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Todas as coisas que existem no universo são
ordenadas de algum modo, mas nem todas elas se ordenam de
modo semelhante.
Todavia, ainda que não se ordenem do mesmo modo,
não se encontram de tal maneira que nada tenha a ver com a
outra, existindo alguma afinidade e ordenação de uns para
com outros.
E que todas as coisas se ordenam entre si fica
manifesto pelo fato de que todas simultaneamente se ordenam
para um único fim.
Podemos manifestar através de um exemplo como
todas [as coisas que existem no universo] não são ordenadas
de modo semelhante. Em qualquer casa ou família ordenada
são encontrados diversos graus, assim como abaixo do pai de
família, há o primeiro grau dos filhos, outro grau dos
servos, um terceiro grau dos animais que servem na casa,
como os cachorros e outros mais. Estes graus se encontram
de diversas maneiras à ordem da casa que é imposta pelo pai
da família governador da casa. Aos filhos não lhes é
permitido que façam algo casualmente e sem ordem, sendo que
todas ou a maioria das coisas que eles fazem é ordenada. O
mesmo não ocorre com os servos e os animais, porque pouco
participam da ordem comum. Assim, muito do que é encontrado
neles são coisas que acontecem por acaso. E isto por causa
da pouca afinidade que tem com o reitor da casa, que
estabelece o bem comum da casa.
Assim como a ordem é imposta na família pela lei
e pelos preceitos do pai de família, os quais são
princípios de execução das coisas que pertencem à ordem da
casa, assim a natureza nas coisas naturais é princípio de
execução das coisas que pertencem à ordem do universo.
Assim como quem está na casa, pelos preceitos do pai de
família é inclinado a algo, assim as coisas naturais também
o são pela natureza própria. E a natureza de cada coisa é
uma inclinação colocada nela pelo primeiro movente que a
ordena para o devido fim. Daqui fica patente que as coisas
naturais agem por causa de um fim, ainda que não conheçam
este fim, porque recebem do primeiro inteligente a
inclinação para este fim.
Todavia, as coisas do universo não se encontram
todas ordenadas de modo semelhante para este fim.
Existe algo comum a todas, porque é necessário
que todas tenham operações discretas e próprias e que
segundo a sua substância se ordem mutuamente. Quanto a
isto, nada está privado de ordem. Mas existem algumas
coisas que não têm somente isto, sendo tais que estão
ordenadas ao bem comum do todo. Este é o caso das coisas
nas quais nada existe além da natureza nem por acaso, tudo
se procedendo segundo a devida ordem.
Ficou já mostrado que qualquer coisa natural se
ordena ao bem comum segundo sua ação natural. Desta
maneira, as coisas que nunca faltam para com sua ação
natural devida tem toda sua comunicação ao todo. Aquelas
que às vezes faltam para com sua ação devida e natural, não
tem toda sua comunicação ao todo, assim como os corpos
inferiores.
Resumindo, a ordem requer duas coisas: a
ordenação das coisas distintas, e a comunicação dos
distintos ao todo. Quanto à primeira, a ordem existe em
todas as coisas sem falta. Quanto à segunda, a ordem existe
de maneira completa naquelas coisas que são supremas e
próximas ao primeiro princípio, como as substâncias
separadas e os corpos celestes, nos quais nada ocorre
casualmente e além da natureza. Em outras coisas, esta
ordem existe de maneira deficiente, como nos corpos, nos
quais muitas vezes ocorrem algumas [coisas] por acaso e
além da natureza, isto se devendo ao seu afastamento do
primeiro princípio, o qual sempre se encontra do mesmo
modo.
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