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É necessário investigar se todas as coisas podem
ser reduzidas de alguma maneira a uma. Isto porque a
ciência da filosofia é do ente enquanto ente, de tal
maneira que considera o ente segundo a razão universal do
ente, e não segundo a razão de um ente particular. Ora,
como o ente é dito de muitas maneiras, e não de uma única,
se esta multiplicidade fosse uma pura equivocação, não
cairiam todos os entes debaixo de uma ciência, porque não
poderiam ser reduzidos de algum modo a um gênero. Mas, se
esta multiplicidade tivesse algo em comum, todos os entes
poderiam estar debaixo de uma [só] ciência.
[A solução para esta questão consiste em que] o
ente é dito de maneira que é dito de modo múltiplo segundo
algo de comum. Isto pode ser manifestado através de um
exemplo. O medicativo pode ser dito de diversos modos,
todavia são redutíveis a um certo uno, que é uma mesma e
idêntica coisa à qual esta redução é feita, ainda que de
modos diversos. Por exemplo, o sermão é dito medicativo,
pelo fato de ser proveniente da ciência médica. A faca é
dita medicativa, pelo fato de ser útil à mesma ciência como
instrumento. E semelhantemente ocorre com as outras coisas
que deste modo são ditas. É manifesto que as coisas que
assim são ditas, são intermediárias entre unívocas e as
equívocas. Nas [coisas] unívocas um nome único é predicado
de diversas [coisas] segundo uma razão totalmente idêntica.
Nas [coisas] equívocas, todavia, um mesmo nome é predicado
de diversas [coisas] segundo razões totalmente diversas.
Nas [coisas], porém, que são ditas do modo predito, um
mesmo nome é predicado de [coisas] diversas segundo uma
razão em parte idêntica, e em parte diversa. Diversa,
quanto aos diversos modos de relação. Idêntica, quanto a
aquilo ao qual é feita a relação. E por causa disso [tal
modo de predicação é dito] analógico, porque todas as
[coisas] se proporcionam a uma única. Assim é que ocorre
com a multiplicidade do ente. Ente de modo simples é dito
aquilo que tem o ser em si, isto é, a substância. As demais
coisas são ditas entes porque são deste [ente] que é [ente]
per se, como [por exemplo], uma paixão [do ente per se], ou
um hábito [do ente per se], ou algo assim. De fato, a
qualidade não é dita ente, porque ela tenha [um] ser, mas
porque por ela a substância é dita estar [assim] disposta.
O mesmo pode ser dito dos demais acidentes, e por causa
disso é que são ditos entes. E assim fica patente que
multiplicidade do ente apresenta algo de comum, ao qual a
redução é feita.
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