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[Para poder esclarecer a primeira questão
levantada, é necessário mostrar primeiro que não são todas as
pessoas que se amam a si mesmo que costumam ser ditas amantes
de si mesmo de um modo vituperável]. [Conforme se verá
abaixo, Aristóteles mostra que é costume assim chamar somente
aqueles que se amam a si mesmo segundo a parte irracional da
alma].
Costumam ser vituperavelmente chamados de amantes
de si mesmo aqueles que procuram para si mais acerca dos bens
corporais, isto é, dinheiro, honras, e deleitações corporais,
como as de comidas ou as venéreas. Tais bens são os
apetecidos pela multidão dos homens. E porque muitos buscam
nisto a superabundância, que nem todos podem possuir
simultaneamente, segue-se que acerca de tais bens são feitas
lutas e litígios. Aqueles, porém, que acerca de tais bens
mais abundam, convertem a abundância deles à satisfação da
concupiscência, e universalmente às demais paixões, e por
conseqüência à parte irracional da alma, à qual pertencem as
paixões. Assim, aqueles que apetecem tais bens amam a si
mesmo segundo a parte irracional da alma, que é a sensitiva.
E como a multidão dos homens é tal que mais seguem o sentido
do que o intelecto, [este amor de si mesmo segundo a parte
sensitiva] assim convindo a muitos, a expressão amante de si
mesmo acabou sendo tomada segundo o costume pelo que há
[nela] de mau. De fato, o amante de si mesmo, segundo esta
acepção, é corretamente reprovável. E isto é evidente, já que
é costume chamar de amantes de si mesmo àqueles que mais se
tributam acerca dos bens acima mencionados, que pertencem à
parte irracional [da alma], enquanto que, se alguém deseja
superabundar nos bens da razão, que são as obras da virtude,
por exemplo, se quiser maximamente entre todos praticar as
obras da justiça, ou da temperança, ou de qualquer outra
virtude, de tal maneira que sempre queira adquirir para si o
bem honesto, ninguém [chamaria a este homem] de amante de si
mesmo, ou se o fizesse, não o diria em seu vitupério.
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