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O primeiro modo pelo qual uma tirania pode
corromper-se é como qualquer outra república pode corromper-
se por uma causa extrínseca, como se houvesse alguma
república próxima mais potente contrária à mesma. Sendo mais
poderosa, por ser contrária à mesma, corrompe a tirania.
[Deve-se notar que o Filósofo, quando diz
república próxima, não está se referindo a uma proximidade
geográfica, mas a uma proximidade formal. Do mesmo modo,
quando diz que a tirania pode corromper-se por uma causa
extrínseca, não se refere a uma extrinsicidade geográfica,
mas a uma extrinsicidade além do corpo de governo do tirano].
Todos os que querem agir algo, se tiverem o poder
de fazê-lo, farão o que quiserem. Este é o motivo pelo qual
uma outra república contrária e mais poderosa corrompe a
tirania. A tirania é contrariada pelo estado popular, como
diz Hesíodo, por acidente, como um oleiro é contrário a outro
oleiro. Um oleiro não é contrário per se a outro oleiro, é,
na verdade, semelhante ao outro. Por acidente, na medida em
que um impede o bem do outro, que no caso é o lucro, pode ser
contrário ao outro. Assim também o estado popular é contrário
à tirania, não per se, mas na medida em que um impede o
outro; de fato, a última espécie de estado popular é péssima
e já é um modo de tirania, conforme ficou evidente que pelo
que foi explicado no Quarto Livro da Política. A tirania,
porém, e o estado dos ótimos são contrários per se. Um
corromperá o outro porque perseguem fins diversos. Foi assim
que os Lacedemônios corromperam muitos tiranos, porque eram
mais poderosos. [Note-se que, ao dizer que os Lacedemônios
corromperam muitas tiranias, o Filósofo não se refere às
tiranias dos estados vizinhos, mas a tiranias que dominavam
sobre elas próprias].
O segundo modo de corrupção da tirania não é por
uma causa extrínseca, mas intrínseca. Ocorre, de fato, que o
tirano tenha às vezes alguns familiares que alcancem de algum
modo o principado e participem de suas honras. Quando estes
promovem uma sedição, ocorre que corrompe-se a tirania.
As causas pelas quais há insurreição contra os
tiranos são maximamente duas, a saber, o ódio e o desprezo. O
ódio é nutrido contra o tirano [não por acidente], mas per
se. A razão é que o tirano governa sobre [homens] que são
melhores do que ele [na virtude], e o faz para além da
utilidade destes homens, já que o tirano pretende apenas o
seu próprio bem. Este é o motivo pelo qual o tirano é odiado
[pelos seus súditos].
Quanto ao desprezo, o Filósofo acrescenta que esta
é a causa pela qual muitas vezes a tirania é corrompida.
Aqueles, de fato, que se apoderam de um principado pela sua
virtude e indústria, mesmo que o tenham feito através da
guerra, costumam conservar o principado e não serem
desprezíveis. Mas, [logo a seguir], aqueles que receberam
esta tirania de [seu primeiro fundador], imediatamente a
perdem e são mortos por causa do principado, já que costumam
viver em delícias, entregues aos prazeres da mesa e venéreos,
fazendo-se desprezíveis. E, ademais, por se terem entregues
deste modo às delícias, costumam oferecer muitas
oportunidades e ocasiões para os que querem se insurgir
contra os mesmos, ora porque às vezes se colocam sob o poder
das mulheres, ora porque freqüentemente são encontrados
embriagados e, por conseqüência, impotentes de fato.
Para finalizar, devemos dizer que quantos
princípios e causas de corrupção já apontamos para o estado
de poucos intemperado, que é a sua última espécie, e o último
dos estado populares, tantas são também as causas e os
princípios [da corrupção] das tiranias, porque estas
repúblicas, isto é, o último dos estados dos poucos e o
último dos estados populares, já são [de certo modo]
tiranias, diferindo da tirania propriamente dita apenas pelo
fato de que nestes estados são muitos os que tiranizam,
enquanto que na tirania somente um tiraniza.
7. Causa e princípios especiais da corrupção do reino.
O reino não se corrompe pelo que é extrínseco. A
razão disto é que o rei governa sobre homens bons e o faz
segundo a virtude, com súditos que a ele se submetem por sua
própria vontade. Tal república não pode corromper-se por
causas extrínsecas. Por este mesmo motivo o reino dura muito
tempo. Pode, porém, corromper-se de muitos modos.
Um reino pode, de fato, corromper-se de dois
modos. De um primeiro modo quando aqueles que alcançam o
principado e são príncipes de um reino promovem uma sedição.
Ocorre às vezes que estes promovem a sedição, por causa do
poder que têm, expulsando o rei do principado e mudam a
monarquia em outra república.
De um segundo modo o reino pode corromper-se
quando o próprio rei passa a querer governar tiranicamente,
como quando pretende ser senhor de mais súditos do que o
deve, contra a vontade dos mesmos e além da lei. Ocorre então
que os súditos se insurgem contra o rei, expulsam-no e mudam
a república em outra.
8. Os motivos pelos quais não há muitos reinos.
O Filósofo mostra porque atualmente não se fazem
muitos reinos. Atualmente não se fazem muitos reinos, [diz
ele], e, se se fazem, são mais propriamente monarquias
tirânicas do que reinos. Há duas razões para tanto.
A primeira é que o reino deve ser um principado
voluntário. O rei, de fato, governa sobre súditos que desejam
que ele reine segundo um principado real e este rei deverá
ser senhor sobre os maiores da cidade ou do reino. Ora, não é
fácil encontrar alguém que governe a muitos porque estes o
querem e que ao mesmo tempo seja digno de ser senhor dos
maiores. Este é o motivo porque não há muitos reinos.
A segunda razão é porque a proporção da dignidade
e da honra do rei à dignidade e à honra dos súditos deve ser
a mesma proporção da virtude do governante para com a virtude
dos súditos. Ora, a dignidade e a honra real excede em muito
a dignidade doas súditos. A virtude do rei, portanto, deve
exceder a virtude de todos ou de muitos. [Usualmente] não é
possível encontrar alguém [nestas condições], ou pelo menos é
extremamente difícil. Por isso, quando alguém é tomado como
rei, não costuma governar sobre seus súditos porque estes o
querem e, por isso mesmo, não governará por muito tempo. Ora,
se alguém governa pela fraude ou pela violência, este não é
rei, mas tirano, porque não governa a súditos que o querem.
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