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A república pode corromper-se de três modos por
causa das honras e desonras. Primeiro, por causa do desprezo
daqueles que são dignos de honra na cidade; segundo, por
causa da distribuição das honras; terceiro, por causa da
busca das honras além das proporções.
Quanto ao primeiro, a república às vezes pode
corromper-se por causa do desprezo dos insignes e daqueles
que são dignos de honra. Isto deve ser prevenido pelas leis e
outras medidas estabelecidas para que não aconteçam tais
contendas e, se acontecerem, deve-se providenciar um modo
pelo qual possam ser acalmadas. Semelhantemente deve-se
prevenir que aqueles que não estão nestas contendas não se
ponham nas mesmas. Este, de fato, é o princípio de muitos
grandes males. Ao cidadão, e não a outros, cabe conhecer o
mal em seu princípio e por isso os cidadãos devem remediar a
estas contendas desde o seu princípio.
Quanto ao segundo, a república pode corromper-se
pela distribuição das honras. Toda república no início foi
instituída em alguma ordem, de tal modo que um principado
dure por um ano ou por um biênio e que os que possuírem
tantas riquezas ou tantas honras alcancem o principado [e
outras disposições semelhantes]. Ocorre que às vezes nos
afastamos desta ordem ou segundo o excesso ou segundo o
defeito, permanecendo, porém a mesma república. Por este
motivo, permanecendo a mesma república, convém considerar a
ordem que atualmente há na cidade, comparando-a com o estado
em que a república foi instituída desde o princípio. Deve-se
considerar se o excesso daquilo que foi desde o início é
múltiplo ou se o defeito é submúltiplo. Se o excesso for
múltiplo, deve ser removido; se o defeito [é submúltiplo],
deve ser sanado segundo a proporção devida conforme a
primeira instituição, estabelecida uma lei que permita
acrescentar ou remover as honras quando isto deva ser feito.
Quando isto não se observa e ocorre [a má distribuição] por
defeito, a república costuma transformar-se em uma potência
de poucos e [posteriormente], de potência de poucos mais
remissa para aquela espécie que é chamada de potentado, na
qual governam homens extremamente ricos segundo as suas
próprias sentenças e não segundo a lei, a qual é péssima
[entre todos os estados de poucos]. [Se, porém, ocorre a má
distribuição] por excesso, segundo a superabundância, a
república se transforma em estado popular; se se tratar de um
estado de poucos, este se transforma em uma república ou em
um estado popular.
Quanto ao terceiro, a república pode corromper-se
pelo incremento das honras além da proporção. É comum para a
salvação do estado popular e do estado de poucos, assim como
universalmente para toda república, que não se permita que
alguém cresça segundo alguma dignidade além das proporções ou
da dignidade. A razão disto é que as cidades, por causa de
tais excelências além da proporção, são corrompidas, porque
não todas podem conduzir a boa sorte. Fazê-lo, de fato,
pertence ao homem virtuoso, conforme diz o Filósofo no Quarto
Livro da Ética quando afirma que sem virtude não é fácil
conduzir com moderação a boa sorte. E por isso, quando é dado
a algum homem não virtuoso honras além da proporção para com
os demais e para com a sua dignidade, este homem passa a
oprimir o outro e a destruir a cidade. O documento que
preserva da corrupção que é devida ao excesso da potência
pode ser depreendido pela semelhança com o que foi
precedentemente exposto. Deve ser maximamente ordenado pelas
leis, ou por qualquer outro modo conveniente, que ninguém se
torne muito excelente além da proporção no poder, nos amigos
ou no dinheiro. Estas potências, conforme foi explicado no
terceiro Livro da Política, podem facilmente corromper a
cidade.
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