7. A opinião daqueles que afirmam que não há servidão natural também tem fundamento.

Depois que o Filósofo mostrou que são naturalmente servos aqueles aos quais convém servir e isto lhes é justo, mostra que também a opinião contrária é verdadeira em alguma parte.

Não é difícil ver que aqueles que dizem que nenhuma servidão é natural e justa segundo algum modo dizem o que é correto. De fato, o servo e o servir são ditos de duas maneiras. A primeira maneira é segundo a aptidão natural, conforme foi dito acima. A segunda maneira é aquela segundo a qual alguém é servo ou exerce a servidão segundo alguma lei colocada entre os homens. De fato, os homens promulgam leis de modo que aqueles que são vencidos na guerra são ditos servos daqueles que contra eles prevaleceram. Este é o direito que é usado por quase todos os povos, de tal modo que este é dito o direito das gentes. Isto fêz com que a alguns parecesse que tal coisa fosse injusta, enquanto que a outros pareceu de outro modo e esta diversidade existe não apenas entre os populares, mas também entre os sábios.

A causa destas dúvidas, pelas quais variam as palavras dos sábios, reside no fato de que a virtude que é por algum modo, isto é, seja pela sabedoria, seja pela constância, seja pela força corporal ou por qualquer outro modo, se alcança o sucesso, isto é, se nada de contrário lhe ocorre pelo infortúnio, pode compatibilizar-se com o fato de exercer alguma violência, de onde que é manifesto que aquele que supera sempre está na posse do excesso de algum bem, a não ser que ocorra diversamente por causa de um infortúnio, de onde que a violência nunca ocorre sem alguma excelência daquele que infere a violência. Isto é por si manifesto; apenas fica a questão se será justo que por causa da excelência de qualquer virtude alguém deve governar aqueles que são vencidos, coisa sobre a qual há diversas opiniões.

Alguns dizem que a justiça da referida lei se deve à benevolência, isto é, trata-se de algo introduzido em favor dos vencedores, para que com isto os homens fossem incentivados a lutar com mais fortaleza.

A outros pareceu que teria alguma razão de justiça que aquele que parece melhor, pelo fato de vencer, governe.

Ambas estas opiniões são sustentadas pelos homens porque dizem que se estas razões forem removidas e não for sustentado que deve governar aquele que for melhor segundo as qualidades que pertencem aos vitoriosos não haverá mais nada que seja eficaz para mover a razão nem também que tenha alguma probabilidade de fazê-lo, a não ser estas posições que são o comumente aceito pelos homens.

Para determinar total e completamente a verdade destas dúvidas deve-se dizer que alguns, dando atenção a [algum modo do] justo, isto é, ao justo segundo algum [aspecto], tal como pode existir nas coisas humanas, que é o justo trazido pela lei, colocam que a servidão proveniente da guerra é justa; [de fato], não dizem que é justa inteiramente, isto é, de modo simples. O Filósofo diz que não é justo de modo simples que todos os que foram vencidos pelos inimigos se tornem servos, porque freqüentemente ocorre que os sábios sejam superados pelos estultos e, portanto, [tal servidão] seria apenas algo instituído para a comodidade da vida humana. Diz-se justo de modo simples aquilo que é justo segundo a sua natureza e justo segundo algo o que diz respeito à comodidade humana, que é o que pretende a lei, já que todas as leis foram feitas por causa da utilidade dos homens.

De fato, a servidão [dos vencidos] é útil até para os que foram vencidos porque por causa dela [os vencidos] são preservados pelos vencedores para que possam, pelo menos, viver para servir. É útil também, [sob certo aspecto], para os vencedores, porque através [deste costume] os homens são incentivados a lutarem com maior fortaleza e, para o convívio humano, é útil que haja alguns fortes lutadores, para proibir a multiplicação de muitos males.

Se a lei humana pudesse determinar eficazmente quais são os melhores pela mente, sem dúvida, segundo a natureza, te-los-ia ordenado senhores. Não podendo, porém, fazer isto, a lei tomou algum outro sinal de preeminência, a saber, a própria vitória que procede de alguma excelência na virtude e por isso estabeleceu que os vencedores fossem senhores daqueles que são vencidos. É este o motivo pelo qual esse modo do justo é dito justo segundo algo, tanto quanto foi possível que fosse determinado pela lei; não se trata, porém, do justo de modo simples. Este modo do justo, porém, é observado até mesmo pelos homens virtuosos segundo a mente porque como o bem comum é melhor do que o bem próprio de um só, não se deve infringir o que convém ao bem público embora isto não convenha a uma pessoa em particular.

[Que isto seja assim e que este modo de justiça não é o justo de modo simples pode ser provado inclusive por outras considerações comumente aceitas]. [De fato], para evitar os inconvenientes que acabamos de mencionar, os homens não querem sustentar que os nobres, quando são capturados na guerra, sejam feitos servos, mas que apenas os bárbaros, ao serem vencidos, sejam tomados como servos. Deste mesmo modo os homens falam sobre a liberdade. O livre é aquele que nem é servo nem, se chegou a sê-lo, aquele que foi liberto. Dizem os homens que os nobres são livres não apenas quando estão em si mesmo, isto é, em sua própria casa e domínio, mas também em qualquer lugar da terra, enquanto que os bárbaros são naturalmente servos, por causa do defeito da razão, estando às vezes livres apenas por falta e carência de senhores. O Filósofo diz que aqueles que raciocinam deste modo nada mais querem dizer senão que a liberdade e a servidão, a nobreza e a ignobilidade são determinadas pela virtude da mente, de tal modo que aqueles que são virtuosos pela mente são livres e nobres, enquanto que aqueles que são possuídos pelos vícios são servos e ignóbeis.