10. As disposições naturais dos bons governantes.

Depois que o Filósofo determinou sobre a multidão civil, passa agora a investigar como segundo a natureza importa que governem os que governam retamente.

Ele afirma que, determinadas as coisas que devem ser supostas quanto à magnitude [da multidão civil] na cidade em geral, resta agora tratar como importa que sejam seus futuros bons governantes, segundo a disposição natural. Isto poderá tornar-se manifesto se alguém quiser considerá-la examinando as cidades gregas as quais são ditas bem governadas, e também [examinando] todo o orbe terrestre, ocupado por vários povos e cidades, considerando as disposições naturais de cada uma. Destas considerações poderemos concluir nosso intento.

Supostas estas coisas, [diz o Filósofo] que os habitantes das regiões frias, próximas da Europa que está voltada para o norte na parte afastada do caminho do Sol, são naturalmente animosas, por causa da abundância do sangue e do calor, mas no intelecto, tanto no especulativo como na arte, isto é, no intelecto factivo, são mais deficientes. Por serem mais animosos e poderosos, querem viver em suas próprias regiões livremente e com poder, ousando repelir os ataques dos que se insurgem. Não sabem, porém, governar bem, nem a si mesmos nem sobre os vizinhos por causa de defeito da inteligência e da prudência que se requerem para bem e retamente governar.

Já os habitantes das regiões quentes da Ásia, uma região voltada para o Sul próximo do caminho do Sol, são bem intelectivos e muito artificiosos segundo a alma, por causa da sutilidade e da pureza de seus espíritos. Todavia, são tímidos e sem animosidade, por causa do defeito do sangue e do calor natural. São, por isso, submissos e servidores dos demais, não ousando nem podendo repelir os inimigos, a não ser uma vez ou outra pela fraude e pelo dolo intelectualmente arquitetado, o que conseguem fazê-lo pela sutileza que possuem na inteligência.

Aqueles, porém, que estão num lugar intermediário entre as referidas regiões da Europa e da Ásia, é o caso dos Gregos, assim como possuem uma posição intermediária segundo a localidade, assim também a tem segundo as disposições. Não faz tanto frio entre eles como o que há no Norte, nem tanto calor como o faz na Ásia. Por isso, vivendo equilibradamente segundo o calor e o frio, participam de ambos. São inteligentes, embora menos do que os habitantes da Ásia, e também animosos, embora menos do que os habitantes da Europa. Permanecem, portanto, livres em sua região, poderosos e ousados para repelir de algum modo os seus inimigos, [sendo ao mesmo tempo] capazes de se governarem entre si e aos demais segundo alguma república por causa do agir da inteligência e da razão que há neles.

Na própria Grécia encontram-se diferenças de um povo a outro na mesma região, assim como de toda a Grécia [para com a Europa e Ásia]. Os que entre os gregos vivem mais para o norte são entre eles mais naturalmente animosos. Os que moram na outra parte, mais próximos da Ásia, são os mais intelectivos entre eles. Os demais são melhor proporcionados para ambas as potências, a intelectiva e a animativa, assim como aqueles que mais se aproximam a um termo médio por uma igual distância.

Alguém poderia argumentar razoavelmente contra isto que, como as coisas que são naturais, sempre ou na maioria dos casos são encontrados do mesmo modo e os gregos seriam por natureza mais aptos a governar os demais, diversamente dos habitantes da Ásia ou da Europa, seguir-se- ia que os gregos sempre, ou na maior parte dos casos, teriam governado os outros, e não os outros aos gregos, o que é manifestamente contrário ao que se observa pelo estudo dos historiadores da antiguidade. Os Caldeus e os Persas, de fato, povos situados na Ásia, dominaram durante muito tempo os gregos e, semelhantemente, os romanos, povo originário da Europa, dominaram os gregos durante muito tempo, e as monarquias dos romanos, [caldeus e persas] foram muito mais longas do que as monarquias dos gregos.

A esta objeção pode-se responder dizendo que as disposições naturais das coisas naturais, como são as que estamos tratando, podem ser reduzidas à disposição celeste, conforme diz o Filósofo no Primeiro Livro dos Meteoros quando afirma que necessariamente este mundo deve ser contínuo para que possa ser governado pelos movimentos [dos corpos superiores], de onde que este movimento, princípio de todos os demais, deve ser considerado [a causa dos movimentos dos corpos inferiores]. O mesmo também é demonstrado no Oitavo Livro da Física. Ora, a disposição dos corpos celestes por comparação aos corpos inferiores é dupla. Há uma primeira disposição comum que é tomada segundo a proximidade ou o afastamento do caminho do Sol, que é quem move maximamente os corpos inferiores. Segundo esta disposição, o quanto depende da inclinação natural, os gregos são mais temperados por natureza, e mais alcançariam proporcionalmente ambas as [qualidades] anteriormente descritas, a animosidade e o intelecto, de onde que mais estariam aptos a governar [a si e] aos demais, enquanto que os habitantes do norte seriam mais animosos e deficientes de inteligência, e os da Ásia vice versa.

Há, porém, uma outra disposição celeste em relação a esta primeira, que deve ser considerada segundo a figura das estrelas errantes entre si e as fixas, e em sua ordenação para com todas as coisas que se localizam sobre a terra. Esta disposição não só continuamente varia de um modo a outro, embora isto não seja sensivelmente evidente, como também varia de um modo a outro de um lugar para outro, de tal maneira que se em relação a uma determinada região a figura celeste agora é tal, conseqüentemente em outro tempo será diversa e, se em relação a esta região é de um certo modo, em relação a outra será de outro modo. Se alguma disposição existir em alguma cidade ou região proveniente de uma determinada figura celeste, enquanto durar a figura aquela disposição lhe será natural.

Por conseguinte pode-se dizer que os gregos, por causa da figura celeste, algumas vezes eram aptos para bem governar sobre si e aos demais; enquanto que algumas outras vezes foram outros, como os Caldeus e Romanos.

Ademais, deve-se entender também que a disposição natural da cidade ou da região não apenas deve ser considerada a partir da figura celeste absolutamente, mas também a partir da disposição das partes da região ou da cidade segundo a relação que esta também para com as montanhas ou o mar e os lugares pantanosos ou limpos. A virtude da figura celeste, de fato, não é recebida no conteúdo senão mediante o continente próximo. Deste modo pode acontecer que embora alguma cidade ou região seja naturalmente fria e se incline àquilo que o frio dispõe, no que diz respeito à disposição da figura celeste comum, todavia, segundo a disposição da região por comparação às montanhas ou ao mar, pode acontecer também que ela seja excelentemente quente, ou também temperada, ou vice versa. Disto pode ocorrer que embora os que vivem em alguma região não se inclinem a bem governar pela figura celeste comum, todavia poderão sê-lo por uma sua especial disposição.

Em terceiro lugar deve-se entender também que a virtude celeste, sendo material e corpórea, enquanto que o intelecto é imaterial, [a primeira] não pode agir [sobre a segunda] por si mesma, mas apenas acidentalmente na medida em que isto é deito através de [uma ação sobre o] sensorial. Por isso o intelecto e a vontade não podem ser necessariamente [coagidos] em suas operações [próprias] pela virtude dos corpos celestes per se. Daqui pode ocorrer que, embora alguns, pela virtude celeste ou por uma disposição natural não se inclinem ao governo, nem às operações do intelecto e da virtude, se, todavia, por sua própria escolha [e decisão] se dedicarem ao estudo da sabedoria e ao exercício das virtudes, se tornarão intelectivos e bem governantes. Inversamente, se tiverem boas disposições para todas estas coisas e se entregarem ao ócio e ao exercício das más ações, se tornarão insipientes e pessimamente governantes, o que os conduzirá a se tornarem servos dos demais. Esta talvez terá sido uma das causas da destruição do reino dos romanos e dos gregos; possuindo a monarquia e vivendo na tranquilidade, entregarem-se ao ócio, aos prazeres da carne e à avareza, não querendo dedicar-se à sabedoria. Com isto se tornaram menos inteligentes e menos exercitados nas ações civis e bélicas, não conseguindo mais defender-se contra povos ignorantes e impotentes que antes lhes estavam sujeitos. Com estes elementos pode-se responder satisfatoriamente às objeções apresentadas.

O Filósofo finaliza concluindo, de tudo o que foi dito, quais são os homens que são naturalmente capazes de bem governar. Ele afirma que os gregos governam aos demais por natureza, porque são animosos e bem intelectivos. Os asiáticos, porém, são servos dos demais, porque não são animosos, embora se sobressaiam pela inteligência. Os que habitam no Norte não são capazes de governar os demais, porque carecem de inteligência, embora sejam animosos. É manifesto que os legisladores, que devem conduzir os homens à virtude e bem governar a si e aos demais, devem ser animosos, de tal modo que possam coibir os maus e impugnar os inimigos, e bem inteligentes, para que saibam dirigir a si e aos demais em suas operações.