4. Os modos pelos quais se salva a última espécie do estado de poucos.

A última e péssima espécie do estado de poucos necessita de uma grande cautela ao ser instituída. Esta espécie de estado de poucos necessita de uma cautela tanto maior em sua instituição quanto ela própria é a república de poucos péssima entre todas.

Isto pode ser declarado por semelhança com as coisas que são feitas pela arte, que são mais conhecidas para nós, dizendo que os navios que são bem construídos, formados de partes firmemente unidas entre si, podem suportar ou navegar com um maior número de erros, golpes ou paixões provocadas por elementos externos sem que facilmente se corrompam por este motivo. Já os navios que não são bem construídos, cujas partes não estão firmemente unidas umas às outras, como que possuindo uma tripulação de péssimos marinheiros, não podem suportar os menores erros. Navios como estes, diante do menor impulso do vento, diante de uma onda ou do choque com um rochedo, rompem-se e [afundam], como é do conhecimento de todos. Assim também ocorre nas repúblicas. As que são otimamente ordenadas segundo a rezão podem sustentar muitos e grandes choques. As que são mal ordenadas corrompem- se por pouca coisa e, por isso mesmo, necessitam de uma maior cautela [ao serem instituídas]. Convém, de fato, entender a cidade como composta de muitas partes ordenadas entre si, como um navio é composto de muitas tábuas.

[Feitas estas observações, o Filósofo expõe três elementos que salvam o potentado de poucos, esta última espécie do estado de poucos que já são tiranias].

O primeiro consiste em juntar à república alguns [homens] escolhidos entre os populares, por exemplo, dentre os que tenham alguma honorabilidade de riquezas. Isto foi observado na cidade de Marselha, a qual distinguiu entre a dignidade dos que tinham alcançado a república e a daqueles que não participavam dela. Se encontravam alguns que não participavam da república que fossem mais dignos ou, pelo menos, tão dignos quanto aqueles que participavam, elevavam- no à participação da república, todos ou pelo menos alguns entre eles. Por causa da aposição destes populares, o povo da república mais a amava, e por isso mais se esforçavam por salvá-la. Isto, porém, dever ser observado, conforme já foi dito anteriormente, de tal maneira que não seja tomada uma grande multidão de tais homens, a qual, quando muito grande, poderia produzir a desordenação do estado de poucos. Deve ser tomado um certo número de homens tão grande quanto for necessário para que, com eles, a república se torne mais forte do que o restante da multidão [que habita] a região.

O segundo elemento que salva o potentado de poucos consiste na conveniência daqueles que são tomados para os principados principais e mais honoráveis em fazer oferendas de grandes dons a Deus ou a comunidade. Disto se seguem duas utilidades. A primeira é que o povo [não odiará] o principado por causa da magnitude dos dons; a segunda é que se compadecerá dos governantes vendo-os gastarem muito com eles. Os pobres, de fato, consideram as riquezas como o bem maior.

O terceiro elemento que salva o potentado de poucos consiste em que os governantes façam grandes sacrifícios, grandes despesas e algum grande convívio com toda a cidade, de tal maneira que o povo, participando deste modo do convívio, e vendo a cidade bem disposta e ornamentada, se alegre e por conseqüência queira que a república dure. Ademais, a magnitude das despesas é para os insignes como um memorial para a difusão de sua fama. Entre os modernos que governam estados de poucos, diz o Filósofo, há um costume contrário a este. Seus príncipes e homens insignes não buscam a boa fama ou as honras, mas a extorsão por meio da calúnia ou de qualquer outro meio de qualquer quantia de dinheiro. Este é o motivo por que as modernas repúblicas de poucos são repúblicas mas nas quais se busca mais a extorsão de dinheiro do que a honra.