|
A felicidade não é hábito. Para mostrar isso,
vamos cnsiderar que se o fosse, seguir-se-iam dois
inconvenientes.
O primeiro inconveniente está em que, como o
hábito permanece no que dorme, seguir-se-ia, se a felicidade
fosse hábito, que ela estaria também no dormente por toda a
sua vida, ou pela maior parte. E isto é inconveniente, porque
o que dorme não possui perfeitamente as operações da vida, a
não ser as que pertencem à alma vegetativa, que é encontrada
nas plantas, às quais a felicidade não pode ser atribuída. De
fato, é certo que o sentido e os movimentos exteriores cessam
no que dorme. Já as fantasias interiores são desordenadas e
imperfeitas. E de modo semelhante, se houver alguma operação
do intelecto no que dorme, esta é imperfeita. De onde que
somente as operações da parte nutritiva são perfeitas.
O segundo inconveniente está em que nos
infortunados permanecem os hábitos das virtudes, sendo,
porém, as operações da virtude neles impedidas por causa do
infortúnio. Se, portanto, a felicidade fosse hábito, seguir-
se-ia que os que [perderam a fortuna] seriam verdadeiramente
felizes, o que só não era visto como inconveniente pelos
filósofos estóicos, que colocavam os bens exteriores como não
sendo de nenhum modo bens do homem, de onde que, segundo
eles, o infortúnio nada poderia diminuir ao homem de sua
felicidade.
|
|