CAPÍTULO VI. AMOR DE RITA À VIDA SOLITÁRIA E PENITENTE, E DESEJOS DE ABRAÇAR O ESTADO RELIGIOSO

Já vimos nos capítulos anteriores a especial inclinação, manifestada por Rita desde seus primeiros anos, a praticar a piedade e meditar os mistérios da paixão de nosso divino Redentor, procurando para isto o retiro, afim de que nada a embaraçasse em suas meditações e a impedisse de entregar-se por completo ao amado de sua alma. Para isto todo o tempo parecia-lhe pouco, e se afligia procurando o modo melhor de satisfazer os anelos de seu coração sem faltar às ocupações da casa. Freqüentemente ouvia falar dos extraordinários exemplos de virtude e santidade que filhos ilustres da Ordem de Santo Agostinho davam ao povo cristão, com a vida eremítica que faziam sepultados nos montes de Cássia. Escutava atentamente a vida dos então veneráveis, hoje beatos, João Bom de Matua, Ugolino Zeferino e Simão Fidate. Os exemplos destes santos varões de tal modo calaram no coração de Rita, que mais e mais a afeiçoaram à prática do retiro e aos rigores da penitência.

Para melhor avaliar os propósitos desta santa menina sobre a mortificação e penitência transcrevemos alguns testemunhos tomados do processo de Beatificação e Canonização de Santa Rita. "Desde a sua mais tenra idade começou Rita as obras de piedade e devoção, e a castigar seu delicado corpo com jejuns e disciplinas." "Ela mesma fazia os cilícios e outros instrumentos com Que mortificava sua carne inocente.'' Tendo já mais idade comia bem pouco, podendo-se dizer que vivia em jejum continuo” enfraquecendo assim seu corpo com o rigor da penitência, seu espirito sentia-se mais vigoroso para a praticas de muitas e heróicas virtudes.

Desejando conformar-se em tudo com seu divino Esposo, oferecia-lhe o sangue que de seu inocente corpo faziam brotar o rigor das disciplinas e a aspereza dos cilicies: estes eram tecidos de crina entrelaçados com espinhos.

Além dos jejuns da Igreja, Rita prolongava-os por mais duas quaresmas, sem contar as vigílias das festas da Santíssima Virgem e dos Santos seus protetores particulares, não tomando nesses dias outro alimento senão pão e água.

Admirável era também seu adiantamento na caridade e no desejo da salvação das almas, socorrendo, quanto lhe era permitido, com mão larga, os pobres, e dando-lhes sempre conselhos salutares.

É para admirar, diz o P. Fontana, o zelo de Rita para instruir as meninas nos primeiros conhecimentos da religião, e as jeitosas industrias de que se servia para que a acompanhassem ã Igreja nos seus devotos exercícios, porque o templo era o lugar predileto para fazer oração; nele assistia aos divinos ofícios com tal devoção e recolhimento interior que parecia um serafim. A undécima testemunha na Causa de Beatificação declara que Rita era desde os primeiros anos modelo de perfeição por sua piedade, pela freqüência dos Sacramentos e por sua muita oração, sendo ao mesmo tempo exemplar pelo respeito e obediência aos seus pais, pela modéstia no vestir e recato no falar.

No mundo, desde menina, como depois no convento, foi devotíssima de Jesus Sacramentado, visitando-o o mais freqüentemente possível, e passando largas horas em companhia do Amado de sua alma. Solicitava com fervor a proteção dos santos, oferecendo-lhes suas mortificações, e exercitando-se nas virtudes que eles praticaram. Ao Anjo da Guarda teve sempre uma devoção particular; para celebrar sua festa, bem como a dos Santos, seus advogados particulares, e especialmente as da Santíssima Virgem, preparava-se com novenas, e nas vigílias jejuava a pão e água.

Com estes santos exercícios afervorava seu espirito e mais e mais crescia a chama do amor divino e o amos aos pobres. Refere-se que encontrando certo dia de muito frio um mendigo esfarrapado, seminu, tirando o mantelete de abrigo que levava o entregou ao pobre para cobrir seu corpo.

Já ficou indicado a influencia que exercia em Rita a fama de santidade daqueles eremitas de Santo Agostinho que tão perto de Rocca Porena haviam vivido, e ainda nesse tempo alguns viviam; assim como também o secreto impulso que a impelia à solidão; porém não sabia como combinar o retiro com a necessidade que seus pais tinham de sua companhia e ajuda. Continuamente preocupada com este pensamento, dizem que numa certa ocasião ouviram-na exclamar: "Bela idéia! Excelente ! Sim, sim, eu quero viver sozinha com Jesus...; porém, mo permitirão meus pais? Oh meu Jesus, persuadi-os Vós!" Não se sabe ao certo o que se passou pela imaginação de nossa santa menina; - ficar com seus pais, se bem que isolada do mundo, ou recolher-se durante toda sua vida num convento; ou quem sabe, - retirar-se para alguma gruta, e lá fazer vida solitária e penitente.

Pelo que mais tarde aconteceu, pode-se conjecturar que, a idéia que tanto alvoroço causou em Rita, era a de tomar o véu das virgens; porém, temendo a repulsa de seus pais, contentou-se em manifestar-lhes o desejo de que a permitissem ficar sozinha num canto da casa o tempo que precisasse para suas orações, sem que nada a distraísse. Seus pais deram-lhe um dos cômodos no mais afastado da casa, para que sua filha se entregasse às suas devoções. A ele trasladou Rita suas imagens e as estampas da Paixão de N. Senhor, seus instrumentos de penitência e todos os objetos de piedade; e naquele agradável retiro, como em delicioso jardim de seus amores, passava todo o tempo que lhe deixavam livre suas ocupações.

Lá a esperava o amante Jesus crucificado para lhe falar ao coração; e naquele aprazível retiro, longe das vistas dos homens, no continuo silencio e mortificação, começou a gostar a doçura das inefáveis alegrias que o Senhor reserva às almas santas. Seus pensamentos e os ardentes afeitos de seu coração moviam-se em torno da Paixão de Cristo ; e entre consolos e esperanças, dores e lagrimas de compaixão, seu espirito respirava um ambiente místico, seus anelos se acalmavam, e seu coração mergulhava na paz e doce contento que só a graça pôde fazer brotar entre as amarguras. Um anuo passou neste santo retiro, dedicada à contemplação dos dolorosos mistérios da vida, paixão e morte de Jesus Cristo. E como naquela escola viu os exemplos de laboriosidade do menino Jesus, trabalhando na oficina para ajudar a José e Maria, considerou-se obrigada a auxiliar ainda mais aos seus velhos pais, sem por isso abandonar os exercícios de oração e contemplação. Das meditações sobre os trabalhos de Jesus tirava forças para tudo, e seu coração mais e mais se inflamava no amor aos sofrimentos.

Mas os anelos de Rita eram consagrar-se inteiramente ao amado de seu coração, abraçando a vida religiosa. A toda hora parecia-lhe ouvir as palavras dos Cantares: "Vem do Líbano, esposa minha, vem", e aquelas outras do Profeta Oséias: "A levarei à soledade e falar-lhe-ei ao coração." Por outro lado não deixava de compreender a necessidade que os velhos Paes tinham de sua companhia e de seu auxilio, e assim, estimulada por estas duas inclinações contrarias, vivia numa indecisão dolorosa, sem saber que partido tomar.