8. Causas e princípios especiais da corrupção da tirania.

O primeiro modo pelo qual uma tirania pode corromper-se é como qualquer outra república pode corromper- se por uma causa extrínseca, como se houvesse alguma república próxima mais potente contrária à mesma. Sendo mais poderosa, por ser contrária à mesma, corrompe a tirania.

[Deve-se notar que o Filósofo, quando diz república próxima, não está se referindo a uma proximidade geográfica, mas a uma proximidade formal. Do mesmo modo, quando diz que a tirania pode corromper-se por uma causa extrínseca, não se refere a uma extrinsicidade geográfica, mas a uma extrinsicidade além do corpo de governo do tirano].

Todos os que querem agir algo, se tiverem o poder de fazê-lo, farão o que quiserem. Este é o motivo pelo qual uma outra república contrária e mais poderosa corrompe a tirania. A tirania é contrariada pelo estado popular, como diz Hesíodo, por acidente, como um oleiro é contrário a outro oleiro. Um oleiro não é contrário per se a outro oleiro, é, na verdade, semelhante ao outro. Por acidente, na medida em que um impede o bem do outro, que no caso é o lucro, pode ser contrário ao outro. Assim também o estado popular é contrário à tirania, não per se, mas na medida em que um impede o outro; de fato, a última espécie de estado popular é péssima e já é um modo de tirania, conforme ficou evidente que pelo que foi explicado no Quarto Livro da Política. A tirania, porém, e o estado dos ótimos são contrários per se. Um corromperá o outro porque perseguem fins diversos. Foi assim que os Lacedemônios corromperam muitos tiranos, porque eram mais poderosos. [Note-se que, ao dizer que os Lacedemônios corromperam muitas tiranias, o Filósofo não se refere às tiranias dos estados vizinhos, mas a tiranias que dominavam sobre elas próprias].

O segundo modo de corrupção da tirania não é por uma causa extrínseca, mas intrínseca. Ocorre, de fato, que o tirano tenha às vezes alguns familiares que alcancem de algum modo o principado e participem de suas honras. Quando estes promovem uma sedição, ocorre que corrompe-se a tirania.

As causas pelas quais há insurreição contra os tiranos são maximamente duas, a saber, o ódio e o desprezo. O ódio é nutrido contra o tirano [não por acidente], mas per se. A razão é que o tirano governa sobre [homens] que são melhores do que ele [na virtude], e o faz para além da utilidade destes homens, já que o tirano pretende apenas o seu próprio bem. Este é o motivo pelo qual o tirano é odiado [pelos seus súditos].

Quanto ao desprezo, o Filósofo acrescenta que esta é a causa pela qual muitas vezes a tirania é corrompida. Aqueles, de fato, que se apoderam de um principado pela sua virtude e indústria, mesmo que o tenham feito através da guerra, costumam conservar o principado e não serem desprezíveis. Mas, [logo a seguir], aqueles que receberam esta tirania de [seu primeiro fundador], imediatamente a perdem e são mortos por causa do principado, já que costumam viver em delícias, entregues aos prazeres da mesa e venéreos, fazendo-se desprezíveis. E, ademais, por se terem entregues deste modo às delícias, costumam oferecer muitas oportunidades e ocasiões para os que querem se insurgir contra os mesmos, ora porque às vezes se colocam sob o poder das mulheres, ora porque freqüentemente são encontrados embriagados e, por conseqüência, impotentes de fato.

Para finalizar, devemos dizer que quantos princípios e causas de corrupção já apontamos para o estado de poucos intemperado, que é a sua última espécie, e o último dos estado populares, tantas são também as causas e os princípios [da corrupção] das tiranias, porque estas repúblicas, isto é, o último dos estados dos poucos e o último dos estados populares, já são [de certo modo] tiranias, diferindo da tirania propriamente dita apenas pelo fato de que nestes estados são muitos os que tiranizam, enquanto que na tirania somente um tiraniza.

7. Causa e princípios especiais da corrupção do reino.

O reino não se corrompe pelo que é extrínseco. A razão disto é que o rei governa sobre homens bons e o faz segundo a virtude, com súditos que a ele se submetem por sua própria vontade. Tal república não pode corromper-se por causas extrínsecas. Por este mesmo motivo o reino dura muito tempo. Pode, porém, corromper-se de muitos modos.

Um reino pode, de fato, corromper-se de dois modos. De um primeiro modo quando aqueles que alcançam o principado e são príncipes de um reino promovem uma sedição. Ocorre às vezes que estes promovem a sedição, por causa do poder que têm, expulsando o rei do principado e mudam a monarquia em outra república.

De um segundo modo o reino pode corromper-se quando o próprio rei passa a querer governar tiranicamente, como quando pretende ser senhor de mais súditos do que o deve, contra a vontade dos mesmos e além da lei. Ocorre então que os súditos se insurgem contra o rei, expulsam-no e mudam a república em outra.

8. Os motivos pelos quais não há muitos reinos.

O Filósofo mostra porque atualmente não se fazem muitos reinos. Atualmente não se fazem muitos reinos, [diz ele], e, se se fazem, são mais propriamente monarquias tirânicas do que reinos. Há duas razões para tanto.

A primeira é que o reino deve ser um principado voluntário. O rei, de fato, governa sobre súditos que desejam que ele reine segundo um principado real e este rei deverá ser senhor sobre os maiores da cidade ou do reino. Ora, não é fácil encontrar alguém que governe a muitos porque estes o querem e que ao mesmo tempo seja digno de ser senhor dos maiores. Este é o motivo porque não há muitos reinos.

A segunda razão é porque a proporção da dignidade e da honra do rei à dignidade e à honra dos súditos deve ser a mesma proporção da virtude do governante para com a virtude dos súditos. Ora, a dignidade e a honra real excede em muito a dignidade doas súditos. A virtude do rei, portanto, deve exceder a virtude de todos ou de muitos. [Usualmente] não é possível encontrar alguém [nestas condições], ou pelo menos é extremamente difícil. Por isso, quando alguém é tomado como rei, não costuma governar sobre seus súditos porque estes o querem e, por isso mesmo, não governará por muito tempo. Ora, se alguém governa pela fraude ou pela violência, este não é rei, mas tirano, porque não governa a súditos que o querem.