8. Razões a favor e contra a proximidade do mar.

Muitos duvidam se convém às cidades bem governadas e regidas por boas leis serem próximas do mar e terem comunicação com ele, aduzindo várias razões a favor e contra.

[Segundo estas razões], não conviria à cidade situar-se próxima ao mar porque isto atrairia a afluência de muitos homens instituídos e instruídos em outras leis e exercitados em outros costumes, como hoje pode ser bem observado em todas as cidades e vilas situadas próximo ao mar. Ora, os que foram educados em outras leis e exercitados em outros costumes distraem os cidadãos da observância das próprias leis e daquilo em que se produziu o costume por causa da comunicação e da convivência. De fato, é pela convivência que se formam os costumes. Ora, isto será inconveniente à cidade e corruptivo da república, pelo que conviria que ela estivesse situada próxima ao mar.

Ademais, [em segundo lugar], na cidade que está situada próximo ao mar necessariamente se agregará uma multidão nociva à república, por causa da oportunidade que o mar oferece para exportar aquilo de que a cidade possui em abundância e para importar aquilo de que a mesma carece. Tudo isto exige na cidade a presença de uma multidão de negociantes e mercadores. Ora, esta multidão é contrária ao bom governo, porque as suas leis fazem com que as riquezas sejam mais preciosas do que a virtude, o que contraria à reta república. Por tudo isto, parece não ser conveniente que a cidade estivesse situada próximo do mar.

Por outro lado, porém, há evidentes utilidades que se originam da proximidade da cidade junto ao mar. É evidente que até um certo ponto é muito melhor que a região em que se situa a cidade seja próxima ao mar, por causa da maior abundância do que é necessário à vida e à maior segurança da mesma, se os mencionados inconvenientes e danos puderem ser evitados.

De fato, se a cidade não deve ser serva, importa que ela seja disposta de tal modo que facilmente e sem dano possa sustentar o ataque de seus adversários. Isto pode ser feito mais facilmente e com menor dano se a cidade puder ser ajudada contra os adversários pelo mar e pela terra; alguns, provenientes da terra, poderão socorrer aqueles que estão no mar e outros, que estão no mar, poderão socorrer aqueles que estão na terra.

É necessário, portanto, aprender a evitar os danos mencionados que parecem se seguir à cidade por causa da comunicação com o mar e é necessário, em primeiro lugar, investigar até que ponto se deve buscar o comércio na cidade.

Deve-se entender que o comércio na cidade é buscado por causa da comutação das coisas necessárias ao bem viver. Esta comutação é buscada por causa da suficiência da vida per se. Por isso a negociação da cidade deve ser buscada per se até este ponto, isto é, até produzir a suficiência da cidade per se, e não mais do que isto, assim como todas as coisas que são buscadas por causa de um fim devem ser buscadas segundo o que compete a este fim.

O Filósofo afirma, portanto, que a cidade que não é suficiente para si mesma em tudo aquilo de que necessita para viver bem convém que negocie, na medida em que por isto se promove a suficiência per se da cidade. Não deve fazê-lo, porém, principalmente para promover a suficiência per se das outras cidades e regiões. De fato, aqueles que se mostram negociantes de tudo para todos como que transformando sua própria cidade no mercado de todos fazem isto movido pela aquisição das riquezas, considerando as riquezas como o que há de mais precioso e muito precioso. Ora, isto é nocivo à república reta. A cidade, portanto, [retamente ordenada], que não pretende participar da aquisição de riquezas supérfluas, não deve receber nenhuma multidão superexcedente de negociantes, mas apenas aquela que for necessária para promover a suficiência da vida per se.

Os danos anteriormente descritos, ademais, podem ser evitados se for possível ordenar a cidade em relação à comunicação com o mar conforme vemos ser feito em muitas regiões e cidades bem ordenadas e próximas ao mar. Bestas regiões o município da cidade fica a uma certa distância do mar, de tal modo que os seus subúrbios e o porto nos quais são recebidos os negociadores sejam convenientemente dispostos entre a cidade e o mar, de tal modo que a cidade não seja ocupada pelo mar, nem tampouco esteja muito distante dele, havendo muros e outras defesas, como torres e equipamentos militares, entre a cidade e o subúrbio. É assim que deve ser construída a cidade, se for possível a escolha.

É manifesto, de fato, que se a cidade for assim construída e o mar tiver a proximidade da cidade, se algum bem puder acontecer por causa da comunicação com o mar, ele estará presente na cidade assim disposta. Se algum dano for possível de acontecer, este deverá ser evitado por leis diversas determinando quem possa e não possa ser recebido no município e a quem, com quem e como convém unir-se pelo comércio.

Deste modo fica claro que não convém que uma cidade seja construída inteiramente próxima ao mar, tanto por causa dos danos aos quais Aristóteles se refere, como porque estaria mais sujeita [à degeneração], e por causa de muitas outras coisas. Todavia, não convém também que ela esteja muito afastada, pois uma cidade tem muitas utilidades a receber do mar, conforme o afirma o próprio Filósofo. Conclui-se, portanto, que convém à cidade estar situada de um modo intermediário em relação ao mar, de tal maneira que possa receber as utilidades que procedem do mar e possa facilmente evitar as incomodidades que daí também resultam.