CAPÍTULO XV. NO CONVENTO

Humilde e confusa com a companhia daqueles celestiais mensageiros ia Rita resolvida a segui-los aonde quer que a quisessem levar. Poucos passos havia dado e logo conheceu que seus guias a dirigiam pela escabrosa senda que conduzia ao rochedo que ficava defronte a sua casa, em cujos esconderijos costumava recolher-se freqüentemente para orar, particularmente depois que ficou sozinha no mundo. Embora tão extraviada vereda não fosse caminho para parte alguma, a piedosa viúva nem um momento duvidou de seguir seus guias. Subiu intrépida com eles até o cume do rochedo; porém, fazem notar seus biógrafos, que quando se viu naquela altura. onde nunca havia chegado - pois o lugar em que habitualmente se ocultava para orar ficava um terso mais abaixo, - começou a tremer, porque viu a impossibilidade de dar um passo mais para diante, a não ser para precipitar-se no abismo. Os santos companheiros encorajando-a e estimulando sua fé, fizeram-lhe ver que para Deus nada ha difícil; no mesmo instante, levada pelos ares, saltando cumes, ainda mais elevados, e horríveis precipícios, encontra-se, como por encanto, antes do amanhecer do dia, dentro do convento das Madalenas de Cássia, quando ainda estavam fechadas todas as portas e janelas, e as religiosas gozavam do descanso da noite.

Alguns escritores, para explicar o grande temor e medo que se apoderou de Rita, vendo-se sobre o cume daquele altíssimo rochedo, de onde foi transportada num vôo à Cássia, dizem que, com a subida a lugar tão elevado, os santos guias pretendiam mostrar-lhe a elevada perfeição a que havia de chegar, fazendo-lhe entender ao mesmo tempo o horrível que para ela seria uma queda desde tão grande altura. Seja como for, o certo é que desde então aquele rochedo teve o nome tradicional d.e Escolho de Santa Rita ou Monte do Perigo, e dele se faz muitas vezes relação nos autos do Processo de Beatificação e Canonização da Santa.

Desde a admirável ascensão de Rita ao Escolho, acompanhada dos santos guias, aquele rochedo, ficou por tradição consagrado à sua memória. Todos os moradores de Rocca Porena sabem que naquele monte era onde Rita, desde jovem, e particularmente depois que ficou viúva e sozinha no mundo, se ocultava para chorar suas penas e desabafar suas magoas na oração. Todos igualmente sabem pela revelação de Rita aos Superiores, e destes aos moradores do Lugar, que fôra miraculosamente transportada do cume do rochedo ao convento das Agostinianas de Cássia pelos Santos Protetores, como consta nos autos do Processo. Não é por tanto de admirar que conservados estes fatos pela tradição, o Prefeito do lugar, no ano de 1718, com licença de Monsenhor Lascario, Bispo de Spoleto, fizesse benzer uma grande cruz colocando-a no cume do monte, onde até hoje se conserva e se venera.

Dentro já do sagrado asilo das Madalenas de Cássia desapareceram os santíssimos guias, deixando Rita como que abismada num mar de reflexões e desencontrados afetos que combatiam seu espirito, lembrando-lhe que em breve, pois b dia começava a clarear, ia ser surpreendida ali pelas mesmas religiosas que lhe haviam negado a entrada naquela santa casa. A lembrança das recusas e o acanhamento de se ver agora entre elas, como que furtivamente, e, mais ainda, a necessidade que teria de revelar e explicar os prodígios feitos por Deus naquela noite em seu favor, punham-na fora de si. Preocupava-se também pelo conceito favorável que as religiosas pudessem formar de seus méritos, pois que ela em sua humildade considerava-se a mais miserável de todas as criaturas.

Distraída estava com estes pensamentos quando o toque de um sino a fez voltar à realidade. Era o sino do convento que chamava as religiosas ao côro para a oração e pára o cântico dos divinos louvores. Aproximava-se o momento solene em que Rita e as religiosas, se bem que por motivos diferentes, iam experimentar impressões verdadeiramente comoventes. As que com resolução desdenhosa haviam feito oposição para que Rita, a pobre viúva, fosse admitida na Comunidade, não tomando em consideração uma vida cheia de sacrifícios, iam sem agora as primeiras a publicar suas virtudes, e em públicos testemunhos legariam à posteridade noticia detalhada do portentoso ingresso de Rita no convento.

Com efeito: historias, tradições, depoimentos de testemunhas e lendas, todos concordam em afirmar unanimemente essa maravilhosa entrada de Rita no convento das Madalenas de Cássia, levada aí por São João Batista, Santo Agostinho e São Nicolau de Tolentino, com todos os pormenores já referidos e outros que se mencionarão no capitulo seguinte.