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Supondo que fosse ótimo para a cidade que ela
fosse maximamente una, todavia não parece que ela se torne
maximamente una pelo fato de que todos simultaneamente digam
"isto é meu". Se, de fato, tudo fosse comum, ninguém poderia
dizer "isto é meu". Todavia, Sócrates considerava que este
seria o sinal de que a cidade fosse perfeitamente una.
Parecia-lhe, de fato, que as dissensões na cidade se
originavam do fato de que alguém cuida de seu próprio bem
enquanto que outro cuida do bem próprio deste outro e, deste
modo, o estudo dos homens se dirige a [objetivos] diversos.
Se todos, porém, dissessem de uma só e mesma coisa "isto é
meu", o estudo de todos se dirigiria a uma só coisa e assim,
conforme julgava Sócrates, a cidade seria maximamente una.
[Deve-se dizer, porém], que quando alguém afirma
que "todos dizem isto é meu", esta proposição pode ser
entendida de duas maneiras, na medida em que a palavra
"todos" possa ser entendida distributiva ou coletivamente.
Se a palavra "todos" é entendida
distributivamente, o sentido da proposição seria que cada um
por si mesmo poderia dizer de tal coisa "isto é meu", e
então talvez seria verdade o que Sócrates diz que, neste
caso, cada um amaria um só e mesmo filho como um filho
próprio, e semelhantemente uma só e mesma mulher como sua
própria mulher. Portanto deveremos dizer que, neste sentido,
se todos dissessem de u a mesma coisa que tal coisa fosse
sua, isto seria um bem, isto é, na medida em que a palavra
"todos" fosse tomada distributivamente. [O problema, porém,
consiste em que] tal caso não é possível, porque implica uma
contradição, já que, pelo fato de que algo seja próprio de
alguém, já não o pode ser de outro.
Se, porém, a palavra "todos" for tomada
coletivamente, isto já não seria conveniente para a cidade,
mas incoerente com ela. De fato, aqueles que usassem as
esposas e os filhos em comum não diriam "todos", no sentido
distributivo, "isto é meu", mas o diriam coletivamente, na
medida em que possuiriam uma só coisa comum, de tal maneira
que ninguém por si mesmo poderia dizer [propriamente] "isto
é meu". O mesmo raciocínio vale não só para as mulheres e
crianças, mas também para toda a posse. Se toda a posse fosse
comum, ela não seria, segundo si mesma, própria de ninguém.
Deste modo é evidente que Sócrates utilizou-se de
um certo silogismo sofístico ao afirmar que quando todos
dissessem "isto é meu", isto seria um sinal de perfeita
unidade. As palavras "todos" e "ambos", de fato, por causa
de sua duplicidade, produzem silogismos sofísticos, como
quando alguém diz, colocando três coisas de um lado e três de
outro afirma:
Esta afirmação é verdadeira se "ambos" for tomado
coletivamente, porque [o primeiro grupo de três colocado em
conjunto com o segundo grupo de três produz coletivamente um
par]. Mas, se tomarmos a palavra "ambos" distributivamente,
ambos [os grupos, isto é, tanto o primeiro como o segundo
grupo de três] serão ímpares.
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