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Depois que o Filósofo colocou a primeira raiz e o
primeiro princípio da corrupção das repúblicas, e os modos
pelos quais se transmutam, determina universalmente as causas
desta corrupção e transmutação. Já que a nossa intenção, diz
o Filósofo, é a consideração das coisas que dão origem as
sedições e as transmutações das repúblicas, deve-se tomar
primeiro em universal os princípios e as causas da
transmutação e da corrupção das repúblicas.
O Filósofo diz que a causa dos homens de algum
modo se disporem a promover as sedições e as turbações é a
que foi mencionada, isto é, que alguns homens, por apetecerem
o igual, se não crêem terem o igual, mas terem menos do que o
igual, sendo todavia iguais, ou estimam-se serem iguais aos
que mais receberam, movem as sedições. Já outros querem ter o
desigual e ainda mais, estimando-se serem desiguais e
excederem os outros. Estes, se estimam não terem o mais, mas
o igual ou o menos, movem a sedição.
Ocorre, porém, que o mais e o igual pode ser
apetecido justa e injustamente. Se, de fato, alguém é digno
de possuir o igual, possuindo o bem da virtude de modo
simples e de maneira igual aos outros, então pode apetecer [o
igual] de modo justo. Se, porém, não for digno, o apetecerá
injustamente.
Semelhantemente, alguém pode apetecer o mais e o
desigual de modo justo e de modo injusto. Poderá apetecê-lo
de modo justo se exceder os demais naquelas coisas que são
bens de modo simples. Se, porém, não os exceder, o apetecerá
injustamente.
Deve-se entender que aquela igualdade [que o
Filósofo chama de modo simples] deve ser considerada segundo
a dignidade daquilo que é bom no homem enquanto homem. Ora, o
bem do homem é duplo. Há um certo bem do homem intrínseco, e
este pode ser dividido em outros, porque há um certo bem
segundo a parte inferior do homem, como a saúde e a força. Há
um outro bem que é segundo a parte superior, como a ciência,
a virtude e outros. Estes são os bens de modo simples. Os
demais são os bens exteriores do homem, como as riquezas e a
honra; estes, porém, são bens apenas segundo um certo
aspecto. Ora, a dignidade do homem não deve ser considerada
segundo a dignidade destes bens, mas segundo a dignidade dos
bens de modo simples. Por este motivo, como no estado de
poucos considera-se a igualdade segundo estes bens segundo um
certo aspecto, não se considera o justo de modo simples, mas
segundo algo, e por isso por causa destes não se move uma
sedição com justiça quando aqueles que excede nestas coisas
não recebe a mais. Mas aquele que não recebe a dignidade do
bem de modo simples, se for bom, poderá movê-la com justiça.
No estado popular, porém, considera-se a
liberdade, de tal modo que ninguém sirva a outros segundo o
corpo ou nas coisas. Estes, porém, também não são bens de
modo simples, mas segundo algo. Por isto, nesta república em
que se considera a igualdade segundo esta liberdade, não se
considera o injusto de modo simples, mas apenas segundo um
determinado aspecto. Como os homens nesta república se
dispõem a mover sedições já o foi dito.
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