3. A questão da imaginação. Recapitulação e comentários ao que já foi explicado.

[Conforme anteriormente exposto], existe uma dúvida preliminar acerca das paixões e operações da alma, se são próprias da alma sem comunicação com o corpo, ou se nenhuma é própria da alma, mas são comuns ao corpo e ao composto. [Para que se possa dar a solução desta dúvida, devemos dizer que descobrir] se as paixões e operações da alma são comuns ou próprias é difícil, e a causa da dificuldade está em que, apesar de que muitas paixões sejam comuns, e não [se realizam] sem concorrência do corpo, como enervar-se e sentir, nas quais a alma nada [realiza] sem o corpo, apesar disso, entretanto, se alguma operação fosse própria da alma, esta parece ser a operação do intelecto.

Se, todavia, [esta questão] for retamente considerada, não parecerá próprio da alma inteligir. E isto porque inteligir ou é a fantasia, conforme a opinião dos filósofos platônicos, ou [pelo menos] não existe sem a fantasia. Ora, como a fantasia necessita do corpo, os filósofos platônicos afirmavam que inteligir não é próprio da alma, mas comum à alma e ao corpo.

Se, por outro lado, o intelecto não é a fantasia, todavia é certo que não existe sem a fantasia, e assim também não é próprio da alma, porque a fantasia necessita do corpo. Assim, não existe intelecção sem o corpo.

A dificuldade da questão precedente se responde dizendo que a intelecção é de uma certa forma própria da alma, e de uma certa forma conjunta com o corpo. Deve-se saber que qualquer operação da alma pode necessitar da [corporal] de duas maneiras, como instrumento ou como objeto. [A operação de] ver, por exemplo, necessita da [corporal] tanto como objeto, assim como instrumento. Como objeto, porque a cor, que é objeto da vista, está no corpo. Como instrumento, porque a visão, apesar de ser pela alma, não se realiza sem ser pelo órgão da vista, que é o instrumento. A operação intelectual, entretanto, não necessita do corpo como instrumento, mas apenas como objeto. A intelecção, de fato, não se realiza pelo órgão corporal, mas necessita do objeto corporal. Desta maneira, os fantasmas [da fantasia] estão para o intelecto assim como as cores estão para a vista. De onde se segue que o intelecto é uma operação própria da alma e não necessita do corpo senão enquanto objeto, mas ver e as demais operações e paixões não são apenas da alma, mas conjuntas [com o corpo].

Segue-se também que, como aquilo que tem operação per se também apresenta ser e subsistência per se, e aquilo que não tem operação per se não apresenta ser per se, o intelecto é forma subsistente, e as demais potências são forma na matéria.

Como a imaginação parece ter afinidade com o intelecto, porque anteriormente foi dito que o intelecto ou é certa fantasia ou pelo menos não existe sem a fantasia, [à exposição de como as partes da alma se ordenam consecutivamente entre si], acrescenta [Aristóteles] a imaginação.

[Deve-se ainda explicar uma aparente contradição]. Anteriormente Aristóteles já afirmou que onde existe sentido e apetite, como nas partes cortadas de animais inferiores, também existe fantasia. [Deve-se explicar como isso se combina com o que acabou de ser exposto segundo o que a imaginação apresenta certa afinidade com o intelecto].

[A explicação se manifesta] dizendo que os animais imperfeitos apresentam uma certa fantasia, mas indeterminada, de tal maneira que o movimento da fantasia não permanece neles depois da apreensão do sentido. Já nos animais perfeitos, o movimento da fantasia permanece, mesmo retirando-se o sensível. Desta forma, afirma-se que a imaginação não é a mesma em todos os animais. Alguns animais, de fato, são tais que vivem somente pela imaginação, sendo dirigidos em suas operações pela imaginação, por serem carentes de intelecto, e não como outros, que são dirigidos pelo intelecto.