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Depois que o Filósofo mostrou como a comutação
pecuniativa foi introduzida pela lei, ele passa a mostrar
como a arte aquisitiva do dinheiro é infinita.
As riquezas que são adquiridas pela arte
pecuniativa, isto é, a [arte] cambista, que é toda acerca do
dinheiro, é infinita, o que pode ser demonstrado pelas
seguintes razões. O desejo do fim, em cada arte, é infinito,
enquanto que o desejo daquilo que se relaciona para com o fim
não é infinito, mas possui um limite de acordo com a regra e
a medida do fim, como a arte medicinal pretende sanar até o
infinito, na medida em que induz a saúde o tanto quanto pode.
Ela não ministra, porém, os remédios o tanto quanto pode, mas
segundo uma certa medida, tanto quanto isto for útil para a
recuperação da saúde. O mesmo pode ser dito para com todas as
demais artes.
A razão disto consiste em que o fim é, segundo si,
apetecível. Ora, o que é assim segundo si, quanto mais o for,
mais o será.
O dinheiro, porém, está para a arte pecuniativa
cambista como um fim. O que ela pretende é a aquisição do
dinheiro. O dinheiro, porém, não está para com a arte
econômica como um fim, mas como algo que se ordena a um fim,
que é o governo da casa. Portanto, a arte pecuniativa busca o
dinheiro sem fim, enquanto que a arte econômica busca o
dinheiro com algum limite.
Embora as razões expostas pareçam indicar que haja
limites para a [busca] das riquezas na arte econômica, o que
entretanto se observa na realidade é o oposto. Todos os
ecônomos, de fato, buscam aumentar o dinheiro ao infinito,
querendo sempre mais dinheiro pelas coisas que são
necessárias para o sustento da vida. A causa desta
diversidade é a própria proximidade de ambas estas artes
pecuniativas, isto é, a arte pecuniativa que serve à arte
econômica, a qual busca o dinheiro por causa das permutas das
coisas necessárias, e a arte numulária, que busca o dinheiro
por causa de si mesmo. Para ambas estas artes pecuniativas o
ato é o mesmo, isto é, a aquisição do dinheiro, embora não o
seja do mesmo modo. Na arte pecuniativa econômica este ato se
ordena a outro fim, que é o governo da casa, enquanto que na
pecuniativa numulária o próprio aumento do dinheiro é o fim.
Por este motivo, isto é, por causa da proximidade da
numulária com a econômica, pareceu a alguns ecônomos que
pertenceria ao seu ofício aquilo que na verdade pertence ao
ofício dos cambistas, isto é, que eles insistam na
conservação e na multiplicação do dinheiro até o infinito.
A causa desta disposição que leva os dispensadores
das casas à busca do aumento do dinheiro ao infinito consiste
em que os homens se preocupam em viver de qualquer modo, não
porém em viver bem, que é o viver segundo a virtude. Se, de
fato, quisessem viver segundo a virtude, ficariam contentes
com aquilo que fosse suficiente à sustentação da natureza.
Mas, abandonada esta busca, aplica-se cada um a viver segundo
a sua vontade e por isso cada um busca adquirir aquilo pelo
qual pode realizar a sua vontade. Ora, como a concupiscência
dos homens tende ao infinito, por isso desejam até o infinito
aquilo com que podem satisfazer as suas concupiscências.
Há alguns que tem a preocupação de bem viver, mas
a este viver bem querem acrescentar tudo aquilo que pertence
aos prazeres corporais, dizendo que a vida não é boa a não
ser que o homem viva nestes prazeres corporais, e por isso
estes buscam as coisas pelas quais podem realizar estes
prazeres corporais. Ora, isto parece ser possível aos homens
pela multidão das riquezas e, portanto, todo o cuidado deles
parece consistir na aquisição de muitas riquezas. [Estes
homens, embora busquem de algum modo a vida virtuosa, não a
buscam retamente, e por isso acabam buscando o dinheiro ao
infinito]. [Há outros ecônomos, entretanto, os quais,
inteiramente esquecidos da vida virtuosa, ao contrário dos
anteriores], pretendem usufruir dos prazeres corporais até o
excesso e por causa disso buscam aquilo pelo qual podem
satisfazer a tais excessos, que é a multidão das riquezas.
Há, [finalmente, um terceiro tipo de ecônomos],
que às vezes não conseguem apenas pela arte pecuniativa
adquirir suficientemente aquilo pelo qual possam satisfazer o
excesso das deleitações corporais. Buscam, por este motivo,
adquirir as riquezas por outros meios e abusam por isso de
qualquer potência, isto é, qualquer virtude, qualquer arte ou
qualquer ofício, os quais passam a ser usados não segundo a
sua natureza.
É assim que a fortaleza é uma virtude, cuja obra
própria não é a ajuntamento do dinheiro, mas fazer o homem
audaz para a luta e a defesa. Se alguém, portanto, usa da
fortaleza para juntar riquezas, não usa da fortaleza segundo
a natureza. Semelhantemente a arte militar é por causa da
vitória, e a arte médica é por causa da saúde. Nenhuma destas
duas é por causa do dinheiro. Há, porém, alguns que usam a
arte militar e a arte médica, convertendo-as em instrumentos
para a aquisição do dinheiro, transformando ambas estas artes
em pecuniativas, isto é, aquisitivas de dinheiro, ordenando-
as para o dinheiro como a um fim ao qual importa ordenar tudo
o mais.
Existe, portanto, uma arte pecuniativa não
necessária, aquela que adquire o dinheiro até o infinito e
que faz do dinheiro o seu fim. A causa pela qual os homens
necessitam desta pecuniativa é a sua infinita concupiscência.
Há também outra pecuniativa necessária, que difere da
anterior. Esta adquire o dinheiro até um determinado limite
por causa de um outro fim, que é a posse do que é necessário
à vida.
A arte econômica pertence propriamente às coisas
que são segundo a natureza. Esta não é infinita como a
primeira pecuniativa, mas possui os seus limites.
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