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Assim como ocorre nas coisas que se fazem e
existem segundo a natureza, assim também ocorre na cidade,
que existe por inclinação da natureza e se torna perfeita
pela razão. Nas coisas que se fazem e existem pela natureza,
não tudo o que se requer para a consistência delas são partes
das mesmas. Algumas são [apenas como que] sua matéria, outras
existem para o seu ornamento, e outras ainda para outros
fins. Nos animais, por exemplo, o alimento e os humores não
são partes em ato, mas são como matéria; os pelos existem
para o seu ornamento, ou para a sua proteção; o suor é como
um excremento da natureza.
Ademais, há sempre alguma coisa comum de todas as
partes per se de algum todo, pela qual estas são determinadas
e são, que é a forma do todo. Esta coisa é alcançada por
todas as partes, igualmente ou desigualmente, pela
transformação feita a esta [forma do todo] a partir de alguma
matéria.
Quando, porém, várias coisas se relacionam entre
si de tal modo que a primeira está para a segunda como para o
seu fim, e uma terceira é como que o fim das duas anteriores,
sem que haja algo comum entre elas segundo a razão, estas
coisas não serão partes de um só todo. [No caso mencionado],
à primeira pertenceria alcançar algo, [que será a segunda],
de modo principal, e à segunda pertencerá alcançar algo,
[isto é, a terceira], recebendo uma virtude da outra, [que
será a primeira]. É assim que um instrumento se relaciona
para com o agente principal [e estes dois] para com a obra a
ser feita. Entre eles não há algo comum segundo a razão,
assim como entre a casa e o edificador não há nada comum
enquanto tal, embora tanto [o edificados ou] a arte
edificadora quanto os instrumentos existam por causa da
própria casa. Quando uma coisa está em função de outra do
modo descrito, estas coisas não serão partes de um só todo.
É o que ocorre com as posses de uma cidade. Elas
existem por causa do possuidor. Embora elas sejam necessárias
à cidade, não serão parte da cidade, cujas [verdadeiras]
partes são os possuidores per se. Há muitas coisas animadas
que são posses de outrem, como os jumentos e os servos, que
são instrumentos animados existindo como posses de outros,
sem os quais, todavia, não há cidade. Há, portanto, muitas
coisas na cidade que não são partes da mesma.
A cidade é uma certa comunidade de muitos
semelhantes segundo a natureza composta por causa da
suficiência per se e da vida ótima.
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