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Temos visto, em capítulos anteriores, o grande amor de Rita, mesmo desde menina, à
pobreza, pois, não obstante o bom estado econômico de sua casa, vivia. com tanta
sobriedade que, sua alimentação era frugal e até escassa, com o fim de poder aumentar os
socorros aos pobres. Quanto ao vestido, já ficou dito, procurava o mais simples, fugindo
quanto podia dos vestidos novos, e vistosos com que sua mãe tratava de enfeitai-a. Temos
visto também, quando dona de casa, seu generoso desprendimento para com os pobres, aos
quais socorria segundo os meios de que dispunha. Quando viúva e sem filhos chegou a
desprender-se de todos os bens, segundo afirmam seus biógrafos - para desse modo ver-se
livre de cuidados, confiando na Providencia que nunca lhe havia de faltar.
Pois bem; este espirito de pobreza que Rita possuía no mundo, cresceu, desenvolveu-se
ainda mais durante os anos que habitou naquele pobre mosteiro até a morte. Naquela casa
santa tudo respirava pobreza, sendo suficiente acomodar-se à parcimônia da observantíssima
comunidade para cumprir perfeitamente com a preciosa virtude da pobreza. Mas Rita foi
além, porque os santos não ficam ordinariamente satisfeitos senão excedendo os limites
humanos e chegando até o heroísmo; de modo que nossa santa achava sempre modo de
diminuir aos poucos aquela mesma escassez da Comunidade, para multiplicar suas
mortificações e mais e mais crescer no mérito duma virtude alue é o fundamento da vida
religiosa. Não é que Rita, pelo menos aparentemente, fizesse alguma coisa que a
singularizasse entre suas Irmãs, senão que, devido ao seu espírito de penitência, enriquecia a
prática desta virtude nos pequenos detalhes a que se pode estender o valor da santa pobreza,
os quais, passando para muitos desapercebidos, serviam a Rita para se avantajar no
exercício de tão preciosa virtude, assim como no de outras muitas de inestimável valor.
Seu habito, embora não fosse diferente do que usavam as demais religiosas, era, limpo sim,
porém, o mais usado e pobre, e, segundo a tradição e atas do processo, parece que não usou
outro durante os quarenta e quatro anos que viveu no convento. Na cela, que ainda hoje se
conserva convertida em capela, tudo respirava pobreza. Era uma pequena habitação situada
na parte velha do antigo dormitório, que só recebia luz por uma pequena janela. A mobília,
reduzia-se a uma cruz, algumas estampas da Paixão de N. Senhor, e uma cama, formada por
algumas tábuas com uma esteira, mas no meio de tanta pobreza e escassez julgava-se feliz
porque não esquecia as dores e privações de Jesus crucificado, em cuja contemplação as
horas e dias pareciam-lhe momentos imperceptíveis.
Esquecida por completo das coisas do mundo, desprendida de todos os bens terrenos, seu
único patrimônio era Jesus crucificado; este desprendimento era tão grande que, instada às
vezes por suas Irmãs para que trocasse o habito, respondia: "Bem estou assim, irmãs
queridas; o que eu preciso mudar é o coração, inflamando-o no amor do desamparado Jesus,
pregado na cruz por meus pecados". Como acima indicamos, parece que só usou um único
habito, o mesmo que serviu de mortalha ao seu santo corpo depois que sua alma voou ao céu.
Enquanto a outras mortificações, sabemos que refreava o corpo com jejuns e abstinências,
observando não só as prescritas pela Regra, mas também outras mais rigorosas que
costumava multiplicar até onde a saúde e as forras lhe permitiam, seguindo em tudo o
conselho dos superiores e do confessor a cuja vontade plenamente se sujeitava. Jejuava
todos os anos três quaresmas completas, todas as vigílias, não só as de preceito, como
também muitas outras de devoção, e especialmente as da Santíssima Virgem e dos Santos
seus advogados particulares. Comia só uma vez por dia, e jamais bebia vinho. O absíntio, a
cinza e as lagrimas eram o condimento disfarçado de sua comida. Passava a maior parte do
anuo só a pão e água, e quando, diminuindo suas forças pelos anos, começou a faltar-lhe a
saúde, aumentou algo seu alimento. mas tão pouco que todos se admiravam como podia viver
assim.
Aquele seu amado caminho, no qual tão a gosto se achava, mais parecia um cárcere do que
morada de uma religiosa, pelo obscuro, úmido e falto do mais necessário. Nem se sabe se
nele havia um leito; o que de certo se sabe é que quando Rita, vencida pela fadiga, se via
obrigada a dar ao corpo algum descanso, deitava-se no chão, ou sobre uma tábua,
levantando-se à meia noite para castigar seu corpo com mais duros tormentos, com ásperos
cilícios e sangrentas disciplinas, que aplicava em sufrágio das almas do purgatório, das
quais era devotíssima. Durante o dia disciplinava-se mais duas vezes, uma pela conversão
dos pescadores, e outra pelos benfeitores da Comunidade e da Ordem. "Com tudo isto, diz o
P. Tardi, não se contentava se a todo momento não sentia em tormentos a carne inimiga e
rebelde: pelo que trazia sempre bem Aconchegado um cilicio composto de pungentes crinas,
além do que unha tecidos na parte interior da túnica alguns espinhos, que a feriam sempre
que tentava a andar. E entre esses espinhos e as outras asperezas da vida foi que a nossa
Bem-aventurada como o lírio místico dos Cânticos, se mantinha escondida, inacessível às
paixões, bem defendida, e cada vez mais cândida e bela, por que mais conforme estava com
o seu celeste Esposo, que também se coroou de espinhos.
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