CAPÍTULO XXVII. MORTE DE SANTA RITA

Vagarosamente passavam os dias para Rita, que, entre desmaios de amor e grandes sofrimentos, continuamente suspirava por libertar-se do corpo mortal e ficar incorporada para sempre à mansão dos justos. Sua vida era considerada como um continuo milagre, pois não obstante o mortal desfalecimento em que se encontrava, seu espirito, ainda vigoroso, seguia sustentando aquele corpo, ha tanto tempo abalado pela doença e pelos sofrimentos. Continuavam os sofrimentos, e o martírio era dia a dia mais intenso. Unicamente era Deus quem a sustentava, pois, longe de desfalecer, observava-se que o Senhor lhe acrescia as forças e a enchia de consolações. Referem a este propósito os biógrafos, Padres Tardi e Sicardo, que um dia compadecido o Senhor das grandes dores de sua serva Rita, suportadas com heróica paciência, lhe apareceu o amante Jesus em companhia de sua mãe a Santíssima Virgem Maria e ambos, com palavras cheias de doçura, a consolaram e alentaram, mostrando-lhe a divina beleza e parte do prêmio que lhe estava reservado no céu.

Tal foi a suavidade e doçura que experimentou a Santa nesta visão, e tão inflamada ficou sua alma com as palavras de amor a ela endereçadas pelo divino Esposo e sua Mãe Santíssima, que arrebatada em êxtase de amor, pareceu-lhe ia ter sido transportada à região feliz da imortalidade.

Pouco durou o gozo que experimentou Rita com esta visão; retirando-se Jesus e Maria ficou sua alma na escuridão, e sentiu que a doença se agravava; presa pela febre; e, mais ainda, pela sêde das águas puríssimas do Paraíso, entre sublimes desmaios e agonias mortais esforçava-se nossa Santa em purificar mais e mais sua paciência, que tão belfa a fazia aparecer ante o trono divino. Vendo-se tão oprimida de dores, e privada das consolações que pouco antes desfrutara sua puríssima alma, mostrou, como diz o P. Sicardo, ser seu amor mais forte que a mesma morte, o qual, sem causar os males que produz o amor terreno, conservava a vida para fazê-la mais penosa e mais agradável a Deus.

Às torturas causadas pela ausência do Esposo divino, e à nostalgia de o possuir, acrescentavam-se as dores produzidas pelo espinho e chaga da fronte que, nesta ocasião, pareciam recrudescer. Só encontrava alivio e reparação das forças quando recebia. o seu amado na sagrada Eucaristia, sendo este o único alimento corporal e espiritual. E quando este lhe faltava, consolava-se com a esperança de poder logo recebei-o. E com estas esperanças e com a lembrança daquela celestial visita, em que o Senhor havia-lhe anunciado a próxima partida deste mundo, esquecia as dores, transparecer no rosto risonho e na doçura de suas palavras a alegria que lhe ia na alma.

Mas os dias de Rita estavam contados e aproximava-se o termo de sua vida mortal. Como à Esposa dos Cânticos, havia-lhe o, Senhor presenteado com flores e frutos, porque sua alma desfalecia de amor; só faltava que o Amado a fizesse gozar a doçura das consolações nos eternos tabernáculos. Com efeito, o Senhor vem a procura d.e sua serva e, qual Esposo amantíssimo, a convida a segui-lo com estas doces palavras: "Levanta-te, minha amiga, pomba minha, e vem. Vem do monte da mirra das penitencias e do aroma de tuas súplicas. Apressa-te, por que o inverno das penas já passou; cessaram as chuvas das grandes tribulações, e os campos estão cobertos para encher-te de alegria. Vem, e serás coroada."

Com tão agradável convite sentiu-se Rita possuída dum gozo inefável, e dirigindo-se às companheiras, disse: "já chegou, Madre e Irmãs queridas, o momento de vos deixar. Graças vos dou pela caridade que tivestes comigo suportando-me com tanto amor durante a minha doença. Peço-vos perdão pelos muitos incômodos que vos causei, e agora, como prova de vossa bondade, suplico-vos que me auxilieis a implorar do Senhor a remissão de minhas culpas; de quem espero alcançar misericórdia".

Pediu depois que lhe administrassem os últimos Sacramentos; recebeu-os com grande humildade e devoção, è, ao terminar a ação de graças a Deus pelo beneficio que acabava de receber, vendo quão aflitas estavam suas Irmãs pela sua próxima partida, procurou animal -a, com a esperança do Paraíso, onde, novamente, e com laço mais apertado e fraternal, voltariam a reunir-se para nunca mais separar-se. "Olhai, lhes disse, a morte é apenas um doce sono para quem de coração serve a Deus. Já sei, minhas Irmãs, o que é morrer pelos atos contínuos de fechar os olhos ao mundo e abri-los só para Deus. Cultivai com filial afeto a devoção ao nosso grande Padre Agostinho e guardai a santa Regra que professastes, pois nela encontrareis o caminho reto para a glória".

Pediu, por último, a benção à venerável Superiora que, abençoando-a, rogou por sua vez a Rita que abençoasse também a todas as religiosas, o que com grande humildade fez a Santa levantando seus braços quase inertes. Depois, encomendou-se ao seu amado Jesus crucificado e a sua Mãe a Virgem Maria, e quem sempre fôra devotíssima. Também lembrou naquela hora os seus particulares. protetores, São João Batista, São Nicolau de Tolentino e o Anjo da Guarda que invocou com afeto e devoção, e depois de breve descanso pronunciou estas últimas palavras: "Madres e Irmãs queridas, ficai na paz do Senhor e caridade fraternal"; e elevando os olhos ao céu, cruzadas as mãos sobre o peito, entregou sua alma, ao Criador sem outro esforço que o que produz o suave sono no corpo fatigado. Assim dormiu Santa Rita o sono dos justos para acordar na morada feliz dos Bem-aventurados.