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Importa considerar se é possível determinar melhor
a quantidade de possessões que a cidade deveria ter em comum
do que aquela que Sócrates determinou. Sócrates diz que
tantas devem ser as posses da cidade quanto a partir delas os
cidadãos possam viver com temperança. No entanto, seria
melhor se ele tivesse dito que tanta deveria ser a posse da
cidade quanto fosse necessária para que com ela os cidadãos
possam viver bem. Esta determinação seria mais útil, pelo
fato de que mais coisas abarca em si o viver bem do que o
viver com temperança.
Ocorre que alguém viva com temperança, vivendo
todavia na miséria, isto é, com grande penúria. E deste modo
é evidente que a determinação anterior de Sócrates não é
suficiente. Seria determinação melhor se ele tivesse dito que
tanta deveria ser a possessão [quanto o necessário para]
viver com temperança e liberalidade. Se qualquer uma destas
coisas for determinada separadamente, seguem-se daí várias
inconveniências. Se, por um lado, for dito que os cidadãos
devem viver liberalmente, seguir-se-ia que o homem viveria em
delícias supérfluas. Se, por outro lado, for dito que o homem
deve viver com temperança, seguir-se-ia que o homem poderia
viver na penúria e trabalhosamente. Por isso, para excluir
ambos os inconvenientes, importa dizer que [o homem deve
viver] com temperança e liberalmente, e esta determinação é
suficiente, porque somente estas duas virtudes fazem o homem
estar bem [disposto] acerca do uso da possessão, o que é
manifesto nas demais virtudes. Não se pode dizer, de fato,
que alguém use sua possessão com mansidão ou com fortaleza.
A mansidão, de fato, diz respeito às iras, e a
fortaleza diz respeito aos temores e às audácias. Deste modo,
em nada dizem respeito ao uso das possessões. Mas a
temperança, que é acerca das concupiscências das comidas e do
venéreo, por causa das quais muitos consomem as suas posses,
e a liberalidade, que é acerca do doar e receber,
manifestamente dizem respeito ao uso das posses, de onde que
é possível dizer que alguém usa sua possessão com temperança
e liberalidade. Portanto, como por ambas estas virtudes
parece haver inconveniência sobre o uso das posses, é
necessário ser estudioso [e aplicado] às mesmas, isto é, à
temperança e à liberalidade.
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