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“De outra vez, o diácono Servando, abade do mosteiro outrora
construído em terras da Campanha pelo patrício Libério, veio de
visita a Bento, como costumava. Como era também ele homem cheio da
erudição da graça celeste, freqüentava o mosteiro de Bento, para
que se comunicassem mutuamente doces palavras de vida, e ao menos em
suspiros provassem o suave alimento da pátria celeste, já que ainda
não o podiam em gozo perfeito.
Chegada a hora do descanso noturno, o venerável Bento acomodou-se
no alto da torre, enquanto o diácono Servando ficou em baixo; rima
escada de acesso fazia comunicar os dois aposentos. Em frente dessa
mesma torre existia Lima grande morada, onde descansavam os
discípulos de um e outro.
Enquanto os monges dormiam, o homem de Deus, Bento, antecipava em
vigília a hora da oração noturna. Ora, eis que, estando à janela
em prece a Deus onipotente, de súbito, na calada da noite, olhou
para cima e viu uma luz que se difundia do alto e dissipava as trevas da
noite, brilhando com tal esplendor que, apesar de raiar nas trevas,
superava o dia em claridade. Nesta visão, seguiu-se uma coisa
admirável, pois, como depois ele mesmo contou, também o mundo
inteiro lhe apareceu ante os olhos, como que concentrado num só raio
de sol. Ainda enquanto o venerável Pai fixava atentamente a vista no
esplendor da cintilante luz, viu a alma de Germano, bispo de
Cápua, levada ao céu pelos anjos numa esfera de foto.
Querendo, então, que alguém lhe servisse de testemunha de tão
grande visão, chamou repetidamente, duas ou três vezes, em alta
voz, o diácono Servando pelo próprio nome Este, perturbado pelo
insólito clamor de tão grande homem, subiu, olhou para o alto e
ainda viu um rastro exíguo de luz.
A Servando, estupefato por tão grande maravilha, o homem de Deus
narrou por ordem tudo que acontecera, e imediatamente encarregou o
virtuoso Teóprobo, de Cassino, que na mesma noite mandasse alguém
a Cápua para saber o que havia com o bispo Germano, e o comunicasse
a Bento.
De fato, aconteceu que o enviado encontrou já defunto o
reverendíssimo bispo Germano; o mesmo, indagando minuciosamente,
apurou que ele morrera no mesmo instante em que o homem de Deus tomou
conhecimento de sua ascensão.”
Pedro: “Coisa, de fato, muito admirável e estupenda! O que
disseste, porém, - a saber, que o mundo inteiro, como que
concentrado num único raio de sol, foi trazido ante os olhos de
Bento, já que nunca o experimentei, também não posso conjeturar de
que modo possa acontecer que o universo todo seja visto por um só
homem.”
Gregório: “Tem por certo, Pedro, o que vou dizer: para a alma
que vê o Criador, toda criatura é pequena. Por pouco que ela
chegue a ver a luz do Criador, exíguo se lhe torna tudo que é
criado, porque, à luz dessa visão profunda, o íntimo da mente se
dilata e de tal modo se expande em Deus, que fica acima do mundo. A
própria alma do vidente coloca-se, então, acima de si mesma. Ao
ser raptada acima de si na luz de Deus, amplia-se interiormente, e,
quando, nesse estado de exaltação, olha abaixo de si, compreende
quão pequeno é tudo aquilo que, no seu estado de humilhação, não
podia compreender. O homem de Deus, que, contemplando o globo de
fogo, também via os anjos de volta ao céu, certamente não podia ver
essas coisas senão na luz de Deus. Que é, pois, de admirar, se
viu o mundo concentrado diante de si, aquele que, elevado na luz do
espírito, esteve fora do mundo? Se, porém, se diz que o mundo
todo foi concentrado diante dos seus olhos, não é que o céu e a
terra tenham sido contraídos, mas o espírito do vidente é que foi
dilatado, e, raptado em Deus, pôde sem dificuldade ver tudo que
está abaixo de Deus. Portanto, enquanto aquela luz lhe resplandecia
aos olhos de fora, houve uma luz interior na mente, que arroubando ao
alto o espírito do vidente, lhe mostrou quão estreito é tudo que se
acha aqui em baixo.”
Pedro: “Vejo que me foi útil não ter entendido o que disseras,
já que, por minha rudeza, tanto se desenvolveu a explicação. Mas
agora que expuseste essas coisas com clareza, peço que voltes ao curso
da narração.”
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