6. Solução da questão sobre a natureza da virtude do servo, do filho e da esposa.

É necessário que tanto o que governa quanto o súdito participem da virtude, como é evidente pelas razões acima mencionadas, pois de outro modo nem o primeiro governará corretamente, nem o segundo se submeterá corretamente. No entanto, há diferenças entre as virtudes de ambos, o que pode ser manifestado, em primeiro lugar, nas coisas que se submetem a outras pela natureza. É o caso das partes da alma, das quais uma governa por natureza, que é a parte racional, e outra se submete por natureza, como é o caso da parte irracional, como o irascível e o concupiscível. Em cada uma destas partes deve haver alguma virtude, mas diversa uma da outra, porque a virtude da parte racional é a prudência, enquanto que a virtude da parte irracional é a temperança, a fortaleza e outras virtudes semelhantes. Daqui é manifesto que do mesmo modo deve ocorrer nas outras coisas que governam e se submetem segundo a natureza.

Quanto à parte racional, muito diferem entre si i servo, o filho e a esposa.

O servo, enquanto servo, não possui conselho de seus atos. O motivo é que nos aconselhamos das coisas que estão em nosso poder. Ora, o servo não possui os seus atos em seu poder, mas os seus atos estão em poder de seu senhor. O servo, portanto, não possui o livre poder de se aconselhar.

Já a mulher, sendo livre, possui o poder de se aconselhar, mas o seu conselho é inválido. O motivo é que, por causa da moleza de [sua] natureza, sua razão inere de uma maneira enferma aos seus próprios conselhos, de onde que ela é rapidamente removida dos mesmos por causa de suas paixões, como a concupiscência, a ira, o temor ou outras semelhantes.

A criança, por outro lado, possui conselho, mas é imperfeito. O motivo é que não possui o uso perfeito da razão, de modo que possa discutir cada uma das singularidades das coisas que devem ser consideradas ao nos aconselharmos.

O mesmo deve ser considerado sobre as virtudes morais [do servo, do filho e da esposa]. Todos participam dos mesmos, mas não do mesmo modo, cada um participando delas o quanto é necessário à própria obra. Aquele que governa a cidade, os servos, a esposa ou os filhos convém que possua a perfeita virtude moral, porque sua obra é simplesmente a obra do arquiteto, isto é, do artífice principal. Assim como o artífice principal dirige e impera sobre os ministros das artes que trabalham com as mãos, assim também o príncipe governa os seus súditos e por isso possui o ofício da razão, que se relaciona de um modo semelhante [para com os seus súditos] como o artífice principal está para com as partes inferiores da alma. E assim é necessário que aquele que governa possua a razão perfeita, mas cada um dos outros que se submetem tanto devem possuir de razão e de virtude quanto aquele que governa lhes ordena, isto é, é necessário que tenham tanto quanto lhes seja suficiente para seguirem as diretivas do governante cumprindo seus preceitos.

E assim é evidente que em todas as coisas mencionadas há alguma virtude moral, isto é, temperança, fortaleza e justiça, e que não são as mesmas para o homem, a mulher e os demais súditos, diversamente do que afirmava Sócrates. A fortaleza do homem é para governar, para que, a saber, por nenhum temor omita ordenar o que deve ser feito, enquanto que na mulher e em qualquer súdito importa que haja uma fortaleza subministrante, de modo que por nenhum temor omita fazer o seu próprio papel. É assim também que difere a fortaleza no comandante do exército e no soldado. E assim como foi dito da fortaleza, assim também deve ser dito de todas as demais virtudes, porque no que governa são principativos, nos súditos são subministrantes, com o que fica evidente que não diferem apenas segundo o mais e o menos, mas de algum modo segundo a natureza.