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Na prática das eminentes virtudes de que até agora nos temos ocupado, havia a nossa Santa
atingido o trigésimo ano da sua profissão monástica, sexagésimo segundo da sua idade a
1143 da era vulgar, quando a Deus aprouve distinguir o merito da sua dileta com o privilégio
excessivamente digno de ser tratado com a devida extensão.
Vivia, naquela época Santiago da Marca, um daqueles homens apostólicos que Deus então
suscitou, como a S. Vicente Ferrer, S. Lourenço Justiniano, S. Bernardino de Sena, S. João
de Capistrano e outros, para oporem diques à enchente da depravação mundana, fúria dos
distúrbios civis, ao ímpeto do cisma, ainda não extinto, e à invasão das heresias que
ressurgiam. Ele, portanto, depois de muitos anos empregados com admirável fruto nas suas
missões da Bosnia, da Hungria e do Oriente, e depois que dali foi chamado, exatamente:
nesse anuo, pelo Pontífice Eugênio IV, teve ocasião de percorrer as terras e castelos do
território de Spoleto com a sua evangélica pregação, e de pregar na povoação de Cássia.
Não diremos, como disse alguém, que o Santo ali pregou durante a quaresma, nem tampouco
marcaremos o dia fixando a dominga in albis, como outros julgam acertado mas não
podemos duvidar de que aí fez ouvir a soa voz apostólica, e precisamente nesse ano; que
tratou do argumento da paixão de Jesus Cristo; e que lá se achava presente a nossa Santa
Rita. Nem deve causar estranheza que uma freira, como silo era se achasse no meio do povo
para ouvir o santo orador; porquanto, ainda que por conseqüência houve diversos concílios e
o Papa Bonifácio VIII anteriormente já tiveram indicado a observância da clausura, todavia
até o concilio de Trento não era rigorosa a sua lei, e por isto uma grande parte dos mosteiros
gozava de liberdade quando, como no caso vertente, queria a necessidade que se ouvisse a
palavra de Deus.
Lá foi, portanto, Rita em companhia de suas irmãs, e lá foi com aquela pureza de intenção,
que é inimiga de toda curiosidade, de toda vangloria e paixão, e que unicamente se endereça
à glória de Deus e à santificação da alma. Qual fosse a força de tal predica, fácil é deduzí-lo
da santidade e zelo de um orador já desde tantos anos habituado a penetrar ainda nos mais
duros corações; e que impressão produzisse no terno coração de Rita. pode-se inferir da
importância da matéria, que tocava no ponto principal da sua piedade, mas principalmente se
compreenderá pelos extraordinários afetos de compaixão e pelas copiosíssimas lagrimas,
que ali lhe custava reter, e que depois lhe irromperam aos pés do crucifixo no velho oratório
do convento. Ali prostrada, e já chagada em espirito pela veemência da acerba dor, começou
a invocar com fervidos suspiros o seu Amor coroado de espinhos, pedindo-lhe se dignasse
de fazer-lhe sentir corporeamente uma amostra, ao menos, das suas aflições. Atendidos
foram os ardentíssimos votos; e então foi que ela viu desprender-se da coroa do Crucificado
um espinho, que veio feri-la na parte esquerda da fronte, e com tal ímpeto que até chegou a
penetrar-lhe o osso, dando causa a crudelíssimo espasmo. Desmaiou a Bem-aventurada e
pareceu milagre que sobrevivesse à excessiva dor; porém era o amor mais forte do que esta
e a graça protegeu a natureza.
Ainda. após isto viveu pelo longo espaço de quinze anos, sempre com essa chaga aberta, a
qual depois se dilatou, apodreceu e ficou verminosa. Assim os vermes e o fétido, que outrora
conspiraram contra o pacientíssimo Job, também se uniram para aumentar o opróbrio e o
tormento de Rita; mas opróbrios e tormentos eram delidas suas, pois só aspirava a
conformar-se com o seu Jesus, que por causa dela e do gênero humano se tornara, no dizer
do profeta Isaías, como que o desprezo do povo e o homem das dores, a ponto de não ser
mais reconhecido pelo semblante, em conseqüência das feridas daqueles espinhos que de
roxo sangue lhe cobriram a fronte divina.
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“Vidimus eum despectum et novissimum virorum, virum dolorum et scientem infirmitatem; et
quasi absconditus vultus ejus, et despectus, unde nec reputavimus eum”.
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Quando por vezes se lhe perguntava o que eram aqueles vermes que lhe caíam da fronte, com
alegre semblante e a sorrir-se costumava responder: São os meus anjinhos; e assim bem dava
a conhecer que, quanto mais nela se humilhava e dilacerava a carne, tanto mais exultava o
espirito, como já sucedera ao patriarca S. Francisco de Assis, a Santa Catarina de Sena,
pelos privilegiados estigmas que neles celebra a Igreja, e como acontecera a uma irmã de
Rita, Santa Clara de Montefalco, pelos mistérios da Paixão de Jesus Cristo, que vivamente
se lhe imprimiram no coração. E tanto mais Santa Rita se regozijava em si mesma, quanto no
dom que lhe fôra feito achava a mais cara e melhor ocasião de exercitar-se mormente na
humildade e paciência, no retiro e silêncio, na oração e amor de Deus, por quem se ma
distinguida com semelhantes graças; pelo que, enquanto viva foi e trouxe na fronte aquele
sinal da Redenção, nunca mais deixou de por isso render-lhe as mais sinceras graças e
bênçãos. Também ela se tornara o repudio dos homens, mas em vez de repugnar-lhe isto só
servia para mormente confirmá-la em Deus, quer dizer, no centro de todos os seus votos e de
todas as suas consolações; e o suave acolhimento que ela recebia da graça, que não ofendem
torpezas corpóreas, superior compensação lhe deparava, e penhor de mais ampla e eterna
mercê. Este espinho na fronte da Santa, além de ser celebrado por todos os autores da sua
vida, também foi cantado por diversos poetas latinos e italianos do século XVII. Algumas de
tais composições mais facilmente podem ser lidas numa suficiente coleção, em Torelli e
Galli, sem falarmos de Cotta.
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