4. A segunda causa de sedição nos estados ótimos mesclados e na república.

Faz-se também a sedição e a transmutação no estado dos ótimos porque todo estado dos ótimos mesclado é mais estado de poucos [do que estado popular]. Por este motivo os ricos mais possuem dos bens comuns do que os pobres. Ora, a causa pela qual no estado dos ótimos mais se atribuem [bens] aos ricos é porque no estado dos ótimos a distribuição dos bens é feita segundo a dignidade da virtude, de tal maneira que aqueles que mais participam da virtude mais recebem dos bens comuns. Os ricos, porém, alcançam mais a virtude do que os pobres, ou pelo menos assim às vezes o parecem. Como conseqüência, pelo fato de que os pobres vêem os ricos mais receber dos bens comuns do que eles próprios o recebem, os invejam e se contristam, e insurgem contra eles, e acontece que mudam a república em deste modo o estado dos ótimos mesclado se transforma em estado popular. Isto não aconteceria num estado popular e num estado de ótimos bem mesclado. De onde que fica manifesto que o estado de ótimos mesclado corrompe-se pelo fato de que os ricos recebem mais do que os pobres.

[Deve-se observar, porém], que as transmutações do estado dos ótimos maximamente se ocultam, porque apenas paulatinamente e aos poucos estes se corrompem. Ora, a transgressão daquilo que é pequeno é causa da transmutação, porque quando se faz uma transgressão segundo o pouco no tocante ao que é necessário para a república, por se tratar de coisa pouca, não inspira cuidados. Quando outra transgressão de pouco monta se realiza, novamente é negligenciada. Assim, portanto, procedendo gradativamente, permitem-se por negligência maiores movimentos até que toda a república é movida.

Assim como vemos nos atos morais, nos quais um ato inclina a outro ato consemelhante, e o exercício induz uma inclinação a atos consemelhantes, assim também ocorre nas repúblicas nas quais quando se negligencia aquilo que é necessário à república, este defeito inclina a atos consemelhantes. E assim, por um procedimento contínuo é induzida uma inclinação tão grande ao contrário da república que esta acaba por corromper-se. Porque esta corrupção faz-se segundo o pouco e gradativamente, ela não é aparente [aos homens].

Um exemplo deste procedimento encontrou-se na república dos Túrios, a qual foi destruída por este modo, gradativamente e segundo o pouco. Ali havia uma lei segundo a qual ninguém poderia exercer a condução do exército senão por cinco anos. [Os que exerciam esta cargo], desprezando a utilidade da cidade e crendo que poderiam obter com a multidão aquilo que queriam, empenharam-se em destrui esta lei e persuadiram a multidão que estes poderiam exercer a condução do exército vitaliciamente. Os governantes conselheiros que tinham o poder de instituir e destruir as leis, principiando a contradizer, foram finalmente persuadidos a conceder, e consideraram que sobre as demais partes da república de resto nada mudariam. Posteriormente estes mesmos se empenharam em destruir outra lei, e persuadiram à multidão para a qual eram benévolos. Quando os governantes quiseram resistir-lhes, [perceberam que] não o poderiam; antes, ao contrário, toa a ordem da república gradativamente e segundo o pouco corrompeu-se e transformou- se num potentado de poucos e no domínio daqueles que se empenharam em desacostumar [os homens] para com a república anteriormente existente e a destruí-la.