5. Os mercenários, agricultores e artífices não são parte da cidade ótima, os guerreiros e os conselheiros sim.

Depois que o Filósofo mostrou quais coisas são necessárias à consistência da cidade, passa a declarar quais destas coisas são parte da cidade e quais não. Ele inicia a discussão questionando se todas estas seis coisas podem convir ao mesmo [cidadão] ou se apenas algumas. [Isto é], se todas estas seis coisas podem ser comunicadas a todos os que fazem parte da cidade, de tal modo que [o mesmo] cidadão possa ser agricultor, artífice e semelhantemente com as demais, de tal maneira que as mesmas pessoas sejam [por exemplo], agricultores e conselheiros. Ou, [ao contrário], se cada uma destas coisas deverá ser atribuída a uma condição de homens, de tal modo que alguns sejam agricultores, outros e diversos sejam soldados, e assim com as demais. Ou ainda, se algumas destas coisas devem ser atribuídas aos mesmos, enquanto que outras deverão ser atribuídas a homens totalmente diversos. Esta questão é importante, porque sua solução auxilia a declarar a questão principal.

O Filósofo responde a esta questão dizendo que na cidade bem ordenada não convém que todas as mencionadas coisas sejam comunicadas a todos, nem cada uma a cada um [dos cidadãos], mas algumas delas convém que sejam próprias apenas a alguns e não a outros, enquanto que outros devem ser comuns a muitos. Isto, porém, não é verdade em qualquer república, mas apenas na república bem ordenada, [isto é, na república perfeita de que trata agora, e não na democracia ou na oligarquia].

Para manifestar sua solução, o Filósofo diz que em primeiro lugar deve-se considerar que a razão da parte deve ser considerada a partir da razão do todo, e a razão do todo nas coisas que se ordenam ao fim [deve ser] tomada do fim. E por isso a razão das partes per se da cidade deve ser buscada a partir da razão da república, enquanto que a razão da república deve ser buscada a partir da razão da felicidade que é o seu fim.

Ora, é impossível existir a felicidade sem a virtude, que é o seu princípio. Por causa disto a razão das partes da cidade ótima deve ser determinada pela virtude.

Supostas estas coisas, o Filósofo diz que já que pretendemos considerar a república ótima de modo simples, e não da república ótima supostas [algumas circunstâncias], na medida em que dizemos as partes per se da cidade alcançarem a felicidade de modo simples que é o seu fim, e a felicidade não pode existir sem a virtude, pois é a [própria] operação do homem segundo a virtude perfeita, é manifesto que os que levam uma vida mercenária, forense ou de mercadores não podem ser ditos cidadãos ou partes per se da cidade que se governa otimamente, isto é, que possui homens bons de modo simples, não por suposição [de algumas circunstâncias].

A razão disto é que é necessário que os cidadãos na cidade ótima operem tendo em vista a felicidade, e que tenham aquilo que é o princípio da mesma. Ora, isto é a virtude civil, pelo que importa que os cidadãos nesta cidade sejam virtuosos. Ora, os que conduzem a vida mercenária, forense e outros semelhantes não são tais. A sua vida passada em uma existência vil não os dirige à felicidade, nem a ela se ordena; ao contrário, mais se deve dizer que não possui conveniência para com a felicidade e é mesmo sub contrária à mesma. Portanto, tais homens não podem ser cidadãos, nem parte da cidade ótima.

Assim também não o podem ser os agricultores e os que cultivam a terra, já que ao cidadão é necessária a liberdade das operações necessárias e vis para que possam dedicar-se algum tempo à contemplação e às operações liberais necessárias para a geração das virtudes e às ações comuns pelas quais s determinam. Esta liberdade não pode existir nos agricultores, por serem obrigados a dedicar-se à agricultura e aos trabalhos externos, pelo que não podem ser cidadãos nem parte da cidade.

Já quanto aos soldados e aos conselheiros deve-se dizer que, de algum modo, estes devem ser atribuídos à cidade. Deve-se entender que alguém é bom conselheiro pelo hábito da prudência, através do qual, a partir do fim, o homem bem raciocina e investiga as coisas que se ordenam ao fim. Assim como alguém está para com a prudência perfeita, assim também para as demais virtudes morais, as quais existem todas simultaneamente ou não existem. Por isso o homem bom conselheiro determina-se pela virtude.

O guerreiro também necessita possuir a virtude pela qual seja agressivo das coisas terríveis e, por conseqüência, necessita de alguma prudência e de algum modo das demais virtudes. Por isso o Filósofo afirma, no Segundo Livro desta Política, que a vida militar possui muitas partes da virtude e por isso os guerreiros e os conselheiros são determinados de modo simples pela virtude. E porque aqueles que são determinados pela virtude são partes da cidade ótima, por isso tais [homens] são partes da mesma per se. É por isso que, supostas estas coisas, o Filósofo diz que aqueles que se ordenam à guerra na cidade ótima e ao aconselhamento do que é útil e ao justo julgamento entre os que disputam, necessariamente fazem parte da cidade.