2. Razões pelas quais a consideração da amizade pertence à filosofia moral.

A primeira razão pela qual pertence à filosofia moral tratar da amizade, está em que a consideração das virtudes pertence à filosofia moral. Ora, a amizade é uma certa virtude, na medida em que é hábito eletivo, conforme adiante se mostrará, ou pelo menos a amizade o é com a virtude, na medida em que a virtude é a causa da verdadeira amizade.

[A segunda razão pela qual a consideração da amizade pertence à filosofia moral está em que] pertence à filosofia moral a consideração de todas as coisas que são necessárias à vida humana, entre as quais a amizade é maximamente necessária, na medida em que ninguém [corretamente] disposto escolheria viver possuindo todos os demais bens exteriores sem os amigos.

De fato, aqueles que maximamente possuem bens exteriores, isto é, os ricos, os príncipes e os poderosos, a estes são maximamente necessários os amigos. Primeiro, para o uso destes bens, porque os bens da fortuna de nenhuma utilidade são se com eles a ninguém fazemos benefício. Ora, os benefícios maximamente e louvabilissimamente se fazem aos amigos. Segundo, para a conservação de tais bens, que não podem ser conservados sem os amigos, [e na medida em que] quanto maior é a fortuna, tanto menos é segura. Porém, não somente na fortuna são úteis os amigos, mas também na pobreza, porque na pobreza os homens julgam os amigos serem um refúgio.

De modo semelhante, a amizade é necessária aos jovens na medida em que pelos amigos sejam [afastados] do pecado. Já aos mais velhos, os amigos são úteis para servi- los por causa dos defeitos corporais. Eles próprios, porém, [por estarem] na perfeita idade, são úteis para a execução das boas obras. Assim, quando estes dois se unem, são mais poderosos. Na obra da especulação intelectual, na medida em que um enxerga o que o outro não pode ver, e na obra da ação exterior, na qual maximamente um é auxiliado pelo outro.

Assim fica patente que pertence à filosofia moral a consideração da amizade, por ser coisa a todos necessária.

[A terceira razão pela qual a consideração da amizade pertence à filosofia moral está em que] a amizade concorre para o bem civil, ao qual se ordena a filosofia moral]. As cidades parecem conservar-se pela amizade. Daqui é que os legisladores mais se preocupam em conservar a amizade entre as cidades, mais até do que a justiça, acerca da qual às vezes deixam de aplicar as penas para que não se origine a discórdia. E isto é patente, porque a concórdia se assemelha à amizade. Ora, como toda a filosofia moral se ordena ao bem civil, seguem-se pertencer à filosofia moral considerar acerca da amizade.

[A quarta razão pela qual a consideração da amizade pertence à filosofia moral está em que os amigos não necessitam da justiça, mas os justos necessitam da amizade]. Se algumas pessoas forem amigas, em nada necessitarão da justiça propriamente dita, porque terão tudo como [coisa] comum. Isto porque o amigo é um outro si mesmo, e não há justiça para si mesmo, [pertencendo à razão da justiça o ser a um outro, conforme explicado no livro V]. Porém, se houver pessoas que sejam justas, ainda necessitarão da amizade entre si. Portanto, muito mais pertencerá à filosofia moral considerar acerca da amizade do que da justiça.

Finalmente, [a quinta razão pela qual a consideração da amizade pertence à filosofia moral está em que] a amizade não deve ser considerada somente por ser algo necessário à vida humana, mas também porque é um certo bem, isto é, louvável e honesto.