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A tirania, por ser desordenada pela sua própria
natureza, é facilmente corruptível. O Filósofo, por isso,
fornece mais elementos pelos quais pode-se salvar uma tirania
do que um reino.
A tirania pode salvar-se de dois modos,
imensamente contrários. Um deles é intensivamente, o outro é
remissamente. [O Filósofo trata primeiro do modo intensivo,
para tratar mais adiante do modo remissivo].
Na antigüidade foram dados muito conselhos sobre a
salvação [intensiva] da tirania. Dentre estes temos: matar
todos os que se sobressaem no poder ou na riqueza, porque
estes, pelo poder que têm, podem insurgir-se contra o tirano;
matar também todos os sábios, porque estes, pela sua
sabedoria, podem encontrar caminhos para depor os tiranos;
foi dito também que muito convém à salvação da tirania não
permitir as comunicações, nem a formação de sodalícios e
sociedades, para impedir que os homens possam se unir entre
si por vínculos de amizade, com o que mais facilmente
poderiam se insurgir contra os tiranos. Não permitir também a
disciplina, nem qualquer coisa que possa promover a
sabedoria, evitando tudo isto, porque por meio destas coisas
os cidadãos poderiam encontrar caminhos diversos para
insurgir-se contra o tirano e depô-lo. Por isso o tirano
deve-se precaver contra tudo aquilo que pode tornar os homens
sábios, seja a sabedoria ativa, seja a sabedoria
especulativa, assim também como aquilo pelo qual os homens
encontram a persuasão e se tornam persuasivos. Não se devem
permitir também as escolas nem quaisquer outros agrupamentos
pelos quais possa ocorrer que os homens se entreguem à
sabedoria. Os sábios, de fato, se inclinam facilmente a
coisas grandes, tornando-se com isso magnânimos, e pessoas
como estas se insurgem com facilidade.
Para salvar a tirania é necessário ordenar e fazer
com que os súditos se ignorem entre si ao máximo, porque a
notícia faz com que mais creiam entre si. Por se crerem
mutuamente, mais facilmente se unem e mais poderosamente se
insurgem. Por isso o tirano deve ordenar tudo aquilo pelo
qual os seus súditos maximamente se ignorem.
Para a salvação da tirania convém que o tirano
faça com que seus servos e prepostos estejam manifestamente
presentes nos lugares em que os súditos costumam congregar-
se, isto é, próximo das portas das cidades ou outros
semelhantes, para que vejam e ouçam o que dizem e agem os
súditos. Assim ficará mais manifesto o que fazem e os súditos
poderão maquinar menos facilmente contra o tirano. É muito
importante para a salvação da tirania procurar obter
informações de servos designados para tanto sobre tudo aquilo
que os súditos maquinam, insultam ou de qualquer forma se
desviem do que foi ordenado pelo tirano, e outras coisas
semelhantes tais como as que se fazem nas tiranias bárbaras e
persas. Os tiranos devem ter o máximo cuidado para que nada
do que dizem e fazem os súditos fique oculto, mas devem se
informar atenciosamente de tudo e fazer como fizeram os
tiranos de Siracusa em relação aos seus súditos. Hieron de
Siracusa ordenou a homens a quem ele chamou de delatores que
estivessem presentes em todas as reuniões de seus súditos
para ouvirem e presenciarem o que ali se dissesse ou se
fizesse. Deste modo, aqueles que se reúnem, por causa do
temor e confiando menos em si mesmos, nada maquinavam ou, se
confiassem em si mesmos, nada poderiam esconder, com o que o
tirano poderia conseqüentemente precaver-se.
É importante também para salvar a tirania que o
tirano procure fazer com que os súditos se acusem mutuamente
de crimes e se turbem mutuamente, o amigo contra o amigo, o
povo contra os ricos e os ricos entre si. Deste modo, quanto
maiores forem as suas divisões, menos poderão insurgir-se
contra o tirano. De fato, toda virtude dividida é sempre
menor.
Para a salvação da tirania importa também fazer
com que os súditos se tornem pobres. Deste modo poderão
insurgir-se menos contra o tirano. Embora haja muitas
maneiras de tornar pobres os súditos, importam para a tirania
principalmente as quatro seguintes.
Primeiramente, [não remunerar os guardiões dos
bens comuns, mas obrigar aos próprios cidadãos que se
incumbam eles próprios completamente desta tarefa].
Segundo, manter os súditos ocupados em suas
obrigações diárias, para que ocupados deste modo não possam
maquinar e não tenham tempo livre para maquinar algo contra o
tirano. Temos um exemplo disto nos tiranos do Egito, que
obrigavam os súditos a se ocuparem no trabalho de construção
das pirâmides e em outros trabalhos cotidianos, como o
fizeram os filhos de Israel [durante o tempo de seu cativeiro
no Egito]. Tudo isto faz com que os súditos não possam ter
tempo para planejar algo contra o tirano; ocupados como estão
nestes trabalhos, não poderão tratar sobre como poderão depor
o tirano. Ademais, estes procedimentos trazem também a
penúria e a pobreza para os súditos pois, enquanto são
obrigados a construírem edifícios e a ocupar-se de outras
coisas semelhantes, necessariamente acabarão por se
empobrecerem.
Para empobrecer os súditos, em terceiro lugar, os
tiranos devem instituir impostos, isto é, muitas e volumosas
extorsões. Desta maneira poderão empobrecer rapidamente os
súditos, assim como aconteceu em Siracusa. Nesta cidade,
quando era governada por Dionísio, este tirano extorquiu o
povo de tal maneira que toas as riquezas dos súditos acabaram
chegando às suas mãos em um prazo de cinco anos.
Finalmente, para a salvação da tirania [e
empobrecimento dos súditos] o tirano deve provocar a guerra
entre os súditos, ou também contra os estrangeiros, de tal
modo que seus súditos não possam ter tempo para planejar algo
contra seu próprio governante, e vivam continuamente no medo.
Este recurso tem a vantagem de que, por meio dele, o povo
sentirá necessidade de um governante [forte], e então este
poderá exigir ainda mais coisas do povo.
[É importante fazer notar ao tirano] que o reino
se salva pelos amigos, pois os súditos amam o rei e querem
que ele governe, e por isto a amizade salva o reino. Mas o
tirano, se quiser salvar a tirania, não deve confiar nos
amigos. A razão disto é evidente. Os amigos são poderosos;
pelo fato de serem amigos do príncipe, já são por isso
poderosos. Por isso mesmo, todos eles se inclinam ao
principado e querem governar. Por isso o tirano não deve
confiar em nenhum deles se quiser salvar a sua tirania.
O tirano também não deve alegrar-se com os homens
livres, veneráveis ou virtuosos. O verdadeiro tirano deve
desejar ser o senhor inteiramente só. Os homens veneráveis e
os homens livres serão sempre contrários a esta pretensão,
nem poderão tolerar a excelência que o tirano possui além de
toda a razão, nem a própria tirania que ele exerce governando
dominativamente. Por este motivo os verdadeiros tiranos
odeiam os homens livres e veneráveis como a pessoas que são
[por natureza] dissolventes de seu governo.
O tirano deve acostumar-se a conviver e a
banquetear-se mais com os estrangeiros do que com os
cidadãos, porque os cidadãos são seus inimigos, não os
estrangeiros.
Todas estas coisas podem ser [resumidas ou]
abarcadas em três espécies, pois o tirano, ao querer salvar o
seu governo, considera as três seguintes coisas.
A primeira é que seus súditos sejam ignorantes e
conhecedores de poucas coisas. A razão é porque nenhum fraco,
covarde e tímido se insurge contra alguém. Por isso, para que
os súditos não se insurjam contra ele, o tirano considera
como poderá tornar os súditos ignorantes. A ignorância, de
fato, gera a pusilanimidade, [isto é, a fraqueza, a covardia
e a timidez]. Para que se produza a magnanimidade, é
necessária a ciência das coisas grandes e árduas; a
magnanimidade é, de fato, a virtude pela qual alguém se
inclina às coisas grandes e árduas pela sua simples decência.
A segunda é que seus súditos se ignorem e
[desconheçam] mutuamente. A razão para isto é que a tirania
não se dissolverá antes que os súditos creiam uns nos outros.
Por causa disso o tirano será contra todos os homens
virtuosos, porque são nocivos ao principado tirânico, não
apenas porque não querem submeter-se ao tirano
dominativamente, mas também porque são fiéis a si mesmos e
aos demais concidadãos, nem manifestam aquelas coisas que
eles mesmos ou seus concidadãos querem fazer contra os
tiranos.
A terceira é que seus súditos se tornem impotentes
depois de tê-los tornado pobres. A razão para isto é que
ninguém põe a mão naquilo que crê ser impossível, de onde que
é manifesto que não se dissolve a tirania se os súditos não
possuírem poder.
Estes são os modos pelos quais a tirania pode ser
salva intensivamente, isto é, intensificando a própria
tirania.
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