16. O que deve ser proibido na educação das crianças do terceiro ao quinto ano de idade.

Alguns governadores de cidades detestam [inconvenientemente] que se proíba que as crianças chorem. [Coibir o choro das crianças] é conveniente e contribui para o aumento da virtude e do [aprendizado], e por meio disto se realiza um certo exercício corporal. Quando se coíbe o choro, há uma retenção interior do espírito, enquanto que no choro há uma difusão exterior do mesmo. A retenção interior da espírito contribui para a sua força, congregando-a interiormente; a virtude unida é mais forte do que a mesma dispersa, e a força do espírito é importante para o crescimento e para muitas outras coisas.

Os reitores das crianças a quem cabe regrá-las deve considerar que na educação das crianças são para elas como que a sua regra, assim como a razão é a regra das virtudes inferiores. Assim como toda a desordenação das virtudes inferiores deve ser imputada à parte racional da alma, assim também a desordenação das crianças recebida na primeira idade deve ser imputada aos seus mestres.

Os mestres devem cuidar que as crianças convivam o quanto menos puderem com os servos; nesta idade, até o sétimo ano, é necessário que elas convivam na casa e nela recebam o seu alimento, onde os servos trabalham. A convivência com os servos faz com que as crianças recebam uma certa inclinação para as ações servis pela que ouvem e vêem os servos dizer e fazer, mesmo que sejam pequenas e bem informáveis a qualquer coisa. Aquilo no qual as crianças se acostumam, principalmente na primeira idade, maximamente se lhes torna agradável e, sendo agradadas, facilmente se inclinam à mesma.

Daqui o Filósofo conclui que deve-se evitar a exposição das crianças ao ouvido das coisas torpes, dizendo que é necessário que o bom legislador extermine completamente da cidade as conversações torpes, como aquelas que dizem respeito ao que é venéreo e todas as demais coisas que são além da razão e da honestidade, assim como qualquer outra coisa torpe. De fato, quando alguém facilmente diz coisas torpes, segue-se que ele próprio se aproxima do fazê-las. É freqüente que ao se falar de alguma coisa torpemente agível se medite na mesma mais vezes e, pela freqüente meditação seguir-se-á uma maior inclinação à sua prática. E, embora estas coisas devam ser universalmente proibidas na cidade, maximamente porém devem ser proibidas nos jovens e da presença dos mesmos, de tal modo que estes nem digam nem ouçam de outros coisas semelhantes. Tudo o que as crianças ouvem, vêem ou fazem na primeira idade, admiram-nas como algo que lhes é novo e porque as coisas que são melhor lembradas também mais agradam, as coisas admiráveis sendo de fato deleitáveis, as crianças mais facilmente se inclinarão ao que mais as deleitar.

Se alguém transgredir estas coisas, dizendo ou fazendo o que é proibido neste assunto, se se tratar de um homem livre que não tenha alcançado alguma dignidade, seja punido sendo privado da mesa nos convívios comuns e por algumas dehonestações ou repreensões condizentes com a transgressão. Se se tratar de um idoso de preeminência e que tenha alcançado alguma dignidade, seja punido por meio de uma desonra servil [em serviço] que não condiza com o seu estado e que seja para alguma utilidade, já que fêz o que não lhe era condizente. De fato, é manifesto que o prelado, quando peca, deve ser punido mais amplamente do que uma pessoa particular, não só por ter transgredido ao pecar, como também porque ofereceu aos súditos a ocasião de pecar, fazendo crer que fosse bom e lícito tudo aquilo que os súditos vêem que ele faz ou diz.

O Filósofo sustenta que as crianças devem ser preservadas da visão do que é desonesto dizendo que, já que dissemos que deve ser exterminado da cidade tudo o que [possa ser ouvido] de torpe, deve ser manifesto também que deve ser evitado na cidade que se vejam figuras desonestas, e principalmente no que diz respeito aos jovens. Da visão destas coisas produz-se, por causa da admiração, maximamente nos jovens, a imaginação e a memória das mesmas. Ã sua imaginação ocorrerá que se disponha o apetite e as virtudes motivas pelo apetite. A fantasia e a inteligência, conforme diz o Filósofo no livro Sobre o Movimento dos Animais, possuem as virtudes das coisas e por isso os príncipes devem cuidar que nem as esculturas, nem as pinturas que devem ser expostas em lugares tanto públicos como privados sejam feitas de modo a conterem a representação destas coisas.

Os jovens podem ser facilmente proibidos de ouvir e ver coisas desonestas, de ebriedade e universalmente de todas as ações de coisas torpes se forem ocupados em alguma outra disciplina e forem acostumados a deleitar-se nela. Ocupados com os prazeres de uma ocupação [honesta], menos atenção darão às demais. Sobre a natureza [de tais ocupações honestas] o Filósofo se escusa de tratar no momento dizendo que irá determiná-las mais adiante.

O Filósofo passa a investigar um certo sinal pelo qual fica evidente que as coisas que ouvimos e conhecemos no princípio se tornam em nós mais deleitáveis e que as favorecemos e, portanto, nelas persistimos, como algo que nos é grato e deleitável. Ele afirma que um certo Teodoro, ator em tragédias [de teatro grego], considerava e não erroneamente, que quando fosse representar alguma peça, não queria que ninguém a tivesse representado antes dele mesmo, fosse quem fosse o ator. Considerava estas coisas porque sabia que os espectadores mais favorecem a quem assistem por primeiro, do que fica evidente que amamos aquilo que primeiro conhecemos, e ao qual primeiro nos acostumamos.

É manifesto que o mesmo ocorre quanto ao homem que se acostuma ao ouvir e ao agir. Em ambos estes casos o costume se inclina a coisas semelhantes. Tudo aquilo que fazemos por primeiro, vendo ou ouvindo ou de qualquer outro modo, por exemplo, na primeira idade, mais amamos, porque mais nos deleitamos nelas, admirando-as como novas, e as coisas que mais amamos, mais podemos operar. Pelo que se acostumamos na primeira idade as crianças a ouvirem comédias e tragédias, mais elas serão inclinadas às coisas que são por elas representadas na idade futura, o que seria inconveniente. É, por isso, necessário tornar estranho aos jovens na primeira idade tudo o que é torpe e desonesto, seja pelo costume nas coisas contrárias, seja pela pena infligida aos que operam tais coisas. E, entre todos estes, as que mais devem ser cuidadas são as de maior e mais fácil adesão, que são as desonestidades acerca do que é venéreo, da bebida e da comida. A concupiscência destas coisas, de fato, são como que inatas em nós desde a juventude, segundo diz o Filósofo no Segundo Livro da Ética.