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A oração é a chave que abre os tesouros de todos os bens, assim celestes como terrenos.
Pedi e recebereis, nos diz o Senhor; buscai e achareis; chamai e abrir-se-vos-á. Já vimos
desde os primeiros capítulos Gesta historia, a ;inclinação particular que Rita, desde a sua
meninice, sentia pelo recolhimento e oração, assim como as industrias de que se servia para
adiantar-se em tão santo exercício, particularmente naquele ano de recolhimento que, menina
ainda, se impôs no cômodo mais afastado da casa, convertido em capela por seus piedosos
pais. Do fervor e assiduidade com que continuou este piedoso exercido da oração durante
sua vida de casada, e mais ainda no tempo de viuvez, nos faltam os biógrafos de Rita e o
confirma a tradição que, ainda hoje, venera a gruta daquele famoso monte, onde, depois de
perder o esposo e filhos, se recolhia freqüentemente a meditar as verdades eternas e pedir a
Deus o remédio às suas desgraças.
Sem duvida, grandes foram desde então .os progressos de Rita em tão santo exercício, e cujo
valor só Deus podia conhecer, porque a nós unicamente é dado como que adivinhar algo do
mérito da oração de Rita, pelos muitos e admiráveis prodígios com que o Senhor se
comprazia favorecer sua serva, como temos podido ver no que já fica escrito da vida desta
admirável mulher, e no que ainda nos resta por dizer. Contentemo-nos, por enquanto, com
referir alguns fatos isolados, deixando para mais adiante a relação mais completa destes
fatos miraculosos.
O P. Sicardo diz, que Rita por sua continua oração alcançou da divina misericórdia favores
e graças singulares, não só para si, como também para seu próximo, porque sua oração era
tão eficaz que conseguia de Deus quanto lhe pedia. Em confirmação desta verdade
referiremos. alguns sucedidos... "Achava-se em perigo de morte uma menina, filha única de
uma mulher de Cássia. A mãe vendo sua filha nesse estado desesperador e sem esperança
humana de salvação, correu aflita a falar com Rita, manifestando-lhe a dor que lhe ia na
alma, e o estado. de soledade em que ficaria se perdesse a. única filha que tinha: começou a
rogar-lhe que se apiedasse dela e intercedesse ao Senhor por sua filha. Ouviu-a com piedade
a Santa, e consolando-a com a esperança de que não morreria a filha disse-lhe que tivesse
grande fé, e assegurou-lhe que quando voltasse à sua casa encontraria sua filha salva da
terrível doença. Enquanto a mãe ia para casa, Rita pôs-se em oração e, com efeito, chegando
a mulher à casa encontrou a filha sem vestígio algum da doença".
Em outra ocasião, segundo refere o mesmo P. Sicardo, levaram à presença de Rita uma
mulher que desde muitos anos era perseguida de malignas obsessões. Orou Rita por aquela
infeliz, e fazendo sobre ela o sinal da cruz, no mesmo instante foi libertada do espirito
maligno.
Era tão grande o predomínio da Santa sobre o infernal inimigo mediante a oração que, para
desviá-la do santo exercício, tentava espantá-la, ora com gritos horrorosos, ora com
sombrias aparições mas a invicta heroína a despeito de tudo isso permanecia imóvel na
oração, e com a oração triunfava de todas as tempestades do abismo.
Aprofundando mais um pouco rios segredos misteriosos da oração da Santa e no modo
maravilhoso como se aplicava a este exercido, diremos com o P. Tardi, o mais grave
historiador da vida da Santa: A oração de Rita, depois de abraçar o estado religioso,
ocupava a parte mais profunda da noite, a mais doce da manhã; a mais belfa do dia; ou para
dizei-o com brevidade, ocupava toda a sua vida, porque ela já não sabia apartar-se um
momento da presença do seu Bem incriado.
Entre os assumptos de suas meditações, um porém, mais do que todos, diz o mesmo P. Tardi,
ocupava a contemplativa Rita, e era o da paixão de N. S. Jesus. Cristo. Esta particular
devoção parece que a herdou de seus pais, e que sobre ela assentara os fundamentos da sua
santidade. Desde menina se habituara a. endereçar-lhes os seus pensamentos, afetos e
lagrimas; e ainda se recordará. o leitor como Rita naquela tenra idade se fechava no seu
quartinho, e como ali meditava os dolorosos mistérios, que se representavam nas imagens
afixadas às paredes, e que ainda melhor tinha ela gravados no coração. Os sentidos também
queriam a sua parte para melhor servirem à piedade da alma; e este é o motivo porque na
celta do seu mosteiro ela renovou e sempre teve ante os olhos alguma sensível representação
dos passos, do seu querido Jesus. Para tal fim assinalara dois lugares distintos. Em uma
parte do seu pobre aposento tinha feito a figura de um montezinho, e neste, fitando a olhar,
recordava o monte Calvário com todos os martírios que nele sofreu o Salvador do mundo;
considerava aí com suspiros e gemidos a chegada do seu divino Esposo sucumbindo sob o
enorme peso dos tormentos, da cruz e de todos os pecados do homem; meditava entre
prantos, como foi ele despojado das suas vestes e depois crucificado com duros cravos;
contemplava com a mais viva compaixão a crueldade daquelas marteladas que lhe rasgaram
os pés e as mãos, e todo o resto daqueles inexplicáveis martírios.
Em outro canto da mesma celta tinha feito uma figura do Santo Sepulcro e meditava, com a
vivacidade da sua fé, como ali foram depositados os adoráveis despojos do seu amor; como
por tres dias lá ficaram sepultados; como o espirito desceu a consolar os Santos Padres no
obscuro seio de Abraão, e como depois ressuscitou o Redentor, triunfante e glorioso. Em tais
meditações a Bem-aventurada assentava-se solitária, como dissera Jeremias; e naquele
silêncio, naqueles amorosos solilóquios, naquele isolado comércio com Deus achava-se toda
superior às paixões, à natureza, a si mesma; antes de tal sorte se exalçava na contemplação
dos divinos mistérios que não raro ficava fora dos sentidos e enlevada em suave; êxtases,
sendo que, entre outras, uma ver tal foi a violência do seu arroubo que chegaram as
companheiras a dá-la por morta.
Para concluirmos este capitula, outrossim podemos recordar aquelas inflamadas orações que
muito amiúde fazia ante o altar do seu Jesus sacramentado e as imagens de sua Mãe
Santíssima; posto o local não fosse aquilo que mais interessava à sua devoção, porque a todo
momento e em qualquer parte ela achava Jesus e Maria e mil objetos para sua interminável
piedade.
Não ha doença humana que não encontra alívio nos mistérios da Cruz. Os servos de Deus
que mais se distinguiram na contemplação dos trabalhos do Redentor, não só sofriam com
valor as mais duras provas a que o Senhor os sujeitava, senão que nos seus delíquios,
excessos de amor, ainda pediam maiores sofrimentos. "Padecer ou morrer", costumavam
dizer; "Padecer e ser por ti desprezados, meu Deus". E a magnânima Rita exclamava: "Oh!
meu Deus e Senhor crucificado!; se Vós sofrestes tanto, e sem culpa alguma, só por amor ao
homem... por que não quereis que eu, vossa indigna serva, que fui causa dos vossos
tormentos, tome parte em vossa Paixão?. E quando o Senhor misericordioso
condescendência alguma vez às súplicas dos Santos, como aconteceu à insigne Rita, segundo
veremos no capitulo seguinte, de tal modo aumentava também suas doçuras que não podendo
suportar, como Santa Clara de Montefalco, o inefável gozo com que o Senhor os regalava,
costumavam dizer, como dizia esta insigne agostiniana: Não tanto, Senhor, não tanto! Chega,
chega porque minha alma desfalece debaixo do peso de tanta glória." O mesmo aconteceu a
Rita entre as agudíssimas dores dos últimos anos e à tristeza causada pelo isolamento
forçado a que se viu obrigada, pelo que logo diremos; mas sempre tranqüila, afável e meiga,
sua vida passava sossegada como as águas do manso corregozinho que deslizam, correm
mansamente na esplanada beijando e afagando as flores que encontram em seu percurso.
Assim premia o Senhor, mesmo nesta vida, aos que com fervor se aplicam a meditar as dores
de sua paixão.
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