4. A primeira das partes da definição da alma que pertencem à sua essência.

[A primeira das partes da definição da alma que pertencem à sua essência consiste em que] a alma é ato.

Dentre os corpos, os que mais parecem ser substância são os corpos naturais. Como todo corpo que apresenta vida é um corpo natural, todo corpo que tem vida é substância. E, sendo um ente em ato, trata-se de uma substância composta.

Ora, não se pode afirmar que a parte do "corpo que tem vida", que é chamada corpo, seja a alma. Porque pela alma entendemos aquilo pelo qual o que tem vida vive e, desta maneira, deve ser entendido como algo existente em um sujeito. O termo sujeito deve ser entendido de uma maneira ampla, de tal modo que não signifique apenas ente em ato, mas também a matéria primeira, isto é, o ente em potência. O corpo, portanto, é mais como o sujeito e a matéria do que como algo existente no sujeito. Ora, como três coisas há na substância [corporal em ato], isto é, a matéria, a forma e o próprio composto, não sendo a alma o composto, que é o corpo que tem vida, nem a matéria, que é o corpo sujeito da vida, somente resta afirmar que

A alma é a forma [substancial do] corpo físico tendo potência à vida.

Aristóteles diz forma do corpo físico tendo potência à vida e não forma do corpo físico tendo vida, porque corpo físico tendo vida significa o composto vivente. A matéria do corpo vivente é aquilo que se compara à vida assim como a potência ao ato, e isto é a alma, o ato segundo o qual o corpo vive.

Aristóteles também sublinha que se trata da forma substancial para que não se pense que a alma é ato como a forma acidental o é. A diferença entre a forma substancial e acidental consiste em que a forma acidental não faz o ente em ato simpliciter, mas faz o ente em ato ser tal ou qual. [Já] a forma substancial faz o ente ser ato simpliciter. De onde se vê que a forma acidental vem ao sujeito já pré existente em ato. A forma substancial, porém, não advém ao sujeito já pré existente em ato, mas ao existente apenas em potência, isto é, a matéria primeira. De onde se conclui ser impossível para uma única e mesma coisa possuir diversas formas substanciais.

[S.Tomás em seguida, tece o seguinte comentário à posição de Avicebron]. Avicebron afirmou que em dado indivíduo humano existe uma forma pela qual ele é substância, outra forma pela qual é corpo, uma outra ainda pela qual é corpo animado. E assim sucessivamente. Tendo em vista o que Aristóteles diz, deve-se afirmar que existe uma única forma e mesma forma pela qual o indivíduo é substância [isto é, hoc aliquid], pela qual é corpo, e pela qual é corpo animado, e assim por diante. Não se pode entender que exista uma forma [substancial] pela qual o corpo é corpo e uma outra que o faz ser corpo vivente. [Existe apenas uma única forma substancial, a qual], quanto mais perfeita, dá à matéria aquilo que a forma menos perfeita dá e mais ainda.

[Poderia objetar-se que quando o corpo morre, não há mais alma. Ora, se a alma não é apenas a forma substancial do corpo enquanto vivente, mas também enquanto corpo, não havendo mais alma, não deveria mais haver corpo, isto é, não haveria cadáver].

[A esta objeção pode responder-se que] retirando- se a alma, não permanece o corpo da mesma espécie. Isto porque a carne e os olhos dos mortos não se chamam carne e olhos a não ser equivocamente, conforme explicado na Metafísica. Retirando-se a alma, a ela se lhe sucede outra forma substancial, a qual dá ao corpo um outro ser específico.

[Vale lembrar o que é uma predicação equívoca. Segundo o Filósofo],

"As coisas se chamam equívocas quando apenas têm em comum o nome, enquanto que a definição da sua essência é diferente.

Por exemplo, um homem e um retrato podem chamar-se propriamente de animais, ainda que equivocamente".

Livro das Categorias, C. 1