6. Levanta-se uma polêmica acerca da anterioridade do ato sobre a potência.

Podem ser levantadas dúvidas acerca da anterioridade do ato sobre a potência, porque parece [haver motivos pelos quais] a potência [pudesse ser julgada] de modo simples anterior ao ato. Ora, se o ato não é anterior de modo simples à potência, não se pode colocar o primeiro princípio das coisas ser tal cuja substância seja ato. Por outro lado, se efetivamente a potência é anterior ao ato de modo simples, seguem-se [diversos inconvenientes, mostrado a seguir]. [Portanto, devemos tratar de esclarecer devidamente esta questão].

Se a potência for anterior ao ato de modo simples, seguir-se-á que em algum tempo nada seria, [o que acontece àquilo que pode fazer-se, mas ainda não se fez]. Isto poderia acontecer de duas maneiras. De uma primeira maneira, segundo a opinião de alguns antigos poetas teológicos, que colocaram o mundo ser gerado da noite, isto é, da simples privação pré-existente. De uma segunda maneira, segundo a opinião dos filósofos naturais, os quais, vendo que pela natureza nada se faz a partir de nada, colocaram todas as coisas [terem se originado de] uma certa confusão, a qual chamavam caos. Porém, se a potência for anterior ao ato, tanto da primeira como da segunda maneira, seguir-se-á o mesmo impossível. De fato, as coisas que estão somente em potência, seja que estejam completamente sob privação, ou em alguma confusão, não poderão ser movidas, para que se reduzam ao ato, a não ser que haja alguma causa movente existente em ato.

[Isto é assim] porque, [por exemplo], a matéria nas coisas artificiais não move a si mesmo, mas é uma agente que a move, que é a arte. [Do mesmo modo], nem a menstruação, que é a matéria na geração animal, move a si mesmo, mas é o sêmem do animal que a move. [E assim também] nem a terra, que é a matéria na geração das plantas, move a si mesma, mas são as sementes das plantas que a movem.

Por causa destas razões, alguns filósofos colocaram o movimento sempre existir antes do mundo. Por exemplo, Leucipo colocou a existência de átomos móveis per se, a partir dos quais o mundo se teria constituído. Se bem que, entretanto, quanto à eternidade do movimento estes filósofos tivessem falado corretamente, foram incompletos por não terem dito qual o movimento que sempre existiu, e nem terem assinalado a causa do mesmo. Isso deveria ter sido feito, porque sempre é necessário existir algo que seja a causa do movimento. Por exemplo, nós vemos que algumas coisas são movidas pela natureza, outras pela violência, outras pelo intelecto, outras por outras causas. Daí importava que estes filósofos tivessem assinalado qual fosse a causa primeira do movimento, se a natureza, a violência ou o intelecto. De fato, muito diferiria a causa do movimento ser qualquer uma destas coisas.