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[Levanta-se aqui uma dificuldade].
Se o primeiro princípio, que é Deus, não se
relaciona diferentemente agora do que ele era antes, ele não
produz coisas agora ao invés do que antes. E se ele estivesse
relacionado diferentemente, pelo menos uma mutação de sua
parte seria anterior à mutação que é primeira.
[A estes argumentos devemos dizer que] se Deus
fosse um agente apenas através da natureza, e não através da
vontade e do intelecto, esse argumento concluiria com
necessidade. Mas porque ele age através de sua vontade, ele é
capaz, através de sua eterna vontade, de produzir um efeito
que não é eterno, justamente como, através de seu eterno
intelecto, ele poderá entender uma coisa que não é eterna.
Quando nós afirmamos que as coisas não foram
eternamente produzidas por Deus, não queremos com isso dizer
que um tempo infinito houve no qual Deus não agiu, e que
depois de um determinado tempo ele começou a agir. Ao invés
disso, queremos dizer que Deus produziu o tempo e as coisas
depois que [estas coisas e o tempo] não existiam. E assim nós
não precisamos considerar que a divina vontade desejou fazer
as coisas não agora, mas depois, como se o tempo realmente
existisse.
Se, entretanto, perguntarmos porque Deus quis
isso, sem dúvida deverá ser dito que ele fez isto por causa
de si mesmo. Porque assim como ele fez as coisas por causa de
si mesmo, de tal maneira que uma semelhança de sua divindade
estivesse nelas manifestada, assim ele quis que elas não
existissem sempre, de tal maneira que a sua suficiência
estivesse manifestada nisso, que quando todas essas demais
outras coisas não existiam, ele tinha em si mesmo toda a
suficiência de beatitude e do poder para a produção das
coisas. Isto é o que pode ser dito na medida em que a razão
humana pode entender as coisas divinas. Não obstante, os
segredos da sabedoria divina, que por nós não podem ser
compreendidos, estão preservados.
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