5. Levanta-se uma questão sobre a natureza da virtude do servo, do filho e da esposa.

É manifesto que o servo deve possuir alguma virtude orgânica e servil, pela qual saiba e possa executar o que lhe é preceituado pelo senhor e servir, assim como acima dissemos que existem algumas ciências servis.

[A questão que se coloca é sobre a natureza desta virtude, isto é], se esta virtude nada mais é do que a que pertence de modo próprio ao serviço corporal ou se esta virtude é algo mais nobre, como o são as virtudes morais tais como a temperança, a fortaleza, a justiça e outras semelhantes.

Há razões para duvidar de ambas as partes. De fato, se competir aos servos a posse destas virtudes mais nobres, assim como também compete aos livres, os servos deixarão de diferir dos livres. Mais ainda, os mais excelentes homens seriam precisamente aqueles que possuíssem até à excelência simultaneamente as virtudes dos homens livres e dos servos. [Ora, homens como estes já não mais deveriam ser servos].

[Por outro lado, se se admite que tais virtudes não competem aos servos], seguir-se-ia a inconveniência de termos que admitir que, sendo os servos também homens que comungam com os demais homens da razão, não possam ter as virtudes pelas quais os homens vivem segundo a razão.

A mesma questão pode ser estendida aos demais principados. As mesmas dúvidas que foram levantadas sobre os servos podem também ser levantadas em relação ao filho e à esposa, isto é, se convém ou não convém à esposa ser temperante, forte e justa, e semelhantemente ao filho.

Por outro lado, se convém tanto ao que governa como ao que se submete participar da bondade da virtude, não haverá razão pela qual um deles deve ser sempre submisso e o outro deva sempre governar, por toda a vida. O mesmo não poderia ser dito se, ao contrário, ambos se submetessem e se governassem um ao outro sucessivamente, como ocorre no principado político. Não poderia alegar-se que talvez a virtude do governante e do súdito diferissem segundo o mais e o menos, porque o mais e o menos não mudam a espécie, enquanto que governar e submeter-se diferem segundo a espécie. De onde que não parece ser suficiente para a diferença entre o governante e o súdito que um tenha [apenas] uma virtude maior do que o outro.

Por outro lado, se se afirma que importa que um possua a virtude e o outro não, segue-se igualmente outro inconveniente que consiste em que, se o governante não for sóbrio e justo, não poderá ser bom governante, mas também, se o que se submete não possuir igualmente estas mesmas virtudes, não poderá ser bem governado, já que, pela intemperança ou pelo temor omitirá fazer o que importa e não poderá ser bom súdito.