|
Tendo declarado qual é o fim último da vida humana
ótima, conseqüentemente o Filósofo quer investigar por quais
meios e de que maneira os homens se tornam bons e estudiosos
em relação a este.
Como já havia sido distinguido que há três coisas
necessárias para tanto, isto é, a natureza, o costume [ou o
apetite] e a razão, devemos considerar primeiro se os homens
devem ser instruídos primeiro segundo a razão ou inteligência
ou segundo o costume ou apetite, e se devem ser dispostos
antes segundo a alma ou segundo o corpo. É necessário que
estas coisas convenham, entre si com a devida conveniência,
de tal modo que aquilo que por natureza é anterior seja
disposto primeiro e o que é posterior seja disposto depois.
Como a razão é posterior à natureza e a imita, é
ótimo que nas coisas que pertencem à razão segamos a
disposição da natureza, de tal modo que antes sejam
consideradas e dispostas as coisas que segundo a natureza
devem ser consideradas e dispostas por primeiro.
O Filósofo prossegue declarando primeiro que os
futuros homens estudiosos e bons devem ser antes dispostos
segundo o corpo do que segundo a alma, e antes segundo o
apetite do que segundo a inteligência.
Em todas as coisas nas quais existe algum fim as
coisas que se ordenam ao fim devem ser ordenadas ao fim e
serem dispostas segundo o que é congruente com as mesmas.
Ora, é manifesto que, assim como nas demais coisas que são
segundo a natureza e segundo a arte a geração se inicia por
algum primeiro princípio imperfeito e termina em algo
perfeito que é fim, assim também no homem a geração se inicia
por algo imperfeito e tende a algo que é perfeito e fim.
Ora, este termo e fim natural do homem é a razão e
a inteligência em ato, e não em potência, pelo que é
necessário ordenar a geração do próprio homem e o estudo
sobre os costumes e as disposições da mesma à razão, e
ordená-las segundo o que lhes é congruente.
O apetite irracional precede pela geração o
intelecto em ato pois, assim como o corpo e a alma são duas
coisas diversas entre si, porque o corpo possui duas coisas
diversas entre si, porque o corpo possui razão de matéria e
de sujeito, enquanto que a alma possui razão de ato, assim
também vemos que a alma do homem possui duas partes, das
quais uma possui razão de movido e de sujeito, enquanto que a
outra possui razão de principal movente. Estas [partes da
alma] são o apetite irracional, que [inclina-se por natureza]
a ser regulado pela razão, e a parte racional por essência
que possui razão de movente.
Há para estas duas partes da alma dois hábitos
diversos segundo o número. O primeiro é a virtude moral, o
segundo é a virtude intelectual, dos quais um pertence ao
apetite e o outro pertence ao intelecto ou razão. Assim como
o corpo, portanto, segundo a via da geração, precede a alma,
assim também o apetite irracional precede o intelecto e a
razão em ato, o que é evidente pelo fato de que o ânimo, isto
é, a virtude irascível, o prazer e a concupiscência já
existem nas crianças imediatamente desde o nascimento. O
intelecto e a razão em ato, porém, não existem senão depois
de um certo decurso de tempo.
De tudo o que foi dito o Filósofo conclui que é
necessário primeiro dispor o corpo do que a alma, e o apetite
antes do intelecto, dizendo que, por causa destas coisas,
isto é, que é necessário primeiro buscar e dispor as coisas
que se ordenam ao fim antes [de dispor] o mesmo fim, e que o
corpo se ordena ao intelecto e à razão como a um fim,
conforme foi provado anteriormente, e o apetite
semelhantemente, como a matéria se ordena à forma, é
manifesto que é necessário cuidar antes do corpo do que da
alma. Depois é necessário cuidar das coisas que pertencem ao
apetite por causa do intelecto e, por causa disto, cuidar de
todas as coisas que são da própria alma. De fato, todas as
partes da alma e seus hábitos se ordenam à perfeição, que é
segundo o intelecto.
9. A união conjugal.
Já que o ótimo legislador deve preocupar-se
primeiramente acerca de como e por quais coisas os cidadãos
são otimamente dispostos segundo o corpo e a disposição ótima
dos cidadãos depende em primeiro lugar da boa disposição dos
que os geram no ato da geração, o qual se realiza pela união
do homem e da mulher através do vínculo conjugal, deverá
portanto considerar as coisas que dizem respeito a esta união
ou vínculo, isto é, em que idade, em que tempo e de que modo
será feliz para os que se casam a união conjugal.
O legislador que deseja a boa disposição futura
das crianças deve ordenar leis e estatutos sobre a
comunicação nupcial dos cidadãos, considerando a disposição
dos mesmos no tempo em que se casam, que sejam perfeitos em
si mesmos, e aptos à geração e também considerando o tempo de
vida de ambos, do homem e da mulher, isto é, quanto cada um
pode viver segundo a natureza.
Deve-se considerar também a sucessão das crianças
aos pais. Assim como os pais, segundo a lei da natureza, têm
filhos para educá-los e discipliná-los até à perfeição, assim
também, quando a necessidade torna alguns pais impotentes, os
filhos devem auxiliá-los em suas necessidades.
O auxílio que pode ser dado aos pais idosos pelas
crianças nascidas em sua velhice é de pouca utilidade por
causa da impotência dos filhos. Semelhantemente o auxílio que
pode ser dado às crianças geradas na velhice por pais idosos
é débil por causa de sua impotência devido à senilidade. Por
este motivo não convém que a união conjugal se realize entre
idosos, nem tampouco muito próxima do início do nascimento,
isto é, entre pessoas muito jovens. Os filhos venerarão mal
pais ainda jovens e terão uma menor reverência em sua
presença como a coetâneos e como que educados junto com eles.
O termo último da geração para os homens é
determinado. Este termo, para os homens é, na maior parte dos
casos, setenta anos e para as mulheres, na maior parte dos
casos, cinquenta anos. O período de geração da mulher é mais
breve do que o do homem, porque as mulheres são, por
natureza, de menor virtude e calor do que os homens. Convém,
por este motivo, para evitar dissensões no matrimônio, que a
potência da geração termine simultaneamente em ambos.
Deve-se considerar, ademais, que o coito dos
jovens é mau, por várias razões. Um dos motivos provém do
próprio parto; as mulheres que concebem em uma idade
imperfeita sustentam uma maior dor e muitas morrem, seja por
causa da pequenez dos órgãos que se ordenam ao parto, seja
por causa da debilidade das forças pois quanto menores forem
as forças para resistir, tanto maior será a dor, conforme
vemos que os mesmos pesos parecem mais pesados para os mais
débeis. Nos jovens sabemos que as forças são menores e por
isso o parto pode ser mais doloroso até o ponto de induzir a
morte. O coito, ademais, é menos conveniente nos jovens por
causa da virtude da temperança, convindo por este motivo aos
mais idosos; os jovens que estão mais acostumados ao coito
desde a juventude são mais intemperantes. De fato, as coisas
às quais somos mais acostumados nos são mais deleitáveis e às
coisas que nos são mais deleitáveis mais nos inclinamos. O
coito dos jovens, ademais, é mau porque o corpo dos homens
acostumados ao coito na idade imperfeita enquanto o corpo
está em aumento é lesado e padece defeito na quantidade e na
compleição que lhe é determinada.
Há, de fato, um certo tempo determinado em que os
animais crescem que não é muito excedido pelo tempo destinado
à geração. Assim que o crescimento cessa e o corpo é
perfeito, convertendo-se mais alimento do que o que é
necessário à nutrição, este é mais convenientemente ordenado
à geração. O coito dos corpos não perfeitos produz um
detrimento quanto à compleição por causa do resultado da
secura e da frigidez, consumindo simultaneamente o quento e o
úmido, de onde que o Filósofo diz no terceiro livro De
Causis, comentando a duração e a brevidade da vida, que os
animais muito coitivos e multi espermantes envelhecem
rapidamente.
Já que o fim da geração nos homens em sua maior
parte se dá aos setenta anos e nas mulheres em sua maior
parte se dá aos cinqüenta e convém que os esposos
simultaneamente careçam da potência de gerar, o coito doa
jovens em seus corpos imperfeitos é mau, o corpo das mulheres
em sua maior parte se torna perfeito aos dezoito anos e o dos
homens aos trinta e seis, mais convém que o matrimônio se
realize entre uma mulher de aproximadamente dezoito anos e um
homem de aproximadamente trinta e seis anos. Deste modo se
reunirão em corpos perfeitos e por conseqüência também nas
virtudes.
A sucessão dos filhos em relação aos pais será
mais oportuna se o casal, unido quando a mulher completa
dezoito anos e o homem trinta e seis, gerar imediatamente. Os
filhos sucederão aos pais no início de seu estado de corpo
perfeito, aproximadamente no seu trigésimo ano de vida,
quando a mãe tiver cerca de cinquenta e o pai cerca de
setenta. Os pais, por causa de sua idade, já impotentes,
serão auxiliados pela potência dos filhos já em sua perfeita
idade.
Deve-se entender, porém, que embora os homens e as
mulheres sejam da mesma espécie, todavia o período de vida de
ambos não é o mesmo, porque o tempo de duração [de sua vida]
não segue a razão da espécie comum de ambos, mas a virtude da
compleição. Ora, a virtude da compleição é muito mais forte
no homem do que na mulher por causa da abundância do calor e
de sua melhor proporção quanto às demais qualidades. Por
isso, segundo a natureza, os homens são de vida mais longa do
que as mulheres. E porque aquilo que é mais perfeito
necessita de mais tempo para a sua perfeição quanto mais
coisas forem exigidas à sua perfeição, e os homens são mais
perfeitos do que as mulheres, por isso necessitam de mais
tempo para alcançarem a sua perfeição do que as mulheres, em
sua maioria, embora, por causa da imperfeição da matéria,
possa acontecer o contrário.
|
|