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A ciência, que é potência racional, é uma certa
razão da coisa conhecida, na alma. [Para investigar a causa
das potências racionais o serem para contrários], [e as
irracionais não, devemos portanto primeiramente investigar
algo acerca destas razões. E o primeiro que se terá que
dizer é que] a mesma razão manifesta a coisa e sua
privação.
A mesma razão manifesta a coisa e sua privação,
ainda que não de modo semelhante. Assim, por primeiro
manifesta a coisa existente, e por posteridade manifesta
sua privação. Por exemplo, pela razão da visão é conhecida
per se a potência visiva. Consequentemente, é conhecida a
cegueira, porque a cegueira nada mais é do que a própria
carência da visão naquilo que nasceu para ter a vista.
De todos os contrários, um é como o perfeito, o
outro é como o imperfeito e privação do outro. [Por
exemplo], o negro é a privação do branco e o frio é a
privação do calor. Ora, por causa disso, a privação, que é
uma certa retirada [ablatio] de outro, é um certo primeiro
princípio entre contrários. E desta maneira, assim como
pela negação e ablação se manifesta a privação, assim
também pela negação e ablação se manifestarão os
contrários. Portanto, a mesma razão é do contrário e da
privação. Daqui se seguirá que a mesma ciência compete não
apenas à coisa e à sua privação, mas que haverá uma mesma
ciência de dois contrários. [Isto é o que será exposto no
próximo ítem].
Do que foi dito se segue que, se a ciência é uma
razão da coisa conhecida na alma, haverá uma mesma ciência
para os contrários. De um deles, porém, por anterioridade e
per se, e do outro, por posterioridade e por acidente. Por
exemplo, a medicina será por anterioridade e per se
cognoscitiva e factiva da saúde, e [somente] por
posterioridade e por acidente da enfermidade.
As coisas naturais operam pelas formas a si
inerentes. Ora, não é possível que na mesma coisa existam
duas formas contrárias. De onde se segue que é impossível
para a mesma coisa natural que faça [coisas] contrárias. Já
a ciência é uma certa potência de ação e um princípio de
movimento, e este princípio de movimento está na alma. E
porque assim é, aquilo que age pela ciência opera ambos os
contrários, porque na alma a razão de ambos [estes
contrários] é a mesma, e [ela assim] terá o princípio de
tais movimentos, ainda que não semelhantemente, conforme já
foi explicado.
É portanto manifesto que as potências racionais
fazem o contrário que as potências irracionais. Porque a
potência racional [pode operar ambos os] contrários, mas
não a potência irracional, [que é potência de] apenas um. E
a causa disso é porque na ciência racional está contido um
único princípio de contrários.
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