CAPÍTULO IV. O MILAGRE DAS ABELHAS

Terminadas as cerimonias do batismo voltaram a Rocca Porena a madrinha e a pequena comitiva que levou a menina Rita a Cássia; e, entretanto, os pais e parentes festejavam como de costume o ato solene do batismo, a inocente menina, fatigada com os incômodos da viagem e continuas caricias que de todos recebia, adormeceu num placidíssimo sono. Passou a noite tranqüila, e ao amanhecer do dia seguinte, quinto de seu nascimento, ó prodígio! Um enxame de abelhas brancas apareceu de improviso revoltando em roda do berço, e, como que brincando em torno daquele rosto angelical, pareciam querer pousar sobre os lábios entreabertos da menina, como se intentassem fabricar dentro deles rico favo de mel. Todos os escritores da vida de Santa Rita estão acordes em referir este fato prodigioso, e os juízes da Causa de sua Canonização o consideram admirável.

Grande foi a admiração que causou este extraordinário acontecimento em todos os que ali se achavam, porém, de um modo especial impressionou o coração de Amada, já comovida pelas maravilhas que precederam o parto. Certo que o sucesso não era novidade na Igreja da :Deus, pois de Santo Ambrósio, de S. João Chrisóstomo e de algum outro Santo se contam fatos semelhantes, mas nem assim o prodígio realizado com a menina Rita deixa de ser maravilhoso. E se naqueles santos o sucesso foi considerado pela Igreja como prestigio de especialistas virtudes com que haviam de ser enriquecidos; como augúrio feliz de uma vida santa, admirável, foi considerado o não menos portentoso realizado em torno do berço de Rita, para que os homens, movidos pelo extraordinário acontecimento, começassem a honrar aquela criatura e se preparassem para pôr em prática os exemplos que dentro em pouco dar-lhes-ia, imitando-a no exercício das mais heróicas virtudes, que mais tarde ela havia de praticar.

O prodígio das abelhas brancas, que apareceram para festejar o nascimento de Rita, não deve confundir-se com aquele outro também das abelhas que apareceram em sua morte sobre o sepulcro e a cela que em vida ocupou a santa, milagre não menos maravilhoso que o primeiro, pois, se em roda do berço de Rita só uma vez foram vistas aquelas abelhas brancas, estas outras aparecem todos os anos por ocasião da Semana Santa, quando a Igreja comemora os mistérios da Paixão de nosso divino Redentor, retirando-se aos seus esconderijos lá pelos dias do aniversário da morte de Santa, Rita. Assim o referem vários escritores, entre eles o diligente e consciencioso historiador Jacobilli, em cujas obras sopre a Úmbria conta, que remetida uma destas abelhas ao Papa Urbano VII numa caixinha de cristal, quando a tiraram para ser examinada levantou o vôo parecendo indicar pela direção, que voltava à Cássia a unir-se com suas companheiras [Processo, fls. 680-83.].

Ali é fácil ver ainda hoje estas abelhas, conhecidas por abelhas da Santa, num muro antigo do mosteiro, justamente no ponto meio entre a cena que ocupou Rita e o lugar onde foi sepultada. Quantas vezes o dito muro é rebocado, outras tantas estas misteriosas abelhas fabricam sua morada no mesmo lugar, sem que seja possível afastá-las de lá, mostrando-se assim amigas inseparáveis de Rita. O número de abelhas é atualmente muito reduzido, doze ou quinze; porém a sua ininterrupta permanência, sua aparição anual nos dias da Semana Santa, para voltar a seu retiro pelos dias do aniversário da morte de Rita, sinais extraordinários são e prova do muito que o Senhor tem querido exaltar os méritos de sua serva Rita.

Em nossa visita ao Convento das MM. Agostinianas de Cassia, ocorrida aos 16 de Setembro de 1930, acrescenta o tradutor desta obra, tivemos occasião de apreciar e ver o lugar em que se ocultam estas misteriosas abelhas, que ainda hoje têm sua morada no muro a que se refere o autor.

Mas voltando à nossa narração e parando a atenção sobre o bando de brancas abelhas que como brincando apareceram em roda do berço de Rita, após o seu batismo; que podia significar aquele entrar e sair das abelhas na boca da menina; aquele manso girar ao redor do. seu rosto, como se temessem perturbar o seu sono; aquele pousar sobre os lábios entreabertos, como sobre o calix de cheirosa flor, senão a grande doçura e mansidão de sua alma, com que mais tarde havia de ganhar para Deus tantos corações, como o grande Doutor Santo Ambrósio os ganhou com a eloquência de sua melíflua palavra? Sem dúvida a presença daquelas abelhas era presságio da inocência de sua alma, da brandura de seu caracter e da meiguice de suas palavras com que abrandaria os mais duros corações e os consolaria em suas penas.

Gomo a aurora é mensageira das alegrias do dia que se aproxima, também o prodígio que acompanhou o nascimento de Rita foi venturoso sinal que anunciava as maravilhas que o Senhor havia de fazer brilhar em sua serva.

Apenas havia nascido, diz o P. Fontana, já o Senhor com mão divina começou a pincelar sobre seu rosto toques suavíssimos de luz que, aformoseando-a aos poucos, cada dia a faziam aparecer mais bela, dando a entender a alteza de perfeição e santidade a que havia de chegar. Aquele enxame de abelhas brancas, até então desconhecido, querendo como que a porfia apoderar-se de sua boca e lábios, era uma maravilha nunca vista. Porém a maravilha cessará, continua o P. Fontana, desde o momento em que consideremos a Rita como lírio puríssimo escolhido por Deus para derramar sobre seu cálix o orvalho de suas misericórdias.