CAPÍTULO XII. RITA PERDOA SEUS INIMIGOS E VÊ MORRER SEUS DOIS FILHOS

A cruz do sofrimento foi, e sempre há de ser, para o cristão que a carrega resignado, o caminho reto para o céu: per angusta ad augusta. Por isso devíamos aceitar a cruz como um dom da divina misericórdia. Quando lemos com atenção a vida dos amantes da Cruz, sen- timo-nos humilhados, vendo a grandeza d'alma com que suportavam o cruel martírio a que os sujeitavam os inimigos, as torturas do .espirito nas noites de aridez, e outras muitas adversidades com que o Senhor os provava para que pudessem merecer o lugar que lhes reservava em seu reino. Deste modo a Providencia divina vinha preparando o caminho que devia trilhar nossa Santa. O sacrifício que fizera Rita aceitando o matrimonio por obedecer aos pais, as duras provas pelas quais a fez passar seu esposo, a perda dos pais, a ma, índole dos filhos, o trágico fim de Fernando, tantas amarguras, uma após outra, quase sem interrupção, sinais evidentes eram de que o Senhor chamava sua serva pelo rumo do Calvário.

Fernando, aquele marido cudo coração duro ela havia conseguido abrandar à força de lagrimas, trazendo-o à melhor vida, e que ultimamente amava-a como bom esposo, e com ela se esforçava cuidadoso pela felicidade dos filhos que o Senhor lhes concedera, acabava de morrer vítima da mais cruel vingança. Tão enorme desgraça deixou a triste viúva imersa na mais horrorosa desolação. Sem pais, sem esposo, via-se Rita sozinha no mundo para atender à educação dos filhos e às necessidades da vida. O presente submergia-a na dor, o futuro a intimidava, e sua condição de viúva aumentava as angústias de mãe. Os horrores daquela morte, que continuamente se apresentavam à sua memória, abatiam-na: ao lado da imagem da vítima, via sempre o fantasma do assassino. Embora magnânima e generosa, lutava consigo mesma horrivelmente; porém, discípula fidelíssima de Jesus crucificado, ouvia no seu interior uma voz que repetia as palavras do Mestre, pendente da cruz: Perdoa-aos, meu Pai, porque não sabem o que têm feito; e Rita, antepondo a tudo o exemplo do crucificado, não só perdoou aos assassinos, como orou também por eles, para que o Senhor não lhes tomasse em conta o crime cometido. Conserva-se a tradição, segundo fazem constar vários escritores, de que Rita, vendo em perigo a vida dos autores da morte de seu esposo, sobre os que o povo indignado queria por si mesmo fazer justiça, não só lhes concedeu o mais amplo perdão, como chegou a ocultá-los em sua própria casa, facilitando-lhes os meios para fugirem às pesquisas da justiça.

Mas ainda faltava muito para apurar o amargo cálix de seus sofrimentos. Apenas havia Rita conseguido, diz o P. Tardi, acalmar seu coração no tempestuoso mar doa seus pesares, quando novo e terrível furacão volta a descarregar sobre ela suas lufadas. Observa que começa a germinar em seus filhos o desejo de vingar a morte do pai de Rita, como boa mãe cristã, treme pela sorte dos filhos. Repreende-os com severidade, afeia-lhes suas palavras, pondera-lhes o criminoso de seus desejos e ameaça-os com castigos se não tratam de esquecer tão iníquos pensamentos. Ao mesmo tempo multiplica os cuidados para firmar no coração dos filhos o temor de Deus, e imprimir neles sentimentos generosos para perdoar as injurias. Aumenta suas súplicas ao Onipotente, e com todo fervor e lagrimas copiosas pede-lhe que não a desampare naquele novo perigo que a ameaça.

Mas passam-se os dias, e a santa mãe, com o coração angustiado, compreende que os filhos não abandonam os sentimentos de vingança. Torna amorosa a rogar-lhes, insta, afaga-os, chora para lhes persuadir o perdão. Faz considerações sobre as máximas eternas, os horrores do juízo e do inferno; falia-lhes do exemplo dos santos e principalmente de Jesus Cristo, que não se contentou em perdoar seus algozes, mas ainda implorou para eles a misericórdia divina; e, fazendo-lhes estas reflexões, a aflita mãe apertava-os nos braços com tanto amor como se de novo quisesse encerrá-los dentro do seio, para livrá-los do inferno que intentava arrebatar-lhos.

Tudo foi inútil: a mudança esperada não chegava: temendo perder os filhos para sempre, pelo caracter briguento e belicoso deles, com o coração penetrado da mais dilacerante dor e os olhos marejados de lagrimas, de joelhos diante de Jesus crucificado e com a abnegação mais sublime que se pôde imaginar na mãe, suplica-lhe que, ou mude a condição de seus filhos, fazendo-lhes esquecer os sentimentos de vingança, ou os leve deste mundo, antes de permitir que o ofendam. Nesta oração Rita chegou ao cume do heroísmo, pois sendo mãe tão amorosa, o temor de perdê-los para sempre se sobrepôs a qualquer outro sentimento humano.

Tal sacrifício, desconhecido para a maioria das mães cristãs, só tem precedentes naquelas heroinas do Cristianismo que entregavam seus filhos ao martírio, para, em troco de breves sofrimentos e momentânea separação, melhor assegurar-lhes a vida do céu e gozar depois com eles da glória eterna. Oh proeza do amor materno e da caridade de Deus! Só o Cristianismo pôde contar tão estupendos milagres da graça.

O Senhor misericordioso escutou as preces de Rita, e em menos de um ano morreram-lhe os dois filhos, antes que a malícia pervertesse seu entendimento, e os desejos de vingança se arraigassem no seu coração. Apesar de ter sido a súplica de Rita feita com uma abnegação sublimelugar inspirada pelo grande amor ao soberano Senhor de todo o criado, não pôde subtrair-se à dor dilacerante que em todas as mães produz a separação pela morte dos filhos, embora breve e com a esperança de juntar-se com eles depois de algum tempo. Coração delicado e amante como o de Rita não podia deixar de sentir toda a mágoa produzida pela perda dos dois filhos, mas ao mesmo tempo considerava como um grande favor do céu ter livrado os filhos da morte da alma. Por outro lado, a esperança de vê-los um dia na glória e gozar d.e sua companhia, consolava-a e dava-lhe forças para resistir a tão grande aflição rogando ao Senhor que aceitasse aquele sacrifício, que tanta admiração e assombro havia de causar às gerações futuras, e que fira unicamente feito por seu amor.