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A última e péssima espécie do estado de poucos
necessita de uma grande cautela ao ser instituída. Esta
espécie de estado de poucos necessita de uma cautela tanto
maior em sua instituição quanto ela própria é a república de
poucos péssima entre todas.
Isto pode ser declarado por semelhança com as
coisas que são feitas pela arte, que são mais conhecidas para
nós, dizendo que os navios que são bem construídos, formados
de partes firmemente unidas entre si, podem suportar ou
navegar com um maior número de erros, golpes ou paixões
provocadas por elementos externos sem que facilmente se
corrompam por este motivo. Já os navios que não são bem
construídos, cujas partes não estão firmemente unidas umas às
outras, como que possuindo uma tripulação de péssimos
marinheiros, não podem suportar os menores erros. Navios como
estes, diante do menor impulso do vento, diante de uma onda
ou do choque com um rochedo, rompem-se e [afundam], como é do
conhecimento de todos. Assim também ocorre nas repúblicas. As
que são otimamente ordenadas segundo a rezão podem sustentar
muitos e grandes choques. As que são mal ordenadas corrompem-
se por pouca coisa e, por isso mesmo, necessitam de uma maior
cautela [ao serem instituídas]. Convém, de fato, entender a
cidade como composta de muitas partes ordenadas entre si,
como um navio é composto de muitas tábuas.
[Feitas estas observações, o Filósofo expõe três
elementos que salvam o potentado de poucos, esta última
espécie do estado de poucos que já são tiranias].
O primeiro consiste em juntar à república alguns
[homens] escolhidos entre os populares, por exemplo, dentre
os que tenham alguma honorabilidade de riquezas. Isto foi
observado na cidade de Marselha, a qual distinguiu entre a
dignidade dos que tinham alcançado a república e a daqueles
que não participavam dela. Se encontravam alguns que não
participavam da república que fossem mais dignos ou, pelo
menos, tão dignos quanto aqueles que participavam, elevavam-
no à participação da república, todos ou pelo menos alguns
entre eles. Por causa da aposição destes populares, o povo da
república mais a amava, e por isso mais se esforçavam por
salvá-la. Isto, porém, dever ser observado, conforme já foi
dito anteriormente, de tal maneira que não seja tomada uma
grande multidão de tais homens, a qual, quando muito grande,
poderia produzir a desordenação do estado de poucos. Deve ser
tomado um certo número de homens tão grande quanto for
necessário para que, com eles, a república se torne mais
forte do que o restante da multidão [que habita] a região.
O segundo elemento que salva o potentado de poucos
consiste na conveniência daqueles que são tomados para os
principados principais e mais honoráveis em fazer oferendas
de grandes dons a Deus ou a comunidade. Disto se seguem duas
utilidades. A primeira é que o povo [não odiará] o principado
por causa da magnitude dos dons; a segunda é que se
compadecerá dos governantes vendo-os gastarem muito com eles.
Os pobres, de fato, consideram as riquezas como o bem maior.
O terceiro elemento que salva o potentado de
poucos consiste em que os governantes façam grandes
sacrifícios, grandes despesas e algum grande convívio com
toda a cidade, de tal maneira que o povo, participando deste
modo do convívio, e vendo a cidade bem disposta e
ornamentada, se alegre e por conseqüência queira que a
república dure. Ademais, a magnitude das despesas é para os
insignes como um memorial para a difusão de sua fama. Entre
os modernos que governam estados de poucos, diz o Filósofo,
há um costume contrário a este. Seus príncipes e homens
insignes não buscam a boa fama ou as honras, mas a extorsão
por meio da calúnia ou de qualquer outro meio de qualquer
quantia de dinheiro. Este é o motivo por que as modernas
repúblicas de poucos são repúblicas mas nas quais se busca
mais a extorsão de dinheiro do que a honra.
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