5. Os principados das repúblicas de poucos menos retos.

Depois que o Filósofo declarou a partir de que e como são instituídas as repúblicas [de poucos] menos retas, passa agora a determinar sobre os seus principados, completando aquilo que no Quarto Livro da Política havia omitido. Declara a sua intenção dizendo que depois que das coisas que foram ditas, convém determinar quantos são os principados necessários em tais repúblicas, suas espécies e sobre quem dominam, conforme foi explicado no final do Livro Quarto.

Em segundo lugar, convém haver um principado sobre o foro das coisas que são necessárias à cidade, que examine se tal contrato é feito de modo justo e legítimo, e também que os edifícios usados para o foro nos quais se fazem tais contratos sejam bem ordenados para tal. A razão disto é que em todas as cidades é necessário receber algo como compra e dar algo pela venda, tanto para toda a cidade e em relação a outros, como quanto aos cidadãos entre si. Isto é convenientíssimo para a própria suficiência da cidade. Como uma só casa não é suficiente para si mesma, esta se une a outra formando uma aldeia, e como uma aldeia e mesmo poucas aldeias não são completamente suficientes para si mesmas, muitas aldeias se unem em uma só cidade que seja suficiente per se. Ora, a cidade não pode ser suficiente per se senão pelas comutações mútuas, que se fazem pela compra e venda, ou entre si, ou para outros, legitimamente realizadas. Isto, porém, não poderia acontecer se não houvesse alguém que dirigisse [estas comutações], reduzindo o desigual à igualdade pela sabedoria e pelo poder público. Ora, isto é um principado, de onde que é necessário para a cidade um principado acerca dos contratos.

Deve haver um outro principado que é conseqüente e próximo a este, que tenha o cuidado com os edifícios comuns e particulares, as estradas, os aquedutos e outras coisas semelhantes, para que sejam construídos como convém e bem dispostos segundo a conveniência da cidade. Este principado deve determinar também como os edifícios em ruínas devem ser reparados e como devem ser estabelecidos os limites dos edifícios para que não surjam querelas sobre estas questões, e de outros tantos assuntos semelhantes. Alguns chamam a este principado de edilidade.

Há outro principado necessário, semelhante ao anterior. Cabe a este os mesmos cuidados que o anterior, mas em relação [às construções] que há no campo, fora da cidade. Por exemplo, fortes e acampamentos militares, edifícios e aquedutos, limites entre propriedades agrícolas e tudo o mais que pode haver fora da cidade. Alguns chamam a este principado de delimitador, outros de guardiões do campo.

Outro principado é o que deve cuidar dos rendimentos comuns, ao qual pertencem três coisas: receber estes rendimentos de diversos, guardar o que é recebido e distribuir o que for necessário em qualquer dispensação segundo a ordenação da cidade ou dos superiores. Alguns chamam este principado de receptor, outros o chamam de questor.

Deve haver um outro principado ao qual são referidos todos os rescritos de contratos e julgamentos, para que tenham autoridade, a saber, pelo selo que neles é colocado. Junto a estes principados deve permanecer um registro com o rescrito dos contratos e das sentenças, assim como também de todos os que são introduzidos na cidade. Nas cidades maiores este principado é dividido em vários, mas sempre um deverá ser o principal de todos, assim como vemos nas cortes dos magnatas haver algum chanceler que é o principal e muitos outros a ele subordinados, como os notários, escreventes e outros semelhantes. Este principado é chamado por alguns de prefeitura ou memorial, porque junto a eles deve permanecer a memória das coisas grandes que se fizeram na cidade. Outros, porém, os denominam com outros termos semelhantes.

Depois destes há um outro principado que é maximamente necessário e que é o mais difícil entre todos, a saber, o que cuida da execução dos condenados à morte, dos banimentos [segundo as acusações julgadas] e da custódia dos corpos daqueles antes que sejam condenados ou proscritos. Este principado é muito pesado por causa das animosidades de muitos. Os amigos dos que vão ser condenados ou proscritos nutrem por este principado, em sua maior parte, um [grande] ódio, na medida em que aquele ou aqueles que amam alguém são também inimigos dos seus inimigos. A inimizade contra este principado é tamanha que, nos lugares onde não for possível lucrar muito com ele, poucos ou mesmo ninguém sustentaria presidir este principado e, se houver quem queira presidí-lo, não quererão proceder nele segundo o rigor que seria devido, temendo as inimizades e as ofensas. O temor e o amor freqüentemente costumam perverter o julgamento do governante. Este principado é necessário porque de nada serviria sentenciar corretamente sobre as ações segundo a justiça, se as sentenças retas não pudessem ser conduzidas até o fim pela sua execução. Porque este principado é necessário e pesado, convém que ele não seja apenas um só, mas que seja dividido em vários, de tal maneira que partes diversas caibam a juízes diversos, de tal modo que haja um juiz que ouça a acusação, outro que investigue, outro que sentencie, e semelhantemente com aqueles a quem cabe escrever estas coisas, sendo conveniente dividí-los, de tal modo que seja um que escreve a acusação, outro que escreva a investigação e outro ainda a sentença. Se este cuidado for observado tanto as sentenças quanto as execuções conseguirão mais chegar ao seu fim, porque deste modo será menor a inimizade para com tais principados. Quando estes são divididos, de tal maneira que cabe a um a condenação e a outro a execução e coisas diversas são atribuídas a diversos, a inimizade também ficará dividida, tronando-se menor para cada um e, deste modo, as sentenças e as execuções chegarão melhor ao seu fim, o que é muito conveniente. Por causa da dificuldade que há neste principado, os homens bons fogem do mesmo, enquanto que não é seguro colocar nele os maus; os maus, de fato, precisam mais das regras e da custódia dos outros do que podem reger ou custodiar os outros, e o que deve regrar a outro importa que seja regrado primeiro. O remédio para o problema dos bons fugirem deste principado é que não haja um único principante neste negócio, nem também que o mesmo seja principante de modo contínuo, mas ora um, ora outro.

Depois destes principados é necessário colocar ainda outros não menos necessários se deve ser salva a convivência civil, ordenados porém num grau mais excelente de dignidade, já que necessitam para a execução deste principado de muita prudência, a qual é tida somente pela experiência de longo tempo, e de muita fé, isto é, muita fidelidade. Estes são os guardiões da cidade, e se ordenam às oportunidades bélicas contra os inimigos da cidade. É necessário, de fato, se a cidade deve ser salva, que haja curadores da mesma, tanto para o tempo de paz, como para o tempo da guerra. Estes serão aqueles aos quais pertence guardar as portes e os muros; semelhantemente, deve haver aqueles que devem cuidar de investigar as insídias e da pacífica ordenação dos cidadãos entre si. Estes, para que possam operar retamente, necessitam de muita prudência e fidelidade, porque a indiscrição e a infidelidade dos mesmos facilmente induziria a corrupção na cidade.

Há também os principados aos quais compete corrigir os outros principados. Já que alguns principantes na cidade devem lidar com o bem comum, coletando e dispensando, e é difícil tratar estes bens sem alguma inquisição ou apropriação, pelo fato de que todos tem o apetite destes bens, se não se tratarem de homens estudiosos e fidelíssimos, será necessário haver algum principado acima destes, cuja finalidade seja a de receber a razão sobre o que foi recebido e o que foi gasto, e corrigir, onde forem encontrados, os delinqüentes. Se não for assim, haverá desvios do bem comum da cidade e muita injustiça. Convém, porém, que este principado não tenha cuidados sobre mais nenhuma outra coisa, para que mais diligentemente possa cuidar [de seu próprio objeto]. Alguns chamam a este principado de corretores, pelo fato de que a eles cabe corrigir os delinqüentes; outros os chamam de racionais, porque devem ouvir as razões; outros ainda de investigadores, porque devem investigar com diligência; outros, finalmente, de procuradores.

Além de todos estes principados, existe ainda um outro principado necessário, o principado máximo, aquele que possui domínio sobre todos os demais e ao qual todos os demais se ordenam e do qual, recebendo os demais a sua razão de operar, são [por este] dirigidos nas coisas que caem sob os seus cuidados e ao qual, como a um fim, são reduzidas todas as operações da cidade. Importa que aquele que [ordena todos os principados deste modo] tenha na república a suma autoridade. Em alguns lugares este principado é chamado de preconsulado, pelo fato de que delibera antes; em outros é chamado apenas de Consulado.

Há outra espécie de principado necessário na cidade a quem cabe o cuidado com aquilo que diz respeito ao divino, ao qual pertencem os sacerdotes que lidam com as coisas sagradas, assim como aqueles que cuidam dos edifícios das casas sagradas, como devem ser conservadas e quando outras devem ser construídas, e quaisquer demais coisas que se ordenam ao culto divino.

Nas cidades que mais se dedicam às guerras exteriores [ou a outras atividades especiais] deverá haver outros principados próprios, sobre os quais nada foi mencionado, [nem sobre estes principados], nem sobre as repúblicas de tais cidades. O Filósofo tratou apenas dos principados pertencentes ao estado dos poucos e aos estados populares, dos quais tinha intenção de determinar, embora alguns destes [principados] também pertençam a estas [outras] cidades.

Há, finalmente, outros principados que não são tão necessários, como os que cuidam do ornamento da cidade e dos cidadãos, da disciplina das mulheres e da custódia das leis, de tal maneira que nenhuma seja transgredida, da lei das crianças, isto é, a disciplina e os cuidados para com as mesmas, do governo dos ginásios, dos jogos atléticos, das músicas e outros espetáculos semelhantes.