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Depois que o Filósofo colocou as muitas razões
para demonstrar que não é natural que um só [homem] governe
sobre muitos segundo a virtude, passa a determinar agora a
verdade [sobre este assunto].
Já dissemos que não convém que um só domine a
muitos semelhantes, mas talvez será conveniente em alguns
casos, enquanto que em outros não.
Nos que são semelhantes segundo a natureza e se
encontram de modo igual quanto à virtude não é justo que um
só domine sobre os demais senão segundo um cento modo.
É evidente, pelo que foi dito, que não é segundo a
natureza, nem convém, nem é justo, que um só homem governe
sobre semelhantes e iguais segundo a virtude, seja não
governando segundo a lei mas segundo a sua vontade, como se
ele fosse a própria lei, seja não governando segundo a sua
vontade, mas segundo a lei. Isto é claro por tudo o que já se
disse. Conforme foi dito, é justo que para o semelhante
segundo a virtude haja uma igual dignidade; se, porém, um só
homem governasse sobre semelhantes segundo a virtude, não
haveria a mesma dignidade para todos. Ademais, também foi
dito antes que muitos podem ver mais coisas e julgar mais
retamente do que um só. De tudo isto é manifesto que não é
justo que um só homem governe sobre outros que vivem
semelhantemente segundo a virtude.
Mas há um modo pelo qual convém que um só governe
sobre muitos. Antes, porém, de declarar qual é este modo,
devemos dizer o que é o estado real, o estado dos ótimos e o
estado político.
O estado real é aquele ao qual se submete uma
multidão que é apta a submeter-se segundo uma inclinação
natural a alguém mais do que excelente na virtude para o
principado político ou real.
O estado dos ótimos é aquele ao qual se submete
uma multidão capaz de sustentar o governo de uma multidão de
homens aplicados [à virtude]. Esta multidão de homens
[governados] é capaz de ser regida pelo governo de homens
ótimos e livres que governam segundo a virtude [tendo em
vista o bem do principado político].
O estado político é a multidão que é capaz de
submeter-se e governar alternadamente segundo a lei pela qual
se distribuem os principados e dignidades a homens mais
frágeis. Outros textos dizem aqui a homens mais ricos.
Devemos entender, portanto, que Aristóteles quis dizer tanto
a homens ricos ou pobres, desde que sejam ambos virtuosos.
[Expostos o que são o estado real, o estado dos
ótimos e o estado político, resta agora] declarar qual e como
é aquele modo segundo o qual convém que um só governe sobre
muitos.
Devemos primeiro dizer que se ocorre que [um
gênero de homens] ou um só homem entre outros diferir de tal
modo de todos os demais segundo a virtude que sua virtude
exceda a virtude de todos os outros é justo que o [governo]
seja o [governo] real, porque é segundo a natureza que aquele
que excede segundo a virtude seja senhor sobre os outros.
Portanto, se a virtude de alguém excede a virtude dos demais,
é natural que este seja rei e senhor.
Todavia, não é somente por causa disso que é justo
que este seja rei, porque excede absolutamente, conforme foi
dito antes que todos aqueles que instituíram políticas
disseram que é justo que governe aquele que excede, assim
como também [o disseram] aqueles que instituíram o estado dos
ótimos, o estado dos poucos e o estado popular. Todos, de
fato, considerando a respeito do excesso, disseram que aquele
que excede deve governar, embora não colocassem todos os
mesmo excesso, pois alguns o colocaram segundo a virtude,
outros segundo as riquezas, outros segundo a liberdade.
Convém, porém, que governe aquele que excede os outros
segundo a virtude, e não convém que este seja morto,
desprezado ou afugentado; isto, de fato, seria remover a
regra de vida de uma cidade ou região.
Ademais, não convém que este governe segundo a
parte, mas a todos. Não convém também que governe durante
algum tempo, mas sempre, porque a parte não pode exceder ao
todo, e este homem excede na virtude a todos os demais, de
onde que os demais são parte em relação e este, de onde que
não são capazes de exceder a este, mas sempre o que mais
excede segundo a virtude deve governar. Segue-se, pois, que
este deve governar a todos e sempre, e ser senhor, e todos
devem obedecer a este [homem] como que por uma inclinação
natural.
Deve-se porém, considerar que existe uma multidão
[que é composta] de homens virtuosos, a qual possui
dignidade, e que é dita multidão política, enquanto que há
outra que muito carece de razão, e esta é dita dominativa.
Convém a ambos que sejam governados por um
principado real, na medida em que existe alguém que exceda a
todos os demais na virtude, mas diferem entre si porque no
primeiro [caso] há uma grande distância do principado
dominativo, enquanto que no segundo há uma grande
proximidade, porque a segunda multidão carece de razão,
enquanto que a primeira não. Ambos os [casos] também diferem
porque o segundo reino é mais longo do que o primeiro, porque
ao segundo é mais fácil encontrar um só homem que exceda
todos os demais, enquanto que no primeiro não [se pode dizer
o mesmo]. Na primeira multidão, porque todos alcançam a
razão, ocorre que haja alguns que possam encontrar diversos
caminhos e modos para expulsar o príncipe. Não é o mesmo caso
da segunda, porque a segunda multidão carece de razão e por
isso não podem [os que a compõem] encontrar caminhos e
cautelas contra o governante e, por isso, o segundo
principado dura mais do que o primeiro.
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