7. Como se dá o involuntário por ignorância.

Como nem tudo o que acontece por ignorância pode ser chamado de involuntário, [vamos mostrar os casos em que se dá e não se dá o involuntário por ignorância].

[O primeiro caso é tomado da ignorância em si mesmo]. A ignorância, [considerada em si mesma], pode ser de duas maneiras. De uma primeira maneira, na medida em que alguém ignora o que necessita fazer ou evitar em algo que [lhe é de sua competência]. Este modo de ignorância não causa a involuntariedade, porque ela não pode ocorrer no homem que tem uso da razão a não ser por negligência. De uma segunda maneira, a ignorância pode ser acerca de [certas] condições singulares, e é somente este modo de ignorância que pode causar o involuntário. O primeiro modo de ignorância pode ocorrer em algo de particular, como quando alguém julga por causa da concupiscência dever agora fornicar, ou em universal, como quando alguém opina que toda fornicação é ilícita. Como ambas estas ignorâncias são daquilo que compete [ao homem], nenhuma delas causa uma involuntariedade. Ao contrário, ao invés da involuntariedade, a primeira, que é em relação ao particular, é mais causa de malícia e pecado, e pela segunda, alguém mais merece ser vituperado, o que não acontece com o que é verdadeiramente involuntário. O segundo modo de ignorância diz respeito a condições singulares, por exemplo, que esta mulher seja esposa, que este homem seja pai, ou que este lugar seja sagrado. [Somente] a ignorância de tais circunstâncias singulares causa o involuntário, [mas não de modo suficiente]. De fato, para que segundo este segundo modo de ignorância algo seja dito involuntário, se requer ainda que, [se as circunstâncias forem posteriormente conhecidas], causem tristeza e arrependimento, como mais adiante se dirá.

[O segundo caso é tomado da ignorância ser causa ou concomitante da operação]. Quando algo é feito na ignorância, às vezes esta ignorância é causa daquilo que é feito, enquanto que em outras a ignorância se encontra como algo concomitante à operação, e não como sua causa. Este é o caso do embriagado, ou do que está irado, [que operam na ignorância], mas não por causa dela, e sim por causa do embriagamento ou da ira. De fato, o embriagamento e a ira causam a operação simultaneamente com a ignorância, de maneira que aqui a ignorância é concomitante com a operação e não sua causa. De onde fica patente que, quando alguém assim opera por ignorância, mas não por causa dela, não é causada a involuntariedade.

[O terceiro caso é tomado do fato daquilo que é feito por causa da ignorância, ser contra ou simplesmente alheio à vontade]. Tudo o que é feito por causa da ignorância, de tal maneira que a ignorância seja a sua causa, é universalmente não voluntário, pelo fato que o ato da vontade não é trazido a isto que é feito. De fato, o ato da vontade não pode ser trazido naquilo que é completamente ignorado, já que o objeto da vontade é o bem conhecido. [Mas o fato de não ser voluntário não significa que seja contrário à vontade]. As coisas que são feitas por causa da ignorância, apesar de não serem voluntárias, podem entretanto se encontrar de modos diversos para com a vontade. Elas, assim, poderão ser ou contrárias à vontade, quando então a ação é dita propriamente involuntária, ou então poderão não ser contrárias à vontade, mas somente alheias [praeter] à vontade na medida em que são ignoradas. Estas últimas ações são ditas não voluntárias, mas não poderão ser chamadas de involuntárias. Serão contra a vontade quando depois de serem conhecidas provocarem a tristeza e o arrependimento, e isto porque, como está escrito no quinto livro da Metafísica, algo é contristante na medida em que é contrário à vontade. Já no caso daquele que opera algo por causa da ignorância, e não se entristece com o que fez depois de o saber, é diferente daquele que se arrepende. Este último é dito involuntário, enquanto que o primeiro é dito apenas não voluntário.