12. Resposta às quatro objeções. II.

Que naquilo que é verdadeiro a verdade existe tanto nas coisas simples como nas compostas, mas no que diz ou conhece o verdadeiro somente existe segundo a composição e a divisão, é algo que pode ser manifestado conforme se segue.

O verdadeiro, conforme diz o Filósofo no VIº Livro da Ética, é o bem do intelecto. Segue-se daí que, qualquer que seja o modo como se diga o verdadeiro, ele tal seja dito por relação à inteligência.

Ora, há dois modos pelos quais alguma coisa pode comparar-se à inteligência:

A. De um primeiro modo, como a medida comparada ao que está sendo medido.

B. De um segundo modo, como o que está sendo medido é comparado à medida.

As coisas naturais são comparáveis ao intelecto humano segundo o primeiro modo, isto é, segundo a medida comparada ao que é medido. É por isso que é dito verdadeiro o intelecto quando se conforma à coisa e é dito falso quando discorda da coisa.

As coisas naturais não são ditas verdadeiras por comparação à nossa inteligência, embora algumas coisas possam ser assim ditas não de modo essencial ou formal, mas apenas de modo efetivo, na medida em que são capazes de produzir uma estimação falsa ou verdadeira [na inteligência]. É segundo este modo efetivo, mas não essencial ou formal, que uma amostra de ouro pode ser dita ouro verdadeiro ou falso.

As coisas artificiais, ao contrário das naturais, podem ser comparadas à inteligência como o que é medido se compara à medida. Isto ocorre no caso do intelecto prático, que é causa das coisas artificiais. Neste sentido, a obra do artífice é dita ser verdadeira quando alcança a razão da arte; e é dita ser falsa quando carece da razão da arte.

[Se compararmos, porém, as coisas naturais não à inteligência humana, mas à inteligência divina, ocorrerá o contrário]. Todos os seres naturais comparam-se à inteligência divina como os seres artificias se comparam à inteligência do artista. Neste sentido qualquer ente é dito ser verdadeiro na medida em que possui sua própria forma, segundo a qual imita a arte divina. É deste modo que o ente e o verdadeiro se convertem, porque qualquer coisa natural pela sua forma se conforma à arte divina; de onde que o Filósofo, no Primeiro Livro da Física, chama à forma de algo divino.

E assim como a coisa é dita verdadeira por comparação à sua medida, [que é a inteligência divina], assim também o sentido ou o intelecto [é dito verdadeiro por comparação à sua medida, a qual] é a coisa fora da alma. O sentido é dito verdadeiro quando pela sua forma se conforma à coisa existente fora da alma, [assim como também o intelecto é dito verdadeiro quando sua forma se conforma à coisa existente fora da alma]. É assim que se entende que o sentido do sensível próprio seja verdadeiro, e é também deste modo que quando o intelecto apreende a qüididade ou essência, sem composição e divisão, é sempre verdadeiro, conforme está dito no Terceiro Livro do De Anima.

Deve-se considerar, porém, que embora o sentido do objeto próprio seja verdadeiro, todavia não o conhece ser verdadeiro. Não pode. efetivamente, conhecer a relação de sua conformidade à coisa, mas apreende apenas a coisa. A inteligência, porém, pode conhecer a relação desta conformidade e, por isso, somente a inteligência pode conhecer a verdade. De onde que o Filósofo diz, no Sexto Livro da Metafísica, que a verdade está apenas na mente, assim como a verdade no cognoscente. Conhecer a mencionada relação de conformidade nada mais é, porém, do que julgar assim ser ou não ser na coisa, o que é compor e dividir. Por isso a inteligência não conhece a verdade senão compondo ou dividindo pelo seu julgamento. De onde que é evidente que a verdade e a falsidade, na medida em que está no cognoscente e no afirmante não é acerca da composição e da divisão, e é deste modo que o Filósofo fala no presente livro.

Deve-se saber, ademais, que o Filósofo fala aqui da verdade segundo que pertence à inteligência humana, a qual julga sobre a conformidade entre as coisas e a inteligência compondo e dividindo. O julgamento destas coisas, porém, segundo a inteligência divina, é sem composição e divisão, porque assim como o nosso intelecto intelige as coisas materiais imaterialmente, assim também o intelecto divino conhece a composição e a divisão de modo simples.