CAPÍTULO XX. AMOR A DEUS E CARIDADE COM O PRÓXIMO

É a caridade a mais divina entre todas as virtudes. Como o sol que tudo ilumina e a todas as coisas presta calor e vida, assim a caridade ilumina todas as outras virtudes dando-lhes luz, calor e movimento. É a virtude por excelência e a mais sublime participação da santidade de Deus, que é caridade; por isso quem permanece em caridade, em Deus permanece e Deus nele. É uma virtude infusa e um dom do Espirito Santo que, a modo de fogo, penetra em nossos corações e nos faz amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a nós mesmos por amor de Deus.

Querendo agora particularizar em que grão de perfeição possuía nossa Santa esta sublime virtude, e com quanta perfeição cumpriu o primeiro e o maior preceito do amor de Deus e do próximo, quer-nos parecer acharmo-nos diante de complicado labirinto impossível de percorrer, sem ter uma luz especial do céu, todas as suas voltas e derivações. Porque se relembrarmos sua vida no mundo, veremos que Rita foi, até o dia de seu matrimonio, modelo de recolhimento, de modéstia e obediência; se pararmos a consideração na vida de casada e de viúva, descobriremos nela o protótipo da mulher forte, verdadeira mártir da dor e da generosidade no perdão dos inimigos; e se a contemplarmos no claustro, a veremos qual solicita abelha. colhendo o perfume mais suave e delicado das flores das virtudes, ou abstraída na contemplação dos mistérios da cruz; porém, tanto no mundo como no claustro, buscando a toda hora a solidão para dar expansão aos ímpetos do amor divino com que o Senhor se aprazia encher-lhe o coração. Se tivéssemos de numerar, mesmo de leve, todas as provas da caridade ardente de Rita para com Deus e o próximo, seria preciso examinar a vida toda da Santa, porque toda ela outra coisa não foi senão um perpetuo e prolongado holocausto em ara do amor de Deus.

De sua fé e esperança no Senhor não julgamos necessário acrescentar coisa alguma ao que ficou consignado rios capítulos anteriores; com admiração tensos visto quão inabalável era a sua fé, pela qual confiava a Deus toda a sorte de empresas, não sendo menor a, esperança que em seu espirito tanto mais se avivava, quanto maiores eram as dificuldades que se lhe apresentavam à realização dos seus intentos. "Deixemos, pois, diz, o P. Tardi, que os promotores da Canonização exaltem na vida d.e Rita os rasgos que provam a heroicidade da sua fé e da sua esperança, que a nós basta um resumo daquela virtude que supõe, compreende e informa as outras duas virtudes".

O amor ardente que Rita consagrava ao Senhor se nos manifesta desde sua meninice na piedosa solicitude que punha no cumprimento dos deveres cristãos; nos múltiplos e variados atos de piedade e devoção que ocuparam sua mocidade, sua vida de matrimonio e durante o tempo de sua viuvez; atos estes que continuou a praticar durante sua vida de religiosa com tanta alegria, que os mais penosos atos da vida do convento pareciam-lhe peso levíssimo, pelo grande amor de Deus que, em seu coração, constantemente ardia.

Às asperezas da vida religiosa acrescentou outros exercícios penosos de superrogação para desafogo de sua ardente piedade. Era, como já temos dito, a primeira a levantar-se do leito, à meia noite, a primeira na oração, no côro, nas instrucções, nas penitências, nas obras de misericórdia, na obediência e em todos os misteres da comunidade, que tanto mais gratos se lhe tornavam quanto mas vis se deparavam.

Depois disto não deverá causar-nos admiração o cuidado especial que punha nas coisas mais pequenas, temendo que nelas pudesse misturar-se alguma imperfeição: è porque só o nome de ofensa de Deus a horrorizava, procurou viver sempre sujeita à vontade dos superiores e do confessor. Podemos afirmar que a vida da, insigne religiosa se resume no modo admirável com que praticou o preceito da caridade, no qual se encerra a observância de toda a lei. Podemos, pois, dizer que Rita viveu sempre vida divina, segundo aquelas palavras do Senhor: "O que me ama cumpre meus mandamentos e faz minha vontade, e eu ama-lo-ei e me manifestarei a mim mesmo".

A caridade de Rita se nos manifesta ainda no zelo pela conversão dos pecadores. Amargurava-se ao pensar que pudera perder-se o valor do sangue preciosíssimo de Jesus, tão generosamente derramado nos dias de sua sacratíssima paixão. Temos visto que, pela conversão dos pecadores oferecia todos os dias uma das cruentas disciplinas e o mérito de manas comunhões, e deste modo conseguia do Senhor quanto lhe pedia.

"Entre diversas obras suas de caridade, diz o P. Tardi, acha-se escrito que, tendo sido ela informada de uma indigna e arraigada ligação existente entre duas pessoas, com. publico escândalo daquela terra, chorou, e não receou a cometer uma empresa que para outros seria inexeqüível, - a de separar os dois pescadores, e induzi-los ao arrependimento. Demasiadas provas obtivera Rita da divina Bondade para não duvidai do desejado sucesso do seu tentame; e assim, depois de recorrer à eficácia da oração e das penitencias que todos os dias repetia e unia aos padecimentos de Jesus Cristo para a correção dos pescadores, mandou chamar um após outro, os dois escandalosos amantes, e tanto, e com tão boas maneiras, soube insinuar-se, admoestar e insistir, que teve a consolação de vê-los derramar lagrimas de compunção, fazendo eles em seguida constante penitência dos seus passados erros."

E não deve causar-nos admiração que tão cuidadosa fosse do bem das almas, quem, para remediar males, não só da alma, como também do corpo, tanto fez desde menina, instruindo às jovens de sua idade na piedade cristã e induzindo-as a desagravarem a Deus das ofensas que constantemente recebe dos mãos cristãos. Não esqueçamos o cuidado com que atendia aos seus doentes para que não lhes faltassem os auxílios da religião, com que a Igreja encaminha as almas para o céu; como os animava a suportar por amor a Jesus as trabalhos da doença; como procurava com palavras consoladoras levantar o pensamento dos moribundos ao céu, onde o pobre resignado alcançará a recompensa de suas privações; e se o triste desenlace era iminente, Rita não abandonava os seus doentes até recolher o ultimo suspiro, para, com suas orações, enviai-os ao seio da divina misericórdia. Por isso foi tão amada de Deus e dos homens; por isso os doentes consideravam uma verdadeira felicidade ter Rita perto de si; por isso, finalmente, a maior parte das religiosas que morreram no convento, durante quarenta e quatro anos, julgaram-se felizes por expirar nos braços de Rita. Ela foi generosa sem medida, suportando os trabalhos com invicta paciência, e sofrendo penas mais amargas que a mesma morte, por amor a Deus e ao próximo. Por isso mereceu que o Senhor enamorado das belas qualidades de sua esposa, a honrasse tanto nesta vida, continuando a honrai-a depois de seu transito ao Paraíso, segundo veremos no que ainda resta por referir desta serva de Deus.