8. Coloca-se uma terceira questão: se convém ao homem ter muitos ou poucos amigos.

[Deseja-se saber] se alguém deva fazer para si o maior número de amigos ou não, ou se [nisto deve proceder] como parece ter sido prudentemente dito, que nem seja amigo de ninguém, nem também seja amigos de muitos segundo a superabundância.

[Quanto à amizade útil, o homem não deve possuir muitos amigos]. No que diz respeito à amizade que é por utilidade, deve o homem evitar a supérflua multidão de amigos, porque se o homem tivesse muitos de tais amigos dos quais recebesse obséquios, necessitaria, inversamente, obsequiar a muitos, o que é imensamente trabalhoso, a tal ponto que não seria suficiente o tempo da vida àqueles que isto quisessem fazer. Se, portanto, o homem possuir muitos amigos úteis, mais do que são necessários à própria vida, imensamente distrairão o homem e impedirão o mesmo ao [bem da vida], que consiste na operação da virtude, porque na medida em que o homem superfluamente [se intromete] nos negócios alheios, conseqüentemente não poderá com a devida atenção cuidar de si mesmo. E assim é evidente que não é obra do homem possuir muitos amigos úteis.

Quanto à amizade deleitável, também são suficientes ao homem poucos amigos. De fato, a deleitação exterior [que nos vem] por tais amigos é buscada na vida humana assim como o tempero na comida, o qual, ainda que seja pouco, é suficiente. De onde que poucos amigos serão suficientes ao homem para a deleitação, para que com eles por algum tempo se recreie.

Quanto à amizade segundo a virtude, o homem não pode ter uma imensa multidão de amigos, pelos seguintes motivos. Primeiro, porque a convivência é mais própria da amizade que é segundo a virtude. Ora, não é possível que o homem conviva imoderadamente com uma multidão de homens, e que se distribua de algum modo entre muitos. Assim, deve-se concluir não ser possível possuir muitos amigos segundo a virtude. Segundo, porque o amigo se coalegra com o amigo. Ora, é difícil que alguém se coalegre e se condoa familiarmente com muitos. Com muita probabilidade coincidirá que tenha de deleitar-se com um e intristecer-se com outro, o que é impossível. E assim não será possível possuir muitos amigos. De onde que se conclui que não é bom que o homem busque tornar-se amicíssimo de muitos, porque a perfeita amizade, [isto é, a amizade segundo a virtude], consiste em uma certa superabundância de amor, que não pode ser observada senão para com um só, ou para com muito poucos.