CAPÍTULO XXXI. O VIGÁRIO DE JESUS CRISTO DECRETA SEJAM CONCEDIDAS A RITA AS HONRAS DOS BEM-AVENTURADOS

O culto que se vinha tributando à Bem-aventurada Rita ia ser solenemente autorizado pela Igreja. Governava-a então o Papa Urbano VIII, que fora Bispo de Espoleto, e em suas freqüentes visitas a Cássia, tinha tido ocasião de admirar os muitos prodígios que o Senhor operava pela intercessão de sua serva Rita; por isso, desde que foi elevado ao Sumo Pontificado, manifestou brandes desejos de inscrever a insigne Rita no catalogo dos santos. Para este fim dispôs que, pela Sagrada Congregação de Ritos se procedesse à jurídica informação sobre a vida, e milagres da admirável religiosa, sendo comissionado para formar o processo Mons. Castrucci, Bispo então de Espoleto, a cuja jurisdição eclesiástica pertencia a cidade de Cássia. Recebeu as instruções da Sagrada Congregação em 14 de Outubro do ano 1626, e dois dias depois ficou constituído o tribunal que havia de atuar na causa, na forma seguinte: Juiz Comissário, Mons. Colangeli, Protonotário Apostólico; Notários Antonio Raimondi e Francisco Venanci, de Cássia; Procuradores, pelas religiosas Agostinianas, o Dr. Venancio Panfili, de dita cidade; pelos religiosos .da mesma Ordem, o Agostiniano P. Simonetti e o dominicano P. João Batista, e pela cidade de Cássia João Citadoni e Leonardo Gregoretti.

Cerca de seis meses durou o processo. e uma vez terminado foi remetido à Sagrada Congregação, declarando esta, que as virtudes e milagres de Rita eram ainda maiores do que a fama publicava, e aprovando-o, os Eminentíssimos Cardeais deram conta disto ao Sumo Pontífice, o qual, de acordo com a Sagrada Congregação, não só aprovou o Processo, como confirmou o culto particular com que o clero e fiéis até então honravam a memória da Bem- aventurada Rita; além disto ao requerimento feito pela Comunidade das Agostinianas de Cássia concedeu, com data 2 de Outubro de 1627, a licença de rezar o oficio e missa em toda a Ordem de Santo Agostinho e na Diocese de Espoleto, determinando o dito Soberano Pontífice o dia 16 de Julho de 1628 para a cerimonia da solene beatificação. Clemente XIII confirmou seu culto em 13 de Agosto de 1737.

Grande foi a alegria de todos pela solene aprovação d.o culto da veneranda Rita, que tantas maravilhas fizera em favor dos seus devotos. Cássia, sobre tudo, onde a Bem-aventurada havia passado a maior parte de sua vida, e que possuía o tesouro de seu corpo, não sabia como manifestar sua alegria, e desde lago deliberou que, a solenidade dos cultos fosse tal que em parte alguma fossem avantajados. Foi o dia 22 de Maio o designado para a celebração destas cerimonias, data memorável para a cidade de Cássia e seus limítrofes, pois lembrava-lhes aquela em que Rita deixara a mansão da terra entre lagrimas e suspiros de todo o povo que repetia: "Morreu nossa mãe, nossa conselheira, nosso consolo, nosso apoio". Agora outro povo mais numeroso chegava de toda parte para festejar a venerável Rita de Cássia.

No dia 21 de Maio de 1627, Cássia, ornada luxuosamente, era insuficiente para conter os devotos que, vindos de outros lugares, discorriam pelas ruas e praças da cidade. Imensa alegria dominava aqueda multidão. Os sinos das igrejas repicavam festivamente anunciando ao povo o inicio das solenes festas. As autoridades civis e eclesiásticas, o clero e fiéis disputavam sobre a parta que cada um havia de tomar nos solenes cultos. A igreja das religiosas, em que iam celebrar-se esses cultos, estava enfeitada com regia munificência, ostentando dentro e fora grandes cortinados de seda. Belos estandartes e dez quadros, pintados a óleo, representando os milagres mais insignes, completavam a ornamentação do templo.

Mais de quinze mil pessoas de fora de Cássia haviam-se reunido nesta cidade e se dirigiam à igreja das Madalenas. A Comunidade dos Agostinianos de Cássia se havia aumentado com a chegada de outros religiosos da Ordem, vindos de diversos lugares para tomar parte naquelas solenidade e honrar à santa irmã.

Mas o demônio, invejoso de tanta glória, tratou de tirar o brilho aos festejos, semeando a discórdia. Chegada a hora das vésperas, e reunidos na sacristia o claro secular e regular, teve aquele a preterição de oficiar, ele só, na celebração dos cultos. Os agostinianos opuseram-se a tão singular pretensão, alegando que a igreja era agostiniana, como também o era a bem-aventurada, e com estas disputas e porfias azedaram-se os ânimos de tal modo que ninguém se entendia.

As boas religiosas, assustadas, e vendo que nem as súplicas nem as lágrimas conseguiam acalmar os unimos dos contendores, tiveram a bôa lembrança de encomendarem este assumpto à santa irmã rogando-lhe que pacificasse aquela desordem. Não foi preciso mais: o santo corpo moveu-se dentro da urna, como se quisesse endireitar-se, e ao mesmo tempo abriu os olhos. As religiosas, observando isto, cheias de alegria, emocionadas pilo fato, correram a bater o sino, gritando: Milagre! Milagre! De fato: o clero, as autoridades e o povo puderam certificar-se de que o corpo daquela, que havia sacrificado sua vida pela paz, movera-se, e os. olhos, que desde a morte estavam fechados, abriram-se com grande assombro de todos.

A urna que encerrava o corpo da Santa estava fechada com três chaves, e não consta que as religiosas tivessem nenhuma. Através do vidro via-se que a Santa estava com os olhos abertos, mas natural e docemente, e que a metade superior do corpo estava levantada, suspensa no ar, como se por baixo da cabeça se tivesse colocado uma almofada. As autoridades, o clero e os religiosos tinham já observado a posição anterior do corpo, e por isso o milagre era evidente. Depois disto ninguém mais pensou em discussões, acalmados os ânimos, tudo se arranjou pacificamente, cedendo com gosto os agostinianos o seu direito de tomar parte ativa na celebração daqueles primeiros cultas. Cantaram-se, pois, as vésperas pelo clero, com assistência dos religiosos, levando cada uma das comunidades um círio enfeitado com moedas de prata para oferecê-lo a Santa Rita. Depois ordenou-se a procissão, na qual tomaram parte numerosas Irmandades e muitos anjinhos que acompanhavam o estandarte da Santa; seguia uma grande multidão de devo tos com tochas acesas; depois todo o povo, e por ultimo, fechando o cortejo, o Governador e Magistrados de Cássia, além de outras autoridades da cidade e lugares vizinhos.

Ao anoitecer, imensa multidão enchia as praças e ruas de Cássia. Todos os prédios estavam enfeitados com tapeçarias, damascos e lanternas de diversas côres.

Sobre o cume da montanha ardiam grandes fogueiras queimaram-se fogos de artificio, que, com o alegre repicar de todos os sinos, anunciando a festividade do dia seguinte, davam a Cássia um aspecto verdadeiramente fantástico.

Desde o romper do dia 22, a igreja das Madalenas achava-se repleta de fiéis devotos que vinham visitar o corpo da Santa e oferecer-lhe seus votos e orações. Chegada a hora, cantou-se com grande solenidade a Missa, assistida por todas as autoridades. À tarde cantaram-se tombem segundas vésperas, oficiando os Padres Agostinianos, com assistência de todo o clero e autoridades, como na solenidade da vésperas. Em resumo: toda as cerimonias do culta foram soleníssimas, e o entusiasmo e alegria do povo indescritível, admirando todos o poder de Deus que tão bondoso se mostrava em engrandecer os méritos de sua serva, que tanto empenho fez durante a vida em servi-lo, e cujos primeiros cultos ia agora coroar com dois novos prodígios, que passamos a referir.

Não haviam terminado ainda as solenidades religiosas, e o Senhor misericordioso, para inspirar maior confiança aos devotos da Santa, e como brilhante corôa daquelas festas, quis realizar nesse mesmo dia dois milagres. Entre a numerosa afluência de romeiros achavam-se duas nobilíssimas damas, uma de Espoleto, e outra de Sinigaglia. Sofriam ambas dores tão graves na cabeça que, às vezes, tinham extravagancias e manias tão raras que pareciam possessas do demônio. Naqueles dias da celebração das !estas de Santa Rita, tanto as doentes como suas familiar não deixavam de implorar a proteção da Santa, e o Senhor escutou as súplicas das infelizes mulheres, pois repentinamente, uma após outra, ficaram curadas, sem que no futuro sentissem o menor sintoma de perturbação; e como nessa ocasião, do santo corpo de Rita saísse um perfume agradabilíssimo, que se espalhava por todos os cantos do templo, as lagrimas de alegria e as aclamações encheram, a todos de entusiasmo Todos estes dados e pormenores constam na parte historial do Processo, sobre tudo no Sumário XXIV, e tem sido celebrados pelos escritores e até cantados pelos poetas, como o P. Cotta.

O dia 16 de Julho, como já indicamos, foi o designado para celebrar em Roma as festas da Bem-aventurada Rita de Cássia. Escolheu-se para estas solenidade a beba igreja de Santo Agostinho, onde, em presença de vinte e dois Cardeais e grande número de Prelados e altos dignitários da Corte pontifícia, procedeu-se à leitura do Decreto do Vigário de Jesus Cristo, e praticaram-se com extraordinária solenidade as demais cerimoniai de ritual.

Para a referida cerimonia e cultos dos dias seguintes, que foram os mais brilhantes, foi enfeitado o templo com magnificência e esplendor. Desde o dia da leitura do Decreto Pontifício, o povo de Roma, em romaria contínua, invadia as naves do grandioso templo para tributar à Bem-aventurada Rita de Cássia as homenagens de sua devoção. Os gastos das deferidas festas correram por conta das famílias mais salientes da nobreza, romana, principalmente da famosa casa dos Barberinis.