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Faz-se também a sedição e a transmutação no estado
dos ótimos porque todo estado dos ótimos mesclado é mais
estado de poucos [do que estado popular]. Por este motivo os
ricos mais possuem dos bens comuns do que os pobres. Ora, a
causa pela qual no estado dos ótimos mais se atribuem [bens]
aos ricos é porque no estado dos ótimos a distribuição dos
bens é feita segundo a dignidade da virtude, de tal maneira
que aqueles que mais participam da virtude mais recebem dos
bens comuns. Os ricos, porém, alcançam mais a virtude do que
os pobres, ou pelo menos assim às vezes o parecem. Como
conseqüência, pelo fato de que os pobres vêem os ricos mais
receber dos bens comuns do que eles próprios o recebem, os
invejam e se contristam, e insurgem contra eles, e acontece
que mudam a república em deste modo o estado dos ótimos
mesclado se transforma em estado popular. Isto não
aconteceria num estado popular e num estado de ótimos bem
mesclado. De onde que fica manifesto que o estado de ótimos
mesclado corrompe-se pelo fato de que os ricos recebem mais
do que os pobres.
[Deve-se observar, porém], que as transmutações do
estado dos ótimos maximamente se ocultam, porque apenas
paulatinamente e aos poucos estes se corrompem. Ora, a
transgressão daquilo que é pequeno é causa da transmutação,
porque quando se faz uma transgressão segundo o pouco no
tocante ao que é necessário para a república, por se tratar
de coisa pouca, não inspira cuidados. Quando outra
transgressão de pouco monta se realiza, novamente é
negligenciada. Assim, portanto, procedendo gradativamente,
permitem-se por negligência maiores movimentos até que toda a
república é movida.
Assim como vemos nos atos morais, nos quais um ato
inclina a outro ato consemelhante, e o exercício induz uma
inclinação a atos consemelhantes, assim também ocorre nas
repúblicas nas quais quando se negligencia aquilo que é
necessário à república, este defeito inclina a atos
consemelhantes. E assim, por um procedimento contínuo é
induzida uma inclinação tão grande ao contrário da república
que esta acaba por corromper-se. Porque esta corrupção faz-se
segundo o pouco e gradativamente, ela não é aparente [aos
homens].
Um exemplo deste procedimento encontrou-se na
república dos Túrios, a qual foi destruída por este modo,
gradativamente e segundo o pouco. Ali havia uma lei segundo a
qual ninguém poderia exercer a condução do exército senão por
cinco anos. [Os que exerciam esta cargo], desprezando a
utilidade da cidade e crendo que poderiam obter com a
multidão aquilo que queriam, empenharam-se em destrui esta
lei e persuadiram a multidão que estes poderiam exercer a
condução do exército vitaliciamente. Os governantes
conselheiros que tinham o poder de instituir e destruir as
leis, principiando a contradizer, foram finalmente
persuadidos a conceder, e consideraram que sobre as demais
partes da república de resto nada mudariam. Posteriormente
estes mesmos se empenharam em destruir outra lei, e
persuadiram à multidão para a qual eram benévolos. Quando os
governantes quiseram resistir-lhes, [perceberam que] não o
poderiam; antes, ao contrário, toa a ordem da república
gradativamente e segundo o pouco corrompeu-se e transformou-
se num potentado de poucos e no domínio daqueles que se
empenharam em desacostumar [os homens] para com a república
anteriormente existente e a destruí-la.
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