7. A natureza da arte pecuniativa.

Em seguida o Filósofo passa a determinar a natureza da arte pecuniativa.

Para considerar a natureza da arte pecuniativa devemos tomar o princípio de que para cada coisa há dois modos de uso. Ambos estes usos têm em comum que são segundo si e não por acidente; diferem, porém, pelo fato de que um deles é o próprio uso da coisa, e o outro não é o próprio uso da coisa, mas o uso comum [ou geral]. Assim, há dois usos para o calçado. O primeiro é o uso próprio, que é o calçar [os pés]; o outro é o uso geral, que é a comutação. O calçado não foi feito para este último uso, isto é, o calçado não foi feito para que o homem o comute, embora o homem possa usar o calçado para comutá-lo por pão ou por comida. Embora a comutação não seja i uso próprio do calçado, é, todavia, um uso per se e não por acidente, porque quem comuta o calçado o estará usando segundo o seu valor. E, assim como foi dito para o calçado, assim também deve-se entender de todas as outras coisas que podem ser possuídas pelo homem.

Ora, a permutação pode ser feita de todas as coisas. A primeira comutação começou pelas coisas que a natureza ministrou à necessidade da vida humana. Alguns homens tinham mais vinho enquanto que outros tinham mais pão, de onde que lhes convinha que comutassem, e a comutação se realizava até que cada um tivesse o que lhes era suficiente.

Na primeira comunidade, que era a comunidade de uma só casa, não havia necessidade de tais comutações, porque tudo o que fosse necessário à vida pertencia ao pai de família, que a tudo providenciava. Quando, porém, se formou uma comunidade mais ampla, isto é, da aldeia e da cidade, por causa do que alguns homens estavam separados de outros em muitas coisas, foi necessário introduzir as comutações daquelas coisas que estavam divididas. Este costume é observado em muitas nações bárbaras, entre as quais não existe o uso do dinheiro.

Este tipo de comutação não está além da natureza, porque é uma comutação de coisas subministradas pela natureza, e não é uma espécie de arte pecuniativa, porque não se realiza através do dinheiro.

Da primeira comutação que era das próprias coisas necessárias entre si, proveio uma outra comutação inventada pela razão. Quando o auxílio mútuo dos homens se tornou mais peregrino, porque os homens começaram a usar a comutação não apenas para com os próximos, mas também para com os distantes, trazendo para si aquilo de que careciam e enviando aos outros aquilo de que tinham frutos, por causa desta necessidade foi inventado o uso do dinheiro, porque não podiam facilmente levar as coisas que são necessárias segundo a natureza para terras distantes, como o vinho, o trigo e outras semelhantes. E por isso, para realizar estas comutações em lugares distantes, ordenaram que dariam e aceitariam entre si algo que fácil e rapidamente pudessem levar, isto é, os metais, como o cobre, o ferro e a prata e outros semelhantes. Estas coisas podiam ser facilmente levadas a lugares distantes porque um pouco destas coisas, devido à sua raridade, valia muito de outras coisas. É isto o que fazem até hoje os homens que devem fazer uma longa viagem quando, para suas despesas, em vez do dinheiro de cobre, levam dinheiro de prata ou de ouro, por causa da necessidade de comutar em lugares distantes.

O metal foi estabelecido primeiramente apenas pelo peso e pela magnitude, como até hoje se observa em certos povos que usam para comutar pura prata não monetária. Mas depois, para liberar os homens da necessidade de medir e de pesar, foi impresso um emblema que era colocado como um sinal de que o metal tinha determinada quantidade. É evidente, deste modo, que o dinheiro foi inventado, em primeiro lugar, para a comutação das coisas necessárias.

Mas depois que o dinheiro foi introduzido por causa das comutações feitas por necessidade por causa das coisas necessárias que deveriam ser realizadas em lugares distantes, foi introduzida uma outra espécie de comutação pecuniária segundo a qual o dinheiro passou a ser comutado pelo dinheiro. Esta comutação é chamada de numulária [ou bancária], que é a usada pelos cambistas de dinheiro. A primeira vez em que isto ocorreu foi de modo simples e como que por acaso, quando alguém, passando de uma terra a outra, entendeu que estava gastando o dinheiro mais caro do que o havia recebido. A experiência, posteriormente, tornou isto algo artificial, de tal modo que os homens passaram a estudar de que lugar o dinheiro havia provindo e como com isto poderiam obter o máximo lucro. Isto pertencia à arte numulária.

A partir do momento em que o dinheiro passou a ser trocado por dinheiro de um modo artificial, a arte que diz respeito ao dinheiro passou a ser chamada de pecuniativa. O ato desta arte é a consideração de onde possa provir ao homem uma multidão de dinheiro. A arte pecuniativa se ordena a isto como ao seu fim: produzir uma multidão de dinheiro e de riquezas.