5. Se pode haver alguém naturalmente servo.

Depois do que foi argumentado deve-se agora considerar se alguém pode ser naturalmente servo ou não, e também se para alguém pode ser mais digno e justo que sirva do que que não sirva.

Deve-se considerar, quanto a isto, em primeiro lugar, que comandar e submeter-se não é apenas do número das coisas que ocorrem por violência ou necessidade, mas é também do número das coisas que convém à preservação dos homens. Ora, o que convém a alguém parece que lhe é digno e justo.

Em segundo, deve-se considerar que observa-se nos homens já desde o nascimento uma certa distinção, pela qual alguns são aptos a se submeterem enquanto que outros a governar. Ora, o que inere imediatamente desde o nascimento a alguém, isto parece ser-lhe natural.

São naturalmente servos aqueles aos quais convém servir, o que pode ser mostrado do seguinte modo. Nas coisas que são constituídas de muitas partes há sempre uma parte que preceitua e outras que naturalmente se submetem, e isto lhes é conveniente. Tudo o que é constituído de muitas partes de tal modo que delas se faz algo comum, tanto se nelas há muitas coisas conjuntas, como ocorre com os membros do corpo que se unem por conjunção para formar um só todo, ou se neles há muitas coisas divididas como num exército que é constituído de muitos soldados, em todas estas coisas encontra-se alguém que principia e outros que se submetem, e isto lhes é natural e conveniente, como é manifesto pelos exemplos dados. Mas o homem é naturalmente um animal político, de modo que lhes é natural que de muitos homens se constitua uma só multidão. Mas a multidão dos homens é constituída de muitos; é-lhe, portanto, natural e conveniente que alguém principie e outros se submetam.

Nos homens ocorre do mesmo modo que em todas estas premissas, isto é, é-lhes natural e conveniente que alguém principie e outros se submetam. [Cumpre, porém, examinar] quem são aqueles que naturalmente principiam e quem são aqueles que naturalmente se submetem.

Como a alma domina naturalmente sobre o corpo, e o homem naturalmente domina sobre os animais, aqueles que estão tão distantes dos demais como a alma dista do corpo e o homem de uma fera, por causa da eminência da razão que há em alguns e o defeito da mesma em outros, estes são naturalmente senhores dos outros, segundo o que também afirma Salomão quando diz que

"aquele que é estulto servirá ao sábio".

Prov. XI, 29

Estes últimos, [isto é, aqueles em que há defeito da razão], cuja obra principal é o uso do corpo e nas quais isto é o ótimo que deles se pode ter, estão dispostos de tal modo que outros há que se encontram para com eles assim como a alma está para o corpo. São, de fato, capazes de executar obras corporais, mas impotentes para a obra da razão; são estes que são naturalmente servos, para os quais é melhor que sejam governados pelos sábios, e lhes é conveniente que creiam nas razões acima, porque disto se origina o regime de uma nação. E que estes são naturalmente servos é manifesto porque é naturalmente servo aquele que possui aptidão natural para ser de outro, na medida em que, a saber, não consegue reger-se pela própria razão, pela qual um homem é senhor de si, mas apenas pela razão de outro, por causa do que é naturalmente como que o servo de outro.