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A cruz do sofrimento foi, e sempre há de ser, para o cristão que a carrega resignado, o
caminho reto para o céu: per angusta ad augusta. Por isso devíamos aceitar a cruz como um
dom da divina misericórdia. Quando lemos com atenção a vida dos amantes da Cruz, sen-
timo-nos humilhados, vendo a grandeza d'alma com que suportavam o cruel martírio a que
os sujeitavam os inimigos, as torturas do .espirito nas noites de aridez, e outras muitas
adversidades com que o Senhor os provava para que pudessem merecer o lugar que lhes
reservava em seu reino. Deste modo a Providencia divina vinha preparando o caminho que
devia trilhar nossa Santa. O sacrifício que fizera Rita aceitando o matrimonio por obedecer
aos pais, as duras provas pelas quais a fez passar seu esposo, a perda dos pais, a ma, índole
dos filhos, o trágico fim de Fernando, tantas amarguras, uma após outra, quase sem
interrupção, sinais evidentes eram de que o Senhor chamava sua serva pelo rumo do
Calvário.
Fernando, aquele marido cudo coração duro ela havia conseguido abrandar à força de
lagrimas, trazendo-o à melhor vida, e que ultimamente amava-a como bom esposo, e com ela
se esforçava cuidadoso pela felicidade dos filhos que o Senhor lhes concedera, acabava de
morrer vítima da mais cruel vingança. Tão enorme desgraça deixou a triste viúva imersa na
mais horrorosa desolação. Sem pais, sem esposo, via-se Rita sozinha no mundo para atender
à educação dos filhos e às necessidades da vida. O presente submergia-a na dor, o futuro a
intimidava, e sua condição de viúva aumentava as angústias de mãe. Os horrores daquela
morte, que continuamente se apresentavam à sua memória, abatiam-na: ao lado da imagem da
vítima, via sempre o fantasma do assassino. Embora magnânima e generosa, lutava consigo
mesma horrivelmente; porém, discípula fidelíssima de Jesus crucificado, ouvia no seu
interior uma voz que repetia as palavras do Mestre, pendente da cruz: Perdoa-aos, meu Pai,
porque não sabem o que têm feito; e Rita, antepondo a tudo o exemplo do crucificado, não só
perdoou aos assassinos, como orou também por eles, para que o Senhor não lhes tomasse em
conta o crime cometido. Conserva-se a tradição, segundo fazem constar vários escritores, de
que Rita, vendo em perigo a vida dos autores da morte de seu esposo, sobre os que o povo
indignado queria por si mesmo fazer justiça, não só lhes concedeu o mais amplo perdão,
como chegou a ocultá-los em sua própria casa, facilitando-lhes os meios para fugirem às
pesquisas da justiça.
Mas ainda faltava muito para apurar o amargo cálix de seus sofrimentos. Apenas havia Rita
conseguido, diz o P. Tardi, acalmar seu coração no tempestuoso mar doa seus pesares,
quando novo e terrível furacão volta a descarregar sobre ela suas lufadas. Observa que
começa a germinar em seus filhos o desejo de vingar a morte do pai de Rita, como boa mãe
cristã, treme pela sorte dos filhos. Repreende-os com severidade, afeia-lhes suas palavras,
pondera-lhes o criminoso de seus desejos e ameaça-os com castigos se não tratam de
esquecer tão iníquos pensamentos. Ao mesmo tempo multiplica os cuidados para firmar no
coração dos filhos o temor de Deus, e imprimir neles sentimentos generosos para perdoar as
injurias. Aumenta suas súplicas ao Onipotente, e com todo fervor e lagrimas copiosas
pede-lhe que não a desampare naquele novo perigo que a ameaça.
Mas passam-se os dias, e a santa mãe, com o coração angustiado, compreende que os filhos
não abandonam os sentimentos de vingança. Torna amorosa a rogar-lhes, insta, afaga-os,
chora para lhes persuadir o perdão. Faz considerações sobre as máximas eternas, os
horrores do juízo e do inferno; falia-lhes do exemplo dos santos e principalmente de Jesus
Cristo, que não se contentou em perdoar seus algozes, mas ainda implorou para eles a
misericórdia divina; e, fazendo-lhes estas reflexões, a aflita mãe apertava-os nos braços com
tanto amor como se de novo quisesse encerrá-los dentro do seio, para livrá-los do inferno
que intentava arrebatar-lhos.
Tudo foi inútil: a mudança esperada não chegava: temendo perder os filhos para sempre,
pelo caracter briguento e belicoso deles, com o coração penetrado da mais dilacerante dor e
os olhos marejados de lagrimas, de joelhos diante de Jesus crucificado e com a abnegação
mais sublime que se pôde imaginar na mãe, suplica-lhe que, ou mude a condição de seus
filhos, fazendo-lhes esquecer os sentimentos de vingança, ou os leve deste mundo, antes de
permitir que o ofendam. Nesta oração Rita chegou ao cume do heroísmo, pois sendo mãe tão
amorosa, o temor de perdê-los para sempre se sobrepôs a qualquer outro sentimento humano.
Tal sacrifício, desconhecido para a maioria das mães cristãs, só tem precedentes naquelas
heroinas do Cristianismo que entregavam seus filhos ao martírio, para, em troco de breves
sofrimentos e momentânea separação, melhor assegurar-lhes a vida do céu e gozar depois
com eles da glória eterna. Oh proeza do amor materno e da caridade de Deus! Só o
Cristianismo pôde contar tão estupendos milagres da graça.
O Senhor misericordioso escutou as preces de Rita, e em menos de um ano morreram-lhe os
dois filhos, antes que a malícia pervertesse seu entendimento, e os desejos de vingança se
arraigassem no seu coração. Apesar de ter sido a súplica de Rita feita com uma abnegação
sublimelugar inspirada pelo grande amor ao soberano Senhor de todo o criado, não pôde
subtrair-se à dor dilacerante que em todas as mães produz a separação pela morte dos filhos,
embora breve e com a esperança de juntar-se com eles depois de algum tempo. Coração
delicado e amante como o de Rita não podia deixar de sentir toda a mágoa produzida pela
perda dos dois filhos, mas ao mesmo tempo considerava como um grande favor do céu ter
livrado os filhos da morte da alma. Por outro lado, a esperança de vê-los um dia na glória e
gozar d.e sua companhia, consolava-a e dava-lhe forças para resistir a tão grande aflição
rogando ao Senhor que aceitasse aquele sacrifício, que tanta admiração e assombro havia de
causar às gerações futuras, e que fira unicamente feito por seu amor.
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