19. Como a mesma coisa não pode ser sempre deleitável ao homem.

Uma mesma coisa não pode ser sempre deleitável ao homem, a razão disto sendo o fato de nossa natureza não ser simples, mas composta, transmutável de uma [coisa] em outra, na medida em que está sujeita à corrupção. Por isso, se o homem faz alguma ação a si deleitável segundo alguma disposição sua, esta deleitação não será natural ao homem segundo uma outra sua disposição. Por exemplo, contemplar é natural ao homem em razão do intelecto, mas não natural ao homem em razão dos órgãos da imaginação, os quais trabalham ao contemplar. E por isso a contemplação não é sempre deleitável ao homem. A mesma coisa acontece no consumo de alimento, que é natural ao [que tem fome], mas não natural para o corpo já satisfeito. Aproximando-se, porém, o homem à disposição contrária, então aquilo que antes era deleitável segundo a disposição precedente, ainda não lhe parece tristeza, porque ainda não alcançou totalmente a disposição contrária, nem lhe parece deleitável, porque já em sua maior parte se afastou de sua outra disposição.

Se a natureza de alguma coisa que se deleita fosse simples e imutável, a mesma ação lhe seria deleitabilíssima. Por exemplo, se o homem fosse somente intelecto, sempre se deleitaria na contemplação. Daqui é que, por Deus ser simples e imutável, sempre goza uma mesma e simples deleitação, que a tem na contemplação de si mesmo. De fato, a operação que causa a deleitação não consiste somente no movimento, mas também na imobilidade, assim como é evidente na operação do intelecto. E a deleitação que é sem movimento é maior do que aquela que está no movimento, porque aquela que está no movimento o é em tornar-se, aquela, porém, que está no repouso é em ser perfeito.