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[Quer-se explicar melhor o que já foi dito ao se
colocar a primeira de três razões de porque a intemperança é
pior do que a incontinência]. O incontinente persegue a
superabundância das deleitações corporais, fora da ordem da
reta razão, não porque esteja disposto de tal maneira que
esteja persuadido que tais deleitações sejam para se seguir
como se [fossem] boas. Já o intemperante está persuadido que
tais deleitações são para se fazerem eleição, como algo bom
per se, e disto [está persuadido] por causa de uma disposição
que possui por hábito. Daqui é que aquele que não está
persuadido que as deleitações sejam boas per se por
disposição habitual, mas somente por causa da paixão, isto é,
o incontinente, que possui um falso julgamento destas coisas
quanto ao particular, facilmente se afasta de sua crença ao
cessar a paixão. Aquele, porém, que por habitual disposição
julga as deleitações corporais serem elegíveis per se, isto
é, o intemperante, não facilmente se afasta de sua
credulidade.
A razão disto é que a virtude e a malícia dizem
respeito aos princípios dos operáveis, os quais a malícia
corrompe, enquanto que a virtude salva. Ora, o princípio nas
ações é o fim por causa do qual alguém age, o qual de tal
maneira se encontra para o que é agível, assim como os
primeiros princípios nas demonstrações matemáticas. De fato,
assim como na matemática os princípios não são ensinados
através de razões, assim nem nos operáveis o fim é ensinado
através de razões. É o homem, que por hábito da virtude, seja
natural, seja adquirida pelo costume, alcança o correto
julgamento acerca dos princípios dos agíveis que é o fim.
Aquele, portanto, que tem um julgamento correto do fim acerca
das deleitações corporais, de tal maneira que nestas [coisas]
estima como sendo o bem e o fim o termo médio, e como sendo
mal a superabundância, é temperante. Já aquele que tem o
julgamento contrário por causa do hábito da malícia, é
intemperante. Ora, é evidente que aquele que erra acerca dos
princípios não pode ser facilmente revogado do erro, porque
não se dão razões ao se ensinarem os princípios. E por isto
não é de se arrepender, a não ser talvez na medida em que,
por longo costume contrário, seja tirado o hábito cansativo
do erro.
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