20. Se devem ser banidos os que excedem todos os demais na virtude.

Somente nas políticas que não são retamente ordenadas, mas que são transgressões [de outras políticas retas], convém que alguém que exceda os demais seja banido da cidade, e este será justo não de modo simples, mas segundo algo, como ocorre nas [democracias ou] estados populares. Nesta política, de fato, pretende-se a igualdade dos cidadãos e, portanto, semelhantes excessos serão contra o fim daquela política.

Do mesmo modo, na [oligarquia ou] estado dos poucos não convém que exista um tal cidadão, porque pelo seu poder converteria aquela política à sua vontade. Nem na tirania [ou ditadura] conviria existir tal homem, porque ele próprio quereria converter-se no tirano. Destes exemplos é manifesto que nas políticas pervertidas é justo este banimento, mas não de modo simples, e sim apenas segundo um certo aspecto, porque nestas políticas não existe o justo de modo simples, mas apenas o justo segundo algum aspecto, conforme foi dito anteriormente.

Mas na política ótima há uma grande dúvida sobre como se deve proceder em relação ao banimento.

Não há dúvida, a este respeito, sobre aquele que excede todos os demais na fortaleza corporal, nas riquezas ou na multidão de amigos. Mas, quanto ao que excede todos os demais na virtude ou nos bens que são segundo a alma não é claro o que deve ser feito. Não se pode dizer que tal homem deve ser expulso da cidade e exilado em algum lugar. Isto seria contra a razão, pois ele é excelente e ótimo, pelo que não deve ser expulso de modo algum. Mas ele também não poderá ser conduzido ao principado assim como se faz com os demais, de tal maneira que em certos tempos governe e em outros tempos não governe. Seria algo semelhante ao que se daria se o deus Júpiter viesse habitar entre os homens; seria ridículo pretender que ele governasse segundo o seu turno e nos demais não. Como um tal ser é ótimo, restaria apenas que todos com alegria o obedecessem e considerassem digno e justo que ele fosse rei ou, se fossem vários, que fossem reis e governassem não às vezes e em turnos, mas sempre.

Deve-se considerar que nestas palavras o Filósofo parece contradizer-se a si mesmo. De fato, ele havia dito antes que seria melhor que a multidão governasse do que poucos, [ainda que virtuosos]. Disse também que se um só governasse, os demais seriam desonrados, o que seria inconveniente. Agora, porém, afirma que aquele que excede deste modo todos os demais não é cidadão; ora, quem não é cidadão não deve governar, de onde que pareceria dever concluir-se que este não deveria governar, que é o contrário do que afirma agora.

Deve-se responder a tudo isto que, se for encontrado alguém que exceda todos os demais em virtude, este deve governar. A razão disto é que importa que mais governe aquele que se aproxima do governo natural e ao governo do Universo. Mas este que deste modo excede todos os demais na virtude é alguém assim. Portanto, convém que somente ele governe.

A proposição maior é evidente nos animais. A parte que governa é o coração. O coração é único e é principal, do qual procede a virtude para cada uma das partes do corpo. Do mesmo modo no Universo há um só princípio; o governo do Universo é um só e é ótimo, motivo pelo qual aquele na cidade que é mais uno e melhor mais se aproxima da semelhança do principado do Universo e da natureza. Será melhor, portanto, o governo no qual haja um só príncipe e mais convirá que governe aquele que, sendo um só, for ótimo. Ora, este é aquele que excede todos os demais em virtude, de onde que é manifesto que convém que este governe mais do que outro. [Daqui também se manifesta que a política ótima é um reflexo da construção do Cosmos].

Nada obsta, todavia, que o Filósofo tenha afirmado anteriormente que mais convém que a multidão domine. Isto deve ser entendido onde a política dos iguais e semelhantes, e onde a virtude de um não exceda a virtude de todos os outros, o que não ocorre neste propósito.

Nada obsta, também, se ao governar um só ou muitos todos os demais serão desonrados, pois na política retamente ordenada cada um ama o seu estado, o seu próprio grau e o grau do outro, e por isso deseja a sua honra segundo o seu grau e deseja a honra do outro segundo o grau deste outro, nem deseja para si a honra do outro. E por isso, se houver alguém que exceda a todos os demais na virtude, todos quererão para si a honra do que é devido a cada um e, portanto, não serão desonrados, porque cada um terá a honra que lhe é devida.

Nada obsta, finalmente, que este homem não seja cidadão. É verdade que aquele que governa por causa da excelência da virtude não é cidadão, mas alguém acima da cidadania, assim como também é verdade que alguém é cidadão na medida em que é ordenado pela lei. Mas quando se sustenta que não deve governar ninguém que não seja cidadão, isto não é verdade na política real e ótima de modo simples, como é aquela na qual governa alguém como é aqui descrito.