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Aristóteles já havia afirmado que está em poder do
homem que ele seja diligente ou negligente acerca de algo.
Mas alguns negaram isso, dizendo que vemos os fleugmáticos
serem naturalmente preguiçosos, os coléricos serem
naturalmente iracundos, os melancólicos tristes e os
sanguíneos alegres. Segundo isto seguir-se-ia não estar em
poder do homem que seja diligente.
[O filósofo responde a este argumento dizendo que]
uma pessoa pode ser dita ser de um certo modo de duas
maneiras. De uma primeira maneira, segundo uma disposição
corporal ou conseqüente a uma complexão do corpo ou
conseqüente a uma impressão dos corpos celestes. De uma
segunda maneira, por uma disposição de parte da alma, a qual
é um hábito pelo qual a vontade ou a razão se inclina à
operação.
[O primeiro modo, segundo uma disposição corporal
ou impressão dos corpos celestes], não pode de modo imediato
mudar o intelecto ou vontade que são potências inteiramente
incorpóreas que não se utilizam do órgão corporal. De tais
disposições pode seguir-se alguma mutação da parte do apetite
sensitivo que se utiliza do órgão corpóreo, cujos movimentos
são as paixões da alma. Portanto, segundo estas disposições
[corporais ou provenientes da impressão dos corpos celestes]
a razão e a vontade, princípios dos atos humanos, não podem
ser mais movidas do que o possam ser pelas paixões da alma,
das quais Aristóteles falou no livro primeiro que são
persuadíveis pela razão.
[Quanto ao segundo modo, segundo uma disposição de
parte da alma que é um hábito que inclina a vontade e a razão
à operação], deve-se saber que os hábitos da alma segundo os
quais alguém é negligente ou injusto, são voluntários, tanto
é que por causa deles as pessoas são vituperadas. Vamos
mostrar primeiro que estes hábitos da alma são voluntários
quanto à sua geração. Segundo, que já não são voluntários
depois que a sua geração se completou.
[Que os hábitos da alma são voluntários quanto à
sua geração pode ser evidenciado considerando que] os hábitos
maus diferem assim como os atos maus. Alguns são hábitos maus
que levam à fuga do bem agir. Outros são hábitos maus que
levam a mal agir, seja em prejuízo de outros, seja em
desordenação própria. Tanto dos primeiros como dos segundos
os próprios homens são a causa. Dos primeiros, que levam à
fuga do bem agir, os homens também são causa que eles mesmos
se tornem injustos, na medida em que fazem o mal aos outros,
ou incontinentes, na medida em que conduzem a sua vida em
bebidas supérfluas ou outras coisas que pertencem à
deleitação do tato. De fato, observamos que operações
singulares conduzem a disposições para operar de modo
semelhante. Se, portanto, alguém quer alguma causa da qual
sabe seguir-se um tal efeito, conseqüentemente ele quererá
aquele efeito. E embora talvez não queira aquele efeito per
se, todavia mais quererá que aquele efeito se dê do que
quererá que a causa não exista. Por exemplo, se alguém quer
caminhar no verão, sabendo que suará, conseqüentemente
quererá suar. Embora não queira suar per se, todavia quererá
mais padecer o suor do que abster-se de caminhar. Diferente
seria se o homem não soubesse que tal efeito se segue a tal
causa, como por exemplo, não é voluntário se alguém
caminhando na estrada for assaltado, porque isto não era pré
conhecido. Ora, é evidente que os homens que fazem as coisas
injustas se tornam injustos, e os homens que cometem estupro
se tornam incontinentes. Portanto, é irracional que alguém
queira fazer o que é injusto e não queira ser injusto, ou
queira cometer estupro e não queira ser incontinente. De onde
se conclui com evidência que, se não ignoramos e operamos
voluntariamente aquilo do qual se segue que sejamos injustos,
voluntariamente seremos injustos.
[Que os maus hábitos não mais se sujeitam à
vontade depois de gerados pode ser evidenciado pelo
seguinte]. Não porque voluntariamente alguém se tornou
injusto, quando quer que queira deixará de ser injusto e se
tornará justo. Isto pode ser mostrado por semelhança nas
disposições corporais. Se alguém que anteriormente era são,
cai na doença voluntariamente por viver de modo incontinente,
utilizando-se imoderadamente da comida e da bebida e não
obedecendo aos médicos, no princípio estava em seu poder não
adoecer. Mas depois que cometeu a ação, tomada já a comida
supérflua ou nociva, não está mais em seu poder que não
adoeça. Assim também ocorre com os hábitos dos vícios. De
onde dizemos que os homens são voluntariamente injustos e
incontinentes, embora que depois de feitos tais, não mais
está em seu poder que imediatamente deixem de ser injustos ou
incontinentes. A isto, de fato, se requereria um grande
estudo e exercício.
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