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Ninguém, de fato, que tenha o reto uso da razão,
duvida que o legislador que se ocupe do bem comum da cidade
deve tratar maximamente da disciplina e da boa disposição dos
jovens.
É necessário que o legislador trate e tenha
cuidado de tudo quanto que, não sendo feito, lese e corrompa
as repúblicas, pois deve o legislador procurar o bem e a
salvação da república. Não cuidar, porém, da boa disposição
das crianças e deixar que elas se acostumem no que elas
quiserem é algo que lesa e corrompe a república.
A razão é que convém que o governante acostume e
disponha os futuros cidadãos de qualquer república segundo o
modo que lhe será conveniente como a matéria [se dispõe] à
forma. Ora, o costume de cada república e a disposição que
lhe é conveniente são os princípios da constituição da
república e da sua conservação uma vez instituída, assim como
a boa preparação da matéria para a forma é o princípio da
condução daquela forma ao ser e de sua [posterior]
conservação. E sempre o melhor costume será o princípio da
melhor república, assim como a disposição mais excelente da
matéria será o princípio da geração da forma mais excelente.
Do que é manifesto que a boa disposição e costume
dos jovens para a república a instituem e a salvam, de onde
que também pela indisposição oposta das mesmas e pela
negligência a este respeito a república é destruída e
corrompida. Conclui-se, portanto, que o legislador deve
cuidar da disposição ou disciplina das crianças.
Ademais, assim como ocorre nas outras potências e
artes operativas em relação às operações, assim também ocorre
nas virtudes políticas e na ciência política em relação às
ações políticas. Mas ocorre nas demais potências e artes que
a todas é necessário preexistir alguma disposição da matéria,
ou algum aprendizado ou costume. Isto é o que se observa na
[atividade] especulativa, pois toda arte e toda doutrina
raciocina a partir de um conhecimento preexistente, e nas
[atividades] práticas, como na arte de tocar flauta. O que
deve tocar flauta corretamente deve primeiro acostumar-se a
certos prelúdios e rudimentos, assim como nas demais
[atividades] práticas. Ë necessário, de fato, que a matéria
se disponha bem para a ação, porque os atos das coisas ativas
se realizam no paciente bem disposto.
Por tudo isto [é necessário dizer que] nas
virtudes e na ciência política importa pré aprender,
examinar-se e dispor-se em certas coisas para uma futura ação
reta, do que deverá preocupar-se o legislador, se a sua
intenção é o bem e a salvação da república.
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