10. Razões a favor e contra se é melhor que o reino seja governado por um homem ótimo ou por leis ótimas.

O Filósofo levanta a questão sobre se mais convém que o reino seja governado por leis ótimas ou por homens ótimos. Primeiro mostrará argumentos pelos quais pareceria que mais conviria que o reino fosse regido por um homem ótimo; em seguida, mostrará argumentos opostos, segundo os quais melhor conviria que fosse governado por leis ótimas.

Que seria melhor que um reino fosse governado por um homem ótimo do que por leis ótimas pode ser mostrado pela razão e pelo exemplo. De fato, alguns opinam que a cidade mais convém ser regida por um homem ótimo porque a cidade é melhor governada por aquele que pode findar todas as disputas que emergem. Ora, isto não pode ser feito pela lei, porque a lei não declara senão o universal, nada dizendo sobre o particular. Os particulares são infinitos e não podem ser apreendidos, de onde que é impossível que a lei ordene aquilo que diz respeito às novas situações que emergem. Isto, porém, pode ser feito pelo homem ótimo pela sua prudência, a qual possui o reto julgamento dos agíveis e o reto apetite pela virtude moral.

Pode-se interpor um exemplo a este respeito, pois vemos nas demais artes que não é sempre bom agir segundo a arte escrita porque há coisas escritas segundo as quais, se fossem executadas, causariam dano aos outros, como é evidente na Medicina. O médico, de fato, não considera em tudo o que está escrito em sua arte, porque muita coisa é relegada à prudência do próprio médico. É assim que entre os egípcios estava escrito que somente seria permitido aos médicos removerem uma doença por meio de um remédio após terceiro dia, pois antes do terceiro dia ele não poderia compreender bem a natureza da doença e, se tentasse medicar o paciente antes do terceiro dia poderia colocá-lo em perigo. Ora, nunca foi bom observar esta conduta em todas as coisas, pois em alguns casos o paciente deveria ser medicado antes ou mesmo depois do terceiro dia, segundo a diversidade dos remédios e das doenças.

Algo semelhante ocorre na política, que não convém ser governada sempre por escrito ou pela lei, porque a lei às vezes falha em algum [caso] particular e então necessitará de alguém que dirija. De onde que parece manifesto que é melhor que o reino seja governado por um homem ótimo do que por leis ótimas.

[Por outro lado, pode-se dizer que] é melhor que a cidade seja governada por leis ótimas porque convém que os governantes sejam dotados de uma razão universal. Portanto, é melhor que a cidade seja governada por aquele que não possui paixões conjuntas do que por aquele que as possui por natureza, pois as paixões pervertem o julgamento da razão. A paixão, de fato, é um movimento do apetite sob a fantasia do bem ou do mal. A lei, porém, não possui paixões conjuntas, enquanto que o homem as possui. Portanto, [parece] ser melhor que a cidade seja regida por ótimas leis do que por um homem ótimo.

É possível, no entanto, objetar ainda que embora o homem tenha paixões que lhe são naturalmente conjuntas, todavia o homem bom se aconselha acerca das coisas singulares [ou individuais], e segundo a deliberação realizada ele julgará retamente. Portanto, [pareceria nesse caso] que será melhor para a cidade ser regida por um ótimo homem do que por uma ótima lei.