|
O culto que se vinha tributando à Bem-aventurada Rita ia ser solenemente autorizado pela
Igreja. Governava-a então o Papa Urbano VIII, que fora Bispo de Espoleto, e em suas
freqüentes visitas a Cássia, tinha tido ocasião de admirar os muitos prodígios que o Senhor
operava pela intercessão de sua serva Rita; por isso, desde que foi elevado ao Sumo
Pontificado, manifestou brandes desejos de inscrever a insigne Rita no catalogo dos santos.
Para este fim dispôs que, pela Sagrada Congregação de Ritos se procedesse à jurídica
informação sobre a vida, e milagres da admirável religiosa, sendo comissionado para formar
o processo Mons. Castrucci, Bispo então de Espoleto, a cuja jurisdição eclesiástica
pertencia a cidade de Cássia. Recebeu as instruções da Sagrada Congregação em 14 de
Outubro do ano 1626, e dois dias depois ficou constituído o tribunal que havia de atuar na
causa, na forma seguinte: Juiz Comissário, Mons. Colangeli, Protonotário Apostólico;
Notários Antonio Raimondi e Francisco Venanci, de Cássia; Procuradores, pelas religiosas
Agostinianas, o Dr. Venancio Panfili, de dita cidade; pelos religiosos .da mesma Ordem, o
Agostiniano P. Simonetti e o dominicano P. João Batista, e pela cidade de Cássia João
Citadoni e Leonardo Gregoretti.
Cerca de seis meses durou o processo. e uma vez terminado foi remetido à Sagrada
Congregação, declarando esta, que as virtudes e milagres de Rita eram ainda maiores do que
a fama publicava, e aprovando-o, os Eminentíssimos Cardeais deram conta disto ao Sumo
Pontífice, o qual, de acordo com a Sagrada Congregação, não só aprovou o Processo, como
confirmou o culto particular com que o clero e fiéis até então honravam a memória da Bem-
aventurada Rita; além disto ao requerimento feito pela Comunidade das Agostinianas de
Cássia concedeu, com data 2 de Outubro de 1627, a licença de rezar o oficio e missa em
toda a Ordem de Santo Agostinho e na Diocese de Espoleto, determinando o dito Soberano
Pontífice o dia 16 de Julho de 1628 para a cerimonia da solene beatificação. Clemente XIII
confirmou seu culto em 13 de Agosto de 1737.
Grande foi a alegria de todos pela solene aprovação d.o culto da veneranda Rita, que tantas
maravilhas fizera em favor dos seus devotos. Cássia, sobre tudo, onde a Bem-aventurada
havia passado a maior parte de sua vida, e que possuía o tesouro de seu corpo, não sabia
como manifestar sua alegria, e desde lago deliberou que, a solenidade dos cultos fosse tal
que em parte alguma fossem avantajados. Foi o dia 22 de Maio o designado para a
celebração destas cerimonias, data memorável para a cidade de Cássia e seus limítrofes,
pois lembrava-lhes aquela em que Rita deixara a mansão da terra entre lagrimas e suspiros
de todo o povo que repetia: "Morreu nossa mãe, nossa conselheira, nosso consolo, nosso
apoio". Agora outro povo mais numeroso chegava de toda parte para festejar a venerável
Rita de Cássia.
No dia 21 de Maio de 1627, Cássia, ornada luxuosamente, era insuficiente para conter os
devotos que, vindos de outros lugares, discorriam pelas ruas e praças da cidade. Imensa
alegria dominava aqueda multidão. Os sinos das igrejas repicavam festivamente anunciando
ao povo o inicio das solenes festas. As autoridades civis e eclesiásticas, o clero e fiéis
disputavam sobre a parta que cada um havia de tomar nos solenes cultos. A igreja das
religiosas, em que iam celebrar-se esses cultos, estava enfeitada com regia munificência,
ostentando dentro e fora grandes cortinados de seda. Belos estandartes e dez quadros,
pintados a óleo, representando os milagres mais insignes, completavam a ornamentação do
templo.
Mais de quinze mil pessoas de fora de Cássia haviam-se reunido nesta cidade e se dirigiam à
igreja das Madalenas. A Comunidade dos Agostinianos de Cássia se havia aumentado com a
chegada de outros religiosos da Ordem, vindos de diversos lugares para tomar parte
naquelas solenidade e honrar à santa irmã.
Mas o demônio, invejoso de tanta glória, tratou de tirar o brilho aos festejos, semeando a
discórdia. Chegada a hora das vésperas, e reunidos na sacristia o claro secular e regular,
teve aquele a preterição de oficiar, ele só, na celebração dos cultos. Os agostinianos
opuseram-se a tão singular pretensão, alegando que a igreja era agostiniana, como também o
era a bem-aventurada, e com estas disputas e porfias azedaram-se os ânimos de tal modo que
ninguém se entendia.
As boas religiosas, assustadas, e vendo que nem as súplicas nem as lágrimas conseguiam
acalmar os unimos dos contendores, tiveram a bôa lembrança de encomendarem este
assumpto à santa irmã rogando-lhe que pacificasse aquela desordem. Não foi preciso mais: o
santo corpo moveu-se dentro da urna, como se quisesse endireitar-se, e ao mesmo tempo
abriu os olhos. As religiosas, observando isto, cheias de alegria, emocionadas pilo fato,
correram a bater o sino, gritando: Milagre! Milagre! De fato: o clero, as autoridades e o
povo puderam certificar-se de que o corpo daquela, que havia sacrificado sua vida pela paz,
movera-se, e os. olhos, que desde a morte estavam fechados, abriram-se com grande
assombro de todos.
A urna que encerrava o corpo da Santa estava fechada com três chaves, e não consta que as
religiosas tivessem nenhuma. Através do vidro via-se que a Santa estava com os olhos
abertos, mas natural e docemente, e que a metade superior do corpo estava levantada,
suspensa no ar, como se por baixo da cabeça se tivesse colocado uma almofada. As
autoridades, o clero e os religiosos tinham já observado a posição anterior do corpo, e por
isso o milagre era evidente. Depois disto ninguém mais pensou em discussões, acalmados os
ânimos, tudo se arranjou pacificamente, cedendo com gosto os agostinianos o seu direito de
tomar parte ativa na celebração daqueles primeiros cultas. Cantaram-se, pois, as vésperas
pelo clero, com assistência dos religiosos, levando cada uma das comunidades um círio
enfeitado com moedas de prata para oferecê-lo a Santa Rita. Depois ordenou-se a procissão,
na qual tomaram parte numerosas Irmandades e muitos anjinhos que acompanhavam o
estandarte da Santa; seguia uma grande multidão de devo tos com tochas acesas; depois todo
o povo, e por ultimo, fechando o cortejo, o Governador e Magistrados de Cássia, além de
outras autoridades da cidade e lugares vizinhos.
Ao anoitecer, imensa multidão enchia as praças e ruas de Cássia. Todos os prédios estavam
enfeitados com tapeçarias, damascos e lanternas de diversas côres.
Sobre o cume da montanha ardiam grandes fogueiras queimaram-se fogos de artificio, que,
com o alegre repicar de todos os sinos, anunciando a festividade do dia seguinte, davam a
Cássia um aspecto verdadeiramente fantástico.
Desde o romper do dia 22, a igreja das Madalenas achava-se repleta de fiéis devotos que
vinham visitar o corpo da Santa e oferecer-lhe seus votos e orações. Chegada a hora,
cantou-se com grande solenidade a Missa, assistida por todas as autoridades. À tarde
cantaram-se tombem segundas vésperas, oficiando os Padres Agostinianos, com assistência
de todo o clero e autoridades, como na solenidade da vésperas. Em resumo: toda as
cerimonias do culta foram soleníssimas, e o entusiasmo e alegria do povo indescritível,
admirando todos o poder de Deus que tão bondoso se mostrava em engrandecer os méritos
de sua serva, que tanto empenho fez durante a vida em servi-lo, e cujos primeiros cultos ia
agora coroar com dois novos prodígios, que passamos a referir.
Não haviam terminado ainda as solenidades religiosas, e o Senhor misericordioso, para
inspirar maior confiança aos devotos da Santa, e como brilhante corôa daquelas festas, quis
realizar nesse mesmo dia dois milagres. Entre a numerosa afluência de romeiros achavam-se
duas nobilíssimas damas, uma de Espoleto, e outra de Sinigaglia. Sofriam ambas dores tão
graves na cabeça que, às vezes, tinham extravagancias e manias tão raras que pareciam
possessas do demônio. Naqueles dias da celebração das !estas de Santa Rita, tanto as
doentes como suas familiar não deixavam de implorar a proteção da Santa, e o Senhor
escutou as súplicas das infelizes mulheres, pois repentinamente, uma após outra, ficaram
curadas, sem que no futuro sentissem o menor sintoma de perturbação; e como nessa ocasião,
do santo corpo de Rita saísse um perfume agradabilíssimo, que se espalhava por todos os
cantos do templo, as lagrimas de alegria e as aclamações encheram, a todos de entusiasmo
Todos estes dados e pormenores constam na parte historial do Processo, sobre tudo no
Sumário XXIV, e tem sido celebrados pelos escritores e até cantados pelos poetas, como o
P. Cotta.
O dia 16 de Julho, como já indicamos, foi o designado para celebrar em Roma as festas da
Bem-aventurada Rita de Cássia. Escolheu-se para estas solenidade a beba igreja de Santo
Agostinho, onde, em presença de vinte e dois Cardeais e grande número de Prelados e altos
dignitários da Corte pontifícia, procedeu-se à leitura do Decreto do Vigário de Jesus Cristo,
e praticaram-se com extraordinária solenidade as demais cerimoniai de ritual.
Para a referida cerimonia e cultos dos dias seguintes, que foram os mais brilhantes, foi
enfeitado o templo com magnificência e esplendor. Desde o dia da leitura do Decreto
Pontifício, o povo de Roma, em romaria contínua, invadia as naves do grandioso templo para
tributar à Bem-aventurada Rita de Cássia as homenagens de sua devoção. Os gastos das
deferidas festas correram por conta das famílias mais salientes da nobreza, romana,
principalmente da famosa casa dos Barberinis.
|
|