16. Primeira razão pela qual a cidade mais convém ser governada por muitos do que por um só.

A primeira razão demonstrativa diz que para os semelhantes segundo a disposição natural e segundo a virtude o mesmo é o justo e o mesmo é a virtude. Dizemos, de fato, que o justo é o igual. Portanto, para os que é a mesma a virtude e a disposição natural, o mesmo é o justo e a dignidade, porque a dignidade é tomada segundo a virtude e, para aqueles que não é a mesma a virtude, nem a dignidade nem o justo são o mesmo. Se, portanto, colocamos que alguns são semelhantes na virtude a dignidade e o justo serão o mesmo, pelo que não convém a um só dominar segundo a vontade sobre eles, porque neste caso já não haveria neles a mesma dignidade.

Disto se segue que é melhor ser governado pela lei ótima do que pelo homem ótimo. É justo que os iguais segundo a virtude e a disposição natural tenham o igual, por causa do que é manifesto que se há muitos iguais ou semelhantes segundo a virtude e a disposição natural um não é mais inclinado por natureza a governar ou a submeter-se do que outro, e por isso um não deve mais governar do que outro. E porque é necessário que alguém governe, será justo que todos governem em turnos e segundo uma certa ordem e do mesmo modo. Ora, governar segundo uma certa ordem e em turnos é uma lei. De fato, a lei é uma certa ordem. Pelo que é manifesto que é melhor e mais desejável ser governado pela lei do que por um só cidadão qualquer.

Pode-se deduzir também do já exposto que é melhor ser governado pela lei do que por vários homens, desde que poucos. O Filósofo diz que, segundo a mesma razão, se é melhor que muitos governem do que um só, para estes é melhor governarem segundo a lei do que segundo a vontade própria e que sejam instituídos para observar a lei e ser ministros da lei, assim como foi dito antes que aos iguais segundo a virtude deve-se honra e dignidade igual. Portanto, se a cidade é composta por iguais segundo a virtude, igual honra é devida a [seus cidadãos], de onde que não convém que alguns deles sempre governem, mas será necessário haver diversos principados, de tal maneira que alguns governam agora, outros segundo uma certa ordem. Convém, portanto, que estes governem segundo uma certa ordem. Ora, isto é uma lei, de onde que é manifesto que convém que muitos governem segundo a lei do que segundo a própria vontade, se é verdade que é melhor que muitos governem em vez de um só.

Há ainda uma outra razão pela qual pode-se mostrar que é melhor ser governado pela lei, ou por um homem segundo a lei, do que por um homem bom segundo a sua vontade. Antes, porém, devemos considerar o que deve ser confiado ao príncipe.

Há algumas coisas que não podem ser determinadas pela lei, nem o homem segundo si pode tornar claro e manifesto senão por meio de muita prudência e uma longa experiência. A lei, de fato, nada ordena do que é particular segundo si, mas apenas do que é universal. Ela é, de fato, uma enunciação universal, e por isso já se disse que ela falha em alguns casos particulares. Estes devem ser confiados ao príncipe, os quais convém que ele disponha e julgue segundo a reta sentença.

Ademais, se for encontrado algo segundo a razão melhor do que a lei colocada determina, deve-se confiar [também isto] ao príncipe para que ele a ordene no lugar da lei. Deste modo, duas coisas deve, ser confiadas ao príncipe: a primeira é julgar e dispor retamente sobre as coisas particulares pela lei, onde isto for possível de ser feito pela lei. A segunda é que, onde a lei escrita falhar em algum caso particular, que o príncipe a oriente, e isto pela virtude que lhe é própria. Ou, se a lei colocada não é bem ordenada segundo a razão, seja ela confiada ao príncipe, para que, sendo-lhe entregue, possa ele encontrar algo melhor ou por si, ou pelo consenso da multidão, e o ordene pela lei.

[Expostas as considerações acima], o argumento que mostra que é melhor ser governado pela lei do que por um homem ótimo [que governe] segundo a própria vontade [é o seguinte]. Deve-se saber que cada coisa é maximamente dita aquela segundo o que é principal nela, conforme está escrito no Décimo Livro da Ética. Ora, o principal no homem é a inteligência. E por isso o homem é maximamente dito inteligência ou segundo a inteligência. Daí dizer-se que o homem maximamente opera quando opera segundo a inteligência. Ocorre, porém, que o homem opera segundo a inteligência de tal modo que não é em nada impedida pelo sensorial, nem usa do sensorial senão na medida em que lhe é necessário. Neste caso diz-se que o homem opera de modo simples, porque opera segundo aquilo que há nela do modo mais simples. Mas porque o homem necessita do sentido, ocorre às vezes que à operação do intelecto se acrescenta o apetite sensitivo, e então o homem é dito composto. Mas quando o homem opera segundo a inteligência e não é impedido pelo sensorial, então opera maximamente segundo a inteligência e a razão e segundo algo divino nele existente, seja porque o intelecto é algo divino que há nele, seja porque opera acima do comum modo dos homens.

O Filósofo diz, portanto, que aquele que preceitua de tal modo que a inteligência governa ou de tal modo que o homem governa segundo a inteligência não se unindo em nada ao apetite sensitivo que o retraia em qualquer coisa, preceitua como Deus. É isto o que ocorre com o homem quando governa segundo algo divino nele existente ou quando a lei governa. Aquele que, porém, quer que o homem governe concomitantemente com o apetite sensorial, acrescenta-lhe um animal, isto é, acrescenta-lhe algo pelo qual o homem se assemelha aos animais, que é o apetite sensorial. Mas é melhor governar por algo divino do que por algo que nos une às feras. Pois, se o homem governa segundo a inteligência com o apetite sensorial, como no apetite há paixões que o pervertem, e por conseqüência pervertem ao julgamento da razão, ocorrerá até que o que governa, tomado pelas paixões da concupiscência e do furor, mande matar homens bons e virtuosos. Ora, isto é inconveniente, pelo que é melhor que o homem governe absolutamente pelo intelecto, do que pelo intelecto unido ao apetite sensorial.

A lei, portanto, sendo sem paixão e sendo segundo a razão, é ela própria intelecto sem apetite sensorial, pelo que é melhor ser governado pela lei do que pelo homem.