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Falando da obediência de Rita, chegamos ao limite do que com toda verdade pode-se
chamar resumo da perfeição; porque embora o fim desta seja a caridade, quem volunta-
riamente e só por amor de Deus se sujeita àqueles que escolheu por seus superiores e guias
no caminho da salvação, vive inteiramente sujeito ao beneplácito divino, que é o objeto da
caridade; e por isso dizem os mestres da vida espiritual que a perfeita obediência outra
coisa não é senão a caridade perfeita. Nenhuma virtude como a obediência nos assemelha a
Jesus Cristo, que, por obedecer a seu eterno Pai, deu sua vida com grande amor pelos
homens morrendo na cruz. A obediência é a que mais une nosso entendimento e vontade com
a vontade e o entendimento de Deus, de modo que o perfeito obediente pôde gabar-se de não
querer ou pensar coisa alguma fora do que o Senhor quiser pensar ou dispor de sua sorte
futura.
A influência da obediência sobre as outras virtudes é tal, que, no sentir dos. Santos, vem a
ser como mãe de todas. Ela as planta, as rega e faz frutificar. Ela é a que lhes da forma, valor
e mérito para. a vida eterna; porque assim como a desobediência foi causa de nossa ruína e
perdição, a obediência, pelo contrario, é penhor seguro de predestinação, segundo as
palavras dos provérbios: "O perfeito obediente alcançará vitória".
Foi, pois, Rita no exercício desta virtude um modelo e um prodígio da maior admiração. A
vida toda de nossa santa se desenvolve e amadurece recebendo sempre a seiva vigorosa da
obediência.
Mesmo antes de chegar a compreender, pela sua tenra idade, o valor desta virtude, e daquela
celeste doutrina, contida. naqueles místicos colóquios com que a entretinham seus piedosos
pais, falando-lhe da vida, paixão e morte de Jesus Cristo que, para nos resgatar da morte do
pecado, se fez obediente até morrer na cruz; antes mesmo, digamos, de que Rita pudesse
compreender o valor daquelas palavras de Jesus: "Aprendei de mim que sou manso e
humilde de coração", Rita, com maravilhosa docilidade, obedecia alegre e satisfeita àqueles
que o Senhor lhe dera como superiores, os pais; e à medida que ia crescendo em anos e
compreendendo os divinos ensinamentos todos os passos da vida de Jesus Cristo eram, para
ela, outras tantas setas do amor divino que feriam sua alma cada vez mais, até transformai-a
em imagem viva de Jesus crucificado. Toda a vida de Rita outra coisa não foi, senão um
continuado sacrifício da sua vontade à vontade do Senhor.
Temos visto as dolorosas provas pelas quais o Senhor quis que passasse quando vivia no
mundo, sobretudo aquela luta que teve de sustentar consigo mesma, quando por obedecer a
seus pais aceitou à vida do matrimônio: a vida de casada e durante sua viuvez, que outra
coisa foi senão um doloroso combate que suportou com admirável paciência, para
conservar-se fiel à vontade de Deus, à de seus pais e à daquele marido cruel que o Senhor
lhe dera pára purificar sua obediência, fazendo que esta brilhasse com os fulgores da
santidade? No meio daquelas cenas de horror, de sangue e luto em que pereceu seu esposo,
onda amarga de dor submergia Rita num abismo de penas e sofrimentos; porém maior foi sua
resignação na vontade divina, e, mercê de Deus, ainda pôde oferecer-lhe o ultimo sacrifício
dos seus castos amores, pondo nas mãos do Senhor a vida daqueles filhos queridos, antes
que a malícia pervertesse seus corações.
Se a obediência comum é tão agradável a Deus que para a sua observância. fez um dos
principies mandamentos, qual não será o valor da obediência que se abraça mediante o voto
perpetuo e solene, como o que fazem as pessoas religiosas, para consagrar-se a Deus e vive
por seu amor durante toda a vida sujeitas à vontade dos superiores, para mais facilmente
caminhar pela estrada da perfeição? Quão penetrada estava nossa Santa da importância desta
formosa virtude, coisa fácil é de ver nas diferentes passagens de sua vida. Limitando-nos ao
que se refere à sua vida religiosa, consignaremos aqui o que dela dizem seus biógrafos: "que
Rita possuis a excelsa virtude da obediência em grau muito eminente; pois todos os seus
feitos não foram senão outros tantos atos de obediência, ou para melhor dizer, toda a sua
vida monástica foi um só ato, ininterrupto, da mais humilde, sincera e prometa obediência.
Demasiado convicta se achava ela, segundo os princípios da sua piedade, do que dissera
Samuel, isto é: que ao Senhor mais apraz o sacrifico da vontade que o das vitimas; tinha
sempre ante os olhos o exemplo de um Deus, que para nossa instrução quis viver sujeita às
criaturas; sentia-se também enamorada e provocada de emulação ao refletir na heróica
obediência de tantos santos e santas do claustro; discernia as vantagens superiores de tal
virtude para dirigir seus passos neste mundo de trevas e erros; e por isto não estava somente
sujeita a todas as leis do Evangelho, da Igreja, da regra e das constituições da Ordem, nem
só com deferência e prontidão obedecia às determinações das diversas superioras que teve,
e nos diversos cargos que lhe incumbiram; mas anelava sujeitar-se mesmo às suas irmãs
iguais, ou menores, e esmerava-se em se lhes antecipar às ordens, aos conselhos e até aos
acenos, que interpretava, julgando-se indigna serva de todas. Tamanha virtude merecia as
honras das ultimas provas, que Deus, ou por si ou por meio de outros, costuma fazer; e a
prova foi esta, que a Madre Priora, vendo em Rita semelhante submissão, quis tentá-la
imponde-lhe a obrigação quotidiana de regar uma planta seca, que estava no jardim do
mosteiro. A tão extravagante intimação não replicou a Santa, não apegou que o preceito
estava abaixo das condições da regra, e não encarou o escrúpulo do tempo perdido, antes
vivia persuadida de que o tempo sempre bem se emprega quando serve para a obediência;
pelo que com inteira conformidade se aplicou à empresa, e continuou-a por diversas
estações, nisto imitando um exemplo igualmente admirado do santo abade João, de quem se
lê, na vida dos Padres, que para obedecer ao seu diretor se abaixou a carregar, em longo
trecho da estradas e por tempo considerável, um balde de água para regar um tronco seco.
Assim fez a nossa Santa, e não em vão; pois tanto aprouve a Deus esse ato de heróica
obediência que, como refere a tradição, se viu reverdecer aquela planta, e em seguida
produzir flores e frutos, pelo que se ficou chamando a arvore da Bem-aventurada". Diz-se
que esta arvore foi uma ameixeira. Mas a tradição ininterrupta nos diz que a tal planta, que
ainda se vê no Convento de Cassia, depois de mais de cinco séculos, é a videira de Santa
Rita. Atualmente se encontra ao pé do muro do mosteiro e é a admiração dos romeiros que,
de toda parte, chegam em visita ao corpo da Santa e ao convento em que tantos anos ela
viveu. Em setembro de 1930 o tradutor deste livro teve o prazer de visitar o convento e
igreja de Santa Rita em Cássia, o corpo da Santa, a videira, viçosa e cheia de cachos, e a
cela em que habitou por muitos annos, hoje convertida em capela: nesta capela teve a
felicidade de rezar a Santa Missa.
Não só quis o Senhor premiar durante a vida o grande mérito da obediência de sua serva
Rita, mas também depois de sua morte, porque, como dizem os biógrafos, quando o Bispo,
ou algum dos Superiores .da Ordem, visita o corpo da Santa, este levanta-se da urna em que
está depositado (como se tem observado por diversas vezes), e abre os olhos em sinal de
reverencia aos Prelados; e até pode-se presumir que a abundância das graças que o Senhor
derrama sobre a pobre Comunidade das Madalenas de Cássia, é prêmio de seu particular
amor à obediência, que elas estimam como o mais rico patrimônio de sua Santa Irmã.
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