11. Motivo pelo qual as crianças devem ser educadas na música.

Depois que o Filósofo mostrou quais são as disciplinas nas quais as crianças costumam ser educadas na cidade e por causa de que devem ser educadas nas mesmas, volta a declarar com mais pormenor por causa de que as crianças devem ser educadas na música, quando e em quais de suas partes.

O Filósofo declara que devemos determinar de um modo mais certo sobre a música, pois não é fácil conhecer sobre a mesma qual a sua virtude e potência e qual a ciência nela contida, nem também se se deve participar da música por causa da brincadeira e do repouso, como alguns querem.

Há, de fato, os que sustentam que a música existe por causa da atividade lúdica e do repouso, assim como também os homens sustentam que o sono e a ebriedade também são para estes fins. O sono e a ebriedade, segundo se, não são coisas boas nem sequer são coisas estudiosas, embora sejam deleitáveis aos homens. O sono existe para fazer cessar o trabalho e para o repouso. A ebriedade, por ser deleitável devido à multiplicação dos espíritos e por fazer cessar a solicitude quanto às coisas que devem ser feitas, [possui o mesmo efeito]. Quem, de fato, não possui mais solicitude quanto às coisas agíveis, também não considera mais sobre as mesmas. Tanto o sono como a ebriedade removem as considerações e o uso da razão e, por causa desta deleitação e da remoção das solicitudes, alguns ordenam a estes fins tanto o sono quanto o vinho, a ebriedade e a música, aos quais há outros ainda que acrescentam [a dança].

Não é fácil discorrer sobre a música e mostrar se ela não deverá ser buscada mais por sua relação para com a virtude, do que como um costume poderoso que nos torna capazes de julgar retamente e deleitar-mo-nos segundo a razão, dispondo à virtude e conferindo algo à prudência.

Deve-se entender que o som da harmonia da música é primeiro apreendido pelo ouvido e a música, ao movê-lo proporcionalmente, induz a deleitação, deleitação à qual podem participar todos. Mas, feito isto, na intenção do som harmônico, a inteligência considera a razão e a causa da proporção como algo inteligível segundo si mesmo e em que há alguma perfeição do intelecto que o Filósofo nesta passagem parece chamar de razão para ocupar-se. Esta é uma causa pela qual o Filósofo diz que a música deve ser imediatamente buscada, isto é, por causa do conhecimento da verdade que há nela.

A este conhecimento da verdade das proporções musicais segue-se uma deleitação intelectual, como a toda operação do intelecto. O julgamento, porém, das proporções harmônicas, e a deleitação que se lhes segue, pertencem às coisas que são segundo a reta razão e, semelhantemente, pertence também às coisas que são segundo a virtude. Por causa disto o exercício de julgar sobre as mesmas é um certo exercício para as coisas que são segundo a virtude, conforme o Filósofo o declarará em seguida. É neste sentido que a música é dita ter potência para os costumes, que é o terceiro motivo por causa do qual o Filósofo diz que convém que [as crianças] sejam exercitadas na música.

É racional, diz o Filósofo, aprender a música e dela participar por causa dos seguintes três motivos: como uma atividade lúdica, para a [perfeição do intelecto no conhecimento da verdade, a que Aristóteles denomina de razão de ocupar-se], e para a disciplina e os costumes.

Muitos, porém, buscam a música apenas para repousarem nos prazeres musicais e colocam nisto o seu fim. Poucos homens, de fato, alcançam o fim último da vida humana e mesmo assim raramente, seja por causa dos impedimentos por parte da natureza, pelos costumes ou por outros impedimentos exteriores. Ademais, costumam eles também fugir por natureza da tristeza [ou dificuldade] que há nas ações trabalhosas necessárias para alcançar o fim último. Para isto se utilizam da música e de outras atividades, não para outras coisas, senão apenas por causa da deleitação. Por não poderem alcançar a felicidade que há no fim [último] do homem, passam a buscar a própria deleitação por si mesmo e o repouso que há nas atividades lúdicas e na música, pois a estas podem alcançar. A razão é que o fim último da vida humana possui uma certa deleitação, não qualquer, mas a máxima; semelhantemente a música e a atividade lúdica também possuem uma certa deleitação e, por este motivo os homens, buscando na realidade a primeira que está no fim último e não podendo alcançá-la, aceitam aquela que há na atividade lúdica e na música em lugar de outra que é mais nobre, por uma certa semelhança entre estas e o fim último. O fim último, de fato, não é por causa de outro futuro; chamamo-lo, de fato, de fim último porque ele próprio não é feito por causa de nenhum outro. As deleitações que há na atividade lúdica e na música, [tal qual o fim último do homem], não são buscadas por causa de outro bem futuro, mas são buscadas por causa do trabalho e da tristeza de trabalhos já feitos, para que sejam abrandados ou removidos.