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O Filósofo pretende mostrar, em seguida, que
qualquer homem feliz de modo simples deve possuir todas as
virtudes.
Deve-se entender que se o fim existe, devem
preexistir também todas as coisas que se ordenam ao fim per
se. Ora, o fim último de cada homem é alguma contemplação de
algo inteligível e o mesmo é o fim de toda a cidade
otimamente ordenada, assim como foi mostrado no princípio
deste sétimo livro da Política.
A este fim se ordena em primeiro lugar o hábito
perfeitíssimo do intelecto do qual é ato a especulação do
primeiro inteligível. Em seguida, ordenam-se a este fim os
hábitos imperfeitos [deste intelecto] pelos quais ele se
dirige à especulação dos entes cujo conhecimento é um caminho
para o conhecimento do primeiro inteligível. Em terceiro os
hábitos da parte apetitiva da alma pelos quais regula-se o
apetite para que o homem não se desvie, além da razão, dos
primeiros inteligíveis, detido pelas paixões e movimentos
irracionais. Finalmente, as virtudes pelas quais o homem
adquire os bens exteriores, na medida em que são necessários
para a obtenção do fim, e repele os movimentos que o impedem
de alcançá-lo. É necessário, portanto, se existe o fim de
cada homem e da cidade, que preexistam todas as virtudes.
É por isso que o Filósofo diz que, já que parece
que o mesmo é o fim comum de todos os homens na medida em que
são homens simplesmente e de cada homem, singularmente tomado
enquanto homem, e o mesmo é o fim último das ações do homem
ótimo e da república ótima, conforme foi mostrado no início
deste sétimo da Política, e esta é a especulação perfeita dos
primeiros inteligíveis que subsiste no desprendimento das
coisas exteriores, e maximamente se ordena a este todas as
virtudes que dizem respeito ao desprendimento do homem das
coisas exteriores, deve ser manifesto que se o homem, segundo
si mesmo, ou toda a cidade, se torna feliz, deverão
preexistir todas as virtudes que dizem respeito ao
desprendimento e à contemplação.
É necessário, ademais, que preexistam todas as
virtudes que dizem respeito tanto à contemplação quanto à não
contemplação.
Conforme foi dito, é necessário que para a
felicidade de cada cidade preexistam nela todas as virtudes
que se ordenam à contemplação. Mas, para a contemplação,
ordenam-se tanto todas as virtudes que tem por objeto a
contemplação como as que não têm [diretamente] por objeto a
contemplação. Portanto, todas as virtudes são preexigidas
para a felicidade. O fim das obras que não consistem na
contemplação são as que consistem na contemplação, porque
tanto as virtudes cuja obra são a contemplação como as cuja
obra não são a contemplação são úteis para a contemplação e
as deleitações que há nela, seja porque o fim do homem
consiste na própria operação destas virtudes, seja porque
suas obras dispõem o homem para este fim ou porque removem o
que o impede. É necessário, portanto, que tanto a cidade como
cada homem que deve ser feliz possuam a temperança, a justiça
e a sabedoria e todas as demais virtudes que se ordenam à
contemplação, quanto a fortaleza, a perseverança e todas as
demais virtudes que não se ordenam à contemplação.
A cidade que deve tornar-se feliz deve pré possuir
as virtudes que se ordenam à contemplação quanto às suas
partes principais, que são os homens livres, não os servos.
Aos servos não compete a contemplação, conforme diz o
Provérbio. [É por isso que há virtudes] cujas obras não são a
contemplação [mas que são necessárias para a mesma], como a
guerra, pelas quais os homens são impedidos de se tornarem
servos dos outros. Aqueles, de fato, que não têm disposição
para enfrentarem os perigos máximos que há na guerra, nem são
perseverantes neles, tornam-se servos daqueles que os
invadem. A fortaleza, portanto, e a perseverança, são
virtudes cujas obras se ordenam à não-contemplação.
Já a Filosofia é necessária para a contemplação,
pois a sua obra é a própria contemplação.
Tanto para a fortaleza como para a perseverança
como para a Filosofia são necessárias a temperança e a
justiça. Pela temperança reprimem-se os movimentos da
concupiscência, e pela justiça são dirigidas as operações do
homem para com o outro. Tanto a justiça quanto a temperança,
porém, são mais necessárias aos que contemplam e aos que
conduzem a paz do que aos que tratam com a guerra. De fato,
por causa do exercício da guerra e dos perigos que há nela,
[os homens que tratam com ela] se dispõem à obra da
temperança.
A vida militar, de fato, possui muitas partes da
virtude, conforme explicou-se no segundo livro desta
Política. Ao contrário, a fruição dos bens da fortuna na
tranquilidade predispõe a alma às injúrias. A posse das
riquezas torna os homens contumeliosos e orgulhosos; crendo
que tudo possuem pelas riquezas, crêem também que possuem
todos os bens por possuírem riquezas e por isso são
conduzidos pelo orgulho e desprezam os demais.
Por causa disso aqueles que querem agir na
felicidade e gozar de todas os bens que pertencem à bem
aventurança tem necessidade de muita temperança e de muita
justiça. A estes é maximamente necessária a Filosofia, em
cujo ato consiste o fim último do homem, a temperança pela
qual são sedadas as concupiscências e a justiça pela qual são
reguladas as operações para o outro, e isto tanto mais quanto
mais perseveram na abundância de tais honras.
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