3. As muitas propriedades do estado popular.

De tudo o que foi dito podem ser concluídas as muitas propriedades do estado popular.

No que diz respeito ao modo de se assumir um principado, temos quatro condições.

A primeira é que em todo principado, tanto os maiores como os menores, o príncipe é eleito e tomado entre todos indiferentemente, não considerando qualquer dignidade.

A segunda é que todos governam sobre todos, isto é, cada um em separado, na medida em que é tomado para este ou aquele principado, separadamente sobre todos. Assim todos governarão e se submeterão segundo a parte, e isto é o primeiro efeito da liberdade.

A terceira é que os principados são escolhidos pela sorte, ou todos universalmente, ou pelo menos aquele para os quais não é necessário muita sabedoria ou prudência, como a condução do exército ou [os principados que implicam na função de aconselhamento. Estes últimos, de fato, não convém que sejam eleitos pela sorte, pois poderia ocorrer que para tais principados fossem tomados idiotas, o que seria perigoso para a república.

A quarta é que para os principados são tomados homens sem a menor consideração para qualquer excelência ou dignidade de virtude ou riqueza. O Filósofo acrescenta [esta quarta propriedade quanto ao modo de assumir o principado, que parece semelhante à primeira] porque há algumas espécies de estados populares onde assume-se o principado com alguma certa consideração, [ainda que secundária], pela riqueza ou pela virtude, como ocorre na quarta espécie de estado popular, mas não ocorre no primeiro.

No que diz respeito à própria razão do principado, temos duas condições.

A primeira é que convém que na república a mesma pessoa não governe duas vezes no mesmo principado, ou pelo menos que este seja permitido raramente e apenas a poucos. Assim, de fato, muitos poderão alcançar o principado, com exceção da condução do exército, no qual a mudança freqüente é perigosa, por causa da longa experiência que se exige para tal.

A segunda é que convém estabelecer que a duração do principado seja breve. Que todos os principados sejam breves, ou pelo menos aqueles que devem julgar todas as coisas quanto a todos os cidadãos ou pelo menos a muitos. [Se isto não for possível, que sejam breves] pelo menos os principados máximos e principalíssimos, como é o caso daqueles a quem incumbe a criação dos outros principados, a ordem da república e o regramento das comutações segundo a lei da justiça. Convém que o principado seja de breve tempo, se é possível, para que muitos possam alcançá-lo e governar segundo a parte. Isto convém maximamente para os grandes principados, para que não ocorra que, quando muito dilatados, se insurjam contra a multidão, tiranizando-a.

No que diz respeito à potência, temos a seguinte condição. Convém que nesta república que a assembléia da multidão seja senhora de modo simples de todas as coisas na república. Convém, se for possível, que o principado não tenha nenhum domínio, ou pelo menos de poucas coisas, e de nenhum modo das máximas. Assim será mais salvada a igualdade da multidão. Se, de fato, os principados dominarem de modo simples, ou nas grandes coisas, excederão os outros além da proporção e igualdade que nela se pretende.

O principado mais necessário no estado popular é aquele denominado de Conselho. A ele cabe o poder de deliberar sobre as coisas grandes e árduas. A razão para isto é que a multidão do povo que domina no estado popular é, o mais das vezes, imprudente e sem virtude, e por isso mesmo segue o ímpeto da vontade em suas operações. Por isso, se ela deve agir retamente, convém que tenha um dirigente que a regre. Ora, este é o conselho, e por isso o conselho é maximamente necessário no estado popular.

Temos, finalmente, uma condição que diz respeito à retribuição. O Filósofo diz que, depois das coisas que foram ditas, convém remunerar todos os que se apresentam à assembléia, para que venham mais prontamente, assim como os que se apresentam ao julgamento para que um maior número julgue e a sentença seja mais firme, assim como aqueles que são tomados para o principado, para que trabalhem mais e mais fielmente. Tudo isto dentro das possibilidades da cidade. Se não for possível que todos sejam remunerados, convém pelo menos premiar os principados, os julgamentos os conselhos e as assembléias máximas e principais, assim como os principados com os quais seja necessário que muitos da cidade convivam. Ninguém aceitaria tais principados, por causa da magnitude das despesas, se não fossem bem remunerados, como ocorre com o condutor do exército.

Recolhendo e concluindo o que foi dito, estas são algumas propriedades comuns do estado popular. Todas estas propriedades que parecem pertencer ao estado popular, assim como a ordenação do povo no mesmo, são conseqüências da definição do justo popular anteriormente colocado, que é que todos possuem o igual segundo a quantidade, e não segundo dignidade alguma.