9. Como as crianças devem ser educadas nas artes agonísticas.

Já foi explicado que as crianças devem ser educadas antes nos costumes que dispõem o apetite e o corpo do que nas que dispõem a inteligência. Por isto é manifesto que elas devem ser conduzidas, nesta idade, às artes da luta e à pedotríbica. As artes da luta promovem o bom hábito do corpo quanto à fortaleza e ao uso das armas. A pedotríbica dirige e regula [os movimentos] das crianças que se ordenam à arte da luta.

As crianças não devem ser educadas nas artes da luta em atividades excessivamente trabalhosas, e devem sê-lo, ademais, em lutas dignas e humanas.

Hoje as cidades que mais se preocupam com o bom hábito das crianças procuram induzí-las ao hábito atlético, isto é, aos hábitos que dizem respeito à força atlética, através de exercícios muito trabalhosos que lhes removem a beleza dos corpos e impedem o seu crescimento por causa do excesso de trabalho que há nestes exercícios. Os Lacedemônios [ou espartanos], que tiveram neste ponto um grandíssimo cuidado, pecaram manifestamente precisamente neste ponto. Suas cidades exercitavam as crianças por causa da força, embora seja manifesto que não convém aos que futuramente deverão bem governar exercitar-se somente em uma virtude, mas sim em todas.

Ademais, mesmo que conviesse exercitar as crianças maximamente na força, conforme era a opinião deles, mesmo assim estes não souberam encontrar corretamente as lutas e os modos de exercitar a força, já que exercitavam as crianças em obras ordenadas à crueldade e à ausência de misericórdia, como eram os homicídios, as rapinas e outras atividades semelhantes. Isto é tanto mais verdadeiramente errôneo quanto até mesmo entre os animais brutos observamos que os que mais alcançam a fortaleza segundo a verdade não são os mais selvagens e cruéis, como o lobo e o dragão, mas os que possuem costumes mais mansos e leoninos, como o próprio leão que é dito ser o mais forte de todos os animais, cuja [força] possui muitas propriedades semelhantes às propriedades de algumas virtudes. Temos também o exemplo dos cães, que nisto também se lhes reconhece uma certa nobreza. Não serão, portanto, os homens mais cruéis e faltos de misericórdia que mais alcançarão a fortaleza segundo a verdade.

A verdadeira fortaleza é um hábito que consiste num termo médio entre os temores e as audácias, que faz com que o homem enfrente os perigos e a morte quando e onde for necessário e por causa do bem verdadeiro. Pela fortaleza será necessário algumas vezes atacar e outras vêzes fugir, algumas vezes matar e algumas vezes perdoar. Já os que são exercitados nas obras da ferocidade, embora sejam muito agressivos, não o fazem todavia por causa do bem, e não consideram quando e onde importa usar da força, nem perdoam a quem quer que seja.

As crianças, portanto, devem ser exercitadas principalmente em lutas humanas e ordenadas à virtude, sendo necessário que se exercitem mais nas lutas e nos atos que conduzem ao bem do que em lutas ferozes. Ademais, todos os que permitem que as crianças se exercitem nestas coisas sem um pedagogo tornam-nas sórdidas, isto é, diminuídas em sua inteligência e mais inclinadas à promoção do bem do corpo, dispondo-as segundo a verdade a apenas uma única obra da república, isto é, ao fortalecimento dos corpos, embora muito mais será necessário que elas se dispusessem a muitas ou mesmo a todas as obras.

É manifesto, portanto, que as crianças devem ser exercitadas na agonística que inclina aos hábitos morais das virtudes. É manifesto também que é a seguinte a ordem pela qual deverão ser exercitadas. Até o fim da puberdade deverão ser exercitadas em exercícios leves e mais moderados, afastando das mesmas tanto os exercícios violentos quanto os trabalhos necessários à sustentação da vida, os quais pertencem aos servos.

É um sinal de que os exercícios mais leves contribuem à boa disposição do corpo, enquanto que os exercícios mais violentos comprometem o corpo o fato de que se tomarmos um homem que foi retamemente exercitado em sua juventude e o confrontarmos contra dois outros homens que em sua juventude foram exercitados de modo violento, como pode ser observado freqüentemente nas Olimpíadas, sucederá que aquele único homem vencerá aqueles dois outros os quais, embora já tenham alcançado a idade perfeita, se mostrarão todavia crianças em sua força, de onde que é nítido que os exercícios violentos e as necessidades da vida removem das crianças em sua primeira idade a potência e i vigor.

Quando as crianças forem capazes de um aprendizado mais forte, isto é, após a puberdade ou três anos [após a mesma], poderão ser exercitados em exercícios mais trabalhosos, convenientes, todavia, à idade, de tal modo que, à medida em que a natureza se aperfeiçoa mais e mais, mais e mais se acrescente proporcionalmente ao exercício. Nesta época convirá administrar-lhes um alimento seco, que mais dispõe à fortaleza.

Deve-se advertir, todavia, que não sejam simultaneamente exercitadas nas coisas que pertencem à boa disposição do intelecto e à boa disposição do corpo per se. Estas coisas se contrariam entre si e operam contrários; o trabalho no exercício corporal impede a inteligência e o trabalho nas coisas que pertencem à inteligência [impede] a disposição do corpo. A razão é que, sempre que duas potências se fundamentam em uma única substância, a quantidade do ato de uma diminui a operação da outra, porque toda virtude dividida é menor do que a mesma quando unida. A potência às operações corporais, por exemplo, para o crescimento e a nutrição, e a potência intelectual, pertencem a uma só substância. Por isso a intensidade do ato de uma impede o ato da outra.