9. O fortalecimento da última espécie de estado popular.

A última espécie de estado popular não é duradoura per se. A última espécie do estado popular não pode ser bem sustentada por toda a cidade, por exemplo, pelos ricos e pelos pobres, pelos nobres e ignóbeis, se não for bem ordenada por leis e costumes convenientes a si.

A razão disto é que nesta república popular toda a multidão, qualquer que ela seja, governa na cidade como se fosse uma só [pessoa], e segue o que lhe parece. Ora, esta multidão, quanto à sua maior parte, é imprudente e desordenada, e em suas obras segue mais o ímpeto do que a razão, motivo pelo qual oprime os maiores e corrompe os julgamentos, pelo que ocorre a corrupção da república.

A última espécie de estado popular pode ser fortalecida por intensificação ou por abrandamento. [Trataremos neste condensado apenas dos modos por intensificação].

A última espécie de estado popular pode ser fortalecida por intensificação de quatro modos.

Pelo primeiro modo, para fazer a república mais firme e fazer com que a multidão popular se torne mais poderosa, os príncipes deste tipo de república popular costumaram acrescentar [à multidão] muitos estrangeiros e algumas vezes alguns não são legítimos cidadãos. Isto era conveniente a esta república, porque a multidão, acrescentada de muitos, se torna mais forte, e sendo mais forte pode melhor reprimir o excesso dos ricos e dos que querem tiranizar.

Este documento, no entanto, deve ser moderado da seguinte maneira. Enquanto o poder dos ricos, dos nobres e dos que estão no termo médio entre ricos e pobres excede o poder da própria multidão, convém que se lhe acrescentem estrangeiros até que a potência da multidão exceda. Mas, ultrapassado este ponto, acrescentar notavelmente a multidão com mais elementos estranhos, simplesmente falando, não convém, e isto por duas razões.

A primeira é porque se o número dos estrangeiros exceder muito, a república se tornará mais desordenada porque os estrangeiros que forem acrescentados, em sua maioria, são i prudentes, sem virtude e não acostumados à ordem da república. A segunda é porque quando se acrescentam muitos estrangeiros, os nobres e os insignes se turbam e apóiam a república de mau grado, vendo que homens piores do que eles são tomados para o governo da mesma. Esta foi a causa da sedição feita a república dos Cirenenses, isto é, a notável multidão dos que foram acrescentados à mesma. Se somente poucos tivessem sido acrescentados, não seriam tão notáveis, nem causariam tanta preocupação. De fato, o mal pequeno é negligenciado, porque aquilo que é pequeno é considerado como nada.

[O Filósofo expõe o segundo documento para o fortalecimento por intensificação da última espécie de estado popular] dizendo que devem ser reduzidas as fraternidades e as sociedades que têm finalidades particulares e próprias, de tal maneira que haja menos sociedades segundo o número, mas [cada qual] contando um maior de homens. Deve-se pensar todos os meios possíveis pelos quais todos os homens na cidade se mesclam segundo as tribos, o que pode ser feito pelo casamento, pelas sodalidades, pela vida comum e pelas assembléias gerais. Deste modo o povo será mais unido pelo amor e, conseqüentemente, mais forte, porque toda virtude unida é mais forte do que a mesma dividida. Todavia, ao fazer isto, debe-se providenciar que as mesmas leis e os mesmos costumes sejam observados agora e antes. De fato, se ao mudarem as tribos e as sodalidades, se mudam também as leis e os costumes, necessariamente mudar-se-á também a república, porque as leis e os costumes na república devem ser instituídas segundo sua ordenação à república, conforme foi dito antes no livro terceiro desta Política.

[O terceiro documento] que parece ser útil a este estado popular, proveniente dos estatutos de algumas tiranias, [um regime muito semelhante a esta forma de estado popular] que é como uma certa espécie de tirania, é a instituição de principados sobre os servos, as mulheres e as crianças, perante os quais os servos possam apresentar ações contra os seus senhores, as mulheres contra os maridos e as crianças contra os pais. Os tiranos instituem estes principados para que com isto tenham uma maior benevolência por parte das crianças, das mulheres e dos servos que são grande parte da cidade.

Mas deve-se entender que isto é útil até um certo ponto, não porém quanto a tudo. De fato, instituir os principados mencionados aos quais competem as ações das mulheres, dos servos e das crianças quanto a tudo o que pudessem propor contra os homens, senhores e pais seria inconveniente e dividiria a cidade. Porém instituir alguns principados aos quais competeriam as ações contra os mencionados apenas quanto a algumas poucas coisas e grandes, não é inconveniente nesta república.

O Filósofo expõe ainda o quarto documento dizendo que para firmar o estado popular é ainda útil que os governantes dissimulem a vida dos súditos, não punindo todas as más ações voluntárias. Isto muito ajudará a tal república, porque para muitos é mais deleitável viver desordenadamente do que temperadamente e segundo a virtude. Os homens, de fato, em sua maioria carecem de uma razão reta. A esta carência de razão segue-se o viver além da razão e da ordem. Poucos, de fato, seguem a reta razão e por isso poucos se acostumam a viver com temperança, enquanto que muitos o fazem desordenadamente. Por isso para muitos é mais deleitável viver desordenadamente, porque a isto estão mais acostumados, pelo que amam mais a república em que se lhes permite viver nos prazeres.

Deve-se notar que o Filósofo não diz que deve ser ordenado nesta república, não importa o quão desordenada ela seja, que cada um viva como bem quiser, nem que também isto seja permitido se tal vier a ser conhecido, mas apenas que se dissimule o que for de menor monta. De fato, em nenhuma sociedade humana, se se pretende que ela seja duradoura, deve-se ordenar tais coisas, nem mesmo permití-las aberta e desordenadamente, mas apenas dissimulá-las algumas vezes por causa da qualidade da pessoa ou de alguma outra circunstância. Por isso é que o Filósofo diz no Sexto Livro da Ética, e com razão, que não é um verdadeiro legislador, mas um corruptor, aquele que estabelece pela lei que devem ser seguidas tais deleitações ou que as permite abertamente, por causa do que em pouco tempo aderem muitos à sua lei, porque lhes é mais deleitável viver desordenadamente do que segundo a ordem.