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A última espécie de estado popular não é duradoura
per se. A última espécie do estado popular não pode ser bem
sustentada por toda a cidade, por exemplo, pelos ricos e
pelos pobres, pelos nobres e ignóbeis, se não for bem
ordenada por leis e costumes convenientes a si.
A razão disto é que nesta república popular toda a
multidão, qualquer que ela seja, governa na cidade como se
fosse uma só [pessoa], e segue o que lhe parece. Ora, esta
multidão, quanto à sua maior parte, é imprudente e
desordenada, e em suas obras segue mais o ímpeto do que a
razão, motivo pelo qual oprime os maiores e corrompe os
julgamentos, pelo que ocorre a corrupção da república.
A última espécie de estado popular pode ser
fortalecida por intensificação ou por abrandamento.
[Trataremos neste condensado apenas dos modos por
intensificação].
A última espécie de estado popular pode ser
fortalecida por intensificação de quatro modos.
Pelo primeiro modo, para fazer a república mais
firme e fazer com que a multidão popular se torne mais
poderosa, os príncipes deste tipo de república popular
costumaram acrescentar [à multidão] muitos estrangeiros e
algumas vezes alguns não são legítimos cidadãos. Isto era
conveniente a esta república, porque a multidão, acrescentada
de muitos, se torna mais forte, e sendo mais forte pode
melhor reprimir o excesso dos ricos e dos que querem
tiranizar.
Este documento, no entanto, deve ser moderado da
seguinte maneira. Enquanto o poder dos ricos, dos nobres e
dos que estão no termo médio entre ricos e pobres excede o
poder da própria multidão, convém que se lhe acrescentem
estrangeiros até que a potência da multidão exceda. Mas,
ultrapassado este ponto, acrescentar notavelmente a multidão
com mais elementos estranhos, simplesmente falando, não
convém, e isto por duas razões.
A primeira é porque se o número dos estrangeiros
exceder muito, a república se tornará mais desordenada porque
os estrangeiros que forem acrescentados, em sua maioria, são
i prudentes, sem virtude e não acostumados à ordem da
república. A segunda é porque quando se acrescentam muitos
estrangeiros, os nobres e os insignes se turbam e apóiam a
república de mau grado, vendo que homens piores do que eles
são tomados para o governo da mesma. Esta foi a causa da
sedição feita a república dos Cirenenses, isto é, a notável
multidão dos que foram acrescentados à mesma. Se somente
poucos tivessem sido acrescentados, não seriam tão notáveis,
nem causariam tanta preocupação. De fato, o mal pequeno é
negligenciado, porque aquilo que é pequeno é considerado como
nada.
[O Filósofo expõe o segundo documento para o
fortalecimento por intensificação da última espécie de estado
popular] dizendo que devem ser reduzidas as fraternidades e
as sociedades que têm finalidades particulares e próprias, de
tal maneira que haja menos sociedades segundo o número, mas
[cada qual] contando um maior de homens. Deve-se pensar todos
os meios possíveis pelos quais todos os homens na cidade se
mesclam segundo as tribos, o que pode ser feito pelo
casamento, pelas sodalidades, pela vida comum e pelas
assembléias gerais. Deste modo o povo será mais unido pelo
amor e, conseqüentemente, mais forte, porque toda virtude
unida é mais forte do que a mesma dividida. Todavia, ao fazer
isto, debe-se providenciar que as mesmas leis e os mesmos
costumes sejam observados agora e antes. De fato, se ao
mudarem as tribos e as sodalidades, se mudam também as leis e
os costumes, necessariamente mudar-se-á também a república,
porque as leis e os costumes na república devem ser
instituídas segundo sua ordenação à república, conforme foi
dito antes no livro terceiro desta Política.
[O terceiro documento] que parece ser útil a este
estado popular, proveniente dos estatutos de algumas
tiranias, [um regime muito semelhante a esta forma de estado
popular] que é como uma certa espécie de tirania, é a
instituição de principados sobre os servos, as mulheres e as
crianças, perante os quais os servos possam apresentar ações
contra os seus senhores, as mulheres contra os maridos e as
crianças contra os pais. Os tiranos instituem estes
principados para que com isto tenham uma maior benevolência
por parte das crianças, das mulheres e dos servos que são
grande parte da cidade.
Mas deve-se entender que isto é útil até um certo
ponto, não porém quanto a tudo. De fato, instituir os
principados mencionados aos quais competem as ações das
mulheres, dos servos e das crianças quanto a tudo o que
pudessem propor contra os homens, senhores e pais seria
inconveniente e dividiria a cidade. Porém instituir alguns
principados aos quais competeriam as ações contra os
mencionados apenas quanto a algumas poucas coisas e grandes,
não é inconveniente nesta república.
O Filósofo expõe ainda o quarto documento dizendo
que para firmar o estado popular é ainda útil que os
governantes dissimulem a vida dos súditos, não punindo todas
as más ações voluntárias. Isto muito ajudará a tal república,
porque para muitos é mais deleitável viver desordenadamente
do que temperadamente e segundo a virtude. Os homens, de
fato, em sua maioria carecem de uma razão reta. A esta
carência de razão segue-se o viver além da razão e da ordem.
Poucos, de fato, seguem a reta razão e por isso poucos se
acostumam a viver com temperança, enquanto que muitos o fazem
desordenadamente. Por isso para muitos é mais deleitável
viver desordenadamente, porque a isto estão mais acostumados,
pelo que amam mais a república em que se lhes permite viver
nos prazeres.
Deve-se notar que o Filósofo não diz que deve ser
ordenado nesta república, não importa o quão desordenada ela
seja, que cada um viva como bem quiser, nem que também isto
seja permitido se tal vier a ser conhecido, mas apenas que se
dissimule o que for de menor monta. De fato, em nenhuma
sociedade humana, se se pretende que ela seja duradoura,
deve-se ordenar tais coisas, nem mesmo permití-las aberta e
desordenadamente, mas apenas dissimulá-las algumas vezes por
causa da qualidade da pessoa ou de alguma outra
circunstância. Por isso é que o Filósofo diz no Sexto Livro
da Ética, e com razão, que não é um verdadeiro legislador,
mas um corruptor, aquele que estabelece pela lei que devem
ser seguidas tais deleitações ou que as permite abertamente,
por causa do que em pouco tempo aderem muitos à sua lei,
porque lhes é mais deleitável viver desordenadamente do que
segundo a ordem.
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