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Já foi explicado que as crianças devem ser
educadas antes nos costumes que dispõem o apetite e o corpo
do que nas que dispõem a inteligência. Por isto é manifesto
que elas devem ser conduzidas, nesta idade, às artes da luta
e à pedotríbica. As artes da luta promovem o bom hábito do
corpo quanto à fortaleza e ao uso das armas. A pedotríbica
dirige e regula [os movimentos] das crianças que se ordenam à
arte da luta.
As crianças não devem ser educadas nas artes da
luta em atividades excessivamente trabalhosas, e devem sê-lo,
ademais, em lutas dignas e humanas.
Hoje as cidades que mais se preocupam com o bom
hábito das crianças procuram induzí-las ao hábito atlético,
isto é, aos hábitos que dizem respeito à força atlética,
através de exercícios muito trabalhosos que lhes removem a
beleza dos corpos e impedem o seu crescimento por causa do
excesso de trabalho que há nestes exercícios. Os Lacedemônios
[ou espartanos], que tiveram neste ponto um grandíssimo
cuidado, pecaram manifestamente precisamente neste ponto.
Suas cidades exercitavam as crianças por causa da força,
embora seja manifesto que não convém aos que futuramente
deverão bem governar exercitar-se somente em uma virtude, mas
sim em todas.
Ademais, mesmo que conviesse exercitar as crianças
maximamente na força, conforme era a opinião deles, mesmo
assim estes não souberam encontrar corretamente as lutas e os
modos de exercitar a força, já que exercitavam as crianças em
obras ordenadas à crueldade e à ausência de misericórdia,
como eram os homicídios, as rapinas e outras atividades
semelhantes. Isto é tanto mais verdadeiramente errôneo quanto
até mesmo entre os animais brutos observamos que os que mais
alcançam a fortaleza segundo a verdade não são os mais
selvagens e cruéis, como o lobo e o dragão, mas os que
possuem costumes mais mansos e leoninos, como o próprio leão
que é dito ser o mais forte de todos os animais, cuja [força]
possui muitas propriedades semelhantes às propriedades de
algumas virtudes. Temos também o exemplo dos cães, que nisto
também se lhes reconhece uma certa nobreza. Não serão,
portanto, os homens mais cruéis e faltos de misericórdia que
mais alcançarão a fortaleza segundo a verdade.
A verdadeira fortaleza é um hábito que consiste
num termo médio entre os temores e as audácias, que faz com
que o homem enfrente os perigos e a morte quando e onde for
necessário e por causa do bem verdadeiro. Pela fortaleza será
necessário algumas vezes atacar e outras vêzes fugir, algumas
vezes matar e algumas vezes perdoar. Já os que são
exercitados nas obras da ferocidade, embora sejam muito
agressivos, não o fazem todavia por causa do bem, e não
consideram quando e onde importa usar da força, nem perdoam a
quem quer que seja.
As crianças, portanto, devem ser exercitadas
principalmente em lutas humanas e ordenadas à virtude, sendo
necessário que se exercitem mais nas lutas e nos atos que
conduzem ao bem do que em lutas ferozes. Ademais, todos os
que permitem que as crianças se exercitem nestas coisas sem
um pedagogo tornam-nas sórdidas, isto é, diminuídas em sua
inteligência e mais inclinadas à promoção do bem do corpo,
dispondo-as segundo a verdade a apenas uma única obra da
república, isto é, ao fortalecimento dos corpos, embora muito
mais será necessário que elas se dispusessem a muitas ou
mesmo a todas as obras.
É manifesto, portanto, que as crianças devem ser
exercitadas na agonística que inclina aos hábitos morais das
virtudes. É manifesto também que é a seguinte a ordem pela
qual deverão ser exercitadas. Até o fim da puberdade deverão
ser exercitadas em exercícios leves e mais moderados,
afastando das mesmas tanto os exercícios violentos quanto os
trabalhos necessários à sustentação da vida, os quais
pertencem aos servos.
É um sinal de que os exercícios mais leves
contribuem à boa disposição do corpo, enquanto que os
exercícios mais violentos comprometem o corpo o fato de que
se tomarmos um homem que foi retamemente exercitado em sua
juventude e o confrontarmos contra dois outros homens que em
sua juventude foram exercitados de modo violento, como pode
ser observado freqüentemente nas Olimpíadas, sucederá que
aquele único homem vencerá aqueles dois outros os quais,
embora já tenham alcançado a idade perfeita, se mostrarão
todavia crianças em sua força, de onde que é nítido que os
exercícios violentos e as necessidades da vida removem das
crianças em sua primeira idade a potência e i vigor.
Quando as crianças forem capazes de um aprendizado
mais forte, isto é, após a puberdade ou três anos [após a
mesma], poderão ser exercitados em exercícios mais
trabalhosos, convenientes, todavia, à idade, de tal modo que,
à medida em que a natureza se aperfeiçoa mais e mais, mais e
mais se acrescente proporcionalmente ao exercício. Nesta
época convirá administrar-lhes um alimento seco, que mais
dispõe à fortaleza.
Deve-se advertir, todavia, que não sejam
simultaneamente exercitadas nas coisas que pertencem à boa
disposição do intelecto e à boa disposição do corpo per se.
Estas coisas se contrariam entre si e operam contrários; o
trabalho no exercício corporal impede a inteligência e o
trabalho nas coisas que pertencem à inteligência [impede] a
disposição do corpo. A razão é que, sempre que duas potências
se fundamentam em uma única substância, a quantidade do ato
de uma diminui a operação da outra, porque toda virtude
dividida é menor do que a mesma quando unida. A potência às
operações corporais, por exemplo, para o crescimento e a
nutrição, e a potência intelectual, pertencem a uma só
substância. Por isso a intensidade do ato de uma impede o ato
da outra.
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