11. Nota de Santo Tomás de Aquino sobre a Providência Divina.

[Embora na natureza exista o acaso e a sorte, as quais não podem ser reduzidas a alguma causa per se naturalmente agente], ocorre às vezes que aquilo que ocorre segundo si mesmo por acidente e casualmente possa ser reduzido a alguma inteligência pré-ordenante, como no caso de dois servos que se encontram em algum lugar, casualmente e por acidente quanto a eles, um deles ignorando do outro; tal encontro, porém, pode ser intencional por parte do senhor que os tenha enviado a ambos para que se encontrassem em um certo lugar.

Por causa disto [coloca-se] que todas as coisas que se fazem neste mundo, mesmo as que parecem fortuitas e casuais, possam ser reduzidas à ordem da Providência Divina, da qual [dependeria] o destino.

Houve, porém, quem negasse a Divina Providência, por julgarem o intelecto divino ao modo de nosso [próprio] intelecto, o qual não conhece os singulares. Ora, [quanto ao intelecto divino], isto é falso. O inteligir divino e sua vontade são o seu próprio ser. De onde que, assim como o seu ser, pela sua virtude, [abarca] tudo aquilo que de algum modo é, na medida em que [tudo o que é o] é por [uma] participação [do seu ser], assim também o seu inteligir e o seu inteligível [abarca] todo apetite e todo apetecível que é bom, de modo que pelo próprio fato de algo ser cognoscível cairá sob o seu conhecimento, e pelo próprio fato de algo ser bom cairá sob a sua vontade.

[Há, porém, ainda outras dificuldades que se levantam sobre a Divina Providência]. Se, [de fato], a Divina Providência é causa per se de todas as coisas que ocorrem neste mundo, pelo menos dos bens, pareceria então que tudo o que ocorre ocorre necessariamente. Em primeiro lugar, por parte da ciência divina, porque não pode sua ciência enganar- se e, deste modo, as coisas que ele próprio conhece, parece que necessariamente tenham que ocorrer. Em segundo lugar, por parte da vontade, pois a vontade de Deus não pode ser ineficaz, de onde que todas as coisas que Deus quer, necessariamente terão que ocorrer.

Todas estas objeções, entretanto, procedem do fato de que [nelas] o conhecimento do intelecto divino e a operação da vontade divina são consideradas segundo o modo com que eles se dão em nós, enquanto que, [de fato, o conhecimento e a vontade existem em nós] de um modo muito dessemelhante.

Em primeiro lugar, por parte do conhecimento ou da ciência deve-se considerar que para conhecer as coisas que ocorrem segundo a ordem do tempo a força cognitiva que de alguma maneira está contida debaixo da ordem do tempo encontra-se de modo diverso do que a força cognitiva que está totalmente fora do tempo. Como, portanto, nosso conhecimento cai sob a ordem do tempo, segue-se que as coisas caem sob seu conhecimento debaixo da razão do presente, do passado e do futuro. Por este motivo nosso conhecimento conhece as coisas presentes como existentes em ato e de algum modo perceptível pelo sentido; conhece as coisas passadas como lembradas; quanto às coisas futuras, não as conhece em si mesmas, porque ainda não são, mas pode conhecê-las em suas causas. Pode conhecer as coisas futuras com certeza se elas forem totalmente determinadas em suas causas, como coisas que ocorrem necessariamente a partir de outras; pode conhecer as coisas futuras por conjectura se não forem determinadas de tal modo que não possam ser impedidas, como as coisas que ocorrem na maioria [das vezes]; não poderá conhecer as coisas futuras de modo algum se estiverem em suas causas inteiramente em potência de tal modo que não estejam mais determinadas a um do que a outro [efeito], assim como as coisas que se encontram [inclinadas] para ambos [opostos]. De fato, algo não é cognoscível na medida em que está em potência, mas somente na medida em que está em ato, como é manifesto pelo que diz o Filósofo no IX da Metafísica.

Mas Deus está inteiramente fora da ordem do tempo, constituído nos [arcanos] da eternidade, a qual é toda simultânea, a quem está submetido todo o curso do tempo, segundo sua única e simples intuição. Por isso Deus, com uma só intuição, vê todas as coisas que são feitas segundo o curso do tempo e a cada coisa [como algo presente e] existente em si mesmo e não como algo que lhe é futuro apenas [enquanto] intuível na ordem de suas causas, embora Deus também veja a própria ordem destas causas.

[Deste modo, Deus] vê todas as coisas que estão em qualquer tempo de um modo inteiramente eterno, assim como quando o olho humano vê, [num momento presente], a Sócrates que se senta, vendo-o em si mesmo, e não na sua causa. De fato, quando o homem vê a Sócrates sentando-se, não se retira a sua contingência quanto à ordem da causa ao efeito; todavia, o olho humano vê certissima e infalivelmente Sócrates sentar-se quando ele se senta, porque cada coisa, na medida em que está em si mesmo, já a determina. Assim, portanto, conclui-se também que Deus certissima e infalivelmente conhece todas as coisas que se fazem no tempo e, todavia, as coisas que se fazem no tempo não são ou se tornam necessariamente, mas contingentemente.

Semelhantemente, [outra] diferença deve ser considerada por parte da vontade divina.

A vontade divina deve ser entendida como existindo fora da ordem dos entes, como uma certa causa que difunde todo o ser e todas as suas diferenças. Ora, são diferenças dos entes o [ser] possível e o [ser] necessário. Por isso, da própria vontade se originam nas coisas a necessidade e a contingência, assim como a distinção de ambas segundo a razão das causas próximas. De fato, aos efeitos [que a vontade divina] quis que fossem necessários, dispôs causas necessárias; aos efeitos que quis que fossem contingentes, ordenou causas atuando contingentemente, isto é, possíveis de falha. E segundo a condição destas causas, os efeitos são ditos necessários ou contingentes, embora todas dependam da vontade divina, como de uma causa primeira, a qual transcende a ordem da necessidade e da contingência.