|
Muitos duvidam se convém às cidades bem governadas
e regidas por boas leis serem próximas do mar e terem
comunicação com ele, aduzindo várias razões a favor e contra.
[Segundo estas razões], não conviria à cidade
situar-se próxima ao mar porque isto atrairia a afluência de
muitos homens instituídos e instruídos em outras leis e
exercitados em outros costumes, como hoje pode ser bem
observado em todas as cidades e vilas situadas próximo ao
mar. Ora, os que foram educados em outras leis e exercitados
em outros costumes distraem os cidadãos da observância das
próprias leis e daquilo em que se produziu o costume por
causa da comunicação e da convivência. De fato, é pela
convivência que se formam os costumes. Ora, isto será
inconveniente à cidade e corruptivo da república, pelo que
conviria que ela estivesse situada próxima ao mar.
Ademais, [em segundo lugar], na cidade que está
situada próximo ao mar necessariamente se agregará uma
multidão nociva à república, por causa da oportunidade que o
mar oferece para exportar aquilo de que a cidade possui em
abundância e para importar aquilo de que a mesma carece. Tudo
isto exige na cidade a presença de uma multidão de
negociantes e mercadores. Ora, esta multidão é contrária ao
bom governo, porque as suas leis fazem com que as riquezas
sejam mais preciosas do que a virtude, o que contraria à reta
república. Por tudo isto, parece não ser conveniente que a
cidade estivesse situada próximo do mar.
Por outro lado, porém, há evidentes utilidades que
se originam da proximidade da cidade junto ao mar. É evidente
que até um certo ponto é muito melhor que a região em que se
situa a cidade seja próxima ao mar, por causa da maior
abundância do que é necessário à vida e à maior segurança da
mesma, se os mencionados inconvenientes e danos puderem ser
evitados.
De fato, se a cidade não deve ser serva, importa
que ela seja disposta de tal modo que facilmente e sem dano
possa sustentar o ataque de seus adversários. Isto pode ser
feito mais facilmente e com menor dano se a cidade puder ser
ajudada contra os adversários pelo mar e pela terra; alguns,
provenientes da terra, poderão socorrer aqueles que estão no
mar e outros, que estão no mar, poderão socorrer aqueles que
estão na terra.
É necessário, portanto, aprender a evitar os danos
mencionados que parecem se seguir à cidade por causa da
comunicação com o mar e é necessário, em primeiro lugar,
investigar até que ponto se deve buscar o comércio na cidade.
Deve-se entender que o comércio na cidade é
buscado por causa da comutação das coisas necessárias ao bem
viver. Esta comutação é buscada por causa da suficiência da
vida per se. Por isso a negociação da cidade deve ser buscada
per se até este ponto, isto é, até produzir a suficiência da
cidade per se, e não mais do que isto, assim como todas as
coisas que são buscadas por causa de um fim devem ser
buscadas segundo o que compete a este fim.
O Filósofo afirma, portanto, que a cidade que não
é suficiente para si mesma em tudo aquilo de que necessita
para viver bem convém que negocie, na medida em que por isto
se promove a suficiência per se da cidade. Não deve fazê-lo,
porém, principalmente para promover a suficiência per se das
outras cidades e regiões. De fato, aqueles que se mostram
negociantes de tudo para todos como que transformando sua
própria cidade no mercado de todos fazem isto movido pela
aquisição das riquezas, considerando as riquezas como o que
há de mais precioso e muito precioso. Ora, isto é nocivo à
república reta. A cidade, portanto, [retamente ordenada], que
não pretende participar da aquisição de riquezas supérfluas,
não deve receber nenhuma multidão superexcedente de
negociantes, mas apenas aquela que for necessária para
promover a suficiência da vida per se.
Os danos anteriormente descritos, ademais, podem
ser evitados se for possível ordenar a cidade em relação à
comunicação com o mar conforme vemos ser feito em muitas
regiões e cidades bem ordenadas e próximas ao mar. Bestas
regiões o município da cidade fica a uma certa distância do
mar, de tal modo que os seus subúrbios e o porto nos quais
são recebidos os negociadores sejam convenientemente
dispostos entre a cidade e o mar, de tal modo que a cidade
não seja ocupada pelo mar, nem tampouco esteja muito distante
dele, havendo muros e outras defesas, como torres e
equipamentos militares, entre a cidade e o subúrbio. É assim
que deve ser construída a cidade, se for possível a escolha.
É manifesto, de fato, que se a cidade for assim
construída e o mar tiver a proximidade da cidade, se algum
bem puder acontecer por causa da comunicação com o mar, ele
estará presente na cidade assim disposta. Se algum dano for
possível de acontecer, este deverá ser evitado por leis
diversas determinando quem possa e não possa ser recebido no
município e a quem, com quem e como convém unir-se pelo
comércio.
Deste modo fica claro que não convém que uma
cidade seja construída inteiramente próxima ao mar, tanto por
causa dos danos aos quais Aristóteles se refere, como porque
estaria mais sujeita [à degeneração], e por causa de muitas
outras coisas. Todavia, não convém também que ela esteja
muito afastada, pois uma cidade tem muitas utilidades a
receber do mar, conforme o afirma o próprio Filósofo.
Conclui-se, portanto, que convém à cidade estar situada de um
modo intermediário em relação ao mar, de tal maneira que
possa receber as utilidades que procedem do mar e possa
facilmente evitar as incomodidades que daí também resultam.
|
|