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Depois que o Filósofo mostrou que a causa que
Sócrates apontou para a sua lei não era racional, isto é, que
seria ótimo para a cidade que fosse maximamente una, e em
seguida mostrou também que a máxima unidade não poderia,
[ainda que fosse um bem para a cidade], provir da comunidade
das mulheres e dos filhos, deseja agora mostrar algumas
dificuldades e inconvenientes que se seguem a tais leis. [Dos
seis inconvenientes apontados a seguir por Aristóteles, esta
compilação recolhe apenas o quarto].
Diz o Filósofo que de leis [como as que foram
propostas por Sócrates] deve-se esperar completamente o
contrário daquilo que pretendem aqueles que fazem leis
corretas.
Todos comumente consideramos que a amizade é o
maior bem da cidade porque, se houver amizade entre os
cidadãos, minimamente haverá sedições, e é isto o que
pretendem todos os legisladores, para que a cidade viva sem
sedições. De onde que todos aqueles que estabelecem leis
corretas pretendem que haja amizade entre todos os cidadãos.
Sócrates também afirma que seria ótimo para a cidade que
fosse una; ora, a unidade mútua entre os homens é efeito da
amizade, conforme comumente parece a todos, e como também o
próprio Sócrates o diz. Aristófanes também sustenta o mesmo
nos discursos que compôs sobre o amor, ao afirmar que os que
se amam mutuamente desejariam que se tornassem um só pela
natureza mas, como isto não pode ser, desejam que se tornem
um só o quanto lhes é possível.
Mas na cidade [proposta por Sócrates], devido à
comunicação das mulheres e dos filhos, seguir-se-ia que a
amizade diminuiria e o amor pelo qual um pai pode dizer de
alguém "este é o meu filho" terá um mínimo de peso, porque
ele dirá isto simultaneamente de muitos outros que vivem na
cidade, assim como ocorrerá com os filhos, que dirão "este é
o meu pai" de muitos outros.
De fato, observa-se que quando alguém coloca uma
pequena quantidade de algo doce em uma grande quantidade de
água, produz-se uma mistura sem sabor, como quando,
colocando-se um pouco de mel em muita água, não se percebe
mais a doçura do mel. De onde que a familiaridade que por
meio destes nomes se produz numa cidade, pela qual alguém diz
"este é meu pai" ou "este é meu filho" ou "este é meu
irmão", pouco cuidado inspirará, [não mais do que] se alguém
mais idoso disser de alguém mais jovem que este é seu filho
ou vice versa, ou se todos os da mesma idade se chamarem de
irmãos.
A razão disto é que há duas coisas que maximamente
fazem os homens solicitamente cuidar dos outros e maximamente
amá-los. A primeira é que o outro [pertence de modo] próprio
e singular a eles. É por isso que os homens tem mais cuidado
com as próprias coisas do quem com as coisas comuns, conforme
já anteriormente comentado. A segunda é um amor especial que
alguém possa ter a outro, o qual amor é maior para aqueles a
quem se ama singularmente do que para aquele a quem se ama
simultaneamente com muitos outros, conforme vemos que os pais
mais amam os filhos unigênitos do que se tiveram muitos
filhos, como se o amor diminuísse pela comunicação a muitos.
Assim, portanto, é evidente que se existisse uma
ordenação civil tal como a ordenada pelas leis de Sócrates,
diminuiria a amizade mútua dos cidadãos, o que seria contra a
intenção do legislador.
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