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Alguns governadores de cidades detestam
[inconvenientemente] que se proíba que as crianças chorem.
[Coibir o choro das crianças] é conveniente e contribui para
o aumento da virtude e do [aprendizado], e por meio disto se
realiza um certo exercício corporal. Quando se coíbe o choro,
há uma retenção interior do espírito, enquanto que no choro
há uma difusão exterior do mesmo. A retenção interior da
espírito contribui para a sua força, congregando-a
interiormente; a virtude unida é mais forte do que a mesma
dispersa, e a força do espírito é importante para o
crescimento e para muitas outras coisas.
Os reitores das crianças a quem cabe regrá-las
deve considerar que na educação das crianças são para elas
como que a sua regra, assim como a razão é a regra das
virtudes inferiores. Assim como toda a desordenação das
virtudes inferiores deve ser imputada à parte racional da
alma, assim também a desordenação das crianças recebida na
primeira idade deve ser imputada aos seus mestres.
Os mestres devem cuidar que as crianças convivam o
quanto menos puderem com os servos; nesta idade, até o sétimo
ano, é necessário que elas convivam na casa e nela recebam o
seu alimento, onde os servos trabalham. A convivência com os
servos faz com que as crianças recebam uma certa inclinação
para as ações servis pela que ouvem e vêem os servos dizer e
fazer, mesmo que sejam pequenas e bem informáveis a qualquer
coisa. Aquilo no qual as crianças se acostumam,
principalmente na primeira idade, maximamente se lhes torna
agradável e, sendo agradadas, facilmente se inclinam à mesma.
Daqui o Filósofo conclui que deve-se evitar a
exposição das crianças ao ouvido das coisas torpes, dizendo
que é necessário que o bom legislador extermine completamente
da cidade as conversações torpes, como aquelas que dizem
respeito ao que é venéreo e todas as demais coisas que são
além da razão e da honestidade, assim como qualquer outra
coisa torpe. De fato, quando alguém facilmente diz coisas
torpes, segue-se que ele próprio se aproxima do fazê-las. É
freqüente que ao se falar de alguma coisa torpemente agível
se medite na mesma mais vezes e, pela freqüente meditação
seguir-se-á uma maior inclinação à sua prática. E, embora
estas coisas devam ser universalmente proibidas na cidade,
maximamente porém devem ser proibidas nos jovens e da
presença dos mesmos, de tal modo que estes nem digam nem
ouçam de outros coisas semelhantes. Tudo o que as crianças
ouvem, vêem ou fazem na primeira idade, admiram-nas como algo
que lhes é novo e porque as coisas que são melhor lembradas
também mais agradam, as coisas admiráveis sendo de fato
deleitáveis, as crianças mais facilmente se inclinarão ao que
mais as deleitar.
Se alguém transgredir estas coisas, dizendo ou
fazendo o que é proibido neste assunto, se se tratar de um
homem livre que não tenha alcançado alguma dignidade, seja
punido sendo privado da mesa nos convívios comuns e por
algumas dehonestações ou repreensões condizentes com a
transgressão. Se se tratar de um idoso de preeminência e que
tenha alcançado alguma dignidade, seja punido por meio de uma
desonra servil [em serviço] que não condiza com o seu estado
e que seja para alguma utilidade, já que fêz o que não lhe
era condizente. De fato, é manifesto que o prelado, quando
peca, deve ser punido mais amplamente do que uma pessoa
particular, não só por ter transgredido ao pecar, como também
porque ofereceu aos súditos a ocasião de pecar, fazendo crer
que fosse bom e lícito tudo aquilo que os súditos vêem que
ele faz ou diz.
O Filósofo sustenta que as crianças devem ser
preservadas da visão do que é desonesto dizendo que, já que
dissemos que deve ser exterminado da cidade tudo o que [possa
ser ouvido] de torpe, deve ser manifesto também que deve ser
evitado na cidade que se vejam figuras desonestas, e
principalmente no que diz respeito aos jovens. Da visão
destas coisas produz-se, por causa da admiração, maximamente
nos jovens, a imaginação e a memória das mesmas. Ã sua
imaginação ocorrerá que se disponha o apetite e as virtudes
motivas pelo apetite. A fantasia e a inteligência, conforme
diz o Filósofo no livro Sobre o Movimento dos Animais,
possuem as virtudes das coisas e por isso os príncipes devem
cuidar que nem as esculturas, nem as pinturas que devem ser
expostas em lugares tanto públicos como privados sejam feitas
de modo a conterem a representação destas coisas.
Os jovens podem ser facilmente proibidos de ouvir
e ver coisas desonestas, de ebriedade e universalmente de
todas as ações de coisas torpes se forem ocupados em alguma
outra disciplina e forem acostumados a deleitar-se nela.
Ocupados com os prazeres de uma ocupação [honesta], menos
atenção darão às demais. Sobre a natureza [de tais ocupações
honestas] o Filósofo se escusa de tratar no momento dizendo
que irá determiná-las mais adiante.
O Filósofo passa a investigar um certo sinal pelo
qual fica evidente que as coisas que ouvimos e conhecemos no
princípio se tornam em nós mais deleitáveis e que as
favorecemos e, portanto, nelas persistimos, como algo que nos
é grato e deleitável. Ele afirma que um certo Teodoro, ator
em tragédias [de teatro grego], considerava e não
erroneamente, que quando fosse representar alguma peça, não
queria que ninguém a tivesse representado antes dele mesmo,
fosse quem fosse o ator. Considerava estas coisas porque
sabia que os espectadores mais favorecem a quem assistem por
primeiro, do que fica evidente que amamos aquilo que primeiro
conhecemos, e ao qual primeiro nos acostumamos.
É manifesto que o mesmo ocorre quanto ao homem que
se acostuma ao ouvir e ao agir. Em ambos estes casos o
costume se inclina a coisas semelhantes. Tudo aquilo que
fazemos por primeiro, vendo ou ouvindo ou de qualquer outro
modo, por exemplo, na primeira idade, mais amamos, porque
mais nos deleitamos nelas, admirando-as como novas, e as
coisas que mais amamos, mais podemos operar. Pelo que se
acostumamos na primeira idade as crianças a ouvirem comédias
e tragédias, mais elas serão inclinadas às coisas que são por
elas representadas na idade futura, o que seria
inconveniente. É, por isso, necessário tornar estranho aos
jovens na primeira idade tudo o que é torpe e desonesto, seja
pelo costume nas coisas contrárias, seja pela pena infligida
aos que operam tais coisas. E, entre todos estes, as que mais
devem ser cuidadas são as de maior e mais fácil adesão, que
são as desonestidades acerca do que é venéreo, da bebida e da
comida. A concupiscência destas coisas, de fato, são como que
inatas em nós desde a juventude, segundo diz o Filósofo no
Segundo Livro da Ética.
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