CAPÍTULO XXVI. PENOSA DOENÇA DE RITA

Sete anos viveu ainda Rita depois que voltou de Roma, dos três deles, bem como dos oito anteriores em que passou naquela solidão, nada sabemos, talvez pela vida normal da Santa, ou bem pelo desleixo dos primeiros biógrafos em consignar os fatos mais importantes realizados durante esse lapso de tempo em que Rita aparece como que encoberta pelo véu dos conselhos divinos, com que o senhor, às vezes, costuma ocultar-nos o que ha de mais belfo na vida dos santos. Somente tem-se conservado algumas noticias sobre o grande espirito de penitência de Rita sobre sua continua oração e união intima com Deus. Diz-se também que na solidão pie sua cena, ficava tão extasiada na contemplação dos Mistérios da sagrada Paixão e tão fora dos seus sentidos, que algumas vezes as Irmãs chegaram a julgá-la morta, conforme já indicamos em outro Lugar; ao que acrescenta o P. Cavallucci, "que essa perda dos sentidos e esses enlevos sucediam-lhe quando meditava qualquer ponto da vida do divino Salvador". E neste teor de vida de êxtases e de dores, e sobre tudo de compaixão pelas que sofreu seu amado e adorado Jesus, passaram-se os últimos dias da existência de Rita. Ao chegar aos setenta e dona anos de idade, e quarenta de vida religiosa, sobreveio-lhe uma penosa doença que durou quatro anos, no fim dos quais o Senhor a levou a gozar das eternas alegrias de sua glória.

E esta a primeira doença de Rita que mencionam seus historiadores, pois, durante um tempo tão longo de penas, tribulações e ásperas penitencias, nunca seu forte coração sentiu desfalecimentos, mesmo sob o peso das grandes dores e infortúnios; antes conservou-se sempre robusta, sadia e disposta para tudo, mesmo depois que o Senhor se dignou conceder-lhe uma parte, embora pequena, das dores de sua Paixão dolorosíssima, fazendo-a sofrer dores agudas, não só na chaga formada pelo espinho afincado na testa, como no coração amantíssimo desta enamorada. da Cruz; o que somente se explica com o admirável poder da graça de Deus que a sustentava pára exemplo do povo cristão. Porque sendo Rita naturalmente forte e robusta, mesmo assim não se explica, sem um auxilio especial de Deus, como podia suportar tantas penas sem deixar-se deltas vencei.

Não se sabe ao certo qual foi a doença que prostrou Rita no leito da morte. Dizem alguns que foi uma espécie de paralisia que aos poucos lhe fez perder as forças até ficar ïmóvel no seu leito paupérrimo, onde esteve durante quatro anos, com grande admiração dos que a assistiam ou aí chegavam para a consolar. A ferida da testa, que aumentava dia a dia, as dores que lhe ocasionava, todos os incômodos de uma doença tão prolongada e penosa, não conseguiram enfraquecer sua heróica e edificante resignação, conservando-a sempre de rosto tranqüilo, dando ainda graças ao Senhor que na sua amorosa Providencia se dignava purifica-la e dar-lhe ocasião de conseguir méritos, de que em sua humildade se julgava indigna.

Uma das causas que mais a afligiam, durante a doença, era considerar o incômodo que causava às suas Irmãs, especialmente com o mau cheiro da chaga, mas este penar em nada diminuía a glória da heróica resignação com a vontade de Deus, nem o mérito da paciência e da humildade. Outra coisa, diz o P. Tardi,. que afligia à nossa Santa era não poder chegar, com a freqüência que tinha por costume, à mesa eucarística para receber o seu amado Jesus; mas esta falta supria com freqüentes atos internos de amor e de ação de graças.

A noticia da grave doença de Rita espalhou-se logo: sendo realmente tão admirada por seus méritos e pelo poder de suas orações, de toda parte acudiram a visitá-la, ficando todos edificados pela resignação com que suportava os sofrimentos da doença, voltando às suas casas contentes por terem disto irradiar em seu rosto aprazível os fulgores da glória.

Admiravam-se todos, e particularmente as religiosas enfermeiras que a assistiam, como podia viver sob o peso de tão grandes sofrimentos, quase sem outro alimento que o Pão Eucarístico; mas o véu deste milagre a mesma doente se encarregou de levantai-o, quando instada um dia por suas irmãs para que se alimentasse mais, cila respondeu : "Minha alma, queridas irmãs, unida às chagas do meu Jesus, nutre-se de outro alimento." Esta declaração de Rita confirmou às suas irmãs que a vida da doente era mais divina do que humana, e para que não ficasse duvida sobre a intervenção particular de Deus na conservação desta santa, referiremos os dois fatos miraculosos que o Senhor permitiu como testemunho do que afirmamos.

Um dia veio visitai-a uma sua amiga e parente, e, como ao despedir-se lhe perguntasse se queria alguma coisa para Rocca Porena, a Santa respondeu: "Sim; peço-te que ao chegar lá, procures uma rosa no horto da casa e ma tragas." Sucedeu isto no mês de Janeiro, época a mais fria e rigorosa do inverno, em que apenas se vê o sol em Rocca Porena, e a natureza fica como sepultada entre a neve e o gelo.

Julgou a boa mulher que Rita delirava quando lhe fez este pedido, mas, para não contrariá-la, disse .que faria sua vontade. despedindo-se com o pressentimento de que não mais tornaria a vê-la; não obstante, fosse por inspiração divina, ou por curiosidade, passou pelo horto da casa de Rita. e qual não foi a sua surpresa ao ver numa das roseiras uma bonita rosa. Tomou-a com afetos de piedade e devoção e, no mesmo instante, voltou à Cássia para entregai-a à doente.

Recebeu Rita a rosa com sinais de alegria e agradecimento, e, mostrando-a às religiosas, estas deram graças a Deus que assim quis mostrar por este milagre a santidade de sua irmã.

Dispunha-se a partir de novo a parente que trouxera a rosa, e como perguntasse a Rita se queria alguma coisa mais de Rocca Porena, disse-lhe: "Já que sois tão boa para comigo, suplico-vos que volteis de novo ao horto; lá, numa das figueiras encontrareis dois figos maduros que tereis a bondade de mos trazer." Não duvidou, desta vez a boa mulher das palavras de Rita, e despedindo-se delta saíu em direção a Rocca Porena, certa de que ia encontrar uma nova maravilha. Com efeito, chegando ao lugar entrou de novo ao. horto da Santa, onde, pouco antes achara a rosa, e, lançando a vista sobre a figueira,. despida e gelada pela inclemência do tempo, descobriu dois belos figos que apanhou com cuidado, e alegre tornou a Cássia para entregai-os à doente. Os biografos da Santa, Tardi, Cavalluci, Galli e Rabbi, são unanimes em referir estes factos miraculosos. V. Processo de Beatificação da Santa, fls. 150, 246, 295, etc. Sumário XX.

Cheias de admiração, as religiosas não se cansavam de dar graças a Deus pelo novo milagre feito em obséquio à sua serva mostrando por este modo a santidade de Rita.

Correu logo a noticia destes maravilhosos fatos, e muitas foram as pessoas que puderam ver e tocar reverentes aquelas flores e frutos de que mais tarde puderam dar testemunho, e admiradas contemplavam a santa doente, honrada pelo amado Jesus que, como a Esposa dos Cânticos, cercava de flores e frutos a sua amada Rita para que não desfalecesse no meio daquela mortal languidez. Porém, para Rita esses regalos do Amado faziam-lhe suspirar pelo desejado momento de ver-se livre dos laços do corpo mortal e entrar na posse do Sumo Bem. Mas, ainda restavam-lhe alguns meses de prova e de dores que acrescentariam o mérito de seus trabalhos e sua coroa de glória no céu.