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[Segundo o Filósofo], a possessão é uma certa
parte da casa e isto porque é impossível viver em uma casa
sem o que é necessário à vida, as quais são tidas pela
possessão. Isto pode ser demonstrado pela semelhança com as
artes. Vemos, de fato, que para cada arte é necessário
possuir os instrumentos convenientes, se esta deve executar a
sua obra, assim como para o ferreiro é necessário ter um
martelo se deve fazer uma faca. E deste modo é necessário ao
governador ter coisas possuídas para a própria obra como
certos instrumentos.
Ora, alguns instrumentos são animados enquanto
outros são inanimados. Deste modo, para o governador do navio
o instrumento inanimado é o leme, enquanto que o seu
instrumento animado é o proeiro, o homem que guarda a prôa, a
parte da frente do navio, e que obedece ao governador. Nas
artes o servo tem razão de instrumento, porque assim como o
instrumento é movido pelo artífice, assim também o
instrumento é movido pelo império do que preceitua.
E assim como nas obras das artes há dois
instrumentos, assim também na casa as próprias coisas
possuídas são os instrumentos inanimados que prestam serviço
à vida humana. Como o servo é uma certa coisa animada
possuída, segue-se que é um órgão animado servindo a vida
doméstica. O servo, na casa, é um instrumento, porque ele
próprio se utiliza de outros instrumentos e os move, e é para
isto que necessitamos de auxiliares e de servos.
Os artífices principais, que são chamados de
arquitetônicos, não necessitariam de auxiliares, nem os
senhores das casas necessitariam de servos se cada um dos
instrumentos inanimados pudesse, ao comando do senhor,
conhecendo a si mesmo, realizar a sua obra.
Os órgãos das artes são ditos órgãos factivos,
enquanto que as coisas possuídas, que são órgãos da casa, são
ditos órgãos ativos. São ditos órgãos factivos aqueles pelos
quais algo é feito além do próprio uso do instrumento. É o
que vemos nos próprios instrumentos das artes, como ocorre
com o tear, pelo qual o trabalhador têxtil faz um pano, que é
algo além do simples uso do tear. Já com as coisas possuídas,
que são instrumentos da casa, não se faz algo além de seu
próprio uso, como ocorre com a roupa. Estes órgãos, portanto,
não são factivos como os órgãos das artes.
A comparação da coisa ao possuidor é a mesma que a
da parte ao todo, quanto ao fato de que a parte não é apenas
parte do todo, mas é também simples ser do todo, assim como
dizemos "mão do homem", e não apenas que é uma parte do
homem. Semelhantemente a coisa possuída, por exemplo, o
vestido, não é apenas sita ser possessão do homem, mas também
ser simplesmente deste homem. De onde que, sendo o servo uma
possessão, não é apenas servo do senhor, mas é simplesmente
dele.
Dito tudo fica manifesto qual é a natureza do
servo. Como o servo é aquilo que é de outro, conforme foi
dito, qualquer que seja o homem que naturalmente não é de si
mesmo, mas de outro, este é naturalmente servo. O homem,
porém, que não é naturalmente de si mesmo, mas de outro, é
aquele que não pode ser regido senão por um outro. Pertence à
razão de coisa possuída que seja órgão ativo e separado. De
onde pode-se concluir a seguinte definição de servo:
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"O servo é um órgão animado ativo
separado de outro homem existente".
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Nesta definição o órgão é colocado como gênero, e são
acrescentadas cinco diferenças. Dizendo animado, distingüimos
[o servo] dos instrumentos inanimados; dizendo ativo,
distingüimos [o servo] dos auxiliares dos artífices, que são
órgãos animados factivos; dizendo "de outro existente",
distingüimos [o servo] do homem livre que, se às vezes
auxilia na casa, não o faz todavia como coisa possuída, mas
espontaneamente ou a tal conduzido por um pagamento; dizendo
"separado" distingüimos o servo das partes que não são
separadas do outro, como as mãos; dizendo "homem existente",
distingüimos o servo dos animais brutos, que são coisas
possuídas separadas.
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