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Depois do que foi argumentado deve-se agora
considerar se alguém pode ser naturalmente servo ou não, e
também se para alguém pode ser mais digno e justo que sirva
do que que não sirva.
Deve-se considerar, quanto a isto, em primeiro
lugar, que comandar e submeter-se não é apenas do número das
coisas que ocorrem por violência ou necessidade, mas é também
do número das coisas que convém à preservação dos homens.
Ora, o que convém a alguém parece que lhe é digno e justo.
Em segundo, deve-se considerar que observa-se nos
homens já desde o nascimento uma certa distinção, pela qual
alguns são aptos a se submeterem enquanto que outros a
governar. Ora, o que inere imediatamente desde o nascimento a
alguém, isto parece ser-lhe natural.
São naturalmente servos aqueles aos quais convém
servir, o que pode ser mostrado do seguinte modo. Nas coisas
que são constituídas de muitas partes há sempre uma parte que
preceitua e outras que naturalmente se submetem, e isto lhes
é conveniente. Tudo o que é constituído de muitas partes de
tal modo que delas se faz algo comum, tanto se nelas há
muitas coisas conjuntas, como ocorre com os membros do corpo
que se unem por conjunção para formar um só todo, ou se neles
há muitas coisas divididas como num exército que é
constituído de muitos soldados, em todas estas coisas
encontra-se alguém que principia e outros que se submetem, e
isto lhes é natural e conveniente, como é manifesto pelos
exemplos dados. Mas o homem é naturalmente um animal
político, de modo que lhes é natural que de muitos homens se
constitua uma só multidão. Mas a multidão dos homens é
constituída de muitos; é-lhe, portanto, natural e conveniente
que alguém principie e outros se submetam.
Nos homens ocorre do mesmo modo que em todas estas
premissas, isto é, é-lhes natural e conveniente que alguém
principie e outros se submetam. [Cumpre, porém, examinar]
quem são aqueles que naturalmente principiam e quem são
aqueles que naturalmente se submetem.
Como a alma domina naturalmente sobre o corpo, e o
homem naturalmente domina sobre os animais, aqueles que estão
tão distantes dos demais como a alma dista do corpo e o homem
de uma fera, por causa da eminência da razão que há em alguns
e o defeito da mesma em outros, estes são naturalmente
senhores dos outros, segundo o que também afirma Salomão
quando diz que
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"aquele que é estulto
servirá ao sábio".
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Estes últimos, [isto é, aqueles em que há defeito da razão],
cuja obra principal é o uso do corpo e nas quais isto é o
ótimo que deles se pode ter, estão dispostos de tal modo que
outros há que se encontram para com eles assim como a alma
está para o corpo. São, de fato, capazes de executar obras
corporais, mas impotentes para a obra da razão; são estes que
são naturalmente servos, para os quais é melhor que sejam
governados pelos sábios, e lhes é conveniente que creiam nas
razões acima, porque disto se origina o regime de uma nação.
E que estes são naturalmente servos é manifesto porque é
naturalmente servo aquele que possui aptidão natural para ser
de outro, na medida em que, a saber, não consegue reger-se
pela própria razão, pela qual um homem é senhor de si, mas
apenas pela razão de outro, por causa do que é naturalmente
como que o servo de outro.
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