4. As propriedades do magnânimo.

[O magnânimo se deleita moderadamente nas honras recebidas]. Se ao magnânimo são conferidas honras grandes e boas por atos bons, ele se deleita nelas moderadamente. O magnânimo considerará as honras por ele alcançadas como bens próprios a si convenientes, ou mesmo inferiores ao que lhe é devido, porque considerará que nenhuma honra exterior exibida ao homem é prêmio condigno da virtude, porque o bem da razão, pela qual a virtude é louvada, excede todos os bens exteriores. Nem por isso, entretanto, o magnânimo se indigna, mas recebe estas honras com equanimidade, considerando que os homens não possuem algo maior com que lhe possam retribuir.

[O magnânimo despreza as honras que não são pela virtude]. Se ao magnânimo são conferidas honras por causa de coisas contingentes, ou se é honrado por quaisquer outras coisas além da virtude, como por exemplo, se é honrado por causa de riquezas, ou outras coisas tais, ou se é honrado por algumas pequenas honras, o magnânimo desprezará tais honras, por reputar-se não ser digno de tais [ honras].

[O magnânimo não se abala com as injúrias]. O magnânimo se comporta com moderação perante as desonras. Assim como o magnânimo não se exalta pelas grandes honras, assim também o seu ânimo não se abate pelas injúrias, porque considerará que as recebe injustamente.

[O magnânimo se comporta moderadamente em relação às riquezas e ao poder]. Embora a magnanimidade esteja relacionada principalmente com as honras, todavia também o está secundariamente com as riquezas e o poder, na medida em que por estas coisas alguém é honrado. De fato, tanto o poder como as riquezas são desejadas por causa da honra, na medida em que os homens que possuem tais coisas, desejam por elas ser honrados. Acerca destas coisas, assim como dos infortúnios [a ela contrários], o magnânimo se comporta moderadamente qualquer coisa lhe aconteça, de tal maneira que não se alegra superfluamente se lhe advém a boa fortuna, nem se entristecerá superfluamente se lhe advém o infortúnio. Se, [de fato], o magnânimo estima um pouco a própria honra, de tal maneira que não se alegra superfluamente por ela, muito mais considerará pequenas estas outras coisas, não se alegrando superfluamente com elas. Daqui vem que alguns consideraram os magnânimos [indiferentes], pelo fato de desprezarem os bens exteriores, e apreciarem somente os bens anteriores da virtude.

[O magnânimo não se expõe ao perigo por coisas pequenas]. O magnânimo não se expõe ao perigo por coisas pequenas, nem é amante dos perigos, expondo-se pronta e facilmente aos perigos. Isto porque ninguém se expõe ao perigo a não ser por causa de algo que muito aprecie. Ora, ao magnânimo pertence poucas coisas somente apreciar, pelas quais queira se expor ao perigo. De onde que não facilmente e nem por poucas coisas enfrenta perigos. O magnânimo enfrenta perigos por coisas grandes, porque se exporá a quaisquer perigos por coisas grandes tais como pela salvação comum, pela justiça, pelo culto divino e outras coisas tais.

[O magnânimo, quando se expõe aos perigos, o faz com veemência]. Quando o magnânimo se expõe ao perigo o faz com veemência, de maneira que não poupe de sua vida, por não ser digno que mais queira viver do que conseguir um grande bem pela morte.

[Em relação às riquezas], o magnânimo é pronto a [doar dinheiro], mas se envergonha de recebê-lo dos outros. Se o magnânimo aceita dinheiro, sempre estuda como retribuir a mais. O magnânimo é de tal maneira que se deleita em [dar dinheiro], mas o recebe constrangido. Pertence ao magnânimo que se apresente como de nada caraente, [ou quase], na medida em que não pede e não aceita, mas está pronto [a dar].

[O magnânimo se mostra em sua grandeza ao que tem dignidade, mas é moderado para com os medíocres]. Ao magnânimo pertence que se mostre grande e honorável a aqueles que têm dignidade, mas aos medíocres mostra moderação, não usando sua magnanimidade para com eles. Há dois motivos para isto. O primeiro é que toda virtude se esforça para aquilo que é difícil e honorável. Ora, que alguém exceda no bem aos grandes homens, é difícil e venerável. Mas que alguém exceda aos homens medíocres, é fácil. O segundo está em que exibir- se entre grandes homens como venerável pertence a uma certa virilidade da alma. Mas que alguém queira que uma grande reverência lhe seja exibida pelas mínimas pessoas, isto pertence àqueles que são pesados aos demais.

[O magnânimo não se intromete em muitos negócios]. Pertence ao magnânimo que seja ocioso, pelo fato de não se intrometer em muitos negócios, e que seja tardo, isto é, que não facilmente se introduza nos negócios. O magnânimo somente insiste naqueles atos que pertencem a alguma grande honra, ou ao fazer alguma grande obra. Assim, o magnânimo é operativo de poucas coisas, mas opera grandes, e que são dignas de grande nome.

[O magnânimo não esconde amizade ou inimizade]. É necessário que o magnânimo seja manifestamente amigo e manifestamente inimigo. Isto porque alguém amar ou odiar escondidamente provém de algum temor. Ora, o temor repugna ao magnânimo.

[O magnânimo mais se importa com a verdade do que com a opinião dos homens]. Ao magnânimo pertence que mais se importe com a verdade do que com a opinião dos homens. De fato, não por causa da opinião humana se afastará daquilo que deve fazer segundo a virtude.

[O magnânimo fala e opera manifestamente]. Pertence ao magnânimo que manifestamente fale e opere, por desprezar os outros. De onde que ele mesmo divulga seus ditos e feitos. Isto porque alguém ocultar o que faz ou o que diz provém do fato de que teme os outros. Ora, ninguém teme os que despreza. Não dizemos, porém, que o magnânimo despreza os outros por [humilhá-los], como que privando-os de uma devida reverência, mas sim porque não os aprecia mais do que deve.

[O magnânimo não é falso]. O magnânimo em suas palavras não é falso, mas diz a verdade, a não ser que talvez o faça por brincadeira.

[O magnânimo não dá familiaridade para com todos]. O magnânimo não se inclina a conviver com os outros a não ser com os amigos. Que alguém mostre familiaridade com todos pertence a uma alma servil. De onde que todos os lisonjeadores, que desejam indiferentemente a todos agradar, são [aptos para serem servos].

[O magnânimo não é pronto para admirar-se]. O magnânimo não é pronto para admirar-se, porque a admiração é de coisas grandes. Ora, para o magnânimo, as coisas exteriores que possam ocorrer não são grandes, porque toda a sua vida é acerca dos bens interiores, que são verdadeiramente grandes.

[O magnânimo não muito se recorda dos males pelos quais passou]. O magnânimo não muito se recorda dos males pelos quais passou. Há duas razões para isto. A primeira está em que não convém ao magnânimo recordar-se de muitas coisas, assim como nem admirar-se. De fato, nós costumamos recordar- nos das coisas que admiramos como grandes. A segunda razão está em que ao magnânimo pertence de modo especial esquecer- se dos males pelos quais passou, na medida em que os despreza, como algo pelo qual ele não pôde ter sido diminuído.

[O magnânimo não fala dos outros]. O magnânimo não fala muito dos homens, porque não aprecia muito as coisas particulares dos homens, mas toda a sua intenção diz respeito aos bens comuns e divinos. Assim, nem fala muito de si mesmo, nem dos outros.

[O magnânimo não murmura e nem exige coisas necessárias à vida humana]. Acerca do que é necessário à vida humana, ou quaisquer outras coisas, o magnânimo não murmura se lhe faltam, nem exige que se lhe dêem. De fato, fazer estas coisas pertence àquele que se [preocupa] com as coisas necessárias à vida, como de coisas grandes, o que é contrário à magnanimidade.

[O magnânimo prefere o que é honorável ao que é lucrativo]. O magnânimo está mais pronto a possuir os bens honoráveis que não dão lucro, do que os úteis e lucrativos.

[O magnânimo tem movimentos graves, voz grave e falar tardo]. Os movimentos do magnânimo são graves, sua voz é grave, e o seu falar é estável e tardio. A razão disto está em que os movimentos do magnânimo não podem ser velozes, porque sua intenção é operar poucas [coisas]. Semelhantemente, o magnânimo não é dado a controvérsias, porque não estima por grande nenhuma das coisas exteriores. De fato, ninguém contende a não ser por coisas grandes. Ora, a agudez da voz, a velocidade do falar acontece por causa do [espírito] de contenda. Fica patente, portanto, que a própria afeição do magnânimo requer a gravidade da voz, a demora no falar e nos movimentos. Aristóteles afirmou no Livro das Categorias, que se alguém é inclinado por natureza a alguma paixão, por exemplo, à vergonha, naturalmente possui por natureza a cor que compete à vergonha. De onde que se alguém apresenta uma aptidão natural à magnanimidade, conseqüentemente, apresentará uma disposição natural para tais acidentes.