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A perfeição e a suficiência per se se seguem
mutuamente. E isto porque o bem perfeito é suficiente per se.
Se, de fato, quanto a algo não fosse suficiente, já não
aquietaria perfeitamente o desejo, e assim não seria bem
perfeito.
O bem perfeito deve ser suficiente não a um só
homem vivendo uma vida solitária, mas aos seus parentes, aos
filhos, à esposa, aos amigos e [à comunidade], porque o homem
é naturalmente um animal comunitário [animal civile]. E por
isso [o bem perfeito] não seria suficiente ao seu desejo se
somente para si providenciasse, mas somente se pudesse aos
outros [também] providenciar. Porém "estes outros" devem ser
entendidos até um certo término. De fato, se por estes outros
se quisesse entender não somente os consanguíneos e aos
amigos próprios, mas também os amigos dos amigos, proceder-
se-ia nisso até o infinito, e assim ninguém a suficiência
poderia bastar, e ninguém poderia ser feliz, se a felicidade
tivesse por requisito a infinita suficiência. Além disso,
deve-se saber que Aristóteles fala neste livro da felicidade
que pode ser alcançada nesta vida, porque a felicidade da
outra vida excede a investigação da razão. Assim, o bem
perfeito deverá ser suficiente não somente a um só homem, mas
para si e todos aqueles que estão debaixo dos seus cuidados.
Um bem é dito per se suficiente se, sendo possuído
sozinho, torna a vida desejável, nada mais lhe sendo
necessário. Ora, isto pode se dar de duas maneiras:
A. De uma primeira maneira, de modo que o bem
perfeito que é dito suficiente per se não
possa receber um aumento de bondade por
adição de algum outro bem.
Esta é a condição daquilo que é bem total, ou
seja, Deus. De fato, qualquer bem
[acrescentado] a Deus não lhe faz nenhum
aumento de bondade, porque este bem
[acrescentado] não é bem a não ser enquanto
participa da bondade divina.
B. De uma segunda maneira, de modo que [o bem
perfeito] é dito suficiente na medida em que
contém tudo aquilo que falta ao homem por
necessidade.
Este é o modo de suficiência que pertence à
felicidade de que estamos tratando, porque
dizemos ela ser [um bem perfeito] suficiente
per se por conter em si tudo aquilo que é per
se necessário, não todavia tudo aquilo que
pode advir ao homem. De onde se segue que ela
pode tornar-se melhor por adição de alguma
coisa. E assim o desejo do homem não
permanece inquieto, porque o desejo regulado
pela razão, como deve ser [o desejo do homem]
feliz, não apresenta inquietude pelas coisas
que não são necessárias, ainda que sejam
possíveis de se alcançarem.
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