|
Em alguns [casos] o termo médio da virtude é mais
contrariado pelo vício que está em defeito, enquanto que em
outros [casos] o termo médio da virtude é mais contrariado
pelo vício que está em superabundância. Por exemplo, a
fortaleza não é maximamente contrariada pela audácia, que
pertence à superabundância, mas pela timidez, que pertence ao
defeito. Inversamente, a temperança não é maximamente
contrariada pela insensibilidade, que pertence ao defeito,
mas pela intemperança, que pertence à superabundância.
[Uma primeira razão para tanto consiste em que]
isto acontece porque um dos extremos é mais próximo e
semelhante ao termo médio da virtude do que o outro, [isto
por sua vez se devendo] à própria natureza das paixões. A
paixão pode corromper o bem da razão de duas maneiras. De uma
primeira maneira, pela sua veemência, compelindo a fazer mais
do que a razão dita, como no caso das concupiscências das
deleitações, e demais paixões que pertencem ao seguimento do
apetite. De onde que a virtude, que diz respeito a tais
paixões, pretende maximamente reprimi-las, e por causa disso
o vício [que está no extremo correspondente ao] defeito mais
se assemelhará a esta virtude, enquanto que o que está [no
extremo correspondente à] superabundância será mais
contrariado pela [mesma] virtude. É o caso da temperança. De
uma segunda maneira, as paixões podem corromper o bem da
razão [fugindo para] aquilo que é menos do que é segundo a
razão. É o [caso] do temor e das outras paixões pertencentes
à fuga. De onde que na virtude que é a respeito de tais
paixões, o vício que está [no extremo correspondente ao
defeito] é o que mais a contraria.
[Uma segunda razão para o mesmo consiste em que]
como pertence à virtude repelir os vícios, a intenção da
virtude é a de repelir mais poderosamente aquele dentre os
vícios ao qual temos maior inclinação. Por isso, aquele vício
para o qual de alguma maneira somos mais inclinados, este é o
mais contrário à virtude. Por exemplo, nós somos mais
inclinados a seguir os prazeres do que a fugir deles, de onde
que mais facilmente somos movidos à intemperança, que implica
num excesso de prazer. Assim, a intemperança, à qual pertence
a superabundância do prazer, é mais contrária à temperança do
que à sensibilidade.
|
|