10. A ordem pela qual o corpo, o apetite e a inteligência devem ser dispostos para a virtude.

Tendo declarado qual é o fim último da vida humana ótima, conseqüentemente o Filósofo quer investigar por quais meios e de que maneira os homens se tornam bons e estudiosos em relação a este.

Como já havia sido distinguido que há três coisas necessárias para tanto, isto é, a natureza, o costume [ou o apetite] e a razão, devemos considerar primeiro se os homens devem ser instruídos primeiro segundo a razão ou inteligência ou segundo o costume ou apetite, e se devem ser dispostos antes segundo a alma ou segundo o corpo. É necessário que estas coisas convenham, entre si com a devida conveniência, de tal modo que aquilo que por natureza é anterior seja disposto primeiro e o que é posterior seja disposto depois.

Como a razão é posterior à natureza e a imita, é ótimo que nas coisas que pertencem à razão segamos a disposição da natureza, de tal modo que antes sejam consideradas e dispostas as coisas que segundo a natureza devem ser consideradas e dispostas por primeiro.

O Filósofo prossegue declarando primeiro que os futuros homens estudiosos e bons devem ser antes dispostos segundo o corpo do que segundo a alma, e antes segundo o apetite do que segundo a inteligência.

Em todas as coisas nas quais existe algum fim as coisas que se ordenam ao fim devem ser ordenadas ao fim e serem dispostas segundo o que é congruente com as mesmas. Ora, é manifesto que, assim como nas demais coisas que são segundo a natureza e segundo a arte a geração se inicia por algum primeiro princípio imperfeito e termina em algo perfeito que é fim, assim também no homem a geração se inicia por algo imperfeito e tende a algo que é perfeito e fim.

Ora, este termo e fim natural do homem é a razão e a inteligência em ato, e não em potência, pelo que é necessário ordenar a geração do próprio homem e o estudo sobre os costumes e as disposições da mesma à razão, e ordená-las segundo o que lhes é congruente.

O apetite irracional precede pela geração o intelecto em ato pois, assim como o corpo e a alma são duas coisas diversas entre si, porque o corpo possui duas coisas diversas entre si, porque o corpo possui razão de matéria e de sujeito, enquanto que a alma possui razão de ato, assim também vemos que a alma do homem possui duas partes, das quais uma possui razão de movido e de sujeito, enquanto que a outra possui razão de principal movente. Estas [partes da alma] são o apetite irracional, que [inclina-se por natureza] a ser regulado pela razão, e a parte racional por essência que possui razão de movente.

Há para estas duas partes da alma dois hábitos diversos segundo o número. O primeiro é a virtude moral, o segundo é a virtude intelectual, dos quais um pertence ao apetite e o outro pertence ao intelecto ou razão. Assim como o corpo, portanto, segundo a via da geração, precede a alma, assim também o apetite irracional precede o intelecto e a razão em ato, o que é evidente pelo fato de que o ânimo, isto é, a virtude irascível, o prazer e a concupiscência já existem nas crianças imediatamente desde o nascimento. O intelecto e a razão em ato, porém, não existem senão depois de um certo decurso de tempo.

De tudo o que foi dito o Filósofo conclui que é necessário primeiro dispor o corpo do que a alma, e o apetite antes do intelecto, dizendo que, por causa destas coisas, isto é, que é necessário primeiro buscar e dispor as coisas que se ordenam ao fim antes [de dispor] o mesmo fim, e que o corpo se ordena ao intelecto e à razão como a um fim, conforme foi provado anteriormente, e o apetite semelhantemente, como a matéria se ordena à forma, é manifesto que é necessário cuidar antes do corpo do que da alma. Depois é necessário cuidar das coisas que pertencem ao apetite por causa do intelecto e, por causa disto, cuidar de todas as coisas que são da própria alma. De fato, todas as partes da alma e seus hábitos se ordenam à perfeição, que é segundo o intelecto.

9. A união conjugal.

Já que o ótimo legislador deve preocupar-se primeiramente acerca de como e por quais coisas os cidadãos são otimamente dispostos segundo o corpo e a disposição ótima dos cidadãos depende em primeiro lugar da boa disposição dos que os geram no ato da geração, o qual se realiza pela união do homem e da mulher através do vínculo conjugal, deverá portanto considerar as coisas que dizem respeito a esta união ou vínculo, isto é, em que idade, em que tempo e de que modo será feliz para os que se casam a união conjugal.

O legislador que deseja a boa disposição futura das crianças deve ordenar leis e estatutos sobre a comunicação nupcial dos cidadãos, considerando a disposição dos mesmos no tempo em que se casam, que sejam perfeitos em si mesmos, e aptos à geração e também considerando o tempo de vida de ambos, do homem e da mulher, isto é, quanto cada um pode viver segundo a natureza.

Deve-se considerar também a sucessão das crianças aos pais. Assim como os pais, segundo a lei da natureza, têm filhos para educá-los e discipliná-los até à perfeição, assim também, quando a necessidade torna alguns pais impotentes, os filhos devem auxiliá-los em suas necessidades.

O auxílio que pode ser dado aos pais idosos pelas crianças nascidas em sua velhice é de pouca utilidade por causa da impotência dos filhos. Semelhantemente o auxílio que pode ser dado às crianças geradas na velhice por pais idosos é débil por causa de sua impotência devido à senilidade. Por este motivo não convém que a união conjugal se realize entre idosos, nem tampouco muito próxima do início do nascimento, isto é, entre pessoas muito jovens. Os filhos venerarão mal pais ainda jovens e terão uma menor reverência em sua presença como a coetâneos e como que educados junto com eles.

O termo último da geração para os homens é determinado. Este termo, para os homens é, na maior parte dos casos, setenta anos e para as mulheres, na maior parte dos casos, cinquenta anos. O período de geração da mulher é mais breve do que o do homem, porque as mulheres são, por natureza, de menor virtude e calor do que os homens. Convém, por este motivo, para evitar dissensões no matrimônio, que a potência da geração termine simultaneamente em ambos.

Deve-se considerar, ademais, que o coito dos jovens é mau, por várias razões. Um dos motivos provém do próprio parto; as mulheres que concebem em uma idade imperfeita sustentam uma maior dor e muitas morrem, seja por causa da pequenez dos órgãos que se ordenam ao parto, seja por causa da debilidade das forças pois quanto menores forem as forças para resistir, tanto maior será a dor, conforme vemos que os mesmos pesos parecem mais pesados para os mais débeis. Nos jovens sabemos que as forças são menores e por isso o parto pode ser mais doloroso até o ponto de induzir a morte. O coito, ademais, é menos conveniente nos jovens por causa da virtude da temperança, convindo por este motivo aos mais idosos; os jovens que estão mais acostumados ao coito desde a juventude são mais intemperantes. De fato, as coisas às quais somos mais acostumados nos são mais deleitáveis e às coisas que nos são mais deleitáveis mais nos inclinamos. O coito dos jovens, ademais, é mau porque o corpo dos homens acostumados ao coito na idade imperfeita enquanto o corpo está em aumento é lesado e padece defeito na quantidade e na compleição que lhe é determinada.

Há, de fato, um certo tempo determinado em que os animais crescem que não é muito excedido pelo tempo destinado à geração. Assim que o crescimento cessa e o corpo é perfeito, convertendo-se mais alimento do que o que é necessário à nutrição, este é mais convenientemente ordenado à geração. O coito dos corpos não perfeitos produz um detrimento quanto à compleição por causa do resultado da secura e da frigidez, consumindo simultaneamente o quento e o úmido, de onde que o Filósofo diz no terceiro livro De Causis, comentando a duração e a brevidade da vida, que os animais muito coitivos e multi espermantes envelhecem rapidamente.

Já que o fim da geração nos homens em sua maior parte se dá aos setenta anos e nas mulheres em sua maior parte se dá aos cinqüenta e convém que os esposos simultaneamente careçam da potência de gerar, o coito doa jovens em seus corpos imperfeitos é mau, o corpo das mulheres em sua maior parte se torna perfeito aos dezoito anos e o dos homens aos trinta e seis, mais convém que o matrimônio se realize entre uma mulher de aproximadamente dezoito anos e um homem de aproximadamente trinta e seis anos. Deste modo se reunirão em corpos perfeitos e por conseqüência também nas virtudes.

A sucessão dos filhos em relação aos pais será mais oportuna se o casal, unido quando a mulher completa dezoito anos e o homem trinta e seis, gerar imediatamente. Os filhos sucederão aos pais no início de seu estado de corpo perfeito, aproximadamente no seu trigésimo ano de vida, quando a mãe tiver cerca de cinquenta e o pai cerca de setenta. Os pais, por causa de sua idade, já impotentes, serão auxiliados pela potência dos filhos já em sua perfeita idade.

Deve-se entender, porém, que embora os homens e as mulheres sejam da mesma espécie, todavia o período de vida de ambos não é o mesmo, porque o tempo de duração [de sua vida] não segue a razão da espécie comum de ambos, mas a virtude da compleição. Ora, a virtude da compleição é muito mais forte no homem do que na mulher por causa da abundância do calor e de sua melhor proporção quanto às demais qualidades. Por isso, segundo a natureza, os homens são de vida mais longa do que as mulheres. E porque aquilo que é mais perfeito necessita de mais tempo para a sua perfeição quanto mais coisas forem exigidas à sua perfeição, e os homens são mais perfeitos do que as mulheres, por isso necessitam de mais tempo para alcançarem a sua perfeição do que as mulheres, em sua maioria, embora, por causa da imperfeição da matéria, possa acontecer o contrário.