19. A deleitação do primeiro inteligível.

Vamos mostrar agora que no primeiro inteligível existe uma inteligência [intelecção] e uma deleitação ainda mais perfeita que no inteligente e desejante [deste] primeiro inteligível.

Como o intelecto, de maneira geral, se torna inteligente em ato.

O intelecto se compara ao inteligível assim como a potência ao ato, assim como a potência ao ato, e assim como o perfectível à perfeição. Assim como o perfectível é susceptível de perfeição, assim o intelecto é susceptível de seu inteligível.

O inteligível é propriamente a substância, porque o objeto do intelecto é a essência [quod quid est], e é por causa disto que Aristóteles diz que o intelecto é susceptível do inteligível e da substância. E porque cada coisa se torna em ato na medida em que alcança sua perfeição, segue-se que o intelecto se torna em ato na medida em que recebe o inteligível. De fato, ser em ato no gênero dos inteligíveis, é ser inteligível.

Deve-se porém, saber que as substâncias materiais não são inteligíveis em ato, mas em potência. Elas se tornam inteligíveis em ato porque mediante as virtudes sensitivas suas semelhanças imateriais [são reduzidas a inteligível em ato] pelo intelecto agente. Estas semelhanças não são substâncias, mas certas espécies inteligíveis recebidas no intelecto possível.

[Platão, porém, opinava diversamente e este respeito]. Segundo Platão, as espécies inteligíveis das coisas materiais eram subsistentes per se. Daqui Platão colocava que o nosso intelecto se torna inteligente em ato ao atingir tais espécies separadas subsistentes per se. Porém, segundo a opinião de Aristóteles, as espécies inteligíveis das coisas materiais não são substâncias subsistentes per se.

Todavia, existe alguma substância inteligível subsistente per se, da qual Aristóteles está agora tratando. De fato, é necessário que o primeiro movente seja substância inteligente e inteligível. Daqui se conclui que a comparação do intelecto do primeiro móvel à primeira substância inteligível movente é tal qual segundo Platão seria a comparação do intelecto humano às espécies inteligíveis separadas, segundo cujo contato e participação o intelecto se torna em ato. De onde que o intelecto do primeiro móvel se torna inteligente em ato por algum contato com a substância primeira inteligível.

E daqui se segue que qualquer que de divino e nobre, como é o inteligir e a deleitação [que] possa ser encontrada no intelecto que alcança o primeiro inteligível, muito mais será encontrado no primeiro inteligível que é alcançado. Por isso a sua consideração é deleitabilíssima e ótima.

[Ora], tal primeiro inteligível é chamado Deus. Como, portanto, a deleitação que nós temos inteligido, é ótima, embora não a possamos ter senão por curto tempo, se Deus sempre a tem, assim como nós às vezes, admirável é a sua felicidade. Mas ainda mais admirável, se Ele a tiver sempre e melhor, do que nós por pouco tempo.