2. A vergonha mais se assemelha à paixão do que ao hábito, que é o gênero da virtude.

A vergonha é dita ser o temor da confusão que se opõe à glória. Ora, o temor é uma paixão. Portanto, a vergonha está [contida] no gênero da paixão.

[Esta afirmação pode demonstrar-se pelos seguintes argumentos]. As paixões são movimentos do apetite sensível que se utilizam dos órgãos corporais. De onde que todas as paixões se dão com alguma transmutação corporal. Ora, a vergonha e o temor que é acerca do perigo de morte de modo geral se acham semelhantemente quanto ao fato que ambas estas paixões são julgadas pela transmutação da cor do corpo. Diferem, porém, em especial, porque aquerles que se envergonham se enrubescem, enquanto que aqueles que temem a morte se empalidescem. A razão desta diferença está em que por natureza o espírito e os humores se transferem ao lugar em que o defeito é sentido. A sede da vida está no coração. Por isso, quando o perigo de vida é temido, o espírito e os humores concorrem ao coração, e assim [as partes do corpo que são] exteriores, como que desertas, empalidecem. Já a honra e a confusão estão no exterior. Por isso, quando o homem teme pela vergonha da privação da honra, concorrendo o espírito e os humores ao exterior, o homem enrubesce. Assim, portanto, fica evidente que a vergonha e o temor da morte são algo de corporal, na medida em que têm anexas transmutações [corporais], o que mais parece pertencer à paixão do que ao hábito. E assim fica claro que a vergonha não é virtude.