LIVRO IX

I. AS OBRAS DA AMIZADE, BENEFICÊNCIA , BENEVOLÊNCIA E CONCÓRDIA, TRATADA EM COMUM


1. Os efeitos da amizade.

[Três são as obras da amizade]. Primeiro, a exibição voluntária de benefícios, [ou beneficência]. Segundo, a benevolência. Terceiro, a concórdia.

[A exibição voluntária de benefícios, ou beneficência, consiste no que segue]. Os homens reputam ser amigos aqueles que querem e operam o bem, ou o que tem aparência de bem, aos amigos, por causa do próprio amigo. Dizemos que querem e operam, porque uma coisa sem a outra não é suficiente à amizade. Dizemos o bem ou o que tem aparência de bem porque muitas vezes o amigo exibe por amizade ao amigo aquilo que estima ser o bem, ainda que não o seja. E dizemos por causa do próprio amigo, porque se o homem exibisse voluntariamente benefícios a alguém, não pretendendo com isso o bem deste alguém mas o seu próprio, como quando alguém alimenta um cavalo para sua própria utilidade, não parece ser amigo verdadeiro do outro, mas de si mesmo.

[A benevolência explica-se do seguinte modo]. O amigo quer o ser e o viver do seu amigo, por causa do amigo e não de si mesmo, como aconteceria se no amigo buscasse somente a comodidade própria.

A concórdia, [finalmente], pode ser tomada de três [modos]. Primeiro, quanto ao convívio exterior. Segundo, quanto à eleição. Terceiro, quanto às paixões, das quais a todas se seguem a alegria e a tristeza. De onde que são ditos serem amigos aqueles que vivem na concórdia quanto ao convívio exterior, que fazem eleição das mesmas [coisas] e que se condóem e se co-alegram [um com o outro].