S. Tomás de Aquino

COMENTÁRIO À FÍSICA DE ARISTÓTELES

CONDENSADO

LIVRO I

I. OS PRINCÍPIOS DA NATUREZA


1. Opiniões dos antigos filósofos a respeito dos princípios da natureza e dos entes.

Alguns filósofos alegaram a existência de apenas um princípio [na natureza]. Outros alegaram a existência de muitos.

Dos que alegaram ser apenas um princípio, alguns afirmaram ser imóvel, e outros afirmaram ser móvel.

Dos que alegaram existirem muitos princípios, ninguém os colocou como sendo imóveis. Todos foram considerados móveis. A grande divisão entre os que afirmaram existirem muitos princípios estava no fato dos mesmos serem finitos ou infinitos em número.

[O termo móvel ou imóvel no texto de Aristóteles não deve ser entendido como se referindo apenas ao movimento segundo o lugar, mas no sentido mais amplo de simplesmente mutável ou imutável].

Dos que afirmaram serem os princípios em número finito, houve diversas opiniões:

A. Que haveria dois princípios, o fogo e a terra.

B. Que haveria três princípios, o fogo, o ar e a água.

C. Que haveria quatro princípios.

D. Que haveria outros números de princípios.

Dos que afirmaram serem infinitos princípios [devem ser mencionadas as posições de] Demócrito e de Anaxágoras.

Demócrito afirmou existirem corpos invisíveis, chamados átomos, que eram todos do mesmo gênero, mas diferiam segundo a figura e a forma.

Anaxágoras afirmou existirem infinitos princípios, mas não de um único gênero. Eram infinitas e minúsculas partes de carne, osso e outras substâncias.

Quanto aos entes, os antigos filósofos, inquirindo acerca disto, se perguntaram se os entes são apenas um, ou se são muitos. E se fossem muitos, se seriam finitos ou infinitos.

O motivo disto é que os antigos filósofos praticamente só conheciam a causa material. As formas eram consideradas como acidentes, e assim a substância das coisas naturais era a sua matéria. É deste modo que os que colocaram o ar como sendo o único princípio da natureza, afirmaram que todos os entes eram ar segundo a sua substância. E assim por diante.

[Quanto à relação destas opiniões com o presente tratado de Física, deve-se colocar que alguns destes filósofos falaram da natureza de modo não natural, e outros falaram da natureza de modo natural].

Falaram da natureza de modo não natural os filósofos que colocaram que o ente é um e imóvel. Tal opinião, segundo os antigos filósofos, não é diferente da opinião que diz que o princípio das coisas naturais é um e imóvel. Esta opinião pertence aos filósofos que falaram da natureza de modo não natural, porque com esta colocação eles negaram à natureza o movimento.

Demonstrar a inveracidade desta opinião não pertence,[de maneira própria], à Física [ou Ciência da Natureza], porque semelhante opinião destrói os princípios da natureza. Ora, a nenhuma ciência pertence disputar contra aqueles que destroem os seus princípios. Essa função pertence a

A. Alguma ciência particular, como no caso em que, sendo a música subalterna da geometria, pertenceria à geometria disputar contra os que tentam destruir os princípios da música.

B. Às ciências gerais, como a Lógica e a Metafísica.

Entretanto, isso não significa que não se possa disputar neste tratado contra algumas destas afirmações, por causa de sua utilidade e por elas se referirem às coisas naturais.

Já no que diz respeito aos filósofos que falaram da natureza de maneira natural, sendo por isso chamados de físicos ou filósofos naturais, deve-se mencionar que colocaram a maneira pela qual as coisas se geram a partir dos princípios, como sendo basicamente uma destas duas seguintes:

A. Alguns afirmaram existir apenas um único princípio material, a saber, o fogo, o ar ou a água, nenhum deles afirmando a terra ser princípio, ou algum intermediário entre estes, e afirmaram que todas as demais coisas deste princípio se formavam por condensação ou rarefação.

B. Outros afirmaram os princípios serem diversos e contrários, e que no princípio estavam todos misturados em uma única coisa indistinta e confusa, da qual foram se separando, dividindo e formando todas as coisas do universo.

[Colocado este apanhado das posições dos antigos filósofos, Aristóteles em seguida começa a inquirir acerca da verdade sobre os princípios da natureza].