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Depois que o Filósofo determinou sobre a multidão
civil, passa agora a investigar como segundo a natureza
importa que governem os que governam retamente.
Ele afirma que, determinadas as coisas que devem
ser supostas quanto à magnitude [da multidão civil] na cidade
em geral, resta agora tratar como importa que sejam seus
futuros bons governantes, segundo a disposição natural. Isto
poderá tornar-se manifesto se alguém quiser considerá-la
examinando as cidades gregas as quais são ditas bem
governadas, e também [examinando] todo o orbe terrestre,
ocupado por vários povos e cidades, considerando as
disposições naturais de cada uma. Destas considerações
poderemos concluir nosso intento.
Supostas estas coisas, [diz o Filósofo] que os
habitantes das regiões frias, próximas da Europa que está
voltada para o norte na parte afastada do caminho do Sol, são
naturalmente animosas, por causa da abundância do sangue e do
calor, mas no intelecto, tanto no especulativo como na arte,
isto é, no intelecto factivo, são mais deficientes. Por serem
mais animosos e poderosos, querem viver em suas próprias
regiões livremente e com poder, ousando repelir os ataques
dos que se insurgem. Não sabem, porém, governar bem, nem a si
mesmos nem sobre os vizinhos por causa de defeito da
inteligência e da prudência que se requerem para bem e
retamente governar.
Já os habitantes das regiões quentes da Ásia, uma
região voltada para o Sul próximo do caminho do Sol, são bem
intelectivos e muito artificiosos segundo a alma, por causa
da sutilidade e da pureza de seus espíritos. Todavia, são
tímidos e sem animosidade, por causa do defeito do sangue e
do calor natural. São, por isso, submissos e servidores dos
demais, não ousando nem podendo repelir os inimigos, a não
ser uma vez ou outra pela fraude e pelo dolo intelectualmente
arquitetado, o que conseguem fazê-lo pela sutileza que
possuem na inteligência.
Aqueles, porém, que estão num lugar intermediário
entre as referidas regiões da Europa e da Ásia, é o caso dos
Gregos, assim como possuem uma posição intermediária segundo
a localidade, assim também a tem segundo as disposições. Não
faz tanto frio entre eles como o que há no Norte, nem tanto
calor como o faz na Ásia. Por isso, vivendo equilibradamente
segundo o calor e o frio, participam de ambos. São
inteligentes, embora menos do que os habitantes da Ásia, e
também animosos, embora menos do que os habitantes da Europa.
Permanecem, portanto, livres em sua região, poderosos e
ousados para repelir de algum modo os seus inimigos, [sendo
ao mesmo tempo] capazes de se governarem entre si e aos
demais segundo alguma república por causa do agir da
inteligência e da razão que há neles.
Na própria Grécia encontram-se diferenças de um
povo a outro na mesma região, assim como de toda a Grécia
[para com a Europa e Ásia]. Os que entre os gregos vivem mais
para o norte são entre eles mais naturalmente animosos. Os
que moram na outra parte, mais próximos da Ásia, são os mais
intelectivos entre eles. Os demais são melhor proporcionados
para ambas as potências, a intelectiva e a animativa, assim
como aqueles que mais se aproximam a um termo médio por uma
igual distância.
Alguém poderia argumentar razoavelmente contra
isto que, como as coisas que são naturais, sempre ou na
maioria dos casos são encontrados do mesmo modo e os gregos
seriam por natureza mais aptos a governar os demais,
diversamente dos habitantes da Ásia ou da Europa, seguir-se-
ia que os gregos sempre, ou na maior parte dos casos, teriam
governado os outros, e não os outros aos gregos, o que é
manifestamente contrário ao que se observa pelo estudo dos
historiadores da antiguidade. Os Caldeus e os Persas, de
fato, povos situados na Ásia, dominaram durante muito tempo
os gregos e, semelhantemente, os romanos, povo originário da
Europa, dominaram os gregos durante muito tempo, e as
monarquias dos romanos, [caldeus e persas] foram muito mais
longas do que as monarquias dos gregos.
A esta objeção pode-se responder dizendo que as
disposições naturais das coisas naturais, como são as que
estamos tratando, podem ser reduzidas à disposição celeste,
conforme diz o Filósofo no Primeiro Livro dos Meteoros quando
afirma que necessariamente este mundo deve ser contínuo para
que possa ser governado pelos movimentos [dos corpos
superiores], de onde que este movimento, princípio de todos
os demais, deve ser considerado [a causa dos movimentos dos
corpos inferiores]. O mesmo também é demonstrado no Oitavo
Livro da Física. Ora, a disposição dos corpos celestes por
comparação aos corpos inferiores é dupla. Há uma primeira
disposição comum que é tomada segundo a proximidade ou o
afastamento do caminho do Sol, que é quem move maximamente os
corpos inferiores. Segundo esta disposição, o quanto depende
da inclinação natural, os gregos são mais temperados por
natureza, e mais alcançariam proporcionalmente ambas as
[qualidades] anteriormente descritas, a animosidade e o
intelecto, de onde que mais estariam aptos a governar [a si
e] aos demais, enquanto que os habitantes do norte seriam
mais animosos e deficientes de inteligência, e os da Ásia
vice versa.
Há, porém, uma outra disposição celeste em relação
a esta primeira, que deve ser considerada segundo a figura
das estrelas errantes entre si e as fixas, e em sua ordenação
para com todas as coisas que se localizam sobre a terra. Esta
disposição não só continuamente varia de um modo a outro,
embora isto não seja sensivelmente evidente, como também
varia de um modo a outro de um lugar para outro, de tal
maneira que se em relação a uma determinada região a figura
celeste agora é tal, conseqüentemente em outro tempo será
diversa e, se em relação a esta região é de um certo modo, em
relação a outra será de outro modo. Se alguma disposição
existir em alguma cidade ou região proveniente de uma
determinada figura celeste, enquanto durar a figura aquela
disposição lhe será natural.
Por conseguinte pode-se dizer que os gregos, por
causa da figura celeste, algumas vezes eram aptos para bem
governar sobre si e aos demais; enquanto que algumas outras
vezes foram outros, como os Caldeus e Romanos.
Ademais, deve-se entender também que a disposição
natural da cidade ou da região não apenas deve ser
considerada a partir da figura celeste absolutamente, mas
também a partir da disposição das partes da região ou da
cidade segundo a relação que esta também para com as
montanhas ou o mar e os lugares pantanosos ou limpos. A
virtude da figura celeste, de fato, não é recebida no
conteúdo senão mediante o continente próximo. Deste modo pode
acontecer que embora alguma cidade ou região seja
naturalmente fria e se incline àquilo que o frio dispõe, no
que diz respeito à disposição da figura celeste comum,
todavia, segundo a disposição da região por comparação às
montanhas ou ao mar, pode acontecer também que ela seja
excelentemente quente, ou também temperada, ou vice versa.
Disto pode ocorrer que embora os que vivem em alguma região
não se inclinem a bem governar pela figura celeste comum,
todavia poderão sê-lo por uma sua especial disposição.
Em terceiro lugar deve-se entender também que a
virtude celeste, sendo material e corpórea, enquanto que o
intelecto é imaterial, [a primeira] não pode agir [sobre a
segunda] por si mesma, mas apenas acidentalmente na medida em
que isto é deito através de [uma ação sobre o] sensorial. Por
isso o intelecto e a vontade não podem ser necessariamente
[coagidos] em suas operações [próprias] pela virtude dos
corpos celestes per se. Daqui pode ocorrer que, embora
alguns, pela virtude celeste ou por uma disposição natural
não se inclinem ao governo, nem às operações do intelecto e
da virtude, se, todavia, por sua própria escolha [e decisão]
se dedicarem ao estudo da sabedoria e ao exercício das
virtudes, se tornarão intelectivos e bem governantes.
Inversamente, se tiverem boas disposições para todas estas
coisas e se entregarem ao ócio e ao exercício das más ações,
se tornarão insipientes e pessimamente governantes, o que os
conduzirá a se tornarem servos dos demais. Esta talvez terá
sido uma das causas da destruição do reino dos romanos e dos
gregos; possuindo a monarquia e vivendo na tranquilidade,
entregarem-se ao ócio, aos prazeres da carne e à avareza, não
querendo dedicar-se à sabedoria. Com isto se tornaram menos
inteligentes e menos exercitados nas ações civis e bélicas,
não conseguindo mais defender-se contra povos ignorantes e
impotentes que antes lhes estavam sujeitos. Com estes
elementos pode-se responder satisfatoriamente às objeções
apresentadas.
O Filósofo finaliza concluindo, de tudo o que foi
dito, quais são os homens que são naturalmente capazes de bem
governar. Ele afirma que os gregos governam aos demais por
natureza, porque são animosos e bem intelectivos. Os
asiáticos, porém, são servos dos demais, porque não são
animosos, embora se sobressaiam pela inteligência. Os que
habitam no Norte não são capazes de governar os demais,
porque carecem de inteligência, embora sejam animosos. É
manifesto que os legisladores, que devem conduzir os homens à
virtude e bem governar a si e aos demais, devem ser animosos,
de tal modo que possam coibir os maus e impugnar os inimigos,
e bem inteligentes, para que saibam dirigir a si e aos demais
em suas operações.
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