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A principal suposição do estado popular é a
liberdade, o que pode ser provado pela comum sentença dos
homens porque todos costumam expressar-se como se somente
nesta república os cidadãos participassem da liberdade.
Deve-se entender que a liberdade é dita algo pelo
qual alguém pode, pela própria vontade, mover-se a si próprio
e ao fim que ele mesmo se colocou. Isto é evidente porque o
homem livre é, segundo o Filósofo, aquele que é causa de si
mesmo, tanto em razão do movente, na medida em que é movido
pela própria vontade e pela própria razão, como também na
medida em que é movido ou age em função de um fim que lhe é
próprio e não para o fim de outro. Esta, tomada tanto
conforme a primeira ou a segunda acepção, alguns o possuem
por uma disposição natural; tais homens são livres pela
natureza, conforme o Filósofo explicou no livro primeiro.
Outros possuem o não serem movidos por outros senão por si
mesmos e não se dirigirem ao fim de outrem mas [ao próprio] e
ao fim da república pela própria ordenação da república.
Disto se segue que uma parte da liberdade ou um
efeito da mesma no estado popular é que ninguém se submete ao
governo de modo simples, mas todos o fazem segundo a parte,
de tal modo que cada um se submete durante algum tempo e
governa durante outro tempo, ou governa segundo um principado
em particular enquanto que se submete segundo outro. A razão
disto é que o justo popular é que todos tenham as honras ou
os bens comuns segundo a igualdade da quantidade, não segundo
a dignidade da pessoa ou a igualdade da proporção, mas tanto
o pobre quanto o rico, tanto o idiota quanto o estudioso.
Como para qualquer justo importa que haja algum
instituidor e conservador, e isto é aquilo que é principal na
multidão civil, e como a multidão popular é o principal no
estado popular, é necessário que no estado popular a multidão
seja senhora deste justo popular. Como o fim na multidão
civil é aquele que o governante pretende, e o justo é aquilo
que se ordena para este fim, é necessário que o justo e a
finalidade do estado popular seja aquele que [tal] pareça à
multidão.
Já dissemos anteriormente que no estado popular
todos devem ter o igual segundo a quantidade. Como a multidão
é senhora do justo e governa de modo simples no estado
popular, e nela há um maior número de pobres do que de ricos,
ocorre que nesta república os pobres governam mais do que os
ricos, porque [as decisões do governo] são aquelas que
parecem tais à maioria. Este é um dos efeitos ou sinais da
liberdade que todos colocam no estado popular, como seu
término e finalidade.
Um segundo efeito ou sinal da liberdade [no estado
popular] é o viver segundo a vontade, de tal modo que cada um
opere segundo o movimento da própria vontade, não coagido por
ninguém, nem [pré] determinado a fazer uma determinada coisa.
Isto é, segundo dizem, obra da liberdade, o que assim parece
porque a obra da servidão é viver ou operar não segundo a
vontade própria mas segundo o desejo e o voto do outro, não
para o fim próprio, mas para o fim de outro. Portanto, por
oposição, a obra da liberdade [deve] ser operar segundo a
vontade própria para uma finalidade própria.
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