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Depois que o Filósofo mostrou quais coisas são
necessárias à consistência da cidade, passa a declarar quais
destas coisas são parte da cidade e quais não. Ele inicia a
discussão questionando se todas estas seis coisas podem
convir ao mesmo [cidadão] ou se apenas algumas. [Isto é], se
todas estas seis coisas podem ser comunicadas a todos os que
fazem parte da cidade, de tal modo que [o mesmo] cidadão
possa ser agricultor, artífice e semelhantemente com as
demais, de tal maneira que as mesmas pessoas sejam [por
exemplo], agricultores e conselheiros. Ou, [ao contrário], se
cada uma destas coisas deverá ser atribuída a uma condição de
homens, de tal modo que alguns sejam agricultores, outros e
diversos sejam soldados, e assim com as demais. Ou ainda, se
algumas destas coisas devem ser atribuídas aos mesmos,
enquanto que outras deverão ser atribuídas a homens
totalmente diversos. Esta questão é importante, porque sua
solução auxilia a declarar a questão principal.
O Filósofo responde a esta questão dizendo que na
cidade bem ordenada não convém que todas as mencionadas
coisas sejam comunicadas a todos, nem cada uma a cada um [dos
cidadãos], mas algumas delas convém que sejam próprias apenas
a alguns e não a outros, enquanto que outros devem ser comuns
a muitos. Isto, porém, não é verdade em qualquer república,
mas apenas na república bem ordenada, [isto é, na república
perfeita de que trata agora, e não na democracia ou na
oligarquia].
Para manifestar sua solução, o Filósofo diz que em
primeiro lugar deve-se considerar que a razão da parte deve
ser considerada a partir da razão do todo, e a razão do todo
nas coisas que se ordenam ao fim [deve ser] tomada do fim. E
por isso a razão das partes per se da cidade deve ser buscada
a partir da razão da república, enquanto que a razão da
república deve ser buscada a partir da razão da felicidade
que é o seu fim.
Ora, é impossível existir a felicidade sem a
virtude, que é o seu princípio. Por causa disto a razão das
partes da cidade ótima deve ser determinada pela virtude.
Supostas estas coisas, o Filósofo diz que já que
pretendemos considerar a república ótima de modo simples, e
não da república ótima supostas [algumas circunstâncias], na
medida em que dizemos as partes per se da cidade alcançarem a
felicidade de modo simples que é o seu fim, e a felicidade
não pode existir sem a virtude, pois é a [própria] operação
do homem segundo a virtude perfeita, é manifesto que os que
levam uma vida mercenária, forense ou de mercadores não podem
ser ditos cidadãos ou partes per se da cidade que se governa
otimamente, isto é, que possui homens bons de modo simples,
não por suposição [de algumas circunstâncias].
A razão disto é que é necessário que os cidadãos
na cidade ótima operem tendo em vista a felicidade, e que
tenham aquilo que é o princípio da mesma. Ora, isto é a
virtude civil, pelo que importa que os cidadãos nesta cidade
sejam virtuosos. Ora, os que conduzem a vida mercenária,
forense e outros semelhantes não são tais. A sua vida passada
em uma existência vil não os dirige à felicidade, nem a ela
se ordena; ao contrário, mais se deve dizer que não possui
conveniência para com a felicidade e é mesmo sub contrária à
mesma. Portanto, tais homens não podem ser cidadãos, nem
parte da cidade ótima.
Assim também não o podem ser os agricultores e os
que cultivam a terra, já que ao cidadão é necessária a
liberdade das operações necessárias e vis para que possam
dedicar-se algum tempo à contemplação e às operações liberais
necessárias para a geração das virtudes e às ações comuns
pelas quais s determinam. Esta liberdade não pode existir nos
agricultores, por serem obrigados a dedicar-se à agricultura
e aos trabalhos externos, pelo que não podem ser cidadãos nem
parte da cidade.
Já quanto aos soldados e aos conselheiros deve-se
dizer que, de algum modo, estes devem ser atribuídos à
cidade. Deve-se entender que alguém é bom conselheiro pelo
hábito da prudência, através do qual, a partir do fim, o
homem bem raciocina e investiga as coisas que se ordenam ao
fim. Assim como alguém está para com a prudência perfeita,
assim também para as demais virtudes morais, as quais existem
todas simultaneamente ou não existem. Por isso o homem bom
conselheiro determina-se pela virtude.
O guerreiro também necessita possuir a virtude
pela qual seja agressivo das coisas terríveis e, por
conseqüência, necessita de alguma prudência e de algum modo
das demais virtudes. Por isso o Filósofo afirma, no Segundo
Livro desta Política, que a vida militar possui muitas partes
da virtude e por isso os guerreiros e os conselheiros são
determinados de modo simples pela virtude. E porque aqueles
que são determinados pela virtude são partes da cidade ótima,
por isso tais [homens] são partes da mesma per se. É por isso
que, supostas estas coisas, o Filósofo diz que aqueles que se
ordenam à guerra na cidade ótima e ao aconselhamento do que é
útil e ao justo julgamento entre os que disputam,
necessariamente fazem parte da cidade.
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