CAPÍTULO XXII. ADMIRÁVEL OBEDIÊNCIA DE SANTA RITA

Falando da obediência de Rita, chegamos ao limite do que com toda verdade pode-se chamar resumo da perfeição; porque embora o fim desta seja a caridade, quem volunta- riamente e só por amor de Deus se sujeita àqueles que escolheu por seus superiores e guias no caminho da salvação, vive inteiramente sujeito ao beneplácito divino, que é o objeto da caridade; e por isso dizem os mestres da vida espiritual que a perfeita obediência outra coisa não é senão a caridade perfeita. Nenhuma virtude como a obediência nos assemelha a Jesus Cristo, que, por obedecer a seu eterno Pai, deu sua vida com grande amor pelos homens morrendo na cruz. A obediência é a que mais une nosso entendimento e vontade com a vontade e o entendimento de Deus, de modo que o perfeito obediente pôde gabar-se de não querer ou pensar coisa alguma fora do que o Senhor quiser pensar ou dispor de sua sorte futura.

A influência da obediência sobre as outras virtudes é tal, que, no sentir dos. Santos, vem a ser como mãe de todas. Ela as planta, as rega e faz frutificar. Ela é a que lhes da forma, valor e mérito para. a vida eterna; porque assim como a desobediência foi causa de nossa ruína e perdição, a obediência, pelo contrario, é penhor seguro de predestinação, segundo as palavras dos provérbios: "O perfeito obediente alcançará vitória".

Foi, pois, Rita no exercício desta virtude um modelo e um prodígio da maior admiração. A vida toda de nossa santa se desenvolve e amadurece recebendo sempre a seiva vigorosa da obediência.

Mesmo antes de chegar a compreender, pela sua tenra idade, o valor desta virtude, e daquela celeste doutrina, contida. naqueles místicos colóquios com que a entretinham seus piedosos pais, falando-lhe da vida, paixão e morte de Jesus Cristo que, para nos resgatar da morte do pecado, se fez obediente até morrer na cruz; antes mesmo, digamos, de que Rita pudesse compreender o valor daquelas palavras de Jesus: "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração", Rita, com maravilhosa docilidade, obedecia alegre e satisfeita àqueles que o Senhor lhe dera como superiores, os pais; e à medida que ia crescendo em anos e compreendendo os divinos ensinamentos todos os passos da vida de Jesus Cristo eram, para ela, outras tantas setas do amor divino que feriam sua alma cada vez mais, até transformai-a em imagem viva de Jesus crucificado. Toda a vida de Rita outra coisa não foi, senão um continuado sacrifício da sua vontade à vontade do Senhor.

Temos visto as dolorosas provas pelas quais o Senhor quis que passasse quando vivia no mundo, sobretudo aquela luta que teve de sustentar consigo mesma, quando por obedecer a seus pais aceitou à vida do matrimônio: a vida de casada e durante sua viuvez, que outra coisa foi senão um doloroso combate que suportou com admirável paciência, para conservar-se fiel à vontade de Deus, à de seus pais e à daquele marido cruel que o Senhor lhe dera pára purificar sua obediência, fazendo que esta brilhasse com os fulgores da santidade? No meio daquelas cenas de horror, de sangue e luto em que pereceu seu esposo, onda amarga de dor submergia Rita num abismo de penas e sofrimentos; porém maior foi sua resignação na vontade divina, e, mercê de Deus, ainda pôde oferecer-lhe o ultimo sacrifício dos seus castos amores, pondo nas mãos do Senhor a vida daqueles filhos queridos, antes que a malícia pervertesse seus corações.

Se a obediência comum é tão agradável a Deus que para a sua observância. fez um dos principies mandamentos, qual não será o valor da obediência que se abraça mediante o voto perpetuo e solene, como o que fazem as pessoas religiosas, para consagrar-se a Deus e vive por seu amor durante toda a vida sujeitas à vontade dos superiores, para mais facilmente caminhar pela estrada da perfeição? Quão penetrada estava nossa Santa da importância desta formosa virtude, coisa fácil é de ver nas diferentes passagens de sua vida. Limitando-nos ao que se refere à sua vida religiosa, consignaremos aqui o que dela dizem seus biógrafos: "que Rita possuis a excelsa virtude da obediência em grau muito eminente; pois todos os seus feitos não foram senão outros tantos atos de obediência, ou para melhor dizer, toda a sua vida monástica foi um só ato, ininterrupto, da mais humilde, sincera e prometa obediência. Demasiado convicta se achava ela, segundo os princípios da sua piedade, do que dissera Samuel, isto é: que ao Senhor mais apraz o sacrifico da vontade que o das vitimas; tinha sempre ante os olhos o exemplo de um Deus, que para nossa instrução quis viver sujeita às criaturas; sentia-se também enamorada e provocada de emulação ao refletir na heróica obediência de tantos santos e santas do claustro; discernia as vantagens superiores de tal virtude para dirigir seus passos neste mundo de trevas e erros; e por isto não estava somente sujeita a todas as leis do Evangelho, da Igreja, da regra e das constituições da Ordem, nem só com deferência e prontidão obedecia às determinações das diversas superioras que teve, e nos diversos cargos que lhe incumbiram; mas anelava sujeitar-se mesmo às suas irmãs iguais, ou menores, e esmerava-se em se lhes antecipar às ordens, aos conselhos e até aos acenos, que interpretava, julgando-se indigna serva de todas. Tamanha virtude merecia as honras das ultimas provas, que Deus, ou por si ou por meio de outros, costuma fazer; e a prova foi esta, que a Madre Priora, vendo em Rita semelhante submissão, quis tentá-la imponde-lhe a obrigação quotidiana de regar uma planta seca, que estava no jardim do mosteiro. A tão extravagante intimação não replicou a Santa, não apegou que o preceito estava abaixo das condições da regra, e não encarou o escrúpulo do tempo perdido, antes vivia persuadida de que o tempo sempre bem se emprega quando serve para a obediência; pelo que com inteira conformidade se aplicou à empresa, e continuou-a por diversas estações, nisto imitando um exemplo igualmente admirado do santo abade João, de quem se lê, na vida dos Padres, que para obedecer ao seu diretor se abaixou a carregar, em longo trecho da estradas e por tempo considerável, um balde de água para regar um tronco seco. Assim fez a nossa Santa, e não em vão; pois tanto aprouve a Deus esse ato de heróica obediência que, como refere a tradição, se viu reverdecer aquela planta, e em seguida produzir flores e frutos, pelo que se ficou chamando a arvore da Bem-aventurada". Diz-se que esta arvore foi uma ameixeira. Mas a tradição ininterrupta nos diz que a tal planta, que ainda se vê no Convento de Cassia, depois de mais de cinco séculos, é a videira de Santa Rita. Atualmente se encontra ao pé do muro do mosteiro e é a admiração dos romeiros que, de toda parte, chegam em visita ao corpo da Santa e ao convento em que tantos anos ela viveu. Em setembro de 1930 o tradutor deste livro teve o prazer de visitar o convento e igreja de Santa Rita em Cássia, o corpo da Santa, a videira, viçosa e cheia de cachos, e a cela em que habitou por muitos annos, hoje convertida em capela: nesta capela teve a felicidade de rezar a Santa Missa.

Não só quis o Senhor premiar durante a vida o grande mérito da obediência de sua serva Rita, mas também depois de sua morte, porque, como dizem os biógrafos, quando o Bispo, ou algum dos Superiores .da Ordem, visita o corpo da Santa, este levanta-se da urna em que está depositado (como se tem observado por diversas vezes), e abre os olhos em sinal de reverencia aos Prelados; e até pode-se presumir que a abundância das graças que o Senhor derrama sobre a pobre Comunidade das Madalenas de Cássia, é prêmio de seu particular amor à obediência, que elas estimam como o mais rico patrimônio de sua Santa Irmã.