V. QUESTÕES DIVERSAS SOBRE A AMIZADE


1. Coloca-se a primeira questão: se convém que alguém ame a si mesmo mais do que a qualquer outro.

[Há alguns argumentos segundo os quais não conviria que o homem amasse a si mesmo mais do que a qualquer outro].

Os homens repreendem aqueles que maximamente amam a si mesmos. E o próprio fato de que alguém seja amante de si mesmo é tido como um mal. Isto parece confirmar-se pelo fato de que os homens mais fazem tudo por sua utilidade, fazendo tanto mais isto quanto piores forem. E quanto mais o fazem, mais são pelos homens acusados de que nada fazem que seja por causa do bem dos outros, mas somente pelo seu próprio. Porém, os homens virtuosos não agem somente por causa de si mesmo, agindo mais por causa do bem honesto do que por causa de si mesmo e por causa dos amigos, por causa do que freqüentemente colocam de lado suas utilidades. [De onde que parece que não conviria que o homem se amasse a si mesmo mais do que a qualquer outro].

[Há, por outro lado, outros argumentos segundo os quais conviria que o homem se amasse a si mesmo mais do que a qualquer outro].

Estão em desacordo com os argumentos precedentes as obras segundo as quais os homens maximamente mostram amor a si mesmos. E que assim seja não é irracional. Primeiro, porque como se diz comumente entre os homens, é necessário que o homem maximamente ame àquele que é maximamente amigo para nós. Ora, aquele que é maximamente amigo para alguém é aquele que maximamente lhe quer o bem por causa dele. Porém, cada um maximamente quer a si os bens. Assim, portanto, parece evidente que o homem maximamente deve amar a si mesmo. Além disso, todos os provérbios que são vulgarmente ditos estão de acordo nesta parte, que o homem maximamente ame a si mesmo. Por exemplo, diz-se que uma é a alma de dois amigos. Diz-se também que as coisas que são dos amigos são comuns. E que a amizade é uma certa igualdade. E que o amigo está para o outro amigo assim como o joelho está para a tíbia, que possui máxima proximidade. Por todas estas coisas dá-se a entender que a amizade consiste em uma certa unidade, que é maximamente de alguém para consigo mesmo. Assim, todos estes provérbios citados são maximamente verificados no caso de alguém para consigo mesmo e isto pelo seguinte, porque o homem é maximamente amigo de si mesmo, e assim [se conclui] que o homem maximamente deve amar a si mesmo.

Segue-se que é razoável que duvidemos acerca de quais das razões acima devemos seguir, já que ambas possuem algo de acreditável. Será necessário, a seguir, distinguir e determinar em tais argumentos, que possuem razão provável de ambas as partes, quanto de verdade há em ambas as partes e em que.