CAPÍTULO XXXIII. REVISÃO DOS PROCESSOS PARA A CAUSA DA CANONIZAÇÃO

É coisa singular que uma alma tão grande como a de Rita, cujo nome glorioso ha quatro séculos atrás, havia percorrido o mundo com as azas da fama mais pura e legitima, não figurasse ainda de modo solene no catálogo dos santos. Não obstante, não é para admirar que se tenha dado este fato. Se temos em consideração a negligencia dos escritores daquele tempo, a quem incumbia recolher todas as maravilhas e pormenores da vida de uma mulher tão singular, bem como as noticias relativas aos fatos prodigiosos realizados durante o tempo em que viveu no mundo, como depois de seu transito ao Paraíso. Por outra parte, a exaltação dos servos de Deus, depois da morte, à glória dos altares, vem sempre ordenada por uma Providencia sábia e amorosa, que dispõe as coisas de modo que, a coroação dos santos na terra, seja decretada pela Igreja quando vê que o povo cristão acha-se mais necessitado de meditar os exemplos e experimentar o valioso patrocínio dos bem- aventurados.

Era lamentável o estado social, religioso e político da Europa quando apareceu no mundo esta maravilhosa flôr de Cássia: ia subir ao céu, por entre os males que continuaram afligindo a humanidade, muito ganharam esses mesmos povos com a propagação do culto e devoção de Santa Rita, cimentados no exemplo de suas heróicas. virtudes e nos inúmeros prodígios que vinha prodigalizando em favor de seus devotos.

Pois bem quando o grande Pontífice Leão XIII se dispôs a tributar a Rita todas as honras do culto, os povos e sociedades navegavam no mar tempestuoso das más paixões desencadeadas. Nas mesmas nações, chamadas filhas prediletas da Igreja, quebravam-se os laços da família; as virgens do Senhor eram expulsas dos santuários; os sacerdotes por toda parte perseguidos, e o lábaro glorioso da cruz, sinal de paz entre os homens, tirado do seu lugar de honra.

Foi então que o Vigário de Jesus Cristo julgou chegado o momento de levantar sobre o monte santo da Igreja este brilhante farol, para que o fulgor de suas virtudes orientasse os homens na perigosa travessia do mar agitado deste mundo.

Antes, porém, que chegasse o momento da solene canonização de Rita, necessárias foram muitas diligências, viagens, novas informações, revisão dos antigos processos e formação de outros novos; mas o Senhor encarregou-se de ir aplainando todos os caminhos e dispondo as coisas de sorte que, a soberana decisão da Igreja, viesse coincidir com o tempo em que os fies mais necessitadas estavam da proteção desta grande santa.

Nos capítulos anteriores ficou declarado que, desde o anuo de 1627, a Ordem de Santo Agostinho e o clero secular da diocese de Espoleto gozavam da faculdade de rezar o oficio da Bem-aventurada Rita, e que por ocasião daqueles primeiros cultos se propagou tanto a devoção à serva de Deus, que seus devotos elevaram fervorosas súplicas para que a venerável fosse formalmente inscrita no catalogo dos bem-aventurados e dos santos.

Em Julho de 1737 foi revista a causa, e em 3 de Agosto do mesmo ano a Sagrada Congregação discutiu sobre a duvida do caso excetuado, ao que o Sumo Pontífice Clemente XII, de feliz recordação, respondeu, no dia 13 do dito mês, que constava. Em 25 de Julho do ano seguinte, 1738, despacharam-se letras à Cúria eclesiástica de Espoleto, a cuja jurisdição pertencia Cassai, para que se formasse processo apostólico sobre as virtudes e milagres feitos pela Bem-aventurada Rita. Ou porque o expediente deste gênero seja sempre fastidioso, ou por desleixo, ou por indolência, o certo é que o processo não terminou, ficando encerra a mais de cem anos nos arquivos de Espoleto e Núrcia, até 1851 quando a Santa Sé ordenou terminantemente que se tornasse a rever e continuar o dito processo. Em 1855 deu-se por terminado, e, levado à Roma, foi entregue ao Sumo Pontífice Pio IX, de santa memória, que o aprovou em 1856.

Do dito processo resultam clarissimamente comprovados os milagres seguintes.

1. A instantânea recuperação da vista de uma menina chamada Isabel Bergamini. Esta, atacada de varíola, perdera a vista, e a supuração dos tumores formados nos olhos alastrou-se pelas suas faces e pálpebras. Esgotados os recursos humanos, os médicos declaram a vista perdida. Desde então, a pequena foi oferecida pelos desconsolados pais à Beata Rita que enviaram-na ao Convento de Cássia, ao cuidado de uma sua tia, religiosa daquela comunidade, onde foi recebida com amor e carinhosa solicitude. Vendo-a tão infeliz, os pais e as religiosas começaram a rogar à Beata Rita, para que alcançasse do Senhor a vista perdida ou o gozo da Bem-aventurança. Por devoção haviam-na vestido com o habito da Santa. Quatro meses depois, numa tarde em que as religiosas catavam no horto um pouco de trigo para os pãezinhos da Beata, a menina, que as acompanhara para distrair- se, levantando a venda que lhe cobria os olhos, disse que enxergava. Aproximaram-se e, examinando-a viram, assombradas, que o humor corrosivo havia cessado, e que os olhos estavam perfeitos e limpos. Duvidando da realidade, ordenaram-lhe que separasse o trigo mau do bom, o que foi feito sem dificuldade alguma. Não havia duvida: estava completamente sã. Deixaram, então, aquele mister e, juntamente com a menina, desceram as religiosas ao sepulcro da Santa onde renderam braças pela maravilhosa cura. Comprovou-se o fato por todos os meios jurídicos, e a Sagrada Congregação o aceitou como prova evidente do milagroso poder da Bem-aventurada Rita.

2. O segundo milagre foi o persistente perfume que emanava do venerando corpo da Santa, do qual já faltamos anteriormente. O fato bem publico constava no Processo; mas a Igreja, que no exame destas Causas procede com a maior delicadeza e escrúpulo, para mais assegurar-se da veracidade, fez com que a Sagrada Congregação, em 18 de Fevereiro de 1892, enviasse à Cássia e Núrcia o mesmo Promotor da Fé, Mons. Agostinho Coprara, com instruções para que, com sua intervenção, se fizesse nova minuciosa informação sobre o maravilhoso sucesso; e ainda, em virtude de outras letras com data de 22 de Agosto. facultou-se ao dito Promotor da Fé para fazer pessoalmente novo e formal reconhecimento no corpo da Bem-aventurada, fazendo constar que nunca o venerando corpo tinha sido embalsamado, nem se havia colocado perto dele substancia alguma perfumosa. O novo Processo teve feliz êxito, e ficou evidentemente comprovado o que Roma desejava saber. Sendo assim, ordenou-se que este se juntasse ao Processo instituído pela autoridade ordinária em 1626 na Caria de Espoleto, e ambos os Processos foram aprovados pela Sagrada Congregação em 23 de Fevereiro de 1896.

3. Um terceiro milagre paca a canonização de Rita ia ser submetido a rigoroso exame. Tratava-se de uma cura instantânea, realizada no anuo de 1887 na pessoa de Cosme Pellegrini, de 70 anos de idade e vizinho de Conversano. Sofria o infeliz de gravíssima gastroenterite, e de uma afecção hemorroidal e, devido à perda de sangue e ao completo esgotamento de forças, ficara reduzido ao último extremo. Desenganado pelos médicos, lhe forem administrados os Sacramentos, é, prostrado no leito, sem sinais de vida, todos o julgavam cadáver. Repentinamente dá um grito, dizendo que está curado; declara então que lhe havia aparecido Santa Rita de Cássia restituindo-lhe a saúde e as forças de sua mocidade. Espalhou-se logo a noticia daquela maravilha do poder de Deus, feita pela intercessão de Santa Rita. Inteirado de caso o Ilmo. Mons. Casimiro Gennari, digníssimo Bispo daquela diocese, que mais tarde foi Assessor da Sagrada Congregação do Santo Oficio, e uma das maiores glorias do Sacro Colégio de Cardeais, zeloso como era da propagação do culto de Santa Rita, pediu e obteve licença da Santa Sé livra instruir Processo apostólico com o fim de averiguar os fatos do referido caso. Concluso o Processo em 28 de junho de 1892, a Sagrada Congregação do Santo Oficio examinou e reconheceu sua validez, e no dia 17 do mês seguinte o Sumo Pontífice aprovou e confirmou a sentença dada pela Sagrada Congregação.

Dia a dia aumentava a fama da insigne taumarturga com a multiplicação dos seus prodígios; mas, preciso é confessar que é dificílima empresa recolher, compilar e compulsar provas para a formação dos Processos de Canonização, seguindo todos os tramites a que, com escrupuloso rigor, submete a Igreja estas Causas, que hão de ser examinadas com severidade por peritos de todas as ciências divinas e humanas. Mas, graças a Deus, estava por chegar o termo de tão fastidioso e demorado procedimento na Causa da Beata Rita. No dia 6 de Abril de 1897 propunha-se à Sagrada Congregação a seguinte duvida: “Têm fundamento as virtudes da Beata Rita de Cássia, para, que se possa proceder ao exame dos milagres que aparecem operados por ela?” E a Sagrada Congregação responde afirmativamente: “Sim”. Sentença que foi confirmada pelo Sumo Pontífice Leão XIII.

Distribuídos os pontos do Processo, com a devida antecipação, entre os consultores e peritos para o exame, na Congregação preliminar, realizada a 27 de Junho, sob a presidência do Exmo. Relator da Causa Pro-Datario de Sua Santidade, foi amplamente discutida a questão dos milagres, assim como na sessão preparatória, celebrada no Vaticano no dia 9 de Janeiro de 1900, e ainda na geral, celebrada, na presença do Sumo Pontífice, no dia 27 de Março do mesmo ano, na qual se propôs a dúvida seguinte, em forma de pergunta: "De que milagres ha certeza, que tenham sido feitos pela Beata Rita, depois de sua Beatificação, para o objeto de que se trata?" Determinados os milagres e novamente aprovados, por graça especial do Santo Padre, propôs-se a questão seguinte: "Aprovados os milagres feitos pela Beata Rita de Cássia, pode-se com toda segurança proceder à sua canonização?" Todos os Exmos. Cardeais deram seu voto afirmativo e razoável, que Sua Santidade escutou com suma atenção, limitando-se a manifestar que a Causa da Beata Rita era "muito escolhida e nobilíssima", mas que antes de externar definitivamente seu juízo, reiterassem todos suas súplicas ao Senhor implorando as luzes do Espirito Santo.

Doze dias depois, a 8 de Abril, Domingo de palmas, o Sumo Pontífice, terminado o Santo Sacrifício da Missa, mandou chamar o Secretario da Sagrada. Congregação de Ritos e lhe incumbiu de ler publicamente e com as solenidade de costume o decreto, aprovando os três milagres para a canonização da Bem-aventurada Rita de Cássia. Fez também ler outras decretos aprovando os expedientes de beatificação de vários veneráveis mártires da China, Cochinchina e da Índia, assim como o da venerável serva de Deus, Maria Crescencia Acosse Depois da leitura, o Vigárïo de Jesus Cristo dirigiu aos presentes uma baila alocução para lhes demonstrar a alegria que experimentava na, exaltação de tantos servos de Deus à honra dos altares, e, de um modo especial a que sentia na aprovação dos decretos da Canonização da Bem-aventurada Rita de Cássia, ornamento da Ordem Agostiniana e parola preciosa da Umbria, torrão natal de São Bento e de São Francisco, e onde, durante muitos anos havia ele exercido o ministério pastoral. Por ultimo, exaltando as virtudes da Santa, manifestou sua confiança no maravilhoso perfume evolado de quando em vez do corpo venerando, perfume este, chamado prodigioso pelo Papa Urbano VIII, acrescentando Sua Santidade que, certamente alie se renovaria como feliz presságio de melhor futuro no novo século e no Nano Santo que então se celebrava.

A causa de Rita, ha tanto tempo esperada, chegava ao seu glorioso fim. Para maior honra da humilde religiosa, a quem o povo cristão já tratava de Santa, universal aclamação, a Igreja, consagrando agora solenemente o seu nome, confirmava a fé e firme esperança do mundo católico na poderosa Advogada dos Impossíveis.