5. O estado popular de agricultores é o melhor dos estados populares.

Depois que o Filósofo discutir as hipóteses e as propriedades do estado popular, pretende agora determinar a partir do que e como as suas espécies são instituídas.

Há quatro espécies de estados populares, e a espécie ótima é a primeira segundo a ordem entre elas que foi anteriormente apresentada.

A república ótima de modo simples é o reino em que um só governa. Depois dela vem o estado dos ótimos em que poucos virtuosos governam. Depois vem a república em que ainda há muitos homens preparados para a guerra. Em seguida temos aquela espécie de estado popular em que muitos agricultores governam. Finalmente, seguem-se a esta as demais espécies de estado popular mais e mais deficientes, conforme foi exposto no Livro Quarto desta Política. O estado popular [em que uma multidão que se dedica à agricultura governa] é o mais antigo entre todos os estados populares, a multidão mais antiga e mais natural sendo a agrícola. O Filósofo chama-a de primeira, porque é constituída pela primeira multidão e pelo povo ótimo, que é o que se dedica ao cultivo da terra, se alguém pressupor a distinção da multidão popular que há entre os que cultivam e os que não cultivam a terra.

Já que o povo ótimo é o agricultor, por isso facilmente acontece fazer-se uma república popular ótima onde houver tal multidão de povo. De fato, de uma ótima matéria bem disposta ocorre fazer-se um ótimo composto, tanto nas coisas que são feitas pela natureza, quanto pela arte.

Que a multidão dedicada à agricultura é o povo ótimo pode ser demonstrado do seguinte modo.

Em primeiro lugar, porque a multidão dos agricultores não possui muito dinheiro, e não pode dispensar- se muito dos afazeres das obras exteriores, tendo necessidade de se dedicar à cultura da terra da qual tira o seu sustento e a outras coisas necessárias. Por não poder dispensar-se das coisas exteriores, não apetece formar assembléias e por isso menos pode maquinar [insurreições]. Os homens, de fato, costumam nas assembléias, por causa das muitas conversações e da confiança recíproca, maquinar entre si buscando caminhos e modos para insurgir-se contra os ricos ou os governantes. Como os agricultores são menos maquinativos, sua multidão é mais apta para a política.

Em segundo lugar, a multidão dos agricultores é ótima porque não é concupiscitiva. O Filósofo diz que tal multidão, pelo fato de não possuir o necessário para bem viver, necessita dedicar-se aos trabalhos exteriores na região externa à cidade, isto é, no campo. E porque se dedicam às operações exteriores [no campo], menos tem concupiscência do que é alheio. De fato, os habitantes que vivem na região externa [à cidade], ocupados com as próprias obras, não se apercebem das riquezas e dos bens dos governantes e, porque não se apercebem das mesmas, cobiçam- nas menos. Por não cobiçarem deste modo o que é alheio, são melhores para serem governados, porque menos se insurgem e menos rapinam ou roubam, o que, de fato, era uma das causas da corrupção das repúblicas, conforme determinado no Quinto Livro desta Política. Para eles é mais deleitável ocupar-se com as negociações acerva do que lhes é próprio do que intrometer-se no que é da república ou do principado. A multidão popular [composta de agricultores] mais busca e apetece o lucro próprio do que a honra, o que, de fato, lhes é mais necessário.

Em terceiro lugar [a multidão de agricultores é ótima] porque não é ambiciosa. Se tal multidão tem algum apetite de honra, o que é necessário, porque os homens naturalmente apetecem a honra, conforme é evidente no segundo livro da Retórica, o apetite dela é suficientemente satisfeito pelo fato de que em algumas repúblicas populares tem o domínio sobre a eleição e a correção do príncipe que é máxima. Em outros estados populares, embora a multidão não possa eleger os principados, os quais são eleitos por uma comissão escolhida dentre toda a multidão, esta tem, porém, poder sobre o conselho da república que ordena sobre todas as coisas, e este domínio sobre o próprio conselho é suficiente para muitos para satisfazer o apetite acima mencionado. Deve- se opinar que estas coisas, tais como a multidão ter poder de eleger e corrigir os principados, e poder alcançar alguns principados menores, assim como possuir um domínio sobre o conselho, é como um certo ornamento e boa disposição do estado popular.

Por causa destas coisas serem um certo ornamento do estado popular e uma boa disposição do mesmo, é conveniente estabelecer nesta espécie de estado popular, o que efetivamente costuma fazer-se, que a multidão de agricultores tenha poder sobre a eleição e a correção do principado, sobre o seu julgamento quando erra, e que os principados maiores sejam por ela eleitos, escolhidos para os mesmos homens entre aqueles que possuem maiores honorabilidades de virtudes ou de riqueza, ou entre os maiores pela nobreza.

Se tudo isto for observado, necessariamente em tal república se governará de modo ótimo, e disto advirão muitas utilidades para a república. Em primeiro lugar, por parte do príncipe, pois as magistraturas serão regidas pelos melhores, por serem tomados por causa de uma certa honorabilidade; em segundo lugar, por parte do povo, que será unido, e não propenso à insurreição, sem invejar aos homens insolentes e insignes. Se os principados são tomados dos honoráveis, o povo não se submeterá a homens piores do que eles, caso estes não consigam governar, e também os governantes governarão com mais justiça, considerando que há outros na república que podem corrigir seus delitos se agirem injustamente.

Disto tudo conclui-se também que, observadas todas estas coisas, necessariamente ter-se-á nesta república o maximamente perfeito, isto é, que os bons e os justos governam, sem cometerem delitos, temendo a punição e a correção, e a multidão não ter nada menos do que o que deve, que é o ser senhora dos maiores.

A conclusão principalmente intencionada é que é manifesto por tudo quanto foi exposto que esta espécie de estado popular que foi descrita é a ótima e a causa é o próprio povo, a partir do qual se constitui, que é ótimo.