IV. A NATUREZA DAQUILO QUE MOVE A SI MESMO.


1. Aquilo que move a si mesmo é dividido em duas partes, uma que move e outra que é movida.

Tudo o que é movido é divisível em coisas que são sempre divisíveis. Isso foi demonstrado no livro VI. Ora, nas coisas divisíveis podem ser achadas um todo e uma parte. Portanto, se existe algo que move a si mesmo, nele deve-se encontra um todo e uma parte. Mas o todo não pode mover o todo. Isso é demonstrado de duas maneiras mais abaixo. Portanto, naquilo que move a si mesmo, uma parte move e outra parte é movida.

[Que o todo não pode mover o todo, demonstra-se do seguinte modo]. Se uma coisa move a si mesmo tal qual o todo move o todo, então segue-se que o movente e a coisa movida são um e o mesmo em relação a um e mesmo movimento. Mas isso é inconsistente, porque um movente e uma coisa movida são opostos um para com o outro.

Mas opostos não podem estar na mesma coisa da mesma maneira, porque quando uma coisa tanto move como é movida, o movimento pelo qual ela move é diferente do movimento pelo qual ela é movida. Por exemplo, quando um pedaço de madeira que é movido por uma mão move uma pedra, o movimento do pedaço de madeira e o movimento da pedra são diferentes em número.

[Pode-se demonstrar ainda o mesmo de uma segunda maneira].

Conforme explicado no livro III, aquilo que é movido é móvel, isto é, existe em potência, já que aquilo que é movido é movido na medida em que está em potência e não em ato. Uma coisa é movida porque, quando ela está em potência, tende em direção ao ato.

Mas aquilo que é movido não está em potência de tal maneira que não esteja de maneira alguma em ato, porque o movimento em si mesmo é um certo ato do objeto móvel na medida em que ele é movido. Este ato, porém, é imperfeito, porque é o ato [do móvel] na medida em que ele está ainda em potência.

Por outro lado, aquilo que move já está em ato, porque o que está em potência é reduzido ao ato somente por aquilo que está em ato. Por exemplo, um movente esquenta quando ele está quente, e o que tem uma espécie gerada é o que gera, como quando um homem gera aquilo que tem a espécie humana.

Portanto, se um todo move a si mesmo como um todo, segue-se que a mesma coisa em relação ao mesmo é tanto quente como não quente, porque na medida em que é movente está quente em ato, e na medida em que é movido está quente em potência. Portanto, se uma coisa move a si mesma como um todo, segue-se que a mesma coisa está simultaneamente em ato e em potência, o que é impossível.

[Podemos, por conseguinte, concluir que], já que o todo não pode mover o todo, e algo que move a si mesmo é composto de partes, por ser divisível tudo aquilo que se move, conclui-se que naquilo que move a si mesmo, uma parte move e outra é movida.