2. As suposições e as condições do estado popular.

A principal suposição do estado popular é a liberdade, o que pode ser provado pela comum sentença dos homens porque todos costumam expressar-se como se somente nesta república os cidadãos participassem da liberdade.

Deve-se entender que a liberdade é dita algo pelo qual alguém pode, pela própria vontade, mover-se a si próprio e ao fim que ele mesmo se colocou. Isto é evidente porque o homem livre é, segundo o Filósofo, aquele que é causa de si mesmo, tanto em razão do movente, na medida em que é movido pela própria vontade e pela própria razão, como também na medida em que é movido ou age em função de um fim que lhe é próprio e não para o fim de outro. Esta, tomada tanto conforme a primeira ou a segunda acepção, alguns o possuem por uma disposição natural; tais homens são livres pela natureza, conforme o Filósofo explicou no livro primeiro. Outros possuem o não serem movidos por outros senão por si mesmos e não se dirigirem ao fim de outrem mas [ao próprio] e ao fim da república pela própria ordenação da república.

Disto se segue que uma parte da liberdade ou um efeito da mesma no estado popular é que ninguém se submete ao governo de modo simples, mas todos o fazem segundo a parte, de tal modo que cada um se submete durante algum tempo e governa durante outro tempo, ou governa segundo um principado em particular enquanto que se submete segundo outro. A razão disto é que o justo popular é que todos tenham as honras ou os bens comuns segundo a igualdade da quantidade, não segundo a dignidade da pessoa ou a igualdade da proporção, mas tanto o pobre quanto o rico, tanto o idiota quanto o estudioso.

Como para qualquer justo importa que haja algum instituidor e conservador, e isto é aquilo que é principal na multidão civil, e como a multidão popular é o principal no estado popular, é necessário que no estado popular a multidão seja senhora deste justo popular. Como o fim na multidão civil é aquele que o governante pretende, e o justo é aquilo que se ordena para este fim, é necessário que o justo e a finalidade do estado popular seja aquele que [tal] pareça à multidão.

Já dissemos anteriormente que no estado popular todos devem ter o igual segundo a quantidade. Como a multidão é senhora do justo e governa de modo simples no estado popular, e nela há um maior número de pobres do que de ricos, ocorre que nesta república os pobres governam mais do que os ricos, porque [as decisões do governo] são aquelas que parecem tais à maioria. Este é um dos efeitos ou sinais da liberdade que todos colocam no estado popular, como seu término e finalidade.

Um segundo efeito ou sinal da liberdade [no estado popular] é o viver segundo a vontade, de tal modo que cada um opere segundo o movimento da própria vontade, não coagido por ninguém, nem [pré] determinado a fazer uma determinada coisa. Isto é, segundo dizem, obra da liberdade, o que assim parece porque a obra da servidão é viver ou operar não segundo a vontade própria mas segundo o desejo e o voto do outro, não para o fim próprio, mas para o fim de outro. Portanto, por oposição, a obra da liberdade [deve] ser operar segundo a vontade própria para uma finalidade própria.