CAPÍTULO XIII. PENAS E SOLEDADE DE RITA

Nunca as alegrias mundanas haviam ocupado o coração de Rita. A vida, até então, não havia sido para ela senão uma serie de adversidades. Ainda estava no período mais viçoso de sua existência, e encontrava-se só no mundo; sem pais, sem esposo e sem filhos. Nascer chorando, viver chorando e apurar o cálix amargo da tribulação, essa havia sido a vida de Rita. Que, pois, lhe restava no mundo? Nada a não ser penas e dores. Imóvel, como o viandante que em lugar solitário perde o caminho, já entrada a noite, Rita atribulada parou murando desnorteada para um e outro lado, com o fim de ver o caminho que devia empreender; mas só descobriu a cruz. Sempre fôra esta seu guia; porém, desde este momento a cruz havia de dirigir todos os seus atos para não perder o rumo que lhe traçava.

A contemplação daquele sinal adorável animava-a, e o Deus-Homem pregado nele de tal forma a encorajava, que as mais atrozes penas não foram bastantes para abater seu espírito; antes, à medida que a tribulação crescia, mais destemida e imperturbável se mostrava. Todos os biógrafos da Santa consignam que Rita derramou abundantes lagrimas quando seus pais resolveram casá-la; sofreu angustias de mote até conseguir abrandar o coração do esposo, e por este chorou inconsolavelmente quando, trilhando já o bom caminha, mãos pérfidas tiraram-lhe a vida; porém, na morte dos filhos queridos, os mesmos escritores nos asseguram, que Rita não derramou uma só lagrima.

Assim, por uma serie de provações, vinha o Senhor fortalecendo o coração daquela aflita mãe, consolando-a ao mesmo tempo com a promessa da felicidade dos filhos no céu e a esperança segura de que ali, livres de todo perigo, os encontraria um dia para nunca mais separar-se deles.

A vida do justo, no dizer dos Livros Santos, é semelhante ao sol que aparece no horizonte, e, levantando-se aos poucos, vai tudo iluminando, até chegar ao perfeito dia. Desde que Rita se viu sozinha no mundo, dizem os biógrafos que praticou ainda mais a penitência e a oração, fazenda vida de verdadeiro anacoreta. Livre dos cuidados da família, distribuía o tempo na contemplação dos divinos mistérios e em atender aos pobres, entregando-se a esta obra de caridade com tanto empenho que vivia esquecida de si mesma; sem pensar em preparar para si o frugal alimento que tomava. Visitar os doentes, socorrê-los quanto podia, e consolai-os, era sua ocupação ordenaria. Porém, a maior parte da tempo empregava-o na oração e praticas de penitência a que se entregava, fechada em sua própria casa, ou oculta na gruta doa rochedos que ficavam perto da mesma.

Rocca Porena está cheia de recordações desta Santa admirável. Lá se encontram a casa em que nasceu, hoje convertida em capela; o horto dos figos e das rosas maravilhosas; a casa em que morou depois de casada e a colina onde habitualmente se ocultava para orar. De todos estes lugares e acontecimentos a tradição conserva gratas recordações, e a lenda conta coisas curiosas, como as que vamos referir. Naquela coluna chamada Escolho de Santa, Rita mostram os moradores de Rocca Porena uma gruta na qual a Santa recolhia-se para orar, depois que ficou sozinha no mundo. A entrada encontra-se larga e tosca lage, e sobre ela duas cavidades bens formadas, que dizem ser onde Rita se ajoelhava. Diz-se também que na casa em que morou Rita, durante o tempo de sua viuvez, existe uma pequena luzerna ou clara mandada abrir pela Santa no tecto de sua habitação, para por ela ver o céu ; e referem que por essa abertura desciam os anjos a conversar com Rita, e que os donos da dita casa nunca puderam fechar a tal luzerna, pois, quantas vezes o intentaram, outras tantas tornou-se a abrir. Esta e outras tradições constam do Processo da Canonização da Santa.

Mas o que nos diz a historia, e prova com testemunhas, é que, além d.e sua muita oração, penitência e grande amor aos pobres, sua alimentação era escassa e muito frugal, passando muitos dias só a pão e água; que o seu vestido em todo tempo era grosseiro, de lã escura, ocupando no rigor do inverno um abrigo de toscas peles que por baixo do vestido cingia seu corpo com ásperos cilícios; que sua compaixão com os pobres a obrigava a procurar os meios necessários para socorrê-los, pois com maior liberdade que antes e sem os compromissos da família, empregava os poucos bens que possuía em estender sua misericórdia aos necessitados.

A propósito, conta-se que tendo ela encontrado certo dia de inverno um mendigo esfarrapado, meio nú, o agasalhou com o abrigo que levava.

Uma vida de tantas lagrimas e sacrifícios, e com o pensamento sempre em Deus, recordando a felicidade que reserva na glória aos mártires do sofrimento cristão, faziam-na suspirar por deixar logo este mundo. Considerava os perigos que nele havia, e pressentindo as doçuras do Paraíso suspirava reunir-se com os seus, pois que no mundo só encontrava sombras de morte e vestígios de muitas ofensas ao Senhor. Não obstante o caracter destemido de Rita, a palidez de seu rosto, seu olhar melancólico e às vezes vacilante, dilatavam nela o sofrimento, ansiar de melhor vida que, a não ser a paz do sepulcro, eram certamente desejos de servir a Deus em estado de menor perigo e de maior perfeição. Quando e de que modo se realizaria isto? Não sabia; porém, confiava em Jesus crucificado que a protegia.