|
A instituição política entre os Cartagineses, que
eles queriam que fosse a política dos ótimos, maximamente
declinava para o poder dos poucos, conforme pareceu a muitos.
Os Cartagineses, de fato, consideravam que era necessário
escolher os príncipes não apenas entre os virtuosos, mas
também entre os ricos e eram movidos a tanto por esta razão,
que seria impossível que algum pobre governasse bem e se
dedicasse aos negócios da cidade. Os príncipes dos
Cartagineses, de fato, não tinham salário dos bens comuns à
cidade. De onde que era necessário que, se homens pobres
virtuosos fossem escolhidos como príncipes, abandonados os
negócios da cidade, se preocupassem em buscar o seu sustento.
Ora, como escolher príncipes ricos é o estabelecimento do
estado dos poucos, e escolher príncipes virtuosos é o
estabelecimento do estado dos ótimos, é manifesto que
escolher como príncipes homens ricos e virtuosos seria já uma
terceira ordem, a qual era observada entre os cartagineses.
Os cartagineses, de fato, escolhem como príncipes, reis e
condutores do exército considerando simultaneamente as
riquezas e as virtudes.
Este afastamento do estado dos ótimos entre os
cartagineses deve ser imputado ao legislador. Teria sido
maximamente necessário providenciar desde o princípio como os
homens que se sobressaíssem pela virtude poderiam dedicar-se
às obras das virtudes, sem que tivessem que vilipendiar-se
entregando-se aos trabalhos rústicos, e isto não apenas
quando governassem, mas também quando conduzissem sua vida
particular, instituindo algum prêmio para as virtudes, com as
quais os virtuosos pudessem sustentar-se.
De fato, a ordenação cartaginesa é muito perigosa.
Se, ao escolher os príncipes, é necessário considerar as
riquezas, para que possam dedicar-se [ao governo] sem ter que
trabalhar para que possam ganhar o seu sustento, será
imensamente mau que os maiores principados, isto é, o reino e
o comado do exército, sejam vendidos, isto é sejam dados por
causa da abundância do dinheiro. Isto é mau porque esta lei
faz com que toda a cidade seja amante do dinheiro, até mais
do que das virtudes. Quando os cidadãos vêm que nos
principados tudo é riqueza, conseqüentemente opinam que
governar é ser rico. E em qualquer cidade onde não é a
virtude aquilo que é maximamente honrado, de tal maneira que
a honra do governo seja concedida apenas à virtude, é
inteiramente impossível que numa cidade como esta os homens
governem infalivelmente segundo a virtude. Ao conceder-se o
governo por causa da riqueza, como que ele fosse comprado
pela riqueza, é provável que os cidadãos se acostumem a
buscar o lucro em dinheiro para que, obtendo-o, possam obter
o principado.
É muito inconveniente alegar que aquele que é
pobre e virtuoso queira enriquecer quando constituído como
governante ao mesmo tempo em que se sustenta que o outro, que
é pior, não queira lucrar com o governo depois de ter gasto
muito para adquirir o principado. Isto é inteiramente
improvável. Por isso não se deve exigir que os que são
instituídos para governar tenham que ser ricos; ao contrário,
sejam ricos ou pobres, devem ser instituídos para governar
aqueles que podem fazê-lo segundo a virtude.
Como a política dos Cartagineses, na verdade, era
o poder dos poucos [e não a política dos ótimos], encontraram
um modo de evitar a sedição do povo porque sempre escolhiam
alguns do povo que lhes era sujeito para governar a cidade
junto com os ricos, dando-lhes a oportunidade de
enriquecerem, e com isto de algum modo conseguiam salvar a
sua política. Que as cidades que lhes eram súditas, no
entanto, não se tivessem rebelado, lhes aconteceu por pura
sorte. De fato, é necessário manter os cidadãos sem sedições
não pela sorte, mas por causa da previdência dos
legisladores. Se ocorresse alguma desgraça aos cartagineses,
de tal modo que uma grande parte de seus súditos escapasse de
seu domínio, não haveria nenhum remédio contra as sedições
que daí se seguiriam por parte das leis que eles haviam
estabelecido.
|
|