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Um outro argumento utilizado pelos Platonistas
para mostrar que a deleitação não pertence ao gênero dos bens
é o seguinte. Tudo o que é bem per se é algo perfeito. Porém,
todos os movimentos e gerações são imperfeitos, já que o
movimento é ato do imperfeito, conforme explicado no terceiro
livro da Física. De onde que nenhuma geração ou movimento
pode estar no gênero dos bens. Os platonistas, entretanto,
esforçavam-se por afirmar que a deleitação é movimento ou
geração, de onde que concluíam que a deleitação não é bem per
se.
[O Filósofo responde dizendo que a deleitação não
pode ser movimento. De fato, deve-se dizer] que não parece
estar bem colocado que a deleitação é movimento. Todo
movimento é veloz ou lento. É veloz aquele que em pouco tempo
é muito movido, e lento aquele que em muito tempo é pouco
movido. Porém, à deleitação não compete nem a velocidade nem
a lentidão. O que [pode] acontecer é que alguém chega
velozmente à deleitação, assim como alguém pode ser provocado
à ira velozmente, mas que alguém se deleite velozmente ou
lentamente, [isto não]. Assim, portanto, fica patente que
acontecerá que alguém alcance a deleitação velozmente ou
lentamente, e isto porque por algum movimento pode-se chegar
à deleitação, mas não acontece que alguém opere velozmente
segundo a deleitação, de tal modo que alguém se deleite
velozmente, porque a própria deleitação está mais no feito do
que no fazer-se.
[Uma comparação com o sentido da vista esclarece o
explicado]. A operação do sentido da vista, que é dito visão,
é perfeita, segundo qualquer tempo. De fato, não necessita de
algo que advenha posteriormente que aperfeiçoe a sua espécie,
e isto porque a vista se completa no primeiro instante de
tempo. Se, porém, necessitasse de tempo para seu complemento,
não seria para isto suficiente qualquer tempo, mas sim um
tempo determinado, assim como acontece nas demais coisas que
são feitas no tempo, cuja geração necessita de uma medida
certa de tempo. A visão, porém, se completa de modo imediato
em um momento. A mesma coisa acontece com a deleitação. De
fato, a deleitação é um certo todo, isto é, algo completo no
primeiro instante em que começa a ser, de tal amneira que não
se pode tomar algum tempo em que se faça a deleitação, que
requeira [depois] um tempo mais amplo para aperfeiçoar a
espécie de deleitação, assim como acontece nas coisas cuja
geração está no tempo, como se pode tomar algum tempo na
geração do homem, que requer [depois] um tempo mais amplo
para o aperfeiçoamento da espécie humana.
[Retornando ao que estava-se dizendo], o deleitar-
se acontece não no tempo. O deleitar-se é algum todo, porque
acontece também deleitar-se no agora, tendo de modo imediato
o seu complemento, de onde se conclui que a deleitação não é
movimento. De fato, a espécie da deleitação é perfeita em
qualquer tempo, não porém o movimento, porque a deleitação o
é no instante, enquanto que todo o movimento, porém, no
tempo.
[Podemos concluir, portanto, que] é evidente, por
tudo o que foi dito, que não diziam bem os que colocaram a
deleitação ser movimento ou geração. A natureza de movimento
ou geração não pode a qualquer coisa ser atribuída, mas
somente ao que é divisível, que não são um todo, isto é, que
não de modo imediato tenham seu complemento. Assim, não pode
ser dito que a visão seja geração, de tal maneira que a visão
sucessivamente se complete. O mesmo também não pode ser dito
do ponto e da unidade. De fato, estas coisas não são geradas,
mas se seguem a certas gerações. De modo semelhante, não se
pode a elas atribuir o movimento. De onde que nem à
deleitação, que é um certo todo, isto é, possuindo perfeição
[num] invisível.
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