9. A legislação proposta por Sócrates diminuiria a amizade entre os cidadãos.

Depois que o Filósofo mostrou que a causa que Sócrates apontou para a sua lei não era racional, isto é, que seria ótimo para a cidade que fosse maximamente una, e em seguida mostrou também que a máxima unidade não poderia, [ainda que fosse um bem para a cidade], provir da comunidade das mulheres e dos filhos, deseja agora mostrar algumas dificuldades e inconvenientes que se seguem a tais leis. [Dos seis inconvenientes apontados a seguir por Aristóteles, esta compilação recolhe apenas o quarto].

Diz o Filósofo que de leis [como as que foram propostas por Sócrates] deve-se esperar completamente o contrário daquilo que pretendem aqueles que fazem leis corretas.

Todos comumente consideramos que a amizade é o maior bem da cidade porque, se houver amizade entre os cidadãos, minimamente haverá sedições, e é isto o que pretendem todos os legisladores, para que a cidade viva sem sedições. De onde que todos aqueles que estabelecem leis corretas pretendem que haja amizade entre todos os cidadãos. Sócrates também afirma que seria ótimo para a cidade que fosse una; ora, a unidade mútua entre os homens é efeito da amizade, conforme comumente parece a todos, e como também o próprio Sócrates o diz. Aristófanes também sustenta o mesmo nos discursos que compôs sobre o amor, ao afirmar que os que se amam mutuamente desejariam que se tornassem um só pela natureza mas, como isto não pode ser, desejam que se tornem um só o quanto lhes é possível.

Mas na cidade [proposta por Sócrates], devido à comunicação das mulheres e dos filhos, seguir-se-ia que a amizade diminuiria e o amor pelo qual um pai pode dizer de alguém "este é o meu filho" terá um mínimo de peso, porque ele dirá isto simultaneamente de muitos outros que vivem na cidade, assim como ocorrerá com os filhos, que dirão "este é o meu pai" de muitos outros.

De fato, observa-se que quando alguém coloca uma pequena quantidade de algo doce em uma grande quantidade de água, produz-se uma mistura sem sabor, como quando, colocando-se um pouco de mel em muita água, não se percebe mais a doçura do mel. De onde que a familiaridade que por meio destes nomes se produz numa cidade, pela qual alguém diz "este é meu pai" ou "este é meu filho" ou "este é meu irmão", pouco cuidado inspirará, [não mais do que] se alguém mais idoso disser de alguém mais jovem que este é seu filho ou vice versa, ou se todos os da mesma idade se chamarem de irmãos.

A razão disto é que há duas coisas que maximamente fazem os homens solicitamente cuidar dos outros e maximamente amá-los. A primeira é que o outro [pertence de modo] próprio e singular a eles. É por isso que os homens tem mais cuidado com as próprias coisas do quem com as coisas comuns, conforme já anteriormente comentado. A segunda é um amor especial que alguém possa ter a outro, o qual amor é maior para aqueles a quem se ama singularmente do que para aquele a quem se ama simultaneamente com muitos outros, conforme vemos que os pais mais amam os filhos unigênitos do que se tiveram muitos filhos, como se o amor diminuísse pela comunicação a muitos.

Assim, portanto, é evidente que se existisse uma ordenação civil tal como a ordenada pelas leis de Sócrates, diminuiria a amizade mútua dos cidadãos, o que seria contra a intenção do legislador.