CAPÍTULO XVI. É ADMITIDA RITA COMO RELIGIOSA

O último eco produzido pelo sino perdia-se nos ângulos e corredores do convento, e as freiras, saindo das celtas. dirigiam-se devotas ao Lugar da oração. Logo que as primeiras chegaram à entrada do côro percebeu-se leve cicio, frases desconexas que denunciavam o medo, mostrando surpresas, umas às outras, a causa do seu receio. A escassa luz, que não lhes permitia distinguir bem a pessoa estranha que ali se achava, aumentava-lhes seu temor, até que algumas mais corajosas aproximaram-se delta e perguntaram-lhe, quem .Era, e com que licença havia aí entrado.

Assustada estava também a suposta intrusa; porém, dominando o medo e o acanhamento, com voz humilde disse: "Eu sou aquela pobre viúva que batendo às portas da vossa clemência para ser admitida em vossa companhia, fui repelida como indigna de tanta felicidade. Mas sabei, para vossa tranqüilidade e para que afasteis qualquer suspeita, que o nosso bom Deus, querendo me fazer esta graça singular, me enviou esta note São João Batista, acompanhado de Santo Agostinho e de São Nicolau de Tolentino, para que, como protetores e advogados que sempre foram na minha vida, o fossem também na minha vocação; enes, tirando-me d.e minha casa onde estava recolhida em oração, aqui me introduziram sem abrir portas nem janelas. Portanto, eu vos peço, pelo amor daquele Senhor que assim quis mostrar comigo sua misericórdia, a tenhais também sós admitindo-me em vossa companhia.

A simplicidade desta relação produz nas religiosas uma impressão de assombro, sobretudo depois que se certificaram que todas as portas e janelas do convento estavam fechadas, sem que houvesse vestígio algum por onde aquela mulher pudesse haver entrado. Este fato, juntamente com a comprovação de que naquela noite havia estado Rita em Rocca Porena e que era impossível vencer na escuridão os espantosos precipícios daquele caminho, e mais a surpreendente circunstância de que naquela noite memorável o monte Escolho apareceu iluminado por alguns momentos, qual outro Tabor, não permitia duvidar que a aparição da viúva no convento das Madalenas era obra admirabilíssima do poder de Deus, e por isso não podiam as religiosas recusar-se em admitir Rita na Comunidade. Não obstante, para conformar-se com as praticas estabelecidas no convento, reuniram-se as religiosas para deliberarem o que convinha fazer; e todas, unanimemente concordaram admitir em sua companhia a viúva, julgando-se muito favorecidas pela misericórdia do Senhor que, de modo tão portentosa, queria que desabrochasse no jardim daquele convento flôr tão admirável que, com o perfume de suas virtudes, tantas graças e bençãos atrairia para a Comunidade. Deste acordo foi notificada Rita entre abraços e carinhos, e pediram-lhe mil desculpas por terem antes repelido sua súplicas.

A obra de Deus estava feita; e Rita, com imensa alegria, via satisfeitos os ardentes de seu coração. Aquele novo gênero de vida, além de a colocar ao abrigo de grandes perigos como ha no mundo, dava-lhe segurança dum futuro venturoso, tanto para si, come para aqueles seres queridos de seu coração, pois na vida religiosa mais fácil seria expiar por eles qualquer falta com que se tivessem apresentado ante o tribunal divino. Além disto, a piedosa viúva sabia bem que, neste mundo, nenhum outro teor ou modo de vida ha mais elevado e menos penoso que o estado religioso, pois, como diz São Bernardo, "na religião se vive com mais pureza, se cai mais raras vezes, se levanta o homem mais presto, caminha mais seguro, morre com maior confiança, se purifica mais depressa, e no céu recebe maior recompensa." Sabia também que destas verdades são garantia as palavras de Jesus Cristo, quando diz: "O que deixar sua casa, pai e mãe por meu amor, receberá cem dobrado nesta vida e depois a glória eterna”. Tal é a excelência e dignidade do estado religioso que os Santos Padres e Mestres da vida espiritual o consideram como signa? de predestinarão, pois pela vocação e fiel cumprimento das regras vai o Senhor preparando os meios para assegurar aos seus escolhidos a felicidade que lhes reserva na outra vida. Assim o compreendia nossa santa, e, pensando nisso, fácil é adivinhar a alegria que lhe ia na alma.

Chegou finalmente para Rita o dia de vestir o habito religioso. Reinava no convento grande alegria; e as religiosas, satisfeitas, trocavam entre si votos de felicidade. Rita achava-se emocionada; e comparando sua indignidade com aquelas graças especiais da divina misericórdia, sentia-se humilhada e confundida. Mandaram-na para o noticiado, que passou entre os afagos do amor divino, agradecendo do amante Jesus os benefícios recebidos e as consolações que mudavam sua alma depois daquela viagem triunfal que, abrindo-lhe as portas do convento, oferecia-lhe campo largo para novos merecimentos, como veremos nos capítulos seguintes.

O fato maravilhoso da entrada de Rita no convento teve Lugar no ano de 1413, quando contava nossa santa trinta e dois anos de idade, e pouco mais de um de viuvez, segundo P. Tardi em sua Vida de Santa Rita. Simoneti, diz que isto aconteceu no ano de 1417.