|
Que naquilo que é verdadeiro a verdade existe
tanto nas coisas simples como nas compostas, mas no que diz
ou conhece o verdadeiro somente existe segundo a composição e
a divisão, é algo que pode ser manifestado conforme se segue.
O verdadeiro, conforme diz o Filósofo no VIº Livro
da Ética, é o bem do intelecto. Segue-se daí que, qualquer
que seja o modo como se diga o verdadeiro, ele tal seja dito
por relação à inteligência.
Ora, há dois modos pelos quais alguma coisa pode
comparar-se à inteligência:
|
A. De um primeiro modo, como a medida
comparada ao que está sendo medido.
B. De um segundo modo, como o que está sendo
medido é comparado à medida.
|
|
As coisas naturais são comparáveis ao intelecto humano
segundo o primeiro modo, isto é, segundo a medida comparada
ao que é medido. É por isso que é dito verdadeiro o intelecto
quando se conforma à coisa e é dito falso quando discorda da
coisa.
As coisas naturais não são ditas verdadeiras por
comparação à nossa inteligência, embora algumas coisas possam
ser assim ditas não de modo essencial ou formal, mas apenas
de modo efetivo, na medida em que são capazes de produzir uma
estimação falsa ou verdadeira [na inteligência]. É segundo
este modo efetivo, mas não essencial ou formal, que uma
amostra de ouro pode ser dita ouro verdadeiro ou falso.
As coisas artificiais, ao contrário das naturais,
podem ser comparadas à inteligência como o que é medido se
compara à medida. Isto ocorre no caso do intelecto prático,
que é causa das coisas artificiais. Neste sentido, a obra do
artífice é dita ser verdadeira quando alcança a razão da
arte; e é dita ser falsa quando carece da razão da arte.
[Se compararmos, porém, as coisas naturais não à
inteligência humana, mas à inteligência divina, ocorrerá o
contrário]. Todos os seres naturais comparam-se à
inteligência divina como os seres artificias se comparam à
inteligência do artista. Neste sentido qualquer ente é dito
ser verdadeiro na medida em que possui sua própria forma,
segundo a qual imita a arte divina. É deste modo que o ente e
o verdadeiro se convertem, porque qualquer coisa natural pela
sua forma se conforma à arte divina; de onde que o Filósofo,
no Primeiro Livro da Física, chama à forma de algo divino.
E assim como a coisa é dita verdadeira por
comparação à sua medida, [que é a inteligência divina], assim
também o sentido ou o intelecto [é dito verdadeiro por
comparação à sua medida, a qual] é a coisa fora da alma. O
sentido é dito verdadeiro quando pela sua forma se conforma à
coisa existente fora da alma, [assim como também o intelecto
é dito verdadeiro quando sua forma se conforma à coisa
existente fora da alma]. É assim que se entende que o sentido
do sensível próprio seja verdadeiro, e é também deste modo
que quando o intelecto apreende a qüididade ou essência, sem
composição e divisão, é sempre verdadeiro, conforme está dito
no Terceiro Livro do De Anima.
Deve-se considerar, porém, que embora o sentido do
objeto próprio seja verdadeiro, todavia não o conhece ser
verdadeiro. Não pode. efetivamente, conhecer a relação de sua
conformidade à coisa, mas apreende apenas a coisa. A
inteligência, porém, pode conhecer a relação desta
conformidade e, por isso, somente a inteligência pode
conhecer a verdade. De onde que o Filósofo diz, no Sexto
Livro da Metafísica, que a verdade está apenas na mente,
assim como a verdade no cognoscente. Conhecer a mencionada
relação de conformidade nada mais é, porém, do que julgar
assim ser ou não ser na coisa, o que é compor e dividir. Por
isso a inteligência não conhece a verdade senão compondo ou
dividindo pelo seu julgamento. De onde que é evidente que a
verdade e a falsidade, na medida em que está no cognoscente e
no afirmante não é acerca da composição e da divisão, e é
deste modo que o Filósofo fala no presente livro.
Deve-se saber, ademais, que o Filósofo fala aqui
da verdade segundo que pertence à inteligência humana, a qual
julga sobre a conformidade entre as coisas e a inteligência
compondo e dividindo. O julgamento destas coisas, porém,
segundo a inteligência divina, é sem composição e divisão,
porque assim como o nosso intelecto intelige as coisas
materiais imaterialmente, assim também o intelecto divino
conhece a composição e a divisão de modo simples.
|
|