tanta habilidade e que reconheciam ter-lhe sido imposto pelo próprio Deus. Quem poderia dirigir, governar a Companhia tão bem como aquele que a havia fundado à custa de tantas fadigas, de sofrimentos, de perseguições de todo o gênero? Todavia procedeu-se à votação: um só foi favorável à aceitação da demissão; era o bom Padre Oviedo.

O Padre André Oviedo tinha tanta simplicidade como ciência e talento; eia a candura em pessoa, e esta simplicidade primitiva do boro Padre era proverbial na Companhia. Quando lhe chegou a vez, respondeu energicamente:

- Sou de opinião que se aceite.

- Que se aceite? - exclamaram os Padres, não acreditando no que ouviam. E por que? Qual o motivo por que pensa assim Vossa Reverência?

- Parece-me que se não deve, em caso algum, resistir ao reverendo -Padre Inácio.

- No que ele ordena, sim, tem Vossa Reverência toda a razão; mas, no caso presente, por que aceitar o que da sua parte é apenas um ato da sua humildade, e não da sua vontade para bem da Companhia?

- Por que ele tem luzes que nós não temos.

- É também verdade, mas o nosso Padre é um Santo, e os Santos não fazem justiça a si mesmos; crêem-se sempre desprovidos das virtudes necessárias para o cargo que ocupam. Vossa Reverência acredita na incapacidade do nosso Padre Inácio?

Foi um raio de luz para o Padre Oviedo. Convenceu-se sem replicar, e, pela vez primeira na sua vida, consentiu em. não ser da mesma opinião que o seu venerado Padre Inácio..

O santo fundador recebeu a resposta dos seus queridos filhos com verdadeira dor, correndo-lhe as lágrimas; mas submeteu-se à vontade de todos como à do próprio Deus, e resignou-se a levar até ao fim o pesado fardo do governo. Deus provou em breve que tinha dirigido os espíritos e os corações na decisão dos Padres reunidos.

Francisco de Bórgia, duque de Gandia, tinha feito os seus votos como membro da Companhia de Jesus, como já dissemos; mas por conselho do santo fundador, ficou no inundo; praticando a regra tanto quanto possível, e esperando o momento mais favorável para declarar a sua vocação a Carlos V e pedir-lhe consentimento. No ano precedente, chamando Inácio de Loiola a Roma os Padres que ali estavam reunidos, convidara Francisco de Bórgia a vir também com os de Espanha e de Portugal. Sendo este convite uma ordem para ele, o duque de Gandia dirigiu-se a Roma e permaneceu na casa dos jesuítas, mas num aposento separado no corpo do edifício por eles ocupado. Podia assim conversar todos os dias com o santo fundador, ouvir os seus conselhos espirituais, fortificar a sua vocação e tratar dos interesses e aumento da Companhia, que ele apoiava coro todo o seu crédito e fortuna.

Falando-lhe um dia Inácio do bem que resultava dos colégios já estabelecidos, Francisco de Bórgia concebeu no mesmo instante o projecto de fundar um na Cidade Eterna, e ofereceu seis mil escudos de ouro para a primeira pedra. Havia muito tempo que o nosso Santo desejava esta fundação, mas parecendo-lhe invencíveis as dificuldades, tinha adiado a execução e esperava a hora da Providência. Esta hora acabava de soar. E meteu- ombros à empresa.

- O fundador do colégio romano será Vossa Reverência, Padre Francisco,-disse o nosso Santo ao duque de Gandia.

- Peço a Vossa Reverência,- respondeu o príncipe que me não considere como tal e que reserve essa honra para aquele que um dia fizer uma fundação digna da capital do mundo católico.

Era uma palavra profética. Mais tarde, Gregório XIII mandou construir para o Colégio Romano o edifício que hoje se admira.

As condições de admissão neste colégio eram muito simples. Recebiam-se todos os alunos, ricos ou pobres, sem retribuição nas classes. Admitiam-se apenas aqueles que fossem apresentados pelos prefeitos, depois de se lhes ter perguntado se estavam resolvidos a obedecer, a portar-se convenientemente e a abster-se de palavras repreensíveis. Os seus nomes eram inscritos num livro e consideravam-se como filhos da casa se o seu procedimento se mantinha bom. Assistiam à missa todos os dias, ao sermão no dia de prédica, ao catecismo aos domingos e dias de festa e confessavam-se todos os meses. Aqueles que se não podiam corrigir, eram despedidos.

Esta gratuidade de ensino atraiu logo grande número de alunos; os professores das classes pagantes indignaram-se; alguns chegaram a ir às classes dos jesuítas para insultar os professores na presença dos alunos; não duvidavam até acusar de ignorância esses religiosos, cuja reputação de ciência era universal.

Inácio de Loiola aproveitou bem esta ocasião para dar aos seus queridos filhos uma admirável lição de humildade. Persuadido de que o que sucedia em Roma podia acontecer noutro colégio de Itália, porque o ensino era gratuito em todos os da Companhia, escreveu aos reitores a recomendar-lhes, no caso que os taxassem de ignorância, que respondessem simplesmente, com a maior doçura com toda a humildade

"Sabemos, é certo, muito menos do que quiséramos saber; mas o pouco que sabemos, damo-lo de bom grado a Deus e ao próximo".

O Colégio Romano tomou em pouco tempo considerável desenvolvimento; o edifício era insuficiente para o número de estudantes internos que acudiam de toda a parte, e as famílias atemorizavam-se com o empenho dos jovens em procurar o ensino dos Jesuítas de preferência a qualquer outro, e sobretudo com a sua simpatia pelo Colégio de Roma. Inácio não se incomodava com esta disposição das famílias, mas pedia a Deus que protegesse o Colégio Romano, sobre o qual tinha tão belas esperanças no futuro, e que o esclarecesse sobre as medidas a tomar para acabar com as queixas que vinham de alguns pontos da Itália. Uma circunstância imprevista veio em seu auxílio.

Octávio César, filho do secretário do duque de Monte-Leone, entrara na Companhia de Jesus em Messina, e só obteve o consentimento de seu pai depois da sua admissão.

Concedido este consentimento, as coisas corriam às mil maravilhas para o jovem noviço, quando o Padre Geral o chama a Roma. Octávio obedece a esta ordem; mas seu pai corre, diz que não consentiu na entrada de seu filho na Companhia e queixa-se ao Papa. Júlio III encarrega o Cardeal Caraffa de proceder a um inquérito.

A mãe de Octávio chega a Roma, exige seu filho, acusa Inácio de lho ter tirado, chora, grita, lamenta-se, corre duma casa a outra, põe a cidade em alvoroço e faz tal barulho que o Cardeal Caraffa, apesar do inquérito estar apenas começado, ordena a Inácio de Loiola, sob pena de suspensão, que entregue o jovem noviço a seus pais. Antes de obedecer, o santo fundador vai expor a questão ao Papa, que manda o contrário do que mandou o Cardeal Caraffa, e declara que a admissão de Octávio César na Companhia de Jesus se fez com a necessária regularidade.

Depois desta decisão, Inácio dirigiu uma circular a todos os reitores da sua Ordem proibindo-lhes absolutamente que convidassem os estudantes a entrar na Companhia, e que recebessem, sem autorização formal de seus pais, os que a ela fossem chamados pela voz de Deus.

Esta resolução produziu sensação. As famílias, tranqüilas, não mais temeram o colégio dos jesuítas; o número dos estudantes aumentou consideravelmente em todos os da Itália, no de Roma principalmente, e Inácio teve a consolação de ver todos os esforços do inimigo tornar-se em glória de Deus e honra da Companhia de Jesus.

Não era bastante para o zelo do nosso Santo ter fundado o Colégio Romano. Via com dor a ignorância e a incúria do clero da Alemanha, e havia muito tempo desejava fundar, na capital do mundo cristão, uma casa de estudos especialmente dedicada aos jovens Alemães. Nela hauririam a ciência e a piedade: as vocações eclesiásticas desenvolver-se-iam, e o clero dos Estados da Alemanha, recrutando-se nesse seminário, seria um dia capaz de resistir à heresia, de lutar vantajosamente contra ela, e de conservar a fé da Igreja naquele desgraçado país.

Este projecto era belo, era grande, era digno de Inácio de Loiola; mas demandava, para ser executado, despesas imensas, que ele não podia fazer, e um concurso de, vontades que seria difícil obter. O nosso Santo limitava-se, pois, a orar e a esperar o momento da Providência; para o Colégio Romano já soara; soaria também para o Colégio Germânico. Inácio não o duvidava.

Um dia, era em 1552, o Cardeal Moroni, que fora Núncio apostólico na Alemanha, disse ao nosso Santo:

- Meu Padre, Vossa Reverência devia trazer a Roma certo número de estudantes alemães para os formar na ciência teológica e nas virtudes sacerdotais.

- Se Vossa Eminência quiser arranjar os meios, - respondeu ele - fá-lo-ei da melhor vontade, pois Deus inspirou-me esse desejo há muito tempo e espero que da realização dele Lhe advirá muita glória. Mas para isso é necessário a aprovação de Sua Santidade, o seu concurso e o de todas as pessoas que estejam nas condições de nos secundarem.

O Cardeal ocupou-se sem demora deste- importante negócio, que mandou propor ao Papa pelo Cardeal Santa Cruz. O Sacro Colégio, reunido para este efeito por Júlio III, aprovou o projecto, todos os membros se apressaram a oferecer o seu concurso, o Papa prometeu quinhentos escudos de oiro todos os anos, decidiu-se que cinco Cardeais seriam protetores do Colégio Germânico, que os jesuítas o dirigiriam e que Inácio de Loiola elaboraria os estatutos.

Esta decisão foi comunicada ao nosso Santo, que, apressando-se a obedecer à ordem do Soberano Pontífice, tratou imediatamente de redigir os estatutos, cujo plano estava há muito tempo no seu pensamento. Enviou-os depois ao Cardeal Carpi, que os apresentou e submeteu ao exame do Papa; foram aprovados e o Colégio Germânico fundado. A bula de ereção autoriza que nele haja cursos de filosofia e de teologia e dá ao reitor o direito de conferir graus, mesmo o de doutor, naquelas duas faculdades.

Inácio de Loiola escreveu aos seus religiosos que estavam na Alemanha e ordenou-lhes que anunciassem aos- Bispos a fundação deste seminário, convidando-os a enviar a ele estudantes. Estabeleceu o colégio nos dois edifícios juntos ao da casa professa, nomeou reitor o Padre Fruste, francês, cuja ciência e virtude nada deixavam a desejar, e inaugurou 28 de Outubro, festa dos Apóstolos S. Simão e S. Judas. Foi o Padre Ribadeneira que pronunciou, em presença de alguns Cardeais e de numerosos Bispos, o discurso de abertura, indicando o fim da fundação, as vantagens que a Igreja dela podia esperar e a necessidade de a sustentar. Os cursos só começaram a 22 de Novembro. Na véspera, festa da Apresentação, os jovens estudantes, em número de vinte[56], comprometeram-se solenemente, por escrito, a permanecer fiéis à fé católica.

Assim foi fundado na Igreja o primeiro seminário. O Padre Laynez, que tinha o coração e o pensamento de Inácio de Loiola, havia já, proposto aos Bispos reunidos no Concílio de Trento que estabelecessem, nas suas dioceses, escolas deste gênero. Mas, aproveitando a idéia, os Prelados acharam a realização difícil e não lhe deram execução. Só mais tarde, vendo o Cardeal Moroni os maravilhosos progressos do Colégio Germânico, insistiu sobre a utilidade das escolas sacerdotais, e conseguiu fazer criar algumas segundo o modelo da de Roma. É, pois, também a Inácio de Loiola que se deve a primeira idéia e a criação dos-seminários, que hoje estão espalhados por todo o mundo. Entretanto, os protestantes alemães, furiosos com aquela instituição, não se limitaram a publicar pelos seus escritos e pregações, que os jesuítas estavam vendidos ao Papa e aos Cardeais e que Companhia de Jesus era "o flagelo da Alemanha e da reforma evangélica"; sabendo que com isso nada mais conseguiriam do que excitar o zelo desses santos religiosos, julgaram mais expedito e mais seguro tentar a sua conversão. Se tivessem podido tornar herege a Companhia de Jesus, seria para eles um brilhante triunfo. Empregaram, pois, os esforços.

Um Calabrês, de nome Miguel, apresentou-se na casa dos jesuítas em Roma e pediu para entrar no noviciado. Os seus olhos baixos, a sua modéstia, a sua palavra doce, a sua fisionomia inteligente, tudo nele seduzia e predispunha em seu favor. Inácio de Loiola recebeu-o e deu-lhe o Padre Olivier Manare por companheiro. Havia já passado algum tempo na santa casa, que não cessava de edificar, quando, ocupando-se um dia do refeitório, que tinha sido encarregado de preparar, perguntou ao Padre Olivier

- Por que estão aqui estas imagens?

- Para nos inspirar bons e santos pensamentos pela vista dos assuntos que representam ou para nos lembraras virtudes dos Santos cujas imagens vemos.

- Ah! como as opiniões diferem! - replicou Miguel. Conheci na Alemanha homens de muita ciência, doutores, que censuram as honras prestadas às imagens e dizem até que essas honras são condenáveis. Apóiam-se nestas palavras de S. João: Acautelai-vos dos simulacros.

- Esses doutores são menos instruídos do que Miguel pensa, ou são hereges, porque essas palavras de S. João só se aplicam às imagens dos falsos deuses e não às de Nosso Senhor Jesus Cristo ou dos Santos.

Miguel pareceu humildemente convencido e não prolongou a conversa. Alguns dias depois, disse ao Padre Olivier:

- Pode Vossa Reverência explicar o que S. Pedro entendia quando escrevia: Os irmãos que então em Babilônia vos saúdam? Que Babilônia era esta?

- O apóstolo falava de Roma, - respondeu o Padre-, porque então havia nela uma tal confusão de religiões que merecia ser assim chamada.

- Os teólogos da Alemanha, - replicou Miguel - explicam-na também assim, com a diferença de que asseguram que S. Pedro falava assim de Roma porque o Anticristo devia um dia ali reinar sobre a sede que David chama a cadeira de pestilência.

O Padre Manare está suficientemente edificado acerca das doutrinas do noviço; mas queria falar delas com documentos que o apoiassem. Depois de ter notado algumas das suas proposições, fingiu-se abalado nas suas crenças e convidou-o a fazer julgar pelo Padre Mercuriano três pontos de doutrina de que ele duvidava, pedindo-lhe para os escrever. Miguel aceita e formula por escrito as suas proposições.

O Padre Olivier Manare leva ao Padre Inácio este escrito e as notas que tinha tomado e conta-lhe tudo o que se passou. entre ele e Miguel. Santo Inácio ouviu o Cardeal Caraffa, depois do que ordenou que ao herege fosse tirado o hábito religioso e despediu-o.

Algum tempo depois, uma pessoa desconhecida enviava de Veneza, a título de esmola, uma caixa de livros para a biblioteca dos jesuítas de Roma. Abre-se a caixa: vêem-se obras ortodoxas e todos se regozijam, porque, então, os livros eram raros e custosos; mas, depois de se tirarem os primeiros, só se encontram autores luteranos. O nosso Santo mandou-os queimar imediatamente.

Estas duas tentativas parecem suficientes aos hereges alemães.