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O Filósofo levanta a seguinte dúvida quanto ao
estado popular. Em qualquer cidade ou república, inclusive no
estado popular, há ricos e pobres; isto levanta a questão de
como se deverá atribuir, tanto a estes, quanto a aqueles, o
que é igual e justo. Isto é, se na cidade há mil pobres e
quinhentos ricos se se deve dar ou distribuir aos mil pobres
tanto quanto se dá ou distribui aos quinhentos ricos, de tal
modo que os mil pobres tenham tanto poder nas decisões comuns
quanto os quinhentos ricos; ou se, além de dividir do modo
como foi dito, deve-se ademais tomar alguns poucos dentre os
pobres e os ricos por eleição, mas de modo que o número dos
que são escolhidos entre os pobres estejam para com o número
dos que são escolhidos entre os ricos] na mesma proporção do
número [total] de pobres para com os ricos; ou ainda, se
nenhum destes modos é correto, mas se deve atribuir tudo à
maior multidão, de tal modo que a multidão maior seja senhora
de todas as coisas. A dúvida consiste em qual destas
alternativas é o justo e igual na república popular, ou se
nenhuma delas.
O Filósofo reponde a esta questão dizendo que esta
mesma dúvida pode ser levantada de um modo diverso no estado
de poucos. No estado popular os cidadãos dizem ser justo e
igual de modo simples aquilo que assim parece a muitos pois,
de fato, é a multidão que governa em tal república. Por este
motivo, o justo no estado popular é tomado por comparação à
multidão. Na potência de poucos, porém, os cidadãos dizem que
o justo de modo simples é o que assim parece aos que possuem
as maiores riquezas. Dizem, de fato, que tudo deve ser
determinado segundo a relação para com as riquezas, que são o
que há de principal nestas repúblicas.
O Filósofo, porém, reprova ambas estas colocações,
[isto é, que o justo de modo simples é o que assim parece à
multidão no estado popular ou que é o que assim parece à
minoria dos ricos no estado de poucos]. Ambas estas posições
possuem uma certa desigualdade na coisa e uma certa injustiça
por comparação ao fim.
[Em relação à posição defendida pelos que
sustentam o estado de poucos], se é justo fazer-se na cidade
aquilo que assim parece aos poucos ricos existentes, seguir-
se-á então que a república se converterá em uma tirania. A
razão é que se for justo aquilo que assim parece aos mais
ricos, e se todas as coisas devem ser determinadas segundo a
quantidade das riquezas, então se houver algum homem que
tenha maiores riquezas do que todos os demais [juntos], o
justo será aquilo que assim o parecer apenas a este [homem] e
será necessário determinar tudo segundo a sua vontade. Por
conseguinte, será necessário que somente este homem governe
segundo a sua vontade. Ora, isto é a tirania.
Por outro lado, [em relação à posição defendida
pelos que sustentam o estado popular], se o justo é aquilo
que assim parece à multidão, e importa seguir nisto o
julgamento de muitos, como a multidão possui um poder maior e
segue o ímpeto da vontade ao julgar, [teremos que nos
converter] às obras da injustiça, rapinando tudo aquilo que
pertence aos poucos ricos existentes, conforme já foi dito no
livro quarto desta política.
O Filósofo responde a esta questão dizendo que
convém em ambas estas coisas, [isto é, no estado popular e no
estado de poucos], que o justo que domina e governa na
república seja aquilo que assim parece às muitas partes da
república. Isto, todavia, deve ser suposto não de modo
simples, mas com certas determinações.
Duas, de fato, são as partes pelas quais a cidade
é necessariamente composta, a saber, os ricos e os pobres. O
que parecer justo a estes e àqueles simultaneamente em sua
maioria, não digo de toda a multidão, mas da maioria dos
ricos e da maioria dos pobres, seja este o justo pelo qual se
governe e que se execute em toda a república.
Se, porém, acontecer que estes se contrariam entre
si, de tal modo que não a todos os ricos parecer o mesmo e
semelhantemente não a todos os pobres parecer o mesmo, então
o justo não deverá ser determinado segundo o modo acima
mencionado, mas segundo alguma outra excelência, ou da
virtude, ou do desejo do bem comum. Neste caso, aquilo que
parecer ser o justo à parte que possui tal excelência, [tendo
sido bem apresentado e considerado], será o justo, Se ainda
assim as diversas partes forem encontradas iguais em virtude,
permanecerá a mesma dúvida sobre qual sentença deverá ser
seguida. Neste caso a sentença [a ser seguida] deverá ser
determinada pela sorte ou por algum outro artifício
semelhante à sorte.
Alguém poderia objetar que a eleição do principado
e a distribuição das honras comuns são as coisas máximas na
cidade, e seria inconveniente confiar as coisas máximas à
sorte, um caminho pelo qual pode-se ficar com o pior.
O Filósofo, porém, responde que, sendo dificílimo
encontrar o justo e o igual nas coisas anteriores, e
determinar segundo a razão reta, é todavia melhor dirimir as
controvérsias pela sorte do que permitir que somente os ricos
governem. Sempre, de fato, entre dois males deve-se escolher
o mal menor. É mau confiar-se à sorte e é mau que somente os
ricos governem, porém, é menos mau confiar-se à sorte do que
permitir que os ricos governem. Os ricos, de fato, pela
própria abundância de suas riquezas inclinam-se ao desprezo,
ao orgulho e a outras coisas injuriosas e, por isso, não se
importam com a justiça. Por este motivo é melhor decidir
confiar-se à sorte do que permitir que apenas os ricos
governem no estado popular.
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