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Podem ser levantadas dúvidas acerca da
anterioridade do ato sobre a potência, porque parece [haver
motivos pelos quais] a potência [pudesse ser julgada] de
modo simples anterior ao ato. Ora, se o ato não é anterior
de modo simples à potência, não se pode colocar o primeiro
princípio das coisas ser tal cuja substância seja ato. Por
outro lado, se efetivamente a potência é anterior ao ato de
modo simples, seguem-se [diversos inconvenientes, mostrado
a seguir]. [Portanto, devemos tratar de esclarecer
devidamente esta questão].
Se a potência for anterior ao ato de modo
simples, seguir-se-á que em algum tempo nada seria, [o que
acontece àquilo que pode fazer-se, mas ainda não se fez].
Isto poderia acontecer de duas maneiras. De uma primeira
maneira, segundo a opinião de alguns antigos poetas
teológicos, que colocaram o mundo ser gerado da noite, isto
é, da simples privação pré-existente. De uma segunda
maneira, segundo a opinião dos filósofos naturais, os
quais, vendo que pela natureza nada se faz a partir de
nada, colocaram todas as coisas [terem se originado de] uma
certa confusão, a qual chamavam caos. Porém, se a potência
for anterior ao ato, tanto da primeira como da segunda
maneira, seguir-se-á o mesmo impossível. De fato, as coisas
que estão somente em potência, seja que estejam
completamente sob privação, ou em alguma confusão, não
poderão ser movidas, para que se reduzam ao ato, a não ser
que haja alguma causa movente existente em ato.
[Isto é assim] porque, [por exemplo], a matéria
nas coisas artificiais não move a si mesmo, mas é uma
agente que a move, que é a arte. [Do mesmo modo], nem a
menstruação, que é a matéria na geração animal, move a si
mesmo, mas é o sêmem do animal que a move. [E assim também]
nem a terra, que é a matéria na geração das plantas, move a
si mesma, mas são as sementes das plantas que a movem.
Por causa destas razões, alguns filósofos
colocaram o movimento sempre existir antes do mundo. Por
exemplo, Leucipo colocou a existência de átomos móveis per
se, a partir dos quais o mundo se teria constituído. Se bem
que, entretanto, quanto à eternidade do movimento estes
filósofos tivessem falado corretamente, foram incompletos
por não terem dito qual o movimento que sempre existiu, e
nem terem assinalado a causa do mesmo. Isso deveria ter
sido feito, porque sempre é necessário existir algo que
seja a causa do movimento. Por exemplo, nós vemos que
algumas coisas são movidas pela natureza, outras pela
violência, outras pelo intelecto, outras por outras causas.
Daí importava que estes filósofos tivessem assinalado qual
fosse a causa primeira do movimento, se a natureza, a
violência ou o intelecto. De fato, muito diferiria a causa
do movimento ser qualquer uma destas coisas.
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