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Se a dificuldade [na investigação da verdade]
fosse principalmente da parte das coisas, seguir-se-ia que
mais conheceríamos aquelas coisas que são mais cognoscíveis
segundo a sua natureza. Ora, as coisas que são mais
cognoscíveis segundo a sua natureza são aquelas que estão
mais em ato, isto é, os entes imateriais e imóveis, os quais
todavia são os mais por nós desconhecidos. Por isso acontece
que o intelecto de nossa alma desse modo se encontra em
relação aos entes imateriais, os quais dentre todos são
maximamente manifestos segundo a sua natureza, assim como se
encontram os olhos da coruja para com a luz do dia, a qual
ela não pode ver, por causa da debilidade da sua visão.
[Deve-se dizer, porém, que a] comparação do
conhecimento do intelecto com o sentido, [isto é, a visão da
coruja], não é conveniente. Isto porque o sentido pode ser
impedido do conhecimento de um sensível por dois motivos, [um
dos quais não vale para o intelecto]. O primeiro é a
corrupção do órgão [do sentido] pela excelência de um
sensível. Isto não pode se dar com o intelecto, porque, não
sendo o intelecto potência de algum órgão corporal, não é
corrompido pela excelência do inteligível. O segundo provém
de um defeito de proporção da potência sensitiva em relação
ao objeto. As potências da alma, desta maneira, não
apresentam a mesma força em todos os animais. Por exemplo,
os homens apresentam um péssimo olfato.
[O defeito do intelecto humano provém desta
segunda origem]. Como a alma humana é a última na ordem das
substâncias intelectivas, participa minimamente da virtude
intelectiva. [Ela somente pode] conhecer por abstração do
sensível dos fantasmas. Ora, isso torna impossível que a alma
humana unida ao corpo conheça a verdade das coisas, a não ser
na medida em que possa a elas elevar-se inteligindo por
abstração dos fantasmas. Portanto, de nenhuma maneira pode
elevar-se ao conhecimento das qüididades das substâncias
imateriais, os quais são improporcionais às coisas sensíveis.
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