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Disto o Filósofo passa a concluir que os cidadãos
ótimos são aqueles que [estão situados] em um termo médio.
Conforme foi dito, a razão da boa república e da boa cidade é
a mesma. Ora, há três partes na cidade: nela alguns são muito
ricos, outros são muito pobres, outros, finalmente, estão em
um termo médio, nem demasiadamente ricos nem demasiadamente
pobres, situando-se em um termo médio. Como todos concordam
que o termo médio é ótimo, já que a vida segundo a virtude é
ótima, e a virtude é também um termo médio, é manifesto que
na cidade os termos médios são ótimos, e a posse daqueles que
se situam em um termo médio é o ótimo em tudo. Isto pode ser
demonstrado por quatro razões.
A primeira razão é a seguinte. São ótimas cidades
aquelas que facilissimamente obedecem à razão. Mas aquelas
[que estão no] termo médio na cidade facilissimamente
obedecem à razão, não aqueles que estão nos extremos. Os que
estão no termo médio, portanto, são ótimos cidadãos. Os que
estão no termo médio na cidade facilmente obedece, à razão, e
não os que estão nos extremos, como aqueles que excedem aos
demais em beleza, em fortaleza, em nobreza ou em riquezas, os
quais não facilmente obedecem à razão. A razão para tanto é
que aquele que excede, tanto na beleza, como na fortaleza, na
nobreza ou nas riquezas, despreza os demais e se torna
injurioso e inclina-se, por causa do excesso de algumas
destas coisas, às deleitações desordenadas, e são piores,
porque estas os fazem declinar daquilo que é segundo a razão
reta. Quanto aos necessitados, porém, os muito débeis ou vis,
carecem de razão e se tornam astutos, e muito maus em coisas
[até mesmo] pequenas.
Sobre isto deve-se explicar que a astúcia é uma
inclinação a encontrar modos e caminhos diversos para um fim
não reto. O ato que procede [da astúcia] é chamado dolo ou
fraude para causar danos a outrem. Na medida em que se ordena
a causar um dano a outrem nas coisas, é dito fraude; na
medida em que [se ordena a causar dano à própria] pessoa ou à
sua fama, é dito dolo. Os homens demasiadamente necessitados
encontram diversos modos e caminhos pelos quais possam
adquirir riquezas, poder ou outras coisas semelhantes, além
da razão. Por causa do que é manifesto que são astutos e
imensamente maus em coisas [inclusive] pequenas.
A segunda razão [pela qual pode-se concluir que os
cidadãos ótimos são os situados em um termo médio é a
seguinte]. São ótimos na cidade aqueles que amam os
príncipes, [apóiam] os magistrados e bem aconselham para o
bem da república. Ora, são os [situados no termo] médio os
que amam os príncipes, não os [situados nos] extremos. De
fato, aqueles que são excelentemente ricos não os amam, nem
conseqüentemente bem aconselham, e são danosos à república.
Os pobres também não amam os príncipes, porque consideram-se
oprimidos por eles. Pelo que é manifesto que os [situados
nos] extremos não são ótimos cidadãos.
A terceira razão [é colocada] dizendo que é ainda
manifesto que os extremos na cidade não são ótimos cidadãos,
mas são ótimos cidadãos os [situados num termo] médio, porque
aqueles que excedem os demais nos bens da fortuna, como nas
riquezas, no poder, nos amigos e nos semelhantes, não querem
nem sabem submeter-se a outros. E isto neles procede desde a
infância, porque desde a infância foram educados nas
delícias. E por isto não são acostumados a submeter-se aos
que ensinam: a causa pela qual não querem submeter-se aos
mestres é porque não podem inclinar-se ao oposto do que são
inclinados pelo costume, já que desde o nascimento foram
inclinados ao oposto da submissão. Este é o motivo também
porque não querem aprender. Quanto aos que são muito pobres,
estes são tão humildes que não sabem governar nem sabem
submeter-se senão em condições de um principado servil, pois
[aprenderam] a submeter-se ao principado despótico que é o do
senhor para com o servo. Se, portanto, a cidade é constituída
por estes, será uma cidade de servos e senhores, o que será
inconveniente. Pelo que fica manifesto que os extremos não
são ótimos cidadãos; resta, portanto, que sejam [os situados]
num termo médio.
A quarta razão [é colocada pelo Filósofo] dizendo
que aqueles que invejam a outros e os desprezam e não sabem
exercer uma magistratura, não só ótimos cidadãos. Mas os que
são imensamente pobres invejam os demais, e não sabem exercer
a magistratura. Os ricos também os desprezam imensamente, e
por isso são contra a razão da república. Não, porém, os
[situados num termo] médio, pelo que os extremos não são
ótimos cidadãos, mas sim os [situados no termo] médio. É
evidente que os necessitados, assim como os que excedem os
demais nos bens da fortuna, são invejosos e desprezadores dos
demais. Os ricos e os poderosos, percebendo-se possuir aquilo
que os outros não tem, desprezam-nos. Os necessitados e
carentes, vendo que não possuem o que os demais possuem,
invejam-nos, não porém os [situados num termo] médio. Os que,
de fato, possuem o suficiente, não invejam; não desprezam,
porque não possuem em excesso. Ora, invejar e desprezar são
[coisas] contra a razão da república porque a amizade é
necessária para a cidade. A comunicação, de fato, é uma certa
amizade, porque os inimigos não querem participar com os
inimigos nem mesmo pelo caminho. Mas a inveja e o desprezo
são contra a razão da amizade, pelo que são contra a razão da
república. É manifesto, portanto, que os extremos não são
ótimos cidadãos, mas sim os [situados num termo]
intermediário entre os extremos.
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