2. Não todas as coisas necessárias à consistência da cidade são partes da mesma.

Assim como ocorre nas coisas que se fazem e existem segundo a natureza, assim também ocorre na cidade, que existe por inclinação da natureza e se torna perfeita pela razão. Nas coisas que se fazem e existem pela natureza, não tudo o que se requer para a consistência delas são partes das mesmas. Algumas são [apenas como que] sua matéria, outras existem para o seu ornamento, e outras ainda para outros fins. Nos animais, por exemplo, o alimento e os humores não são partes em ato, mas são como matéria; os pelos existem para o seu ornamento, ou para a sua proteção; o suor é como um excremento da natureza.

Ademais, há sempre alguma coisa comum de todas as partes per se de algum todo, pela qual estas são determinadas e são, que é a forma do todo. Esta coisa é alcançada por todas as partes, igualmente ou desigualmente, pela transformação feita a esta [forma do todo] a partir de alguma matéria.

Quando, porém, várias coisas se relacionam entre si de tal modo que a primeira está para a segunda como para o seu fim, e uma terceira é como que o fim das duas anteriores, sem que haja algo comum entre elas segundo a razão, estas coisas não serão partes de um só todo. [No caso mencionado], à primeira pertenceria alcançar algo, [que será a segunda], de modo principal, e à segunda pertencerá alcançar algo, [isto é, a terceira], recebendo uma virtude da outra, [que será a primeira]. É assim que um instrumento se relaciona para com o agente principal [e estes dois] para com a obra a ser feita. Entre eles não há algo comum segundo a razão, assim como entre a casa e o edificador não há nada comum enquanto tal, embora tanto [o edificados ou] a arte edificadora quanto os instrumentos existam por causa da própria casa. Quando uma coisa está em função de outra do modo descrito, estas coisas não serão partes de um só todo.

É o que ocorre com as posses de uma cidade. Elas existem por causa do possuidor. Embora elas sejam necessárias à cidade, não serão parte da cidade, cujas [verdadeiras] partes são os possuidores per se. Há muitas coisas animadas que são posses de outrem, como os jumentos e os servos, que são instrumentos animados existindo como posses de outros, sem os quais, todavia, não há cidade. Há, portanto, muitas coisas na cidade que não são partes da mesma.

A cidade é uma certa comunidade de muitos semelhantes segundo a natureza composta por causa da suficiência per se e da vida ótima.