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É a caridade a mais divina entre todas as virtudes. Como o sol que tudo ilumina e a todas as
coisas presta calor e vida, assim a caridade ilumina todas as outras virtudes dando-lhes luz,
calor e movimento. É a virtude por excelência e a mais sublime participação da santidade de
Deus, que é caridade; por isso quem permanece em caridade, em Deus permanece e Deus
nele. É uma virtude infusa e um dom do Espirito Santo que, a modo de fogo, penetra em
nossos corações e nos faz amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a nós
mesmos por amor de Deus.
Querendo agora particularizar em que grão de perfeição possuía nossa Santa esta sublime
virtude, e com quanta perfeição cumpriu o primeiro e o maior preceito do amor de Deus e do
próximo, quer-nos parecer acharmo-nos diante de complicado labirinto impossível de
percorrer, sem ter uma luz especial do céu, todas as suas voltas e derivações. Porque se
relembrarmos sua vida no mundo, veremos que Rita foi, até o dia de seu matrimonio, modelo
de recolhimento, de modéstia e obediência; se pararmos a consideração na vida de casada e
de viúva, descobriremos nela o protótipo da mulher forte, verdadeira mártir da dor e da
generosidade no perdão dos inimigos; e se a contemplarmos no claustro, a veremos qual
solicita abelha. colhendo o perfume mais suave e delicado das flores das virtudes, ou
abstraída na contemplação dos mistérios da cruz; porém, tanto no mundo como no claustro,
buscando a toda hora a solidão para dar expansão aos ímpetos do amor divino com que o
Senhor se aprazia encher-lhe o coração. Se tivéssemos de numerar, mesmo de leve, todas as
provas da caridade ardente de Rita para com Deus e o próximo, seria preciso examinar a
vida toda da Santa, porque toda ela outra coisa não foi senão um perpetuo e prolongado
holocausto em ara do amor de Deus.
De sua fé e esperança no Senhor não julgamos necessário acrescentar coisa alguma ao que
ficou consignado rios capítulos anteriores; com admiração tensos visto quão inabalável era a
sua fé, pela qual confiava a Deus toda a sorte de empresas, não sendo menor a, esperança
que em seu espirito tanto mais se avivava, quanto maiores eram as dificuldades que se lhe
apresentavam à realização dos seus intentos. "Deixemos, pois, diz, o P. Tardi, que os
promotores da Canonização exaltem na vida d.e Rita os rasgos que provam a heroicidade da
sua fé e da sua esperança, que a nós basta um resumo daquela virtude que supõe, compreende
e informa as outras duas virtudes".
O amor ardente que Rita consagrava ao Senhor se nos manifesta desde sua meninice na
piedosa solicitude que punha no cumprimento dos deveres cristãos; nos múltiplos e variados
atos de piedade e devoção que ocuparam sua mocidade, sua vida de matrimonio e durante o
tempo de sua viuvez; atos estes que continuou a praticar durante sua vida de religiosa com
tanta alegria, que os mais penosos atos da vida do convento pareciam-lhe peso levíssimo,
pelo grande amor de Deus que, em seu coração, constantemente ardia.
Às asperezas da vida religiosa acrescentou outros exercícios penosos de superrogação para
desafogo de sua ardente piedade. Era, como já temos dito, a primeira a levantar-se do leito,
à meia noite, a primeira na oração, no côro, nas instrucções, nas penitências, nas obras de
misericórdia, na obediência e em todos os misteres da comunidade, que tanto mais gratos se
lhe tornavam quanto mas vis se deparavam.
Depois disto não deverá causar-nos admiração o cuidado especial que punha nas coisas mais
pequenas, temendo que nelas pudesse misturar-se alguma imperfeição: è porque só o nome
de ofensa de Deus a horrorizava, procurou viver sempre sujeita à vontade dos superiores e
do confessor. Podemos afirmar que a vida da, insigne religiosa se resume no modo
admirável com que praticou o preceito da caridade, no qual se encerra a observância de toda
a lei. Podemos, pois, dizer que Rita viveu sempre vida divina, segundo aquelas palavras do
Senhor: "O que me ama cumpre meus mandamentos e faz minha vontade, e eu ama-lo-ei e me
manifestarei a mim mesmo".
A caridade de Rita se nos manifesta ainda no zelo pela conversão dos pecadores.
Amargurava-se ao pensar que pudera perder-se o valor do sangue preciosíssimo de Jesus,
tão generosamente derramado nos dias de sua sacratíssima paixão. Temos visto que, pela
conversão dos pecadores oferecia todos os dias uma das cruentas disciplinas e o mérito de
manas comunhões, e deste modo conseguia do Senhor quanto lhe pedia.
"Entre diversas obras suas de caridade, diz o P. Tardi, acha-se escrito que, tendo sido ela
informada de uma indigna e arraigada ligação existente entre duas pessoas, com. publico
escândalo daquela terra, chorou, e não receou a cometer uma empresa que para outros seria
inexeqüível, - a de separar os dois pescadores, e induzi-los ao arrependimento. Demasiadas
provas obtivera Rita da divina Bondade para não duvidai do desejado sucesso do seu
tentame; e assim, depois de recorrer à eficácia da oração e das penitencias que todos os dias
repetia e unia aos padecimentos de Jesus Cristo para a correção dos pescadores, mandou
chamar um após outro, os dois escandalosos amantes, e tanto, e com tão boas maneiras,
soube insinuar-se, admoestar e insistir, que teve a consolação de vê-los derramar lagrimas
de compunção, fazendo eles em seguida constante penitência dos seus passados erros."
E não deve causar-nos admiração que tão cuidadosa fosse do bem das almas, quem, para
remediar males, não só da alma, como também do corpo, tanto fez desde menina, instruindo
às jovens de sua idade na piedade cristã e induzindo-as a desagravarem a Deus das ofensas
que constantemente recebe dos mãos cristãos. Não esqueçamos o cuidado com que atendia
aos seus doentes para que não lhes faltassem os auxílios da religião, com que a Igreja
encaminha as almas para o céu; como os animava a suportar por amor a Jesus as trabalhos da
doença; como procurava com palavras consoladoras levantar o pensamento dos moribundos
ao céu, onde o pobre resignado alcançará a recompensa de suas privações; e se o triste
desenlace era iminente, Rita não abandonava os seus doentes até recolher o ultimo suspiro,
para, com suas orações, enviai-os ao seio da divina misericórdia. Por isso foi tão amada de
Deus e dos homens; por isso os doentes consideravam uma verdadeira felicidade ter Rita
perto de si; por isso, finalmente, a maior parte das religiosas que morreram no convento,
durante quarenta e quatro anos, julgaram-se felizes por expirar nos braços de Rita. Ela foi
generosa sem medida, suportando os trabalhos com invicta paciência, e sofrendo penas mais
amargas que a mesma morte, por amor a Deus e ao próximo. Por isso mereceu que o Senhor
enamorado das belas qualidades de sua esposa, a honrasse tanto nesta vida, continuando a
honrai-a depois de seu transito ao Paraíso, segundo veremos no que ainda resta por referir
desta serva de Deus.
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