4. A principal causa da dificuldade na investigação da verdade é proveniente do homem e não das coisas.

Se a dificuldade [na investigação da verdade] fosse principalmente da parte das coisas, seguir-se-ia que mais conheceríamos aquelas coisas que são mais cognoscíveis segundo a sua natureza. Ora, as coisas que são mais cognoscíveis segundo a sua natureza são aquelas que estão mais em ato, isto é, os entes imateriais e imóveis, os quais todavia são os mais por nós desconhecidos. Por isso acontece que o intelecto de nossa alma desse modo se encontra em relação aos entes imateriais, os quais dentre todos são maximamente manifestos segundo a sua natureza, assim como se encontram os olhos da coruja para com a luz do dia, a qual ela não pode ver, por causa da debilidade da sua visão.

[Deve-se dizer, porém, que a] comparação do conhecimento do intelecto com o sentido, [isto é, a visão da coruja], não é conveniente. Isto porque o sentido pode ser impedido do conhecimento de um sensível por dois motivos, [um dos quais não vale para o intelecto]. O primeiro é a corrupção do órgão [do sentido] pela excelência de um sensível. Isto não pode se dar com o intelecto, porque, não sendo o intelecto potência de algum órgão corporal, não é corrompido pela excelência do inteligível. O segundo provém de um defeito de proporção da potência sensitiva em relação ao objeto. As potências da alma, desta maneira, não apresentam a mesma força em todos os animais. Por exemplo, os homens apresentam um péssimo olfato.

[O defeito do intelecto humano provém desta segunda origem]. Como a alma humana é a última na ordem das substâncias intelectivas, participa minimamente da virtude intelectiva. [Ela somente pode] conhecer por abstração do sensível dos fantasmas. Ora, isso torna impossível que a alma humana unida ao corpo conheça a verdade das coisas, a não ser na medida em que possa a elas elevar-se inteligindo por abstração dos fantasmas. Portanto, de nenhuma maneira pode elevar-se ao conhecimento das qüididades das substâncias imateriais, os quais são improporcionais às coisas sensíveis.