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É coisa singular que uma alma tão grande como a de Rita, cujo nome glorioso ha quatro
séculos atrás, havia percorrido o mundo com as azas da fama mais pura e legitima, não
figurasse ainda de modo solene no catálogo dos santos. Não obstante, não é para admirar que
se tenha dado este fato. Se temos em consideração a negligencia dos escritores daquele
tempo, a quem incumbia recolher todas as maravilhas e pormenores da vida de uma mulher
tão singular, bem como as noticias relativas aos fatos prodigiosos realizados durante o
tempo em que viveu no mundo, como depois de seu transito ao Paraíso. Por outra parte, a
exaltação dos servos de Deus, depois da morte, à glória dos altares, vem sempre ordenada
por uma Providencia sábia e amorosa, que dispõe as coisas de modo que, a coroação dos
santos na terra, seja decretada pela Igreja quando vê que o povo cristão acha-se mais
necessitado de meditar os exemplos e experimentar o valioso patrocínio dos bem-
aventurados.
Era lamentável o estado social, religioso e político da Europa quando apareceu no mundo
esta maravilhosa flôr de Cássia: ia subir ao céu, por entre os males que continuaram
afligindo a humanidade, muito ganharam esses mesmos povos com a propagação do culto e
devoção de Santa Rita, cimentados no exemplo de suas heróicas. virtudes e nos inúmeros
prodígios que vinha prodigalizando em favor de seus devotos.
Pois bem quando o grande Pontífice Leão XIII se dispôs a tributar a Rita todas as honras do
culto, os povos e sociedades navegavam no mar tempestuoso das más paixões
desencadeadas. Nas mesmas nações, chamadas filhas prediletas da Igreja, quebravam-se os
laços da família; as virgens do Senhor eram expulsas dos santuários; os sacerdotes por toda
parte perseguidos, e o lábaro glorioso da cruz, sinal de paz entre os homens, tirado do seu
lugar de honra.
Foi então que o Vigário de Jesus Cristo julgou chegado o momento de levantar sobre o monte
santo da Igreja este brilhante farol, para que o fulgor de suas virtudes orientasse os homens
na perigosa travessia do mar agitado deste mundo.
Antes, porém, que chegasse o momento da solene canonização de Rita, necessárias foram
muitas diligências, viagens, novas informações, revisão dos antigos processos e formação de
outros novos; mas o Senhor encarregou-se de ir aplainando todos os caminhos e dispondo as
coisas de sorte que, a soberana decisão da Igreja, viesse coincidir com o tempo em que os
fies mais necessitadas estavam da proteção desta grande santa.
Nos capítulos anteriores ficou declarado que, desde o anuo de 1627, a Ordem de Santo
Agostinho e o clero secular da diocese de Espoleto gozavam da faculdade de rezar o oficio
da Bem-aventurada Rita, e que por ocasião daqueles primeiros cultos se propagou tanto a
devoção à serva de Deus, que seus devotos elevaram fervorosas súplicas para que a
venerável fosse formalmente inscrita no catalogo dos bem-aventurados e dos santos.
Em Julho de 1737 foi revista a causa, e em 3 de Agosto do mesmo ano a Sagrada
Congregação discutiu sobre a duvida do caso excetuado, ao que o Sumo Pontífice Clemente
XII, de feliz recordação, respondeu, no dia 13 do dito mês, que constava. Em 25 de Julho do
ano seguinte, 1738, despacharam-se letras à Cúria eclesiástica de Espoleto, a cuja jurisdição
pertencia Cassai, para que se formasse processo apostólico sobre as virtudes e milagres
feitos pela Bem-aventurada Rita. Ou porque o expediente deste gênero seja sempre
fastidioso, ou por desleixo, ou por indolência, o certo é que o processo não terminou,
ficando encerra a mais de cem anos nos arquivos de Espoleto e Núrcia, até 1851 quando a
Santa Sé ordenou terminantemente que se tornasse a rever e continuar o dito processo. Em
1855 deu-se por terminado, e, levado à Roma, foi entregue ao Sumo Pontífice
Pio IX, de santa memória, que o aprovou em 1856.
Do dito processo resultam clarissimamente comprovados os milagres seguintes.
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1. A instantânea recuperação da vista de uma menina chamada Isabel Bergamini. Esta,
atacada de varíola, perdera a vista, e a supuração dos tumores formados nos olhos
alastrou-se pelas suas faces e pálpebras. Esgotados os recursos humanos, os médicos
declaram a vista perdida. Desde então, a pequena foi oferecida pelos desconsolados pais à
Beata Rita que enviaram-na ao Convento de Cássia, ao cuidado de uma sua tia, religiosa
daquela comunidade, onde foi recebida com amor e carinhosa solicitude. Vendo-a tão
infeliz, os pais e as religiosas começaram a rogar à Beata Rita, para que alcançasse do
Senhor a vista perdida ou o gozo da Bem-aventurança. Por devoção haviam-na vestido com
o habito da Santa. Quatro meses depois, numa tarde em que as religiosas catavam no horto
um pouco de trigo para os pãezinhos da Beata, a menina, que as acompanhara para distrair-
se, levantando a venda que lhe cobria os olhos, disse que enxergava. Aproximaram-se e,
examinando-a viram, assombradas, que o humor corrosivo havia cessado, e que os olhos
estavam perfeitos e limpos. Duvidando da realidade, ordenaram-lhe que separasse o trigo
mau do bom, o que foi feito sem dificuldade alguma. Não havia duvida: estava
completamente sã. Deixaram, então, aquele mister e, juntamente com a menina, desceram as
religiosas ao sepulcro da Santa onde renderam braças pela maravilhosa cura. Comprovou-se
o fato por todos os meios jurídicos, e a Sagrada Congregação o aceitou como prova evidente
do milagroso poder da Bem-aventurada Rita.
2. O segundo milagre foi o persistente perfume que emanava do venerando corpo da Santa,
do qual já faltamos anteriormente. O fato bem publico constava no Processo; mas a Igreja,
que no exame destas Causas procede com a maior delicadeza e escrúpulo, para mais
assegurar-se da veracidade, fez com que a Sagrada Congregação, em 18 de Fevereiro de
1892, enviasse à Cássia e Núrcia o mesmo Promotor da Fé, Mons. Agostinho Coprara, com
instruções para que, com sua intervenção, se fizesse nova minuciosa informação sobre o
maravilhoso sucesso; e ainda, em virtude de outras letras com data de 22 de Agosto.
facultou-se ao dito Promotor da Fé para fazer pessoalmente novo e formal reconhecimento
no corpo da Bem-aventurada, fazendo constar que nunca o venerando corpo tinha sido
embalsamado, nem se havia colocado perto dele substancia alguma perfumosa. O novo
Processo teve feliz êxito, e ficou evidentemente comprovado o que Roma desejava saber.
Sendo assim, ordenou-se que este se juntasse ao Processo instituído pela autoridade
ordinária em 1626 na Caria de Espoleto, e ambos os Processos foram aprovados pela
Sagrada Congregação em 23 de Fevereiro de 1896.
3. Um terceiro milagre paca a canonização de Rita ia ser submetido a rigoroso exame.
Tratava-se de uma cura instantânea, realizada no anuo de 1887 na pessoa de Cosme
Pellegrini, de 70 anos de idade e vizinho de Conversano. Sofria o infeliz de gravíssima
gastroenterite, e de uma afecção hemorroidal e, devido à perda de sangue e ao completo
esgotamento de forças, ficara reduzido ao último extremo. Desenganado pelos médicos, lhe
forem administrados os Sacramentos, é, prostrado no leito, sem sinais de vida, todos o
julgavam cadáver. Repentinamente dá um grito, dizendo que está curado; declara então que
lhe havia aparecido Santa Rita de Cássia restituindo-lhe a saúde e as forças de sua
mocidade. Espalhou-se logo a noticia daquela maravilha do poder de Deus, feita pela
intercessão de Santa Rita. Inteirado de caso o Ilmo. Mons. Casimiro Gennari, digníssimo
Bispo daquela diocese, que mais tarde foi Assessor da Sagrada Congregação do Santo
Oficio, e uma das maiores glorias do Sacro Colégio de Cardeais, zeloso como era da
propagação do culto de Santa Rita, pediu e obteve licença da Santa Sé livra instruir
Processo apostólico com o fim de averiguar os fatos do referido caso. Concluso o Processo
em 28 de junho de 1892, a Sagrada Congregação do Santo Oficio examinou e reconheceu sua
validez, e no dia 17 do mês seguinte o Sumo Pontífice aprovou e confirmou a sentença dada
pela Sagrada Congregação.
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Dia a dia aumentava a fama da insigne taumarturga com a multiplicação dos seus prodígios;
mas, preciso é confessar que é dificílima empresa recolher, compilar e compulsar provas
para a formação dos Processos de Canonização, seguindo todos os tramites a que, com
escrupuloso rigor, submete a Igreja estas Causas, que hão de ser examinadas com severidade
por peritos de todas as ciências divinas e humanas. Mas, graças a Deus, estava por chegar o
termo de tão fastidioso e demorado procedimento na Causa da Beata Rita. No dia 6 de Abril
de 1897 propunha-se à Sagrada Congregação a seguinte duvida: “Têm fundamento as
virtudes da Beata Rita de Cássia, para, que se possa proceder ao exame dos milagres que
aparecem operados por ela?” E a Sagrada Congregação responde afirmativamente: “Sim”.
Sentença que foi confirmada pelo Sumo Pontífice Leão XIII.
Distribuídos os pontos do Processo, com a devida antecipação, entre os consultores e peritos
para o exame, na Congregação preliminar, realizada a 27 de Junho, sob a presidência do
Exmo. Relator da Causa Pro-Datario de Sua Santidade, foi amplamente discutida a questão
dos milagres, assim como na sessão preparatória, celebrada no Vaticano no dia 9 de Janeiro
de 1900, e ainda na geral, celebrada, na presença do Sumo Pontífice, no dia 27 de Março do
mesmo ano, na qual se propôs a dúvida seguinte, em forma de pergunta: "De que milagres ha
certeza, que tenham sido feitos pela Beata Rita, depois de sua Beatificação, para o objeto de
que se trata?" Determinados os milagres e novamente aprovados, por graça especial do
Santo Padre, propôs-se a questão seguinte: "Aprovados os milagres feitos pela Beata Rita de
Cássia, pode-se com toda segurança proceder à sua canonização?" Todos os Exmos.
Cardeais deram seu voto afirmativo e razoável, que Sua Santidade escutou com suma
atenção, limitando-se a manifestar que a Causa da Beata Rita era "muito escolhida e
nobilíssima", mas que antes de externar definitivamente seu juízo, reiterassem todos suas
súplicas ao Senhor implorando as luzes do Espirito Santo.
Doze dias depois, a 8 de Abril, Domingo de palmas, o Sumo Pontífice, terminado o Santo
Sacrifício da Missa, mandou chamar o Secretario da Sagrada. Congregação de Ritos e lhe
incumbiu de ler publicamente e com as solenidade de costume o decreto, aprovando os três
milagres para a canonização da Bem-aventurada Rita de Cássia. Fez também ler outras
decretos aprovando os expedientes de beatificação de vários veneráveis mártires da China,
Cochinchina e da Índia, assim como o da venerável serva de Deus, Maria Crescencia
Acosse Depois da leitura, o Vigárïo de Jesus Cristo dirigiu aos presentes uma baila alocução
para lhes demonstrar a alegria que experimentava na, exaltação de tantos servos de Deus à
honra dos altares, e, de um modo especial a que sentia na aprovação dos decretos da
Canonização da Bem-aventurada Rita de Cássia, ornamento da Ordem Agostiniana e parola
preciosa da Umbria, torrão natal de São Bento e de São Francisco, e onde, durante muitos
anos havia ele exercido o ministério pastoral. Por ultimo, exaltando as virtudes da Santa,
manifestou sua confiança no maravilhoso perfume evolado de quando em vez do corpo
venerando, perfume este, chamado prodigioso pelo Papa Urbano VIII, acrescentando Sua
Santidade que, certamente alie se renovaria como feliz presságio de melhor futuro no novo
século e no Nano Santo que então se celebrava.
A causa de Rita, ha tanto tempo esperada, chegava ao seu glorioso fim. Para maior honra da
humilde religiosa, a quem o povo cristão já tratava de Santa, universal aclamação, a Igreja,
consagrando agora solenemente o seu nome, confirmava a fé e firme esperança do mundo
católico na poderosa Advogada dos Impossíveis.
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