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Este terceiro modo de relação difere dos
anteriores pois nos anteriores cada um [dos termos] é dito
relativo pelo fato do mesmo referir-se ao outro, e não pelo
fato do outro referir-se a si. Assim, o duplo se refere à
metade, e vice-versa, e o pai ao filho, e vice versa. Segundo
este terceiro modo, porém, algo é dito relativo somente pelo
fato de que algo se refere a si, assim como é evidente que o
sensível e o cognoscível ou intelegível são ditos relativos
porque outras [coisas] se referem aos mesmos. Algo é dito
cognoscível por se ter ciência do mesmo. Semelhantemente,
sensível é dito o que pode ser sentido.
De onde que estas coisas não são ditas relativas
por causa de algo que haja da parte delas mesmas, como a
quantidade, a qualidade, a ação ou a paixão, assim como
ocorria nas relações anteriores; mas são ditas relativas por
causa das ações dos outros que todavia não terminam nelas. De
fato, se o ver fosse uma ação do vidente que se [estendesse
até a coisa vista e] a alcançasse, assim como a calefação [se
estende até] ao calefactível, então assim como o calefactível
se refere ao calefaciente, assim também o visível se
referiria ao vidente. Mas ver, intelegir e tais ações,
conforme é explicado no nono livro da Metafísica, permanecem
nos agentes e não transitam às coisas [vistas e intelegidas,
pois] o visível e o cognoscível não padecem algo pelo fato de
serem intelegidos ou vistos. Por causa disso, [as coisas
intelegidas e vistas] não se referem [aos inteligentes e
videntes], mas [apenas vice versa].
Semelhantemente ocorre com todas aquelas coisas
nas quais algo é dito relativamente por causa da relação de
outro para com ele, como o direito e o esquerdo na coluna.
Como o direito e o esquerdo designam princípios de movimentos
nas coisas animadas, não podem ser atribuídos à coluna e a
algo inanimado senão na medida em que os animados de algum
modo se [relacionam] para com ela, assim como quando a coluna
é dita direita, porque o homem lhe é esquerdo.
Semelhantemente ocorre com a imagem em relação ao
exemplar, e com o dinheiro, pelo qual se [estipula] o preço
da venda.
Em todas estas coisas toda a razão de referência
em ambos os extremos [depende de só um deles], e por isso
todos estes tais de algum modo estão [um para o outro] assim
como o mensurável e a medida, porque qualquer coisa é medida
por aquilo de que depende.
Deve-se saber, porém, que embora a ciência segundo
o nome pareça referir-se ao cognoscente e ao cognoscível, já
que dizemos ciência do cognoscente e ciência do cognoscível,
e dizemos também intelecto do inteligente e intelecto do
intelegível; todavia o intelecto, segundo que é dito
relativamente a algo, não o é dito relativamente àquele que é
o seu sujeito, pois assim se seguiria que o mesmo relativo
seria dito duas vezes. De fato, consta que o intelecto é dito
relativamente ao intelegível, assim como ao objeto. Se,
portanto, fosse dito relativamente ao inteligente, seria duas
vezes dito relativamente, e como o ser do relativo consiste
em se achar de algum modo para com outro, seguir-se-ia que a
mesma coisa possuiria um ser duplo.
E semelhantemente, é patente acerca da visão que
ela não é dita relativamente ao vidente, mas ao objeto que é
a cor.
Não obstante, pode-se dizer corretamente que a
visão seja do vidente, pois a visão se refere ao vidente, não
na medida em que é visão, mas na medida em que é acidente ou
potência do vidente. De fato, a relação diz respeito a algo
externo, não, todavia, ao sujeito, senão na medida em que é
acidente.
Assim fica claro que estes são os modos pelos
quais [as coisas] são ditas relativas per se.
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