16. Porque o intemperante não é de se arrepender, enquanto o continente se arrepende facilmente.

[Quer-se explicar melhor o que já foi dito ao se colocar a primeira de três razões de porque a intemperança é pior do que a incontinência]. O incontinente persegue a superabundância das deleitações corporais, fora da ordem da reta razão, não porque esteja disposto de tal maneira que esteja persuadido que tais deleitações sejam para se seguir como se [fossem] boas. Já o intemperante está persuadido que tais deleitações são para se fazerem eleição, como algo bom per se, e disto [está persuadido] por causa de uma disposição que possui por hábito. Daqui é que aquele que não está persuadido que as deleitações sejam boas per se por disposição habitual, mas somente por causa da paixão, isto é, o incontinente, que possui um falso julgamento destas coisas quanto ao particular, facilmente se afasta de sua crença ao cessar a paixão. Aquele, porém, que por habitual disposição julga as deleitações corporais serem elegíveis per se, isto é, o intemperante, não facilmente se afasta de sua credulidade.

A razão disto é que a virtude e a malícia dizem respeito aos princípios dos operáveis, os quais a malícia corrompe, enquanto que a virtude salva. Ora, o princípio nas ações é o fim por causa do qual alguém age, o qual de tal maneira se encontra para o que é agível, assim como os primeiros princípios nas demonstrações matemáticas. De fato, assim como na matemática os princípios não são ensinados através de razões, assim nem nos operáveis o fim é ensinado através de razões. É o homem, que por hábito da virtude, seja natural, seja adquirida pelo costume, alcança o correto julgamento acerca dos princípios dos agíveis que é o fim. Aquele, portanto, que tem um julgamento correto do fim acerca das deleitações corporais, de tal maneira que nestas [coisas] estima como sendo o bem e o fim o termo médio, e como sendo mal a superabundância, é temperante. Já aquele que tem o julgamento contrário por causa do hábito da malícia, é intemperante. Ora, é evidente que aquele que erra acerca dos princípios não pode ser facilmente revogado do erro, porque não se dão razões ao se ensinarem os princípios. E por isto não é de se arrepender, a não ser talvez na medida em que, por longo costume contrário, seja tirado o hábito cansativo do erro.