|
Já que sentimos que vemos e, semelhantemente,
sentimos que ouvimos, é necessário que isto aconteça ou pela
própria vista ou por outra virtude
[Há uma razão a favor de que seja pela vista que
nós sentimos que vemos]. Se existe um outro sentido pelo qual
nós vemos que vemos, então por este sentido ou somente
sentimos que vemos, ou sentimos que vemos e também enxergamos
a cor.
[Se ocorre a segunda hipótese, isso seria
incoerente], porque então haveria dois sentidos para o mesmo
objeto, que é a cor, a saber, a vista e este outro sentido.
[Se ocorre a primeira hipótese], e este outro sentido percebe
que nós vemos, mas não percebe a cor, isto é irracional,
porque se ele não conhece a cor, não pode conhecer o que seja
ver, sendo que o ver nada mais é do que sentir a cor.
[Outra razão a favor de que seja pela vista que
sentimos que vemos seria a seguinte]. Se o sentido pelo qual
nós sentimos que vemos é outro que não a própria vista, deve-
se questionar sobre o mesmo se porventura este sentido seria
capaz de sentir que ele sente. Se ele não sente que ele
sente, deve-se colocar um terceiro sentido que sentiria que o
segundo sente e assim indefinidamente, até o infinito. Mas
aqui proceder até o infinito é incabível, porque uma ação que
depende de ações [em número] infinitas é impossível de se
completar. Portanto, deve-se chegar algum sentido que perceba
que ele [mesmo] sente. Ora, se isto se pode admitir, não há
razão porque não poderia ter sido admitido logo no primeiro
sentido, isto é, o admitir-se que a própria vista sente a si
mesmo vendo. Portanto, não são diferentes os órgãos que
percebem a cor e que percebem a visão da cor.
[Uma razão contra que seja pela vista que sentimos
que vemos consiste em que] se pela vista sentimos que nós
vemos, sentir que nós vemos nada mais é do que ver. Ora, nada
pode ser visto exceto a cor ou o que tem cor. Se, portanto,
alguém se vê que esteja vendo, segue-se que na vista existe a
cor, o que é errado, porque a vista é susceptiva da cor, mas
é sem cor.
|
|