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Depois que o Filósofo discutir as hipóteses e as
propriedades do estado popular, pretende agora determinar a
partir do que e como as suas espécies são instituídas.
Há quatro espécies de estados populares, e a
espécie ótima é a primeira segundo a ordem entre elas que foi
anteriormente apresentada.
A república ótima de modo simples é o reino em que
um só governa. Depois dela vem o estado dos ótimos em que
poucos virtuosos governam. Depois vem a república em que
ainda há muitos homens preparados para a guerra. Em seguida
temos aquela espécie de estado popular em que muitos
agricultores governam. Finalmente, seguem-se a esta as demais
espécies de estado popular mais e mais deficientes, conforme
foi exposto no Livro Quarto desta Política. O estado popular
[em que uma multidão que se dedica à agricultura governa] é o
mais antigo entre todos os estados populares, a multidão mais
antiga e mais natural sendo a agrícola. O Filósofo chama-a de
primeira, porque é constituída pela primeira multidão e pelo
povo ótimo, que é o que se dedica ao cultivo da terra, se
alguém pressupor a distinção da multidão popular que há entre
os que cultivam e os que não cultivam a terra.
Já que o povo ótimo é o agricultor, por isso
facilmente acontece fazer-se uma república popular ótima onde
houver tal multidão de povo. De fato, de uma ótima matéria
bem disposta ocorre fazer-se um ótimo composto, tanto nas
coisas que são feitas pela natureza, quanto pela arte.
Que a multidão dedicada à agricultura é o povo
ótimo pode ser demonstrado do seguinte modo.
Em primeiro lugar, porque a multidão dos
agricultores não possui muito dinheiro, e não pode dispensar-
se muito dos afazeres das obras exteriores, tendo necessidade
de se dedicar à cultura da terra da qual tira o seu sustento
e a outras coisas necessárias. Por não poder dispensar-se das
coisas exteriores, não apetece formar assembléias e por isso
menos pode maquinar [insurreições]. Os homens, de fato,
costumam nas assembléias, por causa das muitas conversações e
da confiança recíproca, maquinar entre si buscando caminhos e
modos para insurgir-se contra os ricos ou os governantes.
Como os agricultores são menos maquinativos, sua multidão é
mais apta para a política.
Em segundo lugar, a multidão dos agricultores é
ótima porque não é concupiscitiva. O Filósofo diz que tal
multidão, pelo fato de não possuir o necessário para bem
viver, necessita dedicar-se aos trabalhos exteriores na
região externa à cidade, isto é, no campo. E porque se
dedicam às operações exteriores [no campo], menos tem
concupiscência do que é alheio. De fato, os habitantes que
vivem na região externa [à cidade], ocupados com as próprias
obras, não se apercebem das riquezas e dos bens dos
governantes e, porque não se apercebem das mesmas, cobiçam-
nas menos. Por não cobiçarem deste modo o que é alheio, são
melhores para serem governados, porque menos se insurgem e
menos rapinam ou roubam, o que, de fato, era uma das causas
da corrupção das repúblicas, conforme determinado no Quinto
Livro desta Política. Para eles é mais deleitável ocupar-se
com as negociações acerva do que lhes é próprio do que
intrometer-se no que é da república ou do principado. A
multidão popular [composta de agricultores] mais busca e
apetece o lucro próprio do que a honra, o que, de fato, lhes
é mais necessário.
Em terceiro lugar [a multidão de agricultores é
ótima] porque não é ambiciosa. Se tal multidão tem algum
apetite de honra, o que é necessário, porque os homens
naturalmente apetecem a honra, conforme é evidente no segundo
livro da Retórica, o apetite dela é suficientemente
satisfeito pelo fato de que em algumas repúblicas populares
tem o domínio sobre a eleição e a correção do príncipe que é
máxima. Em outros estados populares, embora a multidão não
possa eleger os principados, os quais são eleitos por uma
comissão escolhida dentre toda a multidão, esta tem, porém,
poder sobre o conselho da república que ordena sobre todas as
coisas, e este domínio sobre o próprio conselho é suficiente
para muitos para satisfazer o apetite acima mencionado. Deve-
se opinar que estas coisas, tais como a multidão ter poder de
eleger e corrigir os principados, e poder alcançar alguns
principados menores, assim como possuir um domínio sobre o
conselho, é como um certo ornamento e boa disposição do
estado popular.
Por causa destas coisas serem um certo ornamento
do estado popular e uma boa disposição do mesmo, é
conveniente estabelecer nesta espécie de estado popular, o
que efetivamente costuma fazer-se, que a multidão de
agricultores tenha poder sobre a eleição e a correção do
principado, sobre o seu julgamento quando erra, e que os
principados maiores sejam por ela eleitos, escolhidos para os
mesmos homens entre aqueles que possuem maiores
honorabilidades de virtudes ou de riqueza, ou entre os
maiores pela nobreza.
Se tudo isto for observado, necessariamente em tal
república se governará de modo ótimo, e disto advirão muitas
utilidades para a república. Em primeiro lugar, por parte do
príncipe, pois as magistraturas serão regidas pelos melhores,
por serem tomados por causa de uma certa honorabilidade; em
segundo lugar, por parte do povo, que será unido, e não
propenso à insurreição, sem invejar aos homens insolentes e
insignes. Se os principados são tomados dos honoráveis, o
povo não se submeterá a homens piores do que eles, caso estes
não consigam governar, e também os governantes governarão com
mais justiça, considerando que há outros na república que
podem corrigir seus delitos se agirem injustamente.
Disto tudo conclui-se também que, observadas todas
estas coisas, necessariamente ter-se-á nesta república o
maximamente perfeito, isto é, que os bons e os justos
governam, sem cometerem delitos, temendo a punição e a
correção, e a multidão não ter nada menos do que o que deve,
que é o ser senhora dos maiores.
A conclusão principalmente intencionada é que é
manifesto por tudo quanto foi exposto que esta espécie de
estado popular que foi descrita é a ótima e a causa é o
próprio povo, a partir do qual se constitui, que é ótimo.
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