21. Conclusão final.

Depois que o Filósofo colocou as muitas razões para demonstrar que não é natural que um só [homem] governe sobre muitos segundo a virtude, passa a determinar agora a verdade [sobre este assunto].

Já dissemos que não convém que um só domine a muitos semelhantes, mas talvez será conveniente em alguns casos, enquanto que em outros não.

Nos que são semelhantes segundo a natureza e se encontram de modo igual quanto à virtude não é justo que um só domine sobre os demais senão segundo um cento modo.

É evidente, pelo que foi dito, que não é segundo a natureza, nem convém, nem é justo, que um só homem governe sobre semelhantes e iguais segundo a virtude, seja não governando segundo a lei mas segundo a sua vontade, como se ele fosse a própria lei, seja não governando segundo a sua vontade, mas segundo a lei. Isto é claro por tudo o que já se disse. Conforme foi dito, é justo que para o semelhante segundo a virtude haja uma igual dignidade; se, porém, um só homem governasse sobre semelhantes segundo a virtude, não haveria a mesma dignidade para todos. Ademais, também foi dito antes que muitos podem ver mais coisas e julgar mais retamente do que um só. De tudo isto é manifesto que não é justo que um só homem governe sobre outros que vivem semelhantemente segundo a virtude.

Mas há um modo pelo qual convém que um só governe sobre muitos. Antes, porém, de declarar qual é este modo, devemos dizer o que é o estado real, o estado dos ótimos e o estado político.

O estado real é aquele ao qual se submete uma multidão que é apta a submeter-se segundo uma inclinação natural a alguém mais do que excelente na virtude para o principado político ou real.

O estado dos ótimos é aquele ao qual se submete uma multidão capaz de sustentar o governo de uma multidão de homens aplicados [à virtude]. Esta multidão de homens [governados] é capaz de ser regida pelo governo de homens ótimos e livres que governam segundo a virtude [tendo em vista o bem do principado político].

O estado político é a multidão que é capaz de submeter-se e governar alternadamente segundo a lei pela qual se distribuem os principados e dignidades a homens mais frágeis. Outros textos dizem aqui a homens mais ricos. Devemos entender, portanto, que Aristóteles quis dizer tanto a homens ricos ou pobres, desde que sejam ambos virtuosos.

[Expostos o que são o estado real, o estado dos ótimos e o estado político, resta agora] declarar qual e como é aquele modo segundo o qual convém que um só governe sobre muitos.

Devemos primeiro dizer que se ocorre que [um gênero de homens] ou um só homem entre outros diferir de tal modo de todos os demais segundo a virtude que sua virtude exceda a virtude de todos os outros é justo que o [governo] seja o [governo] real, porque é segundo a natureza que aquele que excede segundo a virtude seja senhor sobre os outros. Portanto, se a virtude de alguém excede a virtude dos demais, é natural que este seja rei e senhor.

Todavia, não é somente por causa disso que é justo que este seja rei, porque excede absolutamente, conforme foi dito antes que todos aqueles que instituíram políticas disseram que é justo que governe aquele que excede, assim como também [o disseram] aqueles que instituíram o estado dos ótimos, o estado dos poucos e o estado popular. Todos, de fato, considerando a respeito do excesso, disseram que aquele que excede deve governar, embora não colocassem todos os mesmo excesso, pois alguns o colocaram segundo a virtude, outros segundo as riquezas, outros segundo a liberdade. Convém, porém, que governe aquele que excede os outros segundo a virtude, e não convém que este seja morto, desprezado ou afugentado; isto, de fato, seria remover a regra de vida de uma cidade ou região.

Ademais, não convém que este governe segundo a parte, mas a todos. Não convém também que governe durante algum tempo, mas sempre, porque a parte não pode exceder ao todo, e este homem excede na virtude a todos os demais, de onde que os demais são parte em relação e este, de onde que não são capazes de exceder a este, mas sempre o que mais excede segundo a virtude deve governar. Segue-se, pois, que este deve governar a todos e sempre, e ser senhor, e todos devem obedecer a este [homem] como que por uma inclinação natural.

Deve-se porém, considerar que existe uma multidão [que é composta] de homens virtuosos, a qual possui dignidade, e que é dita multidão política, enquanto que há outra que muito carece de razão, e esta é dita dominativa.

Convém a ambos que sejam governados por um principado real, na medida em que existe alguém que exceda a todos os demais na virtude, mas diferem entre si porque no primeiro [caso] há uma grande distância do principado dominativo, enquanto que no segundo há uma grande proximidade, porque a segunda multidão carece de razão, enquanto que a primeira não. Ambos os [casos] também diferem porque o segundo reino é mais longo do que o primeiro, porque ao segundo é mais fácil encontrar um só homem que exceda todos os demais, enquanto que no primeiro não [se pode dizer o mesmo]. Na primeira multidão, porque todos alcançam a razão, ocorre que haja alguns que possam encontrar diversos caminhos e modos para expulsar o príncipe. Não é o mesmo caso da segunda, porque a segunda multidão carece de razão e por isso não podem [os que a compõem] encontrar caminhos e cautelas contra o governante e, por isso, o segundo principado dura mais do que o primeiro.