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Há três razões pelas quais não é a mesma a virtude
do bom cidadão e a virtude do bom homem.
Para expor a primeira deve-se antepor uma
semelhança para compreendermos qual é a virtude do bom
cidadão. Assim como o marinheiro significa algo que é comum a
muitos, assim também o cidadão [significa algo que é comum a
muitos]. Alguns marinheiros são remadores, aos quais compete
mover o navio pelos remos, outros são governadores, que
dirigem o movimento do navio pelo leme, outros são proeiros,
ou guardiões da proa, que é a parte da frente do navio, e
outros têm outros nomes e ofícios. Ora, é manifesto que a
cada um destes convém algo segundo uma virtude própria e
outro algo segundo uma virtude comum.
Pertence à virtude própria de cada um possuir uma
razão diligente e o [devido] cuidado para com o seu próprio
ofício, assim como o governador em relação ao governo e cada
um dos restantes para com o seu próprio ofício. A virtude
comum é aquela que convém a todos, pois a obra de cada um
deles tende a que a navegação seja salva, ao que tende o
desejo e a intenção de qualquer marinheiro, e é a isto que se
ordena a virtude comum dos marinheiros, que é a virtude do
marinheiro enquanto marinheiro.
Do mesmo modo, existindo diversos cidadãos que
possuem ofícios dessemelhantes, assim como posições
dessemelhantes pelas quais se exercem as operações que lhes
são próprias na cidade, a obra comum a todos é a salvação da
comunidade, a qual comunidade consiste na ordem política.
De onde que é evidente que a virtude [do cidadão]
enquanto cidadão dever ser considerada por ordenação à
política, de tal maneira que seja bom cidadão aquele que bem
opera para a conservação da política.
Há, entretanto, diversas espécies de política,
como adiante se dirá, das quais algo anteriormente também foi
manifestado, e para estas diversas políticas os homens são
bem ordenados segundo virtudes diversas. De um modo, de fato,
conserva-se o estado popular, e de outro modo o poder dos
poucos ou a tirania. De onde que fica manifesto que a virtude
política não é a virtude perfeita segundo a qual o cidadão
pode ser dito bom de modo simples. Um homem é dito virtuoso
[de modo simples] segundo uma [determinada] virtude perfeita,
que é a prudência, da qual todas as virtudes morais dependem.
Pode ocorrer, portanto, que alguém seja bom
cidadão, sem todavia ter a virtude segundo a qual alguém é
bom homem; e isto ocorre nas políticas que não são a política
ótima.
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