III. A SIGNIFICAÇÃO DAS VOZES


1. Relação entre a escrita, a voz, a concepção da inteligência e a realidade.

O Filósofo inicia o Livro sobre a Interpretação por um tratado sobre a significação das vozes, dizendo:

"As coisas, portanto, que estão nas vozes, são sinais das paixões que estão na alma; e as coisas que se escrevem são sinais das coisas que estão nas vozes".

O Filósofo propõe aqui três coisas, de uma das quais pode-se inferir uma quarta. Propõe, de fato, a escritura, as vozes e as paixões da alma. Das paixões da alma, porém, podem inferir-se as coisas ou a realidade, pois as paixões da alma procedem da impressão de algum agente e assim devemos dizer que as paixões da alma tem sua origem das próprias coisas ou realidade.

Se o homem fosse naturalmente um animal solitário, ser-lhe-iam suficientes as paixões da alma, pelas quais se conformaria às próprias coisas, de tal modo que, por meio delas, tivesse em si a notícia das coisas.

Mas porque o homem é naturalmente animal político e social, é necessário que as concepções de um homem possam ser manifestadas aos demais, o que se faz pela voz. Por isso fazem-se necessárias as vozes significativas, isto é, para que os homens convivam entre si. De fato, aqueles que falam línguas diversas não podem conviver bem entre si.

Se o homem, porém, se utilizasse apenas do conhecimento sensível, que diz respeito apenas ao aqui e agora, a voz significativa ser-lhe-ia suficiente para conviver com os demais, assim como o fazem os demais animais que por algumas vozes manifestam suas concepções entre si. O homem, porém, utiliza-se também do conhecimento intelectual, o qual abstrai das determinações do aqui e agora. Conseqüentemente, sua solicitude não se restringe apenas às coisas presentes segundo o aqui e agora, mas também às coisas que são distantes pelo lugar e futuras pelo tempo. Por isto, para que o homem manifeste suas concepções também aos que lhe são distantes pelo lugar e aos que lhe hão de vir num tempo futuro, é-lhe necessário o uso da escritura.