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Uma mesma coisa não pode ser sempre deleitável ao
homem, a razão disto sendo o fato de nossa natureza não ser
simples, mas composta, transmutável de uma [coisa] em outra,
na medida em que está sujeita à corrupção. Por isso, se o
homem faz alguma ação a si deleitável segundo alguma
disposição sua, esta deleitação não será natural ao homem
segundo uma outra sua disposição. Por exemplo, contemplar é
natural ao homem em razão do intelecto, mas não natural ao
homem em razão dos órgãos da imaginação, os quais trabalham
ao contemplar. E por isso a contemplação não é sempre
deleitável ao homem. A mesma coisa acontece no consumo de
alimento, que é natural ao [que tem fome], mas não natural
para o corpo já satisfeito. Aproximando-se, porém, o homem à
disposição contrária, então aquilo que antes era deleitável
segundo a disposição precedente, ainda não lhe parece
tristeza, porque ainda não alcançou totalmente a disposição
contrária, nem lhe parece deleitável, porque já em sua maior
parte se afastou de sua outra disposição.
Se a natureza de alguma coisa que se deleita fosse
simples e imutável, a mesma ação lhe seria deleitabilíssima.
Por exemplo, se o homem fosse somente intelecto, sempre se
deleitaria na contemplação. Daqui é que, por Deus ser simples
e imutável, sempre goza uma mesma e simples deleitação, que a
tem na contemplação de si mesmo. De fato, a operação que
causa a deleitação não consiste somente no movimento, mas
também na imobilidade, assim como é evidente na operação do
intelecto. E a deleitação que é sem movimento é maior do que
aquela que está no movimento, porque aquela que está no
movimento o é em tornar-se, aquela, porém, que está no
repouso é em ser perfeito.
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