CAPÍTULO XVII. NO NOVICIADO. PROFISSÃO RELIGIOSA DE RITA

Vestido o hábito agostiniano, começou Rita o noviciado com tanto fervor e consolo de sua alma, que não se cansava em dar graças a. Deus e aos seus santos protetores pelo beneficio de a terem tirado do mundo e conduzido àquele lugar de santa paz. Humildade profunda, candura angelical e uma simplicidade admirável foi o que as religiosas notaram na noviça Rita; esta, por sua vez tratava de familiarizar-se com as praticas religiosas, e preparar-se com a oração e a observância das regras para o momento solene de consagrar-se ao Senhor pelos santos votos.

Renunciou tudo o que possuía no mundo, e renunciou a própria vontade, sacrifício incomparavelmente maior que o dos bens da terra; e, despido seu coração de todo afeto terreno, só pensava no momento de se unir com o amante Jesus, mediante a profissão religiosa.

Tão singular desprendimento de si mesma e a total abnegação de sua vontade eram conhecidos de todas as religiosas, e particularmente da Prelada, que, fazendo ver a Rita os deveres da Religião, a necessidade de observar a Regra, a continua mortificação, a solidão da cena e acima de tudo o sacrifício até a morte da própria vontade, ouviu-a responder:

"Quando eu tiver feito os santos votos, fecharei meus olhos para não errar o caminho, paia guiada por minhas boas Madres caminharei com segurança para meu amado Jesus, sem perigo de me desviar dele".

Não havia ocupação no convento, por penosa que fosse, a que Rita não se prestasse com alegria, ainda que se tratasse dos misteres mais humildes.

Durante o noviciado aplicou-se em estudar os deveres religiosos e as regras que praticava a Comunidade, para observá-las, com escrupulosa exatidão. Escutava com particular interesse os ensinos de suas. Mestras sobre a perfeição religiosa, e os exemplos dos Santos a estimulavam à observância e à prática dos exercícios espirituais, atos de devoção e observância das regras; assim que observando as religiosas os progressos de Rita na perfeição, logo começou a espalhar-se por toda a comarca de Cássia a fama de suas virtudes.

Entretida em tão santos exercícios de piedade, penitência austera e oração continua, ia passando o tempo do noviciadolugar preparando-se para consagrar definitivamente sua união com Jesus crucificado pelo indissolúvel laço da profissão religiosa; e quando já se aproximava o dia, preparou-se para este ato solene com muitos e fervorosos exercícios de oração e penitência, para que o Senhor, multiplicando nela os dons de sua graça, a fizesse digna de receber este segundo batismo e perseverar nele até o fim de sua vida.

Chegou finalmente o desejado dia, e, como arrebatada em êxtase de amor, com humildade profunda apresentou-se ante o altar pára jurar solenemente a observância dos conselhos evangélicos. Estendeu tranqüila a mão sobre as santas leis e regra do grande Padre Agostinho, e aceitando-as todas, prometeu viver até o fim d.e sua vida na obediência, pobreza e castidade, na observância das regras e na submissão aos seus superiores. Estava feita o sacrifício. Era feliz. Desde esse momento considerava-se toda de seu divino Esposo: sentia um gozo inexplicável, pois os mais ardentes desejos de consagrar-se inteiramente ao seu amante Jesus estavam realizados; por isso, depois de derramar muitas lagrimas de alegria, entre os abraços e felicitações de suas Irmãs, só desejava agora ver-se sozinha para desabafar seu espirito às emoções de agradecimento que seu coração sentia pelo beneficio que recebera do Senhor.

Nenhum dos autores que têm escrito sobre a vida da Santa conta a data em que se deu o ato solene da Profissão; mas todos referem um fato importantíssimo que sucedeu no mesmo dia. "Recolhida, dizem, em sua cela, a nova esposa de Jesus Cristo não se cansava de dar .graças a Deus por ter-se dignado admiti-la entre suas filhas, e, a horas adiantadas da noite, ainda se achava prostrada aos pés do crucifixo quando de súbito se sentiu arroubada fora dos sentidos. Arrebatada em dulcíssimo êxtase do amor viu uma escada muito alta, que chegava da terra ao céu, por cujos degraus subiam e desciam os anjos; na parte superior .estava o Senhor convidando-a a subir até aqueda sublime altura,. onde a esperava de braços abertos, para se unir com ela”. Maravilhada por aquela singular visão, exclamou como o Patriarca Jacó: verdadeiramente este lugar é santo, mais do que eu podia imaginar!

Esta escada, misteriosa não era senão símbolo da perfeição a que Deus chamava Rita, cujos degraus vai dispondo o Senhor, como diz Santo Agostinho, para que as almas subam por enes até o grau de altura a que as quer elevar; a essa ascensão ninguém pôde renunciar sem perigo de perder o Sumo Bem, que não se encontra cá na terra e sim no alto, na extremidade da escada, isto é, no fim de uma vida virtuosa, onde o Senhor nos espera para estreitar-nos em seus amorosos braços e introduzi-nos na bem-aventurança eterna.

Até o presente, como temos visto, a vida de Rita é um conjunto maravilhoso do poder de Deus, no qual não se sabe o que mais admirar, se a divina liberalidade, favorecendo sua serva com tantos prodígios, ou o soberano poder, sustentando-a entre o cumulo de penas e pungentes dores, com que vinha purificando-a desde a meninice nas águas amargas da tribulação.

Mas daqui em diante, a existência de Rita correrá suavemente num teor de vida semelhante ao de suas Irmãs, sem grandes ocorrências, a excepção de casos. particulares que iremos referindo à medida que se forem desenrolando.

O Senhor, que perscruta os corações, via sua serva Rita preocupada na contemplação daquela escada misteriosa; e aplicada na observância das regras e exercícios de perfeição, buscava sempre a Deus, mesmo na escuridão do abandono em que seu espirito, às vezes, se achava, esperando chegar ao amanhecer daquele claro e perfeito dia em que pudesse contemplar face a face o amado de sua alma, para estreitai-o em seus braços, sem temor de nunca mais o perder.