4. Como o governo dos Cartagineses declinava ao poder de poucos.

A instituição política entre os Cartagineses, que eles queriam que fosse a política dos ótimos, maximamente declinava para o poder dos poucos, conforme pareceu a muitos. Os Cartagineses, de fato, consideravam que era necessário escolher os príncipes não apenas entre os virtuosos, mas também entre os ricos e eram movidos a tanto por esta razão, que seria impossível que algum pobre governasse bem e se dedicasse aos negócios da cidade. Os príncipes dos Cartagineses, de fato, não tinham salário dos bens comuns à cidade. De onde que era necessário que, se homens pobres virtuosos fossem escolhidos como príncipes, abandonados os negócios da cidade, se preocupassem em buscar o seu sustento. Ora, como escolher príncipes ricos é o estabelecimento do estado dos poucos, e escolher príncipes virtuosos é o estabelecimento do estado dos ótimos, é manifesto que escolher como príncipes homens ricos e virtuosos seria já uma terceira ordem, a qual era observada entre os cartagineses. Os cartagineses, de fato, escolhem como príncipes, reis e condutores do exército considerando simultaneamente as riquezas e as virtudes.

Este afastamento do estado dos ótimos entre os cartagineses deve ser imputado ao legislador. Teria sido maximamente necessário providenciar desde o princípio como os homens que se sobressaíssem pela virtude poderiam dedicar-se às obras das virtudes, sem que tivessem que vilipendiar-se entregando-se aos trabalhos rústicos, e isto não apenas quando governassem, mas também quando conduzissem sua vida particular, instituindo algum prêmio para as virtudes, com as quais os virtuosos pudessem sustentar-se.

De fato, a ordenação cartaginesa é muito perigosa. Se, ao escolher os príncipes, é necessário considerar as riquezas, para que possam dedicar-se [ao governo] sem ter que trabalhar para que possam ganhar o seu sustento, será imensamente mau que os maiores principados, isto é, o reino e o comado do exército, sejam vendidos, isto é sejam dados por causa da abundância do dinheiro. Isto é mau porque esta lei faz com que toda a cidade seja amante do dinheiro, até mais do que das virtudes. Quando os cidadãos vêm que nos principados tudo é riqueza, conseqüentemente opinam que governar é ser rico. E em qualquer cidade onde não é a virtude aquilo que é maximamente honrado, de tal maneira que a honra do governo seja concedida apenas à virtude, é inteiramente impossível que numa cidade como esta os homens governem infalivelmente segundo a virtude. Ao conceder-se o governo por causa da riqueza, como que ele fosse comprado pela riqueza, é provável que os cidadãos se acostumem a buscar o lucro em dinheiro para que, obtendo-o, possam obter o principado.

É muito inconveniente alegar que aquele que é pobre e virtuoso queira enriquecer quando constituído como governante ao mesmo tempo em que se sustenta que o outro, que é pior, não queira lucrar com o governo depois de ter gasto muito para adquirir o principado. Isto é inteiramente improvável. Por isso não se deve exigir que os que são instituídos para governar tenham que ser ricos; ao contrário, sejam ricos ou pobres, devem ser instituídos para governar aqueles que podem fazê-lo segundo a virtude.

Como a política dos Cartagineses, na verdade, era o poder dos poucos [e não a política dos ótimos], encontraram um modo de evitar a sedição do povo porque sempre escolhiam alguns do povo que lhes era sujeito para governar a cidade junto com os ricos, dando-lhes a oportunidade de enriquecerem, e com isto de algum modo conseguiam salvar a sua política. Que as cidades que lhes eram súditas, no entanto, não se tivessem rebelado, lhes aconteceu por pura sorte. De fato, é necessário manter os cidadãos sem sedições não pela sorte, mas por causa da previdência dos legisladores. Se ocorresse alguma desgraça aos cartagineses, de tal modo que uma grande parte de seus súditos escapasse de seu domínio, não haveria nenhum remédio contra as sedições que daí se seguiriam por parte das leis que eles haviam estabelecido.