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Em seguida o Filósofo passa a determinar a
natureza da arte pecuniativa.
Para considerar a natureza da arte pecuniativa
devemos tomar o princípio de que para cada coisa há dois
modos de uso. Ambos estes usos têm em comum que são segundo
si e não por acidente; diferem, porém, pelo fato de que um
deles é o próprio uso da coisa, e o outro não é o próprio uso
da coisa, mas o uso comum [ou geral]. Assim, há dois usos
para o calçado. O primeiro é o uso próprio, que é o calçar
[os pés]; o outro é o uso geral, que é a comutação. O calçado
não foi feito para este último uso, isto é, o calçado não foi
feito para que o homem o comute, embora o homem possa usar o
calçado para comutá-lo por pão ou por comida. Embora a
comutação não seja i uso próprio do calçado, é, todavia, um
uso per se e não por acidente, porque quem comuta o calçado o
estará usando segundo o seu valor. E, assim como foi dito
para o calçado, assim também deve-se entender de todas as
outras coisas que podem ser possuídas pelo homem.
Ora, a permutação pode ser feita de todas as
coisas. A primeira comutação começou pelas coisas que a
natureza ministrou à necessidade da vida humana. Alguns
homens tinham mais vinho enquanto que outros tinham mais pão,
de onde que lhes convinha que comutassem, e a comutação se
realizava até que cada um tivesse o que lhes era suficiente.
Na primeira comunidade, que era a comunidade de
uma só casa, não havia necessidade de tais comutações, porque
tudo o que fosse necessário à vida pertencia ao pai de
família, que a tudo providenciava. Quando, porém, se formou
uma comunidade mais ampla, isto é, da aldeia e da cidade, por
causa do que alguns homens estavam separados de outros em
muitas coisas, foi necessário introduzir as comutações
daquelas coisas que estavam divididas. Este costume é
observado em muitas nações bárbaras, entre as quais não
existe o uso do dinheiro.
Este tipo de comutação não está além da natureza,
porque é uma comutação de coisas subministradas pela
natureza, e não é uma espécie de arte pecuniativa, porque não
se realiza através do dinheiro.
Da primeira comutação que era das próprias coisas
necessárias entre si, proveio uma outra comutação inventada
pela razão. Quando o auxílio mútuo dos homens se tornou mais
peregrino, porque os homens começaram a usar a comutação não
apenas para com os próximos, mas também para com os
distantes, trazendo para si aquilo de que careciam e enviando
aos outros aquilo de que tinham frutos, por causa desta
necessidade foi inventado o uso do dinheiro, porque não
podiam facilmente levar as coisas que são necessárias segundo
a natureza para terras distantes, como o vinho, o trigo e
outras semelhantes. E por isso, para realizar estas
comutações em lugares distantes, ordenaram que dariam e
aceitariam entre si algo que fácil e rapidamente pudessem
levar, isto é, os metais, como o cobre, o ferro e a prata e
outros semelhantes. Estas coisas podiam ser facilmente
levadas a lugares distantes porque um pouco destas coisas,
devido à sua raridade, valia muito de outras coisas. É isto o
que fazem até hoje os homens que devem fazer uma longa viagem
quando, para suas despesas, em vez do dinheiro de cobre,
levam dinheiro de prata ou de ouro, por causa da necessidade
de comutar em lugares distantes.
O metal foi estabelecido primeiramente apenas pelo
peso e pela magnitude, como até hoje se observa em certos
povos que usam para comutar pura prata não monetária. Mas
depois, para liberar os homens da necessidade de medir e de
pesar, foi impresso um emblema que era colocado como um sinal
de que o metal tinha determinada quantidade. É evidente,
deste modo, que o dinheiro foi inventado, em primeiro lugar,
para a comutação das coisas necessárias.
Mas depois que o dinheiro foi introduzido por
causa das comutações feitas por necessidade por causa das
coisas necessárias que deveriam ser realizadas em lugares
distantes, foi introduzida uma outra espécie de comutação
pecuniária segundo a qual o dinheiro passou a ser comutado
pelo dinheiro. Esta comutação é chamada de numulária [ou
bancária], que é a usada pelos cambistas de dinheiro. A
primeira vez em que isto ocorreu foi de modo simples e como
que por acaso, quando alguém, passando de uma terra a outra,
entendeu que estava gastando o dinheiro mais caro do que o
havia recebido. A experiência, posteriormente, tornou isto
algo artificial, de tal modo que os homens passaram a estudar
de que lugar o dinheiro havia provindo e como com isto
poderiam obter o máximo lucro. Isto pertencia à arte
numulária.
A partir do momento em que o dinheiro passou a ser
trocado por dinheiro de um modo artificial, a arte que diz
respeito ao dinheiro passou a ser chamada de pecuniativa. O
ato desta arte é a consideração de onde possa provir ao homem
uma multidão de dinheiro. A arte pecuniativa se ordena a isto
como ao seu fim: produzir uma multidão de dinheiro e de
riquezas.
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