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A respeito da cidadania ainda resta uma dúvida: se
somente será cidadão aquele que puder comunicar no principado
da cidade, ou se também os vis artífices devem ser
considerados cidadãos, aqueles que não sucede comunicarem no
principado.
[Por um lado, parece que os mercenários não podem
deixar de ser cidadãos], porque se nenhum deles for cidadão,
em que gênero deverão ser colocados? Não se poderá dizer que
sejam estrangeiros, como se tivessem vindo morar na cidade
provenientes de outros lugares, nem se poderá dizer que sejam
peregrinos, como os viajantes, que chegam à cidade por causa
de algum negócio, não porém para nela permanecerem. Os
artífices, [diversamente dos estrangeiros e peregrinos],
possuem uma casa na cidade e nela nasceram, não tendo vindo
de nenhum outro lugar.
[Estas razões, no entanto, não são suficientemente
fortes para que, por causa delas, sejamos obrigados a
considerar os artífices como cidadãos]. De fato, se os
artífices não forem cidadãos, nenhum inconveniente se seguirá
por causa [das objeções que acabam de ser expostas]. Há
outros que não são cidadãos e nem por isso são estrangeiros
ou peregrinos, como é evidente no caso dos servos. Nem todos
aqueles que são necessários para completar a cidade, sem os
quais a cidade não poderia subsistir, são cidadãos. Isto é
manifesto não apenas no caso dos servos, mas também no das
crianças, que não são perfeitos cidadãos como os homens. São,
[ao contrário], cidadãos imperfeitos, e assim como os servos
e as crianças são cidadãos de algum modo, mas não o são
perfeitamente, assim também ocorre com os artífices.
Em uma cidade otimamente disposta os artífices não
podem ser cidadãos. Se dissermos, todavia, que de algum modo
o artífice é cidadão, então deveremos dizer que a virtude do
cidadão que determinamos, isto é, pela qual ele possa bem
governar e bem submeter-se, não pode pertencer ao cidadão,
mas será necessário, para que esta virtude possa lhe
pertencer, que não somente sejam homens livres, mas também
descompromissados, isto é, absolvidos das obras necessárias à
vida. Aqueles que são ordenados a estas obras necessárias, se
com isto ministram a apenas um único homem, [são] servos; se,
ao contrário, exibem estes ministérios comumente a qualquer
um, [são] mercenários e pessoas sórdidas, os quais servem a
qualquer um por dinheiro.
Com estas considerações fica, portanto, clara a
verdade sobre a questão colocada. Como há muitas espécies
diversas de política, e o cidadão é dito por ordenação à
política, será necessário também que haja muitas espécies de
cidadão. Por causa da diversidade de políticas e, por
conseguinte, de cidadãos, será necessário que em alguma
política, a saber, no estado popular, no qual se busca apenas
a liberdade, os mercenários sejam cidadãos. De fato, estes
podem [no estado popular] ser promovidos ao principado, já
que são livres. Mas em outras políticas isto é impossível,
como ocorre maximamente no estado dos ótimos, no qual as
honras são dadas aos dignos segundo as suas virtudes, no qual
aqueles que vivem uma vida mercenária não podem exibir em seu
governo o que pertence à virtude, já que não se exercitaram
nelas.
Deste modo, portanto, é manifesto que há diversas
espécies de cidadãos, segundo a diversidade das políticas.
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