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O homem é animal civil, e isto mais do que as
abelhas ou qualquer outro animal gregário. De fato, dizemos
que a natureza nada faz em vão, porque sempre opera a um fim
determinado. De onde que, se a natureza atribui a alguma
coisa algo que é por si ordenado a algum fim, segue-se que
aquele fim é dado à àquela coisa por natureza. Vemos, de
fato, que alguns animais possuem vozes, mas somente o homem,
acima dos animais, possui a fala. Mesmo que alguns animais
profiram locuções humanas, todavia não falam propriamente,
porque não entendem o que dizem, mas proferem tais vozes pelo
uso.
Há, de fato, diferença entre a palavra e a simples
voz. A voz é um sinal da tristeza ou de prazer, e por
conseguinte, das demais paixões, como a ira e o temor, as
quais todas se ordenam ao prazer e à tristeza, conforme se
afirma no segundo da Ética. E por isso a voz é dada aos
demais animais, cuja natureza alcança apenas até este ponto,
[isto é], que sintam suas deleitações e tristezas e possam
significá-las entre si por algumas vozes naturais, como o
leão pelo rugido, o cão pelo latido, para o que nós,
[homens], temos as interjeições.
Mas a fala humana significa o que é útil e o que é
nocivo, do que se segue que significa o que é justo e o que é
injusto. De fato, a justiça e a injustiça consistem em que
alguém se adeque ou não se adeque nas coisas úteis ou
nocivas. E por isso a locução é própria dos homens, porque
isto lhes é próprio em comparação aos demais animais, [isto
é], que tenham o conhecimento do bem e do mal e, por
conseguinte, do justo e do injusto e de outras coisas
semelhantes que podem ser significadas pela palavra.
Como, portanto, ao homem a fala é dada pela
natureza, e a fala é ordenada a que os homens se comuniquem
mutuamente no útil e no nocivo, no justo e no injusto, e em
outras coisas semelhantes, segue-se, pelo fato de que a
natureza nada faz em vão, que os homens se comunicam
naturalmente nestas coisas. Mas a comunicação nestas coisas
faz a casa e a cidade. Portanto, o homem é, por natureza, um
animal doméstico e civil.
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