5. A disciplina dos governantes e dos súditos.

Na cidade, havendo os que governam e os que se submetem, queremos investigar se na cidade ótima a disciplina dos que governam e dos que se submetem deva ser a mesma. A solução desta questão depende de outra, isto é, se na cidade ótima os governantes e os súditos devem ser diversos [por toda] a vida, ou se devem ser os mesmos segundo o suposto mas diversos segundo alguma disposição, pois é evidente que a disciplina destes homens, sobre a qual queremos investigar, será conseqüência desta divisão. Se, de fato, os governantes e os súditos forem totalmente diversos, será necessário que a disciplina seja diversa; se forem os mesmos, a disciplina deverá ser proporcionalmente a mesma. A razão para isto é que aquilo pelo qual se determinam os governantes e os súditos, [isto é, aquilo pelo qual alguém se constitui em governante ou súdito], é a reta disciplina no que se ordena à operação, a diversidade ou a unidade dos determinantes fazendo a diversidade dos governantes ou dos súditos. Se, portanto, os governantes e os súditos forem inteiramente diversos, suas disciplinas terão que ser diversas; se forem os mesmos, terão que ser proporcionalmente as mesmas.

Deve-se saber que o governante está para com o súdito assim como o agente está para o paciente e o movente está para o movido. Cabe ao governante mover e dirigir o súdito, e ao súdito ser movido e dirigido segundo tal. O movente e o agente enquanto tal é mais excelente do que o paciente e o movido enquanto tal porque aquele está em ato e este está em potência e, por isso, o governante, naquilo em que ele é governante, é mais excelente. A excelência do movente em relação ao movido é tomada pela ordenação à operação principalmente quanto à forma, em segundo quanto às disposições da matéria que subjazem à própria forma e, finalmente, em terceiro, quanto às coisas exteriores que lhe são coadjuvantes [auxiliando-o em sua ordenação àquele fim].

A forma segundo a qual o governante opera na república ótima é a disciplina reta segundo a razão reta, por exemplo, a prudência e a virtude civil. As disposições da matéria são asa boas disposições que há nela mesma para com estas coisas, como a inclinação natural e a boa disposição do corpo. As disposições coadjuvantes externas são o poder e as riquezas.

Por isso convém que o governante na república ótima, se lhe é possível, exceda os súditos quanto à prudência e à virtude, que são bens da alma, quanto aos bens do corpo e quanto às coisas exteriores. De onde que diz o Filósofo no Oitavo Livro da Ética: "Não há rei que não seja per se suficiente e superexcelente em todas as coisas".

Por este motivo, se for encontrada uma pessoa na cidade ou no reino que superexceda aos demais por todas estas coisas, é justo que ele governe sozinho enquanto for tal. Se forem encontrados muitos que excedam desta maneira o restante da multidão, convém que eles governem durante toda a vida. O Filósofo acrescenta que se houver na cidade alguns homens que diferem tanto dos demais quanto cremos que os deuses, isto é, os homens divinos, e os heróis, isto é, os homens que alcançam a virtude heróica, que é a perfeitíssima virtude intelectual e moral, diferem dos demais homens comuns, de tal maneira que a excelência daqueles em relação a estes seja manifesta sem nenhuma possibilidade de dúvida, é manifesto que será melhor que sempre os mesmos durante toda a vida sejam governantes, isto é, estes homens mais excelentes, enquanto que os demais sejam súditos, os quais carecem destas virtudes. O que é mais excelente e mais perfeito, enquanto tal, governa por natureza ao que carece segundo a natureza em relação àquele.

Deve-se saber, porém, que a existência de homens que excedem toda a multidão [em tão grande proporção] conforme foi mencionado é algo muito raro por causa da suma perfeição que se requereria destes. Uma perfeição como esta é rara e difícil. Já que não é fácil agora nas cidades, diz o Filósofo, encontrar homens que excedem tanto o restante da multidão, nem se encontram reis que tanto difiram dos súditos como os heróis diferem dos homens ou como o foi Scylax entre os Indos, é manifesto ser melhor e mais necessário que estes às vezes governem e às vezes se submetam, segundo a parte, por muitas razões. De fato, aqueles que são semelhantes segundo a natureza e a virtude, possuindo o mesmo justo e igual, devem também receber igualmente do que é comum. Ora, governar é uma honra comum e por isso por isso aqueles que são semelhantes segundo este modo devem governar igualmente. Mas não poderão fazê-lo todos segundo o mesmo tempo, pelo que deverão fazê-lo uns segundo um tempo e outros segundo outro tempo.

Ademais, a república fundamentada sobre a injustiça aos súditos não é duradoura, porque os súditos, oprimidos pela injustiça, serão todos maus e insolentes na região e, querendo, facilmente poderão corromper a república. Ora, a república na qual sempre os mesmos governam a outros que são semelhantes fundamenta-se sobre a injustiça e a desigualdade, de onde que não é duradoura.

Alguém poderá dizer que o poder dos súditos e dos insolentes pode ser reprimido pela potência dos governantes. O Filósofo responde que [nestes casos] os súditos insolentes serão muitos na região, e possuirão um poder muito grande. Encontrar um tão grande número de governantes nesta república que, segundo a sua multidão, sejam mais poderosos do que todos os súditos é algo que pertence ao número das coisas impossíveis e, portanto, o poder destes súditos não poderá ser reprimido por meio destes.

[Já que determinamos que dificilmente se encontrará alguém tão excelentemente virtuoso que deva governar sobre os demais para sempre, o Filósofo passa a considerar a disciplina dos governantes e súditos no caso mais frequente em que os governantes devem dominar em parte e submeter-se em parte]. É manifesto, diz o Filósofo, para o que considera segundo a razão, que sem dúvida alguma é necessário que os governantes e os súditos tenham que ter alguma diversidade, porque o governante está para o súdito assim como o movente e o ente em ato está para o movido e o ente em potência. Ora, estas coisas, enquanto tais, possuem alguma diferença. Por isso é necessário que o legislador e o cidadão considerem como deverão ser uns e outros e como, assim estando um para o outro, deverão participar do principado e da sujeição.

A natureza, fazendo no mesmo gênero de homens a um mais jovem e a outro mais idoso, procedendo do imperfeito ao perfeito, deu a nós o modo pelo qual podemos escolher quando o mesmo mais deverá governar do que submeter-se.

É manifesto que, para o mesmo, na medida em, que é mais jovem, mais importa submeter-se. O jovem, enquanto tal, é mais imperfeito e, enquanto tal, é mais robusto para trabalhar em obras de serviço, o que pertence aos súditos. O mais idoso é mais perfeito, porque é posterior segundo a geração, segundo a virtude e segundo o intelecto. Por estas coisas, porém, determina-se o governante.

Portanto, se na cidade bem ordenada importa que os mesmos sejam governantes e súditos uns segundo um modo, outros segundo outro, porque o governante e o súdito na cidade ótima são determinados pela disciplina, por exemplo, pela prudência e pela virtude, pelos quais este retamente obedece e aquele retamente preceitua, importa que aquele que deve governar tenha sido primeiro súdito e, enquanto súdito, tenha aprendido as coisas que importa que o governante faça. De fato, não governa bem aquele que em outros tempos não foi submisso a algum príncipe, conforme está explicado no terceiro Livro desta Política.