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Já que o homem é o que é segundo a razão, pareceu
a alguns que o homem somente faz voluntariamente e per se
aquilo que ele faz segundo a razão. [Segundo o que pensaram
os que colocaram isto], quando o homem faz algo contra a
razão por causa da concupiscência de alguma deleitação, ou
por causa do desejo de algum bem exterior, o homem está
fazendo algo [movido pela] violência. Portanto, [segundo esta
opinião], as coisas deleitáveis e os bens exteriores, como as
riquezas, são fazedoras de violência, na medida em que, sendo
exteriores, coagem o homem a agir contra a razão.
Segundo Aristóteles, a opinião precedente é
errônea, o que irá ser evidenciado através de quatro
argumentos.
[Primeiro argumento]. Se as coisas exteriores, na
medida em que são deleitáveis e parecem bens, são [causas de]
violência, seguir-se-á que tudo o que agimos é por violência
e que nada é voluntário: porque todos os homens, qualquer
coisa que operem, operam por causa de algo deleitável, ou por
causa de algo que de algum modo [é um] bem.
[Segundo argumento]. Tudo o que é operado pela
violência e de modo involuntário é operado com tristeza. De
fato, já no quinto livro da Metafísica se dizia que a
necessidade é contristante, porque contrária à vontade. Ora,
aqueles que operam para alcançar algo de deleitável, operam
com deleitação. Portanto, não podemos operar isto por
violência e não querendo.
[Terceiro argumento]. É ridículo colocar a causa
nos bens exteriores e não acusar a si mesmo por tornar-se
volúvel e deixar-se vencer por tais deleitações. De fato, a
nossa vontade não é movida por necessidade por tais
deleitações, ao contrário, pode apegar-se ou não a elas, pelo
fato que nenhuma delas tem razão de bem universal e perfeito,
assim como a felicidade, a qual é querida por todos
necessariamente.
[Quarto argumento]. É igualmente ridículo que
alguém afirme que ele mesmo é a causa das operações boas e
virtuosas, e que as [coisas] deleitáveis sejam a causa das
operações torpes, na medida em que atraem a concupiscência.
Isso é ridículo porque as operações contrárias se reduzem a
uma mesma potência racional como a uma causa. Por isso, se o
próprio agente é a causa das operações virtuosas, ele terá
que ser também a causa das operações viciosas ao seguir
[suas] paixões.
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