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[A primeira das partes da definição da alma que
pertencem à sua essência consiste em que] a alma é ato.
Dentre os corpos, os que mais parecem ser
substância são os corpos naturais. Como todo corpo que
apresenta vida é um corpo natural, todo corpo que tem vida é
substância. E, sendo um ente em ato, trata-se de uma
substância composta.
Ora, não se pode afirmar que a parte do "corpo
que tem vida", que é chamada corpo, seja a alma. Porque pela
alma entendemos aquilo pelo qual o que tem vida vive e, desta
maneira, deve ser entendido como algo existente em um
sujeito. O termo sujeito deve ser entendido de uma maneira
ampla, de tal modo que não signifique apenas ente em ato, mas
também a matéria primeira, isto é, o ente em potência. O
corpo, portanto, é mais como o sujeito e a matéria do que
como algo existente no sujeito. Ora, como três coisas há na
substância [corporal em ato], isto é, a matéria, a forma e o
próprio composto, não sendo a alma o composto, que é o corpo
que tem vida, nem a matéria, que é o corpo sujeito da vida,
somente resta afirmar que
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A alma é a forma [substancial do]
corpo físico tendo potência à
vida.
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Aristóteles diz forma do corpo físico tendo potência à vida e
não forma do corpo físico tendo vida, porque corpo físico
tendo vida significa o composto vivente. A matéria do corpo
vivente é aquilo que se compara à vida assim como a potência
ao ato, e isto é a alma, o ato segundo o qual o corpo vive.
Aristóteles também sublinha que se trata da forma
substancial para que não se pense que a alma é ato como a
forma acidental o é. A diferença entre a forma substancial e
acidental consiste em que a forma acidental não faz o ente em
ato simpliciter, mas faz o ente em ato ser tal ou qual. [Já]
a forma substancial faz o ente ser ato simpliciter. De onde
se vê que a forma acidental vem ao sujeito já pré existente
em ato. A forma substancial, porém, não advém ao sujeito já
pré existente em ato, mas ao existente apenas em potência,
isto é, a matéria primeira. De onde se conclui ser impossível
para uma única e mesma coisa possuir diversas formas
substanciais.
[S.Tomás em seguida, tece o seguinte comentário à
posição de Avicebron]. Avicebron afirmou que em dado
indivíduo humano existe uma forma pela qual ele é substância,
outra forma pela qual é corpo, uma outra ainda pela qual é
corpo animado. E assim sucessivamente. Tendo em vista o que
Aristóteles diz, deve-se afirmar que existe uma única forma e
mesma forma pela qual o indivíduo é substância [isto é, hoc
aliquid], pela qual é corpo, e pela qual é corpo animado, e
assim por diante. Não se pode entender que exista uma forma
[substancial] pela qual o corpo é corpo e uma outra que o faz
ser corpo vivente. [Existe apenas uma única forma
substancial, a qual], quanto mais perfeita, dá à matéria
aquilo que a forma menos perfeita dá e mais ainda.
[Poderia objetar-se que quando o corpo morre, não
há mais alma. Ora, se a alma não é apenas a forma substancial
do corpo enquanto vivente, mas também enquanto corpo, não
havendo mais alma, não deveria mais haver corpo, isto é, não
haveria cadáver].
[A esta objeção pode responder-se que] retirando-
se a alma, não permanece o corpo da mesma espécie. Isto
porque a carne e os olhos dos mortos não se chamam carne e
olhos a não ser equivocamente, conforme explicado na
Metafísica. Retirando-se a alma, a ela se lhe sucede outra
forma substancial, a qual dá ao corpo um outro ser
específico.
[Vale lembrar o que é uma predicação equívoca.
Segundo o Filósofo],
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"As coisas se chamam equívocas
quando apenas têm em comum o nome,
enquanto que a definição da sua
essência é diferente.
Por exemplo, um homem e um retrato
podem chamar-se propriamente de
animais, ainda que equivocamente".
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Livro das Categorias, C. 1
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