5. Sobre os que disseram que por uma disposição interior pode o homem inclinar-se ao mal [com exclusão] da sua vontade.

Aristóteles já havia afirmado que está em poder do homem que ele seja diligente ou negligente acerca de algo. Mas alguns negaram isso, dizendo que vemos os fleugmáticos serem naturalmente preguiçosos, os coléricos serem naturalmente iracundos, os melancólicos tristes e os sanguíneos alegres. Segundo isto seguir-se-ia não estar em poder do homem que seja diligente.

[O filósofo responde a este argumento dizendo que] uma pessoa pode ser dita ser de um certo modo de duas maneiras. De uma primeira maneira, segundo uma disposição corporal ou conseqüente a uma complexão do corpo ou conseqüente a uma impressão dos corpos celestes. De uma segunda maneira, por uma disposição de parte da alma, a qual é um hábito pelo qual a vontade ou a razão se inclina à operação.

[O primeiro modo, segundo uma disposição corporal ou impressão dos corpos celestes], não pode de modo imediato mudar o intelecto ou vontade que são potências inteiramente incorpóreas que não se utilizam do órgão corporal. De tais disposições pode seguir-se alguma mutação da parte do apetite sensitivo que se utiliza do órgão corpóreo, cujos movimentos são as paixões da alma. Portanto, segundo estas disposições [corporais ou provenientes da impressão dos corpos celestes] a razão e a vontade, princípios dos atos humanos, não podem ser mais movidas do que o possam ser pelas paixões da alma, das quais Aristóteles falou no livro primeiro que são persuadíveis pela razão.

[Quanto ao segundo modo, segundo uma disposição de parte da alma que é um hábito que inclina a vontade e a razão à operação], deve-se saber que os hábitos da alma segundo os quais alguém é negligente ou injusto, são voluntários, tanto é que por causa deles as pessoas são vituperadas. Vamos mostrar primeiro que estes hábitos da alma são voluntários quanto à sua geração. Segundo, que já não são voluntários depois que a sua geração se completou.

[Que os hábitos da alma são voluntários quanto à sua geração pode ser evidenciado considerando que] os hábitos maus diferem assim como os atos maus. Alguns são hábitos maus que levam à fuga do bem agir. Outros são hábitos maus que levam a mal agir, seja em prejuízo de outros, seja em desordenação própria. Tanto dos primeiros como dos segundos os próprios homens são a causa. Dos primeiros, que levam à fuga do bem agir, os homens também são causa que eles mesmos se tornem injustos, na medida em que fazem o mal aos outros, ou incontinentes, na medida em que conduzem a sua vida em bebidas supérfluas ou outras coisas que pertencem à deleitação do tato. De fato, observamos que operações singulares conduzem a disposições para operar de modo semelhante. Se, portanto, alguém quer alguma causa da qual sabe seguir-se um tal efeito, conseqüentemente ele quererá aquele efeito. E embora talvez não queira aquele efeito per se, todavia mais quererá que aquele efeito se dê do que quererá que a causa não exista. Por exemplo, se alguém quer caminhar no verão, sabendo que suará, conseqüentemente quererá suar. Embora não queira suar per se, todavia quererá mais padecer o suor do que abster-se de caminhar. Diferente seria se o homem não soubesse que tal efeito se segue a tal causa, como por exemplo, não é voluntário se alguém caminhando na estrada for assaltado, porque isto não era pré conhecido. Ora, é evidente que os homens que fazem as coisas injustas se tornam injustos, e os homens que cometem estupro se tornam incontinentes. Portanto, é irracional que alguém queira fazer o que é injusto e não queira ser injusto, ou queira cometer estupro e não queira ser incontinente. De onde se conclui com evidência que, se não ignoramos e operamos voluntariamente aquilo do qual se segue que sejamos injustos, voluntariamente seremos injustos.

[Que os maus hábitos não mais se sujeitam à vontade depois de gerados pode ser evidenciado pelo seguinte]. Não porque voluntariamente alguém se tornou injusto, quando quer que queira deixará de ser injusto e se tornará justo. Isto pode ser mostrado por semelhança nas disposições corporais. Se alguém que anteriormente era são, cai na doença voluntariamente por viver de modo incontinente, utilizando-se imoderadamente da comida e da bebida e não obedecendo aos médicos, no princípio estava em seu poder não adoecer. Mas depois que cometeu a ação, tomada já a comida supérflua ou nociva, não está mais em seu poder que não adoeça. Assim também ocorre com os hábitos dos vícios. De onde dizemos que os homens são voluntariamente injustos e incontinentes, embora que depois de feitos tais, não mais está em seu poder que imediatamente deixem de ser injustos ou incontinentes. A isto, de fato, se requereria um grande estudo e exercício.