3. Como o exemplo de alguns filósofos mostra que a prudência é acerca dos bens humanos, enquanto a sabedoria é acerca de coisas melhores do que o homem.

Porque a prudência é acerca dos bens humanos, e a sabedoria acerca das coisas melhores do que o homem, daqui é que os homens chamaram Anaxágoras e um outro filósofo chamado Tales, e outros semelhantes, de sábios, não porém de prudentes, já que os homens os viam ignorar o que é útil a si mesmos, e afirmam que eles conheciam coisas inúteis e admiráveis, como que excedentes a notícia comum dos homens, e coisas difíceis que necessitam de cuidadosa inquisição, e divinas, por causa da nobreza da natureza [delas]. Aristóteles menciona de modo especial o exemplo de Tales e Anaxágoras, porque foram de modo especial repreendidos acerca disto.

[O exemplo mencionado de Tales é o seguinte]. Saindo Tales de casa para considerar acerca dos astros, prendeu-se numa armadilha. Chorando por causa disso, disse- lhe uma velhinha: "Tu na verdade, ó Tales, que não podes ver o que está diante dos teus pés, dizes conhecer as coisas que estão no céu?"

[Quanto a] Anaxágoras, tendo sido nobre e rico, abandonou os seus bens paternos e dedicou-se à especulação das [coisas] naturais, não se interessando das políticas, de onde era repreendido como negligente. E lhe diziam: "Não te interessas de tua pátria?": ao que ele respondia: "A minha pátria é de grande interesse", apontando para o céu.

[Pode-se concluir que a prudência é acerca dos bens humanos, a sabedoria acerca das coisas divinas]. Por isso os homens dizem que estes filósofos conheciam o inútil, porque não investigavam acerca dos bens humanos, por causa do que também não eram chamados de prudentes. E que a prudência é acerca dos bens humanos, [mostra-se porque] aos prudentes maximamente parece pertencer a obra de bem aconselhar. Ora, é acerca dos bens humanos que acontece os homens aconselharem- se. Ninguém, de fato, aconselha-se acerca do necessário, que é o impossível de se dar de modo diferente, que são as coisas divinas acerca das quais os sábios já mencionados consideravam. Nem também pode haver conselho das coisas que não se ordenam a algum fim, que é o bem operável, acerca dos quais consideram as ciências especulativas, mesmo se forem acerca do corruptível. Será, porém, bom aconselhador de modo simples, e por conseguinte, prudente, aquele que raciocinando pode alcançar o que seja ótimo para o homem operar.