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É necessário que tanto o que governa quanto o
súdito participem da virtude, como é evidente pelas razões
acima mencionadas, pois de outro modo nem o primeiro
governará corretamente, nem o segundo se submeterá
corretamente. No entanto, há diferenças entre as virtudes de
ambos, o que pode ser manifestado, em primeiro lugar, nas
coisas que se submetem a outras pela natureza. É o caso das
partes da alma, das quais uma governa por natureza, que é a
parte racional, e outra se submete por natureza, como é o
caso da parte irracional, como o irascível e o concupiscível.
Em cada uma destas partes deve haver alguma virtude, mas
diversa uma da outra, porque a virtude da parte racional é a
prudência, enquanto que a virtude da parte irracional é a
temperança, a fortaleza e outras virtudes semelhantes. Daqui
é manifesto que do mesmo modo deve ocorrer nas outras coisas
que governam e se submetem segundo a natureza.
Quanto à parte racional, muito diferem entre si i
servo, o filho e a esposa.
O servo, enquanto servo, não possui conselho de
seus atos. O motivo é que nos aconselhamos das coisas que
estão em nosso poder. Ora, o servo não possui os seus atos em
seu poder, mas os seus atos estão em poder de seu senhor. O
servo, portanto, não possui o livre poder de se aconselhar.
Já a mulher, sendo livre, possui o poder de se
aconselhar, mas o seu conselho é inválido. O motivo é que,
por causa da moleza de [sua] natureza, sua razão inere de uma
maneira enferma aos seus próprios conselhos, de onde que ela
é rapidamente removida dos mesmos por causa de suas paixões,
como a concupiscência, a ira, o temor ou outras semelhantes.
A criança, por outro lado, possui conselho, mas é
imperfeito. O motivo é que não possui o uso perfeito da
razão, de modo que possa discutir cada uma das singularidades
das coisas que devem ser consideradas ao nos aconselharmos.
O mesmo deve ser considerado sobre as virtudes
morais [do servo, do filho e da esposa]. Todos participam dos
mesmos, mas não do mesmo modo, cada um participando delas o
quanto é necessário à própria obra. Aquele que governa a
cidade, os servos, a esposa ou os filhos convém que possua a
perfeita virtude moral, porque sua obra é simplesmente a obra
do arquiteto, isto é, do artífice principal. Assim como o
artífice principal dirige e impera sobre os ministros das
artes que trabalham com as mãos, assim também o príncipe
governa os seus súditos e por isso possui o ofício da razão,
que se relaciona de um modo semelhante [para com os seus
súditos] como o artífice principal está para com as partes
inferiores da alma. E assim é necessário que aquele que
governa possua a razão perfeita, mas cada um dos outros que
se submetem tanto devem possuir de razão e de virtude quanto
aquele que governa lhes ordena, isto é, é necessário que
tenham tanto quanto lhes seja suficiente para seguirem as
diretivas do governante cumprindo seus preceitos.
E assim é evidente que em todas as coisas
mencionadas há alguma virtude moral, isto é, temperança,
fortaleza e justiça, e que não são as mesmas para o homem, a
mulher e os demais súditos, diversamente do que afirmava
Sócrates. A fortaleza do homem é para governar, para que, a
saber, por nenhum temor omita ordenar o que deve ser feito,
enquanto que na mulher e em qualquer súdito importa que haja
uma fortaleza subministrante, de modo que por nenhum temor
omita fazer o seu próprio papel. É assim também que difere a
fortaleza no comandante do exército e no soldado. E assim
como foi dito da fortaleza, assim também deve ser dito de
todas as demais virtudes, porque no que governa são
principativos, nos súditos são subministrantes, com o que
fica evidente que não diferem apenas segundo o mais e o
menos, mas de algum modo segundo a natureza.
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