CAPÍTULO XXX. DA CONSERVAÇÃO DO CORPO DE SANTA RITA E DO ADMIRÁVEL PERFUME QUE DELE SE DESPRENDE

Deus onipotente e misericordioso repetidas vezes havia anunciado pelos seus profetas nas Sagradas Escrituras o cuidado que teria em glorificar, mesmo neste mundo, os restos mortais dos seus santos: "Dormem, nos diz, os justos nos jazigos, e seus ossos germinarão como germina a erva do campo na primavera. Ainda que o pó entre nos sepulcros, seus corpos reviverão e florescerão como os lírios e como as arvores de verdes ramas. Porque nunca se afastaram do Senhor, seu nome será abençoado de geração em geração".

Estas consoladoras promessas do Senhor as vemos realizadas na respeitável veneração das relíquias dos Santos, fiéis cumpridores ,da lei divina sendo por ,fuso abençoada para sempre a lembrança neste mundo e veneradas suas relíquias. Eis porque causa admiração o modo como através do tempo o Senhor tem conservado a memória de Santa Rita, assim curro a integridade dos seus despojos mortais.

Quatro séculos são decorridos desde que a alma da bem aventurada Rita deixou de animar aquele corpo que foi participante de tantas fadigas; não obstante, o poder de Deus o conserva integro e flexível como se ainda nele estivesse o espirito daquela mulher admirável. Os prodígios operados desde aquela época pelo Senhor em favor desta serva fiel, são verdadeiramente extraordinários. Completamente incorrupto, conserva o copo da Santa o sinal do espinho com que o amante Jesus a coroou na testa, sinal que na hora da morte resplandeceu mais do que um rubi. Nunca foi embalsamado seu corpo, e jamais se deitou naquela câmara perfume algum, e não obstante de quando em vez o poder do Onipotente faz que dele se desprenda uma suave e admirável fragrância que a nenhuma coisa deste mundo é comparada.

Quando Santa Rita expirou, viu-se o seu corpo cercado duma luz celeste que iluminou toda a Gamara, como se nela houvesse penetrado a claridade do sol. Seu rosto tornou-se tranqüilo, como quem dorme um doce sono, conservando-se assim durante cento e setenta e um anos, sem a menor alteração. Em 21 de Maio de 1628, abriu os olhos e elevou-se pela primeira vez até a borda da urna em que se achava depositado. Desde essa data memorável continua com os olhos abertos, e às primeiras vésperas de sua festa até o dia seguinte, tem-se visto em alguns anos elevar-se até tocar num tecido de malhas que se achava colocado a bastante altura para impedir que alguém toque aquele corpo venerando.

Referem os biógrafos da Santa que essa elevação do corpo dava-se também de ordinário quando o Bispo da Diocese ou o Provincial dos Agostinianos visitavam oficialmente a Igreja e o mosteiro; assim o fez constar a Câmara Municipal de Cássia eira documento publico devidamente legalizado pelo tabelião Aleixo Martini e os atuários João Graciani e João B. Leonetti, moradores de Cássia, sendo testemunhas oculares Carlos Judice, Vice Governador; Rafael Citadoni, Arcipreste da Colegiata e Protonotário Apostólico: Dionísio Panfili, Vigário forâneo; Hortênsio Martini e Antônio Frenfarelli, cônegos da Colegiata; Querubim Bernardi, Capitão de couraceiros, e Ângelo Graciani, lugar Capitão de infantaria do distrito de Cássia [Escritura pública assinada em Cássia a 16 de Maio do ano 1682].

Mas o fato maravilhoso, que ininterruptamente repete-se até hoje, é o perfume que, como já dissemos, se desprende daquele santo corpo, perfume que a nenhum outro é comparado, e do qual somente pôde ter-se uma idéia ao entrar num jardim repleto de rosas de suave aroma. Numa palavra, é alio extraordinário que ultrapassa o sentido do olfato e toca os. sentidos da alma; chamam-no os escritores perfume do Paraíso, porque ele excede incomparavelmente a quanto de humano e terrestre possamos experimentar pelos sentidos, pois conforta a alma, e a move a devoção. Esta maravilhosa fragrância nota-se com alguma freqüência, porém, por pouco tempo, e espalha-se por toda a igreja e até pelo convento; às vezes se tem experimentado fora, nas ruas e nas casas vizinhas, porém, não o percebem todos, mas unicamente as pessoas a. quem a Santa quer fazer esta graça.

Tudo o que em resumo dissemos, e que por extenso tratam os escritores da Santa, tomamos quase literalmente dos Autos do Processo onde aparece também comprovado que, ao conceder o Senhor em países remotos alguma graça especial aos devotos de Santa Rita, ou quando vai dar-se algum acontecimento grave, ouve-se barulho dentro da urna que encerra o santo corpo, e percebe-se um perfume mais intenso e prolongado que de costume. Celebrava ali, missa, o Bispo de Espoleto, Mons. Bachetoni e à elevação da Sagrada Hóstia elevou-se a Santa meio corpo acima, voltando o rosto para o Santíssimo. Moveu-se também perante os delegados apostólicos, que lá haviam ido para verificarem este e outros prodígios; e, dizem que à morte do Papa Inocêncio XI, mudou a cor do rosto.

O mesmo P. Rabbi, confessor da Comunidade a que pertenceu a Bem-aventurada, refere que no seu tempo vieram de Sinigaglia a Cássia o Sr. André, doutor em medicina, e sua esposa Da. Violante, trazendo consigo um seu filho considerado como morto. Em estado desesperador, quando de nada serviam os remédios humanos, encomendaram-no à proteção de Santa Rita, que concedeu-lhe a vida. Os piedosos esposos, cheios de gratidão pela graça obtida, oraram com fervor aos pés daquele corpo santo, e aí deixaram, como lembrança, um exvoto de prata. Depor soube-se pelos mesmos pais do menino que, no mesmo dia em que se deu o milagre, sentiu-se em redor da urna e na igreja um perfume extraordinário, e persistente.

Aos muitos milagres e curas maravilhosas operados mediante o contato ao corpo da Santa, deveríamos acrescentar os obtidos com os objetos e coisas que estiveram junto aos seus mortais despojos. No ano de 1745 antes que o santa corpo fosse trasladado ao Lugar em que hoje se encontra, as religiosas tinham o costume de cobri-lo com um véu, que todos os anos o substituíam por outro novo. O velho, retalhado em pedacinhos era distribuído entre os fiéis para satisfazer à devoção destes. Os prodígios realizados por este meio tão simples são muitos e deles se têm ocupado os escritores, entre eles o P. Rabbi, de quem tomamos o seguinte. No dia 27 de Abril de 1652 incendiou-se a casa de João Polidoro, de Narni; já as chamas invadiam quase todo o edifício, quando Clara, sua mulher, lembrando-se que levava consigo um pedacinho do véu da Santa, o entregou a uma filha para que esta, desde o telhado imediato, o deitasse no meio do fogo. Porém, sendo difícil fazer chegar uma coisa tão leve até o centro do fogo, lembrou-se de embrulhar a relíquia num papel juntamente com uma pedrinha, e amarrando tudo com uma linha, deitou-o onde o fogo estava mais intenso. Foi o bastante para que este terminasse. Indo depois à Igreja de Santo Agostinho mãe e filha render graças pelo favor recebido, ali se encontraram com uma senhora amiga que havia proporcionado a Clara a relíquia; falando do caso, disse-lhe aquela: "Procurai entre a cinza a relíquia, pois deve estar intacto o instrumento do milagre." Assim o fez Clara; procurou-a entre os escombros, e a encontrou do mesmo modo como fôra lançada ao fogo. Deste fato aviou-se ata em 25 de maio do dito ano.

Tinham as religiosas o costume de colher raspas e pó da, caixa em que esteve depositado o corpo de Santa Rita até o ano de 1745, e igualmente de outras coisas que estiveram em contato mais ou menos próximo com o mesmo corpo. Por meio desse pó operou o Senhor maravilhas, entre as quais merece atenção a que refere o P. Rivarola. Achando-se a filha de um criado do cardeal Fachinetti, Bispo de Espoleto, com uma vista quase perdida e a outra em perigo de perder-se, os pais, confiando na proteção da Bem-aventurada Rita de Cássia deitaram-lhe nos olhos um pouco daquele pó, e no mesmo instante recuperou por completo a vista.

A mesma graça, e pelo mesmo meio, obteve Francisco Armili com admiração do quantos foram testemunhas do fato. Ambos os favorecidos foram a Cássia para tributarem a Deus suas homenagens e agradecer à Santa protetora.

Com o azeite da lâmpada que arde ante os despojos de Rita, também se tem dignado o Senhor fazer não poucos prodígios, como já dissemos no capitulo anterior.

Iguais e ainda maiores graças se conseguem com os pãezinhos que as religiosas distribuem entre os fiéis devotos no dia da festa de Santa Rita. Este costume, geralmente em prática em todos os conventos e casas da Ordem, na Itália, tem sua origem no seguinte: Para comemorar o aniversario da morte de Santa Rita quer em vida tão misericordiosa se mostrara sempre, as religiosas distribuíam, nesse dia, pães aos pobres, e os mais devotos da Santa guardavam parte daquele pão, que se conservava sempre fresco, e fazendo uso dele em suas doenças, muitas vezes encontravam alívio e até repentinas curas. Esta devoção espalhou-se de tal modo entre os fiéis, que resolveram as religiosas fazer esses pãezinhos aos milhares, para serem distribuídos entre os mesmos que, fazendo uso deles, pela graça do Senhor livraram-se de graves doenças, e de outros males, como tempestades, naufrágios, etc, etc, o que vemos comprovado pelas testemunhas dos Processos da Canonização da Santa.

Em resumo: os prodígios que o Senhor tem realizado pela intercessão da Santa, e os milagres operados são tantos e tão diversos, que nos Sumários do Processo da Canonização, para provar a fé do povo cristão no universal poder da incompáravel serva de Deus, cita-se, aprovado pela Sagrada Congregação de Ritos, o hino do Ofício com que a mesma Igreja a honrava. É este o hino:

Si Ritae signa quaeritis
Febres, luesque, vulnera,
Morbi dolores, doemones,
Grando procellae fugiunt.

Ceci vident, surdi audiunt,
Claudi eunt, mutus loquitur,
Prolem, qui petit, accipit,
Et reviviscunt mortui:

Non taerremotus officit
Nec flamma loedit fulminum.
Ignis, pericla, vincula,
Insidiaeque pereunt.

Admiremos, pois, mais uma vez, o poder, de Deus que tantas .maravilhas se tem dignado realizar pela intercessão de Santa. Rita, a quem podemos aplicar as palavras do Cântico: "Coisas verdadeiramente maravilhosas fez em mim, com o seu Santo Nome, o que é Todo Poderoso."