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Muitos antigos opinaram ser feliz aquela cidade
que é grande [segundo a magnitude da multidão]. Embora haja
verdade na afirmação de que a cidade feliz é a cidade
numerosa, todavia os antigos não determinaram corretamente de
que modo a cidade deveria ser grande ou pequena. Opinaram que
a magnitude da cidade deveria ser considerada de modo simples
segundo a multidão dos cidadãos sem nenhuma determinação,
como se disséssemos simplesmente que o grande exército é
aquele que é composto de muitos guerreiros.
O Filósofo, porém, deseja mostrar que a grandeza
da cidade não consiste na multidão dos cidadãos
absolutamente, mas com alguma determinação. [Esta magnitude
deve ser considerada segundo o número dos que podem alcançar
o fim da cidade, o número dos que são verdadeiramente
cidadãos e o número daqueles que são ordenáveis pela lei].
[Quanto ao número dos que podem alcançar o fim da
cidade], deve-se entender que toda coisa é por causa de sua
operação per se. Esta, de fato, é a sua perfeição última.
Todas as disposições da coisa, por exemplo, a quantidade, a
qualidade [e outras] são por causa da própria coisa e,
portanto, tanto a coisa quanto as disposições da coisa são
por causa da operação. E porque a razão das coisas que são
por causa de algo deve ser tomada daquilo por causa de que
são, é necessário que a razão da coisa e todas as suas
disposições sejam tomadas da razão da operação. A razão da
potência, que é princípio imediato da operação, será [também]
segundo a razão da operação. Supostas estas coisas, o
Filósofo diz, ao determinar a magnitude da [multidão dos
cidadãos] da cidade, que não se deve considerar a multidão
dos cidadãos segundo tal, mas deve-se considerar mais a sua
potência, pela qual pode [ser conduzida] à sua operação. Há,
de fato, uma operação própria da cidade, por exemplo, aquela
que é segundo a sua virtude principal.
Se, portanto, a razão da magnitude da multidão na
cidade é tomada da própria operação que é como que o seu fim,
importa ser chamada grande de modo simples aquela cidade que
é perfeitamente potente para a operação que lhe é devida,
assim como quando dizemos que Hipócrates foi um grande homem
não por algum excesso de magnitude corporal, mas dizemos ter
ele sido um grande médico por exceder aos demais na arte
médica, embora ele próprio possa ter sido excedido por muitos
quanto à magnitude corporal.
[Quanto ao número dos que são verdadeiramente
cidadãos], importa que a magnitude da cidade seja considerada
segundo a multidão dos cidadãos de que ele se compõe, não
quanto a qualquer multidão ou qualquer contingente, pois nas
cidades há uma certa multidão de servos, de visitantes e de
estrangeiros que confluem para ela, os quais não são parte da
cidade per se e, portanto, a multidão da cidade não deve ser
considerada segundo a multidão destas. A magnitude da cidade
deve ser considerada segundo a multidão das partes per se, [a
qual é constituída] pelos homens livres, pelos guerreiros e
pelos conselheiros. É impossível que seja grande de modo
simples aquela cidade da qual pode sair um grande número de
mercenários ou de servos, mas poucos guerreiros ou
conselheiros. Estes, de fato, são parte da cidade per se,
enquanto que aqueles não.
[Quanto ao número dos que são ordenáveis pela
lei], é manifesto que a magnitude da cidade não deve ser
considerada segundo qualquer multidão de homens. Observa-se
que é difícil, ou mesmo impossível, que a cidade que é
constituída de muitos homens ser muito bem regida pelas leis
e costumes. É difícil se nela houver muitos homens prudentes,
será impossível se nela houver poucos. Na república todos ou
a maioria [dos homens] são idiotas. A lei, [por outro lado],
segundo a qual a cidade é regida, é uma certa ordem, e a boa
legislação é uma boa ordenação. Por isso, o que não é fácil
ou possível de ser bem ordenado, não é fácil ou não é
possível que seja regido por boas leis. Ora, a multidão
excedente de homens não pode participar da ordem. De fato, a
ordenação da multidão excedente é uma obra da virtude divina,
a qual contém e ordena todo este universo, pelo que é difícil
ou mesmo impossível reger bem uma multidão excedente de
homens. Reger-se por meio de leis retas, porém, é a operação
da cidade. A cidade, portanto, não deve ser composta de
qualquer multidão excedente de homens.
A magnitude da cidade, [quanto ao número de seus
cidadãos], portanto, deve consistir em uma multidão
determinada.
Em todas as coisas que têm per se magnitude e
multidão, a [sua] bondade consiste de algum modo na multidão
das partes ordenadas entre si e para com o fim. Ora, a cidade
possui per se uma certa multidão e magnitude. Portanto,
deveremos chamar de ótima aquela cidade que possui magnitude
e multidão segundo as três [determinações] que já foram
mencionadas, a saber, segundo a ordenação ao fim e à
operação, segundo as partes principais e segundo que é bem
regível por leis retas, de tal modo que diremos grande de
modo simples aquela cidade que possui tanta multidão de
partes per se que possa ser bem regida pelas leis, e alcançar
a operação por si mesma.
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