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Somente nas políticas que não são retamente
ordenadas, mas que são transgressões [de outras políticas
retas], convém que alguém que exceda os demais seja banido da
cidade, e este será justo não de modo simples, mas segundo
algo, como ocorre nas [democracias ou] estados populares.
Nesta política, de fato, pretende-se a igualdade dos cidadãos
e, portanto, semelhantes excessos serão contra o fim daquela
política.
Do mesmo modo, na [oligarquia ou] estado dos
poucos não convém que exista um tal cidadão, porque pelo seu
poder converteria aquela política à sua vontade. Nem na
tirania [ou ditadura] conviria existir tal homem, porque ele
próprio quereria converter-se no tirano. Destes exemplos é
manifesto que nas políticas pervertidas é justo este
banimento, mas não de modo simples, e sim apenas segundo um
certo aspecto, porque nestas políticas não existe o justo de
modo simples, mas apenas o justo segundo algum aspecto,
conforme foi dito anteriormente.
Mas na política ótima há uma grande dúvida sobre
como se deve proceder em relação ao banimento.
Não há dúvida, a este respeito, sobre aquele que
excede todos os demais na fortaleza corporal, nas riquezas ou
na multidão de amigos. Mas, quanto ao que excede todos os
demais na virtude ou nos bens que são segundo a alma não é
claro o que deve ser feito. Não se pode dizer que tal homem
deve ser expulso da cidade e exilado em algum lugar. Isto
seria contra a razão, pois ele é excelente e ótimo, pelo que
não deve ser expulso de modo algum. Mas ele também não poderá
ser conduzido ao principado assim como se faz com os demais,
de tal maneira que em certos tempos governe e em outros
tempos não governe. Seria algo semelhante ao que se daria se
o deus Júpiter viesse habitar entre os homens; seria ridículo
pretender que ele governasse segundo o seu turno e nos demais
não. Como um tal ser é ótimo, restaria apenas que todos com
alegria o obedecessem e considerassem digno e justo que ele
fosse rei ou, se fossem vários, que fossem reis e governassem
não às vezes e em turnos, mas sempre.
Deve-se considerar que nestas palavras o Filósofo
parece contradizer-se a si mesmo. De fato, ele havia dito
antes que seria melhor que a multidão governasse do que
poucos, [ainda que virtuosos]. Disse também que se um só
governasse, os demais seriam desonrados, o que seria
inconveniente. Agora, porém, afirma que aquele que excede
deste modo todos os demais não é cidadão; ora, quem não é
cidadão não deve governar, de onde que pareceria dever
concluir-se que este não deveria governar, que é o contrário
do que afirma agora.
Deve-se responder a tudo isto que, se for
encontrado alguém que exceda todos os demais em virtude, este
deve governar. A razão disto é que importa que mais governe
aquele que se aproxima do governo natural e ao governo do
Universo. Mas este que deste modo excede todos os demais na
virtude é alguém assim. Portanto, convém que somente ele
governe.
A proposição maior é evidente nos animais. A parte
que governa é o coração. O coração é único e é principal, do
qual procede a virtude para cada uma das partes do corpo. Do
mesmo modo no Universo há um só princípio; o governo do
Universo é um só e é ótimo, motivo pelo qual aquele na cidade
que é mais uno e melhor mais se aproxima da semelhança do
principado do Universo e da natureza. Será melhor, portanto,
o governo no qual haja um só príncipe e mais convirá que
governe aquele que, sendo um só, for ótimo. Ora, este é
aquele que excede todos os demais em virtude, de onde que é
manifesto que convém que este governe mais do que outro.
[Daqui também se manifesta que a política ótima é um reflexo
da construção do Cosmos].
Nada obsta, todavia, que o Filósofo tenha afirmado
anteriormente que mais convém que a multidão domine. Isto
deve ser entendido onde a política dos iguais e semelhantes,
e onde a virtude de um não exceda a virtude de todos os
outros, o que não ocorre neste propósito.
Nada obsta, também, se ao governar um só ou muitos
todos os demais serão desonrados, pois na política retamente
ordenada cada um ama o seu estado, o seu próprio grau e o
grau do outro, e por isso deseja a sua honra segundo o seu
grau e deseja a honra do outro segundo o grau deste outro,
nem deseja para si a honra do outro. E por isso, se houver
alguém que exceda a todos os demais na virtude, todos
quererão para si a honra do que é devido a cada um e,
portanto, não serão desonrados, porque cada um terá a honra
que lhe é devida.
Nada obsta, finalmente, que este homem não seja
cidadão. É verdade que aquele que governa por causa da
excelência da virtude não é cidadão, mas alguém acima da
cidadania, assim como também é verdade que alguém é cidadão
na medida em que é ordenado pela lei. Mas quando se sustenta
que não deve governar ninguém que não seja cidadão, isto não
é verdade na política real e ótima de modo simples, como é
aquela na qual governa alguém como é aqui descrito.
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