6. Sobre os que disseram que devido à força apreensiva pela qual alguém julga o bem e o mal o homem não pode querer o mal voluntariamente.

O bem move o apetite na medida em que é apreendido. Assim como o apetite ou inclinação natural segue a forma que é inerente por natureza, assim o apetite animal segue a forma apreendida. Portanto, para que algo seja apetecido, pré exige-se que seja apreendido como bem. De onde que cada um deseja aquilo que parece para si ser bem. Ora, aqui alguém poderá dizer que não está em nosso poder que isto [ou aquilo] nos pareça [como] bem, já que não somos senhores da fantasia, mas tal como cada um é, tal ou tal coisa lhe parecerá apetecível como bem e fim. Por exemplo, observamos que nos animais cada animal apetece alguma coisa [diferente] como bem e fim de acordo com a disposição de sua natureza, de onde que diversos animais terão diversos atos e operações, embora todos os animais de uma espécie tenham movimentos e operações semelhantes. Já na espécie humana são encontrados diversos homens tendo diversos movimentos e operações. Deste fato alguns pensaram que isso fosse por causa de uma disposição natural que a um homem isto lhe pareceria como bem, enquanto que a outro homem esta outra coisa lhe pareceria como bem, de tal maneira que quanto a isto o homem não teria domínio ou poder.

Aristóteles discorda desta opinião dos filósofos. Para mostrar isto, deve-se primeiramente considerar que algo pode parecer a alguém como bem de duas maneiras. De uma primeira maneira, universalmente, como através de certas considerações especulativas. O julgamento do bem que provém deste primeiro modo não é conseqüência de nenhuma disposição particular, mas da força universal da razão silogizante [em coisas tais como ] as operações que são pela natureza. Mas nas operações que são contingentes, a razão não é coagida a consentir nisto ou naquilo, como acontece nos [raciocínios] demonstrativos, pois o homem tem poder de assentir a uma ou a outra parte da contradição. Daí que de um segundo modo, algo poderá parecer a alguém como bem através de um conhecimento prático por comparação à obra [opus]. É deste tipo de julgamento que Aristóteles aqui pretende falar. Segundo este modo de julgamento, alguém pode ser levado [a reconhecer] algo como bem de duas maneiras: de uma primeira maneira [reconhecerá] algo como bem de modo simples e segundo se, e de uma segunda maneira não de modo simples e segundo se, mas enquanto o agora. [Estes dois modos correspondem a] dois modos do apetite ser a algo inclinado: o primeiro segundo o hábito, e o segundo segundo as paixões da alma. Segundo as paixões da alma acontecerá que alguém julga algo como bem [por causa] do agora. Por exemplo, aquele que teme o afundamento do navio, por causa da paixão do temor lhe parecerá bem por causa do agora, que joge a bagagem ao mar, e o concupiscente que fornique. Segundo o hábito provém o juízo pelo qual o homem julga ao ser bom segundo se e de modo simples, e é deste que Aristóteles fala aqui. Como o homem de alguma forma é causa de seu mau hábito por causa de seu costume de pecar, por conseqüência também será causa de sua fantasia conseqüente a tal hábito, isto é, das aparições pelas quais a si lhe parecerá ser isto bem per se. [De onde que não é verdade que o homem não tem domínio sobre o que a si lhe parece como bem].