9. Para a felicidade devem preexistir todas as virtudes.

O Filósofo pretende mostrar, em seguida, que qualquer homem feliz de modo simples deve possuir todas as virtudes.

Deve-se entender que se o fim existe, devem preexistir também todas as coisas que se ordenam ao fim per se. Ora, o fim último de cada homem é alguma contemplação de algo inteligível e o mesmo é o fim de toda a cidade otimamente ordenada, assim como foi mostrado no princípio deste sétimo livro da Política.

A este fim se ordena em primeiro lugar o hábito perfeitíssimo do intelecto do qual é ato a especulação do primeiro inteligível. Em seguida, ordenam-se a este fim os hábitos imperfeitos [deste intelecto] pelos quais ele se dirige à especulação dos entes cujo conhecimento é um caminho para o conhecimento do primeiro inteligível. Em terceiro os hábitos da parte apetitiva da alma pelos quais regula-se o apetite para que o homem não se desvie, além da razão, dos primeiros inteligíveis, detido pelas paixões e movimentos irracionais. Finalmente, as virtudes pelas quais o homem adquire os bens exteriores, na medida em que são necessários para a obtenção do fim, e repele os movimentos que o impedem de alcançá-lo. É necessário, portanto, se existe o fim de cada homem e da cidade, que preexistam todas as virtudes.

É por isso que o Filósofo diz que, já que parece que o mesmo é o fim comum de todos os homens na medida em que são homens simplesmente e de cada homem, singularmente tomado enquanto homem, e o mesmo é o fim último das ações do homem ótimo e da república ótima, conforme foi mostrado no início deste sétimo da Política, e esta é a especulação perfeita dos primeiros inteligíveis que subsiste no desprendimento das coisas exteriores, e maximamente se ordena a este todas as virtudes que dizem respeito ao desprendimento do homem das coisas exteriores, deve ser manifesto que se o homem, segundo si mesmo, ou toda a cidade, se torna feliz, deverão preexistir todas as virtudes que dizem respeito ao desprendimento e à contemplação.

É necessário, ademais, que preexistam todas as virtudes que dizem respeito tanto à contemplação quanto à não contemplação.

Conforme foi dito, é necessário que para a felicidade de cada cidade preexistam nela todas as virtudes que se ordenam à contemplação. Mas, para a contemplação, ordenam-se tanto todas as virtudes que tem por objeto a contemplação como as que não têm [diretamente] por objeto a contemplação. Portanto, todas as virtudes são preexigidas para a felicidade. O fim das obras que não consistem na contemplação são as que consistem na contemplação, porque tanto as virtudes cuja obra são a contemplação como as cuja obra não são a contemplação são úteis para a contemplação e as deleitações que há nela, seja porque o fim do homem consiste na própria operação destas virtudes, seja porque suas obras dispõem o homem para este fim ou porque removem o que o impede. É necessário, portanto, que tanto a cidade como cada homem que deve ser feliz possuam a temperança, a justiça e a sabedoria e todas as demais virtudes que se ordenam à contemplação, quanto a fortaleza, a perseverança e todas as demais virtudes que não se ordenam à contemplação.

A cidade que deve tornar-se feliz deve pré possuir as virtudes que se ordenam à contemplação quanto às suas partes principais, que são os homens livres, não os servos. Aos servos não compete a contemplação, conforme diz o Provérbio. [É por isso que há virtudes] cujas obras não são a contemplação [mas que são necessárias para a mesma], como a guerra, pelas quais os homens são impedidos de se tornarem servos dos outros. Aqueles, de fato, que não têm disposição para enfrentarem os perigos máximos que há na guerra, nem são perseverantes neles, tornam-se servos daqueles que os invadem. A fortaleza, portanto, e a perseverança, são virtudes cujas obras se ordenam à não-contemplação.

Já a Filosofia é necessária para a contemplação, pois a sua obra é a própria contemplação.

Tanto para a fortaleza como para a perseverança como para a Filosofia são necessárias a temperança e a justiça. Pela temperança reprimem-se os movimentos da concupiscência, e pela justiça são dirigidas as operações do homem para com o outro. Tanto a justiça quanto a temperança, porém, são mais necessárias aos que contemplam e aos que conduzem a paz do que aos que tratam com a guerra. De fato, por causa do exercício da guerra e dos perigos que há nela, [os homens que tratam com ela] se dispõem à obra da temperança.

A vida militar, de fato, possui muitas partes da virtude, conforme explicou-se no segundo livro desta Política. Ao contrário, a fruição dos bens da fortuna na tranquilidade predispõe a alma às injúrias. A posse das riquezas torna os homens contumeliosos e orgulhosos; crendo que tudo possuem pelas riquezas, crêem também que possuem todos os bens por possuírem riquezas e por isso são conduzidos pelo orgulho e desprezam os demais.

Por causa disso aqueles que querem agir na felicidade e gozar de todas os bens que pertencem à bem aventurança tem necessidade de muita temperança e de muita justiça. A estes é maximamente necessária a Filosofia, em cujo ato consiste o fim último do homem, a temperança pela qual são sedadas as concupiscências e a justiça pela qual são reguladas as operações para o outro, e isto tanto mais quanto mais perseveram na abundância de tais honras.