9. A busca do dinheiro na arte numulária é infinita.

Depois que o Filósofo mostrou como a comutação pecuniativa foi introduzida pela lei, ele passa a mostrar como a arte aquisitiva do dinheiro é infinita.

As riquezas que são adquiridas pela arte pecuniativa, isto é, a [arte] cambista, que é toda acerca do dinheiro, é infinita, o que pode ser demonstrado pelas seguintes razões. O desejo do fim, em cada arte, é infinito, enquanto que o desejo daquilo que se relaciona para com o fim não é infinito, mas possui um limite de acordo com a regra e a medida do fim, como a arte medicinal pretende sanar até o infinito, na medida em que induz a saúde o tanto quanto pode. Ela não ministra, porém, os remédios o tanto quanto pode, mas segundo uma certa medida, tanto quanto isto for útil para a recuperação da saúde. O mesmo pode ser dito para com todas as demais artes.

A razão disto consiste em que o fim é, segundo si, apetecível. Ora, o que é assim segundo si, quanto mais o for, mais o será.

O dinheiro, porém, está para a arte pecuniativa cambista como um fim. O que ela pretende é a aquisição do dinheiro. O dinheiro, porém, não está para com a arte econômica como um fim, mas como algo que se ordena a um fim, que é o governo da casa. Portanto, a arte pecuniativa busca o dinheiro sem fim, enquanto que a arte econômica busca o dinheiro com algum limite.

Embora as razões expostas pareçam indicar que haja limites para a [busca] das riquezas na arte econômica, o que entretanto se observa na realidade é o oposto. Todos os ecônomos, de fato, buscam aumentar o dinheiro ao infinito, querendo sempre mais dinheiro pelas coisas que são necessárias para o sustento da vida. A causa desta diversidade é a própria proximidade de ambas estas artes pecuniativas, isto é, a arte pecuniativa que serve à arte econômica, a qual busca o dinheiro por causa das permutas das coisas necessárias, e a arte numulária, que busca o dinheiro por causa de si mesmo. Para ambas estas artes pecuniativas o ato é o mesmo, isto é, a aquisição do dinheiro, embora não o seja do mesmo modo. Na arte pecuniativa econômica este ato se ordena a outro fim, que é o governo da casa, enquanto que na pecuniativa numulária o próprio aumento do dinheiro é o fim. Por este motivo, isto é, por causa da proximidade da numulária com a econômica, pareceu a alguns ecônomos que pertenceria ao seu ofício aquilo que na verdade pertence ao ofício dos cambistas, isto é, que eles insistam na conservação e na multiplicação do dinheiro até o infinito.

A causa desta disposição que leva os dispensadores das casas à busca do aumento do dinheiro ao infinito consiste em que os homens se preocupam em viver de qualquer modo, não porém em viver bem, que é o viver segundo a virtude. Se, de fato, quisessem viver segundo a virtude, ficariam contentes com aquilo que fosse suficiente à sustentação da natureza. Mas, abandonada esta busca, aplica-se cada um a viver segundo a sua vontade e por isso cada um busca adquirir aquilo pelo qual pode realizar a sua vontade. Ora, como a concupiscência dos homens tende ao infinito, por isso desejam até o infinito aquilo com que podem satisfazer as suas concupiscências.

Há alguns que tem a preocupação de bem viver, mas a este viver bem querem acrescentar tudo aquilo que pertence aos prazeres corporais, dizendo que a vida não é boa a não ser que o homem viva nestes prazeres corporais, e por isso estes buscam as coisas pelas quais podem realizar estes prazeres corporais. Ora, isto parece ser possível aos homens pela multidão das riquezas e, portanto, todo o cuidado deles parece consistir na aquisição de muitas riquezas. [Estes homens, embora busquem de algum modo a vida virtuosa, não a buscam retamente, e por isso acabam buscando o dinheiro ao infinito]. [Há outros ecônomos, entretanto, os quais, inteiramente esquecidos da vida virtuosa, ao contrário dos anteriores], pretendem usufruir dos prazeres corporais até o excesso e por causa disso buscam aquilo pelo qual podem satisfazer a tais excessos, que é a multidão das riquezas.

Há, [finalmente, um terceiro tipo de ecônomos], que às vezes não conseguem apenas pela arte pecuniativa adquirir suficientemente aquilo pelo qual possam satisfazer o excesso das deleitações corporais. Buscam, por este motivo, adquirir as riquezas por outros meios e abusam por isso de qualquer potência, isto é, qualquer virtude, qualquer arte ou qualquer ofício, os quais passam a ser usados não segundo a sua natureza.

É assim que a fortaleza é uma virtude, cuja obra própria não é a ajuntamento do dinheiro, mas fazer o homem audaz para a luta e a defesa. Se alguém, portanto, usa da fortaleza para juntar riquezas, não usa da fortaleza segundo a natureza. Semelhantemente a arte militar é por causa da vitória, e a arte médica é por causa da saúde. Nenhuma destas duas é por causa do dinheiro. Há, porém, alguns que usam a arte militar e a arte médica, convertendo-as em instrumentos para a aquisição do dinheiro, transformando ambas estas artes em pecuniativas, isto é, aquisitivas de dinheiro, ordenando- as para o dinheiro como a um fim ao qual importa ordenar tudo o mais.

Existe, portanto, uma arte pecuniativa não necessária, aquela que adquire o dinheiro até o infinito e que faz do dinheiro o seu fim. A causa pela qual os homens necessitam desta pecuniativa é a sua infinita concupiscência. Há também outra pecuniativa necessária, que difere da anterior. Esta adquire o dinheiro até um determinado limite por causa de um outro fim, que é a posse do que é necessário à vida.

A arte econômica pertence propriamente às coisas que são segundo a natureza. Esta não é infinita como a primeira pecuniativa, mas possui os seus limites.