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Houve alguns que disseram existir o destino,
[colocando-o] na força dos corpos celestes. Segundo eles,
nada mais é o destino do que a força da posição dos astros.
Mas, [ainda que exista esta causa], dela nunca poderá provir
a necessidade em todas as coisas que ocorrem.
De fato, muitas coisas são feitas a partir da
inteligência e da vontade, as quais per se e diretamente não
estão submetidas à força dos corpos celestes. O intelecto ou
razão e a vontade, que está na razão, não são atos de um
órgão corporal, conforme se demonstra no III do De Anima; é,
portanto, impossível que o intelecto ou razão e a vontade
esteja submetidos diretamente à força dos corpos celestes;
nenhuma força corporal pode agir per se a não ser sobre uma
coisa corpórea.
[Já o mesmo não ocorre com as] forças sensitivas
[no homem]. Estas, na medida em que são atos dos órgãos
corporais, podem submeter-se à ação dos corpos celestes. É
por isso que o Filósofo, no III do De Anima, atribui aos que
colocavam o intelecto não diferir do sentido a opinião dos
que dizem que a vontade do homem estaria submetida ao
movimento do céu.
Indiretamente, porém, a força dos corpos celestes
[pode] redundar ao intelecto e à vontade, na medida em que o
intelecto e a vontade se utilizam das forças sensitivas.
[Mas, mesmo assim], é manifesto que as paixões das forças
sensitivas não podem induzir necessidade à razão e à vontade;
[temos como exemplo disto o caso] dos homens continentes,
aqueles que possuem más concupiscências mas que, [ao
contrário dos homens ditos incontinentes], [apesar de
possuírem estas paixões más], não se deixam conduzir por
elas, conforme diz o Filósofo no VII da Ética. Assim,
portanto, da força dos corpos celestes não pode proceder a
necessidade nas coisas que são feitas pela razão e vontade.
Algo semelhante a isto, porém, pode ser dita não
apenas da razão e da vontade humana, como também dos demais
efeitos corporais das coisas corruptíveis, nas quais ocorrem
muitas coisas por acidente. Ora, o que é por acidente não
pode ser reduzido como a uma causa per se em alguma virtude
natural, porque a virtude da natureza [possui inclinação] a
uma só coisa. O que, porém, é por acidente, não é uno, de
onde que o Filósofo diz, no livro sobre "O Sono e a
Vigília", que muitas coisas cujos sinais preexistem nos
corpos celestes, como nas chuvas e nas tempestades, não
ocorrem, porque são impedidas `per accidens', [isto é, por
uma acidentalidade ou circunstancialidade]. E, embora mesmo
este impedimento, considerado em si mesmo, possa ser reduzido
a alguma causa celeste, todavia o concurso [ou a
coincidência] deles, sendo uma acidentalidade, não pode ser
reduzido a nenhuma causa naturalmente agente.
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