4. Explica-se a segunda condição do fim último, que é a suficiência per se.

A perfeição e a suficiência per se se seguem mutuamente. E isto porque o bem perfeito é suficiente per se. Se, de fato, quanto a algo não fosse suficiente, já não aquietaria perfeitamente o desejo, e assim não seria bem perfeito.

O bem perfeito deve ser suficiente não a um só homem vivendo uma vida solitária, mas aos seus parentes, aos filhos, à esposa, aos amigos e [à comunidade], porque o homem é naturalmente um animal comunitário [animal civile]. E por isso [o bem perfeito] não seria suficiente ao seu desejo se somente para si providenciasse, mas somente se pudesse aos outros [também] providenciar. Porém "estes outros" devem ser entendidos até um certo término. De fato, se por estes outros se quisesse entender não somente os consanguíneos e aos amigos próprios, mas também os amigos dos amigos, proceder- se-ia nisso até o infinito, e assim ninguém a suficiência poderia bastar, e ninguém poderia ser feliz, se a felicidade tivesse por requisito a infinita suficiência. Além disso, deve-se saber que Aristóteles fala neste livro da felicidade que pode ser alcançada nesta vida, porque a felicidade da outra vida excede a investigação da razão. Assim, o bem perfeito deverá ser suficiente não somente a um só homem, mas para si e todos aqueles que estão debaixo dos seus cuidados.

Um bem é dito per se suficiente se, sendo possuído sozinho, torna a vida desejável, nada mais lhe sendo necessário. Ora, isto pode se dar de duas maneiras:

A. De uma primeira maneira, de modo que o bem perfeito que é dito suficiente per se não possa receber um aumento de bondade por adição de algum outro bem.

Esta é a condição daquilo que é bem total, ou seja, Deus. De fato, qualquer bem [acrescentado] a Deus não lhe faz nenhum aumento de bondade, porque este bem [acrescentado] não é bem a não ser enquanto participa da bondade divina.

B. De uma segunda maneira, de modo que [o bem perfeito] é dito suficiente na medida em que contém tudo aquilo que falta ao homem por necessidade.

Este é o modo de suficiência que pertence à felicidade de que estamos tratando, porque dizemos ela ser [um bem perfeito] suficiente per se por conter em si tudo aquilo que é per se necessário, não todavia tudo aquilo que pode advir ao homem. De onde se segue que ela pode tornar-se melhor por adição de alguma coisa. E assim o desejo do homem não permanece inquieto, porque o desejo regulado pela razão, como deve ser [o desejo do homem] feliz, não apresenta inquietude pelas coisas que não são necessárias, ainda que sejam possíveis de se alcançarem.