11. Os princípios que salvam a tirania intensivamente.

A tirania, por ser desordenada pela sua própria natureza, é facilmente corruptível. O Filósofo, por isso, fornece mais elementos pelos quais pode-se salvar uma tirania do que um reino.

A tirania pode salvar-se de dois modos, imensamente contrários. Um deles é intensivamente, o outro é remissamente. [O Filósofo trata primeiro do modo intensivo, para tratar mais adiante do modo remissivo].

Na antigüidade foram dados muito conselhos sobre a salvação [intensiva] da tirania. Dentre estes temos: matar todos os que se sobressaem no poder ou na riqueza, porque estes, pelo poder que têm, podem insurgir-se contra o tirano; matar também todos os sábios, porque estes, pela sua sabedoria, podem encontrar caminhos para depor os tiranos; foi dito também que muito convém à salvação da tirania não permitir as comunicações, nem a formação de sodalícios e sociedades, para impedir que os homens possam se unir entre si por vínculos de amizade, com o que mais facilmente poderiam se insurgir contra os tiranos. Não permitir também a disciplina, nem qualquer coisa que possa promover a sabedoria, evitando tudo isto, porque por meio destas coisas os cidadãos poderiam encontrar caminhos diversos para insurgir-se contra o tirano e depô-lo. Por isso o tirano deve-se precaver contra tudo aquilo que pode tornar os homens sábios, seja a sabedoria ativa, seja a sabedoria especulativa, assim também como aquilo pelo qual os homens encontram a persuasão e se tornam persuasivos. Não se devem permitir também as escolas nem quaisquer outros agrupamentos pelos quais possa ocorrer que os homens se entreguem à sabedoria. Os sábios, de fato, se inclinam facilmente a coisas grandes, tornando-se com isso magnânimos, e pessoas como estas se insurgem com facilidade.

Para salvar a tirania é necessário ordenar e fazer com que os súditos se ignorem entre si ao máximo, porque a notícia faz com que mais creiam entre si. Por se crerem mutuamente, mais facilmente se unem e mais poderosamente se insurgem. Por isso o tirano deve ordenar tudo aquilo pelo qual os seus súditos maximamente se ignorem.

Para a salvação da tirania convém que o tirano faça com que seus servos e prepostos estejam manifestamente presentes nos lugares em que os súditos costumam congregar- se, isto é, próximo das portas das cidades ou outros semelhantes, para que vejam e ouçam o que dizem e agem os súditos. Assim ficará mais manifesto o que fazem e os súditos poderão maquinar menos facilmente contra o tirano. É muito importante para a salvação da tirania procurar obter informações de servos designados para tanto sobre tudo aquilo que os súditos maquinam, insultam ou de qualquer forma se desviem do que foi ordenado pelo tirano, e outras coisas semelhantes tais como as que se fazem nas tiranias bárbaras e persas. Os tiranos devem ter o máximo cuidado para que nada do que dizem e fazem os súditos fique oculto, mas devem se informar atenciosamente de tudo e fazer como fizeram os tiranos de Siracusa em relação aos seus súditos. Hieron de Siracusa ordenou a homens a quem ele chamou de delatores que estivessem presentes em todas as reuniões de seus súditos para ouvirem e presenciarem o que ali se dissesse ou se fizesse. Deste modo, aqueles que se reúnem, por causa do temor e confiando menos em si mesmos, nada maquinavam ou, se confiassem em si mesmos, nada poderiam esconder, com o que o tirano poderia conseqüentemente precaver-se.

É importante também para salvar a tirania que o tirano procure fazer com que os súditos se acusem mutuamente de crimes e se turbem mutuamente, o amigo contra o amigo, o povo contra os ricos e os ricos entre si. Deste modo, quanto maiores forem as suas divisões, menos poderão insurgir-se contra o tirano. De fato, toda virtude dividida é sempre menor.

Para a salvação da tirania importa também fazer com que os súditos se tornem pobres. Deste modo poderão insurgir-se menos contra o tirano. Embora haja muitas maneiras de tornar pobres os súditos, importam para a tirania principalmente as quatro seguintes.

Primeiramente, [não remunerar os guardiões dos bens comuns, mas obrigar aos próprios cidadãos que se incumbam eles próprios completamente desta tarefa].

Segundo, manter os súditos ocupados em suas obrigações diárias, para que ocupados deste modo não possam maquinar e não tenham tempo livre para maquinar algo contra o tirano. Temos um exemplo disto nos tiranos do Egito, que obrigavam os súditos a se ocuparem no trabalho de construção das pirâmides e em outros trabalhos cotidianos, como o fizeram os filhos de Israel [durante o tempo de seu cativeiro no Egito]. Tudo isto faz com que os súditos não possam ter tempo para planejar algo contra o tirano; ocupados como estão nestes trabalhos, não poderão tratar sobre como poderão depor o tirano. Ademais, estes procedimentos trazem também a penúria e a pobreza para os súditos pois, enquanto são obrigados a construírem edifícios e a ocupar-se de outras coisas semelhantes, necessariamente acabarão por se empobrecerem.

Para empobrecer os súditos, em terceiro lugar, os tiranos devem instituir impostos, isto é, muitas e volumosas extorsões. Desta maneira poderão empobrecer rapidamente os súditos, assim como aconteceu em Siracusa. Nesta cidade, quando era governada por Dionísio, este tirano extorquiu o povo de tal maneira que toas as riquezas dos súditos acabaram chegando às suas mãos em um prazo de cinco anos.

Finalmente, para a salvação da tirania [e empobrecimento dos súditos] o tirano deve provocar a guerra entre os súditos, ou também contra os estrangeiros, de tal modo que seus súditos não possam ter tempo para planejar algo contra seu próprio governante, e vivam continuamente no medo. Este recurso tem a vantagem de que, por meio dele, o povo sentirá necessidade de um governante [forte], e então este poderá exigir ainda mais coisas do povo.

[É importante fazer notar ao tirano] que o reino se salva pelos amigos, pois os súditos amam o rei e querem que ele governe, e por isto a amizade salva o reino. Mas o tirano, se quiser salvar a tirania, não deve confiar nos amigos. A razão disto é evidente. Os amigos são poderosos; pelo fato de serem amigos do príncipe, já são por isso poderosos. Por isso mesmo, todos eles se inclinam ao principado e querem governar. Por isso o tirano não deve confiar em nenhum deles se quiser salvar a sua tirania.

O tirano também não deve alegrar-se com os homens livres, veneráveis ou virtuosos. O verdadeiro tirano deve desejar ser o senhor inteiramente só. Os homens veneráveis e os homens livres serão sempre contrários a esta pretensão, nem poderão tolerar a excelência que o tirano possui além de toda a razão, nem a própria tirania que ele exerce governando dominativamente. Por este motivo os verdadeiros tiranos odeiam os homens livres e veneráveis como a pessoas que são [por natureza] dissolventes de seu governo.

O tirano deve acostumar-se a conviver e a banquetear-se mais com os estrangeiros do que com os cidadãos, porque os cidadãos são seus inimigos, não os estrangeiros.

Todas estas coisas podem ser [resumidas ou] abarcadas em três espécies, pois o tirano, ao querer salvar o seu governo, considera as três seguintes coisas.

A primeira é que seus súditos sejam ignorantes e conhecedores de poucas coisas. A razão é porque nenhum fraco, covarde e tímido se insurge contra alguém. Por isso, para que os súditos não se insurjam contra ele, o tirano considera como poderá tornar os súditos ignorantes. A ignorância, de fato, gera a pusilanimidade, [isto é, a fraqueza, a covardia e a timidez]. Para que se produza a magnanimidade, é necessária a ciência das coisas grandes e árduas; a magnanimidade é, de fato, a virtude pela qual alguém se inclina às coisas grandes e árduas pela sua simples decência.

A segunda é que seus súditos se ignorem e [desconheçam] mutuamente. A razão para isto é que a tirania não se dissolverá antes que os súditos creiam uns nos outros. Por causa disso o tirano será contra todos os homens virtuosos, porque são nocivos ao principado tirânico, não apenas porque não querem submeter-se ao tirano dominativamente, mas também porque são fiéis a si mesmos e aos demais concidadãos, nem manifestam aquelas coisas que eles mesmos ou seus concidadãos querem fazer contra os tiranos.

A terceira é que seus súditos se tornem impotentes depois de tê-los tornado pobres. A razão para isto é que ninguém põe a mão naquilo que crê ser impossível, de onde que é manifesto que não se dissolve a tirania se os súditos não possuírem poder.

Estes são os modos pelos quais a tirania pode ser salva intensivamente, isto é, intensificando a própria tirania.