|
O Filósofo levanta a questão sobre se mais convém
que o reino seja governado por leis ótimas ou por homens
ótimos. Primeiro mostrará argumentos pelos quais pareceria
que mais conviria que o reino fosse regido por um homem
ótimo; em seguida, mostrará argumentos opostos, segundo os
quais melhor conviria que fosse governado por leis ótimas.
Que seria melhor que um reino fosse governado por
um homem ótimo do que por leis ótimas pode ser mostrado pela
razão e pelo exemplo. De fato, alguns opinam que a cidade
mais convém ser regida por um homem ótimo porque a cidade é
melhor governada por aquele que pode findar todas as disputas
que emergem. Ora, isto não pode ser feito pela lei, porque a
lei não declara senão o universal, nada dizendo sobre o
particular. Os particulares são infinitos e não podem ser
apreendidos, de onde que é impossível que a lei ordene aquilo
que diz respeito às novas situações que emergem. Isto, porém,
pode ser feito pelo homem ótimo pela sua prudência, a qual
possui o reto julgamento dos agíveis e o reto apetite pela
virtude moral.
Pode-se interpor um exemplo a este respeito, pois
vemos nas demais artes que não é sempre bom agir segundo a
arte escrita porque há coisas escritas segundo as quais, se
fossem executadas, causariam dano aos outros, como é evidente
na Medicina. O médico, de fato, não considera em tudo o que
está escrito em sua arte, porque muita coisa é relegada à
prudência do próprio médico. É assim que entre os egípcios
estava escrito que somente seria permitido aos médicos
removerem uma doença por meio de um remédio após terceiro
dia, pois antes do terceiro dia ele não poderia compreender
bem a natureza da doença e, se tentasse medicar o paciente
antes do terceiro dia poderia colocá-lo em perigo. Ora, nunca
foi bom observar esta conduta em todas as coisas, pois em
alguns casos o paciente deveria ser medicado antes ou mesmo
depois do terceiro dia, segundo a diversidade dos remédios e
das doenças.
Algo semelhante ocorre na política, que não convém
ser governada sempre por escrito ou pela lei, porque a lei às
vezes falha em algum [caso] particular e então necessitará de
alguém que dirija. De onde que parece manifesto que é melhor
que o reino seja governado por um homem ótimo do que por leis
ótimas.
[Por outro lado, pode-se dizer que] é melhor que a
cidade seja governada por leis ótimas porque convém que os
governantes sejam dotados de uma razão universal. Portanto, é
melhor que a cidade seja governada por aquele que não possui
paixões conjuntas do que por aquele que as possui por
natureza, pois as paixões pervertem o julgamento da razão. A
paixão, de fato, é um movimento do apetite sob a fantasia do
bem ou do mal. A lei, porém, não possui paixões conjuntas,
enquanto que o homem as possui. Portanto, [parece] ser melhor
que a cidade seja regida por ótimas leis do que por um homem
ótimo.
É possível, no entanto, objetar ainda que embora o
homem tenha paixões que lhe são naturalmente conjuntas,
todavia o homem bom se aconselha acerca das coisas singulares
[ou individuais], e segundo a deliberação realizada ele
julgará retamente. Portanto, [pareceria nesse caso] que será
melhor para a cidade ser regida por um ótimo homem do que por
uma ótima lei.
|
|