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Se a vida da Santa até ao momento em que recebeu o espinho na fronte, foi vida oculta, de
então por diante dir-se-ia melhor vida sepultada, porque se tornou invisível aos olhos dos
mortais. E tal é o motivo porque a historia, omitindo um espaço de oito anos, como que a
voar nos leva a 1450. Não foram contudo ociosos para a Santa esses anos de intervalo, e se
em verdade houve tal acro, não foi muito diferente do dos Santos, e de toda a maneira talvez
mais vantajosa à Igreja que pelas orações dos Bem-aventurados pelo menos no Ocidente,
ressurgiu então afinal do seu largo abatimento. Dois lustros já fazia que cessara o cisma dos
Gregos, Armênios e Etíopes, fato este cuja glória principalmente se atribuía aos
merecimentos do B. Nicolau de Tolentino, que nesse tempo foi canonizado por Eugênio IV;
desde poucos meses se extinguira o outro cisma dos antipapas, mediante a espontânea
abdicação de Félix V; e às orações, às penitencias, às lagrimas de Rita cumpria que de tal
sucesso se referissem o merecimento e a glória. Nicolau V era então o ditoso pastor da
Igreja, e naquele ano, e no meio da paz de que ela gozava, pôde com vantagem publicar,
como fez, um solene jubileu para difundir os tesouros das divinas indulgencias que lhe foram
confiados. Este foi o quinto jubileu celebrado na nova Igreja de Jesus Cristo, e atentas as
circunstâncias da referida paz e da renascente piedade, o mais freqüentado pelo inumerável
concurso dos fiéis, que de todas as partes da Europa se trasladavam a Roma, onde somente,
como então era costume, podiam granjear as indulgencias anexas.
Ora, quando até os menos devotos acorriam precipitadamente, imaginemos se Santa Rita não
sentiria desejo ainda maior para a preciosa aquisição. Ouvia que as religiosas suas
companheiras se aprestavam para efetuar o pio desígnio, de partirem com direção a Roma e
ela, que até aquele momento, e já desde muitos anos, parecia no seu retiro odiar a luz do dia,
para fim tão santo não receou deixar e cena ; esqueceu os seus males e adiantada idade, e
deitou-se aos pés da superiora, supplicando-lhe licença para reunir-se às outras religiosas na
piedosa viagem. Porém a madre priora, atendendo especialmente naquela nojosa chaga da
fronte, não julgou prudente que assim Rita se expusesse aos olhos do mundo, e por tanto
mandou que voltasse a sua celta, dizendo lhe que primeiro cuidasse em curar-se daquela
ferida, depois do que lhe outorgaria a permissão que solicitava. A condição que a isto se
punha como que por irrisão, não tardou a ter o seu efeito: pois que à Santa recorreu com suas
fervorosas orações ao Deus que lhe inspirara o voto, e que costumava deferir-lhe as
súplicas, e imediatamente logrou a saúde que ninguém mais esperava. Aqui se deve notar
que Rita, procurando sempre em sua profunda humildade ocultar os favores do céu, nesta
ocasião quis empregar certos ungüentos para disfarçar o milagre da cura; mas demasiado
evidente era o feito de Deus, pelo que a superiora não mais hesitou em dar-lhe a permissão e
a benção.
Partiu, pois, a pé, em companhia das suas irmãs, sem nenhum receio pela idade
septuagenária, pela fadiga da longa viagem e pelas intempéries da estação: partia toda alegre
para a capital do mundo católico. Nesta viagem sucedeu que, passeando ela pela margem de
um rio, neste deitou a pequena quantia que provavelmente lhe fôra dada para ocorrer às
necessidades da peregrinação; fato esse que lhe valeu exprobrações das companheiras, mas
não as de Deus, que a generosa ação ocultamente a induzira., e que depois lhe favoreceu todo
o necessário para a jornada, permanência e volta.
Chegando à meta da sua viagem, Rita não se entreteve a contemplar, nem as antigas ruivas,
nem os atuais monumentos das grandezas profanas, mas volveu a alma e o corpo aos caros
objetos da sues piedade, às memórias dos Santos Mártires, às gloriosas confissões dos
Santos Apóstolos Pedro e Paulo, à devota visita das Igrejas, à aquisição das santas
indulgencias. Em verdade parece que a Santa depois da vida tão ilibada, e de tantas e tão
austeras penitencias, não necessitasse de recorrer a tais meios de expiação; mas a santidade
é humilde por sua natureza, e a humildade que conduziu uma santa Brígida e uma santa
Catarina de Sena ao segundo jubileu, foi a mesma que, um século depois, levou ao quinto
jubileu a nossa Santa Rita. Enriquecida, pois, com mais aqueles tesouros da graça, e
impaciente por livrar-se, enfim, do penoso tumultuar do povo, com as suas devotas
companheiras, e sempre nas mãos da Providencia, encaminhou-se para Cássia, e. depois de
caminhar quatro ou cinco dias, de novo achou-se na sua amada cela, no seu centro.
Apenas ali chegada, pasmosa coisa foi que de súbito, e como antigamente, se lhe tornou a
abrir a chaga da fronte, que per virtude superior se havia cicatrizado, quando Rita partira,
pelo que mais ainda se comprovou a realidade do milagre na cura antecedente, assim
sucedendo para que a Santa até a morte não mais tivesse de perder um privilegio que lhe era
tão caro.
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