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Para esta ciência que pretendemos que seja dos
primeiros princípios e da verdade universal das coisas, será
necessário que primeiro entremos em acordo acerca do que
disputar, antes que determinemos a verdade. Isto se deve a
quatro razões.
[A primeira razão consiste em que] os que desejam
investigar a verdade devem antes de iniciarem o trabalho,
"duvidar bem", isto é, penetrar bem naquilo que é disputável.
Isto porque aqueles que desejam desamarrar um vínculo
corporal precisam primeiro inspecionar o vínculo e o modo de
ligação. Assim também aqueles que desejam resolver uma dúvida
precisam primeiro especular acerca de todas as dificuldades e
suas causas.
[A segunda razão consiste em que] aqueles que
desejam inquirir acerca da verdade não considerando
primeiramente as dúvidas se assemelham àqueles que não sabem
para onde vão. E isto porque, assim como o término do caminho
é o alvo pretendido pelo caminhante, assim a exclusão das
dúvidas é o fim pretendido pelos pesquisadores da verdade.
Ora, é manifesto que aquele que não sabe para onde vai não
pode ir diretamente, exceto talvez por acaso. Portanto, nem
tampouco alguém pode diretamente pesquisar a verdade, a não
ser que primeiro examine as dúvidas [que existem acerca da
mesma].
[A terceira razão consiste em que] assim como
aquele que não sabe para onde vai, quando chega ao lugar que
pretendia, ignora se deve parar ou prosseguir, assim também
quando alguém não reconhece primeiramente as dúvidas, cuja
solução é o fim da inquisição, não pode saber quando alcançou
a verdade inquirida e quando não. E isto porque não conhece o
fim de sua inquisição, o qual é manifesto àquele que
primeiramente conheceu as dúvidas.
[A quarta razão consiste em que] deve o ouvinte
julgar acerca do que é ouvido. Ora, assim como no julgamento
ninguém pode julgar, a não ser que ouça as razões de ambas as
partes, assim também é necessário para aquele que deve ouvir
a filosofia, se melhor quiser julgar o que irá ouvir, que
ouça todas as razões dos adversários duvidantes.
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