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Depois que o Filósofo mostrou quais são as
disciplinas nas quais as crianças costumam ser educadas na
cidade e por causa de que devem ser educadas nas mesmas,
volta a declarar com mais pormenor por causa de que as
crianças devem ser educadas na música, quando e em quais de
suas partes.
O Filósofo declara que devemos determinar de um
modo mais certo sobre a música, pois não é fácil conhecer
sobre a mesma qual a sua virtude e potência e qual a ciência
nela contida, nem também se se deve participar da música por
causa da brincadeira e do repouso, como alguns querem.
Há, de fato, os que sustentam que a música existe
por causa da atividade lúdica e do repouso, assim como também
os homens sustentam que o sono e a ebriedade também são para
estes fins. O sono e a ebriedade, segundo se, não são coisas
boas nem sequer são coisas estudiosas, embora sejam
deleitáveis aos homens. O sono existe para fazer cessar o
trabalho e para o repouso. A ebriedade, por ser deleitável
devido à multiplicação dos espíritos e por fazer cessar a
solicitude quanto às coisas que devem ser feitas, [possui o
mesmo efeito]. Quem, de fato, não possui mais solicitude
quanto às coisas agíveis, também não considera mais sobre as
mesmas. Tanto o sono como a ebriedade removem as
considerações e o uso da razão e, por causa desta deleitação
e da remoção das solicitudes, alguns ordenam a estes fins
tanto o sono quanto o vinho, a ebriedade e a música, aos
quais há outros ainda que acrescentam [a dança].
Não é fácil discorrer sobre a música e mostrar se
ela não deverá ser buscada mais por sua relação para com a
virtude, do que como um costume poderoso que nos torna
capazes de julgar retamente e deleitar-mo-nos segundo a
razão, dispondo à virtude e conferindo algo à prudência.
Deve-se entender que o som da harmonia da música é
primeiro apreendido pelo ouvido e a música, ao movê-lo
proporcionalmente, induz a deleitação, deleitação à qual
podem participar todos. Mas, feito isto, na intenção do som
harmônico, a inteligência considera a razão e a causa da
proporção como algo inteligível segundo si mesmo e em que há
alguma perfeição do intelecto que o Filósofo nesta passagem
parece chamar de razão para ocupar-se. Esta é uma causa pela
qual o Filósofo diz que a música deve ser imediatamente
buscada, isto é, por causa do conhecimento da verdade que há
nela.
A este conhecimento da verdade das proporções
musicais segue-se uma deleitação intelectual, como a toda
operação do intelecto. O julgamento, porém, das proporções
harmônicas, e a deleitação que se lhes segue, pertencem às
coisas que são segundo a reta razão e, semelhantemente,
pertence também às coisas que são segundo a virtude. Por
causa disto o exercício de julgar sobre as mesmas é um certo
exercício para as coisas que são segundo a virtude, conforme
o Filósofo o declarará em seguida. É neste sentido que a
música é dita ter potência para os costumes, que é o terceiro
motivo por causa do qual o Filósofo diz que convém que [as
crianças] sejam exercitadas na música.
É racional, diz o Filósofo, aprender a música e
dela participar por causa dos seguintes três motivos: como
uma atividade lúdica, para a [perfeição do intelecto no
conhecimento da verdade, a que Aristóteles denomina de razão
de ocupar-se], e para a disciplina e os costumes.
Muitos, porém, buscam a música apenas para
repousarem nos prazeres musicais e colocam nisto o seu fim.
Poucos homens, de fato, alcançam o fim último da vida humana
e mesmo assim raramente, seja por causa dos impedimentos por
parte da natureza, pelos costumes ou por outros impedimentos
exteriores. Ademais, costumam eles também fugir por natureza
da tristeza [ou dificuldade] que há nas ações trabalhosas
necessárias para alcançar o fim último. Para isto se utilizam
da música e de outras atividades, não para outras coisas,
senão apenas por causa da deleitação. Por não poderem
alcançar a felicidade que há no fim [último] do homem, passam
a buscar a própria deleitação por si mesmo e o repouso que há
nas atividades lúdicas e na música, pois a estas podem
alcançar. A razão é que o fim último da vida humana possui
uma certa deleitação, não qualquer, mas a máxima;
semelhantemente a música e a atividade lúdica também possuem
uma certa deleitação e, por este motivo os homens, buscando
na realidade a primeira que está no fim último e não podendo
alcançá-la, aceitam aquela que há na atividade lúdica e na
música em lugar de outra que é mais nobre, por uma certa
semelhança entre estas e o fim último. O fim último, de fato,
não é por causa de outro futuro; chamamo-lo, de fato, de fim
último porque ele próprio não é feito por causa de nenhum
outro. As deleitações que há na atividade lúdica e na música,
[tal qual o fim último do homem], não são buscadas por causa
de outro bem futuro, mas são buscadas por causa do trabalho e
da tristeza de trabalhos já feitos, para que sejam abrandados
ou removidos.
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