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As leis propostas por Sócrates parecem boas
[quando consideradas em sua] superfície, e parecem amáveis
aos homens por dois motivos.
O primeiro se deve ao bem que alguém espera como
futuramente proveniente de tais leis. De fato, quando alguém
ouve dizer que entre os cidadãos tudo será comum, recebe isto
com alegria, considerando a amizade admirável que haverá por
causa disso no futuro entre os homens de todos para com
todos.
O segundo motivo se deve aos males que os homens
consideram que seriam removidos por meio de tais leis. De
fato, muitos atribuem os males que hoje se fazem nas cidades,
como as querelas que há entre os homens por causa de
contratos, os julgamentos baseados em falsos testemunhos, a
adulação dos pobres por parte dos ricos, como tendo a sua
causa no fato de que as posses não são comuns.
Mas, se alguém considerar corretamente, nenhuma
destas coisas se deve ao fato das posses não serem comuns,
mas sim à malícia dos homens. Ao contrário, o que se observa
é que aqueles que possuem coisas em comum muito mais litigiam
entre si do que aqueles que possuem posses separadas. Como,
porém, são poucos aqueles que tem posses em comum em relação
aos que as tem divididas, por causa disso um menor número de
litígios procede da comunidade de posses. Se, entretanto,
todos tivessem tudo em comum, muito maior número de litígios
haveria.
O homem não deve considerar apenas quantos males
são evitados por aqueles que têm as posses em comum, mas
também de quantos bens estes se privam. O legislador deve
tolerar alguns males para que não se impeçam bens maiores.
Ora, tantos são os bens impedidos por estas leis propostas
por Sócrates, que a própria convivência parece tornar-se
impossível, como é evidente pelos inconvenientes acima
mencionados.
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