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Como os antigos julgaram mal do justo, o filósofo
passa a assinalar a causa deste fato.
A causa pela qual os antigos julgaram mal do justo
foi que eles julgaram de si próprios. Ora, é comum que muitos
dêem mau juízo de si próprio, porque para os julgamentos se
requer a prudência. Ora, a prudência pressupõe o apetite reto
pela virtude moral, de onde que aquele que perverte o
apetite, perverte também o julgamento da razão. O apetite mau
e perverso perverte, portanto, o julgamento de si mesmo.
Os homens tem, porém, em sua maioria, um, apetite
pervertido em relação a si mesmos, porque cada um se afeiçoa
excessivamente a si próprio. E por isso, por causa do
excessivo amor e afeto que cada um tem para consigo mesmo, a
vontade é pervertida do fim reto, e por isso os que julgam de
si mesmos julgam de modo mau. O filósofo diz "em sua
maioria", porque os sábios não julgam mal de si mesmos; estes
têm uma prudência e um apetite reto, e se conhecem assim como
são, por causa do que julgam retamente tanto de si mesmos
como de outros.
Ademais, é evidente que aqueles que favorecem a
democracia e a oligarquia julgam mal do justo, porque o
alcançam apenas segundo um determinado aspecto, embora creiam
que o tenham alcançado de modo simples. Os que favorecem a
oligarquia dizem que se há homens desiguais segundo um
determinado aspecto, estes são desiguais de modo simples,
isto é, se são desiguais segundo as riquezas, de tal modo que
um seja mais rico do que outro, são desiguais de modo
simples. E por isso não se lhes deve distribuir tanto do bem
comum a estes quanto aos demais. Os que favorecem a
democracia dizem que se há quem seja igual na liberdade,
estes serão iguais de modo simples, e devem, portanto,
receber igualmente dos bens comuns.
Se a cidade tivesse sido instituída tendo como fim
as riquezas e as posses, e os homens nelas comunicassem e se
congregassem por causa delas, somente participariam da cidade
[enquanto homens ricos] e quanto às riquezas. [Se assim
fosse], seria verdadeiro o discurso dos antigos que
escreveram sobre a oligarquia, pretendendo que aqueles que
fossem iguais segundo as riquezas recebessem de modo igual do
bem comum. Não lhes parece ser justo que se a comunidade
possui cem talentos que destes cem talentos aquele que ao bem
comum não trouxe senão uma só mina, isto é, uma pequena
medida, receba tanto quanto aquele que contribuíu com uma
grande fortuna.
O que ocorre, porém, é que a cidade não pode ser
instituída tendo as riquezas como sua finalidade última, já
que as riquezas, [por sua própria natureza, elas próprias] se
ordenam a alguma outra coisa. Fica claro, portanto, que
aqueles que favorecem a oligarquia não tomaram o justo de
modo simples.
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