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Há ainda uma outra condição da felicidade que não
foi anteriormente mencionada, segundo a qual a felicidade
consiste num certo descanso [vacatio]. Alguém é dito
descansar quando não lhe resta mais nada para agir, o que
acontece quando alguém já chegou ao [seu] fim. Nós
trabalhamos operando, para que cheguemos a repousar no fim,
que é descansar.
Deve-se, entretando, considerar que mais acima o
filósofo tinha dito que o repouso é por causa da operação, [
o que parece contradizar a afirmação presente de que a
operação é por causa do repouso]. [Quanto a isto deve-se
dizer que anteriormente o filósofo tinha-se referido] ao
repouso que interrompe a operação antes da consecução do fim
por causa da impossibilidade da continuação do operar, o qual
repouso se ordena à operação como a um fim. Já o descanso
[vacatio] é o repouso no fim ao qual se ordena a operação. De
modo que à felicidade, que é o fim último, maximamente
competirá o descanso.
O descanso não é encontrado nas operações das
virtudes práticas, das quais as principais são aquelas que
consistem nas coisas políticas, na medida em que são
ordenantes do bem comum, e nas coisas da guerra, pelas quais
o próprio bem comum é defendido contra os inimigos. [Tanto a
uma quanto a outra] destas obras não compete o descanso.
Acerca das operações da guerra isto é inteiramente manifesto,
porque ninguém elegeria fazer ou preparar uma guerra somente
por guerrear, o que seria possuir descanso nas coisas da
guerra. Quanto às coisas políticas é também manifesto que
nelas não há descanso, porque os homens pretendem adquirir a
felicidade através da vida política, mas de maneira que tal
felicidade seja outra coisa que não a vida política. Esta é,
de fato, a felicidade especulativa, à qual toda a vida
política parece ordenada, na medida em que pela paz, a qual
pela ordenação da vida política é estabelecida e conservada,
é dada ao homem a faculdade de contemplar a verdade.
Se, portanto, entre todas as ações das virtudes
morais se sobressaem as políticas e as da guerra, tanto pela
beleza, é porque são as mais honoráveis, quanto pela
magnitude, porque são acerca do bem máximo, que é o bem
comum, e tais operações não possuem descanso em si mesmo,
sendo feitas por causa do apetite de outro fim, não sendo
elegíveis por causa de si mesmas, não haverá nas operações
das virtudes morais perfeita felicidade. Mas a operação do
intelecto, que é especulativa, difere destas operações
segundo a razão de a ela nos aplicarmos, porque o homem
descansa em tais operações por causa delas mesmo, de tal
maneira que nenhum outro fim além delas mesmo apetece.
Assim, portanto, fica evidente que a perfeita
felicidade do homem consiste na contemplação do intelecto.
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