XI. UMA NOVA ORDEM

Sendo a casa das Vinhas,-assim se chamava a de Quirino Garzónio, onde se hospedara o nosso Santo-insuficiente para conter os Padres esperados, o santo fundador mudou de residência, e a pequena Companhia teve por segunda residência em Roma, uma casa junto da torre dei Melangolo, pertencente a Antônio Frangipani e situada perto de Santa Catarina dei Funari, ao foro Morgana [50].

Os sete Padres chegaram a Roma nos últimos dias da Quaresma do ano de 1538, e, tendo-os Inácio reunido pouco depois, disse-lhes:

"Meus irmãos, a Providência, reunindo homens de países tão diversos, unindo-os pelo laço de uma tão íntima caridade, impondo-lhes, depois de muitos estudos, tão dolorosas viagens, tão fatigantes trabalhos, quereria deixar a cada um deles a liberdade de empregar o seu zelo segundo as suas idéias, de ficarem com os seus irmãos ou de voltarem ao que abandonaram, de continuarem a obra de Deus ou de a abandonarem?"

Não o creio. Deus Nosso Senhor quer que entremos para sempre ao serviço da sua Divina Majestade e que deixemos após nós, imitadores. O céu recusou-nos a entrada na Palestina, e entretanto, posso dizê-lo para glória de Nosso Senhor, o nosso zelo aumentou de dia para dia. Não deveremos concluir que somos chamados a ganhar para Deus não somente um país, não somente uma nação; mas todos os povos do mundo?

"Somos insuficientes, porque somos poucos; mas vir-nos-á reforço; todos os dias se apresentam homens de mérito que desejam associar-se à nossa vida e esperam o momento da sua admissão na nossa pequena Companhia. Mas em que os poderemos empregar, se eles conservarem a sua independência? E nós mesmos podemos empreender alguma coisa de grande para glória de Deus, se a nossa Companhia se não tornar uma ordem religiosa, que se possa multiplicar, espalhar-se por toda a parte, e perpetuar-se até ao fim dos séculos?"

"Este desígnio será combatido pelo mundo e pelo inferno, bem o sei; não é a contradição um dos caracteres das obras de Deus? Mas o mundo e o inferno não podem nada contra a ordem da Sabedoria divina. Jesus Cristo disse-nos: "Ser-vos-ei favorável". Desta promessa podemos esperar tudo e nada temos que recear contando com o seu auxílio.

"Penso pois, meus irmãos, que devemos esperar alguns dias para consultar a Deus, pedir-lhe que nos faça conhecer a sua santíssima vontade e nos conceda a graça de a executarmos fielmente".

Todos os discípulos do Santo compartilharam dos seus sentimentos e todos se apressaram a obedecer-lhe, pedindo a Deus que manifestasse a sua vontade, esclarecesse as suas almas e lhes desse todas as graças necessárias para a realização da obra cujo pensamento Ele inspirara ao seu muito amado pai.

Alguns dias depois, numa nova reunião, todos foram de parecer que se dirigisse ao Sumo Pontífice o pedido de erigir a sua Companhia em ordem religiosa; mas, sabendo que o Papa estava pouco disposto a aprovar novos institutos, decidiram que se tomassem prontas medidas para o dispor a acolher favoravelmente o pedido.

Enquanto o santo fundador se ocupava deste grave negócio e procurava interessar nele as pessoas mais influentes, o Papa Paulo III dirigia-se a Nice a fim de assistir à entrevista de Carlos V e de Francisco I. Inácio, aflito com a demora ocasionada por esta ausência, procurou e encontrou a consolação nos trabalhos apostólicos. Tendo-lhe o Cardeal Vicente Caraffa dado, para ele e para os seus discípulos, autorização de exercerem o santo ministério nas diversas igrejas da cidade, escolheu para si a de Nossa Senhora de Monserrate, em recordação da capela onde fizera a vigília das armas, e se despojara de todo o seu passado para viver uma vida completamente nova. Designou a cada um dos Padres a igreja em que devia pregar, confessar, instruir as crianças, e indicou-lhes bairros diferentes a fim de estender a todos o bem que podiam fazer: este foi prodigioso. Em pouco tempo a reforma dos costumes foi geral e a frequência dos sacramentos restabelecida; os novos apóstolos eram amados, procurados pelos grandes e pelos pequenos, pela unção da sua palavra e santidade dá sua vida.

Todos os ouvintes do nosso Santo eram espanhóis. D. Pedro Ortiz assegurava não ter faltado a uma só das suas prédicas e acrescentou:

- O que mais admira, ao ouvi-lo, é o espirito que faia pelos seus lábios; sente-se que fala nele o espirito de Deus.

Absorvendo estes trabalhos todo o dia, a pequena Companhia só tinha as noites para tratar da constituição que devia assegurar o seu futuro. Esquecendo as fadigas do dia, os Padres realizavam as suas conferências nas horas destinadas ao descanso, querendo estar prontos a submeter o resultado ao Papa apenas se apresentasse ocasião. Nestas reuniões, todas as propostas de Inácio foram adoptadas por unanimidade e sem a menor reclamação, tão dispostos estavam pela graça os espíritos e os corações a reconhecer a voz de Deus na do santo fundador. Inácio sabia que nada propunha aos seus irmãos que não fosse uma ordem do céu; mas a sua profunda humildade levava-o a consultá-los sempre. Talvez Deus assim o permitisse, para que este acordo fosse uma prova mais da sua inspiração quanto às primeiras bases da Companhia de Jesus.

Foi decidido nessas conferências que aos votos de pobreza e de castidade, se juntasse o de obediência perpétua a um superior como titulo de Geral, o qual seria eleito por toda a vida e teria uma autoridade absoluta; que a estes votos se juntasse ainda, para os professos, o de irem aonde o Sumo Pontífice julgasse conveniente enviá-los para trabalhar na salvação das almas, e irem sem outra provisão mais do que a caridade pública, a pé e pedindo esmola. Que não possuiriam nada, nem de comum, nem de particular: só os colégios podiam ter rendimentos suficientes para a sustentação daqueles que freqüentassem os estudos.

Tais foram as bases das Constituições.

Pressentia-se já a organização militar que o intrépido defensor das conquistas do seu soberano, o ilustre guerreiro Inácio de Loiola, ia dar ao valente exército que preparou para a defesa da Igreja, incessantemente atacada pelas falanges inimigas.

Mas, enquanto o santo fundador trabalha para o acabamento da obra de misericórdia e de amor de que é o mais precioso instrumento na mão divina, o inferno, alarmado, solta, ao longe, novos rugidos e prepara nas trevas as suas flechas envenenadas.

- Sinto, -disse um dia Santo Inácio aos seus discípulos - que vai cair sobre nós violenta tempestade, e vejo todas as saídas tomadas; mas tenhamos confiança em Jesus. Cristo, porque Ele prometeu ser-nos favorável.