7. Que a deleitação não pertence ao gênero do movimento.

Um outro argumento utilizado pelos Platonistas para mostrar que a deleitação não pertence ao gênero dos bens é o seguinte. Tudo o que é bem per se é algo perfeito. Porém, todos os movimentos e gerações são imperfeitos, já que o movimento é ato do imperfeito, conforme explicado no terceiro livro da Física. De onde que nenhuma geração ou movimento pode estar no gênero dos bens. Os platonistas, entretanto, esforçavam-se por afirmar que a deleitação é movimento ou geração, de onde que concluíam que a deleitação não é bem per se.

[O Filósofo responde dizendo que a deleitação não pode ser movimento. De fato, deve-se dizer] que não parece estar bem colocado que a deleitação é movimento. Todo movimento é veloz ou lento. É veloz aquele que em pouco tempo é muito movido, e lento aquele que em muito tempo é pouco movido. Porém, à deleitação não compete nem a velocidade nem a lentidão. O que [pode] acontecer é que alguém chega velozmente à deleitação, assim como alguém pode ser provocado à ira velozmente, mas que alguém se deleite velozmente ou lentamente, [isto não]. Assim, portanto, fica patente que acontecerá que alguém alcance a deleitação velozmente ou lentamente, e isto porque por algum movimento pode-se chegar à deleitação, mas não acontece que alguém opere velozmente segundo a deleitação, de tal modo que alguém se deleite velozmente, porque a própria deleitação está mais no feito do que no fazer-se.

[Uma comparação com o sentido da vista esclarece o explicado]. A operação do sentido da vista, que é dito visão, é perfeita, segundo qualquer tempo. De fato, não necessita de algo que advenha posteriormente que aperfeiçoe a sua espécie, e isto porque a vista se completa no primeiro instante de tempo. Se, porém, necessitasse de tempo para seu complemento, não seria para isto suficiente qualquer tempo, mas sim um tempo determinado, assim como acontece nas demais coisas que são feitas no tempo, cuja geração necessita de uma medida certa de tempo. A visão, porém, se completa de modo imediato em um momento. A mesma coisa acontece com a deleitação. De fato, a deleitação é um certo todo, isto é, algo completo no primeiro instante em que começa a ser, de tal amneira que não se pode tomar algum tempo em que se faça a deleitação, que requeira [depois] um tempo mais amplo para aperfeiçoar a espécie de deleitação, assim como acontece nas coisas cuja geração está no tempo, como se pode tomar algum tempo na geração do homem, que requer [depois] um tempo mais amplo para o aperfeiçoamento da espécie humana.

[Retornando ao que estava-se dizendo], o deleitar- se acontece não no tempo. O deleitar-se é algum todo, porque acontece também deleitar-se no agora, tendo de modo imediato o seu complemento, de onde se conclui que a deleitação não é movimento. De fato, a espécie da deleitação é perfeita em qualquer tempo, não porém o movimento, porque a deleitação o é no instante, enquanto que todo o movimento, porém, no tempo.

[Podemos concluir, portanto, que] é evidente, por tudo o que foi dito, que não diziam bem os que colocaram a deleitação ser movimento ou geração. A natureza de movimento ou geração não pode a qualquer coisa ser atribuída, mas somente ao que é divisível, que não são um todo, isto é, que não de modo imediato tenham seu complemento. Assim, não pode ser dito que a visão seja geração, de tal maneira que a visão sucessivamente se complete. O mesmo também não pode ser dito do ponto e da unidade. De fato, estas coisas não são geradas, mas se seguem a certas gerações. De modo semelhante, não se pode a elas atribuir o movimento. De onde que nem à deleitação, que é um certo todo, isto é, possuindo perfeição [num] invisível.