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Depois que o Filósofo declarou a partir de que e
como são instituídas as repúblicas [de poucos] menos retas,
passa agora a determinar sobre os seus principados,
completando aquilo que no Quarto Livro da Política havia
omitido. Declara a sua intenção dizendo que depois que das
coisas que foram ditas, convém determinar quantos são os
principados necessários em tais repúblicas, suas espécies e
sobre quem dominam, conforme foi explicado no final do Livro
Quarto.
Em segundo lugar, convém haver um principado sobre
o foro das coisas que são necessárias à cidade, que examine
se tal contrato é feito de modo justo e legítimo, e também
que os edifícios usados para o foro nos quais se fazem tais
contratos sejam bem ordenados para tal. A razão disto é que
em todas as cidades é necessário receber algo como compra e
dar algo pela venda, tanto para toda a cidade e em relação a
outros, como quanto aos cidadãos entre si. Isto é
convenientíssimo para a própria suficiência da cidade. Como
uma só casa não é suficiente para si mesma, esta se une a
outra formando uma aldeia, e como uma aldeia e mesmo poucas
aldeias não são completamente suficientes para si mesmas,
muitas aldeias se unem em uma só cidade que seja suficiente
per se. Ora, a cidade não pode ser suficiente per se senão
pelas comutações mútuas, que se fazem pela compra e venda, ou
entre si, ou para outros, legitimamente realizadas. Isto,
porém, não poderia acontecer se não houvesse alguém que
dirigisse [estas comutações], reduzindo o desigual à
igualdade pela sabedoria e pelo poder público. Ora, isto é um
principado, de onde que é necessário para a cidade um
principado acerca dos contratos.
Deve haver um outro principado que é conseqüente e
próximo a este, que tenha o cuidado com os edifícios comuns e
particulares, as estradas, os aquedutos e outras coisas
semelhantes, para que sejam construídos como convém e bem
dispostos segundo a conveniência da cidade. Este principado
deve determinar também como os edifícios em ruínas devem ser
reparados e como devem ser estabelecidos os limites dos
edifícios para que não surjam querelas sobre estas questões,
e de outros tantos assuntos semelhantes. Alguns chamam a este
principado de edilidade.
Há outro principado necessário, semelhante ao
anterior. Cabe a este os mesmos cuidados que o anterior, mas
em relação [às construções] que há no campo, fora da cidade.
Por exemplo, fortes e acampamentos militares, edifícios e
aquedutos, limites entre propriedades agrícolas e tudo o mais
que pode haver fora da cidade. Alguns chamam a este
principado de delimitador, outros de guardiões do campo.
Outro principado é o que deve cuidar dos
rendimentos comuns, ao qual pertencem três coisas: receber
estes rendimentos de diversos, guardar o que é recebido e
distribuir o que for necessário em qualquer dispensação
segundo a ordenação da cidade ou dos superiores. Alguns
chamam este principado de receptor, outros o chamam de
questor.
Deve haver um outro principado ao qual são
referidos todos os rescritos de contratos e julgamentos, para
que tenham autoridade, a saber, pelo selo que neles é
colocado. Junto a estes principados deve permanecer um
registro com o rescrito dos contratos e das sentenças, assim
como também de todos os que são introduzidos na cidade. Nas
cidades maiores este principado é dividido em vários, mas
sempre um deverá ser o principal de todos, assim como vemos
nas cortes dos magnatas haver algum chanceler que é o
principal e muitos outros a ele subordinados, como os
notários, escreventes e outros semelhantes. Este principado é
chamado por alguns de prefeitura ou memorial, porque junto a
eles deve permanecer a memória das coisas grandes que se
fizeram na cidade. Outros, porém, os denominam com outros
termos semelhantes.
Depois destes há um outro principado que é
maximamente necessário e que é o mais difícil entre todos, a
saber, o que cuida da execução dos condenados à morte, dos
banimentos [segundo as acusações julgadas] e da custódia dos
corpos daqueles antes que sejam condenados ou proscritos.
Este principado é muito pesado por causa das animosidades de
muitos. Os amigos dos que vão ser condenados ou proscritos
nutrem por este principado, em sua maior parte, um [grande]
ódio, na medida em que aquele ou aqueles que amam alguém são
também inimigos dos seus inimigos. A inimizade contra este
principado é tamanha que, nos lugares onde não for possível
lucrar muito com ele, poucos ou mesmo ninguém sustentaria
presidir este principado e, se houver quem queira presidí-lo,
não quererão proceder nele segundo o rigor que seria devido,
temendo as inimizades e as ofensas. O temor e o amor
freqüentemente costumam perverter o julgamento do governante.
Este principado é necessário porque de nada serviria
sentenciar corretamente sobre as ações segundo a justiça, se
as sentenças retas não pudessem ser conduzidas até o fim pela
sua execução. Porque este principado é necessário e pesado,
convém que ele não seja apenas um só, mas que seja dividido
em vários, de tal maneira que partes diversas caibam a juízes
diversos, de tal modo que haja um juiz que ouça a acusação,
outro que investigue, outro que sentencie, e semelhantemente
com aqueles a quem cabe escrever estas coisas, sendo
conveniente dividí-los, de tal modo que seja um que escreve a
acusação, outro que escreva a investigação e outro ainda a
sentença. Se este cuidado for observado tanto as sentenças
quanto as execuções conseguirão mais chegar ao seu fim,
porque deste modo será menor a inimizade para com tais
principados. Quando estes são divididos, de tal maneira que
cabe a um a condenação e a outro a execução e coisas diversas
são atribuídas a diversos, a inimizade também ficará
dividida, tronando-se menor para cada um e, deste modo, as
sentenças e as execuções chegarão melhor ao seu fim, o que é
muito conveniente. Por causa da dificuldade que há neste
principado, os homens bons fogem do mesmo, enquanto que não é
seguro colocar nele os maus; os maus, de fato, precisam mais
das regras e da custódia dos outros do que podem reger ou
custodiar os outros, e o que deve regrar a outro importa que
seja regrado primeiro. O remédio para o problema dos bons
fugirem deste principado é que não haja um único principante
neste negócio, nem também que o mesmo seja principante de
modo contínuo, mas ora um, ora outro.
Depois destes principados é necessário colocar
ainda outros não menos necessários se deve ser salva a
convivência civil, ordenados porém num grau mais excelente de
dignidade, já que necessitam para a execução deste principado
de muita prudência, a qual é tida somente pela experiência de
longo tempo, e de muita fé, isto é, muita fidelidade. Estes
são os guardiões da cidade, e se ordenam às oportunidades
bélicas contra os inimigos da cidade. É necessário, de fato,
se a cidade deve ser salva, que haja curadores da mesma,
tanto para o tempo de paz, como para o tempo da guerra. Estes
serão aqueles aos quais pertence guardar as portes e os
muros; semelhantemente, deve haver aqueles que devem cuidar
de investigar as insídias e da pacífica ordenação dos
cidadãos entre si. Estes, para que possam operar retamente,
necessitam de muita prudência e fidelidade, porque a
indiscrição e a infidelidade dos mesmos facilmente induziria
a corrupção na cidade.
Há também os principados aos quais compete
corrigir os outros principados. Já que alguns principantes na
cidade devem lidar com o bem comum, coletando e dispensando,
e é difícil tratar estes bens sem alguma inquisição ou
apropriação, pelo fato de que todos tem o apetite destes
bens, se não se tratarem de homens estudiosos e fidelíssimos,
será necessário haver algum principado acima destes, cuja
finalidade seja a de receber a razão sobre o que foi recebido
e o que foi gasto, e corrigir, onde forem encontrados, os
delinqüentes. Se não for assim, haverá desvios do bem comum
da cidade e muita injustiça. Convém, porém, que este
principado não tenha cuidados sobre mais nenhuma outra coisa,
para que mais diligentemente possa cuidar [de seu próprio
objeto]. Alguns chamam a este principado de corretores, pelo
fato de que a eles cabe corrigir os delinqüentes; outros os
chamam de racionais, porque devem ouvir as razões; outros
ainda de investigadores, porque devem investigar com
diligência; outros, finalmente, de procuradores.
Além de todos estes principados, existe ainda um
outro principado necessário, o principado máximo, aquele que
possui domínio sobre todos os demais e ao qual todos os
demais se ordenam e do qual, recebendo os demais a sua razão
de operar, são [por este] dirigidos nas coisas que caem sob
os seus cuidados e ao qual, como a um fim, são reduzidas
todas as operações da cidade. Importa que aquele que [ordena
todos os principados deste modo] tenha na república a suma
autoridade. Em alguns lugares este principado é chamado de
preconsulado, pelo fato de que delibera antes; em outros é
chamado apenas de Consulado.
Há outra espécie de principado necessário na
cidade a quem cabe o cuidado com aquilo que diz respeito ao
divino, ao qual pertencem os sacerdotes que lidam com as
coisas sagradas, assim como aqueles que cuidam dos edifícios
das casas sagradas, como devem ser conservadas e quando
outras devem ser construídas, e quaisquer demais coisas que
se ordenam ao culto divino.
Nas cidades que mais se dedicam às guerras
exteriores [ou a outras atividades especiais] deverá haver
outros principados próprios, sobre os quais nada foi
mencionado, [nem sobre estes principados], nem sobre as
repúblicas de tais cidades. O Filósofo tratou apenas dos
principados pertencentes ao estado dos poucos e aos estados
populares, dos quais tinha intenção de determinar, embora
alguns destes [principados] também pertençam a estas [outras]
cidades.
Há, finalmente, outros principados que não são
tão necessários, como os que cuidam do ornamento da cidade e
dos cidadãos, da disciplina das mulheres e da custódia das
leis, de tal maneira que nenhuma seja transgredida, da lei
das crianças, isto é, a disciplina e os cuidados para com as
mesmas, do governo dos ginásios, dos jogos atléticos, das
músicas e outros espetáculos semelhantes.
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