11. Não existe nenhuma primeira parte do tempo no qual algo está sendo mudado de maneira primária.

[Pode demonstrar-se que não existe nenhuma primeira parte do tempo no qual algo está sendo mudado de maneira primária, mediante as seguintes considerações].

Seja AD o tempo no qual algo é primariamente mudado, [antes do qual não havia movimento, mas dentro do qual existe movimento].

Então AD pode ser

A. Divisível.

B. Indivisível.

Ora, AD não pode ser indivisível, porque o tempo é dividido da mesma maneira que o movimento. [Isto se explicou quando se mostrou o primeiro modo de divisão quantitativa do movimento].

Portanto, se alguma parte do movimento estivesse em AD, segue-se que AD é parte do tempo. E assim o tempo seria composto de indivisíveis.

Mas a unidade indivisível do tempo é o "agora". De onde se seguiria que [existem] "agoras" consecutivos um ao outro ao tempo.

[O compilador pensa esclarecer estas afirmações considerando que Aristóteles não parece querer dizer que não existe um tempo primário a partir do qual algo inicia seu movimento, porque esse tempo existe, já que todo contínuo finito apresenta alguma extremidade indivisível fora da qual não existe nada daquilo do qual esta extremidade é extremidade, assim como uma linha finita apresenta dois términos, um no início e outro no fim. Em vez disso, o que Aristóteles parece querer dizer é que, nesse tempo primário a partir do qual algo inicia o seu movimento, ainda não existe movimento. Isto é, o movimento se inicia a partir daí, mas não se inicia aí. Tratar-se-ia apenas de algo como o término do movimento precedente ou do estado de repouso precedente. Isto é o que acontece com uma linha que apresenta duas extremidades indivisíveis, a partir de uma das quais a linha começa, ou na outra termina. Em nenhuma das extremidades pode-se dizer que existe natureza de linha, porque a linha, por natureza, é divisível infinitamente, e a extremidade não. Assim também, não pode existir um tempo indivisível no qual e dentro do qual se inicia de forma primária o movimento, porque, se existisse esse tempo, existiria uma parte inicial indivisível do movimento, e uma parte inicial indivisível do movimento não pode ser movimento, porque não tem natureza de movimento, já que pertence à natureza do movimento o ser divisível. Desta maneira, existe uma extremidade indivisível a partir da qual se inicia o movimento, mas não na qual se inicia o movimento. E se se concede que esta extremidade existe, então com mais razão não poderá mais existir um momento, após esta extremidade, dentro do qual se inicia o movimento. Porque então seguir-se-ia que no tempo haberia uma sucessão de dois instantes indivisíveis, e que o tempo seria composto de "agoras" em sucessão, coisa que é impossível. Portanto, não pode existir de maneira nenhuma um momento dentro do qual se inicia um movimento de maneira primária].

[Ademais, é necessário ainda esclarecer o sentido das seguintes palavras da demonstração de Aristóteles:

"se alguma parte do movimento está em AD, então AD é parte do tempo. E se o indivisível AD é parte do tempo, então deve-se dizer que o tempo é composto de partes indivisíveis".

Isto parece ser contraditório porque daí parece se depreender que se existe uma única parte indivisível de tempo qualquer, segue-se que o tempo é composto de indivisíveis, conforme está dito. Mas isso, por sua vez, parece que não pode ser, porque o "agora" existe, e é indivisível. E nem por isso é composto de "agoras".

Quanto a isso deve-se dizer que o "agora" existe, mas não se segue daí que ele seja parte do tempo. O fato de não estar isso bem claro é que provoca a confusão acima. O tempo é, por natureza, infinitamente divisível, e cada uma de suas partes tem natureza de tempo. Ora, o "agora" não tem natureza de tempo, conforme pode ser visto recapitulando certos conceitos da teoria do tempo. A teoria do tempo diz que o antes e o depois existem em primeiro lugar no lugar e na magnitude, porque a magnitude é quantidade que tem posição e o antes e depois pertencem à natureza da posição. O antes e o depois existem no movimento como conseqüência do fato de existir antes e depois no lugar e na magnitude. E no tempo, como conseqüência de existir no movimento. O tempo é conseqüente do movimento, mas não do movimento enquanto movimento, mas na medida em que o movimento apresenta antes e depois. E o movimento apresenta antes e depois apenas no sujeito, porque pela razão o antes e o depois não pertencem ao movimento, mas à magnitude. Nós conhecemos o tempo quando distinguimos o movimento determinando-lhe um antes e depois. Dizemos que o tempo passa quando apreendemos um antes e um depois no movimento. Como se disséssemos que existe o tempo numerando o antes e o depois no movimento. Portanto, se nós apreendemos um "agora" e não discernimos no movimento um antes e depois, não podemos dizer que há tempo, porque não há movimento, e não há antes e depois. E como não existe antes e depois no "agora", pode-se ver claramente que o "agora" não é tempo e não apresenta natureza de tempo. Da mesma maneira, se discernimos no movimento um antes e depois, mas tomamos o mesmo "agora" como sendo o fim do antes e princípio do depois, também pode-se dizer que não há movimento, e, portanto, não há tempo. Vê-se, portanto, mais claramente ainda, que o "agora" não é tempo. Além disso, o "agora", que é a única parte [no sentido especial explicado mais adiante] do tempo que existe em ato, é aquilo pelo qual nós conhecemos o tempo. Assim como nós percebemos um movimento através de um mesmo objeto móvel que se encontra em posições diversas, e assim trata-se de um objeto móvel diferente pela razão, mas não pelo sujeito, assim também nós percebemos o tempo através de um mesmo "agora", que se torna diferente pela razão, mas não pelo sujeito. Ora, o objeto móvel é diferente do movimento em si mesmo. O objeto móvel não é parte do movimento, [apesar de existir conjuntamente com ele]. Da mesma maneira, o "agora" é diferente do tempo em si mesmo, e não é parte do tempo, [apesar de existir conjuntamente com ele]. Porque o objeto móvel está para o movimento assim como o "agora" está para o tempo.

Entretanto, existe uma maneira especial pela qual se pode dizer que o "agora" é parte do tempo.

Se o "agora" não fosse de maneira alguma parte do tempo, como somente existe o "agora" em ato, o tempo seria apenas uma construção da alma sem existência fixa nas coisas. Para não se chegar a este extremo, que parece contrário à realidade, pode-se dizer que esta afirmação é quase verdadeira, porque o tempo é, em sua quase totalidade uma construção da alma, sem existência fixa nas coisas, exceto uma parte indivisível do mesmo, que apresenta natureza de tempo apenas de uma maneira extremamente imperfeita. Essa parte é o "agora". Por isso é que Aristóteles diz que se a alma não existisse, o tempo teria algum tipo de ser, mas um ser muito imperfeito.

Mas, não obstante isso, a rigor pode-se dizer que o "agora" não é parte do tempo, e nem apresenta natureza de tempo.

Retornando à passagem da demonstração que está sendo comentada, dizia ela "se alguma parte do movimento está em AD, então AD é parte do tempo".

Isso é claro, porque onde existe movimento, existe o tempo. Mas no "agora" indivisível não existe movimento, e, portanto, não pode existir tempo. Mas se, por absurdo, houvesse movimento no "agora" indivisível, teria que existir tempo no "agora" indivisível. E se existisse tempo no "agora" indivisível, o "agora" seria parte do tempo, e o tempo seria composto de indivisíveis. Por isso é que essa parte da demonstração conclui]:

"e se o indivisível AD é parte do tempo, então deve-se dizer que o tempo é composto de indivisíveis".

"Mas a unidade indivisível do tempo é o "agora". De onde se seguiria que [existem] "agoras" consecutivos um ao outro no tempo".

[A demonstração do Filósofo continua dizendo que] tendo negado que AD é indivisível, necessariamente segue-se que AD é divisível. E se em AD algo é primariamente mudado, [conforme explicado no início da demonstração], segue-se que este algo está sendo mudado em toda a parte de AD. Mas o tempo é divisível até o infinito. De onde fica claro que não existe nenhum [primeiro] tempo [divisível] no qual algo está sendo primariamente movido. Por exemplo, não se pode dizer que um dia é aquilo no qual algo está sendo primariamente movido em primeiro lugar. Porque ele estava sendo movido na primeira hora daquele dia antes que o estivesse sendo naquele dia todo. [E, se for admitido que deve então existir uma primeira parte não divisível, recaímos na contradição anterior].