32. De quantos modos é dito o infinito em potência.

De um primeiro modo, o infinito em potência é dito por aposição, assim como [ocorre] com o número. De fato, dado qualquer número, sempre é possível acrescentar- lhe a unidade, e desta maneira o número é aumentável até o infinito.

De um segundo modo, o infinito em potência é dito por divisão, na medida em que a magnitude é dita divisível até o infinito.

De um terceiro modo, o infinito em potência é dito segundo ambos os [modos precedentes simultaneamente]. Assim [ocorre] com o tempo, que é dito infinito por divisão, porque é continuo, e por aposição, porque é número. De modo semelhante ocorre com o movimento, que é dito infinito [em potência segundo este terceiro modo].

32. Que não existe o infinito em ato.

Deve-se saber que os antigos filósofos naturais afirmaram que o infinito existia nas coisas sensíveis, não como substância, mas como sendo acidente de algum corpo sensível. [Em oposição a isto, Aristóteles pretende] provar que não existe nas coisas sensíveis o infinito em ato.

[A primeira demonstração desta afirmação, por meio de razões prováveis é a seguinte]. Nas coisas sensíveis não pode existir um corpo infinito. De fato, a razão [ratio] do corpo é que seja algo delimitado [determinado] por uma superfície. Ora, nenhum corpo determinado por uma superfície é infinito. Portanto, nenhum corpo é infinito, nem sensível, isto é, natural, nem intelectual, isto é matemático.

[A segunda demonstração por razões prováveis consiste em que] nas coisas sensíveis não existe número infinito. De fato, todo número e tudo o que tem número é numerável. Mas nada que seja numerável é infinito, porque o numerável é transitável numerando. Portanto, nenhum número é infinito.

Estas razões, [porém], não são naturais, porque não são tomadas a partir dos princípios dos corpos naturais, mas a partir de alguns princípios comuns e prováveis, não, porém, necessários. Porque quem afirma existir corpo infinito, não afirma que sua razão seja ser determinado por uma superfície. Isto [seria apenas] a razão do corpo finito. E quem afirma existir uma multidão infinita, não afirma que ela seja um número, porque o número é uma multidão [mensurável] pela [unidade]. Ora, nada mensurável é infinito.

[Pode demonstrar-se que não existe infinito em ato nos sensíveis, através de razões naturais, do seguinte modo].

Caso exista algum corpo sensível e infinito, ou será um corpo simples, [isto é, composto de um só elemento], ou composto, [isto é, composto de vários elementos]. Supomos ainda que os elementos, que são os corpos simples dos quais os compostos são constituídos, são finitos em número, [os quais, segundo a concepção da época de Aristóteles eram quatro: fogo, terra, ar e água].

Se o corpo infinito for composto, ou todos os elementos dos quais é composto são infinitos na quantidade, ou apenas alguns.

[Se apenas alguns elementos forem infinitos na quantidade], não é possível que um dos elementos seja infinito na quantidade e os demais sejam finitos. Porque se assim fosse, o elemento infinito corromperá os demais em virtude do seu excesso. De fato, nos corpos mistos é necessário adequar os contrários de alguma forma, para que o corpo misto se conserve. [Mas,] se um deles é infinito [na quantidade,] e os demais são finitos, não haverá igualdade, não podendo haver proporção do infinito para com o finito.

Se todos os elementos forem infinitos na quantidade, não será igualmente possível que exista [esse corpo sensível]. Isto porque um corpo é algo que se estende em todas direções, e o [corpo] infinito é aquele que tem dimensões infinitas. De onde se torna necessário que o corpo infinito tenha de todas as partes dimensões infinitas. Ora, dois corpos não podem co-existir simultaneamente. Assim, dois infinitos não podem unir-se em um.

[Se o corpo sensível infinito não for composto, mas simples] este corpo simples não poderá ser senão um dos elementos a partir dos quais todas as coisas são geradas, porque todas as coisas se [reduzem] nos quatro elementos. Não há, portanto, corpo simples fora dos quatro elementos. Ora, se é assim, nenhum deles poderá ser infinito, porque se assim fosse, os outros não poderiam existir, porque o elemento infinito preencheria tudo e os demais se converteriam nele, por causa do excesso de sua virtude [virtus]. Além disso, devemos considerar os seguintes dois pontos: que todo corpo sensível está num lugar, à diferença dos corpos matemáticos, aos quais não se pode atribuir lugar a não ser por uma semelhança, e que para qualquer elemento, o lugar natural do todo e da parte será idêntico, isto é, o lugar no qual naturalmente repousa e ao qual naturalmente se move. Isto é patente quanto à terra e a parte da terra, porque o lugar natural de ambos é embaixo. Ora, o lugar aonde estiver esse corpo sensível infinito simples terá que lhe ser necessariamente ou natural ou não natural.

Se todo este lugar lhe for natural, segue-se que será natural a cada uma de suas partes. Desta maneira, o todo e cada uma de suas partes estará em repouso e sempre imóvel. Se, por outro lado, todo o lugar aonde estiver o corpo infinito sensível não lhe for natural, tanto o todo como qualquer uma de suas partes estarão fora de seu lugar próprio, e tanto o todo como as partes estarão sempre em movimento. Não pode existir uma outra alternativa, porque não pode ser dito que alguma parte do lugar seja natural ao todo e suas partes, e outra parte do lugar seja inatural. Isto acontece porque como todo corpo está num lugar, o lugar de um corpo infinito também é infinito, e num lugar infinito não pode ser encontrada uma razão de divisão, pela qual uma parte deste lugar seja o lugar natural do corpo e outra parte seja o lugar não natural, pois seria necessário haver alguma determinada proporção e distância do lugar natural ao não natural, o que num lugar infinito não pode ser encontrado. De onde se conclui que um corpo sensível infinito constituído de [um único corpo simples] estará sempre imóvel e em repouso, ou sempre em movimento.

Ora, ambas estas coisas são repugnantes ao sentido. [Logo, não existe corpo infinito sensível constituído de único elemento].

32. Como o infinito em potência se encontra na magnitude, no movimento e no tempo.

O infinito em potência é encontrado na magnitude, no movimento e no tempo. Não é, porém, predicado univocamente deles, mas por anterioridade e posterioridade. E isto de tal maneira que aquele que é posterior [dentre estes três] é dito infinito na medida em que aquilo que é anterior é infinito. Por exemplo, o movimento é dito infinito na medida em que a magnitude em que algo se move localmente, aumenta ou se altera, [é infinita]. E o tempo é dito infinito na medida em que o movimento [é infinito].