3. A causa pela qual os antigos não alcançaram o bem de modo simples.

Como os antigos julgaram mal do justo, o filósofo passa a assinalar a causa deste fato.

A causa pela qual os antigos julgaram mal do justo foi que eles julgaram de si próprios. Ora, é comum que muitos dêem mau juízo de si próprio, porque para os julgamentos se requer a prudência. Ora, a prudência pressupõe o apetite reto pela virtude moral, de onde que aquele que perverte o apetite, perverte também o julgamento da razão. O apetite mau e perverso perverte, portanto, o julgamento de si mesmo.

Os homens tem, porém, em sua maioria, um, apetite pervertido em relação a si mesmos, porque cada um se afeiçoa excessivamente a si próprio. E por isso, por causa do excessivo amor e afeto que cada um tem para consigo mesmo, a vontade é pervertida do fim reto, e por isso os que julgam de si mesmos julgam de modo mau. O filósofo diz "em sua maioria", porque os sábios não julgam mal de si mesmos; estes têm uma prudência e um apetite reto, e se conhecem assim como são, por causa do que julgam retamente tanto de si mesmos como de outros.

Ademais, é evidente que aqueles que favorecem a democracia e a oligarquia julgam mal do justo, porque o alcançam apenas segundo um determinado aspecto, embora creiam que o tenham alcançado de modo simples. Os que favorecem a oligarquia dizem que se há homens desiguais segundo um determinado aspecto, estes são desiguais de modo simples, isto é, se são desiguais segundo as riquezas, de tal modo que um seja mais rico do que outro, são desiguais de modo simples. E por isso não se lhes deve distribuir tanto do bem comum a estes quanto aos demais. Os que favorecem a democracia dizem que se há quem seja igual na liberdade, estes serão iguais de modo simples, e devem, portanto, receber igualmente dos bens comuns.

Se a cidade tivesse sido instituída tendo como fim as riquezas e as posses, e os homens nelas comunicassem e se congregassem por causa delas, somente participariam da cidade [enquanto homens ricos] e quanto às riquezas. [Se assim fosse], seria verdadeiro o discurso dos antigos que escreveram sobre a oligarquia, pretendendo que aqueles que fossem iguais segundo as riquezas recebessem de modo igual do bem comum. Não lhes parece ser justo que se a comunidade possui cem talentos que destes cem talentos aquele que ao bem comum não trouxe senão uma só mina, isto é, uma pequena medida, receba tanto quanto aquele que contribuíu com uma grande fortuna.

O que ocorre, porém, é que a cidade não pode ser instituída tendo as riquezas como sua finalidade última, já que as riquezas, [por sua própria natureza, elas próprias] se ordenam a alguma outra coisa. Fica claro, portanto, que aqueles que favorecem a oligarquia não tomaram o justo de modo simples.