3. Consideração sobre a política dos Lacedemônios quanto às mulheres.

O Filósofo mostra, em primeiro lugar, o quanto é necessário que as mulheres sejam bem disciplinadas na cidade. A omissão das leis no que diz respeito às mulheres, de tal modo que elas vivam na cidade sem uma disciplina conveniente é prejudicial quanto a duas coisas.

Em primeiro lugar, quanto à escolha da política, porque pela desordem das mulheres pode ocorrer que seja mudada toda a política da cidade.

Em segundo lugar, [convém que se estabeleça na cidade uma disciplina conveniente para as mulheres] para a própria felicidade da cidade, porque por causa da desordem [das mulheres] podem seguir-se muitos inconvenientes na cidade. O Filósofo manifesta este [assunto] dizendo que, assim como as partes da casa são o homem e a mulher, conforme explicado no livro primeiro, assim é como que necessário que toda a cidade que é constituída por casas seja dividida em duas, considerada segundo a multidão dos homens e das mulheres. De onde se segue que nas cidades onde a ordenação das mulheres é má, deve-se considerar que metade da cidade não é bem ordenada segundo as leis.

Ora, entre os Lacedemônios verificava-se esta desordenação quanto às mulheres. A intenção do legislador dos Lacedemônios foi a de que toda a cidade fosse [poderosa para sustentar [as guerras] e no abster-se dos prazeres. Isto, de fato, foi bem estabelecido no tocante aos homens, mas, no que diz respeito às mulheres, o legislador foi omisso. [Desta omissão] seguiram-se quatro inconvenientes.

O primeiro inconveniente consiste em que, em políticas onde as mulheres vivem em delícias, os homens tenham que apreciar muito as riquezas, para que com elas possam satisfazer às delícias das mulheres, o que não se pode fazer sem grandes gastos. Ora, isto acarreta que na cidade os costumes se corrompem e que os cidadãos muito se ocupam com as riquezas. Disto também se segue que tudo na cidade possa ser vendido, o que corrompe o estatuto da cidade.

O segundo inconveniente consiste em que, se a multidão das cidades é obrigada a se abster excessivamente das mulheres, seguir-se-á uma queda para o vício torpe, isto é, ao coito masculino, como ocorre com muitos soldados e guerreiros e em outros casos similares, pois os guerreiros são [em geral] luxuriosos, e inerem ao coito ou com os homens ou com as mulheres. O fato de se desligarem freqüentemente dos negócios torna-os luxuriosos. Isto também aconteceu com os Lacedemônios, por causa do legislador tê-los induzido a uma grande continência para com as mulheres.

O terceiro inconveniente consiste em que na Lacedemônia as mulheres, por viverem em delícias, se tornaram presunçosas e queriam intrometer-se em tudo, de tal modo que mesmo nos principados das cidades muita coisas era ordenada por meio das mulheres. Ora, em nada difere se as próprias mulheres governam ou são os principais que reinam, mas submetidos às mulheres por causa de sua insolência. O resultado é idêntico em ambos os casos, isto é, as cidades são mal governadas, porque as mulheres carecem de razão.

O quarto inconveniente consiste em que as mulheres, por causa das delícias, se tornavam insolentes e audazes. Ora, na cidade a audácia não pode ser útil para nenhum negócio exceto a guerra. Todavia, até mesmo neste caso a audácia daquelas mulheres foi perniciosa, o que ficou manifesto na guerra que os Lacedemônios tiveram contra os Tebanos, no qual as mulheres para nada foram úteis, provocando entre os soldados um tumulto maior do que os próprios inimigos, querendo se intrometer em tudo. Por tudo isso é evidente o quanto a legislação dos Lacedemônios foi omissa em relação às mulheres e perniciosa.

No início a falta de disciplina para com as mulheres na legislação dos Lacedemônios foi algo razoável porque, por causa da vida militar à qual a cidade estava totalmente dedicada os homens tinham que peregrinar longe de casa durante muito tempo, lutando contra Argos, a Arcádia e Messena. Por este motivo, as mulheres que permaneciam em casa sem os homens, vivendo ao seu bel prazer, não podiam ter nenhuma disciplina que proviesse por parte dos homens. Por este motivo também ocorreu que em muitas coisas os homens puderam tornar-se virtuosos; dedicando-se às coisas militares estavam sempre prontos a obedecer aos legisladores por causa dos costumes da vida militar, a qual contém em si muitas partes das virtudes. Este modo de vida, de fato, requer a máxima obediência e a máxima abstinência dos prazeres, assim como a perseverança nos trabalhos e em coisas dolorosas. Posteriormente, porém, Licurgo, o legislador dos Lacedemônios, foi obrigado a reduzir as mulheres à reta disciplina das leis; as mulheres, entretanto, resistiram-lhe em tudo por causa do péssimo costume, o que faz com que o legislador desistisse de seu intento. Estas são as causas daquilo que as mulheres fizeram entre os Lacedemônios, e do poder que elas tinham entre os mesmos; embora isto lhes tivesse acontecido por motivos razoáveis sem culpa de sua parte, [o Filósofo afirma que] não tem intenção de louvá-los ou de vituperá-los, mas apenas de mostrar o que é correto e incorreto.