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[Conforme anteriormente exposto], existe uma
dúvida preliminar acerca das paixões e operações da alma, se
são próprias da alma sem comunicação com o corpo, ou se
nenhuma é própria da alma, mas são comuns ao corpo e ao
composto. [Para que se possa dar a solução desta dúvida,
devemos dizer que descobrir] se as paixões e operações da
alma são comuns ou próprias é difícil, e a causa da
dificuldade está em que, apesar de que muitas paixões sejam
comuns, e não [se realizam] sem concorrência do corpo, como
enervar-se e sentir, nas quais a alma nada [realiza] sem o
corpo, apesar disso, entretanto, se alguma operação fosse
própria da alma, esta parece ser a operação do intelecto.
Se, todavia, [esta questão] for retamente
considerada, não parecerá próprio da alma inteligir. E isto
porque inteligir ou é a fantasia, conforme a opinião dos
filósofos platônicos, ou [pelo menos] não existe sem a
fantasia. Ora, como a fantasia necessita do corpo, os
filósofos platônicos afirmavam que inteligir não é próprio da
alma, mas comum à alma e ao corpo.
Se, por outro lado, o intelecto não é a fantasia,
todavia é certo que não existe sem a fantasia, e assim também
não é próprio da alma, porque a fantasia necessita do corpo.
Assim, não existe intelecção sem o corpo.
A dificuldade da questão precedente se responde
dizendo que a intelecção é de uma certa forma própria da
alma, e de uma certa forma conjunta com o corpo. Deve-se
saber que qualquer operação da alma pode necessitar da
[corporal] de duas maneiras, como instrumento ou como objeto.
[A operação de] ver, por exemplo, necessita da [corporal]
tanto como objeto, assim como instrumento. Como objeto,
porque a cor, que é objeto da vista, está no corpo. Como
instrumento, porque a visão, apesar de ser pela alma, não se
realiza sem ser pelo órgão da vista, que é o instrumento. A
operação intelectual, entretanto, não necessita do corpo como
instrumento, mas apenas como objeto. A intelecção, de fato,
não se realiza pelo órgão corporal, mas necessita do objeto
corporal. Desta maneira, os fantasmas [da fantasia] estão
para o intelecto assim como as cores estão para a vista. De
onde se segue que o intelecto é uma operação própria da alma
e não necessita do corpo senão enquanto objeto, mas ver e as
demais operações e paixões não são apenas da alma, mas
conjuntas [com o corpo].
Segue-se também que, como aquilo que tem operação
per se também apresenta ser e subsistência per se, e aquilo
que não tem operação per se não apresenta ser per se, o
intelecto é forma subsistente, e as demais potências são
forma na matéria.
Como a imaginação parece ter afinidade com o
intelecto, porque anteriormente foi dito que o intelecto ou é
certa fantasia ou pelo menos não existe sem a fantasia, [à
exposição de como as partes da alma se ordenam
consecutivamente entre si], acrescenta [Aristóteles] a
imaginação.
[Deve-se ainda explicar uma aparente contradição].
Anteriormente Aristóteles já afirmou que onde existe sentido
e apetite, como nas partes cortadas de animais inferiores,
também existe fantasia. [Deve-se explicar como isso se
combina com o que acabou de ser exposto segundo o que a
imaginação apresenta certa afinidade com o intelecto].
[A explicação se manifesta] dizendo que os animais
imperfeitos apresentam uma certa fantasia, mas indeterminada,
de tal maneira que o movimento da fantasia não permanece
neles depois da apreensão do sentido. Já nos animais
perfeitos, o movimento da fantasia permanece, mesmo
retirando-se o sensível. Desta forma, afirma-se que a
imaginação não é a mesma em todos os animais. Alguns animais,
de fato, são tais que vivem somente pela imaginação, sendo
dirigidos em suas operações pela imaginação, por serem
carentes de intelecto, e não como outros, que são dirigidos
pelo intelecto.
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