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O Filósofo enumera cinco modos de estados
populares, dos quais o primeiro e o último coincidem no
mesmo, conforme se mostrará.
A primeira espécie de estado popular, que é
maximamente dito popular, é aquele no qual [todos] governam
segundo uma completa igualdade. Nesta política a lei aquela
segundo a qual não fossem distribuídas as honras mais aos
ricos do que aos pobres, nem aos virtuosos mais do que aos
que carecessem de virtude, mas todos fossem distribuídos
igualmente tanto a estes quanto a aqueles. Isto [por sua vez
se deve a que], possuindo a igualdade na liberdade,
igualmente deverão os homens governar e receber honras, e não
uns mais do que outros.
A segunda espécie de estado popular é aquela na
qual alguém é assumido ao principado por causa de alguma
riqueza, ainda que pequena. O Filósofo ressalta a palavra
pequena para que muitos possam governar. Se, de fato, não
assumissem senão aqueles que possuíssem grandes riquezas,
seriam muito poucos, e deste modo não poderia ser um estado
popular.
[Esta segunda espécie de estado popular é aquele
no qual] governam os agricultores e aqueles que possuem
pequenas riquezas, que são muito pobres mas, [possuindo
pequenas posses], governam segundo as leis, não segundo a sua
vontade. O motivo é que os agricultores tem que viver da
agricultura na qual tem que trabalhar e, por essa razão, não
podem dedicar-se às reuniões da cidade. Os que governam
nestas cidades não convocam assembléias a não ser para casos
grandes e muito necessário e, já que a multidão não quer
submeter-se a outro e é necessário que alguns sejam assumidos
ao principado, é-lhes ordenado que governem segundo a lei.
Outros que possuem alguma dignidade de riquezas moderada
segundo a lei podem ser assumidos ao principado. E por isso
todos os que possuem posses podem ser assumidos, para que
melhor possam dedicar-se. Se, porém, não podem assumir o
principado todos aqueles que possuem alguma dignidade de
posses, [não se tratará do estado popular], mas do estado de
poucos, no qual não todos podem assumir o principado, mas
apenas os muitíssimo excelentes. Os que não possuem nenhuma
riqueza não podem assumir o principado, porque deve, assumir
o principado aqueles que podem dedicar-se ao mesmo. Mas é
impossível que possa dedicar-se ao principado aquele que não
tem alguma renda ou alguma posse, pelo que fica evidente que
neste principado não todos são assumidos, mas aqueles que tem
[pelo menos] pequenas riquezas.
A terceira espécie de estado popular é aquela na
qual todos são habilitados ao exercício da magistratura,
desde que não sejam impedidos por alguma causa, como aqueles
que perderam a cidadania por causa de algum crime ou porque,
sendo servos, por algum motivo carecem de cidadania. Neste
principado quem governa o faz segundo a lei. Neste estado
alguns são assumidos ao principado por uma eleição à qual é
lícito que todos acedam, desde que não sejam impedidos
segundo um gênero como, por exemplo, os demasiadamente vis.
Neste principado governa-se segundo a lei porque toda a
multidão não possui riquezas suficientes e, por isso,
necessita confiar o principado a outro; como, porém, não
querem submeter-se inteiramente, a multidão ordena que
governem segundo a lei.
A quarta espécie de estado popular é aquela na
qual são assumidos ao principado tanto os servos como os
livres, desde que possuam a cidadania. E porque homens como
estes não podem dedicar-se inteiramente ao governo, é
necessário também que governem segundo a lei, conforme dito
anteriormente. Nesta espécie de estado popular aqueles que
são assumidos ao principado não governam por causa da
dignidade de alguma riqueza, como nos anteriores, mas são
assumidos por causa da liberdade. Neste principado quem
governa o faz segundo a lei, pois a multidão não possui
riquezas e por isso deve confiar o principado a todos, exceto
aos que não quer, ou submeter-se inteiramente à vontade de
alguém e, por isso, ordena que o principado seja segundo a
lei.
A quinta espécie de estado popular, que parece ser
a mesma que a primeira, é aquela em que a multidão governa
não segundo a lei, mas segundo o decreto. Deve-se entender
por decreto algum julgamento de algum operável. O decreto
difere da lei porque a lei é do universal e obriga para o
futuro, enquanto que o decreto, entendido deste modo, é de um
operável em particular e obriga apenas quanto ao presente.
A causa pela qual surge este [quinto] modo [de
estado popular] é devido aos que [conduzem] o povo e os
convencem. São os prepotentes a causa pela qual o povo domina
não segundo a lei, mas segundo a sentença do [próprio] povo.
Isto é manifesto, porque nos estados populares em que o
principado se dá segundo a lei não convém que haja um
condutor, mas sim que os mais excelentes entre os homens
possuam a preeminência, caso em que o povo não é conduzido
somente pela vontade de alguém, mas segundo a lei. O
prepotente, porém, conduz o povo segundo a sua vontade, não
segundo a lei. Onde, porém, não há príncipe segundo a lei,
ali deverá haver um condutor e convencedor, porque o povo
carece de razão. É por isso que necessita de um condutor, e
já que não é conduzido segundo a lei, é necessário que o seja
segundo a razão ou a vontade de alguém. Este, porém, será na
verdade um prepotente e um convencedor, e quando todo o povo
composto a partir de muitos for dominado, será como um
monarca e um príncipe único.
Mas quando um povo que é como um monarca deseja
governar uma cidade monarquicamente, não o fazendo para a
utilidade de todos, mas de si mesmo e contra a vontade dos
mais insignes, [este povo] deverá fazê-lo governando
dominativamente, isto é, pelo tipo de principado que há do
senhor para com o servo. Para isso, porém, necessita aceitar
aduladores pelos quais seja honrado, assim como costumam
fazer os tiranos. O adulador é aquele que diz e faz aquilo
que opina-se ser de agrado, não querendo, por nada,
entristecer [ao adulado]. Como cada um ama a sua própria
excelência e deseja estar certo dela, ouve de bom grado o que
se lhe diz a este respeito e todos aqueles que testemunham
dela. O adulador é este que proclama a excelência de um outro
afirmando-a, para que aquele que a ouve se agrade de si mesmo
e, por esse motivo, é alguém honrado [pelo adulado].
Justamente neste quinto modo de estado popular existem
aqueles que proclamam a excelência do povo quando dizem que
tudo deve referir-se ao povo, que ninguém deve ter mais poder
do que outro e que todos são iguais. São estes, neste tipo de
política, os aduladores que se tornam os condutores do povo,
honrados e aceitos [pelo próprio povo]. O povo, porém, que é
governado desta maneira, é proporcionalmente o mesmo que um
tirano em uma monarquia onde um só governa. Por este motivo
encontramos em ambos os casos os mesmos costumes e
instituições em ambas estas políticas: em ambos os melhores
são oprimidos; o principado é dominativo para com os
melhores, os quais são oprimidos e para os quais o principado
não tem como meta o bem deles enquanto tal. É por isso que
neste estado popular existem os decretos, do mesmo modo que
nas tiranias existem os preceitos para oprimir os melhores. O
condutor e o adulador são proporcionalmente o mesmo. Tanto um
quanto o outro querem dizer e fazer o que agrada aos demais.
Diferem apenas pelo fato do condutor dizer aquilo que agrada
ao povo enquanto que o adulador diz aquilo que agrada ao
tirano, porque ambos, o tirano e o povo, possuem um grande
poder. É manifesto, também, que ambos, o condutor e o
adulador, possuem um grande poder, o condutor junto ao povo,
o adulador junto ao tirano.
Os condutores são a causa pela qual o povo domina
segundo a sua sentença e não segundo as leis. Os condutores e
os prepotentes dizem que tudo deve reportar-se ao povo, que
ninguém deve dominar mais do que outro e que todos são
iguais. Tudo isto é coisa que agrada ao povo e por isso o
povo domina por suas sentenças. Ora, como o povo governa
sobre todos, ocorre por conseqüência que os condutores também
serão grandes e terão grande poder, pois, na verdade, são
eles que fazem a opinião do povo. Deve-se lembrar ainda que o
Filósofo, no segundo livro de sua Retórica, afirma que há
três coisas que levam a bem persuadir: a prudência, a virtude
e a benevolência. Os condutores sabem disso e por isso
facilmente persuadem o povo sendo-lhes benevolente.
O motivo pelo qual todo o povo governa, nestes
estados, são os próprios condutores que acusam o principado
no qual um só ou poucos governam, afirmando que toda a
multidão deve dominar e julgar o que é feito pelos outros
magistrados. Tudo deve ser referido ao povo, e é melhor que o
todo governe do que a parte. O povo recebe com alegria estes
discursos, pois todos facilmente exaltam os que lhes propõe
aquilo ao qual já se inclinam. Este também é o motivo pelo
qual a quinta espécie de estado popular é o último que surge
nas cidades em sua ordem cronológica, isto é, o estado em que
toda a multidão domina segundo as sentenças e não segundo a
lei.
A razão pela qual este estado é o último que
aparece na ordem cronológica se deve ao fato de que, com o
passar do tempo, as cidades se tornam muito maiores do que
eram no início e, com isso, os ganhos e as riquezas também se
tornam muito maiores. A multidão, ao se tornar tão grande,
possui muita riqueza e um grande poder. Quando isto ocorre,
todas as multidões podem alcançar o principado, porque a ele
podem se dedicar também os pobres que não possuem riquezas
suficientes. Ninguém é impedido do principado por causa da
falta de riquezas pois, se ocorrer algum pobre governar,
receberá algo da renda comum para tanto. Esta multidão pode
dedicar-se maximamente [ao principado] porque não é impedida
pelo cuidado com o que é próprio, já que possui seus próprios
bens. Os que são impedidos, na realidade, são os ricos, para
que não participem com freqüência das assembléias da cidade
nem participem do judiciário. Os ricos, de fato, querem ser
honrados e nestas assembléias não são honrados, ou pelo menos
não tanto quanto supõem que devam ser honrados e, por esse
motivo, não se preocupam em freqüentá-las. Como, também,
possuem muitas riquezas, não se preocupam em ter nada em
comum. Os virtuosos também não se preocupam em ir, porque ali
também não são honrados ou pelo menos não são tão honrados
quanto deveriam sê-lo. Com isto acaba ocorrendo que a
multidão dos pobres e dos necessitados domina o governo em
tal república segundo suas sentenças, e não segundo as leis.
A política, porém, na qual o povo governa não
segundo a lei, mas segundo a sentença, não é propriamente
política, mas estado popular. O motivo é que, onde as leis
não governam, não há política, porque é necessário que na
política a lei governe em tudo. O principado deve julgar a
política nos casos singulares. Onde as leis provêem, deverão
julgar segundo as leis, onde as leis não proverem, o
magistrado deve suprir e decidir. Por isso, onde há política,
as leis devem governar. Mas no estado popular que está sendo
descrito governa a sentença popular e não a lei. Por esse
motivo este estado popular não é política propriamente dita.
Alguém poderia objetar a afirmação do Filósofo
quando diz que onde as leis não prevalecem não há república,
já que o Filósofo afirma que a monarquia real é política,
embora não seja um principado segundo a lei, mas segundo a
vontade e a razão do governante.
Pode-se responder brevemente a esta objeção
dizendo que em toda política reta o governante rege segundo
as leis, porque em toda política alguém governa segundo
alguma regra, à qual chamamos de lei. Em algumas políticas,
entretanto, esta regra é interior e existente na vontade e na
razão, enquanto que em outras é exterior e escrita. Na
monarquia real o monarca possui a regra [gravada] em sua
vontade e em sua razão. Na política poliárquica, [em que há
vários governantes], ela é externamente [gravada] por
escrito. É, portanto, correto dizer que onde há política ali
há um principado segundo a lei, pois esta pode ser intrínseca
ou escrita.
O estado popular em que o povo governa por meio de
sentenças e não segundo a lei também não é propriamente
popular. Porque o estado popular é também uma certa política,
mas o estado popular em que as sentenças e não as leis
governam não é política, porque a política é segundo a lei,
que diz respeito ao universal, enquanto que as sentenças são
de particulares, e não de universais. Portanto, é manifesto
que tal estado popular não é propriamente popular.
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