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[Esta demonstração de Aristóteles é extremamente
difícil de se entender, e a próxima o é mais ainda. Santo
Tomás de Aquino, a seguir, desdobra-se para tentar
interpretar o que Aristóteles quis dizer].
[Ao contrário do que a demonstração parece querer
dar a entender], não parece ser contrário à natureza de um
movente finito mover em um tempo infinito porque, se uma
coisa finita é incorruptível ou impassiva em sua natureza e
não abandona sua natureza, ela estará sempre relacionada com
o movimento da mesma maneira. E, aquilo que está relacionado
da mesma maneira, sempre fará a mesma coisa. Portanto, não
existe razão porque ele não possa mover depois do que antes.
Isto é claro aos sentidos, porque nós vemos que o sol pode
mover os corpos inferiores num tempo infinito.
[A exposição da dificuldade por Santo Tomás de
Aquino também não é fácil de se entender. Por isso tentamos a
seguir esboçar primeiro o que ele pretende para depois poder
entregar-lhe a palavra].
[Pelo que se pode entender, Santo Tomás de Aquino
explica que, na realidade, não existe nada que impeça um
motor finito, mas imóvel, produzir um movimento infinito, no
sentido de que se repete continuamente infinitas vezes].
[Há duas maneiras de se entender um movimento
infinito, uma por acidente e outra per se. A maneira acima é
dita infinita por acidente. No movimento infinito por
acidente não é necessário que o motor tenha que possuir
potência infinita. Mas, no outro tipo de movimento infinito,
e per se, o motor tem que necessariamente ser infinito na
potência].
[Conforme será visto abaixo, o movimento infinito
per se exige, porém, que também o objeto móvel seja infinito,
o que é impossível, conforme demonstrado no livro III, aonde
se demonstra que não existe magnitude infinita. Portanto, na
natureza não existe movimento infinito per se. Não obstante
isso, Santo Tomás dirá que o primeiro motor do universo deve
ser infinito, porque apesar de um movimento infinito por
acidente não necessitar de um motor de potência infinita, a
causa primeira do movimento infinito, esta deverá ser de
potência infinita].
[A primeira parte da solução da dificuldade segue
deste modo. Se uma coisa finita não muda de natureza e está
relacionada para com o movimento sempre da mesma maneira, não
se compreende porque não possa produzir um movimento infinito
no tempo. Trata-se de explicar como isso pode ser, em vista
da demonstração de Aristóteles].
Deve-se [primeiramente] dizer que o tempo de um
movimento pode ser entendido de duas maneiras, principalmente
em relação ao movimento local:
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A. Em relação às partes do objeto
móvel.
B. Em relação às partes da
magnitude sobre a qual o movimento
passa.
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[No primeiro caso], uma parte do objeto móvel passa através
de algum ponto da magnitude [atravessada] antes que o objeto
móvel todo o faça. Semelhantemente, [no segundo caso] o
objeto móvel todo passa através de uma parte da magnitude
antes que ele passe através do todo. É claro e aparente que
na demonstração de Aristóteles o filósofo fala do tempo do
movimento, tempo do movimento [este entendido] em relação às
partes do objeto móvel e não em relação às partes da
magnitude. [Isto é claro porque] que uma parte do motor mova
uma parte do objeto móvel em menos tempo do que o todo move o
todo não seria verdadeiro se nós tomamos o tempo do movimento
em relação às partes da magnitude que é atravessada pelo
movimento. Uma parte sempre moverá uma parte com uma
velocidade idêntica àquela pela qual o todo move o todo.
Portanto, uma parte do objeto móvel, que é movida por uma
parte do movente, passará através de uma magnitude em um
tempo igual àquele no qual o objeto móvel todo será movido
pelo motor inteiro.
Ora, na medida em que o tempo do movimento é
considerado em relação às partes do objeto móvel, uma parte
do objeto móvel passa através de uma distância designada em
menos tempo do que o objeto móvel todo. [Portanto], de acordo
com isso, é impossível que ele seja movido em um tempo
infinito, a menos que seja um objeto móvel infinito. Mas é
impossível para um objeto móvel infinito ser movido por um
motor finito, porque a potência do motor é sempre maior do
que a potência do objeto móvel. Por causa disso segue-se ser
impossível sustentar que um motor finito mova um objeto móvel
finito com um movimento que é infinito em relação às partes
do objeto móvel. Assim, [em seguida], deve-se concluir que um
movimento infinito é dado a um objeto móvel infinito somente
por um movente infinito.
[Como segunda parte da solução da dificuldade
levantada deve-se dizer que o problema da explicação
precedente está no fato de que] Aristóteles, [no início do
livro VIII], provou que o movimento era infinito [e agora ele
parecia estar se preparando para demonstrar que o primeiro
motor desse movimento infinito do universo não podia ser de
potência finita, porque ele move o primeiro movimento, que é
circular, contínuo e eterno e então, demonstrando que o motor
de um movimento infinito desta maneira entendido não pode ser
finito, alcançaria seu objetivo].
Ora, segundo Aristóteles, o movimento do universo
não é infinito em relação às partes do objeto móvel, tal que
o movimento de um corpo infinito é chamado de infinito,
porque no próprio Livro III demonstra-se que o universo
corpóreo é finito. Portanto, toda a argumentação de
Aristóteles parece ser inválida se se quiser concluir daí que
o primeiro motor que causa um movimento infinito é infinito.
[Quanto a isto, devemos dizer que não é assim].
[De fato], aquilo que é a primeira causa de um movimento
infinito deve ser uma causa per se [desse] movimento
infinito. [Por que?] Porque uma causa per se é sempre
anterior a uma causa por acidente. Ora, a potência de uma
causa per se é dirigida a um efeito per se e não a um efeito
por acidente. Mas um movimento pode ser infinito de duas
maneiras, conforme já foi explicado. A primeira, em relação
às partes do objeto móvel e a segunda em relação às partes da
magnitude sobre a qual o movimento passa. O movimento é
infinito per se em relação às partes do objeto móvel, e é
infinito por acidente em relação às partes da magnitude.
[Isto é claro] porque a quantidade do movimento que é tomada
em relação às partes do objeto móvel pertence ao movimento em
relação ao seu próprio sujeito, e assim está presente nele
per se. Assim, aquilo que é a primeira causa da infinitude do
movimento tem uma potência per se sobre a infinidade do
movimento tal que poderia mover um objeto móvel infinito se
existisse tal objeto. Portanto, [o primeiro motor do
movimento infinito] deve ser infinito. Entretanto, para que
algo seja a causa, [mas não a primeira causa], de um
movimento que é devido à repetição de um movimento, [tal como
um movimento circular infinitamente contínuo], não é
necessário que ele tenha potência infinita. Basta
simplesmente que ele tenha uma potência finita imóvel pois,
sempre permanecendo o mesmo em potência, pode repetir o mesmo
efeito.
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