III. SOBRE A VONTADE.


1. O que é a vontade.

[O ato da vontade é denominado pela sua própria potência e por aquilo em que a potência por primeiro e per se tende]. Como foi dito anteriormente, a vontade é mais do fim do que daquilo que se ordena ao fim, porque as coisas que se ordenam a um fim nós a queremos por causa do fim. [Por vontade, aqui se pretende significar] o ato da potência da vontade. Ora, o ato de qualquer potência é denominado pela própria potência que diz respeito àquilo em que a potência por primeiro e per se tende, assim como a visão é dita ato da potência visiva por sua ordenação ao visível. Deste modo é que o intelecto é dito por relação aos primeiros princípios, os quais per se e por primeiro se comparam à potência intelectiva. De onde que a vontade é dita propriamente dos fins que como certos princípios por primeiro e per se dizem respeito à potência da vontade. [Aqui então, coloca-se o problema de se determinar quais sejam estes fins que por primeiro e per se dizem respeito à potência da vontade].

[Os antigos filósofos colocaram duas opiniões sobre os fins que por primeiro e per se dizem respeito à vontade]. A primeira [pertence àqueles cujo parecer era] que a vontade fosse daquilo que é bem per se. A segunda [pertence àqueles cujo parecer era] que a vontade fosse daquilo que aparece como bem [voluntas sit eius quod est apparens bonum].

Se fosse verdade a opinião daqueles que dizem que nada é voluntabile, isto é, aquilo em que a vontade é trazida, a não ser o que é bem per se, seguir-se-ia que não seria voluntabile aquilo que alguém não corretamente quisesse.

Se fosse verdade a opinião daqueles que dizem que o voluntabile é o bem aparente, seguir-se-ia que nada seria voluntabile segundo a natureza, mas para cada um seria voluntabile aquilo que a si mesmo parecesse. Ora, a diversas pessoas parecerão voluntabiles coisas diversas, e às vezes coisas contrárias. [Se isto acontecesse com a cor], de tal maneira que não fosse a cor o visível, mas aquilo que parecesse cor, seguir-se-ia que nada seria visível [segundo a natureza]. [Ora], isto é inconveniente, porque para qualquer potência natural há um objeto determinado [segundo a natureza]. Portanto, não pode ser verdade que a vontade é do que aparenta ser bem [apparens bonum].

A solução dos inconvenientes que se seguem a ambas as opiniões acima é conseguida distinguindo-se que, de modo simples é voluntabile o bem per se, e segundo algo [secundum quid] é voluntabile o bem aparente.