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Já vimos nos capítulos anteriores a especial inclinação, manifestada por Rita desde seus
primeiros anos, a praticar a piedade e meditar os mistérios da paixão de nosso divino
Redentor, procurando para isto o retiro, afim de que nada a embaraçasse em suas meditações
e a impedisse de entregar-se por completo ao amado de sua alma. Para isto todo o tempo
parecia-lhe pouco, e se afligia procurando o modo melhor de satisfazer os anelos de seu
coração sem faltar às ocupações da casa. Freqüentemente ouvia falar dos extraordinários
exemplos de virtude e santidade que filhos ilustres da Ordem de Santo Agostinho davam ao
povo cristão, com a vida eremítica que faziam sepultados nos montes de Cássia. Escutava
atentamente a vida dos então veneráveis, hoje beatos, João Bom de Matua, Ugolino Zeferino
e Simão Fidate. Os exemplos destes santos varões de tal modo calaram no coração de Rita,
que mais e mais a afeiçoaram à prática do retiro e aos rigores da penitência.
Para melhor avaliar os propósitos desta santa menina sobre a mortificação e penitência
transcrevemos alguns testemunhos tomados do processo de Beatificação e Canonização de
Santa Rita. "Desde a sua mais tenra idade começou Rita as obras de piedade e devoção, e a
castigar seu delicado corpo com jejuns e disciplinas." "Ela mesma fazia os cilícios e outros
instrumentos com Que mortificava sua carne inocente.'' Tendo já mais idade comia bem
pouco, podendo-se dizer que vivia em jejum continuo” enfraquecendo assim seu corpo com
o rigor da penitência, seu espirito sentia-se mais vigoroso para a praticas de muitas e
heróicas virtudes.
Desejando conformar-se em tudo com seu divino Esposo, oferecia-lhe o sangue que de seu
inocente corpo faziam brotar o rigor das disciplinas e a aspereza dos cilicies: estes eram
tecidos de crina entrelaçados com espinhos.
Além dos jejuns da Igreja, Rita prolongava-os por mais duas quaresmas, sem contar as
vigílias das festas da Santíssima Virgem e dos Santos seus protetores particulares, não
tomando nesses dias outro alimento senão pão e água.
Admirável era também seu adiantamento na caridade e no desejo da salvação das almas,
socorrendo, quanto lhe era permitido, com mão larga, os pobres, e dando-lhes sempre
conselhos salutares.
É para admirar, diz o P. Fontana, o zelo de Rita para instruir as meninas nos primeiros
conhecimentos da religião, e as jeitosas industrias de que se servia para que a
acompanhassem ã Igreja nos seus devotos exercícios, porque o templo era o lugar predileto
para fazer oração; nele assistia aos divinos ofícios com tal devoção e recolhimento interior
que parecia um serafim. A undécima testemunha na Causa de Beatificação declara que Rita
era desde os primeiros anos modelo de perfeição por sua piedade, pela freqüência dos
Sacramentos e por sua muita oração, sendo ao mesmo tempo exemplar pelo respeito e
obediência aos seus pais, pela modéstia no vestir e recato no falar.
No mundo, desde menina, como depois no convento, foi devotíssima de Jesus Sacramentado,
visitando-o o mais freqüentemente possível, e passando largas horas em companhia do
Amado de sua alma. Solicitava com fervor a proteção dos santos, oferecendo-lhes suas
mortificações, e exercitando-se nas virtudes que eles praticaram. Ao Anjo da Guarda teve
sempre uma devoção particular; para celebrar sua festa, bem como a dos Santos, seus
advogados particulares, e especialmente as da Santíssima Virgem, preparava-se com
novenas, e nas vigílias jejuava a pão e água.
Com estes santos exercícios afervorava seu espirito e mais e mais crescia a chama do amor
divino e o amos aos pobres. Refere-se que encontrando certo dia de muito frio um mendigo
esfarrapado, seminu, tirando o mantelete de abrigo que levava o entregou ao pobre para
cobrir seu corpo.
Já ficou indicado a influencia que exercia em Rita a fama de santidade daqueles eremitas de
Santo Agostinho que tão perto de Rocca Porena haviam vivido, e ainda nesse tempo alguns
viviam; assim como também o secreto impulso que a impelia à solidão; porém não sabia
como combinar o retiro com a necessidade que seus pais tinham de sua companhia e ajuda.
Continuamente preocupada com este pensamento, dizem que numa certa ocasião ouviram-na
exclamar: "Bela idéia! Excelente ! Sim, sim, eu quero viver sozinha com Jesus...; porém, mo
permitirão meus pais? Oh meu Jesus, persuadi-os Vós!" Não se sabe ao certo o que se
passou pela imaginação de nossa santa menina; - ficar com seus pais, se bem que isolada do
mundo, ou recolher-se durante toda sua vida num convento; ou quem sabe, - retirar-se para
alguma gruta, e lá fazer vida solitária e penitente.
Pelo que mais tarde aconteceu, pode-se conjecturar que, a idéia que tanto alvoroço causou
em Rita, era a de tomar o véu das virgens; porém, temendo a repulsa de seus pais,
contentou-se em manifestar-lhes o desejo de que a permitissem ficar sozinha num canto da
casa o tempo que precisasse para suas orações, sem que nada a distraísse. Seus pais
deram-lhe um dos cômodos no mais afastado da casa, para que sua filha se entregasse às
suas devoções. A ele trasladou Rita suas imagens e as estampas da Paixão de N. Senhor,
seus instrumentos de penitência e todos os objetos de piedade; e naquele agradável retiro,
como em delicioso jardim de seus amores, passava todo o tempo que lhe deixavam livre
suas ocupações.
Lá a esperava o amante Jesus crucificado para lhe falar ao coração; e naquele aprazível
retiro, longe das vistas dos homens, no continuo silencio e mortificação, começou a gostar a
doçura das inefáveis alegrias que o Senhor reserva às almas santas. Seus pensamentos e os
ardentes afeitos de seu coração moviam-se em torno da Paixão de Cristo ; e entre consolos e
esperanças, dores e lagrimas de compaixão, seu espirito respirava um ambiente místico, seus
anelos se acalmavam, e seu coração mergulhava na paz e doce contento que só a graça pôde
fazer brotar entre as amarguras. Um anuo passou neste santo retiro, dedicada à contemplação
dos dolorosos mistérios da vida, paixão e morte de Jesus Cristo. E como naquela escola viu
os exemplos de laboriosidade do menino Jesus, trabalhando na oficina para ajudar a José e
Maria, considerou-se obrigada a auxiliar ainda mais aos seus velhos pais, sem por isso
abandonar os exercícios de oração e contemplação. Das meditações sobre os trabalhos de
Jesus tirava forças para tudo, e seu coração mais e mais se inflamava no amor aos
sofrimentos.
Mas os anelos de Rita eram consagrar-se inteiramente ao amado de seu coração, abraçando a
vida religiosa. A toda hora parecia-lhe ouvir as palavras dos Cantares: "Vem do Líbano,
esposa minha, vem", e aquelas outras do Profeta Oséias: "A levarei à soledade e falar-lhe-ei
ao coração." Por outro lado não deixava de compreender a necessidade que os velhos Paes
tinham de sua companhia e de seu auxilio, e assim, estimulada por estas duas inclinações
contrarias, vivia numa indecisão dolorosa, sem saber que partido tomar.
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