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Se é verdade que importa que o servo possua alguma
virtude, para que não falhe em suas obras por intemperança ou
temor, parece que, por idênticos motivos, o artífice tenha
que ter alguma virtude para que sejam bons artífices, já que
muitas vezes ocorre que, por causa da intemperança ou outros
vícios, cometam defeitos em suas obras, agindo
negligentemente.
[Deve-se dizer, porém], que há uma grande
diferença entre o servo e o artífice, o que pode ser mostrado
por duas razões.
A primeira é que o servo, enquanto servo, de algum
modo participa da vida, isto é, da conversação humana. Foi
dito acima que o servo é um instrumento nas coisas que
pertencem à ação, isto é, à conversação dos homens. E por
isso como as virtudes morais aperfeiçoam o homem na
conversação humana, é necessário que o servo, para que seja
bom, participe em algo da virtude moral.
Mas o artífice está mais distante da conversação
humana. De fato, a operação do artífice, enquanto tal, não é
sobre os agíveis da conversação humana, mas sobre certas
coisas artificiais, que são denominadas de factíveis. Por
isso alguém é dito um bom artífice, por exemplo, um bom
ferreiro, pelo fato de saber e de poder fazer boas facas,
mesmo se fizer um mau uso das mesmas ou se utilizar
negligentemente de sua arte. Os artífices necessitam da
virtude em suas operações apenas na medida em que, [por meio
de sua arte], exibem algo de servidão à conversação humana. É
assim que vemos que alguns artífices, isto é, os mercenários,
como os cozinheiros, que são destinados a certos ministérios
especiais, nos quais devem servir, segundo este serviço é que
necessitam das virtudes morais, para que sejam bons ao
servirem.
[A segunda razão da grande diferença entre o servo
e artífice] consiste em que o servo pertence às coisas que
são pela natureza. Provamos acima, [diz o Filósofo], que há
alguns que são servos por natureza, enquanto que ninguém é
curtidor ou artífice de nenhuma arte pela natureza, pois
todas as artes foram descobertas pela razão. Ora, as virtudes
se relacionam para com as coisas que existem em nós pela
natureza. Todos temos, de fato, uma certa inclinação natural
à virtude, conforme está explicado no Segundo Livro da Ética,
de onde que é evidente que para que alguém seja um bom servo
necessita da virtude moral, enquanto que não se pode dizer o
mesmo do bom artífice.
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