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Houve, finalmente, quem quisesse subverter a outra
raiz da contingência que o Filósofo coloca como sendo [a
condição humana] de ser aconselhativo [em seu agir]. De fato,
alguns quiseram mostrar que a vontade, ao escolher, é movida
de modo necessário pelo apetecível.
[Disseram estes que], sendo o bem objeto da
vontade, a vontade não pode afastar-se dele a não ser que
apeteça aquilo que lhe pareça ser bom, assim como nem a razão
pode afastar-se de algo sem assentir a algo que lhe pareça
como verdadeiro. Deste modo, pareceria que a eleição que se
segue ao conselho sempre provenha da necessidade e que, sendo
assim, todas as coisas das quais nós [homens] somos princípio
através do conselho e da eleição procedem [das mesmas] de
modo necessário.
[A esta objeção deve-se responder] que é preciso
considerar [haver] uma diferença semelhante acerca do bem
assim como da verdade.
Há, porém, uma certa verdade que é conhecida por
si mesma, como são os primeiros princípios indemonstráveis,
aos quais o intelecto assente necessariamente. Há também
outras verdades que não são conhecidas por si mesmas, mas
através de outras. A condição destas pode ser de dois modos.
Algumas se seguem necessariamente aos princípios,
de tal modo que não podem ser falsas, sendo verdadeiros os
princípios. Estas são todas as conclusões das demonstrações.
A estas verdades o intelecto assente necessariamente depois
de ter apreendido a sua ordenação aos princípios, mas não
antes [de tê-lo feito].
Há outras, ainda, que não se seguem
necessariamente aos princípios, de tal modo que podem ser
falsas ainda que os princípios [das quais procedem] sejam
verdadeiros. Estas são os opináveis, aos quais o intelecto
não assente necessariamente, embora por algum motivo se
incline mais para uma parte do que para a outra.
[De um modo semelhante ao que ocorre com a
verdade, ocorre também com o bem]. Há, [em primeiro lugar],
um certo bem que é o apetecível por causa de si mesmo, como é
[o caso da] felicidade, que possui razão de fim último. A
este bem a vontade inere necessariamente; todos, de fato,
apetecem ser felizes por uma certa necessidade.
Há outros bens que são apetecíveis por causa de
[um] fim, os quais podem ser comparados ao fim como as
conclusões aos princípios, como fica manifesto pelo que diz o
Filósofo no IIº Livro da Física. Se, portanto, existirem
alguns bens os quais, se não existissem, não se poderia ser
feliz, estes bens também seriam apetecíveis necessariamente e
maximamente junto a quem [fosse capaz de] apreender tal
ordem. Tais talvez sejam o ser, o viver e o inteligir, e
outros semelhantes, se houver. Mas os bens particulares, nos
quais consistem os atos humanos, não são tais, nem podem ser
apreendidos sob aquela razão tal que sem eles a felicidade
não pode existir. São exemplos [destes outros bens] o comer
esta ou aquela comida, ou abster-se dela; estes bens têm algo
por onde mover o apetite, segundo algum bem que se considera
neles. Por isto a vontade não é movida a escolhe-los por uma
necessidade.
É por este motivo que o Filósofo,
significativamente, apontou a raiz da contingência nas coisas
que são feitas pelos [homens] a partir do conselho, o qual se
refere às coisas que dizem respeito a um fim e que, todavia,
não são determinadas. Nas coisas, de fato, em que os meios
são determinados, não há lugar para o conselho, conforme se
explica no IIIº da Ética.
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