3. Os modos pelos quais se salvam as repúblicas da corrupção remota.

A república pode corromper-se por uma corrupção remota de três modos. Primeiro, pela negligência daquilo que é pequeno. Segundo, por causa da persuasão dos aduladores. Terceiro, por causa do mau modo da ordenação da república.

Quanto aos elementos que salvam a república da corrupção pela negligência do que é pequeno, em todas as repúblicas bem mescladas importa observar que não se façam transgressões em algo, e maximamente que não se façam segundo aquilo que é pequeno. Às vezes de fato acontece que inicia-se a sedição que é feita segundo o pequeno e esta permanece oculta por causa de sua pouquidade e por isso não é cuidada. Se tais prevaricações são negligenciadas, darão origens a uma grande prevaricação que corromperá a república.

Quanto ao elementos que salvam a república da corrupção que se realiza pela persuasão dos aduladores, deve- se saber que os aduladores persuadem a multidão das coisas que agradam à multidão. Não o fazem por causa do bem da multidão, mas por causa do bem [dos próprios aduladores]. Daqui ocorre que eles às vezes persuadem [à multidão] de coisas que corrompem a república e por isso o Filósofo diz que é necessário prevenir-se para que não se creia aos aduladores que se aproximam da multidão com os seus sofismas para enganá-la. É evidente que estes não devem ser cridos, pois podem ser argüidos pelas suas obras. Segundo diz o Filósofo no Décimo Livro da Ética, aqueles que estão imersos nas paixões e nas ações tem discursos muito menos dignos de fé do que suas obras. Por isso, se persuadem a alguém e fazem o contrário, deve-se acreditar mais nas suas obras do que nas suas persuasões.

Quanto aos elementos que preservam a república da corrupção que é pela desordenação que há em si mesma ou em outras, deve-se saber que há algumas repúblicas que são duradouras não porque são bem ordenadas, como é o caso do estado dos ótimos simplesmente considerado, mas porque os governantes procedem corretamente com os que estão na república e com os que estão fora dela. Procedem corretamente com os que estão sob a república quando não fazem injustiça contra aqueles que estão fora da república, quando chamam à república aqueles que são principais e melhores na multidão, quando não cometem injúrias desonrando aos que são ambiciosos de honras, quando chamam os populares aos ofícios e aos atos em que possam lucrar e quando se comportam corretamente entre si e popularmente, de tal modo que os governantes se recebam de modo igual entre si.

Pelo fato de que os semelhantes devem receber de modo igual, se houver muitos que sejam semelhantes e iguais na república, deverão nela ser introduzidos muitas coisas que são estabelecidas e ordenadas no estado popular. Isto é, no estado popular as leis que estabelecem que os principados sejam breves, por exemplo, seis meses, ou algum outro breve tempo, e não maiores, e isto deve ser estabelecido também se houver muitos semelhantes na república. Há duas razões para tanto.

A primeira é que onde há semelhantes é necessário que eles recebam igualmente. Portanto, para que todos possam alcançar o principado é necessário estabelecer aquela lei, de modo que todos possam alcançar o principado pois, pelo fato de que o principado não durará senão por seis meses, muitos poderão suceder-se nele. Que os semelhantes recebam de modo igual é algo popular e por isso na república em que há muitos semelhantes devem ser ordenadas coisas populares. É por isso que em tais repúblicas, em que há muitos semelhantes, os condutores do povo são estabelecidos conforme foi mencionado.

A segunda razão [para que os principados sejam breves] é que quando se estabelece que o principado não dura senão por seis meses o estado dos poucos e o estado dos ótimos se inclinará menos para aquela outra espécie de estado de poucos em que um número muitíssimo pequeno governa, muitíssimo rico, e governam [segundo a sua vontade] e não segundo a lei. A razão para isto é que não é fácil arrastar alguém para o mal junto com outros em pouco tempo e em muitas coisas e, no estado de poucos, é por causa deste motivo que se formam os tiranos.