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Outra dúvida que pode levantar-se consiste em como
conhecer quando aquilo que se faz é feito pela cidade e
quando não. De fato, às vezes ocorre que a política de uma
cidade muda de uma tirania ou do poder dos ricos em um poder
popular e, neste caso, o povo recebendo o poder político, não
quer mais cumprir com acordos que haviam sido feitos pelo
tirano ou pelos ricos anteriormente dominantes. Dizem, de
fato, que se algumas coisas foram feitas pelo tirano ou pelos
ricos da cidade não foi a cidade quem as fêz. O mesmo ocorre
em muitas outras circunstâncias, quando aqueles que presidem
obtém algo de outros não por causa da utilidade comum da
cidade, mas por causa da comodidade própria.
A solução destas questão [depende de se
determinar] se a cidade permanece a mesma quando se faz uma
transmutação politica. [Se a cidade for a mesma, aquilo que
tiver sido feito pelo estado popular terá sido feito pela
mesma cidade pelo poder de poucos ou pela tirania]. O
discurso próprio para resolver a questão acima, portanto,
consiste em determinar-se como uma cidade pode ou não ser
dita a mesma.
Mesmo um exame superficial da questão revela que
ela diz respeito a duas coisas: o lugar da cidade e os homens
que habitam a cidade.
Às vezes os cidadãos são expulsos da cidade, de
tal modo que alguns são conduzidos a um lugar, outros a outro
e, onde existiu a cidade, outros habitantes inteiramente
novos são introduzidos. Como a cidade é dita de muitos modos,
na medida em que é dita cidade o próprio lugar da cidade,
tratar-se-á da mesma cidade; na medida em que a cidade é dita
o povo da cidade, esta cidade não será a mesma.
Dúvidas menos simples ocorrem quando se deseja
determinar a razão da unidade de uma cidade quando o lugar é
sempre o mesmo mas não o são os seus habitantes. É evidente
que não são os muros estabelecem a unidade da cidade. Uma
região muito grande, de fato, poderia ser circundada por um
só muro e, mesmo assim, não ser uma só cidade aquela que está
dentro dela.
Quando os homens permanecem no mesmo lugar, uma
cidade deve ser dita a mesma por causa do mesmo gênero de
habitantes, quando, a saber, alguns sucedem a outros, embora
não sejam os mesmos pelo número. É assim que dizemos as
fontes e os rios serem soo mesmos por causa da sucessão das
águas. Assim também dizemos tratar-se da mesma cidade, embora
alguns morram e outros nasçam, sempre que permanece o mesmo
gênero de homens. A sucessão de homens de um só gênero pode
de algum modo ser dita a mesma multidão de homens. Não
poderá, porém, ser dita a mesma cidade, se for alterada a
ordem política. Já que a comunicação dos cidadãos, que é
chamada de política, pertence à razão da cidade, é manifesto
que, mudada a política, não permanece a mesma cidade. A
cidade deve ser dita a mesma em relação à ordem política, de
tal modo que, mudada a ordem política, ainda que permaneça o
mesmo lugar e os mesmos homens, não será mais a mesma cidade,
embora materialmente seja a mesma. A cidade assim alterada
poderá ser chamada pelo mesmo ou por outro nome; se, porém,
permanecer com o mesmo nome, será equivocamente dita a mesma.
Se, porém, é justo ou injusto que, não mais
permanecendo a mesma cidade por causa de uma transmutação
política, as convenções da política anterior sejam cumpridas,
esta questão pertence a outra consideração que será
determinada a seguir.
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