|
A primeira razão demonstrativa diz que para os
semelhantes segundo a disposição natural e segundo a virtude
o mesmo é o justo e o mesmo é a virtude. Dizemos, de fato,
que o justo é o igual. Portanto, para os que é a mesma a
virtude e a disposição natural, o mesmo é o justo e a
dignidade, porque a dignidade é tomada segundo a virtude e,
para aqueles que não é a mesma a virtude, nem a dignidade nem
o justo são o mesmo. Se, portanto, colocamos que alguns são
semelhantes na virtude a dignidade e o justo serão o mesmo,
pelo que não convém a um só dominar segundo a vontade sobre
eles, porque neste caso já não haveria neles a mesma
dignidade.
Disto se segue que é melhor ser governado pela lei
ótima do que pelo homem ótimo. É justo que os iguais segundo
a virtude e a disposição natural tenham o igual, por causa do
que é manifesto que se há muitos iguais ou semelhantes
segundo a virtude e a disposição natural um não é mais
inclinado por natureza a governar ou a submeter-se do que
outro, e por isso um não deve mais governar do que outro. E
porque é necessário que alguém governe, será justo que todos
governem em turnos e segundo uma certa ordem e do mesmo modo.
Ora, governar segundo uma certa ordem e em turnos é uma lei.
De fato, a lei é uma certa ordem. Pelo que é manifesto que é
melhor e mais desejável ser governado pela lei do que por um
só cidadão qualquer.
Pode-se deduzir também do já exposto que é melhor
ser governado pela lei do que por vários homens, desde que
poucos. O Filósofo diz que, segundo a mesma razão, se é
melhor que muitos governem do que um só, para estes é melhor
governarem segundo a lei do que segundo a vontade própria e
que sejam instituídos para observar a lei e ser ministros da
lei, assim como foi dito antes que aos iguais segundo a
virtude deve-se honra e dignidade igual. Portanto, se a
cidade é composta por iguais segundo a virtude, igual honra é
devida a [seus cidadãos], de onde que não convém que alguns
deles sempre governem, mas será necessário haver diversos
principados, de tal maneira que alguns governam agora, outros
segundo uma certa ordem. Convém, portanto, que estes governem
segundo uma certa ordem. Ora, isto é uma lei, de onde que é
manifesto que convém que muitos governem segundo a lei do que
segundo a própria vontade, se é verdade que é melhor que
muitos governem em vez de um só.
Há ainda uma outra razão pela qual pode-se mostrar
que é melhor ser governado pela lei, ou por um homem segundo
a lei, do que por um homem bom segundo a sua vontade. Antes,
porém, devemos considerar o que deve ser confiado ao
príncipe.
Há algumas coisas que não podem ser determinadas
pela lei, nem o homem segundo si pode tornar claro e
manifesto senão por meio de muita prudência e uma longa
experiência. A lei, de fato, nada ordena do que é particular
segundo si, mas apenas do que é universal. Ela é, de fato,
uma enunciação universal, e por isso já se disse que ela
falha em alguns casos particulares. Estes devem ser confiados
ao príncipe, os quais convém que ele disponha e julgue
segundo a reta sentença.
Ademais, se for encontrado algo segundo a razão
melhor do que a lei colocada determina, deve-se confiar
[também isto] ao príncipe para que ele a ordene no lugar da
lei. Deste modo, duas coisas deve, ser confiadas ao príncipe:
a primeira é julgar e dispor retamente sobre as coisas
particulares pela lei, onde isto for possível de ser feito
pela lei. A segunda é que, onde a lei escrita falhar em algum
caso particular, que o príncipe a oriente, e isto pela
virtude que lhe é própria. Ou, se a lei colocada não é bem
ordenada segundo a razão, seja ela confiada ao príncipe, para
que, sendo-lhe entregue, possa ele encontrar algo melhor ou
por si, ou pelo consenso da multidão, e o ordene pela lei.
[Expostas as considerações acima], o argumento que
mostra que é melhor ser governado pela lei do que por um
homem ótimo [que governe] segundo a própria vontade [é o
seguinte]. Deve-se saber que cada coisa é maximamente dita
aquela segundo o que é principal nela, conforme está escrito
no Décimo Livro da Ética. Ora, o principal no homem é a
inteligência. E por isso o homem é maximamente dito
inteligência ou segundo a inteligência. Daí dizer-se que o
homem maximamente opera quando opera segundo a inteligência.
Ocorre, porém, que o homem opera segundo a inteligência de
tal modo que não é em nada impedida pelo sensorial, nem usa
do sensorial senão na medida em que lhe é necessário. Neste
caso diz-se que o homem opera de modo simples, porque opera
segundo aquilo que há nela do modo mais simples. Mas porque o
homem necessita do sentido, ocorre às vezes que à operação do
intelecto se acrescenta o apetite sensitivo, e então o homem
é dito composto. Mas quando o homem opera segundo a
inteligência e não é impedido pelo sensorial, então opera
maximamente segundo a inteligência e a razão e segundo algo
divino nele existente, seja porque o intelecto é algo divino
que há nele, seja porque opera acima do comum modo dos
homens.
O Filósofo diz, portanto, que aquele que preceitua
de tal modo que a inteligência governa ou de tal modo que o
homem governa segundo a inteligência não se unindo em nada ao
apetite sensitivo que o retraia em qualquer coisa, preceitua
como Deus. É isto o que ocorre com o homem quando governa
segundo algo divino nele existente ou quando a lei governa.
Aquele que, porém, quer que o homem governe concomitantemente
com o apetite sensorial, acrescenta-lhe um animal, isto é,
acrescenta-lhe algo pelo qual o homem se assemelha aos
animais, que é o apetite sensorial. Mas é melhor governar por
algo divino do que por algo que nos une às feras. Pois, se o
homem governa segundo a inteligência com o apetite sensorial,
como no apetite há paixões que o pervertem, e por
conseqüência pervertem ao julgamento da razão, ocorrerá até
que o que governa, tomado pelas paixões da concupiscência e
do furor, mande matar homens bons e virtuosos. Ora, isto é
inconveniente, pelo que é melhor que o homem governe
absolutamente pelo intelecto, do que pelo intelecto unido ao
apetite sensorial.
A lei, portanto, sendo sem paixão e sendo segundo
a razão, é ela própria intelecto sem apetite sensorial, pelo
que é melhor ser governado pela lei do que pelo homem.
|
|