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Sendo a casa das Vinhas,-assim se chamava a de Quirino
Garzónio, onde se hospedara o nosso Santo-insuficiente para
conter os Padres esperados, o santo fundador mudou de
residência, e a pequena Companhia teve por segunda residência
em Roma, uma casa junto da torre dei Melangolo, pertencente a
Antônio Frangipani e situada perto de Santa Catarina dei
Funari, ao foro Morgana [50].
Os sete Padres chegaram a Roma nos últimos dias da Quaresma
do ano de 1538, e, tendo-os Inácio reunido pouco depois,
disse-lhes:
"Meus irmãos, a Providência, reunindo homens de países tão
diversos, unindo-os pelo laço de uma tão íntima caridade,
impondo-lhes, depois de muitos estudos, tão dolorosas
viagens, tão fatigantes trabalhos, quereria deixar a cada um
deles a liberdade de empregar o seu zelo segundo as suas
idéias, de ficarem com os seus irmãos ou de voltarem ao que
abandonaram, de continuarem a obra de Deus ou de a
abandonarem?"
Não o creio. Deus Nosso Senhor quer que entremos para sempre
ao serviço da sua Divina Majestade e que deixemos após nós,
imitadores. O céu recusou-nos a entrada na Palestina, e
entretanto, posso dizê-lo para glória de Nosso Senhor, o
nosso zelo aumentou de dia para dia. Não deveremos concluir
que somos chamados a ganhar para Deus não somente um país,
não somente uma nação; mas todos os povos do mundo?
"Somos insuficientes, porque somos poucos; mas vir-nos-á
reforço; todos os dias se apresentam homens de mérito que
desejam associar-se à nossa vida e esperam o momento da sua
admissão na nossa pequena Companhia. Mas em que os poderemos
empregar, se eles conservarem a sua independência? E nós
mesmos podemos empreender alguma coisa de grande para glória
de Deus, se a nossa Companhia se não tornar uma ordem
religiosa, que se possa multiplicar, espalhar-se por toda a
parte, e perpetuar-se até ao fim dos séculos?"
"Este desígnio será combatido pelo mundo e pelo inferno, bem
o sei; não é a contradição um dos caracteres das obras de
Deus? Mas o mundo e o inferno não podem nada contra a ordem
da Sabedoria divina. Jesus Cristo disse-nos: "Ser-vos-ei
favorável". Desta promessa podemos esperar tudo e nada temos
que recear contando com o seu auxílio.
"Penso pois, meus irmãos, que devemos esperar alguns dias
para consultar a Deus, pedir-lhe que nos faça conhecer a sua
santíssima vontade e nos conceda a graça de a executarmos
fielmente".
Todos os discípulos do Santo compartilharam dos seus
sentimentos e todos se apressaram a obedecer-lhe, pedindo a
Deus que manifestasse a sua vontade, esclarecesse as suas
almas e lhes desse todas as graças necessárias para a
realização da obra cujo pensamento Ele inspirara ao seu muito
amado pai.
Alguns dias depois, numa nova reunião, todos foram de parecer
que se dirigisse ao Sumo Pontífice o pedido de erigir a sua
Companhia em ordem religiosa; mas, sabendo que o Papa estava
pouco disposto a aprovar novos institutos, decidiram que se
tomassem prontas medidas para o dispor a acolher
favoravelmente o pedido.
Enquanto o santo fundador se ocupava deste grave negócio e
procurava interessar nele as pessoas mais influentes, o Papa
Paulo III dirigia-se a Nice a fim de assistir à entrevista de
Carlos V e de Francisco I. Inácio, aflito com a demora
ocasionada por esta ausência, procurou e encontrou a
consolação nos trabalhos apostólicos. Tendo-lhe o Cardeal
Vicente Caraffa dado, para ele e para os seus discípulos,
autorização de exercerem o santo ministério nas diversas
igrejas da cidade, escolheu para si a de Nossa Senhora de
Monserrate, em recordação da capela onde fizera a vigília das
armas, e se despojara de todo o seu passado para viver uma
vida completamente nova. Designou a cada um dos Padres a
igreja em que devia pregar, confessar, instruir as crianças,
e indicou-lhes bairros diferentes a fim de estender a todos o
bem que podiam fazer: este foi prodigioso. Em pouco tempo a
reforma dos costumes foi geral e a frequência dos sacramentos
restabelecida; os novos apóstolos eram amados, procurados
pelos grandes e pelos pequenos, pela unção da sua palavra e
santidade dá sua vida.
Todos os ouvintes do nosso Santo eram espanhóis. D. Pedro
Ortiz assegurava não ter faltado a uma só das suas prédicas e
acrescentou:
- O que mais admira, ao ouvi-lo, é o espirito que faia pelos
seus lábios; sente-se que fala nele o espirito de Deus.
Absorvendo estes trabalhos todo o dia, a pequena Companhia só
tinha as noites para tratar da constituição que devia
assegurar o seu futuro. Esquecendo as fadigas do dia, os
Padres realizavam as suas conferências nas horas destinadas
ao descanso, querendo estar prontos a submeter o resultado ao
Papa apenas se apresentasse ocasião. Nestas reuniões, todas
as propostas de Inácio foram adoptadas por unanimidade e sem
a menor reclamação, tão dispostos estavam pela graça os
espíritos e os corações a reconhecer a voz de Deus na do
santo fundador. Inácio sabia que nada propunha aos seus
irmãos que não fosse uma ordem do céu; mas a sua profunda
humildade levava-o a consultá-los sempre. Talvez Deus assim o
permitisse, para que este acordo fosse uma prova mais da sua
inspiração quanto às primeiras bases da Companhia de Jesus.
Foi decidido nessas conferências que aos votos de pobreza e
de castidade, se juntasse o de obediência perpétua a um
superior como titulo de Geral, o qual seria eleito por toda a
vida e teria uma autoridade absoluta; que a estes votos se
juntasse ainda, para os professos, o de irem aonde o Sumo
Pontífice julgasse conveniente enviá-los para trabalhar na
salvação das almas, e irem sem outra provisão mais do que a
caridade pública, a pé e pedindo esmola. Que não possuiriam
nada, nem de comum, nem de particular: só os colégios podiam
ter rendimentos suficientes para a sustentação daqueles que
freqüentassem os estudos.
Tais foram as bases das Constituições.
Pressentia-se já a organização militar que o intrépido
defensor das conquistas do seu soberano, o ilustre guerreiro
Inácio de Loiola, ia dar ao valente exército que preparou
para a defesa da Igreja, incessantemente atacada pelas
falanges inimigas.
Mas, enquanto o santo fundador trabalha para o acabamento da
obra de misericórdia e de amor de que é o mais precioso
instrumento na mão divina, o inferno, alarmado, solta, ao
longe, novos rugidos e prepara nas trevas as suas flechas
envenenadas.
- Sinto, -disse um dia Santo Inácio aos seus discípulos - que
vai cair sobre nós violenta tempestade, e vejo todas as
saídas tomadas; mas tenhamos confiança em Jesus. Cristo,
porque Ele prometeu ser-nos favorável.
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